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Pesquisa FAPESP janeiro de 2019
inteligência
artificial Campo da ciência da
computação cresce em São Paulo
desde os anos 1990 e impulsiona
projetos acadêmicos e comerciais
Pesquisa Brasil traz notícias e entrevistas A cada programa, três Você também pode baixar
sobre ciência, tecnologia, meio entrevistados falam sobre o e ouvir o programa da semana e
ambiente e humanidades. Os temas são desenvolvimento de pesquisas os anteriores na página de
selecionados entre as reportagens da e inovações e escolhem a Pesquisa FAPESP na internet
revista Pesquisa FAPESP programação musical (revistapesquisa.fapesp.br/podcast)
São Paulo
Em janeiro, ouça as
93,7 mHz
melhores entrevistas
e os programas
Ribeirão Preto especiais de 2018
107,9 mHz
CAPA p. 18
Inteligência
artificial evolui
e leva à criação
POLÍTICA C&T 46 Internacionalização 66 Medicina
de novos projetos As iniciativas que Transplante de útero de
acadêmicos e 36 Financiamento promovem intercâmbio doadora morta realizado
comerciais Indicadores mostram efeito entre cientistas brasileiros em São Paulo é o primeiro
p. 18 da recessão nos dispêndios nos Estados Unidos bem-sucedido no mundo
em P&D em 2016
50 Propriedade 68 Entrevista
Ferramenta 42 Entrevista intelectual O biólogo brasileiro
tecnológica Cristina Russo, da Paraíba se destaca em Alexandre Antonelli será o
nasceu como Comissão Europeia, pedidos de patentes diretor científico de Kew
consequência fala sobre acesso aberto Gardens, no Reino Unido
às pesquisas com
de estudos
financiamento público CIÊNCIA 72 Meteorologia
matemáticos Projeto investigará como
p. 24 54 Saúde nanopartículas produzem
Vacina do Butantan temporais na Amazônia
David Cox, do contra dengue leva
ENTREVISTA farmacêutica a fechar 76 Arqueogenômica
MIT-IBM, diz que Nei Lopes acordo de até DNA indica uma
saúde é apenas Compositor US$ 100 milhões história complexa para a
uma das áreas e especialista em domesticação do milho
beneficiadas pelos culturas da África 59 Instituto paulista
é autor de cerca fabrica anualmente
avanços
de 30 mil verbetes 100 milhões de doses TECNOLOGIA
p. 26
p. 30 de nove imunizantes
78 Energia elétrica
Ilustração de capa
60 Psiquiatria Potencial eólico brasileiro
Nik neves Estudos sugerem que é três vezes maior
anestésico de ação do que o consumo atual
psicodélica pode ser
benéfico para tratar 84 Empreendedorismo
depressão severa Prêmio reconhece projetos
científicos com potencial de
64 Equipes de Natal e aplicação na área médica
Ribeirão Preto testam
ayahuasca contra doença
www.revistapesquisa.fapesp.br
Leia no site todos os textos da revista em português, inglês
e espanhol, além de conteúdo exclusivo
vídeo youtube.com/user/pesquisafapesp
p. 60 p. 78
95 Resenha
HUMANIDADES Patrimônio colonial podcast bit.ly/PesquisaBr
latino-americano:
88 Cultura Urbanismo, arquitetura, especial
Cordel alcança fase arte sacra, de Percival O futuro dos museus
de reconhecimento e Tirapeli. Por Everaldo brasileiros
institucionalização Batista da Costa Solange Ferraz de Lima,
do Museu Paulista, Carlos
92 Cinema 96 Carreiras Brandão, do MAC-USP, e
Os fatos pouco conhecidos Pesquisadores e Alexander Kellner, do
sobre David Perlov, bolsistas contam como Museu Nacional,
brasileiro que influenciou a organizam a rotina discutem estratégias de
cinematografia israelense nas férias gestão, financiamento e
conservação
bit.ly/igPBr14dez18
SEÇÕES
3 Fotolab
6 Comentários
7 Carta da editora
8 Boas práticas
Código holandês propõe
discussão sem medo de
represálias sobre
integridade científica
p. 88
Conteúdo a que a
comentários cartas@fapesp.br
mensagem se refere:
Revista impressa
contatos
mpiliadis@fapesp.br 7 comentários
Por telefone:
(11) 3087-4212 124 compartilhamentos
6 | janeiro DE 2019
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
carta da editora
Marco Antonio zago
Presidente
inteligência artificial
Marco Antonio Zago, Marilza Vieira Cunha Rudge,
Pedro Luiz Barreiros Passos, Pedro Wongtschowski,
Ronaldo Aloise Pilli e Vanderlan da Silva Bolzani
Conselho Técnico-Administrativo
N
o começo dos anos 1990, pesqui- Há alguns anos, o Butantan e outros
issn 1519-8774 sadores paulistas submeteram à institutos de pesquisa e empresas come-
Conselho editorial FAPESP projetos de pesquisa da çaram a desenvolver vacinas contra den-
Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa,
Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, então pouco conhecida área de redes neu- gue usando material cedido pelos NIH, os
rais artificiais, a simulação via computa- institutos nacionais de saúde dos Estados
Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Maria Hermínia Tavares de
Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani e Mônica Teixeira
comitê científico dor do funcionamento do sistema nervoso Unidos. O projeto brasileiro avançou mais
Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente),
Américo Martins Craveiro, Anamaria Aranha Camargo, Ana central. Seu objetivo é reconhecer padrões rapidamente, chamando a atenção da mul-
Maria Fonseca Almeida, Carlos Américo Pacheco, Carlos
Eduardo Negrão, Douglas Eduardo Zampieri, Euclides de que permitiriam que a máquina “aprenda”. tinacional norte-americana MSD, uma das
Mesquita Neto, Fabio Kon, Francisco Antônio Bezerra
Coutinho, Francisco Rafael Martins Laurindo, Hernan A inteligência artificial (IA) nasceu nos concorrentes. Hoje, na fase três dos testes
Chaimovich, José Roberto de França Arruda, José Roberto
Postali Parra, Lucio Angnes, Luiz Nunes de Oliveira, Marco anos 1940, mas, como pode acontecer na clínicos, a última, tem apresentado resul-
Antonio Zago, Marie-Anne Van Sluys, Maria Julia Manso Alves,
Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Robles ciência, estava à frente do seu tempo. Pre- tados muito promissores, levando a MSD
Reis Queiroz, Wagner Caradori do Amaral e Walter Colli
Coordenador científico
cisou do avanço da capacidade dos compu- a propor uma parceria com a instituição
Luiz Henrique Lopes dos Santos tadores para dar conta da imensa quanti- paulista (página 54).
diretora de redação
Alexandra Ozorio de Almeida
dade de dados a processar. Para contornar Um aporte de US$ 26 milhões no Butan-
editor-chefe
o empecilho, desenvolveu-se a vertente tan permitirá à norte-americana alcançar
Neldson Marcolin
baseada em linguagem de programação, o estágio de desenvolvimento da vacina
Editores Fabrício Marques (Política de C&T),
Glenda Mezarobba (Humanidades), Marcos Pivetta (Ciência), que cria regras para resolver um determi- brasileira; se o produto for ao mercado
Carlos Fioravanti e Ricardo Zorzetto (Editores especiais),
Maria Guimarães (Site), Bruno de Pierro e Yuri Vasconcelos nado problema. e vender bem, o repasse poderá alcançar
(Editores-assistentes)
Hoje, o conhecimento produzido por es- mais US$ 75 milhões ao longo de 24 me-
repórteres Christina Queiroz, Rodrigo de Oliveira Andrade
se tipo de estudo é ubíquo, presente em so- ses. A multinacional deterá os direitos de
redatores Jayne Oliveira (Site) e Renata Oliveira
do Prado (Mídias Sociais) luções oferecidas por softwares para fugir comercialização no exterior.
arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora
de infografia), Felipe Braz (Designer digital), Júlia Cherem Rodrigues
do trânsito, recomendações do serviço de Até o momento, foram investidos no
e Maria Cecilia Felli (Assistentes) streaming de vídeos ou na leitura biométri- projeto R$ 224 milhões, oriundos de fontes
fotógrafo Léo Ramos Chaves
ca para saque no caixa automático, entre como o BNDES e o Ministério da Saúde,
banco de imagens Valter Rodrigues
inúmeros exemplos. Não mais restrita à além da FAPESP. Se bem-sucedido, signi-
Rádio Sarah Caravieri (Produção do programa Pesquisa Brasil)
academia, onde segue como uma atraente ficará o reconhecimento internacional em
área de pesquisa, inclusive por seu caráter pesquisa e desenvolvimento do instituto,
revisão Alexandre Oliveira e Margô Negro
E
m vez de destacar a punição de casos de má produzir estratégias abrangentes e sem lacunas.
conduta ou a criação de órgãos de controle Um dos capítulos enumera um rol de 61 boas práticas
centralizados, o novo Código de Conduta para de pesquisa, como dar crédito a todos os que
Integridade Científica da Holanda, que entrou em participaram do trabalho, evitar exageros na
vigor em outubro, valoriza a capacidade de as divulgação de resultados, jamais publicar em revistas
instituições resolverem seus problemas de forma de baixa qualidade e nunca manipular citações de
autônoma e o debate permanente no ambiente artigos. Uma novidade em relação ao código anterior
acadêmico sobre erros e comportamentos capazes é uma lista de 21 deveres que universidades e
de comprometer a integridade científica. “O enfoque instituições científicas devem abraçar, referentes a
não está em policiar os pesquisadores, mas em treinamento e supervisão, cultura de pesquisa,
estimulá-los a discutir sem culpa os dilemas que gerenciamento de dados, publicação de resultados
vivem”, escreveu, em artigo publicado na revista e normas éticas (ver quadro).
Nature Index, o epidemiologista Lex Bouter, membro A ideia de que a má conduta não é um desvio de
da equipe que elaborou o código – o documento ordem individual, mas recebe influência do ambiente
de 30 páginas atualizou as diretrizes em vigor e da cultura em que os pesquisadores atuam, vem
desde 2004. “Queremos que os nossos pesquisadores ganhando espaço no debate internacional. Em 2015, a
sejam capazes de trabalhar em um ambiente aberto 4ª Conferência Mundial sobre Integridade Científica,
no qual se sintam responsáveis e ao mesmo tempo realizada no Rio de Janeiro, adotou essa abordagem
acompanhados. A ciência só pode se desenvolver ao discutir a responsabilidade de instituições na
se as pessoas puderem compartilhar promoção de condutas responsáveis de pesquisa
preocupações e discutir as falhas que cometem”, (ver Pesquisa FAPESP nº 233). Na 6ª edição da
afirmou Bouter, professor de metodologia científica conferência, programada para junho em Hong Kong,
da Universidade Livre de Amsterdã. uma das metas será formular sugestões que deem base
É certo que o documento traz ideias já bastante a um novo sistema de recompensas na carreira dos
difundidas, mas ele causa impacto ao compilar pesquisadores. A intenção é propor um modelo de
recomendações que ajudam as instituições a avaliação que não se restrinja a analisar indicadores
8 | janeiro DE 2019
bibliométricos, como número de
Lição de casa artigos e citações. “O novo código
garante que a Holanda irá
Recomendações do código holandês para dirigentes acompanhar os avanços internacionais
de universidades e instituições científicas no campo da integridade científica”,
disse, no lançamento do documento,
Keimpe Algra, professor de filosofia da
Treinamento e supervisão Gerenciamento de dados Universidade de Utrecht, coordenador
da equipe que elaborou o texto.
Produzido por representantes de
✶ Oferecer treinamento em ✶ Criar uma infraestrutura que
organizações como a Academia Real
integridade científica a viabilize o gerenciamento de dados
de Artes e Ciências do país e a
pesquisadores de todos de pesquisa
Associação de Universidades da
os níveis e ao pessoal técnico Holanda, entre outras, o código é
✶ Garantir que dados, códigos de
✶ Incorporar a integridade científica software e protocolos sejam destinado a instituições de pesquisa e
às atividades educacionais guardados permanentemente de ensino superior públicas e privadas
e a publicações científicas.
✶ Estimular práticas responsáveis ✶ Armazenar material usado em
Os responsáveis pelo documento
no ambiente de pesquisa pesquisas por um prazo apropriado
esclarecem que, embora ele possa ser
✶ Garantir que jovens pesquisadores ✶ Tornar acessíveis dados de útil para toda a comunidade científica,
e alunos de doutorado tenham pesquisa, respeitando sigilo quando não há a intenção de que tenha força
supervisores qualificados necessário de legislação ou se torne referência
para decisões da Justiça, como
✶ Ter critérios transparentes ✶ Divulgar os critérios para consulta
acontece em diversos países. A decisão
de contratação, promoção e de dados e protocolos de seguir as normas deverá ser
remuneração tomada de forma voluntária pelas
instituições. Da mesma forma, o
Publicação e disseminação
código propõe que os pesquisadores
Cultura de pesquisa
discutam de forma livre equívocos e
✶ Promover acordos com órgãos de deslizes e ajudem uns aos outros a
✶ Adotar boas práticas de fomento e outras instituições seguir as boas práticas. “O que há de
pesquisa e agir se elas estiverem para dar acesso e divulgar os dados mais importante no código é a
sendo ignoradas produzidos pelos pesquisadores necessidade de remover do sistema de
✶ Valorizar boas práticas no contexto ✶ Estimular a comunicação
recompensa acadêmica aquele tipo
de incentivo que gera comportamentos
de diferentes disciplinas cuidadosa e rigorosa dos resultados
perversos, como troca de citações
de experimentos
✶ Zelar pelo respeito aos padrões de entre pesquisadores, e de promover
qualidade e integridade na pesquisa um clima aberto em que os cientistas
✶ Fazer cumprir regulamentos, NORMAS E PROCEDIMENTOS possam discutir seus problemas sem
códigos de conduta e protocolos ÉTICOS
medo de represálias”, afirma Bouter.
No capítulo final, o código descreve
relevantes
como as instituições devem lidar com
✶ Estimular pesquisadores a discutir ✶ Criar, quando necessário,
casos comprovados de má conduta.
boas práticas, a ajudar colegas a comitês de aconselhamento sobre A severidade da punição deve
segui-las e a informar desvios temas que envolvam a qualidade ser proporcional à falta cometida.
da pesquisa O documento faz distinção entre o que
✶ Divulgar no site da instituição é má conduta em pesquisa e pode
informações sobre suas políticas, exigir uma sanção rigorosa, inclusive
atividades, posições e interesses
a demissão do pesquisador desonesto,
e o que são práticas questionáveis e
✶ Selecionar conselheiros sobre faltas de menor importância – essas
integridade científica que talvez não mereçam penalidades.
possam ser consultados de forma Os casos menos graves devem,
ilustrações arthur vergani
10 | janeiro DE 2019
Dados Dispêndios em P&D
no estado de São Paulo
Os dispêndios em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no A maior parte (54% do total) se originou das empresas,
estado de São Paulo totalizaram R$ 25,8 bilhões em 2017, seguidas das universidades (27%), das agências de fomento
com pequeno decréscimo em relação a 2016 (9,7%) e dos institutos de pesquisa (9,6%)
Dispêndios em P&D no estado de São Paulo1, pela origem dos recursos Dispêndios em P&D por setores2
(R$ milhões correntes) (R$ milhões, participação)
2014 2015 2016 2017
Privado
Total 26.053 26.019 26.029 25.783
Instituições de Ensino Superior (IES) 6.128 6.648 7.065 6.849
15.330 15.035 14.928 14.570
IES federais 915 902 968 1.030 59% 58% 57% 57%
IES estaduais 4.753 5.200 5.475 5.200
IES privadas 461 546 622 619 3.871 4.318 Federal
4.190 3.940
Agências de fomento 3.102 2.807 2.699 2.510 16% 15% 15% 17%
Estadual
CNPq 664 523 362 315 6.532 7.044 7.230 6.895
Capes 689 736 766 766 25% 27% 28% 27%
A educação básica recebeu O governo federal respondeu por 30% dos Os estados e municípios responderam
83% dos investimentos investimentos (antes das transferências), 17% dirigidos por 70% dos investimentos, 67%
públicos em educação à educação básica e 13% à educação superior dirigidos à educação básica
Total 96.503 115.751 92.583 304.837 Total 32% 38% 30% 100%
Educação Básica 96.166 105.538 51.550 253.254 Educação Básica 32% 35% 17% 83%
ilustração Freepick
Educação Superior 338 10.212 41.032 51.582 Educação Superior 0,1% 3,4% 13% 17%
1 A tabela difere da publicada no Relatório de Atividades FAPESP 2017 em função dos dados da Capes para 2017, que foram atualizados posteriormente. 2 O grupo privado inclui empresas e ensino
superior privado. 3 Investimentos públicos diretos são aqueles financiados por governos e executados no setor público (republicado da edição nº 274, de dezembro de 2018, incluindo as frações
sobre o total dos dispêndios). 4 Antes das transferências federais (via Fundeb e outras). Fontes Dispêndios em P&D – Pintec, FAPESP, Censo da Educação Superior/Inep/MEC. Elaboração Coordenação
de Indicadores de CT&I/FAPESP. Metodologia: Cap. 3, Indicadores CT&I São Paulo, 2010, FAPESP. Investimentos públicos em educação: Contas Nacionais/IBGE, Inep/MEC e Education at a Glance/OCDE.
Elaboração Coordenação de Indicadores de CT&I/FAPESP.
A vida longa
dos papagaios
12 | janeiro DE 2019
Telescópio mede
quase toda a
luz do Universo
formado há cerca
de 13,7 bilhões de anos
(Science, 30 de
novembro). O astrofísico
Marco Ajello e sua Coroação da Bactérias ávidas
equipe do Clemson nova medição Virgem (acima)
fotos 1 PH1 Hendricks/U.S. Navy Naval History and Heritage Command 2 Marie-Lan Nguyen/Wikimedia 3 ANDRÉ PESSOA 4 gabriel de paiva /agência o globo
recomendaram que um Getty, de Los Angeles,
conjunto de peças – nos Estados Unidos,
Uma forte tempestade solar em 1972 é tronos, estátuas e outras anunciou que continuará
agora a causa mais provável da repentina regalias reais tomadas defendendo seu direito
detonação de dezenas de minas marítimas de manter uma estátua
durante a Guerra do Vietnã (1955-1975). de bronze grega em
De acordo com um estudo coordenado por sua coleção. Em 2010,
Delores Knipp, da Universidade do Colorado um tribunal italiano
em Boulder, nos Estados Unidos, a intensa ordenou que a estátua
atividade solar produziu radiação, plasma fosse devolvida, em meio
solar e partículas eletricamente carregadas à campanha italiana
que atingiram a Terra (Space Weather, outubro de recuperação de
de 2018). Depois de chegar ao planeta em 4 antiguidades roubadas
de agosto, as partículas de alta energia e o de seu território.
plasma magnetizado danificaram satélites e O museu Getty
causaram problemas de energia, identificados argumentou que a Itália
nos Estados Unidos. Nessa data, as auroras, não tem direito à
resultantes de partículas carregadas do Sol estátua, encontrada no
que interagem com o ar na atmosfera superior mar por um pescador
da Terra, foram visíveis no norte dos Estados italiano e comprada pelo
Unidos e no sul do Reino Unido. No mesmo museu em 1977 por
dia, a marinha norte-americana registrou a US$ 4 milhões.
explosão de dezenas de minas marítimas O Supremo Tribunal
ao longo da costa do Vietnã sem nenhuma italiano rejeitou a
causa aparente. Instaladas com o propósito de contestação do museu
bloquear o acesso aos portos vietnamitas, as (Diário de Notícias,
minas poderiam ser acionadas se detectassem 6 de dezembro).
alterações nos campos magnéticos asso-
ciados a navios em movimento. A atividade
solar altera o campo magnético da Terra e, Escultura da
no início de agosto de 1972, as perturbações civilização Nok,
da Nigéria,
provavelmente foram intensas o bastante
mantida no
para fazer as minas explodirem. 2
Museu do Louvre
14 | janeiro DE 2019
Museu Nacional
resgata
1.500 peças
No início de dezembro,
pouco mais de três
meses depois de o
Museu Nacional ter sido
quase totalmente
destruído por um grande
incêndio em 2 de
setembro, a direção da
instituição anunciou ter
resgatado cerca de
1.500 itens em meio aos
escombros da tragédia.
