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20 de Agosto 1979
Uma ficção, diz Spinoza, não pode ser simples, nasce da combinação de diversas
ideias confusas.
(Caderno 1.07, p. 154)
14 de Janeiro de 1980
Spinoza com Prunus Triloba1
Entre partir e não partir / e já ter partido, pôs-se a contar Margarida, não havia
escolha; havia um lapso de tempo e uma estrada imaginária, não da natureza da
invenção, mas da dos ícones; havia a possibilidade de um nosso encontro, embora
subitamente nossa narrativa se tivesse suspendido, tivesse gelado, e Spinoza a
observasse como uma penetração fechada na neve. Em frente das ideias vivas que
se acumulavam sempre entre nós tinham-se reunido os animais que iam ser
abandonados, e as árvores votadas ao corte da lâmina mal voltássemos costas e
1
Arbusto na frente da casa de Llansol em Jodoigne, na Bélgica.
3
partíssemos. Porque a nossa presença mantinha ainda em respeito a sua crueldade
e ignorância. E quem estava mais ameaçado era Prunus Triloba, com sua alta
estatura sobre o campo de neve. Margarida prometeu-lhe um repouso semelhante
ao de Müntzer, e dissemos-lhe que entre ela e ele não havia grande diferença.
(Livro de Horas III, p. 189; Caderno 1.08, avulso 08-09)
9 de Janeiro 1981
Spinoza, em forma de livro, faz-me companhia com a mansidão dos seus raciocínios
geométricos e penetra em mim, no meu amor, com suas demonstrações e
corolários que se movimentam.
Goethe ocorre-me muitas vezes desde que percebi um volume da sua obra numa
livraria de Lisboa, e pergunto-me em que campo/linguagem nos articularemos
quando o seu espírito se estender ao meu.
«Si seulement je pouvais réflechir sérieusement», encontrar-me-ia com um número
ainda maior de possibilidades. Possibilidade no sentido de que fala Emily
Dickinson (Poèmes choisis, traduction, préface et bibliographie par P. Messiaen,
Paris, Éditions Aubier-Montaigne, 1956).
Steiner, através de W. Pelikan, E. Dickinson, de quem apenas li dois ou três
poemas, Spinoza, Goethe, no futuro, ei-los aqui...
(Caderno 1.10, pp. 42-43)
13 de Janeiro de 1981
Sim. Eu estou em Herbais, em Herbais, em Herbais. Distribuí melhor o que havia na
casa, e agora parece-me que aí criei o princípio de uma ordem significante e
afectiva, estética, onde posso guardar as novas emoções pensativas. Spinoza diz
que não se deve confundir palavras, imagens e ideias. Nevou, e hoje a neve é uma
palavra que me perturba; mas ela não me perturbaria tanto se fosse ainda só uma
palavra – já é uma imagem; todavia, se fosse só uma imagem não evocaria assim a
continuação de Da Sebe ao Ser – já é uma ideia.
4
Com Spinoza sucede uma coisa estranha: mal me aproximo dele, do seu texto, suas
ideias, que se distinguem de palavras e imagens, são suficientes para que se defina
claramente no meu campo de trabalho toda uma sequência descritiva
23 de Julho 1981
[Informação, transcrita, em francês, da Enciclopédia Universalis, vol. 15, p. 291]
5
13 de Agosto 1981
Não me reconheço só uma mulher, mas muito mais, com algumas feridas, feridas
de aquém e de além, e penso com insistência em Spinoza para dar-me a elevação
6
da sua geometria. Mais uma paixão, mais um momento de ódio, mais uma
hesitação, mais um instante de medo, eis o dia. É o sinal de que a madrugada está
a passar, deixando os seus efeitos de rasto. Por mais sombrios que sejam os dias,
meu anjo arrastador da luz não se esquece nunca de surgir com o alvor das janelas
e o vento insuflador que o acompanha
arrastador
alvor
insuflador
são palavras que pertencem à minha génese [?] e me impeliram para fora do país
de uma só língua. É preciso dar várias inteligências a uma língua...
(Caderno 1.11, pp. 96-97)
19 de Dezembro 1981
Gosto dos quadros em que há muitos detalhes para ver. E se eu tivesse sido pintor
antes? É uma hipótese plausível; depois empobreci, e passei a fazer parte da arte
do bando que não sei determinar. Suspeito que é para esse fim que eu e Copérnico,
o terceiro que há-de vir, estamos aqui
(Segue-se um texto de Copérnico sobre a reforma do entendimento
texto que faz parte de um quadro suspenso, não da parede, mas da paisagem
branca que se vê da janela. O texto de Spinoza é o seguinte:
uma das características dos que
pertencem ao bando é a
permanência do desejo
– desejo / razão clara / entendimento claro –
por vezes há mais que discernir num quadro com poucos detalhes. Ele pensa: mas
não apenas. A sua vontade é inquebrantável.
