Você está na página 1de 12
Comprometimento organizacional em uma instituigao universitdria * Margarida Guimaraes Andrade Brandio Técnica em assuntos educacionais do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Puiblico da Universidade Federal da Bahia — ISP/UFBa —, Pesquisadora do Nacleo de Politica e Administraao em C&T — NACIT/ISP/UFBa —, Mestre em ‘Administragao Antonio Virgilio Bittencourt Bastos Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e de Mestrado ‘em Administrac4o da Universidade Federal da Bahia, Pesquisador do Nicleo de Politica e Administracso em C&T — NACIT/ISP/UFBa —, Mestre em Educacéo, Doutorando em Psicologia Organizacional Resumo Neste artigo relata-se pesquisa desenvolvida junto a servidores técnico-administrativos de uma universidade publica, buscando compreender fatores associados ao nivel de comprometimento com a instituigo. O estudo de antecedentes de comprometimento pode auxiliar nas decisdes politicas quanto ao gerenciamento dos recursos humanos. A pesquisa abrangeu amostra de 313 servidores de distintos cargos e segmentos da administragao, sendo os dados coletados através de entrevistas. Os resultados revelaram niveis moderadamente elevados de comprometimento e 0s produtos das anélises de regresséo mostraram como antecedentes mals significativos para explicé-los a oportunidade de crescimento profissional, a centralidade do trabalho na vida do servidor e @ qualidade da supervisio recebida, Palavras-chat comprometimento organizacional recursos humanos na administrac&o pablica servidores piiblicos atitudes no trabalho * Bite artigo tem por base Disvertagto de Mastrado Comprometimento organizacional na administragko pablice: um estudo de caso em ‘uma inatituipdo universitria,reslzada soba rirtarko do cowutore dfenia pla autora em 1991 na Urluerdede Federal de Behl 50 Revista de Administracao, Séo Paulo v. 28, n. 3, p. 50-61, julho/setembro 1993 INTRODUCAO Tem sido debitada ao servidor piiblico, historica- mente, grande parcela da responsabilidade pelo mau: desempenho do aparelho administrative do Estado. Fatores como o clientelismo, 0 patrimonialismo, 0 paternalismo, marcas registradas de nascimento da nossa administragao piblica, ajudaram a cristalizar imagens de desqualificag&o, ociosidade, incompetén- cia, descompromisso, entre outras, como componen- tes da representac&o social do servidor piblico. ‘A multideterminac&o do comportamento humano no ambito das organizacées torna extremamente complexa a tarefa de identificar os fatores associados ‘0s padrées de conduta que geram imagens sociais 180 negativas como as apontadas. Neste sentido, 0 comportamento do servidor nao pode ser entendido fora dos contextos social, econémico e politico con- dicionantes da administrac8o piblica, Desde seus primérdios, o aparelho administrative foi marcado por filosofia ‘excessivamente centraliza- dora, regulamentadora e controladora. Observa-se, persistentemente, a tendéncia histérica de o Estado intervir na vida da comunidade, regulamentando qual- quer atividade piblica e privada, cerceando, fiscali- zando e controlando. Esses tracos essenciais, aliados ‘aos contextos socials e econdmicos sempre comple- x0s e desafiadores, sao importantes & compreensio do papel reservado aos recursos humanos no apare- Iho administrative piiblico. A ateng&o dada aos recursos humanos na admi- nistragao publica sempre esteve aquém do minimo necessério, embora as miltiplas tentativas de reforma administrativa das iiltimas décadas defendessem, in- variavelmente, bandeiras como as de profissionaliza- 80 do servidor, sistema tnico de classificagio de cargos, mecanismos explicitos de admissio e promo cao. Anélise das trajetérias das tentativas de reforma administrativa (Wahrlich, 1974, 1983; Paiva Neto, 1974; Mitraud, 1976; Mendonga, 1986) deixa claras as dificuldades de implantar, efetivamente, conjuntos diversificados de medidas preconizadas para superar 0s problemas de deficiéncia de desempenho, moti- vaco e perda de servidores qualificados para o setor privado. Vérias medidas ocorreram, até mesmo na esfera de treinamento/qualificagao (inclusive com a criago de instituicdes e escolas voltadas para tal fim), sem haver mudangas perceptiveis no desempenho do servidor em seu conjunto. Em sintese, apesar de con- cebidas a partir de modelos tebricos predominantes em cada