São peças que estavam
em exposição ou
compunham o acervo 3
das coleções da
instituição, além de Detalhe
equipamentos, objetos de obra de
16 | janeiro DE 2019
Milhares de painéis solares
na represa de Sobradinho
inteligência
artificial
Com a crescente evolução da ferramenta
tecnológica, consórcio de pesquisadores
cria instituto dedicado a estabelecer
parcerias entre universidades e empresas
Suzel Tunes
E
m constante crescimento, principalmen- to de Ciências Matemáticas e de Computação da
te nesta década, a inteligência artificial (ICMC), coordenador do Núcleo de Pesquisa em
(IA) começa 2019 com mais um incen- Aprendizado de Máquina em Análise de Dados,
tivo no Brasil. A partir da inauguração ambos da Universidade de São Paulo (USP), e um
oficial do Instituto Avançado de Inteli- dos integrantes do futuro instituto.
gência Artificial (AI²), prevista para fevereiro, sur- Organizado como um consórcio de pesquisa-
ge mais uma ponte entre universidade e empresa dores de inteligência artificial, o AI² (https://ad-
para o desenvolvimento de pesquisas em parceria. vancedinstitute.ai) reúne especialistas de algumas
A expectativa é de que a organização promova das maiores universidades do país – todas locali-
projetos voltados às mais diversas aplicações, em zadas no estado de São Paulo – que oferecerão sua
consonância com a própria multidisciplinarida- expertise para o desenvolvimento de projetos de
de desse ramo da ciência da computação. “A IA interesse acadêmico e comercial. O físico Sérgio
busca simular a inteligência humana utilizando Novaes, do Núcleo de Computação Científica da
não apenas conhecimentos da computação, mas Universidade Estadual Paulista (NCC-Unesp)
também de biologia, engenharias, estatística, fi- e organizador do grupo, explica que o instituto
losofia, física, linguística, matemática, medicina não pretende se limitar aos pesquisadores de São
e psicologia, apenas para citar algumas áreas”, Paulo ou mesmo do Brasil: “Nossa meta é agregar
enumera o cientista da computação André Carlos parcerias no mundo inteiro para a realização de
Ponce de Leon Carvalho, vice-diretor do Institu- projetos de grande impacto socioeconômico”.
18 | janeiro DE 2019
Segundo Novaes, o suporte financeiro do ins- Não é por acaso que o AI² reúne, inicialmente,
tituto virá de seus parceiros privados. “O dinhei- pesquisadores paulistas. O estado e, em especial,
ro será utilizado no recrutamento de recursos a cidade de São Paulo, apresentam uma grande
humanos, organização de eventos, mobilidade concentração de empresas, pesquisadores e mão
de pesquisadores e, eventualmente, aquisição de obra qualificada, o que representa um poderoso
de software e hardware”, explica. A inten- atrativo para o desenvolvimento de novas tecnolo-
ção é estabelecer colaborações que envolvam gias. Historicamente, o estado também concentra
interesses recíprocos e convergentes para que o pesquisadores nessa área de conhecimento (ver
AI² possa desenvolver atividades relevantes de reportagem na página 24). O Departamento de
pesquisa, desenvolvimento e inovação, e não ape- Matemática da USP tem visto as pesquisas em IA
nas como meros prestadores de serviços para o triplicarem nos últimos três anos, afirma o cien-
setor privado. O instituto não terá sede própria. tista da computação Roberto Marcondes Cesar
“O modelo envolve espaços de coworking nas ins- Junior, do Instituto de Matemática e Estatística
tituições participantes ou fora delas, conectados (IME) da USP e coordenador do programa Cen-
por meio de um sistema de telepresença”, deta- tros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da
ilustraçãO nik neves
lha. Os professores que atuarão como mentores FAPESP. “Muitos de nossos alunos são absorvidos
dos projetos com o setor privado deverão ficar por startups do setor”, relata. Essa é a mesma per-
em suas instituições de origem e o pessoal das cepção da cientista da computação Ana Carolina
empresas continuará em suas respectivas sedes. Lorena, da Divisão de Ciência da Computação do
foto léo ramos chaves infográfico ana paula campos ilustração nik neves
“A FAPESP apoia projetos de inteligência artificial car. Agora, como pesquisador-chefe da empresa
desde 1992. Em 1997, quando começou o Pipe, havia SciCrop, com sede em São Paulo, desenvolve uma
uma média de cinco projetos por ano nessa área do ferramenta computacional para avaliação do ris-
conhecimento. Nos últimos dois anos esse número co envolvido em cultura agrícola, com base em
saltou para 40”, relata (ver gráficos na página 23). dados provenientes de fontes textuais, satélites,
Entre os projetos é possível encontrar pes- meteorologia, séries históricas de produtores e
quisadores estrangeiros atraídos pelo alto nível até mesmo notícias relacionadas a fatores eco-
da pesquisa realizada e pelas boas condições de nômicos e sociais. “O sistema ajudará na decisão
trabalho. Um exemplo é o inglês Brett Drury, de hedging [a adoção de estratégias para proteger
que desenvolve, com apoio do Pipe, um sistema o investimento contra possíveis perdas]”, diz.
Marcos históricos
Os primórdios desse ramo da ciência da computação remontam a 75 anos
20 | janeiro DE 2019
Química da USP. Em 1997, um projeto desenvol-
vido em parceria com a Petrobras, por meio do
Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para
Inovação Tecnológica (Pite), resultou em um ga-
nho adicional de US$ 0,25 por barril de petróleo
refinado. “O processo de refino envolve diversas
variáveis, como temperatura e pressão. Usamos
redes neurais para ajustar esses parâmetros e
otimizar o processo”, conta o pesquisador.
Parceria diversa ocorreu com a Companhia
Estadual de Tecnologia e Saneamento Ambien-
tal (Cetesb), de São Paulo, em 2001. Ele utilizou
redes neurais no desenvolvimento de uma tec-
nologia para análise dos dados meteorológicos,
com o objetivo de prever a formação do ozônio
na baixa atmosfera. “A previsão era feita para um
período de três horas. Com o sistema, consegui
prever com 24 horas de antecedência”, relata.
Atualmente, Oller é um dos coordenadores do
programa de físico-química do Centro de Pes-
quisa de Inovação em Gás (RCGI), financiado
pela FAPESP e Shell, criado em 2015.
A startup Treevia criou Além desse tipo de apoio, este ano a FAPESP O físico Silvio Salinas, professor aposentado
um sistema para vai financiar 10 minicursos, com seis a oito ho- do Instituto de Física da USP (IF-USP), foi ou-
monitorar florestas
a distância usando
ras cada um, com pesquisadores estrangeiros e tro pesquisador a receber os primeiros apoios da
sensores: os dados são brasileiros no IME-USP, sobre aprendizado de FAPESP na área de IA. “Nunca imaginei que os
processados em máquina, aprendizagem estatística, sistemas de meus projetos das décadas de 1980 e 1990 pudes-
tempo real utilizando IA bancos de dados e computação de alto desempe- sem ter conexões com as atividades atuais de IA”,
nho e aplicações com impacto social. Os cursos diz. No início dos anos 1990 Salinas desenvolveu
ocorrerão dentro da modalidade Escola São Paulo pesquisas teóricas em física estatística que, mais
de Ciência Avançada. tarde, seriam base para o desenvolvimento de re-
des neurais. “Nossos projetos com a FAPESP con-
TECNOLOGIA COTIDIANA tribuíram para a formação de um bom número de
Desde a década de 1990, projetos de IA apoiados alunos. Nestor Caticha, por exemplo, que ainda
pela FAPESP em parceria com empresas resulta- está no IF, era o pesquisador do nosso grupo en-
ram em novos produtos e processos industriais. volvido com a análise de modelos de redes neu-
Um dos pioneiros nesse campo é Claudio Oller rais, incluindo problemas de tomada de decisões
do Nascimento, do Departamento de Engenharia e aprendizagem”, conta Salinas.
Linguagem acessível
Para o cientista da computação Ígor Assis Braga,
sócio da Big Data Brasil, consultoria paulista es-
pecializada em análise de dados, cresce o número
de negócios que buscam soluções de IA, mas é
preciso traduzir os resultados e as decisões dos
algoritmos em linguagem acessível. “O cliente
quer otimizar o seu negócio, mas também quer
saber, na medida do possível, o porquê das de-
cisões do algoritmo”, afirma Braga.
“Companhias de gran-
de porte tendem a ser mais
A I.Systems Depois de um período conservadoras na adoção de
desenvolveu
um sistema de
no ostracismo, a partir de Startups que novas tecnologias, embora o
2010 o estudo de redes cenário esteja mudando”, de-
envase empregando
software baseado neurais tornou-se uma fazem inovações clara Esthevan Augusto Goes
das principais linhas de Gasparoto, CEO da Treevia,
em IA, que diminui
o desperdício pesquisa em IA. “No co-
com ferramentas uma agritech de São José dos
meço deste século, a área inteligentes Campos (SP). Com recursos
de redes neurais chegou do Pipe, a empresa criou um
a ser dada como morta. começam a sentir sistema web para monitora-
Em 10 anos, o jogo virou. mento a distância de florestas,
Atualmente, a maior parte os efeitos da que utiliza IA para processar
das aplicações de IA vêm dados coletados em tempo
das redes neurais”, declara
alta demanda real por sensores de internet
Marcelo Finger. de profissionais das coisas (IoT). “A cada dia,
O físico Nestor Caticha vemos mais companhias com
Alfonso, um dos integran- times de inovação e estimu-
tes do AI 2, afirma que o lando iniciativas de inovação
momento atual é de uma aberta [que buscam conheci-
explosão de projetos em IA em razão do uso dos mento fora de seus departamentos de pesquisa
algoritmos de aprendizado de máquina, com um e desenvolvimento]. É aí que as startups podem
número cada vez maior de aplicações. Essa fer- contribuir, desenvolvendo soluções com velo-
ramenta tecnológica já se incorporou de tal ma- cidade a que as grandes corporações não estão
foto léo ramos chaves infográfico ana paula campos ilustração nik neves
neira ao cotidiano que passa despercebida em acostumadas.”
atividades corriqueiras, corroborando uma frase Startups focadas no desenvolvimento de ino-
atribuída ao pai da inteligência artificial, o norte- vações com auxílio de ferramentas inteligentes já
-americano John McCarthy (1927-2011): “Assim começam a sentir os efeitos da alta demanda por
que funciona, ninguém mais chama de IA”. Hoje, profissionais. É o caso da Stattus4, de Sorocaba
algoritmos de aprendizagem de máquina estão (SP). “Temos grande dificuldade em encontrar
presentes, por exemplo, no smartphone com re- profissionais capacitados para tocar projetos ba-
conhecimento facial, nos leitores biométricos seados em IA. Quando são encontrados, os salários
e nos serviços de recomendação de playlists e que pedem são altos, o que dificulta a contratação
serviços de streaming de vídeo. por parte de pequenas empresas e startups em es-
Empregadas em um número crescente de se- tágio inicial”, diz Antônio Carlos Oliveira Júnior,
tores, as tecnologias que embutem sistemas in- diretor técnico da empresa. O problema é comum
teligentes estão ampliando o vocabulário empre- a quem precisa dos profissionais de computação.
sarial. Multiplicam-se as fintechs, startups que Para ajudar a resolver a questão, a FAPESP criou
atuam no mercado financeiro; healthtechs, da a categoria de bolsas TT4A e TT5, que paga mais
área da saúde; retailtechs, no varejo; agritechs, no para os que têm experiência comprovada em tec-
agronegócio; logtechs, na logística; legaltechs ou nologia da informação.
22 | janeiro DE 2019
Histórico de fomento à IA
FAPESP apoia essa área do conhecimento desde 1992
Auxílio à 240
220
pesquisa 200
e bolsas, 180
de início 140
120
100
n Bolsas 80
n Auxílio à pesquisa 60
40
20
0
00
01
02
03
04
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08
09
10
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12
13
14
15
16
96
18
99
98
95
94
92
93
17
97
20
20
20
20
20
20
20
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20
20
20
20
20
20
20
20
20
19
20
20
19
19
19
19
19
19
19
Número de
empresas
40
Impulso
35
30
às
25
empresas
20 (Pipe)
15
10
0
92
94
96
98
00
02
04
06
08
10
12
14
16
18
20
20
20
20
20
20
20
20
19
20
19
20
19
19
Imitação
cada no desenvolvimento de soluções de IoT para
monitoramento e gestão de frotas. A empresa tem
mais de 70 funcionários, 20 deles especializados
em desenvolvimento de produto, e mais de 600
do cérebro
clientes em todo o país. Essa estrutura surgiu
em apenas três anos. A Cobli nasceu depois que
o empreendedor norte-americano Parker Treacy
identificou o Brasil como uma oportunidade de
negócios e decidiu investir no setor de logística
no país. Fundou a empresa com o engenheiro
Rodrigo Mourad, com recursos próprios e sem
apoio de incubadoras. Inteligência artificial nasceu
Com sede em São Paulo, a startup recebe re-
cursos do Pipe para aprimorar uma ferramenta como campo científico nos
capaz de identificar o padrão de comportamen-
to de motoristas por meio de aprendizado de
anos 1940 em consequência
máquina utilizando dados obtidos por rastrea- de estudos matemáticos
dores movidos a energia solar. “Com o apoio do
programa podemos firmar uma parceria com a
academia. Através de IA, é possível revolucio-
nar o mercado propondo soluções inovadoras”,
diz o diretor técnico Lucas Fernandes Brunialti.
Uma das áreas que mais tem investido em IA é
A
a da saúde. Empresas do setor têm desenvolvido
mecanismos de suporte ao diagnóstico médico. inteligência artificial (AI) é um dos
Um exemplo é a Onkos Diagnósticos Molecula- poucos campos da ciência que têm
res, localizada no Supera Parque de Inovação e uma data definida de início, segundo
Tecnologia de Ribeirão Preto, ligado à USP. Em Marcelo Finger, do Instituto de Mate-
2018, a empresa recebeu o 9º Prêmio Octávio mática e Estatística da Universidade de São Paulo
Frias de Oliveira pelo desenvolvimento de um (IME-USP). Foi em 1956, durante uma confe-
teste diagnóstico que usa algoritmos de IA para rência realizada no Dartmouth College, em New
a classificação de tumores metastáticos de ori- Hampshire, Estados Unidos, que o cientista da
gem desconhecida, chamado de teste de origem computação John McCarthy usou pela primeira
tumoral (TOT). vez a expressão “inteligência artificial”. Batizava
Além do TOT, a startup também usou IA no assim um novo campo do conhecimento que, des-
desenvolvimento de um segundo exame diag- de a década de 1940, buscava produzir modelos
nóstico, dessa vez para avaliação de nódulos de matemáticos que simulassem o funcionamento
tireoide indeterminados. O método tradicional dos neurônios cerebrais.
da avaliação desses nódulos consiste na análi- No entanto, essa abordagem biológica esbarra-
se do material coletado por um procedimento ria nas limitações técnicas da época. Não existiam
denominado Paaf (sigla de punção aspirativa computadores capazes de processar a imensa
por agulha fina). Ocorre que o resultado não é quantidade de dados necessária à evolução da
conclusivo entre 15% a 30% dos casos. O teste rede neural. Desenvolveu-se, então, outra verten-
molecular criado pela Onkos destina-se a pa- te da IA chamada de “simbólica” e baseada em
cientes desse grupo. Batizado de mir-THYpe, linguagem de programação, que opera por meio
ele utiliza IA para classificar o nódulo indeter- de regras para resolver um problema. Populari-
minado em “negativo” ou “positivo” para ma- zaram-se os sistemas especialistas, alimentados
lignidade a partir da análise da expressão de por conhecimentos previamente definidos.
11 microRNAs, pequenas sequências de RNA re- Um desses primeiros sistemas, criado pelo
guladoras de expressão gênica. Segundo a On- norte-americano Edward Shortliffe no começo
kos, o exame pode reduzir até 81% das cirurgias da década de 1970, recomendava uma seleção de
desnecessárias de tireoide. n antibióticos para ajudar médicos no tratamento
de infecções bacterianas. “No Brasil, uma das pre-
Os projetos citados estão listados na versão on-line desta cursoras nesse campo foi Maria Carolina Monard,
reportagem. professora do ICMC-USP, de São Carlos”, destaca
24 | janeiro DE 2019
os únicos, durante muito tempo,
na área de processamento digital
de imagens e reconhecimento de
padrões”, conta.
Apesar dos avanços, há des-
confiança com relação ao futuro.
“Países como França, Inglaterra e
China criaram políticas públicas
para terem protagonismo em IA.
No Brasil, essa oportunidade es-
tá sendo desperdiçada”, ressalta
o cientista da computação André
Ponce de Leon Carvalho. Opinião
semelhante tem o cientista da com-
putação Sílvio Meira, da Univer-
sidade Federal de Pernambuco e
presidente do Conselho de Admi-
nistração do Porto Digital, parque
tecnológico do Recife. “O Brasil
tem grande capacidade de absor-
ção de tecnologia e é responsável
por metade de todo mercado de
John McCarthy no a cientista da computação Ana Carolina Lorena, tecnologia da América Latina”, diz. “Mas falta
Laboratório de IA do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). estratégia. Desde a década de 1970, não se esta-
da Universidade
Segundo ela, alunos de Monard desbravaram al- beleceu um grande desafio tecnológico. Não sabe-
Stanford, em 1974:
pesquisador deu gumas áreas de IA pouco exploradas no Brasil. mos em que campo queremos competir. Enquanto
nome ao novo “Um exemplo é Maria das Graças Volpe Nunes, isso não ocorrer, não teremos competitividade.”
campo da ciência também do ICMC-USP, que se tornou referên- Relatório lançado no começo de dezembro
da computação
cia em processamento de linguagem natural no pela editora Elsevier reforça essa percepção. In-
em 1956
país e chegou a liderar o projeto de desenvolvi- titulado ArtificiaI intelligence: How knowledge is
mento do corretor ortográfico de português do created, transferred, and used, o documento se
Brasil disponível na ferramenta Office do sistema concentrou na China, Estados Unidos e Europa.
operacional Windows”, afirma. Os dois primeiros são apontados como líderes na
No 1º Simpósio Brasileiro de Inteligência Ar- produção de pesquisa nesse campo, enquanto os
tificial, realizado em 1984 na Universidade Fe- países da Europa estão entre os lugares de maior
deral do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, diversidade de estudos a respeito de IA. Índia e
predominaram os trabalhos com sistemas espe- Irã ganham destaque como centros emergentes.
cialistas. No entanto, a exemplo do que ocorria Roberto Marcondes, do IME-USP, está entre
no exterior, também no Brasil as pesquisas em os especialistas que escreveram no documento e
IA, especialmente no campo das redes neurais, alertou para a necessidade de se desenvolver no-
já se desenvolviam muito tempo antes. vos indicadores que permitam descrever melhor
Um dos pioneiros no estudo de redes neurais a pesquisa em IA. “Tradicionalmente, os avanços
no Brasil é Nelson Mascarenhas, professor apo- nas pesquisas são descritos em artigos publicados
sentado da Universidade Federal de São Carlos em periódicos ou comunicado em conferências”,
e docente do Programa de Mestrado em Ciência diz. “Agora, com o crescimento da IA, está claro
foto chuck painter /stanford news service ilustração nik neves
do Centro Universitário Campo Limpo Paulista. que esses indicadores cobrem apenas uma fração
Engenheiro eletrônico, ele havia concluído seu dos avanços realizados no setor”, afirma.
mestrado em 1969 pesquisando máquinas elé- No site da Elsevier, há indicadores sobre IA no
tricas, quando resolveu mudar de área. “Decidi mundo, no AI Resource Center. Um deles traz o
estudar processamento digital de imagens, que levantamento das publicações científicas sobre
era uma área considerada meio exótica”, diz. o tema de 1998 a 2017. A China, com 134.990 pu-
Mascarenhas iniciou suas pesquisas em um dos blicações, está em primeiro lugar, seguida pelos
primeiros laboratórios do mundo de processa- Estados Unidos (106.600), Índia (36.736), Reino
mento digital de imagens, na University of Sou- Unido (35.302) e Japão (35.302). O Brasil fica em
thern California, Estados Unidos. Ao concluir o 15º lugar (12.094). No ranking da colaboração inter-
doutorado, em 1974, o pesquisador trabalhou al- nacional, o país está em 18º, com 2.979 produções
guns anos no ITA e depois no Instituto Nacional feitas em parceria com pesquisadores do exterior.
de Pesquisas Espaciais (Inpe), que já contava com Estados Unidos (31.174), China (21.547) e Reino
um programa de sensoriamento remoto. “Fomos Unido (16.054) são os primeiros. n Suzel Tunes
O poder de transformar
o mundo
Neurocientista norte-americano diz que
saúde e segurança cibernética devem ser
apenas algumas das áreas beneficiadas
pelos avanços da inteligência artificial
Françoise Terzian
N
as últimas duas décadas, a vida mental em inteligência artificial”, explica
do neurocientista David Cox, Cox. Um dos objetivos do laboratório é
de 40 anos, tem girado em tor- desenvolver algoritmos, dispositivos e
no de um único tema, inteli- arquiteturas de hardwares que possi-
gência artificial (IA), o ramo da ciência bilitem criar novas soluções baseadas Cox dirige o Laboratório
da computação voltado a criar disposi- em inteligência artificial. “É um traba- de Inteligência Artificial
MIT-IBM Watson, cujo
tivos capazes de emular a capacidade lho árduo e que demanda muita inspi- foco é a pesquisa
humana de raciocinar, tomar decisões e ração”, conta. fundamental nesse ramo
solucionar problemas. Após se graduar Considerado um dos grandes especia- da ciência da computação
em psicologia e biologia na Universidade listas em inteligência artificial no mundo,
Harvard (EUA), obter um doutorado em o neurocientista participou do evento
neurociência no Instituto de Tecnologia Colloquium 2018 – Inteligência Arti-
de Massachusetts (MIT) e tornar-se pro- ficial Hoje: Avanços e Oportunidades
fessor do Center for Brain Science em na Indústria, promovido em São Pau-
Harvard, ele assumiu no ano passado a lo pela IBM. Entre uma conferência e
direção do Laboratório de Inteligência outra, ele conversou com a reportagem
Artificial MIT-IBM Watson. de Pesquisa FAPESP sobre as pesquisas
“Esse projeto, uma colaboração entre desenvolvidas no laboratório que diri-
a IBM e o MIT, representa uma parce- ge, os avanços da IA nos últimos anos e
ria inteiramente nova entre empresa e o que se pode esperar desse campo da
academia. Seu foco é a pesquisa funda- ciência no futuro.