(Caderno 1.11, pp. 288-289)
7
27 de Fevereiro 1982
________ a minha casa está vazia; a obra de Spinoza já não está aqui, deve
encontrar-se numa carruagem que a conduz a Portugal: não é uma obra
perseguida, é uma obra esquecida de leitura_______
(Caderno 1.12, p. 58)
25 de Dezembro 1985
Um livro amarelado com O Pensamento Vivo de Spinoza, que ganhava a vida
polindo lentes. A intuição é «o conhecimento do terceiro género», diz ele. Foi
habitar para Ouwerkerke, diante do cemitério onde repousavam os restos de sua
mãe. Ontem, depois do almoço de família, fomos a casa da Maria Isabel, e
reencontrei numa das prateleiras da estante que ela mandou fazer por medida este
livro. Lembro-me do dia em que a estante concluída veio para casa e arrumámos os
volumes. «Dorme numa urna de cristal», pensei. Em criança, quisera ler Spinoza
mais claramente – O Pensamento Vivo de Spinoza, da Livraria Martins2, fora o nosso
primeiro encontro. Mas ele escondera-se um pouco, e eu, mais que a leitura do
2
O livro é de Arnold Zweig. Vd. páginas finais deste caderno. Exemplar existente na biblioteca
de M. G. Llansol.
9
livro, guardei certamente a sedução da sua resistência, que se tornou numa força
interior de desejo, e mais tarde demoveu os obstáculos. Urna de cristal do saber –
por esta contemplação volto agora aos livros-fonte da minha infância3; parece-me
uma verdade intuitiva que devo relê-los, porque estes livros, somados ao meu
caminho percorrido, são uma infindável totalidade do ser.
«Sofremos enquanto somos uma parte da natureza, que não se pode conceber por
si mesma sem as outras partes».
«Um desejo que nasce da alegria é mais forte, em igualdade de condições, que um
desejo que nasce da tristeza».
3
Em nota: «Também fonte da minha infância não foram só os livros, mas paisagens, que são
ambientes e meios com árvores e rios – azul e verde – onde era fácil discorrer.»
10
Dia magnífico em que chovia lá fora, pingavam chamas; tudo derivou de um livro
de A[rnold] Zweig sobre Spinoza, da chama dividida da vela da casa que
apresentava à superfície âncoras imensas. Era um interior de concordâncias íntimas.
E eu sentia-me engrandecida por Spinoza e eu celebrarmos o nosso aniversário no
mesmo dia: 24 de Novembro. Ambos políamos lentes debruçados sobre a nossa
espera [?] de ver finalmente a compleição do que «age com a mesma necessidade
de existir» [?] de todos os acontecimentos, os mais frequentes da vida comum que
nos excitam.
(Caderno 1.20, pp. 45-50)
*
14 de Abril 1986
Anteontem propuseram-me que eu escrevesse um ensaio sobre Spinoza. Proposta
que contrasta com os meus métodos habituais de trabalho; a resposta frontal era
um «não». Mas o homem Spinoza tem-me atraído para si sob a forma de vulto, do
seu texto, do seu ângulo de ver inclinado à mesa, no seu ganha-pão de polir lentes,
além de que uma sombra da soma de todos esses aspectos se infiltra e se reduz a
uma cinza
que é o prenúncio de um possível nascimento.
Mas que nascimento?
11
Toma-me então o desejo de ler cuidadosamente os seus textos filosóficos, e de
passar a vista pelo que foi construindo a sua vida, que «ele desfez em pensamento»,
penso eu.
Eu sou uma obsessiva [?] do pensamento. Deve ser isto que nos aproxima. Se eu
estivesse no quarto em que ele nasceu, que objecto útil gostaria de ser?
Certamente a bacia em que o mergulharam.
Escrevo este texto enquanto faço a cama, entre o velho cobertor azul, e a colcha.
Gostaria menos de ser um cobertor, mas não me importava também de ter sido
uma cortina. Sua mãe, não. Somente um participante no despertar.
(Não há nenhum ser inteiramente puro de intenções, basta-me uma única intenção
pura, e um acto eficaz).
(Caderno 1.22, pp. 64-66)
21 de Junho 1986
... Quiseram voltar para trás, mas o primeiro indício seguia com Johann para a
frente. Não por haver tempestade à volta do silêncio que pairava sobre a encosta,
mas porque sem amor / paixão não sopra / se multiplica o vento – vide Spinoza e
sentimentos.
(Caderno 1.22, p. 131)
[1987?]
A caligrafia filosófica
Platão, Sócrates,
Spinoza, (Kant), Nietzsche,
Kierkegaard, Al-Halladj,
Ibn' Arabî, João da Cruz
Hadewijch (a fresta de luz
entre eles – estes homens...)
(Caderno 1.26, avulso 17) Carta de Spinoza a Leibniz
12
[1988?]
Dictionnaire des principaux personnages de Nietzsche
[...]
Spinoza – la philosophie est l'éxpression du négatif. La joie surgit comme le seul
mobile à philosopher.
(Caderno, 1.28, avulso 01)
4 de Junho 1986
Spinoza
1632 - Naissance à Amsterdam
I. La nature de Dieu et ses proprietés
Concupiscence / Copérnico
«Ceux qui confondent la nature divine avec l'humaine»
II - L'image, l'idée
1987
Quando eu penso vejo imediatamente mais abaixo – nos meus olhos – que o
pensamento é uma região nebulosa que se torna clara através de linhas
geométricas que se fracturam, finalmente, quando escrevo. O pensamento é um
13
verdadeiro fenómeno físico (ao lado dele outros que se produzem na natureza,
como raio), é o fenómeno físico do homem.
