TESE DE DOUTORADO
Rio de Janeiro
Julho 2011
Schlee, Mônica Bahia.
CDD 712
ii
Para Bernardo e Elisa,
com amor
v
As paisagens nos fazem perguntas.
Pierre Gourou
A paisagem de hoje é um legado das heranças do passado. Sem entendê-las, não seremos capazes de
interpretá-la nem de intervir de forma adequada sobre ela.
vi
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer sinceramente a todos que me guiaram, me apoiaram, me indicaram caminhos e referências, me
ajudaram a descontrair e a enxergar mais além, participando de variadas formas desse trabalho.
A professora e orientadora Vera Regina Tângari, pela presença amiga e orientação segura, pelo apoio e confiança e por
me estimular a ter coragem de olhar os detalhes.
A professora e orientadora Ana Luiza Coelho Netto, pelo seu exemplo, pelas sugestões de direcionamentos e conversas
estimulantes.
A Alice Amaral dos Reis pela compreensão e apoio, pelos ensinamentos e pelo exemplo ao longo dos anos de
convivência profissional.
A Valdinam dos Santos, Raphael Urbano de Andrade e Ana Lúcia Costa Mendes, meus guias nas viagens pela Floresta
da Barra, Guararapes, Vila Cândido, Cerro-Corá e Rocinha, e ao PC da Rocinha pelas indicações e informações
valiosas.
Aos professores Maria Paula Albernaz, Jonathas Magalhães Pereira da Silva e Luiz Manoel Gazzaneo, membros da
banca, pelas valiosas sugestões e críticas construtivas.
Aos professores André Avelar e Henri Acselrad pelas ótimas aulas e sugestões de material bibliográfico.
Ao professor Maurício de Almeida Abreu pelo exemplo de dedicação e coerência nas pesquisas acadêmicas, pela
atenção e pela delicadeza em disponibilizar seus artigos referenciados esta pesquisa.
Aos companheiros do Grupo de Pesquisas SEL-RJ: Vera Tângari, Rubens de Andrade, Julieta de Souza Nunes, Andrea
Rego, Maria Angela Dias, Paulo Rheingantz, Noemia Figueiredo, Rita Montezuma, Rogerio Cardeman, Elaine Moreira,
Ines Isidoro, Maria Alice Sampaio, Luiz Neves e Denise Alcântara pelo apoio solidário, pelas trocas, pelos momentos de
descontração e pelas estimulantes discussões sobre sistemas de espaços livres.
Aos professores e colegas do Grupo de Pesquisas QUAPA/SEL-SP: Silvio Soares Macedo, Sonia Afonso, Stael de
Alvarenga Costa, Marieta Maciel, Eneida Mendonça e Aruane Garzedin pelas informações valiosas sobre as cidades
pesquisadas.
A Luiz Carlos de Toledo; à Mayerhofer e Toledo Arquitetura, Planejamento e Consultoria Ltda e ao Consórcio
Mayerhofer & Toledo, MPS, Locus e à Arquitraço pela cessão do mapeamento dos levantamentos de campo e acesso
aos relatórios de diagnóstico do Plano Sócio-Espacial da Rocinha e do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC
Rocinha.
Ao professor e coordenador do Grupo de Pesquisas QUAPA/SEL-SP, Silvio Soares Macedo, pela cessão das imagens
aéreas das cidades pesquisadas e pela ilustração da capa da tese.
vii
Ao professor Jonathas Magalhães Pereira da Silva, pela cessão dos esquemas gráficos utilizados nesta pesquisa.
Aos professores, colegas e amigos Maria Lais Pereira da Silva, Marcia Nogueira Batista, David Cardeman, Eduardo
Barra, Jacira Saavedra Farias, Andrea da Rosa Sampaio, Sergio Rodrigues Bahia, Anita Correa Lima, Solange
Carvalho, Lais Coelho e Rubens de Andrade pelas trocas, explicações, informações, dicas e empréstimos de material
bibliográfico.
Aos bolsistas e estagiários Brunna Wopereis, Cauê Capillé, Natalia Parahyba, Isabelle Fachetti, Raquel Meneses
Cordeiro (FAU/UFRJ) e Ingrid Araújo (IGEO/UFRJ) pela participação nos levantamentos, pela ajuda na preparação do
material gráfico e pela dedicação na preparação da editoração para a defesa da tese.
Aos colegas Adriano Alem, Gustavo Peres Lopes, Murilo Medeiros, Luiz Arueira da Silva, Marco Zambelli, Fernando
Cavalieri, Rita Luz dos Santos, Maria Ernestina Cunha, Luisa Dias, Martha Nunes, Myriam Geoffroy, Mariana Barroso
Ferreira, Georgete Barreto, Glória Torres, Maria Regina Pinho de Sá, Priscila Sholl Machado, Denise Melo, Marisa
Valente, André Peixoto, Mauro Reis, José Aureliano da Cunha Neto, Dauro Leite Filho, Oswaldo Gomes Pires, Maria
Cristina Tardin Costa, Antonio Correa, Heliete Soares, Lucia Vetter, Sabrina Gassner Ribeiro, Marília Borges, Leonor
Junqueira, Regina da Pós, Elcio Romão, Nelson Meirim, Luiz Brandão da Silva, Brasiliano Vito Fico, Leda Magno,
Roberto Rocha, Mauro Salinas, Paulo Fonseca, Antonio Humberto Gomes, Georgiane Costa e Pedro Jorgensen pelas
explicações, informações e disponibilização dos dados utilizados nesta pesquisa.
A Maria Rosália Guerreiro, que estudou as povoações localizadas em encostas em Portugal, pelas trocas durante o
International Seminar on Urban Form - ISUF 2011: Urban Morphology and the Post-carbon City, em Montreal, Canada e
pelo acesso à sua dissertação de mestrado.
Aos queridos Vera Tângari e Rubens de Andrade pelo auxílio luxuoso na virada da editoração e montagem da tese para
a defesa.
Ao meu companheiro de vida Bernardo pelo carinho, pelo estímulo e apoio (inclusive logístico, com computadores e
programas) e pelos nossos momentos de encontro.
Aos queridos Bernardo e Elisa, Iracema e Gustavo, Dalu e Antonio Augusto, Magda, Zé, Lucas e Antonio, Márcia,
Cláudio e Sofia, Cida e Júlio, Zeca e Marina, Crica, Evandro e Rafinha, Maurício, Carol e Clara, Ricardo e Dominichi
pelo carinho, pela presença, pelo apoio e pelos momentos felizes.
Aos queridos Ana Luiza Ehlers Melecchi, Charles e Jivan Goodman por me ajudar a enxergar a mesma imagem por
outros ângulos.
