Você está na página 1de 17

 

 
Criado  coletivamente  há  6  décadas,  por  quase  2000  artistas​,  a  companhia 
completou  60  anos  em  2018.  ​A  travessia  do  ​Teat(r)o  Oficina  Uzyna  Uzona​, 
grávido  da  primavera  de  2018  pra  2019,  sincrônica  à  ascensão  do 
néo-empre$ariali$mo  totalitário  no  estado  democrático  brasileiro,  aposta  na 
paixão  popular  que  sagrou  a  encenação  de  ​RODA  VIVA,  ​de  Chico  Buarque  em 
1968, reconsagrada em temporada de sucesso em 2018 e 2019.  
 
A  peça,  com  2  meses  de  ensaios  patrocinados  pelo  Itaú  Cultural,  estreou  no 
Teatro  Sanduíche  do  Sesc  Pompéia  de  Lina  Bo  Bardi,  dm  ​4  sessões:  06,  07, 08 e 
09 de dezembro de 2018. 
 
E  logo  depois,  no  dia  23  de  dezembro  de  2018,  às  14h30,  nos  31  anos  da 
Ethernidade  de  Luís  Antônio  Martinez  Correa,  ​RODA  VIVA  estreou  no  Teat(r)o 
Oficina,  em  cartaz  até  10  de  fevereiro​,  de  sexta  a  domingo. Todas as 28 sessões 
estiveram  completamente  lotadas.  Agora,  após  pausa  de  carnaval,  a  companhia 
volta com a temporada até 2 de junho, com ingressos disponíveis.  

1
 
 
CHICO BUARQUE NO ENSAIO DE RODA VIVA | ACERVO TEATRO OFICINA 
 

Chico  Buarque  de  Holanda  escreveu  ​RODA  VIVA  depois  de  assistir  ​O  REI  DA 
VELA​.  O  espetáculo  de  1967,  que  revolucionou  a  encenação  teatral  no  país,  é 
considerado  pela  crítica  como  a  primeira  encenação  essencialmente  brasileira 
pois  acrescentou  em  sua  montagem  elementos  anti  literários  da  cultura 
nacional:  circo,  revista,  literatura  surreal,  carnaval,  a  chanchada,  a  anarquia,  o 
deboche.  Lendo  ​RODA  VIVA​,  compreende-se  a  peça  como  uma  resposta,  ou 
uma  proposta  alternativa  de  continuidade  para  a  peça  de  Oswald  de  Andrade 
encenada  por  José  Celso,  que  foi  quem  o  jovem  Chico  Buarque,  com  24  anos, 
convidou  para encenar seu primeiro texto teatral, juntamente com o cenógrafo e 
figurinista Flávio Império.  
 
E  foi  no  final  de  1967  e  início  de  68  que  o  coro  de  ​RODA  VIVA  ​transformou 
radicalmente  o  Teat(r)o  Oficina.  A  multidão  que  tomou  o  espaço  do 
protagonismo era uma geração que trazia em si todas as revoluções.  

2
CORO DE RODA VIVA | ACERVO FLÁVIO IMPÉRIO 
 
Inaugurou-se  ali  a linguagem coral no teatro brasileiro, um retorno aos ritos, aos 
dityrambos  gregos,  à  pré-lógica  indígena,  a  descolonizar  e  radicalizar  o  fazer 
teatral  em  plena  ditadura  militar  no  Brasil,  em  pleno  nascimento  da  Tropicália, 
movimento  cultural  antropófago.  Se  em  68  o  coro  de  ​RODA  VIVA  quebrou  a 
quarta  parede  entre  palco  e  plateia,  misturou  e  modificou  o  moderno  teatro 
brasileiro,  e  consequentemente  o  teatro  contemporâneo,  hoje, 50 anos depois, a 
bola  do  coro  de  68  foi  recebida  pelo  coro  de  2018,  com  a  direção  de  quebrar 
todas  as  paredes,  em  escala  urbana.  A  religação  do  povo  com  a  Cultura  e  da 
C​ultura com o povo.  
 