Tudo isto veio a propósito, ou, com mais
propriedade, foi desencadeado por eu
acordar a pensar num volume quase
cúbico, L' Âme, que esclarece essa parte da
Obra de Spinoza. Se eu me colocar entre os
dois, Spinoza e o seu exegeta, sei que vou
receber uma descarga que, longinqua-
mente, fará tremer e produzir efeitos à
superfície que é minha por partir de mim –
o campo do meu pensamento receptivo
aos raios de Spinoza. De repente, faz-se luz
e os campos são reciprocamente ilumi-
nados – sou eu que regresso para ele, é ele
que regressa para mim.
Entre nós forma-se corpo, quilha, penas, o falcão intermediário e purificador do céu,
o livro que, com estes apontamentos, já voo a escrever...
(Caderno 2.16, pp. 5-13)
25 de Dezembro de 1987
O espelho com um florão no topo, que a princípio guardava roupa, transmutou-se
agora (por reflexo da imagem) num corrector de escrita. Luz óptica, ocular, Spinoza
dizia-me que «eu sou» não podia ser a primeira verdade conhecida.
(Caderno 1.27, p. 134)
26 de Setembro 1991
Un jour Spinoza julgava estar a escrever a um homem de filosofia como ele,
e estava a escrever a uma mulher que nunca se encontrara com ele.
Reconheceu________
14
18 de Janeiro de 1992
I
_____ uma ideia verdadeira (Éthique, pg. 53) deve estar em harmonia com o
objecto de que ela é a ideia; a fonte serena que desce da copa dos pinheiros deve
estar de harmonia com a própria amplitude dos pinheiros. A ideia que tenho de
uma árvore é uma fonte serena / deve estar de harmonia com os próprios pinheiros;
II
passo as folhas; não as leio; mas, no espaço dos meus olhos, a mancha de leitura é
retratada. E dela nasce um par que me convida a correr pelo que se
está passando
até encontrar
eu própria
a minha própria mancha de leitura que porei sob os olhos de outro.
(Caderno 1.33, pp. 126-127)
2 de Novembro 1992
A extensão, ou o espaço, não podem ser um nada puro; têm de ser um atributo
que, por necessidade, se deve atribuir a alguma coisa; será então a uma coisa que,
para a sua existência, não precisa senão do único concurso de Deus, ou seja, de
uma substância______
---> Espreitar o espaço / o espaço onde se move ou está alguma coisa que valha
esse espaço. É preciso merecer o espaço.
Gosto de ler Spinoza, e de comparar o lido com a paisagem / de enfiar o lido pelo
fundo da paisagem.
(Caderno 1.36, p. 17)
15
*
De la philosophie de Descartes
Proposição VI
A matéria é indefinidamente uma superfície,
e a matéria do céu e da terra é uma única
– e idêntica__________
[p. 23]
pg. 261 [da edição Pléiade] –
Se te perguntarem agora o que é a verdade fora da ideia verdadeira, que se
pergunte também o que é a brancura fora do corpo branco. Porque o género de
relação é o mesmo.
4
A edição de M. G. Llansol a que se refere a página indicada é: Spinoza. Oeuvres complètes.
Texte nouvellement traduit ou revu, présenté et annoté par Roland Caillois, Madeleine Francès
et Robert Misrahi. Paris, Gallimard, 1954 (=Bibliothèque de la Pléiade).
16
[p. 26]
Com a aprendizagem, o sol do universo tornou-se sol da casa, e olhar humano.
Principiei por ensinar ao seu sangue os textos de Spinoza que me tinham servido
de luz,
e que eu tornara corpo. Dialoguei com ele sobre cada palavra digna de ser
escolhida para semente de firmamento. [...]
[p. 27]
Leio a filosofia de Spinoza como uma escalada abrupta dentro das pétalas de uma
rosa_____
Cada «pensamento metafísico» tem a sua correspondência. E eu não sei se ele
nasceu primeiro pensamento metafísico
ou a eternidade da sua paisagem no simples quotidiano do meu mundo. [p. 28]
O vocabulário é deficiente.
Abandono este lugar (Ourém), abandono Spinoza. Nem eu nem ele tivemos o
nosso encontro por força própria_______
(p. 267, Pensées métaphysiques)
p. 1427
as essências ideais são água ______ e estou na fonte, junto à piscina, que é outra
ideia que contém água.
Vou partir, e a nostalgia da noite em que parto abre o meu caminho na metanoite,
dom da minha vida que me espera. Em três dias, não em quinze dias, tornei-me
Gabriel, capaz de dar a resposta [p. 30] da imagem narrativa a Spinoza. Guardo-o
no meu quarto, sob a forma de livro que ponho no parapeito de uma janela
para que as suas ideias, acordando, invadam a natureza.
17
[p. 31]
Pg.1152
porque todos estes actos são incertos e cheios de perigos______ dar um passo,
comer uma migalha de pão______ [...]
[p. 32] Que faço? Spinoza é grande e eu sou ampla e tenho sede. Faço reflectir as
imagens na minha sede. Pego no jarro de vidro branco e deito a água. É um gesto
rectilíneo e profundo que sigo com o dedo. Digo ao Sol que é sempre com esta
profundidade que ele deve ler, comer ou beber. Para nós, a significação da matéria
é que toda ela é indurável,
um degrau de aprendizagem que ultrapassou mais um número ou uma letra. [...]