À Fundação Bento Rubião pelo acesso aos relatórios do Plano de Regularização Fundiária Sustentável da Rocinha.
Ao Laboratório GEOHECO/IGEO/UFRJ.
Ao Centro de Documentação da Secretaria Municipal de Habitação pelo acesso aos diagnósticos do Programa Favela-
Bairro relativos às comunidades analisadas.
viii
RESUMO
O objetivo da presente pesquisa é refletir sobre a situação atual da ocupação das encostas e seus
efeitos na transformação da paisagem da cidade do Rio de Janeiro, identificar os padrões morfológicos, os
processos e as lógicas que lhes deram origem e investigar a influência da legislação na sua formação,
transformação e disseminação sobre o território, bem como na gênese dos conflitos sócio-ambientais que aí
têm lugar.
Este trabalho fundamenta-se em contribuições da ecologia da paisagem, da morfologia urbana e da
arquitetura da paisagem e desenvolve-se em três escalas de análise. O primeiro nível de análise diz
corresponde à contextualização da cidade do Rio de Janeiro, em comparação a outras quatro cidades
brasileiras − Florianópolis, Vitória, São Paulo e Belo Horizonte, à luz dos aspectos geo-biofísicos,
paisagísticos e de regulação da ocupação e de proteção das encostas. O segundo nível de análise refere-se
à caracterização da ocupação nos maciços e morros isolados no contexto intra-urbano da cidade do Rio de
Janeiro. O terceiro nível de análise diz respeito à ocupação das encostas no Maciço da Tijuca, onde se
localiza o único Parque Nacional brasileiro integralmente urbano; com foco em três áreas de maior
detalhamento, localizadas em áreas sujeitas a intensa pressão urbana decorrente da progressiva valorização
imobiliária, em suas vertentes sul, leste e oeste, nas bacias de São Conrado e do Rio Rainha, do Rio Carioca
e do Rio Cachoeira.
Parte-se do pressuposto de que uma leitura sistêmica da paisagem urbana implica em análises
complementares do suporte geo-bio-físico e do suporte construído em diversas escalas, articuladas a
diagnósticos comparativos a outros contextos de referência. A partir dessa premissa, defende-se a hipótese
de que a morfologia da paisagem das encostas reflete a lógica dos processos que a produziram ao longo do
tempo e a influência da legislação que incide sobre ela. Defende-se também que os espaços livres
localizados nas encostas são fundamentais para fortalecer a aplicação de instrumentos legais destinados à
proteção das florestas urbanas no Rio de Janeiro.
ix
ABSTRACT
The goal of the present research is to reflect on the existing conditions of the occupation of the
mountains and its effects on the transformation of the urban landscape of Rio de Janeiro, to identify the
morphological patterns, processes and the logic that originated them and to investigate the influence of
legislation on its configuration, transformation and sprawl over the territory, as well as the origin of social-
environmental conflicts which take place there.
This work is based on contributions of the fields of landscape ecology, urban morphology and
landscape architecture and is developed in three scales of analysis. The first level of analysis is the city of Rio
de Janeiro and its national context, in comparison with four other Brazilian cities – Florianópolis, Vitória, São
Paulo and Belo Horizonte – in the light of geo-physical, regulatory and landscape protection aspects. The
second level of analysis corresponds to the characterization of the occupation in the massifs and isolated hills
within Rio de Janeiro City limits. The third one comprises the urban occupation process of Tijuca Massif,
where the only totally urban Brazilian National Park is located, with focus on three case studies, situated in
areas subject to intense pressure from real-estate market in the south, east and west slopes of Tijuca Massif,
in São Conrado, Rainha, Carioca and Cachoeira river basins.
The research assumes that a systemic analysis of the urban landscape implies on complementary
and integrated studies of the geo-physical and the built environments on different scales, in articulation to
assessments in other referential contexts. From this premise, the supported hypothesis stands that the
morphology of the mountainous landscape of Rio de Janeiro reflects the logic of the processes occurred over
time and the influence of the legislation which regulates it. It is also argued that the open spaces located on
the mountains are critical to strengthening the application of legal instruments dedicated to the protection of
Rio de Janeiro’s urban rainforests. The approach proposed in this research and its developments indicate that
the urban planning, the regulation and the logic of both formal and informal occupation in the edge in between
the forest and the urban tissue on the slopes need to be adjusted in order to enable the open space system to
reverse the situation of instability and spatial segregation in the borders of the protected areas.
x
LISTA DE FIGURAS
Fig. 7. Rio de Janeiro: Domínios montanhosos e mancha urbana na Cidade do Rio de Janeiro.
Fig. 8 a e b. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona sul.
Fig. 17. Região que apresenta os maiores índices de ocorrências de deslizamentos em áreas urbanas.
Fig. 19 a e b. Rio de Janeiro: Igrejas e fortificações em topos de morros junto à Baia da Guanabara.
Fig. 21. Rio de Janeiro: Relação de contigüidade entre a ocupação formal e informal.
Fig. 22. Rio de Janeiro: Configuração da ocupação formal e informal na Bacia do Rio Carioca
Fig. 25. Belo Horizonte: exemplo de padrão de ocupação ao longo das curvas de nível.
Fig. 26. São Paulo: exemplo de ocupação de alto padrão na Serra da Cantareira.
Fig. 27 a e b. Belo Horizonte/Nova Lima: as cicatrizes deixadas pela exploração mineral nas encostas.
Fig. 29. Belo Horizonte: Contigüidade espacial entre a ocupação formal e a informal.
Fig. 31 a e b. Rio de Janeiro: Relação volumétrica e contigüidade espacial entre a ocupação formal e informal.
xi
Fig. 32 a e b. Florianópolis: Anel viário em torno dos maciços e núcleos de ocupação dispersa.
Fig. 33 a e b. Perfil longitudinal leste-oeste e transversal norte-sul dos maciços costeiros do Rio de Janeiro.
Fig. 34. Relação entre o suporte geo-biofísico e os padrões de ocupação na cidade do Rio de Janeiro.
Fig. 35. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona sul.
Fig. 36. Perfil montanhoso do Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, na vertente voltada para a zona norte.
Fig. 37. Perfil montanhoso do Maciço da Pedra Branca, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Fig. 38. Relação de contigüidade espacial entre núcleos de ocupação formal e informal no bairro do Itanhangá.
Fig. 42. Ocupação formal de alto padrão entre os bairros de São Conrado e Barra da Tijuca.
Fig. 43. Ocupação nas encostas de Barra de Guaratiba, na zona oeste da Rio de Janeiro.
Fig. 45. Ocupação agrícola dispersa nas encostas de Jacarepaguá, a oeste do Maciço da Tijuca.
