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Rio de Janeiro
Junho / 2018
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I
O que se destaca nesse trecho é a aplicação da metáfora nas outras artes, o que
demonstra uma amplitude em relação ao seu uso mais tradicional no nível semântico
(das figuras de linguagem e teoria dos tropos) dos textos literários.
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caso do poema trágico (das tragédias) buscava os efeitos da catarse, da compaixão ou do
caráter enobrecedor.
Algumas diferenças que ajudam a compreender essa tensão entre o real e a criação
no trabalho poético é a comparação que Aristóteles, ainda na Poética, realiza entre o
historiador e o poeta; o primeiro estaria preso aos fatos, aqui ainda convém destacar que
para Aristóteles, não é forma que define o que é poético, mesmo se Heródoto escrevesse
seus relatos históricos em verso não seria poesia porque sua submissão ao real é maior
do que a do poeta, que pode se referir aos mesmos eventos de forma mais livre e
imaginativa.
É esse último aspecto que torna para Aristóteles a poesia mais filosófica e mais
nobre do que a História. A poesia, a metáfora em específico, utilizada para assimilação
ou demonstração de conceitos filosóficos é uma característica que será mencionada
mais à frente.
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(BENJAMIN, 2018, p.7) Algo parecido se dá com o prazer produzido pela atividade
mimética, tanto o gerado pelo se apropriar do ensinamento da fábula para a vida, o de
dar um sentido ao que foi ouvido ou lido, quanto o prazer intelectual de decifrar uma
metáfora.
Kafka, outro autor estudado e admirado por Benjamin, também possui uma
interessante relação com a metáfora. Modesto Carone na introdução de Essencial Kafka
retoma uma afirmação de Kafka de que a metáfora era o que o fazia desesperar da
literatura. Carone prossegue considerando que esse interesse de Kafka pelas metáforas
se deve ao efeito artístico (e de conhecimento) que elas provocam.
A metáfora esteve, durante muito tempo, restrita ao nome e uma das proposições
de Ricoeur é a sua ampliação para a frase e o discurso:
“Assim foi traçado para séculos o destino da metáfora: ficou ligada de ora em
diante à poética e à retórica, não ao nível do discurso, mas ao nível do segmento do
discurso, o nome.” (RICOEUR, 1983, p. 22)
De acordo com Ricoeur, a metáfora possui quatro traços que lhe são
característicos. O primeiro é ser algo que acontece ao nome. O segundo é a questão do
transporte apontado por Aristóteles e que Ricouer explica: “a metáfora é definida em
termos de movimento, (...) deslocamento de ... para..” (RICOEUR, 1983, p. 26)
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O terceiro traço é a transposição de um nome que Aristóteles chama de
“estranho”. A metáfora possui algo de inabitual, segundo Aristóteles, assim como o
nome estrangeiro, o alongamento e tudo o que é contrário ao uso corrente.
Um outro aspecto apontado por Ricœur é que são sempre necessárias duas ideias
para se fazer uma metáfora, ou seja, esse raciocínio ajuda a considerar não apenas a
palavra ou o nome, cujo o sentido é deslocado, mas o par de termos. Há sempre essa
relação de pares.
Essa aproximação entre os dois termos distantes que ocorre com o trabalho da
semelhança faz acontecer o processo de assimilação da metáfora que Aristóteles
identificou como fazer com que “o objeto salte para diante dos olhos”.
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metáforas mortas, pois elas podem ter traduzidas em conceitos já existentes, é
dada pela imaginação. (SANFELICE, 2014, p. 29)
Esse processo é denominado por Ricouer como “inovação semântica”, sendo mais
identificado com os enunciados poéticos, por causa “da plasticidade mental da
linguagem poética e por evocar a participação do nosso imaginário numa suspensão da
referência” (SANFELICE, 2014, p. 49), que será o enfoque da segunda parte deste
trabalho.
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II
“Um codicilo ao meu testamento manda fazer o seguinte com meu corpo depois de
minha morte: ‘Seja cosido dentro de um saco branco, limpo, e jogado ao mar, a doze
horas de distância de Havana, de modo que meus ossos não repousem longe dos de Hart
Crane.’ ” (WILLIAMS, 1976, p. 150)
Esse trecho acima é parte das Memórias de Tennessee Williams e revela o quanto
o dramaturgo admirava o poeta. Entre muitos aspectos em comum ambos possuíam
grande interesse pela metáfora.
Em carta a sua editora Harriet Monroe, Hart Crane em resposta às críticas dela de
que seus poemas eram elípticos e obscuros, explica o que ele considera como a lógica
da metáfora ou “logic of metaphor”:
To put it more plainly, as a poet I may very possibly be more interested in the
so-called illogical impingements of the composition of words on the
consciousness (and their combinations and interplay in metaphor on this
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basis), than I am interested in the preservation of their logically rigid
significations. (1921, Crane apud ELLMANN, Richard e O’CLAIR, Robert,
1976).