Conhecer em profundidade o funciona- Estamos perto de criar uma máquina Para muita gente, IA procura ser uma
mento do cérebro humano é importante que pense como o homem? cópia do cérebro humano. Você tem de-
para criarmos soluções mais sofistica- Essa é uma questão interessante. Quais fendido que o objetivo é fazer com que
Léo ramos chaves
das em IA? os objetivos da inteligência artificial? ela seja melhor do que nós. Isso é possível?
Não acho que seja fundamental com- Estamos tentando criar uma inteligên- Sim e já existem vários exemplos. Com-
preender como o cérebro funciona. Mas, cia artificial que seja exatamente como putadores são melhores em matemáti-
é o que chamo de small data. Falamos Quanto está sendo investido no labora- ritmos de aprendizado de máquina e ou-
muito sobre big data, mas nem sempre tório? E onde os recursos estão sendo tras aplicações de inteligência artificial.
temos acesso aos melhores dados e no aplicados?
formato certo. O avanço virá nos pró- O investimento definido para o prazo de Quais são os outros dois pilares?
ximos cinco anos com o uso de menos 10 anos é de US$ 240 milhões. Esse di- O terceiro são as aplicações voltadas para
dados. A ideia é que será possível fazer nheiro está sendo empregado no desen- a indústria. Olhamos para os problemas
mais com menos dados, sem a necessi- volvimento de softwares e máquinas, em desse setor para entender suas deman-
dade de organizar e interpretar volumes processamento e em pessoas. Em todas das e necessidades, como já acontece nas
enormes de informações. A própria IA as organizações, os recursos humanos áreas da saúde e segurança cibernética. O
promoverá progressos nesse sentido e são os mais caros. último pilar é o que chamamos de com-
ajudará, por meio de sistemas, a fazer partilhamento de prosperidade. Explo-
a curadoria dos dados. Dessa forma, as Que projetos são desenvolvidos pelo ramos como a IA pode gerar benefícios
empresas e seus funcionários serão ca- laboratório? econômicos e sociais a uma gama mais
pazes de realizar mais com menos. Organizamos os nossos projetos em cima ampla de pessoas, nações e empresas.
de quatro pilares. O primeiro deles é o Estudamos as implicações econômicas
Qual é o foco das pesquisas conduzidas desenvolvimento de algoritmos avança- da IA e investigamos como ela pode me-
no Laboratório de Inteligência Artifi- dos para expandir os recursos de apren- lhorar a prosperidade e ajudar os indi-
cial MIT-IBM Watson, criado em 2017? dizado de máquina e raciocínio. Isso en- víduos a melhorar suas vidas.
Nosso foco é a pesquisa fundamental. volve a criação de sistemas de IA que vão
Quando decidiram criar o laboratório, a além das tarefas especializadas, lidando Quais são os seus maiores desafios à
Fotos 1 ibm 2 John Mottern / Feature Photo Service for IBM
IBM e o MIT [Instituto de Tecnologia de com problemas mais complexos e se be- frente do laboratório?
Massachusetts] se questionaram sobre o neficiando de um aprendizado contínuo É um trabalho árduo, que demanda mui-
que seria necessário para destravar todo e robusto. Novos algoritmos que não ape- ta inspiração e ideias. Muitos outros pro-
potencial em torno da IA. A ideia é alçá-la nas aproveitam grandes quantidades de fissionais, de grandes universidades e
a outro nível. Por isso, diferentes tipos de informações, mas que também aprendem companhias, estão investindo nesse se-
pesquisas são conduzidos no laboratório. com dados limitados para aumentar a in- tor. Tentamos trabalhar de forma dife-
Nós nos perguntamos que tecnologias não teligência humana. Ao mesmo tempo, in- rente nessa área, que se tornou muito
temos hoje que nos permitirão resolver vestigamos novos materiais, dispositivos competitiva, como uma corrida de car-
problemas no futuro. Buscamos inven- e arquiteturas de hardware que apoiarão ros. Isso porque a inteligência artificial
tar novas abordagens para a IA, criando futuras abordagens computacionais para tem o potencial de mudar o mundo e
propostas que nos permitam desenvolver treinamento e implantação de modelos trazer benefícios reais para a humani-
aplicações e solucionar problemas que de IA. Também pesquisamos computação dade. Com ela, nossa vida ficará mais
não conseguimos resolver hoje. quântica para otimizar e acelerar os algo- fácil, saudável e segura. n
O dicionarista
heterodoxo
Historiador do samba, compositor de música
popular e especialista em línguas e culturas da
África escreveu mais de 30 mil verbetes
A
fricanista autodidata, Nei Braz Lopes Moreira (1936-2018) e colocou letra em trabalhos
já publicou sete dicionários e uma en- do maestro Moacir Santos (1926-2006), reveren-
ciclopédia sobre línguas e culturas da ciado por várias gerações de músicos brasileiros.
África. Sua produção ultrapassa 30 mil Preocupado com o viés didático de sua pro-
verbetes. Cerca de 250 desses registros, integran- dução intelectual, Lopes defende que o ensino
tes do Dicionário banto do Brasil, de 1999, foram da história da África nas escolas brasileiras seja
incorporados ao Dicionário Houaiss da língua baseado na ancestralidade do continente e não
portuguesa, elaborado por Antônio Houaiss. Em no tráfico atlântico e na escravidão. Em sua in-
2016, seu Dicionário da história social do samba, terpretação, o enfoque atual afasta o interesse do
escrito em coautoria com Luiz Antonio Simas e público jovem pelo assunto. Nesta entrevista, o
que propõe uma nova leitura historiográfica da pesquisador trata de sua produção intelectual, da
gênese desse gênero musical no Brasil, venceu experiência como romancista e compositor de mú-
o prêmio Jabuti na categoria Teoria/Crítica Li- sica popular, além da militância pela causa negra.
terária, Dicionários e Gramáticas.
idade 76 anos
Nascido em 1942 no bairro de Irajá, subúr- Como a África se tornou seu objeto de pesquisa?
bio do Rio de Janeiro, Lopes é o mais jovem de Eu sou o mais novo de 13 irmãos, que hoje estão especialidade
13 irmãos. Graduou-se, em 1966, na Faculdade todos mortos. O mais velho já teria cumprido Estudos africanos
Nacional de Direito da antiga Universidade do 100 anos. Minha mãe, Eurydice de Mendonça
formação
Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Ja- Lopes, era dona de casa e meu pai, Luiz Braz
Bacharel em direito
neiro (UFRJ), mas, poucos anos depois de se Lopes, trabalhava como pedreiro. Eu fui o úni-
e ciências sociais
formar, decidiu abandonar a carreira jurídica co a concluir a educação básica e, mais tarde, o
pela UFRJ
para se dedicar à música popular, à literatura e ensino superior. Quando resolvi abandonar a
aos estudos sobre a África. Desde que começou carreira de advogado foi um escândalo. O fato produção
a compor profissionalmente, em 1972, já teve de meu pai ter nascido em 1888, três meses an- 37 livros, entre eles,
músicas gravadas por artistas como Ivan Lins, tes da Abolição, foi fundamental para despertar sete dicionários e
Chico Buarque, Dudu Nobre, João Bosco, Fátima meu interesse sobre os estudos africanos. Ele uma enciclopédia
Guedes e Martinho da Vila. Compôs com Wilson era uma referência para mim e meus irmãos e
30 | janeiro DE 2019
PESQUISA FAPESP 275 | 31
morreu na véspera do meu aniversário da, foi começar a ler muito. Desde jo- articuladas, permite que o assunto tra-
de 18 anos. Jamais conheci detalhes de vem, tinha grande interesse pela África tado seja estudado com mais facilidade,
sua infância ou de sua vida. Sua história e passei a buscar em livrarias e sebos na medida em que a informação é con-
pessoal sempre foi nebulosa e ele morreu do centro do Rio de Janeiro obras que densada em verbetes objetivos.
antes de eu amadurecer suficientemen- abordassem histórias, culturas e línguas
te para poder conversar melhor sobre o do continente. Naquela época, principal- E decidiu, então, fazer o seu próprio
assunto. Sei que, no seu registro de nas- mente os sebos comercializavam acervos dicionário...
cimento, constavam os nomes de seu pai amplos de livros da época colonial, além Exato. Resolvi elaborar um dicionário
e sua mãe, mas ele nunca disse nada a de compilados de relatórios escritos por para identificar, aqui, os vocábulos da
respeito deles. Dava a impressão de que funcionários imperiais. Comecei a adqui- língua portuguesa com origem no uni-
não os conheceu e cresceu meio largado. rir materiais com essas características, verso dos povos bantos, denominação
Esse desconhecimento foi determinan- sem saber que eram obras raras e que que engloba centenas de línguas e diale-
te em minha trajetória intelectual, pois seriam importantes para o desenvolvi- tos africanos. No Brasil, os idiomas qui-
ao estudar a África percebi que queria, mento do meu trabalho. Comprei mui- congo, umbundo e quimbundo exerce-
também, reconstruir meu próprio pas- tos dicionários raros. Um dos primeiros, ram maior influência sobre o português
sado. Há cinco anos, o historiador Flávio que está comigo até hoje, foi uma edi- devido à procedência, em maior quan-
dos Santos Gomes me contou que estava ção de três volumes de um dicionário tidade, de africanos com essas origens.
realizando uma pesquisa em igrejas do bilíngue francês-quicongo, um idioma Palavras como babá, baia, banda, caçapa,
centro do Rio de Janeiro, para identifi- do Sudoeste africano. Cientes do meu cachimbo, dengo, farofa, fofoca e minho-
car certidões de batismo de negros que interesse, amigos que viajavam à África ca, por exemplo, têm origem provável
ocorreram no século XIX. Contei a ele ou Europa começaram a me presentear ou comprovada em línguas bantas e o
que meu pai havia sido batizado na igreja com obras raras que encontravam. Ho- quimbundo pode ter sido o idioma que
de Nossa Senhora Lampadosa, próxima à je, tenho uma biblioteca com cerca de 3 mais contribuiu à formação de nosso
praça Tiradentes. Então, em suas pesqui- mil livros e uma quantidade grande de vocabulário. Como resultado desse es-
sas, Flávio encontrou o registro de batis- dicionários de línguas africanas. Por ou- forço, em 1999 publiquei o Dicionário
mo do meu pai e de duas irmãs dele. Eu tro lado, também percebi que dicionários banto do Brasil, com mais de 8 mil ver-
jamais soube que meu pai tinha irmãs. funcionam como um meio didático efi- betes. Mais tarde, em 2012, ele foi revi-
Acontecimentos como esse me mobili- caz para disseminar conhecimento. Um sado, ganhando nova edição com o título
zaram a seguir pesquisando. Sou casa- livro desse gênero, com remissões bem Novo dicionário banto do Brasil. Nessa
do com Sonia Regina Lopes desde 1982, versão, corrigi equívocos, acrescentei
tenho um filho do primeiro casamento hipóteses e aumentei a quantidade de
e dois netos. Meu filho é professor de verbetes, incorporando vocábulos que
educação física, mas meus netos acabam identifiquei, também, em trabalhos sobre
de ingressar em carreiras semelhantes quilombos remanescentes. Ao constatar
à minha: o rapaz está cursando história a quantidade de palavras originárias de
na Universidade Federal Rural do Rio idiomas bantos que circulam pelo país,
de Janeiro (UFRRJ) e a moça ciências quis comprovar a importância dessas
sociais na UFRJ. culturas para o contexto nacional. Assim,
escrever dicionários, para mim, também
Quando e por que o senhor decidiu es- é uma tarefa política.
crever dicionários?
Eu tinha 12 ou 13 anos quando percebi Ao estudar a Como esse primeiro dicionário foi re-
que o povo afrodescendente, ou afro- cebido?
-brasileiro, não contava com uma repre-
sentação positiva nos meios de comuni-
África percebi A primeira edição foi acusada de ser um
trabalho amador e fantasioso. Algumas
cação. De modo geral, me dei conta de
que só apareciam nos noticiários poli- que queria, pessoas do meio acadêmico disseram
que esse tipo de dicionário só poderia
ciais ou em um viés caricato. Os artis- ser produzido por especialistas. Depois,
tas negros nunca eram conhecidos pe- também, porém, o livro teve um destino brilhan-
los seus nomes, apenas pelos apelidos, te. Pouco tempo antes de morrer, [o le-
como Chocolate, Jamelão, Gasolina ou
Noite Ilustrada. Nesse momento, passei
reconstruir xicólogo, diplomata e crítico literário]
Antônio Houaiss [1915-1999] me ligou,
a colecionar figurinhas e recortes de re-
vistas que mostravam meus semelhantes
meu próprio pedindo para incorporar 250 hipóteses
etimológicas por mim formuladas no
em condições favoráveis. Mais tarde, em
1981, sofri um grande trauma, ao perder passado seu Dicionário Houaiss da língua portu-
guesa, publicado em 2001. À época, eu
um dos meus filhos em um acidente no mantinha uma relação respeitosa com
mar. O jeito que encontrei para ocupar Houaiss, que em 1987 havia prefaciado
minha mente, e tentar superar essa per- meu livro de contos Casos crioulos.
32 | janeiro DE 2019
arquivo Pessoal
Antônio Houaiss
Essa experiência motivou-o a seguir atingir um público de estudantes. Nes- temas e verbetes. Por exemplo, eu incluí
escrevendo dicionários? se novo trabalho, publicado em 2006, vocábulos sobre “racismo” e “sexismo”
Depois do Dicionário banto do Brasil, deixei de lado algumas informações e no Dicionário da história social do sam-
me veio a ideia de produzir outro, mul- incluí outras mais condizentes com o ba [2015], pois sei que esses termos são
tidisciplinar, sobre a presença de africa- novo público. Outros dicionários que fiz relevantes no contexto abordado pelo
nos no Brasil e nas Américas. Então, em e dos quais gosto muito são o Dicioná- livro, apesar de as pessoas não imagina-
2004, publiquei a Enciclopédia brasileira rio literário afro-brasileiro, de 2007, e o rem que irão encontrá-los em uma obra
da diáspora africana, com cerca de 9 mil Dicionário da hinterlândia carioca, de assim. Ao mesmo tempo, o livro contém
verbetes contendo informações ligadas 2012. Hinterlândia é um termo usado verbetes sobre “jogo do bicho” e “indús-
à matriz cultural do mundo africano. O para definir localidades isoladas e esse tria fonográfica”, que apresentam relação
livro aborda assuntos diversos, entre eles livro aborda verbetes relacionados ao mais direta com o universo do samba.
biografias de personagens, vestuário, fa- subúrbio do Rio de Janeiro. Me parece que esse dicionário ganhou
tos históricos e contemporâneos, aciden- o prêmio Jabuti justamente por reunir
tes geográficos, flora e fauna, festas e di- Nos seus dicionários sobre história da esse tipo de informação mais óbvia so-
vertimentos, profissões e atividades. Nos África, o senhor inclui verbetes inusi- bre o samba e abordagens não comuns.
anos 2000, eu ainda não tinha a respeita- tados, como “analfabetismo”, “aptidão
bilidade que acabei conquistando como esportiva em negros”, ou mesmo “Mário Qual a proposta historiográfica do Di-
africanista, então o projeto foi entregue de Andrade”, ao lado de outros previ- cionário da história social do samba?
a uma empresa editorial especializada. síveis como “africanismo” e “agrega- Antes de o samba se popularizar no Rio
Com o pretexto de fazer copidesque da dos”. Por quê? de Janeiro, nos primeiros anos do século
minha pesquisa, eles modificaram infor- Penso que minha sensibilidade, aliada XX, ele era praticado de diferentes ma-
mações, gerando um grande desconforto. à experiência de vida, me permite esta- neiras, em diferentes regiões do Brasil.
Após alguns embates, conseguimos acer- belecer essas relações aparentemente Essas vertentes se amalgamaram para
tar a situação e o livro foi, finalmente, inusitadas. Estou tendo o privilégio de gerar o tipo de samba que conhecemos
publicado. Mas obras como dicionários experimentar uma vida longa e circular como “samba carioca” e que ganhou o es-
demandam constantes atualizações e no- por ambientes variados. Durante mais de tatuto de gênero popular nacional. No li-
vas edições, o que ainda não consegui fa- 30 anos, vivenciei o cotidiano de escolas vro, procuramos mostrar como esse sam-
zer com essa enciclopédia. Mesmo assim, de samba. Além da indústria fonográfica ba foi criado a partir de um processo que
sigo arquivando informações para poder, e dos meios intelectuais e literários, tran- envolveu a prática do gênero musical em
no futuro, trabalhar em uma reedição sito pelo universo das religiões afro-bra- regiões distintas do país, desconstruindo
atualizada. A enciclopédia tem 800 pá- sileiras e afro-cubanas. As experiências a ideia de que ele teria sido concebido
ginas e é um livro caro. Após publicá-la, múltiplas e diversas ampliam meu reper- na cidade do Rio, com o surgimento das
percebi que tinha de produzir uma versão tório para além do universo unicamente primeiras escolas de samba, na década
mais popular e propus à editora elaborar teórico e me possibilitam estabelecer de 1920. O universo do samba aparece,
o Dicionário escolar afro-brasileiro, para relações não óbvias entre determinados inclusive, em registros literários. Eucli-
34 | janeiro DE 2019
Minha busca por conhecimento atende
arquivo Pessoal
Ciclo
interrompido
Indicadores de ciência e tecnologia do MCTIC
mostram efeito da recessão nos dispêndios em
pesquisa e desenvolvimento no país em 2016
Fabrício Marques
O
ano de 2016 marcou o fim e a reversão de um ci-
clo, que durou quatro anos ininterruptos, em que
os investimentos do Brasil em pesquisa e desen-
volvimento (P&D) cresceram de forma regular e
consistente no Brasil. O dispêndio nacional em P&D naquele
ano alcançou 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo
do 1,34% obtido em 2015, um recorde histórico. Em valores
corrigidos pela inflação em 2016, a queda foi de 9% – de R$ infográfico ana paula campos ilustraçãO LittleScience_FreeIconSet
A evolução 1,34
em P&D no Brasil
1,20
1,16 1,14
1,13 1,12 1,13
1,08
1,0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
% do
Público Privado Outros* PIB
Como o 2% 4,23%
Coreia do Sul 23% 75%
investimento
em P&D é Japão 15% 78% 7% 3,14%
composto e a
Estados Unidos 25% 62% 13% 2,74%
comparação *Inclui ensino
com outros China 20% 76% 4% 2,11% superior,
instituições
países
Brasil 52,4% 47,6% 1,27% privadas sem
fins lucrativos
e estrangeiras
20.000 RJ 1.041
17.500
PR 984
Educação BA 379
15.000 15.964
MG 322
12.500
SC 260
10.000
PE 170
7.500
RS 134
Ciência e Tecnologia
5.000 4.380
CE 132
Agricultura 3.191
2.500
Saúde 2.367 GO 114
Defesa 353
0
Comunicações 229 PB 112
2012 2013 2014 2015 2016 Meio ambiente 58
Outros 574
Outros 48
S
egundo os dados, os cortes orçamentários projetam no orçamento de 2019. “Há um aumento
do governo federal envolvendo despesas nominal no orçamento, que, no entanto, embute
com P&D foram relativamente modestos R$ 1,5 bilhão da capitalização dos Correios e da
no cômputo geral: em valores de 2016 corrigi- Telebrás”, diz. Nos cálculos da ABC, os recursos
dos pela inflação, a redução foi de pouco mais de para bolsas do CNPq cairão 25% neste ano. Já a
9,3% entre 2015 e 2016. Mas a tesoura atingiu de Finep terá apenas R$ 1 bilhão dos R$ 4 bilhões
forma especialmente severa os investimentos do arrecadados para o Fundo Nacional de Desen-
então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inova- volvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
ção (MCTI), que viu esse tipo de dispêndio cair “O restante dos recursos, que poderiam alavancar
27,5% – de R$ 6,04 bilhões para R$ 4,38 bilhões, a inovação no Brasil e favorecer o crescimento
segundo os Indicadores –, comprometendo sua da economia, será mais uma vez contingenciado
capacidade de financiar projetos em universi- e usado para amortizar as dívidas do governo.”
dades e instituições científicas e em empresas
inovadoras por meio de agências como o Con-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos Cortes atingiram de forma mais severa
e Projetos (Finep). “As empresas dependem de
incentivos para investir em P&D e o volume de em 2016 o orçamento do então Ministério
editais da Finep oferecendo recursos não reem-
bolsáveis a projetos de inovação empresariais
da Ciência, Tecnologia e Inovação
caiu muito nos últimos anos”, observa Luiz Fer-
nando Vianna, presidente da Associação Brasi-
leira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e
de Inovação (Abipti). Em maio de 2016, o MCTI Segundo o presidente da ABC, o longo jejum
fundiu-se com o das Comunicações, pasta cujo de investimentos está tornando a pesquisa bra-
orçamento de P&D teve crescimento de 6,3% no sileira menos competitiva. “Na área agrícola,
ano – atingindo R$ 229 milhões. por exemplo, tenho ouvido relatos sobre a ob-
O Ministério da Educação (MEC), que concen- solescência de equipamentos da Embrapa e a
tra a maior parcela dos dispêndios federais em impossibilidade de acompanharmos a evolução
P&D, teve uma queda de 9,3% nesses gastos entre de tecnologias avançadas que são fundamentais
2015 e 2016, que foram de R$ 17,6 bilhões para R$ para termos uma agricultura moderna.” Álvaro
15,9 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. Prata, do MCTIC, pondera que o ministério con-
A pasta da Agricultura, à qual está vinculada a seguiu preservar projetos estratégicos, como a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária construção da fonte de luz síncrotron Sirius, em
(Embrapa), e a da Saúde, que também investe em Campinas, e na virada de 2016 para 2017 conse-
pesquisa, tiveram um aumento dos dispêndios em guiu honrar compromissos atrasados com pro-
P&D, em valores corrigidos, de 2,8% e 32%, res- jetos científicos ao receber R$ 731 milhões de
pectivamente (ver quadro). “Como é difícil cortar um programa de regularização de recursos que
despesas com salários, a redução orçamentária foi brasileiros mantêm no exterior. “Isso ajudou a
mais intensa em relação aos chamados recursos amenizar a queda no orçamento e a manter o
discricionários, como investimentos em projetos, sistema de ciência e tecnologia funcionando.”
atingindo os ministérios de forma desigual”, disse Segundo os Indicadores do MCTIC, o montante
o presidente da Academia Brasileira de Ciências dos dispêndios em P&D do Brasil em 2016 é com-
(ABC), o físico Luiz Davidovich. parável, em paridade do poder de compra, com o
Essa estratégia, ele observa, pode fazer sentido da Rússia, e fica à frente de países como Itália e
quando há uma dificuldade apenas temporária de Canadá, embora representem um terço do investi-
320.000 Total
316.822
280.000
Ensino superior
265.174
240.000
200.000
160.000
120.000
80.000 Empresarial
59.364
40.000
Governo
6.132
0
Privado sem
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
fins lucrativos
1.347
Fonte INdicadores
de CTI 2018 – MCTIC mento da Alemanha, 9% do da China e 8% do dos que é membro do Conselho Superior da FAPESP.