Fig. 48. Núcleo de ocupação residencial vinculada ao exército na elevação que separa Botafogo e Copacabana.
Fig. 49 a, b e c. As impressionantes escarpas e pontões rochosos que caracterizam a paisagem do Rio de Janeiro.
Fig. 52. O avanço gradativo da ocupação sobre as encostas da Pedra da Panela, na Barra da Tijuca.
Fig. 54. O conjunto residencial composto por edificações escalonadas ao longo das curvas de nível no Humaitá.
Fig. 55. Ocupação formal nas encostas do Morro da Saudade, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas.
Fig. 56. Enclave de ocupação formal nas encostas da Avenida Niemeyer, entre a Rocinha e o Vidigal.
Fig. 57. Conjunto residencial composto por seis edifícios em fita e parque Eduardo Guinle em Laranjeiras.
Fig. 60 a e b. Conjuntos de edifícios habitacionais verticalizados no sopé das encostas da zona sul e da zona norte.
xii
Fig. 62. Morro da Providência: uma das primeiras favelas do Rio de Janeiro.
Fig. 63 a, b e c. A interface entre a floresta e os núcleos de ocupação formal e informal no Cosme Velho.
Fig. 67. Risco iminente de queda de lascas rochosas na vertente a jusante do Morro Dois Irmãos, na Rocinha.
Fig. 68. Interface e relação de contigüidade nas bordas entre os tecidos formal e informal no Cosme Velho.
Fig. 69 a e b. Contraste entre a ocupação da Rocinha e a ocupação formal no alto do bairro da Gávea.
Fig. 70 a e b. Contraste entre a densa ocupação da Rocinha na vertente voltada para o bairro de São Conrado.
Fig. 72. Relação de contigüidade espacial entre os núcleos de ocupação formal e informal no bairro do Itanhangá.
Fig. 73. Característica do parcelamento, da volumetria construtiva e dos espaços livres no Cosme Velho.
Fig. 74. Característica do parcelamento, da volumetria construtiva e dos espaços livres na Gávea.
Fig. 75. Característica do parcelamento, da volumetria construtiva e dos espaços livres no Itanhangá.
Fig. 77 a, b, c, d. Cicatrizes dos deslizamentos de abril de 2010 nas áreas do Cosme Velho e Gávea.
Fig. 79. Soluções de contenção e estabilização de encostas executadas pelos moradores na Rocinha.
Fig. 80. Núcleos de ocupação formal na confluência entre Santa Teresa e Cosme Velho.
Fig. 82. Mina d’água e tanques coletivos em Guararapes: espaço coletivo para lavagem de roupas.
Fig. 84. Um dos eixos da ocupação em Guararapes, chamado de Via Carioca, ao longo do Rio Carioca.
Fig. 88. Trecho da ocupação informal localizado sobre domínio público no Cosme Velho.
Fig. 92 a e b. Ocupação informal: Esquemas gráficos dos tipos arquitetônicos sobre rocha e sobre solo
xiii
Fig. 93 a e b. Edificações sobre pilares aparentes na Floresta da Barra e no Complexo Guararapes.
Fig. 94 a, b e c. A precariedade da ocupação informal aumenta em direção às bordas dos assentamentos informais.
Fig. 95. Verticalização ao longo do eixo de ocupação na Gávea e o sistema de espaços livres.
Fig. 96 a, b, c e d. A verticalização acontece tanto nas áreas formais quanto nas informais.
Fig. 98. Edificações construídas pelo poder público municipal no Laboriaux em 1982.
Fig. 99 a e b. Fronteiras fluidas e relação de contigüidade espacial entre os tecidos formal e informal no Cosme Velho.
Fig. 100. Na Gávea, a segregação entre os dois tipos de tecido é mais evidente.
Fig. 101 Acesso à área com titularidade indefinida localizada entre loteamentos fechados, no Itanhangá.
Fig. 102 a e b. Uso comercial ao longo do eixo que liga o Complexo Guararapes aos bairros vizinhos.
Fig. 103. Uso comercial ao longo do eixo que liga a Rocinha aos bairros vizinhos.
Fig. 104 a e b. Uso comercial ao longo do eixo que liga a Floresta da Barra ao Itanhangá.
Fig.105 a, b e c. Presença do uso institucional religioso de diferentes orientações nos núcleos de ocupação informal.
Fig. 106 a e b. O comércio e armazenagem de gás liquefeito nos núcleos de ocupação informal.
Fig. 108. Queda d’água do Rio Cachoeira, espaço de lazer apesar da poluição, junto à favela Floresta da Barra.
Fig. 109 a, b, c e d. Envoltória de espaços livres com caráter ambiental em torno núcleos de ocupação.
Fig. 110. Ocupações irregulares e despejo de lixo em Áreas de Preservação Permanente na Floresta da Barra.
Fig. 111. Os pequenos largos localizados no entroncamento dos eixos de ligação no Come Velho.
Fig. 112. A densa massa edificada na Rocinha e os espaços livres coletivos no miolo da ocupação.
Fig. 118. Praça sobre um córrego na Floresta da Barra, Itanhangá, pelo Programa Favela-Bairro.
Fig. 121 a e b. Os becos e vielas são os lugares de brincar nos núcleos informais.
xiv
Fig. 123. Quintais na Floresta da Barra, Itanhangá.
Fig. 125 a e b. Ruas com acesso controlado no Cosme Velho, na Gávea e no Itanhangá.
Fig. 126 a e b. Ausência de calçadas nos loteamentos de alto padrão na Gávea e no Itanhangá.
Fig. 127 a. b e c. A atrofia dos percursos nos becos e vielas nos núcleos de ocupação informais é recorrente.