The Broken Tower, um dos últimos poemas de Crane, foi publicado somente após
o seu suicídio em alto-mar. O poema é construído com um ritmo especial, a terceira
estrofe possui as aliterações das palavras “engrave” e “membrane” que soam como o
próprio sino da torre. Tanto o som reiterante de um sino quanto a construção e
destruição de uma torre são alguns de seus elementos centrais.
O tema desse poema é a luta interna do poeta em conciliar o mundo dos impulsos
do corpo (desejos) com o mundo do espírito (impulsos poéticos). Assim, um paralelo
pode ser feito entre o personagem rude de Stanley (puro instinto animal) e a sutileza e
necessidade de fantasia de Blanche em A streetcar named desire.
Uma das primeiras associações entre a epígrafe de The Broken Tower, que é a
quinta estrofe do poema, e o enredo de A streetcar named desire é a entrada do “eu
lírico” em um mundo em ruínas em busca de um amor, impelido por uma voz distante e
fugaz (o próprio desejo), mas não o suficiente para manter cada escolha desesperada.
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O início da peça é a chegada de Blanche a Nova Orleans para visitar a irmã que
vive num bairro decadente (mundo em ruínas). Blanche está perdida e lhe foi indicado
que tomasse um bonde chamado Desejo, uma linha de bondes que realmente existiu,
para chegar ao bairro onde reside a irmã. Blache era professora de Inglês e foi expulsa
por se envolver com um aluno. Esse envolvimento é apenas insinuado a fim de retomar
um outro relacionamento, este mais detalhado e mais duradouro, de Blanche com um
rapaz homossexual e que teve um fim trágico (“An instant in the wind. But not for long
to hold each desperate choice”.), com o suicídio do jovem ao ter a sua sexualidade
revelada. Essas questões de sexualidade e suicídio coexistem na biografia de Hart
Crane, no poema The Broken Tower e em A streetcar named desire.
“Crane understands that love, like rethoric, cats a spell, and that love and poetry
create illusions.” (HAMMER,2007) A ênfase na ilusão também está presente na famosa
fala de Blanche: “I’ll tell you what I what. Magic! Yes, yes, magic! I try to give that to
people. I misrepresent things to them. I don`t tell truth. I tell what ought to be truth. And
if that is sinful, then let me be damned for it!” (WILIAMS, 2000, p. 545). Tanto o poeta
quando a personagem encontram nas ilusões, na ficção, um espaço de criação e
realização de uma possibilidade de mundo.
A epígrafe que abre The Glass Menagerie, outra peça de Williams, é o último
verso de somewhere i have never travelled, gladly beyond de E.E. Cummings em que a
fragilidade e a delicadeza da pessoa amada são os motes principais desse poema.
Os versos “the voice of your eyes is deeper than all roses” e “you open always
petal by petal myself as Spring opens/ (touching skifully, mysteriously) her first rose”
do restante do poema trazem a beleza e a fragilidade da rosa e essas referência podem
ser associadas à personagem Laura Wingfield de The Glass Menagerie, uma jovem
extremamente tímida que tem como hobby colecionar pequenos e delicados animais em
vidro.
Na última cena da peça, o encontro de Laura com Jim O`Connor (the gentleman
caller) revelará que ambos já se conheciam dos tempo de escola e que Jim a apelidara de
“Blue Roses” por um mal-entendido da parte de Jim ao confundir a doença que Laura
teve “pleurosis” com “Blue Roses”, o que virou um jeito carinhoso dele se referir a ela e
que pode ser associado “a rosa” do poema de E.E. Cummings.
Tennessee Williams define essa persnagem como “she is a piece of her own glass
collection, too exquisitely fragile to move from the shelf.” (WILLIAMS, 2000, p. 394).
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Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. Poética (tradução de Paulo Pinheiro). São Paulo: Editora 34, 2015.
BENJAMIN, Walter. “Obras escolhidas. Vol. 1 Magia e técnica, arte e política. Ensaios
sobre literatura e história da cultura. São Paulo, 1987, p. 222-232.
PERKINS, David. “A history of Modern Poetry: Modernis and after”. Estados Unidos:
The Belknap Press of Harvad University Press,1996.
SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. “Heródoto e suas Histórias” Junho 2015. Revista
de Teoria da História, Ano 7, Número 13, Universidade Federal de Goiás. Disponível <
https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/35114 > Acesso em 28 de junho de 2018.
SPACEY, Andrew. Analysis of Poem “The Broken Tower” by Hart Crane. Disponível
<https://owlcation.com/humanities/Analysis-of-Poem-The-Broken-Tower-by-Hart-Crane >
Acesso em 28 de junho de 2018.
WILLIAMS, Tennessee. “The Glass Menagerie”, in: Plays 1937-1955. Estados Unidos: The
Library of America,2000.
WILLIAMS, Tennessee. “A streetcar named desire”, in: Plays 1937-1955. Estados Unidos: The
Library of America,2000.
SANFELICE, Vinicius Oliveira. Metáfora e imaginação poética em Paul Ricœur. Santa Maria,
RS, 2014, 93p. Dissertação de Mestrado- Programa de Pós-Graduação em Filosofia,
Universidade Federal de Santa Maria. Disponível online. Acesso em 28 junho de 2018.
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