“Stamos inspirados pra contracenar com estes tempos. 
Anarcos  coroados,  bárbaros  tecnizados  contracenado  com  a  democracia  da 
oposição  y  o  estranho  estado  frankstein  sendo  fabricado  pela  situação,  além  do 
além,  isto  é,  aqui  agora.  Vivemos  a  emoção  de  criar  teatro  pra  todos  humanos.  A 
3
luta  da  arte  ao  vivo q é o teatro, é a mesma de todxs q querem viver a vida ao vivo; 
em  liberdade;  sem  a  captura  pela  máquina  de  matrix  implantada  pelo  modus 
vivendi do capitali$mo robótico; sem perestroika empresalista.” Z ​ é Celso 
 
 
SINOPSE 

A  dramaturgia  de  Roda  Viva  é  a  ascensão  e  queda  de  Benedito  Silva  (Roderick 
Himeros),  cantor  e  compositor  de  sucesso  inventado  e  fabricado  pela  mídia.  A 
trama  se  desenvolve  pelas  intervenções  do  Anjo  da  Guarda  (Gui  Calzavara)  e  do 
Capeta  (Joana  Medeiros),  que  fazem  de  Benedito  o  cantor  de  grande  sucesso 
popular  Ben  Silver.  Mané  (Marcelo  Drummond),  amigo  de  juventude  do 
protagonista,  durante  todo  o  espetáculo  fica  na  mesa  de  bar,  como  um  fio  terra 
de  Benedito  que  tem  sua  genialidade  fabricada  e  ininterruptamente  monitorada 
e  redirigida  pelos  índices  de  popularidade.  Assim,  Ben  Silver,  o  herói  pop  é 
transformado  em  Benedito  Lampião,  cantor  “bem  brasileiro,  bem  violento, 
cantando  baião  e  marcando  o  ritmo  na  queixada”.  Quando  ele  enfim  é  devorado 
pelo  coro,  sua  esposa,  Juliana  (Camila  Mota),  o  substitui  como  novo  ícone  da 
cultura, mas liberta da formatação, com um acordo cosmopolítico de produção.  
 
Da  dramaturgia  original,  canções  que depois tornaram-se famosas no repertório 
do  autor,  como  ​Roda  Viva  e  ​Sem  fantasia​.  Na  montagem  de  2018  foram 
incorporadas a obra prima de 2017 ​Caravanas ​e a bossa nova ​Cordão. 
 
A primeira montagem acontece em 1968, ano emblemático de ebulição política e 
cultural no mundo. Na encenação, Zé Celso dá espaço para um novo agente que 
leva a dramaturgia adiante: o coro é o grande provocador de Benedito e sua 
dupla de empresários, já que a entidade múltipla e diversa vai se transfigurando 
e incorporando os sucessos e fracassos do ídolo construído. ​Neste 2018, a 
companhia põe em cena, pra além do show business, a criação e devoração dos 
mitos e messias do aqui e agora. 

SERVIÇOS ​|​ ​RODA VIVA 


DE CHICO BUARQUE  
 
De 5/4 a 2/6/2019 
Sexta a domingo 
Horários:​ Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h 
 
Ingressos:  
R$ 60 inteira  
R$ 30 meia (estudantes, aposentados, professores e artistas) 
R$ 25 moradores do Bixiga (necessário comprovante de residência) 

4
R$5  (estudantes  secundaristas  de  escola  pública,  imigrantes,  refugiados,  moradores  de  movimentos 
sociais de luta por moradia) – limitados à 10% da lotação diária 
https://www.compreingressos.com/rodaviva 
 
Local: ​TEATRO OFICINA UZYNA UZONA- Rua Jaceguai, 520 - Bixiga, São Paulo, SP  
 
Duração: ​3H30 (com intervalo de 15 minutos) 
 
Indicação etária: ​14 anos 
INGRESSOS ANTECIPADOS: ​bit.ly/rodavivanoOficina 
 
RODA VIVA 2018​ | FICHA TÉCNICA 
Texto:​ Chico Buarque
Versão 2018:​ Zé Celso
e Coro Teatro Oficina 2018
Diretor:​ Zé Celso
Conselheira Poeta:​ Catherine Hirsch

Benedito Silva: ​Roderick Himeros


Juliana:​ Camila Mota
Anjo: ​Guilherme Calzavara
Capeta:​ Joana Medeiros
Mané: ​Marcelo Drummond

O Coro:​ Cafira Zoé


Carol Castanho
Clarisse Johansson
Cyro Morais
Danielle Rosa
Fernanda Taddei
Isabela Mariotto
Kael Studart
Kelly Campello
Lucas Andrade
Marcella Maia
Marcelo Dalourzi
Mayara Baptista
Nash Laila
Nolram Rocha
​ Sylvia Prado
Tony Reis
Tulio Starling
Viviane Clara
Walie Ruy
Zé Ed
Participação Especial: ​Vera Barreto Leite como Miss Veneno