Fig. 128 a e b. Edificações avançam sobre o espaço aéreo dos caminhos, formando túneis.
xv
LISTA DE MAPAS, QUADROS E TABELAS
Mapa. 3. Hipsométrico
Mapa 18. Maciço da Tijuca: Localização dos recortes espaciais analisados e o Parque Nacional da Tijuca
Mapa 19. Áreas urbanizadas e áreas com ocupação efetiva - Cosme Velho
Mapa 25. Maciço da Tijuca: Espaços livres com caráter ambiental e espaços livres com caráter de urbanização
xvi
Mapa 32.Maciço da Tijuca: Vetores de indução da ocupação
xvii
Mapa 62. Usos – Itanhangá
QUADROS
Quadro 1: Modelo do Quadro Síntese - Contextualização da ocupação nas encostas em cidades brasileiras
Quadro 2: Modelo da Matriz Temática - Contextualização da ocupação nas encostas nos recortes territoriais
TABELAS
Tabela 2: Cidade: Área territorial acima da cota 100m por Área de Planejamento (AP)
Tabela 6. Cidade: Densidades e taxa de ocupação médias nas áreas urbanas formais acima da cota 60m
xviii
AUTORIA DAS IMAGENS, MAPAS, ILUSTRAÇÕES E LEVANTAMENTOS
xix
FONTES ICONOGRÁFICAS E CARTOGRÁFICAS CONSULTADAS
xx
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1
Quadro conceitual e metodológico
CAPÍTULO 2
Os processos de ocupação das encostas e a influência da legislação em cinco cidades brasileiras
– estudo comparativo
CAPÍTULO 3
Processos de ocupação e a influência da legislação nas encostas do Rio de Janeiro
xxi
3.3. Gênese, processos e agentes de formação e transformação 138
CAPÍTULO 4
Singularidades, relações e contrastes em três recortes territoriais no Maciço da Tijuca
– estudo comparativo
xxii
INTRODUÇÃO
O conflito existente entre o crescimento urbano e a proteção ambiental nas cidades tem sido objeto
de inúmeros debates, tanto em nível mundial, como em âmbito nacional. Várias são as linhas de investigação
dirigidas a esta questão. A partir de uma visão sistêmica, a proposta dessa pesquisa é fazer uma leitura
transescalar da paisagem das encostas da cidade, pelo viés da morfologia da paisagem, integrando
abordagens de campos disciplinares diversos com ênfase nas contribuições da ecologia da paisagem, da
morfologia urbana e da arquitetura da paisagem de modo a subsidiar iniciativas de proteção da paisagem
e de ordenamento da ocupação do território.
O presente trabalho desenvolve-se em três escalas de análise: a cidade do Rio de Janeiro e sua
contextualização, em comparação a outras quatro cidades brasileiras − Florianópolis, Vitória, São Paulo e
Belo Horizonte, à luz dos aspectos geo-biofísicos, paisagísticos e de regulação da ocupação e de proteção
das encostas; a caracterização da ocupação nos maciços e morros isolados no âmbito da cidade do Rio de
Janeiro no contexto intra-urbano; e a ocupação urbana no Maciço da Tijuca, onde se localiza o único Parque
Nacional brasileiro integralmente urbano; com foco em três áreas de maior detalhamento, localizadas em
áreas sujeitas a intensa pressão urbana decorrente da progressiva valorização imobiliária, em suas vertentes
sul, leste e oeste, nas bacias de São Conrado e do Rio Rainha, do Rio Carioca e do Rio Cachoeira (Figura 1
e Mapa 1).
INTRODUÇÃO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 1
As montanhas são marcantes na paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Configuram-se como
suporte da interface entre matrizes distintas a floresta, a cidade e o mar que se encontram em
processo contínuo de transformação devido a fatores diversos. A fronteira entre a cidade e a floresta tropical
apresenta padrões espaciais, relações e limites, à primeira vista nebulosos, uma vez que as manchas de
ocupação urbana mesclam-se às florestas que as envolvem.
As lógicas de ocupação se rebatem sobre as lógicas do suporte geo-biofísico, com maior ou menor
grau de adequação, configurando uma área extremamente heterogênea e dinâmica, sob constante mutação,
sujeita a conflitos e instabilidades ambientais e sociais. Desmatamento, exploração vegetal e mineral,
agricultura, abertura de vias, urbanização, apropriação irregular da terra, desabamentos, reflorestamento,
regeneração natural, polarização social e segregação espacial vários foram os processos que deixaram
suas marcas gravadas na paisagem.
Ao integrar conceitos e métodos de campos disciplinares complementares, propõe-se desenvolver
uma metodologia que possa contribuir para esclarecer as relações entre estes padrões e os processos que aí
têm lugar, de modo a auxiliar na caracterização das áreas de pressão nas bordas da floresta e subsidiar
futuros esforços de re-organização do território. Trata-se de tema emergente e que envolve múltiplos
aspectos, tendo gerado intenso debate, em âmbito municipal, sob o enfoque da ocupação desordenada das
montanhas cariocas. Nesse contexto, a presente pesquisa se propõe a descobrir similaridades, estudar
princípios universais presentes na heterogeneidade, entender o significado dos padrões e processos, e
identificar singularidades, relações, correspondências, contrastes e conflitos, em busca de uma análise que
supere o dualismo tradicionalmente aplicado aos diagnósticos do suporte geo-biofísico e do suporte
construído, fornecendo subsídios para a elaboração de políticas públicas que aproximem as questões urbana
e ambiental e tenham como foco a proteção de paisagens.
Indicadores utilizados em estudos prévios (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000 e SCHLEE, 2002)
demonstraram que o processo de transformação da paisagem vem ocorrendo com especial intensidade na
área de fronteira entre a floresta e a malha urbana, ao longo da zona de ruptura de gradiente (degrau
estrutural), onde as declividades são mais acentuadas. Este trecho das encostas vem sofrendo fortes
impactos em toda a cidade do Rio de Janeiro e, em especial, nas bacias hidrográficas do Maciço da Tijuca,
que se degradaram em graus diferenciados nas últimas décadas (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000).
Este fato nos instiga a explorar com mais aprofundamento as relações de interdependência entre os padrões
espaciais da paisagem das encostas cariocas e os processos naturais e socioculturais que estes refletem. À
preocupação com a biodiversidade e a manutenção dos processos ecológicos que garantem a
sustentabilidade ambiental urbana, somou-se a necessidade de reconhecer a sóciodiversidade e entender as
inter-relações e conflitos entre agentes, estratos e aspectos que ainda são tratados como estanques e
apartados.
INTRODUÇÃO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 5
O problema
As encostas da cidade do Rio de Janeiro se caracterizam como um mosaico de paisagens
heterogêneo e dinâmico, configurando-se como uma zona de fronteira entre a cidade e a floresta, onde a
matriz floresta ainda desempenha o papel de maior destaque na composição da paisagem da cidade, apesar
da pressão urbana exercida em suas bordas. Do mesmo modo que a floresta é composta por um gradiente
de fragmentos em estágios sucessionais diferenciados1, a mancha urbana, ao se expandir sobre as
encostas, também não se configura de modo uniforme, compondo-se de tecidos sociais e espaciais
diferenciados: de um lado, a pressão exercida pelo mercado imobiliário formal; de outro, a expansão das
favelas e loteamentos irregulares. A crescente pressão urbana sobre as encostas é o principal fator
relacionado à retração da floresta carioca, a qual, por sua vez, ocasiona desabamentos a cada evento de
chuva de maior intensidade. Quando esses deslizamentos atingem áreas ocupadas pela mancha urbana,
suas conseqüências tornam-se catastróficas. Diante deste quadro, esta pesquisa visa contribuir para a
identificação dos processos de ocupação e das lógicas a estes vinculadas, de modo a auxiliar a
compreensão dos conflitos sócio-ambientais decorrentes.