[p. 33] A natureza é uma coisa pensante______ é a primeira terra onde me
movo______
[p. 35]
3 de Novembro de 1992
[p. 37]
_________ entro em casa e não esperava absolutamente nada ter uma carta
presente de Baruch de Spinoza; não tinha sido colocada no marco do correio, mas
na mesa redonda onde as plantas de uma mesma linhagem se encontravam
aglomeradas para conservarem a sua força_______
Ela dizia-me:
______ introduz-me no teu espaço por eu ser alguém que também traz para o
espaço a tua narrativa
[p. 38]
– deixa que as minhas proposições
as minhas demonstrações
os meus escólios
sejam o apoio que desfaz a tua solidão.
19
4 de Novembro de 1992
[p. 39]
1 – Spinoza.
_____ Trouxeste a tua mesa para o
seu lugar
_____ Estou a falar-te com a tua
linguagem para que a ouças do
papel______
_____ Na sala da Reconstituição da
casa do Pinhal – essa parede está
entre duas janelas, e nem sempre a
luz que entra se liga a mim,
dispersa-se uma linha de luz
que atravessa de lado a lado a sala,
e sai para outro destino.
Casa de Spinoza em Rijnsburg
[p. 40]
Todos os sentimentos se relacionam com o desejo, a alegria ou a tristeza; a tristeza
diminui a pujança de pensar do espírito
pg. 467 – muito importante --> todos os sentimentos
[p. 41]
XXXIII
Le regret (desiderium) est le désir, autrement dit l'appétit e posséder une chose qui
est favorisé par le souvenir de cette chose, et en même temps contrarié par le
20
souvenir d'autres choses qui excluent l'existence de celle sur laquelle devrait porter
l'appétit
Força Firmeza
de
alma generosidade
[p. 42]
Pg. 467
Texto
depois
[p. 45]
Texto de Spinoza
Assim abri o meu livro onde Spinoza pôs o seu, como se o primeiro e o segundo
espaços não tivessem fim a correr.
(Caderno 1.36, pp. 23-45)
16 de Outubro de 1993
Spinoza e eu
Saio de casa sem nenhuma força para existir – pujança. [...]
21
No ninho está deitado um axioma de Spinoza – qualquer será, hei-de saber. Ali, ele
cresce, e transborda para o meu dolorosíssimo percurso. – «Spinoza e eu» é,
finalmente, um título. Quero recebê-lo como livro – superfície de nidificação. [...]
Entre a vontade de viver e de morrer surge Spinoza.
– Dá-me a tua mão — digo-lhe. – A minha está fria, quase morta.
(Caderno 1.38, pp. 112-116)
20 de Outubro de 1993
Não abandonei o projecto do livro em que cruzo as armas dia a dia com o
pensamento de sentimentos tão claros de Spinoza. Creio mesmo que já comecei a
escrever através desse tempo.
[...]
À minha frente está uma casa que é um livro – a Obra de Spinoza. Que se passará lá
dentro quando eu lá entrar?
(Caderno 1.38, pp. 118-19, 123)
19 de Agosto de 1994
Um nome ilumina a paisagem de um homem, seja ele Luís, Aug[usto], Linder, ou o
quadro em que pressinto geometricamente Spinoza nas suas frases.
Por que se admira Vergílio Ferreira de que as frases de Spinoza me induzam a
escrever?
Do seco delas passar para a matéria visual e trémula de vida nascente e renascente
de meus livros.
(Caderno 1.40, pp. 154-155)
22
18 de Janeiro de 1995
Nietzsche
____ como atravessar o tempo;
5 horas da tarde:
24
– as nuvens passam; para quê construir um espectáculo sem reparar que este já
existe?
(Caderno 1.46, pp. 43-46)
3 de Fevereiro de 1997
«Les choses parfaitement claires ne se font pas seulement connaître elles-mêmes,
mais font aussi connaître la fausseté» (Court Traité de l'Entendement, Spinoza).
(Cadeno 1.46, p. 52)
5 de Abril de 1997
Maio de 1997
Maio – todos os anos.
Surpreendi-me a passar por entre as portas, e a regozijar-me com a alegria. O
quarto estava alegre, a lamparina brilhava, Melissa dormia.
Era dia de festejo nacional da minha vida?
Queria ler simultaneamente Rilke, Nietzsche, Spinoza, Dickinson – e eu própria,
pois estava tão alegre que podia confundir-me com eles.
(Caderno 1.47, p. 131)
27 de Março de 1998
... Um humano não é insignificante – mais um, na multidão. Eu poderia ser aquele
que vai ali – se me olhasse. E tivesse algo para me dizer, procurando na sua
consciência.
Procurar na consciência de Spinoza leva-me a desejar pensar que vestido traria eu
naquele dia. Subitamente, o texto aparece,
vejo as linhas, logo distingo as palavras que me acompanham e me formam com a
sua errância compassada e estrita. Limitada ao rigor. Encosto o livro ao tecido, ele
não está numa biblioteca, está sobre o peito e é transportado a um lugar que tem
um encontro natural com o pensamento.