Estados Unidos. Quando se mede o investimen- Ele aponta uma distorção do sistema brasileiro de
to em relação ao PIB nacional, o 1,27% do Brasil ciência, tecnologia e inovação evidenciada nos
superou os índices de Espanha, Rússia, México e dados do MCTIC: o fato de a Lei de Informática
Argentina, equiparou-se aos de Portugal e Itália, e ter sido responsável por 69% de toda a renúncia
ficou aquém da China (2,11% do PIB), dos Estados fiscal do governo federal relacionada a incentivos
Unidos (2,74%) e da Coreia do Sul (4,23%). para P&D em empresas. “A Lei de Informática tem
efeitos limitados na promoção de P&D. Na verdade,
N
a composição dos gastos brasileiros em foi criada como uma compensação para garantir a
P&D em 2016, 0,67% do PIB foi oriundo sobrevivência da indústria de informática que está
de recursos públicos e 0,6% veio de em- fora da Zona Franca de Manaus”, afirma.
presas. Comparações internacionais compiladas O desempenho das empresas inovadoras bra-
mostram que, em países desenvolvidos, a partici- sileiras, pondera, está muito aquém do desejado.
pação privada nos esforços de P&D costuma ser “De um universo de 117 mil empresas brasileiras
bem superior à pública. Enquanto no Brasil os que realizavam P&D em 2014, apenas 4.289 o fa-
dispêndios empresariais não chegam a 50% do ziam de maneira contínua. É um número muito
total, nos Estados Unidos alcançam 62%, na Co- baixo e explica um pedaço da crescente defasagem
reia do Sul, 75%, na China, 76%, e no Japão, 78%. tecnológica entre empresas brasileiras e interna-
O engenheiro químico Pedro Wongtschowski, cionais e déficit comercial e crescimento das im-
presidente do Conselho de Administração da Ul- portações”, afirma Wongtschowski, citando dados
trapar Participações e do Instituto de Estudos para da Pesquisa de inovação (Pintec), feita a cada três
o Desenvolvimento Industrial (Iedi), afirma que a anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
perda na rentabilidade do setor industrial no Brasil tatística (IBGE). Na sua avaliação, os dados sobre
explica a queda no investimento empresarial em P&D empresarial apresentados nos Indicadores
P&D. Na sua avaliação, entender essa dinâmica é do MCTIC podem estar superdimensionados. Em
fundamental para superar os entraves atuais. A 2014, os Indicadores utilizaram dados da Pintec,
expectativa do setor industrial é de que, nos pró- que avaliou o esforço de inovação de mais de 130
ximos anos, haja uma simplificação da estrutura mil empresas. Mas em 2015 e 2016, anos em que
tributária brasileira. “Aliada a melhorias de in- não há dados disponíveis da Pintec, é necessário
fraestrutura, ajudaria as empresas a se tornarem realizar projeções. Segundo o MCTIC, as esti-
mais competitivas e recuperarem sua rentabili- mativas sobre P&D empresarial de 2015 e 2016
dade, em um círculo virtuoso capaz de estimular foram atualizadas com base em informações de-
os investimentos em P&D”, diz Wongtschowski, claradas por um conjunto de empresas que utili-
M
esmo em 2014, quando estavam disponí- n No de artigos
2,51 2,51
veis dados coletados pela Pintec, há in- n Percentual em
2,33
relação ao mundo
dícios de que as estimativas do MCTIC 2,06
2,21
2,42
eram maiores do que a realidade. “Estimativas 1,90
2,11
2,26
1,70 2,01
feitas com base na correlação entre dispêndios
1,74
empresariais em P&D e a Formação Bruta de 1,25
1,39
1,14
Capital Fixo [FBCF], um dos componentes do
67.624
68.741
64.640
63.589
1,38
60.064
1,31
56.947
PIB, indicam mesmo que a estimativa do MCT
51.939
47.928
1,12
44.526
40.382
está superdimensionada a partir de 2014. Em
35.091
32.513
22.229
2014, ano da última Pintec, o valor estimado pe-
22.578
19.828
14.625
15.570
18.159
lo MCTIC excede em 10% o valor apurado pe-
la Pintec, o que implica um erro no dispêndio
00
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
nacional em P&D em 2014 de 0,05%”, afirma o
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
20
diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique
de Brito Cruz. A FBCF é o principal indicador Fonte INdicadores de CTI 2018 – MCTIC / scimago
N
o capítulo sobre o Brasil na edição de 2015 blico de saúde ou o desenvolvimento de energias
do Science Report da Unesco, de autoria renováveis. Fernanda de Negri cita a estratégia da
de Renato Pedrosa e Hernan Chaimovich, National Science Foundation, principal agência de
uma nova promessa é observada, agora para 2014: apoio à ciência básica nos Estados Unidos, que es-
o Brasil deveria atingir 0,90% do PIB em dispên- colheu 10 grandes temas de interesse da sociedade
dios privados em P&D. Isso novamente foi frus- para concentrar investimentos, como a construção
trado. Segundo o MCTIC, a taxa foi de 0,60% do de uma infraestrutura para dar suporte à ciência
PIB para os dispêndios privados em P&D em 2014, de dados, a análise do impacto da tecnologia no
incluindo ensino superior privado, e manteve-se futuro do trabalho e o esforço para conjugar di-
nesse nível em 2016. Uma queda do investimento ferentes disciplinas na solução de problemas de
medido pela FBCF também é registrada, quando pesquisa. Na sua avaliação, porém, a recuperação
havia a promessa de elevá-lo a 22,4% do PIB. Em dos investimentos públicos em ciência e tecnologia
2016 estava em 15,5%, inferior aos 19,9% registra- é pré-requisito para iniciar a mudança. “Embora
dos em 2014, em valores corrigidos pela inflação. exista uma agenda de mudanças que precisa ser
Em 2018, o investimento vem mostrando recupe- implementada no sentido de melhorar a gestão
ração, atingiu 16,9% do PIB no 3º trimestre do ano. das universidades, internacionalizar a pesquisa
No documento encaminhado à ABC, o novo pre- e melhorar a infraestrutura científica, é preciso,
sidente da República também propôs “uma gestão antes de tudo, recompor o nível do investimento
eficiente e focada em resultados para atingir não público e a capacidade do governo de gerar políti-
apenas a meta de investimento, mas também o cas públicas para a inovação”, diz a economista. n
Diplomacia
científica
Diretora da Comissão Europeia fala do desafio
de ampliar plano que busca garantir acesso aberto
a todas as pesquisas com financiamento público
Bruno de Pierro
Q
uando assumiu em 2013 o sociados ao Horizonte 2020. O trabalho
cargo de diretora de Coo- de Cristina Russo também busca articu-
peração Internacional em lar políticas científicas e tecnológicas em
Pesquisa e Inovação (P&I) escala mundial.
da Comissão Europeia, a Em visita ao Brasil, pela quinta vez,
cientista política italiana Cristina Russo Russo teve como principal missão acom-
aceitou a incumbência de ampliar par- panhar a implementação da cooperação
cerias com pesquisadores de fora do con- bilateral e reforçar o engajamento da
tinente no âmbito do programa de P&I União Europeia em continuar a coope-
da União Europeia, o Horizonte 2020, ração estratégica na área de pesquisa e
o principal programa científico do bloco, inovação com o país. Sua passagem pelo
com orçamento de € 77 bilhões de 2014 Brasil também foi uma oportunidade
a 2020. Aberta a parceiros estrangeiros, para apresentar os princípios do Plan
a iniciativa conta com a participação de S do acesso aberto, um pacto lançado
brasileiros apoiada em diversos acordos em setembro pela Comissão Europeia,
de cooperação, como o firmado com a com forte adesão de França, Itália, Reino
FAPESP em 2015. Por meio dele, pes- Unido e outros 10 países, para garantir
quisadores vinculados a instituições de que, a partir de janeiro de 2020, todas as
pesquisa e ensino superior do estado de pesquisas científicas com financiamen-
léo ramos chaves
Conexões de P
esquisadores e estudantes bra
sileiros que vivem ou passam
períodos nos Estados Unidos
encontraram um modo de man
longa distância
ter-se em contato e estimular colabora
ções: participam de redes que promo
vem encontros regulares para troca de
experiências profissionais, científicas
ou ligadas ao empreendedorismo. A
primeira iniciativa desse tipo foi lan
Avançam iniciativas que promovem networking çada em 2010. Trata-se do PUB Boston,
sigla para Pesquisadores e Universitá
e intercâmbio de conhecimento entre rios Brasileiros em Boston, rede criada
para engajar cientistas e bolsistas do país
pesquisadores brasileiros nos Estados Unidos instalados na região da Nova Inglaterra,
onde se situam mais de 50 instituições
de pesquisa e ensino superior como o
Estados Unidos que atuam em empresas Ciência sem Fronteiras enviava milhares
ou criaram startups. Também há espa de estudantes para o exterior. Na última
ço para a apresentação de iniciativas de reunião, em 14 de dezembro, houve um
divulgação científica ou de caráter so evento especial com apresentações de
cial. Uma parte especialmente profícua cinco estudantes de mestrado ou douto
das reuniões são os happy hours, abas rado em universidades norte-americanas
tecidos por salgados e doces brasileiros de diferentes áreas do conhecimento,
oferecidos por patrocinadores ou graças com a presença da consulesa-geral do
a alguma caixinha recolhida pelos orga Brasil em Boston, Glivânia de Oliveira.
nizadores, em que a audiência conversa Por meio de um grupo no Facebook, a
e interage. O público é composto por es rede mobiliza 3,7 mil brasileiros que pas
tudantes, estagiários de pós-doutorado, saram por Boston. “Não é incomum que,
professores visitantes, jovens profissio dessas apresentações e dos debates que
nais ou cientistas estabelecidos nos Es acontecem antes e depois delas, surjam
Massachusetts Institute of Technology tados Unidos. “O ponto alto das reuniões colaborações científicas e profissionais”,
(MIT) e as universidades Harvard, de é a possibilidade de conhecer o que co diz o cientista da computação Vitor Pam
fotos 1 e 5 larissa spinelli 2, 3 e 4 vitor pamplona ilustraçãO freepik
Boston, Yale, Dartmouth e Brown. O PUB legas brasileiros de diversas áreas estão plona, coordenador da SciBr Founda
Boston segue em atividade, promovendo produzindo por aqui, abrindo portas pa tion, organização não governamental
reuniões interdisciplinares mensais, e ra contatos profissionais e pessoais. Mas criada em 2014 com apoio da Fundação
pelo menos 10 redes de relacionamento é claro que não podemos menosprezar o Lemann, que, entre outras atribuições,
de formato semelhante despontaram interesse que as coxinhas e brigadeiros coordena e busca disseminar essas redes.
em outras cidades norte-americanas, despertam nos brasileiros que estão há “Entre vários exemplos, me lembro de
como São Francisco, Nova York, Hous muito tempo longe de casa”, diz a nutri um biólogo e um engenheiro que se co
ton, Seattle, New Heaven – e também cionista Rachel Freire, pós-doutoranda nheceram no PUB Boston e foram tra
em Montreal, no Canadá. na Escola de Medicina de Harvard, atual balhar juntos na criação de um equipa
Os encontros, na maioria em portu líder do PUB Boston. mento de pesquisa”, diz Pamplona, que
guês, geralmente ocorrem em auditórios, No caso do grupo da Nova Inglaterra, trocou Porto Alegre por Boston em 2009,
onde os participantes das redes assistem os encontros mensais acontecem sem quando fez parte de seu doutorado no
a palestras de pesquisadores brasileiros pre em uma sexta-feira. A frequência MIT, e há sete anos criou uma empresa
de diversas áreas do conhecimento e a varia de 60 a 80 pessoas – e era maior de equipamentos ópticos, a EyeNetra,
relatos de profissionais radicados nos até três anos atrás, quando o programa na cidade de Cambridge.
Mapeamento da diáspora
Até 2020, as redes de pesquisadores pode obter ganhos com a circulação
brasileiros nos Estados Unidos serão e fixação de brasileiros de alta Reino Unido. O encontro vai acontecer
mapeadas em um projeto encomendado qualificação nos Estados Unidos”, afirma. no dia 14 de fevereiro, durante uma
pela Embaixada do Brasil em O grupo também vai fazer entrevistas edição do seminário FAPESP Week
Washington ao Núcleo de Estudos de com pesquisadores radicados Londres, e reunirá especialistas em
Políticas Públicas da Universidade nos Estados Unidos para entender a circulação internacional de talentos para
Estadual de Campinas (Nepp-Unicamp). dinâmica das chamadas “redes discutir como o Brasil pode potencializar
“Vamos levantar quem são esses de diáspora” e levantar iniciativas que os benefícios de ter pesquisadores
brasileiros, onde estão e o que estão eles julguem importantes para ampliar envolvidos com instituições da Grã-
fazendo”, diz a socióloga Ana Carneiro as conexões com a ciência brasileira. -Bretanha. “Sabe-se que, em muitos
da Silva, pesquisadora do Nepp- O projeto começou a ser gestado lugares, as redes de diáspora não
Unicamp. Ela coordena o projeto com no final de 2017, em um workshop sobre provocam uma perda de cérebros, mas
parceiros como Flavia Consoni, do a diáspora brasileira em Washington, criam conexões proveitosas para a
Departamento de Política Científica e do qual o grupo do Nepp participou. comunidade científica do país, uma vez
Tecnológica da Unicamp, e Elizabeth Recentemente, a Embaixada do Brasil que a ciência trabalha cada vez mais em
Balbachevsky, do Núcleo de Pesquisas em Londres procurou a Unicamp com redes internacionais”, diz o engenheiro
em Políticas Públicas da Universidade uma demanda semelhante. Por conta Euclides de Mesquita Neto, professor da
de São Paulo (USP). “O objetivo é fazer disso, Ana Carneiro e Flavia Consoni Unicamp e coordenador-adjunto de
um diagnóstico e propor políticas para estão ajudando a organizar um programas especiais e colaborações em
compreender como a ciência do país workshop sobre a diáspora brasileira no pesquisa da FAPESP.
nível e “juntar gente diferente” para se e empresas de tecnologia. “Há uma con petição com profissionais de todas as
conhecer. “A ideia é divulgar conheci centração de pesquisadores brasileiros partes do mundo é grande.” Pamplona
mento de forma acessível, desmistificar nos Estados Unidos e essa comunida calcula que, nos últimos anos, a SciBr
a ciência e elevar o nível dos diálogos. de tem boa articulação”, diz a socióloga conseguiu encaminhar cerca de 40 bra
As pessoas se sentem contentes de par Ana Carneiro da Silva, pesquisadora do sileiros para vagas em empresas nos Es
ticipar de conversas interessantes. Mui Núcleo de Estudos de Políticas Públicas tados Unidos. n Fabrício Marques
O desafio de transferir
Paraíba se destaca em pedidos de patentes, enquanto pesquisadores
e setor produtivo discutem como licenciar tecnologia
conhecimento
U
m dos estados mais bem colo- pesquisas aplicadas são realizadas no Em parceria com a Empresa Brasileira
cados nos indicadores do Ins- âmbito acadêmico, sem parceria de em- de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Al-
tituto Nacional de Proprie- presas. Atribuímos isso à falta de inte- godão, em Campina Grande, a pesquisa-
dade Industrial (INPI) de ração com o setor produtivo, porque as dora desenvolveu e depositou um pedido
2018, a Paraíba registrou um tecnologias patenteadas podem agregar de patente de um inseticida que combate
aumento de 164% no número de patentes valor a produtos e processos”, avalia o larvas do mosquito Aedes aegypti a partir
depositadas entre 2016 e 2017 – o maior químico Petrônio Filgueiras de Athayde do suco de folhas do sisal (Agave sisa-
crescimento relativo entre as unidades da Filho, diretor-presidente da Inova-UFPB. lana), uma planta originária do México
federação. Ocupa a 7ª posição no ranking Ele salienta que o fato de a Paraíba e cultivada no Brasil para extração de
de depósitos de patentes, com um total de não ter um polo industrial forte dificulta fibras. O suco ataca o intestino das lar-
177 pedidos em 2017, à frente de outros a transferência de tecnologia. E reco- vas e as elimina na totalidade. A ideia é
estados do Nordeste, como Ceará (169) nhece a importância de a universida- oferecer o larvicida na forma de pó para
e Pernambuco (153). Os destaques são a de buscar parceiros, em vez de esperar diluição em água, mas ainda precisam
Universidade Federal de Campina Gran- que eles apareçam espontaneamente. ser realizados testes de toxicidade para a
de (UFCG), com 70 pedidos em 2017, e a “Começamos a apresentar nosso portfó- saúde humana. “O objetivo é que alguma
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), lio de patentes para empresas de outros empresa licencie a patente e produza o
com 66. A soma das duas instituições pa- estados”, conta Athayde. Outro alvo da inseticida, que é natural e biodegradável.
raibanas superou os depósitos feitos pe- Inova-UFPB é intensificar a incubação Se essa patente ganhar viabilidade eco-
las universidades Estadual de Campinas de empresas na universidade. “Vamos nômica, poderia ajudar os produtores
(Unicamp) e de São Paulo (USP) juntas incentivar o aproveitamento das tecnolo- locais de sisal, que perderam mercado
(ver Pesquisa FAPESP nº 269). gias por startups.” Recentemente, a agên- devido à substituição da planta por fibras
O avanço é resultado da criação, nos cia lançou um edital de pré-incubação e sintéticas na indústria”, observa Fabíola.