Questões relacionadas
As seguintes questões orientaram a condução da presente pesquisa e guiaram os argumentos aqui
defendidos:
Como se constitui a lógica de ocupação das encostas urbanas e qual a natureza da pressão que é exercida
sobre elas?
Quais as relações entre os processos de transformação dessa paisagem e os padrões espaciais que a
conformam?
Qual a influência da legislação nesse processo?
Quais os conflitos socioambientais decorrentes desta relação?
Qual o papel dos espaços livres na composição dessa paisagem?
Objetivo e hipóteses
Orientada por estes questionamentos, a presente pesquisa tem como objetivo refletir sobre a
situação atual da ocupação das encostas e seus efeitos na transformação da paisagem da cidade do Rio de
Janeiro, investigar a natureza da pressão que é exercida sobre a floresta, buscando relacionar padrões
morfológicos, processos e as lógicas a estes vinculados, e investigar a influência da legislação que incide
1Em 2000, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o Maciço da Tijuca apresentava 68% de sua área territorial coberta
por florestas (florestas em estágio avançado de regeneração, florestas alteradas e bananais). Esse percentual era equivalente a 58%
no Maciço da Pedra Branca e a 85% no Maciço de Gericinó/Mendanha (SMAC 2000).
INTRODUÇÃO
6 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
sobre os domínios montanhosos, buscando entender os conflitos sócio-ambientais2 decorrentes. Ao fazer
uma leitura transdisciplinar dos processos de transformação da paisagem nas encostas na cidade do Rio de
Janeiro, examina relações de interdependência e singularidades intra-urbanas, e coteja-as com os processos
que tiveram lugar em outras cidades brasileiras. Na busca de um melhor ajuste entre os elementos que
conformam essa paisagem, contribui para ressaltar o potencial do sistema de espaços livres como elemento
chave para repensar a ocupação nas encostas cariocas.
Parte-se do pressuposto que uma leitura sistêmica da paisagem urbana implica em análises
complementares do suporte natural (aspectos geo-bio-físicos) e do suporte construído (padrões de
parcelamento, usos, volumetria e espaços livres) em diversas escalas, articuladas a diagnósticos
comparativos a outros contextos de referência e embasadas por uma fundamentação teórica que integre
contribuições da ecologia da paisagem ao escopo metodológico da arquitetura da paisagem e da morfologia
urbana.
A partir dessa premissa, defende-se a hipótese de que a morfologia da paisagem das encostas
reflete a lógica dos processos que a produziram ao longo do tempo e a influência da legislação que incide
sobre ela. A leitura transescalar e em diferentes contextos pode auxiliar no entendimento da lógica dos
processos que moldaram a paisagem montanhosa atual do Rio de Janeiro e na formulação de estratégias e
instrumentos para sua efetiva proteção e fruição. A interdependência entre os processos de transformação,
as normas de regulação da ocupação urbana e os padrões espaciais observados potencializam os conflitos
sócio-ambientais decorrentes da pressão urbana exercida sobre as encostas e conduzem a um quadro de
segregação sócio-espacial que caracteriza esta porção do território.
Derivadas dessa hipótese principal alinham-se duas hipóteses complementares:
A zona de fronteira entre a floresta e a malha urbana sobre as encostas do Rio de Janeiro
caracteriza-se como uma zona de transição e instabilidade, heterogênea e dinâmica. Nessa zona é possível
discernir faixas com configurações distintas, cujas lógicas internas de estruturação afetam a configuração das
demais, causando impactos, tensões e conflitos:
Florestas conservadas com focos de ocupação urbana isolados (tecido com predomínio da
floresta como matriz da cobertura do solo)
Mescla de fragmentos florestais e fragmentos de mancha urbana formal e informal, com
predominância da floresta (tecido onde a matriz da cobertura do solo é configurada pela mistura de floresta e
mancha urbana)
Mescla de fragmentos de mancha urbana formal e informal e fragmentos florestais, com
predomínio da mancha urbana (tecido onde a matriz da cobertura do solo é configurada pela mistura de
floresta e mancha urbana)
2Entende-se por conflitos sócio-ambientais os confrontos ou litígios inerentes aos valores e interesses da sociedade em relação a
questões ambientais, vinculados à apropriação, ao controle e ao ordenamento territorial e às condições de vida deles derivadas.
INTRODUÇÃO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 7
Mancha urbana consolidada com focos de fragmentos florestais (tecido urbano consolidado
onde a matriz de cobertura do solo é a mancha urbana)
Essas faixas conformam um gradiente de ocupação urbana e de proteção em relação às florestas,
onde as faixas internas (faixas de mescla) são as que sofrem transformações mais dinâmicas, onde as
tensões e conflitos se configuram de forma mais evidente, repercutindo e causando impactos nas faixas
exteriores.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, tornou-se clara a relação entre a configuração em faixas
e a forma como a legislação que incide sobre as encostas tem sido formulada para lidar com a questão da
tridimensionalidade. A legislação (urbanística e ambiental) destinada, tanto a proteger, quanto a regular a
ocupação das encostas, expressa processos e lógicas divergentes, ora comprometendo, ora contribuindo,
para garantir as condições ambientais e paisagísticas urbanas.
Defende-se também que os espaços livres de edificação, ou seja, os espaços não edificados,
localizados nas encostas são fundamentais para fortalecer a aplicação de instrumentos legais destinados à
proteção das florestas urbanas no Rio de Janeiro e integrar tecidos urbanos segregados. A abordagem
proposta nesta pesquisa e seus desdobramentos indicam que o planejamento urbanístico, a ordenação e a
lógica da ocupação formal e informal na fronteira entre a floresta e a malha urbana sobre as encostas
necessitam passar por um processo de ajuste, no qual o sistema de espaços livres, os usos a eles atribuídos
e as formas de sua apropriação podem reverter a situação de instabilidade e segregação espacial nas bordas
das áreas protegidas. Nesse contexto, a conciliação compactuada entre os agentes produtores desta porção
do espaço adquire importância fundamental.