26
O que o livro não diz é como se escreve – em que circunstâncias. Contar a minha
vida é estar sempre próxima da circunstância de escrever. Mas falo agora de
Spinoza – que eu acho perfeitamente retratado no seu nome. É um breve momento,
e a intuição parte-me, e parte. Como seriam as roupas de Spinoza? A cor adaptar-se-
ia habitualmente ao seu corpo? Teria a sensação do tecido? Como gostaria de
levantar-se, pela manhã? Estar nu, uns momentos,
em face da janela, fechada ou aberta? Creio que não. Teria outro corpo visual muito
diferente do meu. Sentiria que________ sentiria o texto profundamente. É certo.
Nunca se cobriria com ele, porque o texto descobre. Vamos à descoberta de
situações pontuais, paralelismos entre textos, objectos, jardins, vestidos,
ornamentos.
Viver o dia de hoje no máximo de mim, ou seja, passar por mim e arrastar comigo
uma infinidade absoluta (dormente) de outras coisas.
Não escrevo Spinoza com E. Gosto do S, da sua curva rápida sem princípio nem fim.
Curva que destrói a filosofia – e a encontra mais ao longe – outra. Por isso, não
escrevo Espinosa com E, nem s no fim da palavra. Criança, criou-se Spinoza para eu
o ler por entre o belo, a estética, a geometria, a rebeldia com que dou pontapés no
mundo indelével e estabelecido. Fala a criança.
(Caderno 1.50, pp. 101-105)
21 de Abril de 1998
Há a leitura opaca – a que eu estava a fazer, de Le testament de Spinoza, de Leo
Strauss. E há a leitura que eu faço como se a página assentasse na transparência de
um vidro de janela – por exemplo a leitura da Ética de Spinoza –, a leitura nítida e
não diluente.
(Caderno 1.50, p. 139)
27
12 de Maio de 1998
/ Que tem a ver Spinoza com estes retratos? /
[...]
O oceano não tem fundo, nem os capítulos de Spinoza, nem as palavras que dele
possam cair sobre nós. [...]
Abro a Ética de Spinoza, por necessidade imperiosa da minha recordação. E leio: «a
ambição é quase invencível» _____ «A essência do espírito é compreender».
Alegria e serenidade.
Programa de Spinoza
I – Conhecer a natureza (ou seja, a Filosofia) / Reforma do Entendimento
II – Política
III – Moral e Ciência da Educação; Medicina; Mecânica
(pg. 1393)
Sim. Fora dos homens, na Natureza, não conhecemos seja o que for de particular
que nos possa conceder um prazer pelo Espírito, e a que possamos, com amizade,
nos unir. (pg. 559)
(pg. 1331)
Tratado da Íris, ou do Arco-Íris / de l'Arc-en-ciel
Ela julga que eu consigo fazer muito bem um retrato a tinta ou a carvão. Mas não.
(Caderno 1.50, pp. 184-188)
29
23 de Maio de 1998
O Palácio da Intuição
Tudo era ritmado, geométrico, como uma dança não aprendida. Saltou para o livro
de Spinoza, embarcou nas suas folhas – e criou o mistério que é a chave insuperável
da leitura. Lê-te por humano, e serás animal; lê-te por animal, ou natureza, e serás o
mistério vivo de ti mesmo. Melissa, a gata, miou três vezes, e desfechado o fim do
nada – só lhe restava apagar e reconstruir.
(Caderno 1.51, pp. 26-27)
9 de Julho de 1998
Spinoza, o que é o mal?
Uma geometria de valores negativos de pujança, diz Témia, que entrou no palácio e
se sentou a ler um tratado de filosofia sem ritmos filosóficos_______ para
crianças. Todas compõem a criança intuitiva que trago no meu regaço, ou seja,
no espaço, ou tanque, que me reservou o tempo.
(Caderno 1.51, pp. 76-77)
9 de Setembro de 1998
Vou fazer a sesta com Spinoza ao lado – ao lado, nas suas Obras Completas da
Pléiade.
Amesterdão
1632 – 1677
(Caderno 1.52, pp. 12-13)
13 de Janeiro de 1999
Se eu me sentir feliz é porque Spinoza o disse. Não Spinoza, mas a substância que
ele representa.
30
Ela representa alguém que está sentado ao lume – sendo, no entanto, o lume que
vê.
É um mistério simples, como acender a chama que nos permite ser. Há, há, há.
(Não é ah! ah! ah!)
(Caderno 1.53, pp. 57-58)
21 de Maio de 1999
Viemos para aqui trazidos pela infância, palavra que eu associo à de natureza, e
depois à de Spinoza, meu velho mestre a quem ensinei as cores, e depois à de
esperança – momento único em que, abrindo esta aragem com um gong,
voltaremos, para reunir nossas energias, ou tornar primaveril a infância no grande
combate dos espectáculos. Adormeço e durmo.
(Caderno, 1.55, pp. 6-7)
Agosto de 1999
Ela disse, juro que disse:
Eu brinco aos fragmentos. Brincar aos fragmentos _______ é brincar aos sonhos.
Eu sou feita de fragmentos leves, que não perturbam a minha unidade tocada ao
piano. As teclas, os martelos, a percussão. E, no final, o estrondo, a música. Juro
que ela disse: «foi assim que ele disse», como dizia constantemente um rapazinho
que vi, com uma voz deliciosamente aflautada, num filme: «foi assim que ele
disse».
E desenhou-se então um esquisito erotismo perto do piano, não usual, mas
visionário. Sempre que um dedo meu, inocente de ignorância, se aproximava da
tecla, eu sentia que um prazer de desenho novo se aproximava, sem, no entanto,
poder irromper. E fiz então a Spinoza uma pergunta audaciosa:
– Ó Mestre, onde está o primeiro orgasmo verdadeiro?