5
Diretor Musical:​ Felipe Botelho
​ ​Violoncelo: ​Amanda Ferraresi
​Bateria: ​André Santana
​Percussão: ​Carina Iglecias
​Baixo: ​Felipe Botelho
​Piano: ​Giuliano Ferrari
​Percussão: ​Ito Alves
​Guitarra: ​Moita Mattos
Preparação vocal: ​Beth Amin
Preparação rítmica: ​Ito Alves
Sonoplasta:​ Gustavo Lemos
Coreógrafo:​ Ibrahima Sarr
Preparação dos corpos Seneafrica e Höröyá:
Ibrahima Sarr, André Ricardo, Birima Mbaye, Moustapha Dieng e Aziz Mbaye
Tradutor:​ Mamadou Sarr
Desenho de Luz: ​Guilherme Bonfanti
Diretor de Cena: ​Otto Barros
Assistente da Direção de Cena: ​Felipe Wircker
Arquitetura Cênica e Direção de Arte: ​Carila Matzenbacher e Marília Gallmeister
Assistente:​ Marcelo X
Coordenador de Cenotecnia:​ Alício Silva
Equipe De Cenotecnia:​ Cleiton Willy, Reginaldo Nascimento, Francolino Gomes,
Renato Silva, Igor Gomes, Leandro Bruno, Claudemi Bruno, Gilberto Feli, Sabino Orosco
e Cássio Omae
Pirâmide:​ Fina Serralheria
Objetos Cênicos TVs, Nets, Mulher Veneno,
Boneco Ben Silver:​ Ricardo Costa.
Assistentes:​ Abmael Henrique e Rafael Lopes
Cata-Vento Fachada:​ Fernando Brettas – Ono-Zone Estúdio
Pintura Artística:​ Vincent Guilnoto
Maquiagem e Figurino:​ Sonia Ushiyama
Assistente de Figurino:​ Selma Paiva e Marcio Tassinari
Camareira:​ Cida Melo
Assistentes de Iluminação: ​Luana Della Crist, Pedro Felizes e Padu Palmério
Operadora da Luz: ​Cyntia Monteiro
Operadores de Canhão Seguidor:​ Pedro Felizes, Ana Gabriela Rossetto e Filipe Sampaio
Estagiários da Luz: ​ Ananda Giuliani e Guilherme Soares
Movings Lights: ​Camilo Bonfanti
Criação em 3D:​ Daniele Meirelles
Conselheiro Poeta da Luz: ​Chico Turbiani
Montadores de luz:​ Gabriele Souza, Diego F F Soares, Alexandre Souza e Vinícius Hideki
Ramos
Agradecimento a Grissel Piguillem
Operadora de Som:​ Camila Fonseca
Assistente de Som e Microfonista: ​Clevinho Ferreira

6
Cinema ao vivo​: Cecília Lucchesi e Igor Marotti
Direção de Produção e Estratégia:
Camila Mota, Marcelo Drummond e Zé Celso
Produtor Executivo e Administrador:
Anderson Puchetti
Produtores: ​Ana Sette e Ederson Barroso
Comunicação, Editoração
do Programa e Textos:​ Brenda Amaral,
Cafira Zoé e Camila Mota
Design Gráfico e Publicidade:​ Igor Marotti
Projeto Gráfico do Programa:
Igor Marotti, Cecília Lucchesi e Marcelo X
Transcrição da entrevista com Zezé Motta:​ Danielle Rosa
Pesquisa de Imagiário
e Makumbas Gráphicas:
Cafira Zoé e Camila Mota
Assessoria de Imprensa:​ Brenda Amaral
Fotografias:​ Jennifer Glass
Tradução para inglês e revisões de texto:​ Maria Bitarello
Tradução para francês: ​Mamadou Sarr
Arquivista:​ Thais Sandrini
 
 
 
 

RODA VIVA 
 

7
FOTO JENNIFER GLASS 

 
Fernanda  Montenegro,  ​Xamã  do  Teatro,  em  entrevista  recente  nos  alerta: 
quando  o  teatro  vai  mal,  o  país  vai  mal.  A primeira montagem de ​RODA VIVA foi 
atacada  y  interrompida  brutalmente  pelo  Comando  de  Caça  aos  Comunistas 
(CCC)  na  Ditadura  Civil  Militar.  Roda  Viva  é  acontecimento.  Nesse  momento  de 
censura,  perseguição e criminalização de artistas, de linguagens, de liberdades, o 
Teatro  Oficina  monta  ​RODA  VIVA  ​como  uma  prática  da  paixão  e  das  potências 
transhumanas, na perspectiva cosmopolítica ​no AQUI AGORA de 2018. Labaredas 
em tempos de insurreição!  
 