INTRODUÇÃO
8 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
CAPÍTULO 1
1.1.1. Paisagem
A paisagem foi inicialmente percebida como uma expressão materializada, idealizada e reduzida,
das relações do homem com a natureza em uma determinada porção do espaço em um dado momento5
(CLAVAL, In: CORRÊA e ROSENDAHL, 2004). A partir da abordagem de Eduard Suess no final do século
3As passagens consideradas chave para subsidiar esta discussão foram revisitadas na presente pesquisa. Para conhecer a íntegra
do artigo, ver: SCHLEE, Mônica Bahia; NUNES, Maria Julieta; REGO, Andrea Queiroz; RHEINGNTZ, Paulo; DIAS, Maria Ângela;
TÂNGARI, Vera Regina. Sistema de Espaços Livres nas Cidades Brasileiras – Um Debate Conceitual, publicado na Revista
Paisagem e Ambiente: Ensaios, nº 26, São Paulo: FAUUSP, ISSN 01046098. 2009. p. 225-247.
4 A contribuição da geografia cultural para a decodificação do significado destes conceitos encontra-se documentada na Coleção
Geografia Cultural, organizada por Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendaahl. Neste estudo foram consultados especialmente os
volumes CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs). Cultura, espaço e o urbano. Coleção Geografia Cultural. Rio de
Janeiro: EDUERJ, 2006. 166p; CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs). Paisagem, Textos e Identidade. Coleção
Geografia Cultural. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004. 180p e CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (orgs). Paisagem,
Tempo e Cultura. Coleção Geografia Cultural. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. 123p.
5O termo surge no século XV para designar um fragmento da natureza, tal como vista através de um enquadramento. A partir do
domínio da perspectiva, o termo ganha novos significados e ampliam-se as possibilidades de representá-la.
1.1.2.Território
O conceito de território é definido como espaço físico delimitado que acolhe significados sociais e
psicológicos e é condicionado por valores culturais (FISCHER, 1994: 17). Relaciona-se à expressão de
poder, domínio, influência e apropriação sobre uma parcela do espaço, e à manutenção de um modo de vida
ou de identidade (SOUZA, 1995), através da “imposição de regras de acesso, de circulação, da normatização
de usos, atitudes e comportamentos” (GOMES, 2002: 12). Para Fisher (1994: 23-24), o território é um “lugar
socializado” onde as “características físicas e os aspectos culturais que lhe são atribuídos se combinam em
um único sistema”. O território pressupõe a construção de laços afetivos ligando o espaço vivido à trajetória
pessoal, familiar e comunitária e à construção de um “mundo comum’” tecido no tempo, que converge no
sentido de um “enraizamento”, em uma mistura das trajetórias pessoais, sociais e espaciais.
Como argumentaram Souza (1995) e Gomes (2002), o território ou espaço social ao mesmo tempo
inclui e exclui, é objeto de mecanismos de controle e subversão. Gera raízes, suscita vínculos, afinidades,
1.1.3. Fronteira
A exemplo da noção de território, a definição de fronteira foi inicialmente associada à idéia de limite
entre partes distintas, extremidade de determinada área territorial. Fronteiras referem-se também a espaços
a serem conquistados, espaços de penetração e avanço da civilização, conforme observou Silva (2006: 25).
Em termos morfológicos, os limites podem funcionar como barreiras abruptas e impenetráveis ou como uma
pele, uma costura ao longo da qual dois tipos de tecido ou fragmentos se tangenciam e estabelecem algum
tipo de conexão (FORMAN 1995: 83). Em termos de dinâmica ecológica, as bordas ou fronteiras apresentam
características diferenciadas em relação ao interior da matriz dos núcleos centrais, dependendo de seu
arranjo espacial. Mais recentemente, o conceito de fronteiras tem se expandido para incorporar a noção de
mudança, transformação, mutação. Neste sentido, incorpora a dimensão do tempo, como lugar onde a
dinâmica das relações sociais contemporâneas reflete temporalidades históricas distintas e diferentes níveis
de desenvolvimento econômico associados a modos de vida diversos.
Uma das dimensões da estrutura urbana contemporânea é caracterizada pela dualidade pólo-franja
ou centro-periferia (ARAÚJO, 2007). O pólo detém a maior força, convergente e atratora. A franja, zona de
fronteira, se constitui por uma forma fluida, híbrida e, portanto, heterogênea, sem limites definidos, sujeita a
mutações. Como uma área de transição, região de contato entre extremos, entre pólos opostos, proporciona
a aparição de elementos híbridos, heterogêneos. Também podem ser pensadas como áreas peri-urbanas
pouco estruturadas onde é clara a tensão entre as populações instaladas sobre ecossistemas
ambientalmente valorizados situados na linha de expansão da cidade (GUERRA 2005: 53 e 59) ou como
zonas de conflito, na medida em que a pressão exercida pela atividade imobiliária contrapõe-se à proteção
ambiental (RODRIGUES, In: FERNANDES e RUGANI, 2002: 182). Pela sua própria natureza, suscitam
tensões e conflitos. As barreiras, por sua vez, são bordas que demarcam limites, separando dois tipos de
fragmentos de forma abrupta, encapsulando-os. Não apresentam transição, são linhas demarcadas com
precisão e rigor. A noção de barreira evoca a idéia de obstáculo de natureza biosífica ou artificial.
Panerai (1999: 65-66) refere-se à noção de fronteira para especificar a porção do território urbano
que limita sua expansão por determinado período, mas que pode vir a constituir outro pólo futuramente. Este
autor reconhece o atributo transitório, efêmero que caracteriza uma região de fronteira, materializada
espacialmente como uma área de inflexão entre diferentes tecidos urbanos em transformação. Ou, conforme
observou Solà-Morales (2002), paisagens de fronteira são constituídas por formas fluidas, “cambiantes”.
Neste sentido, a região de contato entre extremos proporciona a aparição de elementos híbridos,
heterogêneos, contrapondo-se à limitação física imposta por barreiras estanques que impedem ou dificultam
o contato e a troca entre diversidades.
1.1.4. Sistema
A teoria dos sistemas, formulada na década de 1950 pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy (1973: 83),
possibilitou um modo de enxergar, pensar e agir sobre conjuntos complexos, formados por elementos
interativos em permanente transformação, resultante de relações que se estabelecem entre si ou entre estes
elementos e seu contexto mais amplo. Esta teoria teve rebatimento nos mais diversos campos do
conhecimento e estabeleceu um instrumental metodológico para interpretar e lidar com a crescente
complexidade decorrente da potencialização da diversidade e da hiper-fragmentação da atualidade, a partir
da incorporação da noção de relatividade, fundada na compreensão de que o comportamento de cada
elemento de uma totalidade varia em função de sua relação com os demais, formando um tecido cujo estado
é de permanente transformação.