E ele respondeu-me:
– Escrevi a Ética. Digo-te um segredo: sinto-me incompetente para escrever a
Sensualética. Escreve-a tu!
31
– Está a brincar? Ora essa!
– Seria a grande descoberta do próximo milénio.
(Caderno 1.55, pp. 106-107)
Outubro de 1999
9 de Maio de 2001
Estou aqui, voltando desprevenida do dia em que pintei de grenat e prateado o
amplo portão da descida. Spi dorme, tem afundada na almofada a ampla cabeça
que, todas as manhãs, luz no celeiro. Este não é comparável a uma catedral, nem
pensar – é um sentimento apaixonado que se elevou ali, em forma/tensão de
abóbada, e de algumas traves. O tempo é velho, mas seguro – sem templo. E Spi
tem mãos iguais ao imenso rumor que seus passos provocam – nos meus ouvidos
em que ressoa constantemente a sua obra de amor em falta, como todas as obras
bem escritas.
Amor em tentativa
é neste espaço rural em plena floresta o que me sugere Herbais – sítio de visitantes.
(Caderno 1.61, pp. 143-144)
8 de Janeiro de 2002
Levanto-me para ir buscar a Reforma do Entendimento, de Spinoza, pois amanhã
tenho de desenvolver a pág. 46 de Parasceve para a Lourdes5.
5
Na página 46 deste livro de Llansol surge a figura do «corvo amarelo», que se revela ser o
Spinoza do Tratado da Reforma do Entendimento, e a do menino que no livro dá pelo nome de
«criança ruah». Aí se lê: «... compreendi que o corvo amarelo estava atrás de mim, de pé, com
palpitações de anjo nas asas [...] 'Queres brincar com esta criança?', perguntou-lhe. 'Meu Deus',
pensei, 'é a reforma do entendimento de Spinoza transformado em ave',
já que, enquanto aves, os livros deixaram praticamente de existir.»
(Parasceve. Puzzles e ironias. Lisboa, Relógio d'Água, 2001, pp. 46-47).
33
La Réforme de l'Entendement
origine des choses, cause première (p. 1661) / nature du vrai
(Lecture de Descartes et Bacon)
seule en présence de l'univers
Cheio de perigos, Spinoza quer salvar-se através da reflexão pura.
Formação de ideias claras e distintas.
(Caderno 1.63, p. 13)
15 de Fevereiro de 2003
Esta noite teve o sonho da noite com uma forma tão original, fora das formas
habituais dos sonhos, que se tinha esquecido [...]
No entanto, era negro e branco. E entre eles o azul da alva, oscilando entre duas
extensões coloridas em que inscreveu, acordada, a palavra Spinoza. Spinoza era
uma sedutora força em livro, e em potência. Gostava de pôr essa fita nos cabelos e,
à sua sombra, passar o dia...
[...]
Todo o seu pensamento se dirigia para o amor realizado, todo o seu pensamento
era intento de vibração e de vida. Dialogando com os textos de Spinoza, extraía-lhes
a alma jacente. E ao fim do dia o prado era um lugar, metade livro, um terço
natureza e a parte, impossível de ser, somada às outras, maior que o todo______
(Caderno 1.65, pp. 40-41, 54)
17 de Novembro de 2004
Ler um pensador novo
Spinoza
Hölderlin
Nietzsche
19 de Setembro de 2005
Quando eu leio, eu canto. A Ética de Spinoza – há expressões que me projectam de
um campo a outro, tais como
– que a Alma humana apercebe, ao mesmo tempo que a natureza do seu próprio
corpo, a natureza de um grande número de outros corpos
– seguindo a ordem geométrica
nenhum Amor, salvo o intelectual, é eterno
– a parte da alma que permanece
– tudo o que é belo é tão difícil quanto raro
De um campo a outro – a este texto aqui presente no campo da leitura que, neste
momento, coincide com o campo de oliveiras – e seu fragor no mar próximo. Há, de
facto, um diálogo entre o campo de oliveiras e o mar, entre cada oliveira e a sua
ondulação – a que lhe corresponde.
O mar é uma extensão aquática.
(Caderno 1.72, pp. 24-25)
4 de Fevereiro de 2006
Spinoza brinca com as réguas_______ e conduz os meandros da linguagem sobre
linhas rectas, encurtando-nos o caminho_______ e distanciando-nos o olhar.
(Caderno 1.73, p. 10)
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Abril de 2006
... perguntei-me se Ângelo não teria alguma relação íntima com Spinoza (o filósofo
em flor), pois aquilo a que chamamos coito também não era mais, aqui, do que
uma partícula de eternidade cintilando na carne.
(Caderno 1.73, p. 92)
Maio de 2006
_______ Tudo isto partiu da observação de uma rosa solitária dentro de uma jarra
que trazia ao alto mil reflexos. A Ética, com os seus sentimentos expostos em escala
ascendente e descendente era – naquele dia controverso – o pão nosso sobre a
mesa. E a princípio esta narrativa destinava-se a quem a tinha estimado e lido. Era
mais uma incursão imaginária da autora no campo das figuras______ Não livro de
Filosofia, porque com Spinoza a Filosofia havia sido partida, e quem anotava
ingeria fragmentos que suscitavam uma pioneira experiência de humanidade
reflectida e de beleza.