Os  coros  das  ruas  de  68,  com  o  fogo  do tempo encarnado nos corpos, na alegria 
da  percepção  do  aqui  e  agora  em  todo  o  mundo,  invadiram  a  encenacão  de 
RODA  VIVA.  Coros  gregos  retornaram  ao  teatro  e  com  eles,  o  prazer  de  se 
dissolver na multidão. 
 
A  encenação  de  RODA  VIVA  sofreu  um  corte  violento:  –  a  invasão  do  teatro  e  o 
espancamento  dos  atores  em  São  Paulo  pelo  CCC,  comando  de  caça  ao 
comunistas;  e  pelo  3ª  exército, em Porto Alegre. E em seguida, o decreto do AI 5, 
que  instaurou  o  período  mais sombrio da Ditadura Militar. Essa interrupção teve 
conseqüencias  irreparáveis  na  produção artística brasileira. Além da censura aos 
espetáculos,  o  público  foi  proibido  de  frequentar  muitos  teatros.  O  Teatro,  arte 
que  desde  o  Teatro  Brasileiro  de  Comédia  floresceu  como  linguagem,  com  esse 
corte nunca mais se recuperou. 
 

8
 
 
 
 
ANJO 
Nós vamos começar pêlo…  
​Modo de apresentação 
​Hummm... um Tapa no Cabelo 
Vai um terno Prateado 
​Mas no Estilo Militar 
​q hoje está muito falado 
com a Santa Eleição 
Na Barriga um Cinturão  
e um 38 na mão! 
 

9
 
 
 
 
 
 

FOTO JENNIFER GLASS 


 
 
COSMOLOGIA DA ENCENAÇÃO 
 
RODA  VIVA  ​estreou  17  de  janeiro  de  1968  no  Teatro  Princesa  Isabel,  no  Rio  de 
Janeiro  e  depois  teve  temporada  no  Teatro Ruth Escobar em São Paulo. Grandes 
artistas  atuaram  na  montagem  como  Flávio  Império  (cenários  e  figurinos); Klaus 
Vianna  (coreografia);  Heleno Prestes (Benedito Silva, Benedito Lampião), Antônio 
Pedro Borges (Anjo da Guarda), Marieta Severo e Marília Pêra (Juliana), Flávio São 

10
Thiago  (Capeta),  Paulo  César  Pereio  (Mané),  Rodrigo  Santiago,  Valquíria 
Mamberti,  Hamilton  Monteiro,  Ruth  Escobar,  Ada  Gauss,  Alceste  Castellani, 
Angela  Vasconcellos,  Fernando  Reski,  Maria  Alice  Camargo  , Zezé Motta , Angela 
Falcão,  Eudósia  Acuña,  Érico  Vidal,  Fábio  Camargo,  Jura  Otero,  Pedro  Paulo 
Rangel,  Samuel  Costa  Júnior,  André Valli, Antônio Vasconcelos, Maria Alice Faria, 
Margot Baird; os músicos Leão, Brechov, Tião, Zelão, Guaxinim e Alex. 
 

CORO  
Aleluuiá 
​Falta Feijão 
Na Nossa Cuuiá 
Falta Urna 
Pro Meu Vóto 
​Devóto 
​Alelululuia! 
 

11
CORO DE RODA VIVA + CENOGRAFIA DE FLÁVIO IMPÉRIO | ACERVO FLÁVIO IMPÉRIO 
 
“Em  1968  fiz  ​Roda  Vida​,  um  texto  do  Chico  Buarque.  "Que  tal  estruturá-lo,  na 
montagem,  como  se  fosse  uma  missa?"  propôs  Zé  Celso.  "Uma  Missa?"  Tudo  bem,  se 
você acha é porque teve uma intuição ..." respondi. 
 