últimos 10 anos, de Núcleos de Inova- a ambição é começar a licenciar patentes As patentes depositadas pela Inova-
ção Tecnológica nas universidades pa- para empresas nascentes em 2019. -UFPB abrangem tecnologias em áreas
raibanas, que ajudaram a amplificar a como engenharia de alimentos, combus-
P
cultura de proteção à propriedade in- ara pesquisadores que detêm paten- tíveis, química, energia e saúde. Athayde
telectual no estado. Apesar do aumento tes geradas na UFPB, o trabalho da destaca inovações em novos materiais,
do depósito de patentes, ainda é rara a agência de inovação tem sido fun- como ligas metálicas com memória de
transferência de conhecimento para a damental para disseminar a importância forma, e no desenvolvimento de chips
sociedade por meio do licenciamento de de proteger a propriedade intelectual, eletrônicos. “Uma dessas tecnologias
tecnologias para empresas. Ao amplia- embora ressalvem que a Inova-UFPB consiste em uma babá eletrônica para
rem seus portfólios de inovações com precisa se concentrar agora em promo- pessoas com deficiência auditiva”, conta
propriedade intelectual protegida, as ver licenciamentos. “Há uma grande difi- Athayde. No campo da química, há pa-
instituições paraibanas enfrentam agora culdade em alcançar as empresas. Ainda tentes de equipamentos portáteis para
o desafio de aprofundar as relações com não sabemos como fazer essa ponte com certificar a qualidade de produtos indus-
getty images / Planet Flem
o setor produtivo. Inaugurada em 2013, o setor produtivo”, afirma a veterinária trializados e, na saúde, novas moléculas
a Agência UFPB de Inovação Tecnológi- Fabíola da Cruz Nunes, vice-diretora do com potencial para tratar doenças como
ca (Inova-UFPB) acumula 225 patentes Centro de Biotecnologia da UFPB. “É câncer, asma, hipertensão e depressão.
depositadas no país que ainda não geram preciso atrair ativamente parceiros de Mas a área que mais vem ganhando es-
royalties para a universidade. “Muitas todo o Brasil e também de outros países.” paço no portfólio da Inova-UFPB é a de
D
tinha 90 programas de mestrado e 42 de e acordo com Silva, as áreas que com o mandacaru, explica a pesquisa-
doutorado em 2014, ficando entre os 11 mais geram novas tecnologias na dora, é mostrar a versatilidade de seu
estados com o maior número de cursos UFCG são engenharia elétrica e fruto, que é mais utilizado para alimen-
de pós-graduação no país. A Paraíba tam- ciências da computação – vinculadas tação animal. “Queremos que ele seja
bém foi o 11º estado que mais concedeu aos departamentos que mais captam re- mais consumido por humanos, como
títulos de doutor naquele ano. “Somente a cursos para pesquisa e desenvolvimen- uma alternativa alimentar para a região
UFPB é detentora de 76% dos programas to (P&D). Mas, em número de patentes Nordeste”, propõe a nutricionista, que já
de mestrado e de 90% dos doutorados da geradas, os campos que se destacam são realizou oficinas no Instituto Federal da
Paraíba. Isso mostra o quanto a universi- engenharia de alimentos, engenharia Paraíba (IFPB) para capacitar habitan-
dade é importante para o estado, algo que química, nutrição e biotecnologia. A nu- tes do município de Princesa Isabel, no
todos os atores do sistema de inovação tricionista Ana Cristina Silveira Martins sertão paraibano, a produzir e comer-
reconhecem”, diz Ribeiro. é detentora, junto com o grupo de pes- cializar geleias feitas com outros frutos
O licenciamento de tecnologias depen- quisa do qual faz parte, de 30 patentes, regionais, como o maxixe. “Nossa meta
de da promoção de uma cultura de ino- das quais 28 foram depositadas durante o é licenciar as inovações para a indústria
vação dentro das universidades, observa mestrado em ciências naturais e biotec- alimentícia.”
o engenheiro químico Nilton Silva, coor- nologia no Centro de Educação e Saúde O protagonismo de universidades e ins-
denador do Núcleo de Inovação e Trans- da UFCG, campus de Cuité. “Desenvolvi tituições públicas de pesquisa na proteção
ferência de Tecnologia (NITT) da UFCG, inovações utilizando o mandacaru, plan- à propriedade intelectual é uma caracte-
criado em 2008. “A partir de 2016, vários ta típica da Caatinga”, explica a pesqui- rística resiliente do sistema de ciência e
pesquisadores da instituição incorpora- sadora, que atualmente faz o doutorado tecnologia brasileiro, enquanto em países
ram a responsabilidade de registrar as na UFPB e é detentora de duas patentes. industrializados esse papel é desempe-
tecnologias geradas, aprendendo a redigir Entre as inovações estão uma farinha de nhado majoritariamente por empresas e
as universidades não aparecem em posi-
ção de destaque nos rankings (ver quadro).
A crise econômica parece ter tornado o
Distribuição das patentes problema mais agudo no país, com um
decréscimo no número de pedidos de pa-
Os estados com maior número de depósitos em 2017 tentes feitos por corporações. No mesmo
levantamento do INPI em que as universi-
Evolução dades paraibanas se destacam, há apenas
No de depósitos Participação 2016-2017 uma empresa entre as 15 organizações
1 São Paulo 1.640 29,9% 3% que mais solicitaram patentes no país em
2 Rio de Janeiro 672 12,3% 3% 2017 – a CNH Industrial, fabricante de
3 Minas Gerais 638 11,6% 18% máquinas agrícolas e caminhões leves. Já
4 Paraná 444 8,1% 7% no período de 2000 a 2005, contavam-se
5 Rio Grande do Sul 443 8,1% -8% oito empresas entre os 15 maiores paten-
6 Santa Catarina 311 5,7% 2% teadores do Brasil (ver seção Dados em
7 Paraíba 177 3,2% 164% Pesquisa FAPESP nº 271).
8 Ceará 169 3,1% 26% A Paraíba dispõe de um sistema de
9 Pernambuco 153 2,8% 2% inovação que vem se constituindo e ama-
0 Goiás 116 2,1% 20% durecendo nas últimas décadas. Além de
Demais estados 717 13,1% 0% quatro instituições de ensino e pesqui-
sa públicas em seu território – UFPB,
Total de pedidos de 5.480 100% 5%
patentes de invenção
UFCG, IFPB e Universidade Estadual
da Paraíba (UEPB) –, o estado conta com
atores públicos e privados envolvidos no
Fontes inpi, assessoria de assuntos econômicos, badepi, v5.0 processo de inovação. No município de
A
consolidação do polo da Paraí- sistema de inovação, principalmente as Reino Unido
ba teve início na década de 1970, entidades representativas do setor pro- Instituição
Universidade de Oxford
quando Lynaldo Cavalcanti de dutivo”, observa Ribeiro.
Posição no ranking nacional
Albuquerque, então reitor da UFPB, Uma iniciativa anunciada em 2017 13º lugar
implementou uma estratégia capaz de busca reparar esse problema, conta Ri- Patentes (pedidos)
atrair profissionais de outros estados do beiro. Trata-se do Plano de Desenvolvi- 109 (2017)
país e capacitar professores de Campina mento Econômico, Social e Sustentável Fonte IPO
“A Paraíba tem instituições voltadas produtivos locais (APLs) – que são ca-
para a inovação. Um problema é que es- pazes de estimular a interação entre os Brasil
Instituição
ses atores não interagem entre si”, avalia atores de uma região com a finalidade de
Universidade Estadual de Campinas
o contador Fabiano de Moura Ribeiro, disseminar conhecimento, consolidan-
Posição no ranking nacional
membro da Coordenação de Orçamento do estruturas produtivas e o dinamismo 1º lugar
da UFPB, que atualmente faz doutorado necessário à geração de inovação. Para Patentes (pedidos)
na Universidade de Aveiro, em Portugal. Ribeiro, o fortalecimento de APLs no 77 (2017)
Em 2017, ele defendeu uma dissertação de estado pode favorecer o licenciamento Fonte INPI
Parceria pela
vacina contra
dengue
Imunizante do Butantan em fase
final de testes leva multinacional
farmacêutica a fechar acordo de até
US$ 100 milhões com instituto paulista
Rafael Garcia
O
Instituto Butantan firmou em 12 de e de experiência para que os produtos desen-
dezembro um acordo de colabora- volvidos pelas duas entidades parceiras – uma
ção tecnocientífica em um formato pública, outra privada – possam chegar mais ra-
inovador que deve acelerar o pro- pidamente às pessoas.
cesso de desenvolvimento de sua O acordo prevê um aporte inicial para o Bu-
vacina contra dengue, patenteada nos Estados tantan de US$ 26 milhões, a serem pagos pela
Unidos e atualmente na etapa final de testes, a MSD, cuja candidata à vacina contra dengue es-
chamada fase 3, em voluntários do Brasil. Em um tá em um estágio mais atrasado, para ter acesso
país mais acostumado a comprar tecnologias e aos testes clínicos e ao processo de desenvolvi-
serviços científicos do exterior, o novo contrato mento do imunizante contra essa doença criado
com a multinacional farmacêutica norte-ameri- pelo instituto paulista. O laboratório também se
cana MSD (Merck Sharp & Dohme) inverte essa compromete a repassar ao instituto até US$ 75
tendência: assegura a entrada de investimentos milhões adicionais ao longo dos próximos 24 me-
externos e prevê o compartilhamento de dados ses. Também poderão ser recebidos royalties se
Envase de vacinas
na fábrica do
Instituto Butantan
a vacina da empresa atingir metas de comercia- com esse perfil feita entre um instituto brasilei-
lização no exterior. Até agora, foram investidos ro e uma empresa farmacêutica global”, afirma
no projeto da vacina do Butatan R$ 224 milhões, o médico Dimas Tadeu Covas, diretor do Butan-
provenientes do Banco Nacional de Desenvolvi- tan. “É uma satisfação ver um projeto iniciado a
mento Econômico e Social (BNDES), da FAPESP, partir de estudos financiados pela FAPESP ao
da Fundação Butantan e do Ministério da Saúde. longo de 10 anos se transformar em um produto
Em princípio, o Butantan e a MSD não con- que, dentro de alguns anos, poderá entrar no
correrão em nenhum mercado. O instituto tem mercado mundial”, disse, na cerimônia de assi-
a exclusividade da produção da vacina contra natura do acordo, Marco Antonio Zago, presi-
dengue no Brasil e a MSD detém os direitos pa- dente da Fundação e então secretário da Saúde
instituto butantan
Representação do to de linhagens do vírus da dengue criado por clínicos da fase 2, que demonstraram a seguran-
vírus da dengue, que modificação genética pela equipe de Stephen ça do produto e sua capacidade de estimular o
apresenta quatro
Whitehead, do Instituto Nacional de Doenças sistema imune a produzir anticorpos contra os
sorotipos
Infecciosas e Alergia (Niaid), um dos Institutos quatro vírus da dengue. Essa fase já terminou,
Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, os NIH. mas seus resultados ainda não foram publica-
Quando foram iniciadas as parcerias internacio- dos em um artigo científico. “O paper sobre es-
nais para desenvolvimento da vacina, os NIH se estudo foi recentemente encaminhado para
definiram de antemão os domínios territoriais publicação e estamos aguardando a resposta”,
que caberiam a cada um de seus colaboradores. explica Alexander Precioso, diretor da Divisão
de Ensaios Clínicos do Butantan. “Não é neces-
A
vacina desenvolvida pelo Butantan, de- sário publicar o estudo de fase 2 para iniciar o
signada pela sigla Butantan-DV, é feita de fase 3. A aprovação de um estudo clínico se
de vírus vivos atenuados (a da MSD tam- dá nas esferas sanitária e ética.” Depois de ter
bém será). Seu trunfo é ser tetravalente. Foi de- sua segurança e baixa toxicidade asseguradas
senhada para fornecer proteção aos quatro tipos na fase 1, um candidato a vacina (ou a remé-
de vírus da dengue e pode ser aplicada em uma dio) tem de passar pelos testes clínicos da fase
única dose. Seus testes clínicos foram planejados 2, que envolvem mais aspectos de segurança e
para adequação do produto a uma grande faixa um estudo terapêutico com um número ainda
etária, dos 2 aos 59 anos. Até agora, o imunizan- pequeno de participantes para averiguar se o
te tem se mostrado seguro, com poucas reações produto pode ser útil para a finalidade a que se
adversas, as quais são semelhantes às de outras propõe. A fase 3 consiste em um estudo, geral-
vacinas. Nenhuma outra vacina contra dengue mente multicêntrico, com uma grande quan-
desenvolvida a partir do material cedido pelos tidade de voluntários de perfil etário variado,
NIH está em fase tão avançada de pesquisa. A para se determinar a eficácia e confirmar o seu
Sanofi Pasteur lançou no fim de 2015 a Dengva- perfil de segurança.
xia, único imunizante contra a doença disponível Mesmo sem terem sido publicados em um
no mercado, que foi desenvolvido com uma tec- estudo científico, os resultados dos testes de
nologia diferente da empregada pelos NIH. Mas fase 2 com a vacina do Butantan, feitos em 300
o produto da empresa francesa apresenta vários voluntários recrutados pela Faculdade de Me-
problemas: tem taxa de eficácia relativamente dicina da Universidade de São Paulo (FM-USP),
baixa (60%), pode causar reações adversas e é foram comunicados à MSD e outras empresas e
contraindicado para quem nunca teve dengue. instituições em reuniões científicas, como con-
A aproximação entre o Butantan e a MSD co- gressos e eventos. “Os resultados dessa fase fo-
meçou a ser costurada logo após a vacina criada ram extremamente promissores e nos chamaram
pelo instituto paulista ter passado pelos testes a atenção”, afirma Guilherme Leser, diretor de
O
estudo de fase 3 da vacina do Butantan, sadores abrem as fichas dos participantes que
com meta de inclusão de 17 mil pessoas, adoeceram e constatam de que grupo eles fazem
que serão acompanhadas por cincos anos, parte. Se quase todos tiverem recebido o place-
está bem encaminhado, próximo da conclusão. bo, o dado será um indício muito forte de que a
O ensaio dividiu os voluntários em três recortes vacina é eficaz. No entanto, o ensaio clínico não
etários: 2 a 7 anos, 8 a 17 e 18 a 59. Falta com- terá se encerrado se e quando isso vier a ocorrer.
pletar apenas o grupo de voluntários da faixa Será ainda preciso olhar para a proteção ofereci-
etária mais jovem, a mais difícil de se conseguir da pela vacina contra cada sorotipo do vírus – no
participantes. A dificuldade de se fechar o gru- Brasil, a maioria dos casos de dengue é do tipo 2
po de voluntários também se deveu ao fato de o e 3 – para os diferentes perfis dos pacientes que
país ter tido um número surpreendentemente adoeceram ou não.
baixo de casos de dengue nos últimos dois anos “A MSD está começando os estudos de fase 2
e a necessidade de autorização do pai e da mãe de sua vacina agora. Não definimos ainda quais
fotos 1 PDBE 2 instituto butantan
para a participação da criança no estudo clíni- países e populações queremos buscar para os
co. “Há alguns indícios de que a epidemia de estudos de fase 3”, comenta Leser, do laborató-
2019 deve ser maior que a de 2018”, diz Esper rio farmacêutico. “Nossa ideia é obter números
Kallás, professor da FM-USP e coordenador de significativos de pessoas que foram expostas a
um dos 16 centros clínicos do teste. “No final de sorotipos da dengue, como o 4, que o Butantan
2018 em São Paulo, por exemplo, estão sendo eventualmente não tenha registrado com fre-
registrados casos de dengue acima daquilo que quência em seus testes.”
A complementaridade está na raiz do acordo contra dengue e até acelerar algumas etapas des-
articulado entre a multinacional e o Butantan. se processo. “Apressar a demonstração da eficá-
Ou seja, a fase avançada em que a vacina con- cia da vacina obviamente não é possível, mas há
tra dengue do instituto paulista se encontra faz processos de finalização e complementação de
com que seus dados e experiência na produção infraestrutura que podem ser agilizados”, afirma
do imunizante possam contribuir para acelerar Precioso. Encontrar a melhor maneira de apli-
o programa da vacina da MSD. De forma seme- car essa verba, de qualquer modo, é prerrogati-
lhante, a experiência da multinacional em desen- va do Butantan. “Ela deve ser aplicada também
volver, produzir e realizar estudos clínicos com num contexto mais geral de desenvolvimento e
novos imunizantes pode agilizar a fase final de inovação do instituto”, diz ele. O acordo com a
fabricação e os testes clínicos do Butantan. Ape- multinacional também engloba eventuais cola-
sar de serem baseadas em um mesmo preparado borações envolvendo outras vacinas, como a de
de vírus criado pelos NIH, ambas as vacinas te- hepatite A e HPV, hoje fabricadas pelo Butantan
rão de ser aprovadas pelas agências reguladoras. (ver texto à página 59). Por meio da MSD, o ins-
tituto espera ganhar acesso ao mercado inter-
H
á particularidades na formulação final tan- nacional, em especial o dos países pobres e em
to no imunizante de dengue do Butantan desenvolvimento.
como no da MSD. O instituto paulista de- Não faltam questões a serem exploradas no
senvolveu uma vacina de formulação multidose, campo da dengue. Além do estudo geral sobre a
visando, inicialmente, imunizar a população por fase 2 dos testes clínicos, ainda não publicado, e
meio de campanhas como as programadas perio- do ensaio de fase 3 em andamento, há outros tra-
dicamente pelo Ministério da Saúde. Já a MSD balhos sendo feitos com a vacina contra dengue
tem a ideia de atender um mercado global mais do Butantan. O laboratório de Kallás na USP, por
fragmentado, caracterizado por uma demanda exemplo, avalia o quanto esse produto ativa a res-
grande por parte de pessoas que viajam a áreas posta imune celular, sem, no entanto, envolver a
tropicais. Por isso, a empresa priorizará a produ- produção de anticorpos. “Espero que os estudos
ção de frascos de dosagem única. A Organização contribuam para entendermos quais marcadores
Mundial da Saúde (OMS) estima a ocorrência de imunes indicam se a pessoa está protegida ou
390 milhões de infecções pelo vírus da dengue não contra a dengue, atualmente algo ainda não
por ano. Em caso de qualquer mudança de rumo, muito claro”, explica Kallás. n
Sanofi Pasteur / Gabriel Lehto
S
e for bem-sucedida, a vacina contra den- Ovos usados os vírus influenza nos ovos embrionados que
gue vai ampliar a lista de imunizantes no processo produzem os antígenos para a vacina. O sistema
de produção
produzidos pelo Butantan. Atualmente, é capaz de processar 520 mil ovos por dia, sendo
da vacina
além de 13 soros contra venenos e toxinas, contra gripe que em média cada um deles resulta em uma dose
o instituto fabrica nove vacinas, que totalizam de vacina. “Nossa fábrica de vacina contra o vírus
100 milhões de doses produzidas anualmente. influenza é a única da América Latina. Estamos
Os imunizantes são fornecidos para o Ministério pedindo sua certificação na Organização Mun-
da Saúde, que os disponibiliza à população. A dial da Saúde [OMS] para podermos exportar
maior parte das vacinas é integralmente feita o produto”, afirma Ricardo das Neves Oliveira,
nas instalações da instituição paulista, apenas as gerente de produção da unidade.
que estão em meio a processos de transferência Depois de fabricar por cinco anos a vacina co-
de tecnologia são produzidas parcialmente no mo fora formulada originalmente, o Butantan
Butantan, por meio de acordos com laborató- estuda adaptar a unidade de gripe para produzir
rios privados. Em 2018, a vacina sazonal contra imunizantes mais sofisticados. Atualmente, a vaci-
gripe foi a de maior produção (60 milhões de na contra influenza feita no instituto é trivalente,
doses), seguida das vacinas contra hepatite B isto é, cada formulação anual reage a três tipos
(16 milhões), HPV ou papilomavírus humano de vírus inativado. Quem determina quais ce-
(7,6 milhões), difteria, tétano e pertussis (4,3 pas de vírus são usadas a cada ano é a OMS, que
milhões) e hepatite A (3,7 milhões). coordena o monitoramento das epidemias globais
O prédio de 10 mil metros quadrados que abri- de gripe. A vacina do Butantan gera imunida-
ga hoje a unidade de produção desse imunizante de contra dois subtipos do vírus influenza A e
antigripe – cuja formulação muda anualmente em um subtipo do B. “Estamos fazendo testes para
função dos tipos de vírus influenza em circula- acrescentar mais um subtipo de influenza B na
ção no mundo – é o mais moderno do Butantan, formulação e produzir uma vacina quadrivalente,
com nível 2 de biossegurança. Um programa de que já existe no mercado”, diz Oliveira.
transferência de tecnologia com a Sanofi, em- O instituto também planeja iniciar o desenvol-
presa francesa criadora da vacina, capacitou o vimento de uma vacina contra gripe de dose alta,
instituto a fabricar o produto. A multinacional com mais proteína viral, voltada para idosos, que
certificou que o Butantan faz um produto idên- favoreceria uma resposta imunológica melhor.
tico à sua formulação. Outro aprimoramento perseguido é aumentar a
instituto butantan
Mesmo optando por incorporar tecnologia da produção de doses de vacina por ovo utilizado.
iniciativa privada, o instituto paulista teve que Com esse intuito, há uma parceria com duas gran-
inovar em engenharia para fabricar a vacina con- jas certificadas para testar ovos provenientes de
tra gripe, com um sistema próprio para inocular diferentes linhagens de galinhas. n
Aposta contra a
depressão
persistente
Estudos sugerem que doses baixas de anestésico de
ação psicodélica podem ser benéficas a pessoas que
não respondem aos medicamentos convencionais
Ricardo Zorzetto
pessoas tratadas não melhora com os antide- testes, do que o grupo placebo.
pressivos disponíveis. De olho nesse mercado, Resultados preliminares de dois ensaios clíni-
a Janssen desenvolveu uma versão da cetamina cos de fase 3, dos quais participam centenas de
-ouro no tratamento da depressão refratária a bem mais elevadas que as anestésicas e até 40
medicamentos, e que, nas semanas iniciais, seria vezes maior que a usada contra a depressão”,
mais eficaz do que os outros 12 medicamentos. conta Lacerda. n
Apesar do otimismo, há motivos para cautela.
Em 2017, pesquisadores de uma força-tarefa da
Artigos científicos
Associação Psiquiátrica Americana publicaram
CANUSO, C. et al. Efficacy and safety of intranasal esketamine for the
um artigo na revista JAMA Psychiatry alertan- rapid reduction of symptoms of depression and suicidality in patients
do para as limitações no conhecimento sobre o at imminent risk for suicide: Results of a double-blind, randomized,
uso do medicamento contra a depressão e ou- placebo-controlled study. American Journal of Psychiatry. v. 175, n.