Milton Santos (1988) apontou a potencialidade do emprego da teoria dos sistemas para a
compreensão da dinâmica urbana. Ao articular a idéia de sistema à noção de estrutura espacial, Santos
apontou três dimensões fundamentais: (1) a relação com o contexto mais amplo; (2) o intercâmbio entre
subsistemas (ou subestruturas); e (3) a evolução inerente a cada parte ou elemento do sistema tomado
isoladamente. Segundo Capra (1997), o pensamento sistêmico opera com três elementos interdependentes:
(1) padrão de organização – configuração dos componentes que condicionam as características essenciais
CAPÍTULO 1: QUADRO CONCEITUAL E METODOLÓGICO
A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS 15
de um sistema; (2) estrutura – inter-relação e incorporação do padrão de organização e das relações entre os
componentes do sistema (sua forma, composição, ordenação) no espaço; (3) processo – atividade envolvida
na organização do sistema que envolve a idéia de tempo, duração, ação continuada, que liga o padrão à
estrutura.
Para D’Agostini e Cunha (2007), um sistema é constituído por um conjunto de relações funcionais,
estruturais e morfológicas que acontece em um espaço ou entre diferentes espaços, cuja organização tem
um significado. Os sistemas podem ser formados não só por componentes concretos que se inter-
relacionam, como podem configurar-se em sistemas de relações, de valores, de leis, de interesses.
Conforme explicou Morin (2008: 157) as articulações entre elementos inter-relacionáveis definem e estrutura
do sistema. Todo sistema é parte de um sistema mais amplo e cada parte influencia e é influenciada pelo
todo.
Do ponto de vista da psicologia social, Fischer (1994) reconhece que os ambientes humanos podem
ser apreendidos sob a forma de um sistema sócio-espacial que guarda relações em dois níveis: o
macrossocial, o espaço ao nível da sociedade global (região, cidade, bairro) e o microssocial, em escala de
vizinhança, ou em ambientes circunscritos onde se desenrola a vivência cotidiana. Estas duas matrizes, a
macro e a microssocial são interdependentes, encaixam-se e se interconectam.
Com base nestes conceitos, entendo que a zona de interface entre a matriz floresta e a matriz
cidade localizada nos domínios montanhosos urbanos deve ser tratada como um sistema derivado da
interação entre o suporte geo-biofísico e o suporte construído, no qual a interdependência entre conjunturas,
acontecimentos, transformações e configurações nas diferentes escalas espaciais definem sua estrutura e
modelam sua dinâmica. O conceito de sistema foi aplicado na análise dos espaços livres de edificação
observados em campo, nos estudos de caso abordados no Capítulo 4.
O termo “espaços livres” também é impregnado de múltiplos significados. Miranda Magnoli (1982) os
definiu como espaços sem edificação, isto é, espaços não edificados, que incluem os quintais, jardins
públicos ou privados, as ruas e avenidas, as praças e os parques, os rios, as florestas, os manguezais e as
praias, ou ainda quaisquer áreas sem ocupação. Kevin Lynch (1984) referia-se a espaços abertos em
contraposição aos espaços fechados das edificações. Segundo Silvio Macedo et al (2007), os espaços livres
compõem um sistema, apresentando relações de conectividade e complementaridade, mesmo que estes não
tenham sido planejados ou implantados como tal. Estes espaços formam, conforme sugere Catharina Lima,
um “tecido pervasivo”, que permeia todo o espaço urbano, justapondo-se ao sistema de objetos edificados e
seu correspondente sistema de ações ou, de acordo com Gilles Clément (2004), um mosaico rico de
manifestações onde se mesclam a diversidade biofísica e cultural. São eles que, quase sempre, constituem o
maior percentual do solo das cidades brasileiras, mesmo entre as mais populosas (LIMA, 1996).
Conforme demonstrado em Tângari et al (no prelo), são considerados espaços livres com caráter
ambiental, os espaços livres de edificação destituídos de ocupação ou urbanização, cuja função primordial é
a proteção ambiental, e espaços livres de edificação com caráter de urbanização, os espaços livres de
edificação que exerçam funções urbanas vinculadas à permanência, à circulação e ao lazer e à recreação,
por exemplo. Os espaços livres com caráter ambiental podem envolver ou permear os núcleos de
ocupação e incluem os espaços livres protegidos pelas Unidades de Conservação de Proteção Integral e os
integrantes das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, pelas áreas de preservação permanente,
pelas reservas florestais, os espaços livres localizados nas zonas de amortecimento, e ainda as áreas com
cobertura vegetal arbórea, gramíneas e os afloramentos rochosos protegidos ou não e os espaços livres
residuais, que correspondem às áreas cedidas ou doadas ao poder público.
Os espaços livres com caráter de urbanização, por outro lado, são espaços livres de edificação
inseridos dentro dos limites de áreas ou núcleos efetivamente ocupados ou ao menos urbanizados, que
exercem funções urbanas. Nesta categoria incluem-se os espaços livres relacionados à permanência
(parques recreativos, praças, áreas de lazer, jardins, quadras coletivas e particulares, pátios e lajes, entre
outros); os espaços livres relacionados à circulação (vias e caminhos, becos e vielas, calçadas, largos e
alargamentos, escadas e áreas remanescentes de projetos viários, por exemplo), à infraestrutura
6 No Rio de Janeiro, em particular, esta condução é ainda mais nítida, devido não aplicação da lei 6766/1979, no que tange
especificamente ao percentual destinado a espaços livres públicos, conforme será visto no decorrer deste estudo.
7 Este conceito se fundamenta na forma de estruturação territorial portuguesa que abrangia, enquanto espaços públicos, terras
pertencentes à res publica, isto é, dos conselhos ou câmaras municipais, administradas pelos governos locais e passíveis de
distribuição, e baldios, terras de usufruto comum, não passíveis de individualização e distribuição, destinadas à pastagens e à
extração de lenha, isto é, “mato destinado ao bem comum”, que no Brasil foram chamadas de logradouros públicos. A falta de
demarcação oficial do patrimônio público, também herdada de Portugal, facilitou em muito a sua apropriação por particulares. Tanto
em Portugal, quanto no Brasil, os baldios se extinguiram na segunda metade do século XIX, deixando apenas vestígios na paisagem
atual (ABREU, 2001:200, 217 e 238 e CAMPOS, 1992: 49-52 e 127-128).
8 Lotes, conforme explicou Silva (1995:227), são unidades de terreno edificáveis, isto é, porções de terreno com frente para
logradouro público, em condições de abrigar edificações residenciais, comerciais, institucionais ou industriais.
9Os espaços livres no interior de shoppings centers se caracterizam, conforme já foi dito por vários autores, entre os quais destaca-
se Caldeira (2000) como simulacros de espaços públicos.