Percorri  então  todo  o  baixo  catolicismo  carioca.  Saí  a campo e fui a tudo quanto 
era  capela  acender  vela,  santuário  com  santinho,  tudo  quanto  era  coisa  mais 
próxima  do  candomblé,  baixo  espiritismo.  Juntei  tudo  isso  a  imagem  de  um 
Santo  que  achei  sempre  com  cara  de  iê-iê-iê,  que  é  o  "Menino  de  Jesus  de 
Praga".  Acho  que  porque ele tem sempre um manto todo prateado e uns grandes 
punhos  ao  redor  da  mão.  Um  microfone  naquilo  resolveria,  na  minha  opinião,  a 
imagem  do  santo  glorificado  por  uma  platéia  que  confunde  muito  gente  com 
herói.  Achei  esse  gancho.  O  Zé  montou  uma  estrutura  em  cima  da  missa  e 
começamos  a  trabalhar  os  intervalos  que  iam  desde  a  coisa  conservadora  do 
pensamento  brasileiro  até  aquilo  que  parece  ser  a  coisa menos conservadora do 
12
pensamento  brasileiro,  a  chamada  vanguarda.  Entre  um  e  outro  foi  ficando 
caracterizada  uma  visão  distante  e  crítica  dos  momentos  de  glória  do  cantor de 
rock,  dos  momentos  de  glória  nordestinos,  dos  momentos  de  glória  do  cantor 
festivo,  dos  momentos  de  glória  de  todos  os  cantores  e  do  processo  de  venda 
dessas  cantores  que  a  televisão  faz.  Então  o  palco  era  a  grande  boca  de  cena de 
televisão.  
 
No  alto,  São  Jorge  e  um  vasinho  com  uma  rosa  bem  grande,  como  se  fosse  uma 
coisa  "pop"  (estávamos  no  tempo  dos  "Lichtensteins")  e  do  outro  lado  coloquei 
uma  grande  garrafa  de  Coca  cola  e  o  Pereio  sentado  a  uma  mesinha  que  era  o 
bar.  A  coisa  aconteceu  nesse  universo  que  eu  via  como  se  fosse  uma  mesinha 
brasileira  de  canto  de  sala,  que  vai  desde  as  saletas  da  favela  até  os salões, onde 
está  situado  o  aparelho  de  televisão.  Só  que  cada  espectador  se  via  refletido,  de 
algum  modo,  no  personagem  que  estava  em  cena.  Foi  uma  leitura  mais 
sociológica,  digamos  assim,  que  eu  comecei  a  fazer  em  cima  dos  personagens, 
criando um imaginário simbólico para cada um. 
 
Pedi  para  trabalhar  com  uns  caras  que  trabalhavam  com  o  Chacrinha.  Tive  o 
maior  prazer  de  trabalhar  com  uns  artesãos  incríveis  que  inventaram  as  roupas 
dele.  Além  disso,  contei  também  com  as  costureiras  convencionais  de  teatro  e 
montamos  uma  equipe.  Muitas  vezes  o  pessoal  do  Chacrinha  começava  o 
trabalho  e  eu  terminava  porque  havia  muita  coisa  para  ser  feita.  Às  vezes  a 
própria  equipe  do  atelier  do  teatro  começava  e  eu  terminava  para  que  o 
acabamento,  que  contava,  em  geral,  com  tantas  origens,  tivesse  uma  linguagem 
mais ou menos unificada, que eu chamaria de ​Kitsch nacional.​ ” 

FLÁVIO IMPÉRIO

“​Chegou  ​Roda  viva​,  Chico  nos  convidou,  a  mim  e  Flávio para fazermos uma peça 


que  ele  escreveu.  O  texto  pedia  quatro  pessoas no coro. Mas quando abrimos os 
testes  para  atores  cariocas.  Veio  uma  multidão  e  tomou  o  espaço,  sem  saber  o 
que  era  palco  ou  o  que  era  platéia, se o ator poderia tocar nas outras pessoas ou 
não.  Era  uma  geração  que  trazia  em  si  todas  as  revoluções.  Quer  dizer,  tinha 
gente  feia,  bonita,  veado,  sapata,  hetero,  negro,  branco, tudo e traziam no corpo 
todas  as  revoluções  que  depois  se  dividiriam  em  revolução  ecológica,  revolução 
feminista,  revolução  gay,  revolução  da  alimentação,  revolução  religiosa.  Eram 
esses  jovens  de  1968,  esses  pagãos...  A  Camille  Paglia  diz  que  1968  significou  um 
retorno  ao  paganismo  no  mundo  inteiro  e  eu  concordo:  1968  é  um  retorno  ao 
paganismo.  Para  mim,  o desbunde foi mais importante do que a luta armada, que 
eu  apoiei,  participei  e  fui  torturado  por  tê-la  apoiado.  Não  me  arrependo,  foi 
certo.  Mas  fazendo  um  balanço geral vejo que a turma que foi para a luta armada 
não  quebrou  os  padrões  positivistas,  os  padrões  de  vida  mesmo,  não  se 
descolonizou.  A  descolonização  houve  no  momento  onde  a  gente  se  re-ligou  ao 
nosso  passado  arcaico  e  foi  descobrir  o  índio  e  o  negro  na  gente,  o  fã  da  rádio 