7, p. 620-30. 1º jul. 2018.
tros transtornos do humor. A maior parte dos AJUB, E. e LACERDA, A. L. T. Efficacy of esketamine in the treat-
estudos se baseia em amostras pequenas e com ment of depression with psychotic features: A case series. Biological
D
e tempos em tempos, surge uma sor na Universidade de São Paulo em Ri- severa que não respondiam aos medica-
onda de otimismo, quase sem- beirão Preto (USP-RP) e coordena uma mentos usuais. No experimento, reali-
pre frustrada, acerca da possi- rede de pesquisadores que investiga o zado no Hospital Universitário Onofre
bilidade de uso de compostos potencial terapêutico dos psicodélicos. Lopes, em Natal, 29 pessoas foram alea-
psicodélicos para tratar problemas de Um dos compostos avaliados pelo gru- toriamente indicadas para receber o chá
saúde mental. Extraída de plantas ou po é a ayahuasca, produzida a partir do ou uma bebida sem ação farmacológica
sintetizada em laboratório, essas subs- cozimento de folhas do arbusto Psycho- (placebo), formulada para ter sabor e
tâncias costumam alterar a percepção tria viridis, conhecido como chacrona, aspecto de ayahuasca. Antes, durante
da realidade e as emoções e causar uma e da casca do cipó Banisteriopsis caa- e por uma semana após o tratamento,
sensação de bem-estar, além de poderem pi, também chamado de mariri. Usada os pesquisadores realizaram uma série
provocar episódios de ansiedade com por povos indígenas da Amazônia em de avaliações psicológicas e fisiológi-
menor frequência. A disseminação de rituais de cura espiritual, a ayahuasca foi cas nos participantes (14 tomaram aya-
seu uso recreativo nos anos 1960 pelos incorporada a partir dos anos 1930 em huasca e 15 placebo), além de imagens
movimentos de contracultura levou as cerimônias de seitas religiosas criadas de ressonância nuclear magnética para
autoridades sanitárias a proibir o acesso por seringueiros – Santo Daime e União avaliar alterações no funcionamento do
a esses compostos em muitos países – al- do Vegetal, no Acre, e Barquinha, em cérebro. Durante o experimento, nem os
guns permitem o uso restrito em pesqui- Rondônia. Nos anos 1980 passou a ser pesquisadores nem os participantes sa-
sas. A onda atual de entusiasmo ganhou consumida em outras partes do mundo. biam quem havia recebido ayahuasca ou
força nos últimos anos com a publicação No Brasil, seu uso é considerado legal placebo – o chamado duplo-cego.
de resultados promissores de estudos desde 1987 para fins ritualísticos. Mais Os dois grupos apresentaram redu-
mais bem planejados e realizados com recentemente, começou-se a analisar ção no quadro depressivo após o experi-
mais rigor, ainda que com poucos par- a potencial ação antidepressiva dessa mento, com melhora significativamente
ticipantes, para avaliar a segurança e a bebida, embora seu consumo ainda es- maior entre os que tomaram ayahuasca.
eficácia dos psicodélicos – alguns natu- teja longe de poder ser indicado como A diferença se tornou mais importante
rais, como a psilocibina e a ayahuasca; tratamento para depressão. no sétimo dia após o tratamento: cerca
outros sintéticos, como a cetamina (ver Em um dos seus trabalhos mais re- de 60% das pessoas que receberam a
reportagem na página 60). centes, os grupos de Hallak e do neuro- preparação com as folhas e o cipó ha-
“A psiquiatria necessita de novos me- cientista Dráulio Barros de Araújo, da viam apresentado uma redução supe-
dicamentos porque muitos dos que exis- Universidade Federal do Rio Grande do rior a 50% nos sinais de depressão, con-
tem hoje não apresentam boa eficácia Norte (UFRN), avaliaram a ação antide- tra 27% no grupo placebo. Metade dos
contra certos casos de depressão”, afirma pressiva de uma única dose de ayahuasca participantes do primeiro grupo estava
o psiquiatra Jaime Hallak. Ele é profes- administrada a pacientes com depressão completamente livre dos sintomas, ante
da ayahuasca e
cogumelo do qual se
obtém a psilocibina
fazia a transição de sua área de formação, são refratária a tratamento que nunca rantir que seja produzida sempre com
a física, para a neurociência. Com Hallak, tinham consumido a bebida. Exames de a concentração desejada dos princípios
realizou um experimento, descrito em imagens realizados oito horas após a in- ativos”, diz. n Ricardo Zorzetto
2012 na revista Human Brain Mapping. gestão do composto mostraram aumen-
Eles convidaram 12 pessoas habituadas to da atividade de três áreas cerebrais
Projeto
a consumir ayahuasca a fazer imagens responsáveis pelo controle do humor e
INCT 2014: Translacional em medicina (nº 14/50891-1);
do cérebro em funcionamento sob efeito das emoções (núcleo accumbens, ínsula Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável
da bebida. Os participantes observavam direita e área subgenual esquerda) – os Jaime Eduardo Cecilio Hallak (usp); Investimento R$
algumas imagens e depois fechavam os antidepressivos comuns também agem 2.934.549,57 (para todo o projeto).
olhos. Sob efeito da ayahuasca, a região nessas regiões, mas levam mais tempo. Artigos científicos
do cérebro responsável pelo processa- Avaliações do humor realizadas no dia PALHANO-FONTES, F. et al. Rapid antidepressant effects
mento visual permaneceu ativa mesmo e nas três semanas seguintes mostraram of the psychedelic ayahuasca in treatment-resistant de-
pression: A randomized placebo-controlled trial. Psycho-
quando estavam de olhos fechados. Talvez uma redução importante dos sintomas logical Medicine. On-line. 15 jun. 2018.
isso explique as visões que algumas pes- depressivos até o 21o dia. “A ayahuas- Os demais artigos científicos consultados para esta re-
soas têm quando tomam o chá. De olhos ca parece agir como um antidepressivo portagem estão listados na versão on-line.
Transplante
contra
infertilidade
Cirurgia com útero de doadora morta realizada em
São Paulo é a primeira bem-sucedida no mundo
Carlos Fioravanti
N
os próximos meses, se tudo der dade terapêutica pelo sistema público contribuições científicas desse trabalho
certo, duas mulheres com ida- de saúde, esse procedimento poderá se foi indicar que o implante do embrião
de entre 30 e 35 anos que não constituir em uma alternativa de trata- poderia ser feito antes de completar um
conseguem ter filhos devem se mento para a infertilidade, que afeta de ano do transplante de útero, o período
submeter a um transplante de útero de 10% a 15% das mulheres. aguardado pelas outras equipes com
doadoras mortas no Hospital das Clíni- “Esse é um grande avanço para a gine- doadoras vivas, o que reduz os custos
cas (HC) da Faculdade de Medicina da cologia e a obstetrícia brasileiras, ainda de medicamentos e os cuidados médicos.
Universidade de São Paulo (FM-USP) que as indicações sejam bastante limi- O útero implantado não sofreu rejei-
e, depois, tentarão engravidar. A pers- tadas”, comentou o cirurgião fetal An- ção após o transplante nem durante a
pectiva se deve aos bons resultados do tonio Moron, professor da Universida- gestação e foi retirado após o parto para
primeiro transplante desse tipo realizado de Federal de São Paulo (Unifesp), que que a mulher pudesse parar de tomar
pela equipe do Departamento de Gas- não participou do trabalho. Esse tipo de os medicamentos imunossupressores
troenterologia da faculdade: a menina transplante é indicado para mulheres e amamentar, de acordo com o artigo
que nasceu 15 meses depois dessa cirur- sem útero, em razão de problemas con- publicado pela equipe do HC em 4 de
gia bem-sucedida completou 1 ano em gênitos ou cirurgias. dezembro de 2018 da revista Lancet.
15 de dezembro de 2018 e, como a mãe, A mulher de 32 anos que passou pe- “O risco de dar problemas parece bai-
está saudável. lo transplante no HC, em 20 de setem- xo”, comentou o cirurgião Wellington
O transplante de útero de doadora bro de 2016, não tinha o órgão por causa Andraus, coordenador do serviço de trans-
morta realizado na USP foi o primeiro da chamada síndrome de Mayer-Roki- plante de fígado do Departamento de Gas-
a dar certo no mundo, depois de cerca tansky-Küster-Hauser, embora os ová- troenterologia da FM-USP. Sobre sua me-
de 10 tentativas, com a mesma aborda- rios produzissem óvulos. A doadora ha- sa de trabalho ele mantém uma fotografia
gem, nos Estados Unidos, na Turquia e via tido três filhos de partos naturais e da menina que nasceu de 36 semanas, por
na República Checa. Com doadoras vi- morrido de hemorragia cerebral aos 45 cesariana, com 2,5 quilogramas.
vas, desde 2013, houve 39 transplantes, anos. A receptora menstruou pela pri- “O útero é um órgão bastante resis-
resultando em 11 bebês nascidos vivos. meira vez 37 dias após o transplante e, tente”, observou Andraus. Esse trabalho,
À medida que alcançar uma escala mais dois meses depois, engravidou, por meio que ele coordenou ao lado do ginecolo-
ampla e for legitimado como modali- da transferência do embrião. Uma das gista Dani Ejzenberg, também da USP,
R$ 149.881,68.
de 2014, ambos realizados por um grupo segundo a Associação Brasileira de Trans-
Artigos científicos
da Universidade de Gotemburgo, na Sué- plante de Órgãos (Abto). Além disso, a
EJZENBERG, D. et al. Livebirth after uterus transplantation
cia. Depois de ler o trabalho, Ejzenberg retirada do órgão seria mais rápida e de from a deceased donor in a recipient with uterine infertility.
perguntou a Andraus se não poderiam custo menor do que com doadoras vivas. The Lancet. v. 392, n. 10165, p. 2697-704. 22 dez. 2018.
BRÄNNSTRÖM, M. et al. Livebirth after uterus trans-
trabalhar juntos para fazer esse tipo de D’Albuquerque teve de detalhar a plantation. The Lancet. v. 385, n. 9968, p. 607-16. 14
transplante. Andraus aceitou. “Desde o experiência de seu grupo, que faz 120 fev. 2015.
À frente da
ciência dos
jardins reais
Biólogo brasileiro assumirá em
fevereiro o cargo de diretor científico
de Kew Gardens, no Reino Unido
Carlos Fioravanti
E
m 1996, aos 17 anos, Alexandre co da cidade, o maior da Escandinávia,
Antonelli, natural de Campinas, com 16 mil espécies de plantas. Cinco Antonelli: disposto a
entrou no curso de biologia na anos depois tornou-se professor de bio- aproximar os
pesquisadores entre si
Universidade Estadual de Campi- diversidade da Universidade de Gotem-
e com os jardineiros,
nas (Unicamp). Um chamado à aventura burgo. Em 2017, ele criou o Centro de como fez em Gotemburgo
foi irrecusável e seis meses depois ele Biodiversidade Global de Gotemburgo,
trancou a matrícula para passar um ano atualmente com cerca de 10 milhões de
e meio viajando pela Europa de carona exemplares de animais e plantas.
e mochila nas costas. Depois percorreu Aos 40 anos, casado com Anna, ge-
a América Central e conheceu a futura rente de uma clínica psiquiátrica, com
esposa, sueca, em Honduras, quando três filhos – Gabriel, de 14 anos, Clara
trabalhavam em uma escola de mergu- e Maria, de 12 – e cidadania brasileira,
lho. Foi com ela para Gotemburgo, na sueca e italiana, Antonelli estava na Uni- e um banco com 2 bilhões de sementes
Suécia, e lá ficou. Recomeçou o curso versidade Harvard no final de junho de de quase 40 mil espécies.
de biologia na Suécia e fincou raízes na 2018 como professor visitante quando Em outubro, ao comunicar publica-
biogeografia, para ver como plantas de recebeu um convite para se candidatar mente sua nomeação, o diretor de Kew,
regiões neotropicais como a Amazônia ao processo de seleção para o cargo de Richard Deverell, comentou: “A expe-
evoluíram e conquistaram seus espaços. diretor científico dos Jardins Botâni- riência e as especializações científicas
No doutorado, fez coletas na Amazônia cos Reais em Kew, ou Kew Gardens, em de Alex complementam e ampliam os
pela primeira vez, em 2003. Londres, um dos maiores do mundo. A pontos fortes de Kew. Estamos entusias-
Em 2010, após um pós-doutorado na instituição reúne 22 mil espécies de plan- mados por ele poder aplicar sua expe-
Suíça, voltou para Gotemburgo, contra- tas no jardim e 7 milhões nos herbários, riência e ambição para aumentar ainda
tado como curador do Jardim Botâni- além de 1,2 milhão de amostras de fungos mais a qualidade e o impacto global de
sadores brasileiros – e não apenas de ra a pesquisa científica de 2015 até 2020. lização das coleções vivas e do herbário.
botânica –, como ele conta na entrevis- Agora uma das tarefas é esboçar e liderar Meu sonho é que qualquer visitante pos-
ta a seguir. o plano estratégico para os cinco anos sa abrir a câmera do smartphone e, com
seguintes, até 2025, e trabalhar o docu- uma seta, conhecer mais sobre qualquer
O que pretende fazer como diretor cien- mento lançado há alguns meses sobre a espécie de planta, fungo e microrganis-
tífico de Kew? estratégia de manutenção e expansão das mo que estiver vendo. Isso vai requerer
Ainda não consolidei os planos. Nos pri- coleções até 2030. Temos de consolidar cerca de 100 a 150 imagens de cada es-
meiros meses, a partir de fevereiro, que- esses planos antes de incorporar minhas pécie em diferentes níveis de desenvol-
Do pó
à tempestade
Projeto com aeronave alemã vai investigar como
nanopartículas produzem temporais na Amazônia
Igor Zolnerkevic
Aerossóis ultrafinos
contribuem para
a formação das
tempestades mais
violentas na Amazônia
léo ramos chaves
forma de uma chuva suave. “Essas gotas mos que os transformam em nanopar-
maiores tornam a nuvem mais transpa- tículas”, diz Artaxo. e dariam origem à formação de novas
rente e criam arco-íris”, conta o geoquí- Em janeiro de 2018, um artigo dos nuvens de chuva. Seria um ciclo que se
mico Meinrat Andreae, do MPIC, que brasileiros e seus parceiros internacio- alimenta perenemente dos gases. n
Projetos
1. Processos de nuvens associados aos principais sis-
temas precipitantes no Brasil: Uma contribuição à mo-
delagem da escala de nuvens e ao GPM (medida global
de precipitação) (nº 09/15235-8); Modalidade Projeto
Temático; Pesquisador responsável Luiz Augusto Toledo
Machado (Inpe); Investimento R$ 2.634.280,59.
2. GOAmazon: Interação da pluma urbana de Manaus
com emissões biogênicas da Floresta Amazônica (nº
13/05014-0); Modalidade Projeto Temático; Programa
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesqui-
sador responsável Paulo Artaxo (IF-USP); Investimento
R$ 4.257.655,73.
Artigos científicos
FAN, J. et al. Substantial convection and precipitation
enhancements by ultrafine aerosol particles. Science.
26 jan. 2018.
ANDREAE, M.O. et al. Aerosol characteristics and particle
production in the upper troposphere over the Amazon
Basin. Atmospheric Chemistry and Physics. 25 jan. 2018.
Diversidade
preservada pelos
índios Guarani-
-Kaiowá, em Mato
Grosso do Sul
Caminhos do milho
P
DNA indica uma história assar um dia inteiro sem comer internacional de pesquisadores agora
milho, mesmo indiretamente, é detalha um pouco mais essa história
complexa para a quase uma missão impossível. de 9 mil anos e mostra um papel proe-
Considera-se que esse cereal seja minente das populações humanas pré-
domesticação do cereal, responsável por 6% das calorias consu- -colombianas da Amazônia, de acordo
com destaque para o midas pela população humana mundo com estudo publicado em dezembro na
afora, sem falar no que entra como ração revista Science.
México e a Amazônia na pecuária e está oculto em alimentos Há cerca de 20 anos, o engenheiro-
processados. Muito antes de existirem -agrônomo Fabio de Oliveira Freitas,
as grandes espigas amareladas disponí- atualmente na Empresa Brasileira de
Maria Guimarães veis hoje em feiras e supermercados, o Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Re-
ancestral do milho era uma planta me- cursos Genéticos e Biotecnologia, em
xicana com poucos grãos que se solta- Brasília, recebeu amostras de milho
vam facilmente da espiga e uma casca encontradas em sítios arqueológicos em
praticamente intransponível. Um grupo cavernas do norte de Minas Gerais, no
vale do Peruaçu. “Era claro que cerca de zamentos com a planta ancestral, como
1.500 anos atrás essa planta era cultivada acontecia na zona de origem. “Era um
por ali de maneira constante e usada em milho muito parecido com o do México,
oferendas em enterramentos e rituais”, mas com componentes genéticos parti-
conta. Durante o doutorado ele passou culares”, diz Freitas. Os pesquisadores
um período na Universidade de Man- já conheciam genes específicos ligados à
chester, Inglaterra, onde encontrou o domesticação, como aquele que permite
geneticista de plantas britânico Robin que os grãos fiquem grudados na espiga
Allaby, à época em estágio de pós-dou- em vez de cair pelo campo ou o que torna
torado. “Fabio tinha fantásticas amostras a palha mais maleável e fácil de retirar.
de milho indígena atual e arqueológico “A população humana do oeste da
de terras baixas tropicais”, disse Allaby Amazônia continuou o processo, eles
em conferência de imprensa. Atualmente tinham uma boa estrutura para a domes-
na Universidade de Warwick, também na ticação de plantas”, explica. Naquele mo-
Inglaterra, ele coordenou o estudo junto mento, índios da região já tinham grande
com Freitas. “Naquela época detectamos experiência no manejo e na seleção de
duas levas migratórias do milho para a uma variedade de espécies, como feijão,
América do Sul, mas conseguíamos se- abóbora e mandioca.
quenciar uma parte muito pequena do Há cerca de mil anos, uma segunda le-
genoma”, relembra o brasileiro. va da planta, geneticamente diferente e
já completamente adaptada ao consumo,
migrações sucessivas veio do México e passou a ser plantada
Com o avanço das técnicas genômicas, no norte da Amazônia. “O encontro das
eles recentemente decidiram voltar ao duas levas pode ter acontecido no norte
assunto e conseguiram sequenciar por de Minas”, diz Freitas, voltando à origem
completo tanto amostras arqueológicas de seu interesse pelo assunto.
de Minas Gerais e do Peru como uma “A história da domesticação do milho
grande diversidade armazenada nas sa- é um dos eventos evolutivos fundadores
las geladas da Embrapa. “Temos cerca que tiveram um impacto enorme na vida e
de 5 mil amostras recolhidas por todo o Índios da na história humanas”, disse Kistler. Hoje,
Brasil”, afirma Freitas. variedades distintas da mesma espécie ge-
As análises revelaram assinaturas Amazônia ram grãos com propriedades físicas parti-
genéticas específicas indicando que o culares a ponto de alguns estourarem co-
milho que chegou ao Brasil no período
tinham grande mo pipoca e outros não, como ressaltaram
pré-colombiano ainda não estava com- experiência no físicos da Universidade Estadual de Cam-
pletamente transformado para agricul- pinas na revista Nature, em 1993. Freitas
tura e consumo. O processo de domes- manejo e na ressalta a importância de dois aspectos da
fotos 1 flaviane malaquias costa / usp 2 matt lavin / wikimedia commons
Ventos
promissores
a caminho
Potencial eólico brasileiro é três vezes maior do
que o do parque nacional de energia elétrica; capacidade
atual pode abastecer 22 milhões de residências
Domingos Zaparolli
Parque Eólico
Bons Ventos,
em Aracati,
no Ceará
cpfl renováveis
Matriz elétrica
O Brasil tem 7.186 empreendimentos de
O
geração elétrica em operação, que totalizam
162,5 GW de potência instalada potencial de geração de energia eólica
no Brasil é estimado em cerca de 500
= potência gigawatts (GW), de acordo com a As-
Pequenas Centrais
Hidrelétricas (PCHs)**
Outras*** instalada sociação Brasileira de Energia Eólica
4,5 GW
5,1 GW (ABEEólica), energia suficiente para
atender o triplo da demanda atual de energia do
Usinas eólicas
3,2 2,7
14,2 GW Brasil. O número é mais de três vezes superior ao
8,3 atual parque nacional gerador de energia elétrica,
Biomassa 60,5 Usinas incluindo todas as fontes disponíveis, como hidre-
14,7 GW hidrelétricas
8,6
98,3 GW
létrica, biomassa, gás natural, óleo, carvão e nuclear.
Percentual Em dezembro de 2018, a capacidade de geração ins-
da potência talada somou 162,5 GW, segundo a Agência Nacional
instalada
Termelétricas* de Energia Elétrica (Aneel). Desse total, as usinas
25,6 GW
16,2 eólicas responderam por 14,2 GW, equivalente à
capacidade instalada da usina de Itaipu, de 14 GW
– quantidade suficiente para abastecer 22 milhões
de residências. A energia gerada com a força dos
ventos ocupa o quarto lugar na matriz de energia
elétrica nacional (ver infográfico ao lado).