37
[Há] uma espécie de sentimento de eternidade em nós – lutando contra a matéria-
prima, o corpo, o lugar confuso e difuso onde se sabe «que nós sentimos e
experimentamos que somos eternos». Pequena expressão que extraí da caverna
luminosa da Ética _____ onde algo se cruza em poema e sistema, onde há um
corpo de que Tual diz: «eu com ele me queria deitar».
(Caderno 1.74, pp. 50-51; 81)
2 de Junho de 2006
Ocorreu-me a ideia de chamar Ética a um dos animais que querem renovar o seu
sexo-de-ler connosco – cantando todas as partes desta casa. Como chegasse a
pensar que era um excesso de ousadia, ocorreu-me interrogar Bento, que está entre
nós e nos dirige verdadeiramente a palavra quando fala.
O lê-lo tem muitas cores, e eu ando a pensar na reforma de Eros, o que lhe
disse______ e ele respondeu: alguém ouse.
Somos apenas um instante provisório da cúpula do tempo – disse eu ao lobo,
derramando-lhe nos olhos um pedido.
Ele percebeu____ E uivou. No seu uivo talvez esteja o princípio de um novo
entendimento: – Não há palavra que me corte – disse. E eu achei que a sua fêmea
devia ser coberta, não por outro animal, mas por uma falha que ajudasse a
esclarecer a palavra. A ética deve, pois, também ser dirigida aos animais. Dou esse
nome a um – e Bento, desfazendo o seu nome, abençoa esse acto, com a sua
maneira peculiar de extinguir o silêncio da voz / dos nós – em que ele é o supremo
cantor / o barítono mais falador deste teatro. Barítono – e interrogo-me sobre o grão
de espessura da sua voz. A sua graduação – como se se tratasse de uns
óculos_______ alguém está a chegar à praia / ao limiar______ e o dia amanhece,
sobrepondo-se à noite, muito durável e escura.
*
Bento: A regra tem réguas. Mas as réguas não traçam unicamente linhas direitas.
Este enigma tornou clara a minha inteligência – e deu-lhe apoio_______
(Caderno 1.74, pp. 83-86; 88)
38
7 de Junho de 2006
Conversas com Bento
Apesar da sua dificuldade, têm-me sido muito úteis as conversas com Bento. Ele, a
reflectir, distribui-nos rosas e, pouco a pouco, aproximamo-nos mais do seu cheiro.
Tem uma maneira rectilínea de expor que me seduz. E o que é poema próprio oscila
entre as margens do pensamento próprio.
Eu, sua modesta legente resoluta, e ele, temos ambos uma acção peculiar sobre a
realidade. Imodéstia minha, que é franqueza. A amplidão de estrutura predomina
nele, pequeníssimas imagens predominam em mim. Mas este encontro seduz de
tal modo a minha consciência que ontem à noite julgava que era apenas meia-
-noite, e já cantava o galo da manhã.
(Caderno 1.74, pp. 108-109)
8 de Junho de 2006
Por que matavas tu as aranhas, Bento?
Há aqui a minha censura informulada, bem a sentes? Não a sentes?
Por que matavas tu as aranhas, Bento?
São insectos captores, de muitas patas. Como acite6 tão bem entrelaçadas numa
construção recta que me faz temer. Também redonda.
Há alguma similitude entre acite – o termo proposto por ti – aranha e ética? Ou
dissimilitude que te perturbe? A ti e a mim? Ora no sentido positivo do mais belo –
ética –, ora no sentido negativo do menos belo – aranha?
Volvo Bento para mim porque ele, Deus me guarde, está à minha mercê. Quando
ele me envolve com a luz do seu deslumbramento desenhado, fico eu à mercê dele.
Peço-lhe a liberdade de passear comigo, e quando ele levanta a mão para esmagar
o insecto, esse ser esplende – e subtrai-se a ambos no fulgor. Dos vários pontos
desse círculo de luz suave adquirida, do fulgor, vieram os aprendizes cantores de
leitura______ mas não chegou a entrar. Eu falava com ele do enquadramento
6
Anagrama de ética, invertendo a palavra!
39
geométrico da porta, onde havia um casulo e um ninho. Fora, destacava-se a
ausência dos campos, pois fazia nevoeiro e havia pouca visibilidade – apenas
alguma visibilidade que o Sol em breve dissipou. Voltei para a página branca.
(Caderno 1.74, pp. 110-112)
9 de Junho de 2006
Mais uma vez Bento se esqueceu de beber o chá que lhe fiz com tanto cuidado. Fica
à espera que o tempo passe quando o tempo o surpreende de noite e lhe leva à
memória para a construção metódica de pensamentos – que só beneficiam da
presença do chá na chávena por beber. Não sei se o chá será o melhor líquido para
ele. Ou se, à noite, era realmente o que bebia. [Que] o real passe – e me diga, e lhe
escreva_____ De essência, de adequação humanas, e não só_____
[...]
Bento, eu amo os que pensam, a minha libido atinge o máximo com alguns deles.
É uma força corporal, riscada de espírito que malha na bigorna.
Uma emoção / delecção suave no seu máximo_______ desmaiar na morte que,
nesse momento, não me atinge_______
Bento sorriu para mim:
– Nem precisa de demonstração – disse.