13
Nacional, o cara que gosta de música pop, o cara que começou a misturar, comer 
tudo, comer de tudo. 

Roda  viva  não  foi  feito  nem  pelo  Chico,  nem  pelo  Flávio,  nem  por  mim, foi feito 
por  aquela  multidão  do  coro.  Os  protagonistas  não  tinham  a  importância  que 
tinha  o  coro.  Mas  na  época  os  fotógrafos  eram  tão  condicionados,  que 
fotografaram  só  o  palco,  é  raríssimo  você  ver  fotografias  do  coro,  que  se 
espalhava no meio da platéia. 

Os figurinos eram roupas rituais. O Flávio, como o Hélio Oiticica, faz falta porque 
não  há  mais  a  ideia do ritual. O Flávio fez figurinos rituais, de tal maneira que, no 
momento  em  que  você  entra  em  um  deles,  está  incorporado.  Ele  desenvolveu 
essa  história  de  paramentação  de  uma  maneira  muito  especial  e  original,  uma 
forma  ritualística  de  criação  que  me  lembra  o  Bispo  do Rosário, curtida em cada 
detalhe por suas próprias mãos. 

Quer  dizer,  ​Roda  viva​,  foi,  é  uma  revolução.  Todo  o  meu  trabalho  a  partir  de 
então, se transformou radicalmente. 

Roda viva​ foi feito no final de 1967, em dezembro, o espetáculo foi levantado em 
17 dias. Não dá para explicar como é que foi possível, em 17 dias aquilo ficou de 
pé.” 

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA 


 
 
 
 
 
 
 
 
TEAT(R)O OFICINA  

14
Janelão, TEAT(R)O OFICINA | foto mário pizzi

 
Fundada  em  1958,  a  Companhia  Teat(r)o  Oficina  Uzyna  Uzona  mistura  em  seus 
ritos  teat(r)ais  música,  artes  plásticas,  vídeo,  cinema,  arquitetura,  urbanismo, 
dança,  poesia,  em  processos  de  co-criação  entre  artistas.  A  BIGORNA,  lugar 
onde  se  forja  o  ferro  e o corpo, onde se transforma e interpreta a vida, é símbolo 
da  companhia  desde  sua  fundação  –  uma  bigorna  de  ferro  foi  colocada  por Lina 
Bo  Bardi  na  fachada  do  edifício,  na  cabeça.  ​Nos  anos  70  a  Companhia  Foi 
censurada  e  exilada  pelo  regime  militar,  reexistindo  em  Portugal  com  a 
apresentação  de  espetáculos em fábricas durante a Revolução dos Cravos, e com 
a  realização  de  obras  cinematográficas  tanto  em  Portugal  quanto  em 
Moçambique,  Inglaterra  e  França.  Com  a  abertura  política  lenta,  gradual  e 
restrita,  a  Companhia  foi,  aos  poucos,  retomando  as  atividades  no  Brasil.  Em 
1984, transformou-se em ​Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona.  

15
 
O  Oficina  constituiu-se  como  uma  Companhia  múltipla  e  singular  frente  às 
formações  teatrais  e  demais  companhias  existentes  hoje  –  não  só  pelo  número 
de  componentes  e  amplo  repertório  trabalhado,  mas  principalmente  pela 
variedade  de  gerações  presentes  partilhando  conhecimentos  e  processos  de 
criação.  Mais  de  2000  artistas,  ao  longo  de  quase  sessenta  anos, trabalharam na 
companhia. 
 