*Inclui gás natural, óleo e carvão Elbia Gannoum, presidente-executiva da ABEEó-
**Geram entre 5 e 30 MW lica, explica que o potencial eólico de 500 GW leva
***Termonuclear, fotovoltaica e centrais geradoras hidrelétricas em conta apenas a geração onshore (em terra) rea-
que geram entre 0 e 5 MW lizada por aerogeradores que representam o padrão
Fonte Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); em dezembro de 2018 atual, de 2 megawatts (MW) a 3 MW de potência,
instalados em torres de 150 metros (m) de altura.
Aerogerador (ou turbina eólica) é o aparelho que
converte a energia eólica em elétrica. Ocorre que a
Em ritmo crescente indústria iniciou um esforço para ampliar a potência
dos aerogeradores para em torno de 5 MW. Com uma
Geração de energia eólica não para turbina duas vezes mais potente é possível dobrar
de crescer no país a energia gerada em um espaço físico semelhante
e reduzir custos operacionais. “A evolução tecno-
Potência instalada (em MW) lógica pode ampliar consideravelmente o potencial
20.000
eólico do país”, sustenta a executiva da ABEEólica.
17.658* A norte-americana GE anunciou que irá vender no
16.145* país sua nova turbina de 4,8 MW, lançada mundial-
15.000 14.413 mente em 2017. O equipamento tem um rotor de 158
m de diâmetro com três pás, cada uma com 77 m de
10.740 comprimento. A altura do conjunto todo – torre e mais
10.000
uma das pás apontando para cima, na vertical – pode
alcançar até 240 m, o equivalente ao comprimento de
5.972
5.000
dois campos de futebol, somado à altura da estátua
2.522 do Cristo Redentor, com seus 30 metros.
235 341
931 A combinação de um rotor maior e torres altas,
0 explica Vitor Matsuo, líder de produto da GE Rene-
wable Energy para a América Latina, permite que
06
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Ve
COMO FUNCIONA ntos
Nacelle
Fonte Entrevistados
RUÍDOS E PÁSSAROS aplicada enquanto elas ainda estão em gia, de São José dos Campos. O projeto,
O Brasil possui atualmente alguns grupos fase inicial de projeto, permitindo ajustes com financiamento do programa Pes-
de pesquisa em energia eólica, dentre os no projeto. A ferramenta computacional quisa Inovativa em Pequenas Empresas
quais os das universidades federais do é de livre distribuição e já foi baixada (Pipe), da FAPESP, objetiva desenvolver
Ceará (UFC), de Santa Catarina (UFSC), mais de 36 mil vezes, no mundo todo, um aerogerador de rotor de eixo hori-
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Uni- via internet. Para projetar os novos ae- zontal, como o normalmente usado nos
versidade de São Paulo (USP). Na Escola rofólios, foram desenhadas três turbinas parques eólicos, mas com uma mudança:
Politécnica da USP, o grupo Poli Wind foi eólicas com diâmetros de 100, 180 e 220 a nacelle, peça onde é instalado o siste-
formado em 2016 com quatro integrantes, metros, ainda não construídas. ma gerador, é reposicionada na base da
entre eles o pesquisador em estágio de O grupo Poli Wind também se preo- torre, e não no topo, como é usual.
pós-doutorado Joseph Youssif Saab Jr., cupa em mitigar outro aspecto negativo Segundo o engenheiro William Mene-
coordenador do Curso de Engenharia dos grandes aerogeradores, que é a mor- zes, da Fatec São José dos Campos e pes-
Mecânica do Instituto Mauá de Tecno- talidade de pássaros e morcegos que coli- quisador responsável na Eolic Future, a
logia. Saab é autor de um projeto de pás dem com as pás eólicas. A recomendação viabilidade técnica do sistema para torres
foto chan /weg infográficO ana paula campos ilustraçãO fabio otubo
mais silenciosas para turbinas que gerou nacional e internacional é estabelecer de 80 metros já está comprovada por cál-
um pedido de patente e pode se caracteri- parques fora do trajeto de rotas migra- culos analíticos, e a próxima etapa é fazer
zar como uma contribuição genuinamen- tórias, o que, segundo Saab, nem sempre um protótipo para testes. A vantagem da
te brasileira para o desenvolvimento de é observado no Brasil. Uma possível so- instalação da nacelle na base da torre é o
tecnologia de aerogeradores. “O excesso lução apresentada pelo grupo é dimen- potencial de redução de custos de manu-
de ruído é um problema para as comu- sionar uma seção estreita do aerofólio da tenção, na casa de 15% ao ano. Menezes
nidades vizinhas aos parques eólicos. É pá de forma a gerar a emissão de um som relata que no custo de um aerogerador
como ter um avião sobrevoando sua casa tonal, um assobio, na faixa de 1 a 3 quilo- estão incluídos gastos de manutenção,
24 horas por dia. E o ruído vai piorar na -hertz (kHz), capaz de alertar pássaros hoje na casa de R$ 2,5 milhões anuais a
medida em que os aerogeradores ficarem sem impactar significativamente o ruído partir do quinto ano de operação. Além
maiores”, alerta o pesquisador. O grupo total do rotor para a audição humana. disso, há o risco de acidentes em tarefas
está em busca de fabricantes dispostos a Outra inovação, com potencial de im- em uma estrutura instalada longe do so-
testar os aerofólios desenvolvidos. pacto nos custos operacionais dos aero- lo. A Eolic Future planeja comercializar
Saab criou uma ferramenta de predi- geradores, está sendo desenvolvida pela a tecnologia em associação com inves-
ção do ruído emitido pelas pás para ser empresa paulista Eolic Future Tecnolo- tidores e fabricantes de aerogeradores.
Mais inovação
na saúde
Prêmio reconhece projetos científicos com
potencial de aplicação na área médica
U
m tratamento farmacológico coagulação a laser, injeção intraocular de queline Faria está investindo o valor do
não invasivo para a retinopatia medicações ou cirurgias intraoculares. prêmio – R$ 50 mil – na contratação de
diabética foi o vencedor da 4ª O novo tratamento proposto é um co- profissionais especializados nos trâmites
edição do Prêmio Empreenda lírio desenvolvido com base em nano- burocráticos necessários à elaboração
Saúde, em São Paulo. Iniciativa da funda- tecnologia que libera gradativamente o de um plano de negócios e à obtenção
ção everis com a participação do Hospital princípio ativo para a retina. “O colírio de certificações. A pesquisadora planeja
Sírio-Libanês, o objetivo da premiação age nos neurônios da retina, protegen- criar uma empresa para dar continuida-
criada em 2015 é incentivar o empreen- do-os da toxicidade da glicose”, explica de ao projeto.
dedorismo e a inovação, reconhecendo a pesquisadora.
projetos científicos com potencial de apli- No desenvolvimento do fármaco, Jac- Visibilidade no mercado
cação na área da saúde. Segundo a Socie- queline Faria contou com a colaboração Segundo Raphael Bueno, da fundação
dade Brasileira de Diabetes, a doença a da engenheira química especialista em everis e responsável pela iniciativa no
ser tratada pela nova terapia é a principal nanotecnologia Maria Helena Andra- Brasil, o 4º Prêmio Empreenda Saúde
causa de cegueira irreversível em pessoas de Santana, do Instituto de Química da recebeu cerca de 220 inscrições, de vá-
na faixa dos 20 aos 74 anos. Unicamp. Testes em ratos de laboratório rias partes do país – a fundação everis
O projeto vencedor da edição de 2018 indicaram resultados positivos. O co- foi criada pela everis, uma multinacional
é o resultado de 20 anos de pesquisas da lírio tem patente depositada no Brasil de consultoria que oferece soluções de
médica Jacqueline Mendonça Lopes de e no exterior. A médica considera que estratégia e negócios para indústria e
Faria, da Faculdade de Ciências Médicas ainda é cedo para atrair interesse da governo. “Muitas das startups que sub-
da Universidade Estadual de Campinas indústria. “As empresas querem o pro- meteram seus projetos ao prêmio já
(Unicamp), e poderá mudar radicalmen- duto desenvolvido e já certificado pela foram aceleradas e estão em busca de
te o tratamento da retinopatia diabética. Anvisa [Agência Nacional de Vigilância investimentos e exposição ao mercado-
A doença surge quando o excesso de gli- Sanitária] e FDA [órgão regulador de -alvo”, avalia o organizador. Um exemplo
cose no sangue provoca danos aos vasos medicamentos e alimentos nos Estados é a startup paulista TNH Health, uma
carlos della rocca
da retina, região do olho responsável pela Unidos]”, considera. das seis finalistas da competição, que
formação das imagens enviadas ao cére- Até que isso ocorra, ainda há um lon- utiliza chatbots impulsionados com in-
bro. A retinopatia é tratada com técnicas go caminho a percorrer, a começar pelos teligência artificial para transmitir men-
invasivas, arriscadas e caras, como foto- testes em seres humanos. Por isso, Jac- sagens de texto com orientações a ges-
Desde o dia 7 de novembro, com o que tem como meta prospectar Gabriela Ribeiro dos Santos, gerente
lançamento oficial do Centro de soluções inovadoras na área da saúde a de Inovação do Citic, já existem
Inovação Tecnológica do Instituto serem desenvolvidas pelas startups aproximadamente 20 projetos em
Central (Citic) do Hospital das do setor, conhecidas como health techs. diferentes fases de desenvolvimento.
Clínicas da Faculdade de Medicina Dentre as atividades que deverão “Alguns já se tornaram startups e
da Universidade de São Paulo, ser realizadas pelo Citic estão a estão em fase de prova de conceito.
pesquisadores que buscam realização de acordos de parceria, a Outros já têm contrato assinado com
empreender na área da saúde contam oferta de cursos de capacitação para parceiros externos ou com o
com mais um canal de apoio. Sob a startups e a captação de recursos em programa Pipe, da FAPESP”, informa.
presidência de Maria José Carmona, agências de fomento. O centro dará Os pesquisadores que tiverem
diretora da Divisão de Anestesiologia orientações técnicas e apoio jurídico projetos nessa área podem entrar em
do Instituto Central, o Citic é um para o estabelecimento de parcerias contato com o Citic (citic@hc.fm.usp.
braço do Inova HC, criado em 2015, público-privadas. Segundo a bióloga br / (11) 2661-3189 e (11) 2661-6301).
Mais rápido
do que uma bala
vant 14-x
S
e tudo correr como planejado, 14-Bis, o vant empregará o conceito de 2020, o motor scramjet será instalado em
a Força Aérea Brasileira (FAB) waverider, no qual uma onda de choque um foguete de sondagem do Instituto de
realizará dentro de dois anos o gerada abaixo dele, em razão de sua alta Aeronáutica e Espaço (IAE), unidade do
ensaio em voo do primeiro motor velocidade, lhe fornece sustentação. É DCTA voltada ao desenvolvimento de
aeronáutico hipersônico feito no país. como se, durante o voo, o veículo “sur- tecnologias para o setor aeroespacial. O
O teste integra um projeto mais amplo fasse” na onda induzida por ele. projeto teve apoio da FAPESP.
cujo objetivo é dominar o ciclo de de- “Ainda não há aeronaves hipersôni- Já o veículo aéreo hipersônico integra-
senvolvimento de veículos hipersônicos, cas em operação rotineira no mundo. do ao motor scramjet poderá ser usado
que voam, no mínimo, a cinco vezes a Essa tecnologia simboliza o estado da como avião de passageiros ou para fins
velocidade do som, ou Mach 5. Mach é arte mesmo para países como Estados militares. Em 2018, Rússia e China tes-
uma unidade de medida de velocidade Unidos, Rússia e China”, informa o co- taram com sucesso os mísseis hipersôni-
correspondente a cerca de 1.200 quilô- ronel Lester de Abreu Faria, engenhei- cos Avangard e Xingkong-2, respectiva-
metros por hora (km/h). O programa é ro eletrônico e diretor do IEAv. “Todos mente. Nos Estados Unidos, a Lockheed
coordenado pelo Instituto de Estudos buscam esse conhecimento e, apesar do Martin está construindo um veículo hi-
Avançados (IEAv), um dos centros de longo tempo de desenvolvimento, não es- persônico para voo a Mach 6.
pesquisa do Departamento de Ciência tamos muito atrás dos líderes mundiais.” Desde o início do projeto, já foram in-
e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da De acordo com Israel Rêgo, gerente do vestidos R$ 53 milhões no 14-X, progra-
FAB, em parceria com a empresa Or- projeto PropHiper, o motor hipersôni- mado para voar a Mach 10 (12 mil km/h)
bital Engenharia, ambos de São José co em desenvolvimento no país, do tipo (ver infográfico na página ao lado). “Me
dos Campos (SP). scramjet (supersonic combustion ramjet), tade do tempo do programa destinou-se
Além do motor hipersônico, o projeto também poderá ser empregado como se- à capacitação de pessoal e à implantação
Propulsão Hipersônica 14-X (PropHi- gundo ou terceiro estágio de propulsão da infraestrutura laboratorial, com des-
per), iniciado em 2006, prevê a cons- de foguetes – esses veículos espaciais são taque para o túnel de choque hipersôni-
trução de um veículo aéreo não tripula- dotados de vários estágios (ou motores), co T3 onde são feitos os ensaios aerodi-
do (vant), onde o motor será instalado. acionados sucessivamente ao longo do nâmicos [ver Pesquisa FAPESP no 135]”,
Batizado de 14-X, em homenagem ao voo. No primeiro ensaio, previsto para conta Rêgo. “O grande salto agora é ‘sair’
3.300 m
12.000 km/h
VANT 14-X Velocidade hipersônica
580 m
2.100 km/h
Concorde Velocidade supersônica
Velocidade do som
340 m/s
300 m
bala de revólver 1.080 km/h
Velocidade subsônica
270 m
980 km/h
avião comercial
Velocidade subsônica FoNTE IEAv
Alguns desafios, no entanto, ainda na câmara de combustão, onde é inje- guíveis, atingindo velocidades de voo ex-
precisam ser superados. O primeiro é a tado o combustível. E isso depende da tremamente altas”, conta Israel Rêgo. n
finalização do scramjet. Assim como os perfeita geometria do motor”, diz Rêgo.
motores de jatos comerciais, o scramjet Outra dificuldade do projeto é fazer
usa o ar da atmosfera para a queima do com que o veículo resista ao atrito gerado
combustível. No entanto, ao contrário pelo voo à velocidade hipersônica. “As Projeto
dos motores dos aviões, o do 14-X não partes que sofrem maior aquecimento Investigação experimental preliminar em combustão
supersônica (no 04/00525-7); Modalidade Auxílio à Pes-
tem partes móveis, como compressores por fricção com o ar devem ser feitas de quisa – Regular; Pesquisador responsável Paulo Gilberto
e turbinas. “Na combustão supersônica, materiais resistentes a altas temperatu- de Paula Toro (IEAv); Investimento R$ 2.206.289,32.
Uma trama
de cordéis
Historicamente marginalizada, a literatura
brasileira de folhetos alcança fase de
reconhecimento e institucionalização
Luisa Destri
T
radicional expressão cultural O início dessa literatura pode ser Literatura de Cordel (ABLC), com sede
brasileira, a literatura de cor- identificado com o momento em que, no Rio de Janeiro.
del vive um momento de re- em fins do século XIX, no Nordeste, poe- Se considerado desde seus antece-
florescimento. Após sucessi- mas transmitidos oralmente ganharam dentes, o percurso do cordel é secular,
vas transformações de produ- impressão. Esses folhetos, vendidos em tem início em outro continente e im-
ção e circulação, ao longo do século XX, o feiras de estados como Paraíba, Pernam- plica uma complexa relação entre cul-
gênero chegou a ter sua morte anunciada buco, Ceará e Rio Grande do Norte, tor- tura erudita e popular. “A importância
por estudiosos e autores no fim da década naram-se rapidamente populares – a tal dessa literatura é histórica. Ela nasceu
de 1980. Desde os anos 2000, no entan- ponto que, por volta de 1910, o paraibano no século XVI, na Europa, foi a grande
to, vem encontrando outras formas de Leandro Gomes de Barros (1865-1918) responsável pela vulgarização de textos
sobrevivência, em novos formatos, com instalou-se no Recife com a Tipogra- gregos e latinos e veiculou notícias so-
outros públicos e como objeto de atenção fia Perseverança e se tornou o primeiro bre as descobertas e todo um imaginário
acadêmica. O mais recente capítulo des- autor e editor do país a viver exclusi- sobre o Novo Mundo na Itália, França e
sa história é seu reconhecimento como vamente de cordéis. A partir dos anos Espanha”, afirma Francisco Claudio Al-
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro 1950, com os movimentos de migração ves Marques, da Faculdade de Ciências
pelo Instituto do Patrimônio Histórico para o Norte, Sudeste e Brasília, os fo- e Letras da Universidade Estadual Pau-
e Artístico Nacional (Iphan), que coloca lhetos disseminaram-se por todo o país, lista (FCL-Unesp), campus de Assis. Em
no horizonte do Estado e da sociedade a possibilitando a criação de uma rede que Escritos e ditos: Poéticas e arquétipos da
necessidade de estratégias para proteger hoje inclui poetas, pesquisadores, esco- literatura de folhetos – Itália/Brasil (Hu-
a produção e a atuação de poetas corde- las, editoras e associações – a mais co- manitas, no prelo), ele investiga as ma-
listas (ver box na página 90). nhecida delas, a Academia Brasileira de trizes europeias do cordel brasileiro, que
que muitas vezes se pensa, não depen- forma, como argumenta o pesquisador, “A comunidade nordestina vive às voltas
de da capacidade de improvisação, mas à consciência de injustiças, ao desejo de com as secas periódicas, as hostilidades
do modo como adaptam o repertório desforra contra abusos de poder, a críti- do clima, a falta de alimentação. Essa
literário já existente: pelas suas vozes cas à realidade. narrativa, de origem francesa, ganha uma
e mãos, narrativas ancestrais passam Um dos exemplos estudados por Mar- nova função ao dialogar diretamente com
a falar sobre a experiência do próprio ques é o mito da Cocanha, país imaginá- a realidade da comunidade nordestina.
público, que assim se deixa encantar. rio cujo retrato circula na cultura popu- Ela se revitaliza”.