época, nunca houve condigées efetivas para a implantacao de adequada politica de recursos hu- manos no servico pablico. Nesse quadro geral incluem-se, certamente, as ins- tituigdes universitérias pablicas. A estrutura tradicio- ral que lhes caracterizou o surgimento (aglomerado de instituigdes antes isoladas) sofreu o impacto € as pressées dos desenvolvimentos cientifico e tecnolé- ico, incorporando a universidade especificidade pré- pria’e complexidade elevada ‘Segundo Fedrickson (1986, apud Leitéo, 1990), essa alta complexidade constitui “sua dimenséo es- trutural mais relevante. A variedade e a quantidade (porte da organizacéo) de areas de conhecimento especializagio com que lidam seus profissionais dao uma grande diferenciag’o, sobretudo horizontal, a essas organizacées, 0 que dispersa o poder e toma dificil a coordenacko e 0 controle das decis6es, re- querendo um proceso decisério descentralizado mais interativo e politico” Essa especificidade requer modelos administrati- vos adequados corpo de servidores capaz de con- tribuir para a consecugdio dos complexos objetivos organizacionais. No entanto, as universidades, em geral, adotam 0 modelo burocrético, excessivamente formalizado e centralizado. Por outro lado, a baixa remuneraco, especialmente para fungées tecno-cien- tificas, assessoria e direc8o, bem como 0 néo ofere- cimento de incentivos para a auto-realizacao do servidor, tornam dificil reter o pessoal qualificado. Mais do que isso, como afirma Campos (1990), 0 problema reside em sua incapacidade de estimular seus servidores a continuarem bons empregados. Tais discrepancias, logicamente, traduzem-se em deficién- cia no desempenho. Como salienta Abranches (1977), os estudos sobre © comportamento administrative tém enfatizado com exagero os aspectos organizacionais ¢ estruturais, em detrimento do psicossocial. Sem desconsiderar a im- portancia dos primeiros, o estudo do comportamento da administragdo pablica deve ultrapassar os limites formals e buscar "seu objeto na teia de relagdes so- ciais ndo-formalizadas que alimenta a dinamica orga- nizacional. [... Podendo-se...] chegar a uma explica- go adequada, por meio da combinac&o destes ele- mentos com as variéveis individuals, obtendo, assim, © contetido do préprio comportamento e da topolo- gia de relagées, transacées e contratos que se formam dentro da organizacéo” Entre as caracteristicas individuais de impacto no desempenho, investigadas com maior intensidade a partir dos anos 70, encontra-se 0 constructo de com- prometimento organizacional. ‘A majoria dos estudiosos concebe 0 comprome- timento envolvendo alguma forma de laco psicolégico entre pessoas e organizacdes. Buchanan (1974) re- lacionou algumas definigdes classicas. Lyman & Por- ter observaram-no como a boa vontade do empre- gado que se esforga no interesse da organizacéo a aceitacéo de seus maiores objetivos e valores. Shel- don considerou-o como a avaliagao positiva da orga- nlzag8o e a intengo de trabalhar para alcancar seus objetivos. Kantor definiu-o como a boa vontade de protagonistas sociais para dar energia ¢ lealdade & Revista de Administragso, Sio Paulo v. 28, n. 3, p. 50-61, julho/setembro 1993, 51 organizacao. Hrebiniak & Alluto consideraram-no como a relutancia em deixar a organizago para bus- car salatio, status ou liberdade profissional ou melhor ambiente de trabalho. Muitos outros autores propuseram definigSes instrumentos para avaliar 0 comprometimento orga- nizacional. Mowday, Porter & Steers (1982), apés ampla reviséo dessa literatura, definiram-no como “a forca relativa da identificacao e do envolvimento de um individuo com uma organizacéo particular” que se expressa em trés dimens6es: * fortes crenga e aceitacdo dos valores e objetivos da organizac&o; + desejo de exercer considerdvel esforgo em favor da organizag&o; + forte desejo de manter-se como membro da orga~ nlzagéo. A definicao e a escala propostas por esses autores tornaram-se as mais utilizadas em pesquisas sobre 0 tema, Comprometimento organizactonal tem sido estu- dado mais intensamente como preditor de absenteis- mo ¢ rotatividade. Seus antecedentes constituem am- plo leque de variévels que, segundo Mowday, Porter & Steers (1982), podem ser agrupadas em: variavels pessoais, caracteristicas do trabalho (ocupacionais), experiéncias no trabalho ¢ caracteristicas organiza- cionais. A