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R. R. Machado, A. C. Tort∗
Mestrado Profissional em Ensino de Fı́sica, Instituto de Fı́sica, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
O conceito moderno de buraco negro como uma região do espaço–tempo da qual a luz não pode escapar
tem suas origens no século 18 com John Michell e Pierre Simon Laplace. Neste trabalho apresentamos as
abordagens destes dois cientistas buscando dar ao professor do ensino médio subsı́dios para a compreensão
das idéias precursoras do buraco negro moderno da teoria de Einstein da gravitação.
Palavras-chave: estrelas negras; buracos negros; gravitação; velocidade de escape.
The modern concept of a black hole as a region of spacetime from which light cannot escape owns its
origins to John Michell (1724–1793) and Pierre Simon Laplace (1749–1827). In the present work we review
the approaches of these distinguished scientists in an attempt to provide the high school teacher with tools
to understand those early ideas before the advent of the modern black hole of Einstein’s gravitational
theory.
Keywords: Dark stars; black holes; gravitation, escape velocity.
2. A estrela negra de Michell e a veloci- Figura 1: Figura original do trabalho de 1784 de J. Michell.
dade de escape
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mv2 mv02
W = ∆K = − , (5)
2 2
onde Z r
GM m
W =− 02
dr 0 . (6)
∞ r
Como no caso a velocidade inicial é nula, obtemos
para um r arbitrário:
2GM
v2 = . (7)
r
Voltemos à abordagem de Michell e suponhamos
agora que a estrela tenha uma densidade uniforme ρ,
isto é: ρ = 4πM/3R3 . Então, para um r arbitrário,
a velocidade radial se escreve,
2GM
` = mr2 θ̇, (12) V2 = , (14)
R
é o momento angular do corpúsculo em relação ao isto é, a mesma que teria em queda livre a partir
centro geométrico do Sol. Aqui θ é o ângulo en- do repouso ao atingir a superfı́cie do Sol! Portanto,
tre o vetor posição do corpúsculo com origem no V = v.
centro de força e o eixo principal de simetria da Michell a seguir relaciona a velocidade radial ter-
órbita – Figura 2. A solução do problema de Ke- minal do corpo em queda livre com a velocidade
pler é dada por três famı́lias de órbitas conhecidas tangencial da Terra em sua órbita ao redor do Sol.
coletivamente como cônicas: a elipse, a parábola e Isto pode ser feito da seguinte forma: considere a
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Fazendo uso da lei newtoniana do movimento escre- forte que quando r → ∞ o corpúsculo de luz tenha
vemos: velocidade radial nula, isto é: v 0 = 0. Segue que
dv dr dv dv 2GαM
F =m =m = mv . (25) c2 = . (34)
dt dt dr dr R0
Mas, como o corpúsculo está sujeito à lei de atração Agora vejamos o ponto crucial do argumento de
universal, o lado esquerdo da equação acima se es- Laplace: a determinação de α. Se supusermos que as
creve: estrelas têm densidade uniforme podemos escrever:
GM m M ρ R3
F =− . (26) = , (35)
r2 M0 ρ 0R 0 3
O sinal negativo indica que a força gravitacional onde ρ e ρ 0 são as densidades da primeira e da
atua no sentido oposto ao movimento radial do segunda estrela, respectivamente. Laplace agora faz
corpúsculo de luz. Portanto, podemos escrever uso da suposição apresentada na primeira parte
de [5]: o raio da segunda estrela é 250 vezes maior
GM do que o raio da primeira6 , isto é: R 0 = 250R. Segue
− dr = v dv. (27)
r2 que:
Integrando ambos os lados desta equação:
1 ρ
= , (36)
2GM α (250)3 ρ 0
+ 2A = v 2 , (28)
r ou
onde A é uma constante de integração a ser de-
ρ0
terminada. Suponha agora que c seja o módulo da α = (250)3 . (37)
velocidade da luz na superfı́cie da estrela cujo raio ρ
é R, isto é: Substituindo este resultado na equação para c2 ob-
temos:
2GM
+ 2A = c2 , (29)
R ρ0 c2 R
= . (38)
logo, ρ 2(250)2 M
Observe que a densidade relativa da segunda estrela
2GM
2A = c2 − , (30) depende da massa e do raio da primeira, o que
R
sugere a escolha de uma estrela conhecida para a
e a velocidade radial em função de r se escreve: determinação da densidade da segunda estrela, a
2GM 2GM estrela negra. Laplace escolhe então o Sol como
v 2 = c2 − + . (31) a primeira estrela, isto é: R = R e M = M .