Digo para ambos:
– 24 de Novembro. Um tom de dia – e nasceste.
Bento não gosta de trabalhar com pé mole____ e luvas, embora mantenha a voz
suave.
(Caderno 1.74, pp. 117-118)
24 de Junho de 2006
Conversas sem rodeios com Bento.
Vou pôr-me a falar com Spinoza, a monologar com as páginas de liberdade de um
livro, com as páginas libertadas por um livro...
(Caderno 1.75, p. 36)
40
30 de Julho de 2006
Domingo que poderia ter sido negro se______
Principio a estudar Spinoza – o texto nele mesmo, na sua abertura densa de
palavras. Sempre paredes meias com a compreensão intuitiva, trazida pela imagem
de modo directo, observo com prazer desmedido o percurso de estudo que
progride. Dou-me conta dos novos efeitos – o primeiro dos quais é o apagamento
de um dia de depressão. Sugestão de Tolentino [Mendonça]: entrega ao estudo e à
leitura, a tranquilidade de me sentir de natureza eterna.
Agosto de 2006
Sempre que leio Spinoza introduzem-se
pelo meio das suas asserções, em
paralelo e contraparalelo, imagens mira-
bolantes. Por exemplo: «O homem
esforça-se por perseverar no seu ser...»
Olho a imagem, multímoda, a abrir-se,
numa dada época, num vitral colorido.
Rebenta o vidro que se torna natural-
mente passagem. No pasto, as renas
desenterram líquenes sobre a leitura
que arduamente, com prazer, vou
fazendo. As similitudes e dissimilitudes
não têm fim, porque estamos passando,
de um para o outro, os organismos
vivos.
Casa de Spinoza em Rijnsburg
(Caderno 2.66, p. 21)
41
17 de Janeiro de 2007
A cabeça de cavalo é a Ética
25 de Janeiro de 2007
O que é a Ética como cabeça de cavalo? – A beleza de uma forma giratória de vida
cordial – tal como a cabeça de cavalo; olhar essa deflagração perturba-me. Mas é
uma perturbação equilibrada, com um polígono triangular, como um focinho. Aqui,
focinho é apropriado, anda a par e passo com a faixa branca da cabeça do próprio
cavalo. Dá-lhe uma larga pista inteligente – e eu creio que essa pista inteligente é o
cerne da ética______ ser inteligente é encontrar as fórmulas mais adequadas à
superação quotidiana dos modos corriqueiros da vida____.
(Caderno 2.73, pp. 88-89)
Spinoza
Oeuvres Complètes
Texte nouvellement traduit ou revu, présenté et
annoté par Roland Caillois, Madeleine Francès
et Robert Misrahi.
Paris, Éditions Gallimard, 1962
(Bibliothèque de la Pléiade/108), 1576 p.
45
Spinoza
Oeuvres. Traduction et notes par Charles Appuhn. Paris, Garnier-Flammarion, 1964-1965.
1. Court Tratité | Traité de la Réforme de l'Entendement | Les Principes de la Philosophie de
Descartes | Pensées Métaphysiques (443 p.)
2. Traité Théologico-politique (380 p.)
3. Éthique. Démontrée suivant l’ordre géométrique et divisée en cinq parties (379 p.)
[capa com desenhos de Augusto Joaquim]
[Marginalia na Ética:
Página de rosto:
Anabela, escólio, pg. 478
Benedictus de Spinoza
«Conhecimento que salva e
não apenas conhecimento que
explica», pg. 24
O texto aumenta a potência de
agir do corpo, diz o Augusto
v. nota pg. 280
M. G. Llansol / 14 de Fev. 95 / terça
Bento de Espinosa, Ética. Introdução e notas
de Joaquim de Carvalho. Lisboa, Relógio d'Água, 1992
46
[Marginalia na Ética:
Separador, começo da Ética:
«A ordem e conexão das ideias é a mesma que a ordem
e conexão das coisas» – Ética, proposição 7
A correspondência entre as 2 ordens constitui a chave e
o fundamento de todo o sistema filosófico de Spinoza;
deus ou Natureza possui infinitos atributos, dos quais
nos são conhecidos dois – o pensamento e a extensão.
Por sua vez, cada um destes atributos realiza-se em infinitos
modos (os modos são as diferentes realidades individuais
– almas e corpos particulares) ]
[guardas]
Arnold Zweig
O Pensamento Vivo de Spinoza.
Tradução de Gastão Pereira
Martins.
S. Paulo, Livraria Martins, 1941,
165 p.
(=Biblioteca do pensamento
vivo)
Robert Misrahi
Le corps et l'esprit dans la
philosophie de Spinoza
Le Plessis-Robinson,
Institut Synthélabo, 1998
Henri Meschonnic
Spinoza et le poème de la pensée
Paris, Maisonneuve et Larose, 2002
[Marginalia, rosto:
M. G. Llansol
13 Set. 2005
(of. pela Etelvina) ]
[Marginalia:
Anterrosto:
Se o ritmo se apagar por entre as circunferências de inteligência que os discóbolos jogam na
casa ____ projecta-se um livro, mas apaga-se a afectividade das partes – que as consome e
reúne – e apaga-se o texto.
Rolar sobre os joelhos do seu corpo / pg. 182
le texte constitue son lecteur / pg. 121 ]