literatura aponta, ainda, fatores extra-or- ganizacionais como altemnativas de emprego e grupos de referéncia fora da organizacao (Domstein & Ma- talon, 1989). A extensa literatura sobre os antecedentes de com- prometimento n&o permite reviséo exaustiva neste momento, Entretanto, como afirma Mottaz (1988), pouca concordancia existe sobre os determinantes do comprometimento, sendo a maioria dos resultados ainda inconsistente. Isto se deve, em parte, & exis- téncia de distintos modelos tebricos que conduzem & escolha de conjuntos de antecedentes diversificados. A abordagem proposta por Mowday, Porter & Steers (1982) —comprometimento como um vinculo afetivo — distingue-se, por exemplo, da abordagem caleu- Jativa ou instrumental em que o comprometimento @ visto como produto das trocas efetivadas com a organizag&o (sistemas de recompensas). ‘Mathieu & Zajac (1990) apresentam uma meta- andlise resumindo, entre outros, os resultados de pes- quisas sobre os antecedentes de comprometimento. Nesse trabalho, pode-se ter acesso a uma visso global na qual, consistentemente, varidvels so encontradas como relacionadas a niveis de comprometimento. Dentre as caracteristicas pessoais, as idades elevadas associam-se aos niveis mais altos de comprometimen- to, assim como a adogao de valores integrantes da ética protestante do trabalho. A correlacéo po- sitiva mais elevada ocorre, contudo, com relagko & percepeéo do individuo quanto sua competéncia pessoal. Relativamente as caracteristicas do trabalho, h& correlacées positivas significativas com variedade, caréter n&o-rotineiro e escopo do trabalho; no en- tanto, é reduzida a correlacéo com autonomia. Varias caracteristicas das relagées grupo‘lideranga mostram- se positivamente associadas ao comprometimento: interdependéncia das tarefas, comunicac&o do lider, estilo participativo, comportamentos de estruturago ¢ considerac&o do lider. Observam-se, também, cor- relag6es negativas moderadas entre comprometimen- to e ambiglidade, conflito e sobrecarga do papel. As correlagées entre comprometimento e caracteristicas organizacionais (tamanho, centralizacéo) s80 pratica- mente nulas. Existem varios estudos que apresentaram ou te taram modelos teéricos mais refinados sobre com- prometimento (Mathieu & Hamel, 1989; Mathieu, 1988; DeCotiis & Summers, 1987). Nessas pesquisas 08 autores recorreram a técnicas estatisticas que per- mitiram anélises de trajetéria das influéncias de con- junto de varlaveis sobre o nivel de comprometimento. Esses modelos, todavia, bastante diversificados entre 08 estudos e entre os grupos ocupacionais investiga- dos, no permitem, ainda, conclusées mais amplas sobre como as variévels pessoals e organizacionals interagem na determinacao dos niveis de comprome- timento da forga de trabalho. Outro conjunto importante de estudos constitui-se de anilises longitudinais (Mowday, Porter & Steers, 1982; Bateman & Strasser, 1984; Meyer & Allen, 1988) que buscam estabelecer vinculos causais entre antecedentes e comprometimento. Mowday, Porter & Steers, por exemplo, identificaram distintos ante- cedentes para momentos especificos da inser¢ao do trabalhador na organizagéo. O comprometimento ini- cial € afetado por caracteristicas pessoals, expectati- vas sobre o trabalho e caracterfsticas da escolha do mesmo, Durante o periodo experimental, ele & in- fluenciado por experiéncias pré-emprego, experién- cas iniciais no trabalho, supervisdo, grupo de tra- batho, salério, caracteristicas da organizacao, nivel de responsabilidade assumido e disponibilidade de ou- tros empregos. Fatores como tempo de servico, in- vestimentos, mobilidade no trabalho, envolvimentos socials, exercem maior impacto sobre 0 comprome- timento no longo prazo. Examinando a literatura podemos concluir, como Guest (1991), que dois conjuntos de antecedentes parecem ter claras implicagSes para a gestio ou as, politicas organizacionais que procuram gerar ou am- pliar o comprometimento. O primeiro diz respelto & importancia de servicos ajustados as expectativas dos individuos que apresentam padrées diferenciados de envolvimento com 0 trabalho. Isto demanda da g réncia grande cautela com as etapas de recrutamento, selegdo e socializacao. O segundo conjunto de varié- 52 Revista de Administrac8o, Séo Paulo v. 28, n. 3, p. 50-61, julho/sotembro 1993

Você também pode gostar