R r
A seguir, Laplace relaciona c com as observações
Considere uma segunda estrela de massa M 0 = αM , relativas ao movimento da Terra em torno do Sol.
onde α é um número real maior do que a unidade. Do diagrama 1 da Figura 3, podemos escrever
Suponhamos que o corpúsculo de luz tenha a mesma
velocidade radial inicial que no caso anterior. Então GM M⊕ V2
= M ⊕ , (39)
é fácil ver que podemos escrever, D2 D
onde D é a distância média entre o Sol e a Terra
2GαM 2GαM e V é a velocidade tangencial desta última. Segue
v 0 2 = c2 − + , (32)
R0 r0 que a massa do Sol pode ser escrita como
onde R 0 é o raio da segunda estrela. Suponhamos
agora que r 0 → ∞, então: V 2D
M = . (40)
G
2GαM Substituindo na expressão para a densidade relativa
v 0 2 = c2 − . (33)
R0 temos finalmente:
Agora façamos a suposição adicional de que para 6
Pelo exposto antes, no contexto, o termo diâmetro deve ser
a segunda estrela, a atração gravitacional seja tão interpretado como o raio
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existências nessas circuntâncias não po- Monde, ela já não aparece. O motivo parece ter sido
derı́amos ter informações provindas da luz a comprovação experimental de que a natureza da
[emitida]; ainda assim, se outros corpos luz é ondulatória e, naturalmente, nessa época um
luminosos revolvessem em torno deles. P comportamento dual da luz estava fora de cogitação.
oderı́amos talvez a partir do movimento re-
volvente desses corpos inferir a existência Apêndice: a Proposição 39
dos corpos centrais com um certo grau
de probabilidade, já que isto poderia dar Na Proposição 39, Newton considera o movimento
uma pista para algumas das irregularidades retilı́neo sob a ação de uma força centrı́peta (central)
dos corpos revolventes, as quais não pode- arbitrária. Eis a proposição 39 na tradução dos
riam ser explicadas facilmente com outras autores:
hipóteses... [3].
Supondo [a existência de] uma força
É notável a confiança de Michell nos métodos da centrı́peta de qualquer tipo e assegurando
mecânica newtoniana e sua antecipação de um dos as [existências das] quadraturas [integrais]
métodos modernos de detectar buracos negros. Uma das figuras curvilı́neas, pede-se encontrar
descrição pedagógica sobre a detecção do buraco a velocidade de um corpo, ascendente ou
negro no centro da Via Láctea que faz uso da ter- descendente sobre a linha reta nos vários
ceira lei de Kepler não–relativı́stica, ver Figura 4, pontos pelos quais [o corpo] passa; assim
uma consequência das leis da mecânica newtoniana, como o [instante de] tempo nos quais che-
é apresentada em [9]. Longe do buraco negro, a ter- gará em qualquer ponto [sobre a linha reta];
ceira de Kepler pode dar-nos um resultado aceitável e vice versa.
para a sua massa que, no caso, foi estimada em
4 × 106 M , isto é: 4 billhões de massas solares. Aqui apresentamos uma versão simplificada em
Como vimos também, o grande fı́sico–matemático notação moderna ao longo das linhas sugeridas por
francês Pierre Simon Laplace apresentou também a Chandrasekhar em [10] da parte da demonstração
sua versão newtoniana de uma estrela negra, [5, 6], desta proposição que é relevante para o cálculo de
mas na terceira edição da Exposition du Sistème du Michell.
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intensidade da aceleração centrı́peta como função [6] P.S. Laplace, Allegemeine Geographische Ephemeri-
da coordenada radial, a(r). Portanto, a curva BF G den 4, 1 (1799).
é o gráfico de a(r). Segue que [7] R.D. Gregory, Classical Mechanics (CUP, Cam-
bridge, 2006).
[8] I. Newton, The Principia, translated by A. Motte
DF GE = a(E) ∆E; (Prometheus Books, New York, 1995).
mas [9] M.J. Ruiz, Phys. Teach. 46, 10 (2008).
[10] S. Chandrasekhar: Newton’s Principia for the Com-
∆E = v(E) ∆t;
mon Reader (Clarendon Press, Oxford, 1995).
logo,
DF GE = a(E) v(E)∆t;
De acordo com a Segunda Lei de Newton:
1
a(E)∆t = ∆[v(E)] = ∆[v 2 (E)].
2
logo,
1
DF GE = v(E)∆v(E) = ∆[v 2 (E)].
2
Portanto, a área ABGE pode ser calculada inte-
grando o resultado acima, isto é:
Z
ABGE = DF GE.
1 2
ABGE = [v (E)],
2
ou ainda,
v 2 (E) = 2 × ABGE,
que é o resultado que se queria demonstrar.
Agradecimentos
Referências
[1] W. Israel, in: Three Hundred Years of Gravitation,
edited by S.W. Hawking and W. Israel (CUP, Cam-
bridge, 1987).
[2] C. Montgomery, W. Orchiston and I. Whittingham,
J. of Astron. Hist. and Her. 12, 90 (2009).
[3] J. Michell, Phil. Transc. Roy. Soc. of London 74, 35
(1784).
[4] G. Gibbons, New Scientist, 28, 1101 (1979).
[5] P.S. Laplace, Exposition du Sistéme du Monde (Du-
prat, Paris, 1796), partes I e II.
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