Um bem tutelado
Uma estrofe de 10 versos de sete sílabas encomenda do Iphan, o dossiê que dá todo. “Nessas reuniões recolhemos
abriu o pedido encaminhado, em 2010, pela fundamento ao registro, documentando a também as sugestões de salvaguarda das
Academia Brasileira de Literatura de Cordel história nacional da literatura de cordel e obras, que devem ser feitas pelos próprios
ao Instituto do Patrimônio Histórico mapeando a produção hoje realizada no poetas”, conta Melo.
e Artístico Nacional (Iphan) solicitando o Brasil. “O registro é uma decisão do Estado As ações de preservação são a principal
registro do cordel como Patrimônio Cultural brasileiro que vai ficar para gerações futuras. decorrência do processo de registro, que
Imaterial Brasileiro: “Nós, membros da Daí a necessidade desse inventário, que tem como finalidade atender determinações
academia/ da cultura guardiã/ solicitamos tem como objetivo recolher informações legais de promoção e acesso à cultura, em
ao Iphan/ que veja com simpatia/ nossa que comprovem que esse bem merece ser especial os artigos 215 e 216 da Constituição
eterna poesia/ como histórico documento/ registrado”, explica Rosilene Alves de Federal. “A história do cordel agora muda
E neste requerimento/ de conteúdo fiel/ Melo, professora da Universidade Federal radicalmente. Até 2018, era uma poesia
pedimos para o cordel / o seu registro e de Campina Grande (UFCG) que atuou praticada livremente pelas pessoas; agora é
tombamento”. Em setembro de 2018, como consultora do órgão, coordenando a um bem tutelado pelo Estado”, resume Melo,
o conselho consultivo do órgão aprovou o pesquisa e redigindo o dossiê. ressaltando a dimensão coletiva da atuação
pedido, reconhecendo a literatura de cordel Para a elaboração do documento escrito desses poetas, que deve passar pela
como um bem a ser preservado pelo Estado e do documentário em vídeo, que ficarão construção de formas de organização e
em conjunto com a sociedade brasileira. disponíveis ao público, foram realizadas articulação. A partir deste ano, segundo ela,
Uma equipe de pesquisadores 140 entrevistas com poetas, pesquisadores, o órgão de proteção ao patrimônio terá
desenvolveu, entre 2012 e 2017, por donos de editoras de folhetos, no Brasil ações destinadas especificamente ao cordel.
nor proximidade com a cultura letrada ção e guarda em seu acervo a linguagem mas como ciências, história, linguagem,
deu muitas vezes origem a um estigma. matuta – quando se escrevia ‘pruquê’, além de muitas vezes adaptarem clássi-
“A literatura de cordel nunca foi muito ‘prumodi’, ‘pruvia’. Mas guardamos co- cos literários nacionais e estrangeiros.
reconhecida pelo universo da literatura mo material de museu, e não material “Essa entrada na escola salvou o cordel
oficial, embora muitos poetas e escrito- para ser usado agora”. do desaparecimento no Brasil”, avalia a
res fossem seus admiradores”, afirma pesquisadora da UFCG. Para Marques,
Iumatti, que recusa o rótulo de “popu- Sobrevivência o interesse de alunos dos ensinos mé-
lar” para essa produção. “A literatura de Na tentativa do cordel de sobreviver, os dio e fundamental pode representar o
cordel sempre fez a mediação entre uni- poetas buscaram, ao longo das décadas, surgimento de novos autores no gênero.
versos: um mais letrado e outro da cul- diferentes maneiras de concretizar seu Outro fator apontado como essencial
tural oral, como uma poesia que chegava trabalho. Inicialmente, os folhetos eram para a sobrevivência do cordel é a manu-
a pessoas que nem sequer sabiam ler”, impressos em gráficas nas capitais e pe- tenção de arquivos de folhetos. A ABLC
explica. De acordo com ele, à medida quenas tipografias em cidades do inte- reúne hoje 13 mil títulos em seu acervo e
que buscam formas de legitimação, cor- rior. Com a proliferação de jornais e a cerca de 2 mil livros de apoio à pesquisa,
delistas tendem a se identificar relati- diminuição do custo dos equipamentos, além de 27 “cordeltecas” implantadas em
vamente menos com a cultura popular, alguns poetas adquiriram suas próprias todo o território nacional. Com o proje-
que passa a ser vista como repertório máquinas, ganhando autonomia no pro- to “Sementes de poesia”, Melo preten-
para inspiração, estudo e criação, e não cesso de produção e, consequentemente, de revitalizar e ampliar as coleções do
como meio exclusivo onde os folhetos de divulgação do trabalho. Entre 1910 e Acervo de Literatura Popular José Alves
são produzidos e circulam. 1960, inicialmente no Nordeste, e depois Sobrinho e do Centro de Formação de
A ABLC, fundada em 1988, contribui com a circulação do cordel por outras Professores (UFCG) em Campina Gran-
para essa trajetória. “A criação é uma regiões do país, constituiu-se uma rede de e da Fundação Casa de José Américo,
resposta à não aceitação do cordel pela de produção e venda que permitiu a au- em João Pessoa. Marques tem dedicado o
Academia Brasileira de Letras”, diz Ro- tores e editores sobreviver dos folhetos. projeto “Organização, classificação e ca-
silene Melo, referindo-se às duas candi- Hoje os cordéis estão longe do am- talogação do acervo de literatura de cor-
daturas do cordelista Raimundo Santa biente de seu nascimento, as feiras. O del” aos 800 folhetos de cordel doados
Helena (1926) rejeitadas pelos imortais, surgimento dos supermercados na dé- ao Centro de Documentação e Apoio à
em 1983 e 1986. A institucionalização do cada de 1970, a hiperinflação e o con- Pesquisa (Cedap) pela ABLC. Já Iumatti
cordel trouxe até mesmo novos parâ- sequente aumento do preço do papel está trabalhando, com um grupo de alu-
metros para a composição dos poemas, nas décadas de 1980 e 1990 exigiram a nos e com apoio do Iphan e do Conselho
que foram se modificando com o tempo, completa reformulação da atuação des- Nacional de Desenvolvimento Científi-
como explica o cordelista Gonçalo Fer- ses autores, que ficaram cada vez mais co e Tecnológico (CNPq), no Portal de
reira da Silva, presidente da instituição. distantes de seu público. “No início dos Literatura de Cordel, que, abrigado no
São três os critérios estéticos: métrica, anos 2000, o cordel estava em uma cri- site do IEB-USP (bit.ly/PortalCordel),
rima e oração, isto é, os poetas devem se profunda”, conta Rosilene Melo, da reúne metadados de acervos de diver-
obedecer rigorosamente a quantidades UFCG. A saída encontrada foi levar o sas instituições nacionais e estrangeiras
convencionais de sílabas por verso, ri- cordel para as escolas. Desde então, em dedicados ao cordel e que tem como ob-
mar todo o poema e construir narrativas oficinas, minicursos e palestras, poetas jetivo principal o apoio à pesquisa. “Se
coerentes, com começo, meio e fim. “A procuram estimular o conhecimento do o leitor não vai à leitura, a leitura vai ao
literatura de cordel é feita para ser lida, gênero e o gosto pela sua leitura. Co- leitor”, sintetiza o presidente da ABLC. n
ilustraçãO augusto zambonato
Cotidiano
esquecido
Pesquisa revela aspectos pouco conhecidos
da vida e obra de David Perlov, o brasileiro que
revolucionou a cinematografia israelense
Valéria França
Perlov nasceu
no Rio
de Janeiro e
passou a maior
parte da
A
vida em Israel
pesquisadora e crítica de ci- mãe, Anna, veio da Bessarábia, atual
nema Ilana Feldman se en- Moldávia. Abandonada pelo pai de Per-
cantou com a produção cine- lov, enfrentou a pobreza e condições psí-
matográfica de David Perlov quicas adversas. Em Belo Horizonte, on-
(1930-2003) quando, em 2006, tomou de viveram até 1940, Perlov e o irmão,
conhecimento de Diário 1973-1983, sua Aarão, foram criados com extrema di-
obra mais importante. Naquele mo- ficuldade por Dona Guiomar, uma neta
mento, escreveu um artigo sobre aquele de escravos, protestante.
que é considerado um dos pioneiros do Os anos de penúria ficaram para trás
moderno cinema israelense. No filme, o quando, em 1940, resgatados pelo avô pa-
documentarista retrata fragmentos do terno, ele e o irmão passaram a ter acesso
seu próprio cotidiano, da rotina familiar, à educação de qualidade na capital pau-
da vizinhança em Tel Aviv e das viagens lista – Perlov estudou, por exemplo, de-
ao Brasil. Em 2014, Feldman decidiu senho com Lasar Segall (1891-1957), que
analisar sua obra – de forte inflexão reconheceu o talento do rapaz.
biográfica e política – em pesquisa de “Eu o encontrei nessa época. David
pós-doutorado em teoria literária no fazia parte do movimento sionista so-
Instituto de Estudos da Linguagem da cialista. Era um líder. E foi por isso que
Universidade Estadual de Campinas o conheci”, conta a brasileira Mira, sua
(IEL-Unicamp). Utilizando ferramen- viúva. Integrante de uma família abas-
tas de teoria da imagem e psicanálise, tada de sobreviventes da Shoah, a jovem
debruçou-se sobre o teor testemunhal morava em Higienópolis, bairro que mais
da produção de Perlov. tarde serviria de cenário para o cineas-
Descendente de judeus palestinos, ta. Cidadão do mundo, Perlov cresceu
Perlov nasceu no Rio de Janeiro. Sua em São Paulo, estudou em Paris, e aos
Mas, para o governo de Israel, o gran- “Sem recursos e apenas com uma câme- o interior de sua própria casa. Nunca
de patrocinador da sétima arte naquele ra, ele filmava o cotidiano em película de com o uso de uma câmera escondida. A
momento, o cineasta não se enquadra- 16 milímetros, sempre com sensibilidade mulher, Mira, e as filhas gêmeas do ca-
va no perfil desejado. Perlov desejava social, vez por outra observando o lugar sal, Yael e Naomi, por exemplo, não des-
contar histórias de pessoas. Em Israel, subalterno que os trabalhadores árabes conhecem a presença do equipamento.
e na então União Soviética, o cinema era tinham em Israel, assim como as empre- Ora olhando furtivamente para a lente,
usado como veículo de propaganda de gadas domésticas no Brasil. Em Diário, ora ignorando-a, seguem em suas ati-
vidades corriqueiras – que podiam ser ção, também é muito prazeroso, porque
O
Instituto de Artes da Universidade Esta- ticas urbanas singulares e distintas, que vão dos
dual Paulista (Unesp) deve reconhecer ornamentos ultrabarrocos equatorianos (chur-
o privilégio de ter em seu corpo docen- riguerescos), o “melhor da escola quitenha”, à
te um dos maiores intelectuais do barroco no ornamentação de Santa Maria de Tonantzintla,
Brasil. Percival Tirapeli inaugurou, em 1987, o considerada obra máxima do barroco exuberan-
chamado movimento Barroco Memória Viva, o te na Nova Espanha (México), do urbanismo de
qual comporta atividades de extensão e de pes- plano em quadrícula (espanhol) ao urbanismo
quisas potencializadoras do pensamento e das vernacular (português), modelos e teorias nas
práticas relativas à arte e ao urbanismo barrocos quais o catolicismo ganhou espaço considerá-
Patrimônio no país. Sua obra Arte sacra colonial – Barroco vel, para a projeção das utopias imaginativas e
colonial memória viva é uma referência nacional desse feitoras do Novo Mundo.
latino-americano:
Urbanismo,
movimento idealizado, consagrado e mantido O empenho e o êxito de Percival Tirapeli está
arquitetura, arte por Tirapeli. O trabalho versou, em considera- em traçar o panorama de um patrimônio colo-
sacra ção às expressões do barroco paulista, baiano, nial barroco na América Latina no qual a pin-
Percival Tirapeli mineiro e carioca, sobre aspectos da arquitetura tura, a escultura e o urbanismo são estudados
Edições Sesc
São Paulo
e do urbanismo, da ornamentação, da literatura e retratados metodologicamente, vinculados à
320 páginas e da música, com a colaboração de autores como economia e à política espaciais coloniais. Como
R$ 115,00 Murillo Marx, Wolfgang Pfeiffer, João Adolfo afirma o próprio autor, “as análises das artes
Hansen, dentre outros. coloniais suplantam as divisões geográficas,
Decorridas mais de três décadas da primei- como na península Ibérica, fazendo profun-
ra publicação do Barroco memória viva – um das distinções entre Espanha e Portugal. Nas
vasto período de intensa atividade acadêmica e Américas, no entanto, deve-se adotar o conceito
intelectual do autor –, Tirapeli nos brinda ago- das fronteiras coloniais, e não o dos países cria-
ra com outro oportuno e indispensável estudo, dos pós-independência. Sem se considerar essa
ampliando, grandemente, os escopos geográfi- divisão colonial, há o risco de se perpetuar os
co e tipológico do barroco em sua análise. Em interesses escusos da política e da economia”.
Patrimônio colonial latino-americano: Urbanis- Tirapeli, pela arte e aos moldes do escritor pe-
mo, arquitetura, arte sacra, Tirapeli reconhece ruano Mario Vargas Llosa (na exposição Revela-
o barroco como “estilo exuberante de formas ciones), consegue situar o barroco (patrimônio
quando se trata de patrimônio colonial da Amé- colonial) como um dos elementos estimulantes
rica Latina”. Nesse extenso, denso e bonito livro, da reflexão e do debate sobre a unidade da e na
o autor totaliza, dilata e singulariza esse estilo, América Latina.
sobretudo por dois objetos, considerando suas O livro recém-lançado torna-se leitura obri-
muitas variantes continentais: a igreja e o espaço gatória para todo tipo de pesquisa que inquira as
urbano. Surpreende sua capacidade de estabele- artes visuais coloniais das Américas espanhola
cer conexões interpretativas sobre as regras da e portuguesa. Percival Tirapeli faz entender por
arte barroca advindas dos modos de vida euro- sua obra, pela experiência vivida e pelo espaço
peu e aqueles que se reproduzem no continente percebido no continente, que a riqueza da ex-
latino-americano. pressão barroca se revela no conteúdo da mis-
O livro contempla dezenas de sítios latino- cigenação das crenças localizadas, da sede da
-americanos e caribenhos declarados patrimô- conquista europeia e das estratégias artísticas
nio da humanidade, os quais Tirapeli percorreu visuais coloniais, as quais nunca deixaram de
em busca de fontes documentais, imagéticas e aproximar o divino e os mortais.
bibliográficas. Sua capacidade investigativa de
universalização e de síntese das informações
possibilitou-lhe trafegar pelo continente reali- Everaldo Batista da Costa é professor do Departamento de
Geografia do Instituto de Ciências Humanas da Universidade
zando uma conectividade de espaço-tempo. Por de Brasília (IH-UnB) e líder do grupo de pesquisa Cidades e
exemplo, foi capaz de totalizar expressões artís- Patrimonialização na América Latina e Caribe (Gecipa-UnB).
universidade
É
tempo de férias letivas. As Câmara de Pós-Graduação da modalidades de auxílios e bolsas
salas de aula estão vazias, a Universidade Federal de São Paulo disponíveis no país não preveem
frequência na universidade (Unifesp), campus Diadema, vê de períodos de férias para os bolsistas.
diminui, os serviços administrativos modo semelhante esse período do Da iniciação científica ao
por vezes funcionam em horários ano, que descreve como “produtivo, pós-doutorado, não há parâmetros
reduzidos. A rotina de pesquisa, porém, sem muito estresse, tensão”, que regulamentem a folga. Como
porém, segue seu ritmo. “Essa época já que a pausa nas atividades resultado, a possibilidade de se
é ótima para a gente”, afirma o docentes e administrativas permite desligar do trabalho depende de
matemático José Alberto Cuminato, a dedicação mais intensa ao grupo acordos feitos individualmente
diretor do Centro de Ciências de pesquisa. “Durante as férias entre aluno e orientador – ou, no
Matemáticas Aplicadas à Indústria letivas, eu, assim como alguns caso de pós-doutorado, entre
(CeMEAI), um dos Centros de colegas, costumo escrever artigos pesquisador e supervisor.
Pesquisa, Inovação e Difusão com os orientandos. É um momento “O orientador é quem sabe como
(Cepid) financiados pela FAPESP, de continuidade e, às vezes, as coisas estão andando”, resume
com sede no Instituto de Ciências retomada de trabalhos, e também de Cuminato, que negocia períodos de
Matemáticas e de Computação contato com os alunos que precisam descanso com estudantes que têm
da Universidade de São Paulo, mais do orientador”, completa. bom rendimento no trabalho. “Se
(ICMC-USP), em São Carlos. “Não Mesmo nos dias em que as estiver indo bem, não tem por que
dou aulas, não tenho reuniões. universidades entram em recesso não atender a uma solicitação desse
É uma época em que dá para ler – em geral, entre o Natal e o tipo. Se está indo mal ou o prazo
as teses dos orientandos, discutir Ano-Novo –, a perspectiva não é de está apertado, o professor vai falar
o trabalho com eles”, explica. ócio para os pesquisadores. Como, não.” Também Vasconcellos adota
Suzan Pantaroto de Vasconcellos, aliás, não o é em qualquer outro modelos flexíveis com seus
farmacêutica e coordenadora da momento do ano: de modo geral, as orientandos, que podem negociar
96 | janeiro DE 2019
pouco antes de começar o novo ano
é algo que interfere muito no
rendimento. A pesquisa exige muito
trabalho braçal e também muito
trabalho intelectual. Cansa o corpo
e a mente”, afirma.
saúde mental
Há quem esteja vivendo um
momento bastante diverso. O
cientista político Rogério Jerônimo
Barbosa começou em setembro o
pós-doutorado no Centro de
Estudos da Metrópole (CEM),
Cepid sediado na USP e no Centro
Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap), e, apesar
do recesso, não vai interromper
suas atividades. “Estou
empolgadíssimo. Os primeiros três
meses foram de coleta de dados, e
estou curioso em relação aos
resultados. Então não vou parar,
não.” Ainda assim, ele pondera
que o tema do descanso é pouco
discutido na pós-graduação.
isso”, afirma. Ele exemplifica o “A questão da saúde mental
“modelo de gestão” que procura dos pesquisadores é fundamental,
adotar em relação aos e as férias têm tudo a ver com
pesquisadores: “Incentivo a ideia isso. Não é só um direito qualquer,
do lazer com o trabalho. Se viajar é condição fundamental para a
para um congresso nacional própria qualidade da pesquisa se
ou internacional, a pessoa pode elevar”, reflete.
passar quatro ou cinco dias Para Flávia Calé da Silva,
conhecendo o lugar onde está. presidente da Associação Nacional
afastamentos se estiverem em dia A relação de férias fica meio de Pós-Graduandos, a ausência de
com suas atividades, desde que misturada com a própria atividade”. regulamentação das férias integra
algum colega de laboratório possa A nutricionista Thais de Fante rol de benefícios que não são
assumir seus compromissos. conta como é a rotina na instituição conferidos aos bolsistas porque o
“Eu trabalho com alta onde desenvolve sua pesquisa de caráter profissional da atividade
flexibilidade, mas alta exigência”, doutorado, o Laboratório de não é totalmente reconhecido,
afirma o psiquiatra Rodrigo Distúrbios do Metabolismo da já que mestrandos e doutorandos
Affonseca Bressan, coordenador do Universidade Estadual de são estudantes. Ela lembra, no
eixo de pesquisa do Instituto Campinas (Unicamp), campus entanto, que a pós-graduação
Nacional de Psiquiatria do Limeira, ligado ao Cepid em contribui significativamente para a
Desenvolvimento para Crianças e Obesidade e Comorbidades produção científica do Brasil.
Adolescentes da Unifesp e (OCRC): “Como a gente trabalha Nesse contexto, os acordos entre
presidente do Y-Mind, programa de com modelo animal, e pelo menos pesquisador e orientador são, na
prevenção e tratamento de uma vez por semana é preciso opinião da professora da Unifesp,
transtornos mentais ligado à cuidar dos camundongos, ninguém produtos do “bom senso”. “Como
instituição. Ele explica que os fica totalmente afastado nas férias, não podemos garantir todos os
pesquisadores vinculados embora vá ao laboratório direitos que o bolsista poderia
ilustração veridiana scarpelli
a esses projetos podem organizar com menos frequência”. Com seu ter se fosse um funcionário normal,
seu tempo de acordo com o experimento concluído e a tentamos não restringir tanto
cumprimento de metas. “Se está em proximidade do depósito da tese, o convívio dele com as coisas boas
uma fase em que tem que escrever este será o primeiro ano, desde o que pode ter – a família, os amigos,
textos e revisar outros, a pessoa início da pós-graduação, em que viajar um pouco. Todos precisam
tem que trabalhar. Mas ela pode ela descansará totalmente durante disso para manter a sanidade”,
estar de férias em Salvador fazendo o recesso. “Não poder parar um diz Vasconcellos. n Luisa Destri
Reconhecimento na inovação
Administradora de empresas cria startup para resolver problemas de produtores rurais
e ganha prêmios que ampliam seu conhecimento
Em uma fase da vida em que muitos produtores rurais. “Desenvolvemos fazer as medições. Por isso meus
jovens ainda procuram o primeiro sensores para medir as condições sócios construíram uma rede
emprego, a mineira de Itajubá, do solo, do clima e da planta. São paralela de transmissão de dados
Mariana Vasconcelos, de 27 anos, mais de 10 variáveis ambientais”, para os sensores que não depende
tem atravessado o continente para conta. “Os dados são analisados e da internet. Isso fez toda a
fazer negócios. Em 2014, ano em que transmitidos aos agricultores para diferença para o negócio.”
se formou em administração de que entendam, por exemplo, as Há quatro anos, quando tudo
empresas pela Universidade Federal causas do estresse de uma planta”, começou, a Agrosmart venceu o
de Itajubá (Unifei), ela criou, com diz. Com as informações em mãos, programa Start-Up Brasil, realizado
dois sócios, a Agrosmart, startup de os agricultores conseguem tomar pelo governo federal para acelerar
agricultura digital. A empresa, que já decisões precisas, como a negócios na área de tecnologia, e
obteve recursos do Fundo de necessidade exata de água que Vasconcelos obteve uma bolsa do
Inovação Paulista da SPVentures, determinada planta precisa. Conselho Nacional de
está em nova rodada de captação, Segundo Mariana, que antes de Desenvolvimento Científico e
tem 210 mil hectares de terras partir para o agronegócio trabalhou Tecnológico (CNPq). Um ano
monitoradas no Brasil, atua em durante um ano na área de vendas depois, a startup saiu-se vencedora
nove países, e Mariana acaba de ser da Bosch, na Alemanha, o índice de no Call to Innovation, que ofereceu
escolhida para integrar a lista dos 35 acerto de alguns modelos como prêmio outra bolsa. Mariana
jovens mais inovadores na América agronômicos, como o de detecção participou, então, de um programa
Latina, elaborada pelo MIT de ferrugem no café, varia entre sobre tecnologia de alto impacto na
Technology Review. 75% e 95%. Outro diferencial Singularity University, no Vale do
A Agrosmart trabalha com o importante, explica, é o fato de o Silício, também nos Estados Unidos.
monitoramento de lavoura feito sistema prescindir da internet no Mesmo sendo profissionalmente
através de pluviômetros digitais, campo. “Quando os agricultores bem-sucedida, ela continua
previsão do tempo, dados obtidos dizem que na propriedade tem querendo aprender. Atualmente
a partir de sensores instalados no internet isso significa que possuem faz MBA em agronegócio na Escola
campo e de fotos de satélite das uma antena rural. E que o sinal Superior de Agricultura Luiz de
regiões monitoradas. O objetivo funciona apenas na casa central – e Queiroz da Universidade de São
é resolver alguns problemas dos não no campo, onde precisaríamos Paulo (Esalq-USP). n Valéria França
Mariana Vasconcelos:
entre os 35 jovens
mais inovadores
da América Latina
arquivo pessoal
98 | janeiro DE 2019
FAPESP recebe propostas para o
1º Ciclo de Análises de 2019 do
Programa Pesquisa Inovativa
em Pequenas Empresas – PIPE
>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
R$ 15 milhões estão reservados para o atendimento
das propostas selecionadas
Nas bancas!
revistapesquisa.fapesp.br
assinaturaspesquisa@fapesp.br