Dirigida  por  José  Celso  Martinez  Correa,  nas  muitas  décadas  desta  existência  o 
Teat(r)o  Oficina  consolidou-se  como  um  lugar  de  produção  de  arte  e 
conhecimento  e  em  2018  chega  aos  60  anos  e  deseja  um  financiamento  que 
corresponda  à  grandeza  de  seu  patrimônio  artístico,  arquitetônico e cultural. O 
edifício  do  Teatro  Oficina  já  viveu  grandes  transformações  em  três  projetos 
arquitetônicos:  o  1º  desenhado  por  Joaquim  Guedes,  inaugurado  em  1961  foi 
incendiado  por  grupos  paramilitares  em  1966.  Em  1967  entra  em  cena  o  projeto 
de Flávio Império, com o palco giratório de ​O Rei da Vela.  
 
Eleito  em  2015  pelo  ​Th​ e  Guardian  c ​ omo  o  mais  bonito  e  intenso  teatro  do 
mundo​,  o  3º  Teatro  Oficina,  belíssimo  projeto  arquitetônico  de  Lina  Bo  Bardi  e 
Edson  Elito,  criado  com a companhia, estreou com Ham-let, de Shakespeare, em 
93  com  enorme  repercussão,  seguido de montagens que até hoje fazem parte do 
repertório  da  companhia  como  Bacantes,  de  Eurípedes  e  ​Os  Sertões  a partir do 
livro  vingador  de  Euclides  da  Cunha.  Esse  repertório  é  intenso  pela  força 
estética,  vibrante,  política  de  seus  espetáculos  numa  indissociação  entre 
encenação  e  arquitetura.  ​Mais  que  um  grupo,  o  TEAT(R)O  OFICINA  é  um 
movimento,  uma  eletricidade,  que  coloca  em  cena  a  arte  e  a  cultura  como 
infraestruturas  da  vida.  Criamos  incessantemente,  tendo  a  antropofagia  como 
linha  estética  da  Companhia  e  uma  perspectiva  cosmopolítica  como  seiva  que 
nos  desperta  para  a  cidade  e  afia  as  encenações  com  o  aqui  agora  da  pulsão  da 
vida. 
 
Em  2017/2018,  a  Associação  Teat(r)o  Oficina  Uzyna  Uzona  realizou  a  proeza  de 
manter-se  em  cartaz  em  um  ano  de  crise  absoluta.  A  Companhia,  desde  a  sua 
fundação,  já  atravessou  inúmeras  crises  e  se  reinventou  esteticamente  a  partir 
da  relação  concreta  com  o  tempo,  o  espaço  e  o  corpo  dos  atuadores  do  Teatro 
Total.  Nas  crises  se  cria,  quer  se  queira  ou  não.  Uma  companhia  de  teatro 
permanente é um laboratório humano, um microcosmo de experiência coletiva – 
um  dos  grandes  desafios  da  contemporânea  idade.  Em  uma  companhia  se 
desenvolve o ser estar, o viver coletivo respirando a Criação na Crise. 
 
 
 

16
O  TEATRO  É  A  ARTE  DO  ENCONTRO  AO  VIVO.  Somos  um  teatro  de  coro,  que 
atua com a multidão, ligado à vida, às cidades, à terra.  
 
A  grave  crise  política  que  vivemos  se  revela  na  igualmente  grave  y  sintomática 
falta  de políticas públicas de incentivo à cultura. Em 2016, perdemos o patrocínio 
da  Petrobras,  que  por  11  anos  nos  fomentou  o  trabalho, a pesquisa y a criação. O 
resultado  dessa  interrupção  ameaça  a  continuidade,  em  plena  potência,  deste 
trabalho tão valioso.  
O  investimento  público  nessas  áreas  nos  últimos  dois  anos  teve  uma  drástica 
redução,  e  a  partir  de  agora  ainda  mais,  correndo  o  risco  de  deixar uma cicatriz 
irreversível na formação cultural brasileira. Caminhamos a passos largos para um 
emburrecimento  geral  da  nação.  Artistas  vêm  sendo  perseguidos,  censurados  y 
proibidos  de  trabalhar  pelos  governos  y  por  parte  da  sociedade  civil.  Com  o 
Teat(r)o  Oficina  não  é  diferente.  Somos  hoje  a  Companhia  de  Teatro  mais 
longeva  em  atividade  no  país  y,  no  entanto,  pela  nossa  linguagem,  pela  nossa 
dimensão,  pela  nossa  maneira  de  existir,  vivemos  uma  real  ameaça  de  extinção: 
Como as Baleias Azul, os Recifes de Corais, ESTAMOS VIVOS. 

17

Você também pode gostar