Seguindo a lógica relacional e sistêmica proposta nessa pesquisa, a paisagem urbana é constituída
por múltiplos aspectos que articulam os fatos urbanos, em suas diversas escalas, e os fatos culturais, em
todas as suas manifestações10. No âmbito desta pesquisa, importa relacionar os elementos do suporte geo-
biofísico, aos do suporte legal (normas de regulação do uso e ocupação do solo), e aos do suporte
construído. O conjunto de espaços edificados na cidade é formado por uma constelação de objetos
tridimensionais com usos, funções e formas variadas, isolados ou agrupados, por vezes justapostos ou
sobrepostos, dispostos em lotes e quadras, cuja volumetria é basicamente definida pela legislação
urbanística. Nos domínios montanhosos é comum não haver quadras fechadas, uma vez que os limites dos
lotes se confundem com a floresta.
Em relação à legislação urbanística, faz-se necessário analisar também a influência dos agentes de
construção da paisagem e a forma pela qual essa construção contrapõe e privilegia o construído ao não
construído. A formação dos espaços edificados e não edificados, na cidade do Rio de Janeiro foi, e ainda é,
fortemente condicionada pela legislação urbanística, que, ao concentrar sua atenção sobre os espaços
edificados, influi diretamente na conformação dos não edificados, no que se refere a sua configuração,
distribuição, aproveitamento e sua qualidade ambiental.
Fator que precede à normatização de uso e ocupação do solo urbano, a regulação fundiária
direciona o acesso privado à terra que, no Brasil, adquiriu perfis que contribuem para a conformação dos
domínios territoriais difusos, das fronteiras híbridas e das formas combinadas de apropriação formal e
informal dos espaços das encostas e de outros suportes ambientalmente frágeis por estratos de população
socialmente desprovidos de condições materiais de acesso a terra urbana legalizada e fisicamente adequada
e segura. Esse processo e suas nuances são detalhados a seguir.
De acordo com Pedro Abramo (2003a), as formas de acesso à terra urbana no Brasil regem-se por
lógicas complementares, envolvendo três agentes que podem ou não estar associados, a depender do
contexto urbano. A lógica do Estado, na qual o poder público se encarrega da aquisição e da distribuição da
terra11; a lógica do mercado, regida por convenções e transações entre particulares, independentemente de
incidir sobre áreas formais ou informais, e a lógica da necessidade, direcionada à invasão de terrenos
públicos ou privados. No entanto, conforme o próprio autor afirmou, nos modelos ortodoxos de economia
urbana prevalecem os interesses do mercado, sobretudo do fundiário e do imobiliário. Abramo (2001), ao
ressaltar o caráter de instabilidade e imprevisibilidade do mercado do solo urbano no Brasil, com ênfase no
10 Para Nelson Brissac Peixoto (1996: 13), o que constitui a paisagem das cidades é o cruzamento entre diferentes espaços e
tempos e entre suportes e tipos diversos. As cidades estão saturadas de inscrições, vestígios, monumentos, traços da memória e do
imaginário, coisas acumuladas, e se constituem em um amálgama composto por um entrelaçamento de paisagens.
11Para uma análise das soluções habitacionais promovidas pelo Estado nas décadas de 1940 e 1950 e, especificamente, dos
conjuntos residenciais do Pedregulho e da Gávea, ver Bonduki (1998).
12 Extrapolando o raciocínio de Abreu (2001: 207 e 208) em relação às condições iniciais de apropriação territorial no período
colonial, a liberalidade que permeia a lógica da ocupação urbana no Brasil é decorrente do modelo econômico adotado ao longo do
tempo, o qual foi sempre tributário da forma de inserção do país no mercado mundial e incentivador da concentração de terras.
13O escritório da SAGMACS no Brasil foi fundado pelo frei e economista francês Louis Joseph Lebret e este trabalho foi coordenado
pelo sociólogo José Artthur Rios, publicado pelo jornal o estado de São Paulo em 1960.
14 O surgimento da ocupação não legalizada, conforme será comprovado nos capítulos 3 e 4, guarda estreita relação com os
processos que geraram a ocupação legalizada nas encostas, vinculando-se a situações em que proprietários autorizaram a
permanência no local mediante cobrança de taxas ou aluguéis, à autorização de permanência por instituições privadas, religiosas ou
públicas, como as forças armadas, ou ainda a doação de áreas à igreja por proprietários fundiários interessados em manter estoques
de mão-de-obra sob a tutela da igreja e à implantação de loteamentos que não tiveram o processo de legalização concluídos,
conforme apontado por Silva (2005a e 2005b) e Abreu (1994 e 2001).
A partir de uma visão sistêmica, a presente pesquisa integra abordagens de campos disciplinares
diversos com ênfase nas contribuições da ecologia da paisagem15, da morfologia urbana16 e da
arquitetura da paisagem17 na construção de uma leitura integrada da paisagem.
18 Matriz: padrão paisagístico que desempenha o papel dominante na estrutura da paisagem, funcionando como contexto. Apresenta
alta conectividade entre os elementos que o conformam e uma maior resiliência quanto à dinâmica de transformação do que as
manchas e os corredores. (FORMAN e GODRON, 1986:159-165 e FORMAN, 1995: 277-278).
19Corredor: faixa linear contínua que serve de ligação, favorecer fluxos e trocas ou separa dois fragmentos que secciona (FORMAN,
1995:145-153).
20 Mancha ou fragmento: área não linear que apresenta padrões que se agregam de forma definida e morfologicamente diferenciada
manchas (FORMAN, 1995:83). Em termos de dinâmica ecológica, a borda apresenta características diferenciadas em relação ao
interior da matriz dos fragmentos florestais, dependendo de seu arranjo espacial.
23Diversas referências teórico-metodológicas vinculadas à morfologia urbana embasam o presente estudo. Os trabalhos de Maurício
de Abreu (1987, 1994 e 2001), Maria Lais Pereira da Silva (2005a e 2005b), Flávio Villaça (1998), Nestor Goulart Reis (2006), Nabil
Bonduki (1998) e Lilian Fessler Vaz (2002), apesar do foco na análise dos processos históricos, sócio-econômicos e funcionais, têm a
preocupação de vinculá-los ao contexto territorial brasileiro e carioca, em especial, e por isso são referências imprescindíveis à
análise da morfologia da paisagem. A análise das características morfológicas das favelas, por sua vez, foi embasada no conhecido
texto de Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1984), e nas análises de Gerônimo Leitão (2009), Luciana Andrade, Jacira Farias (2009)
e Jonathas Magalhães e Vera Tângari (2003). A análise diretamente relacionada com os sistemas de espaços livres e os impactos
dos processos de parcelamento e verticalização e sua relação tridimensional com a paisagem amparou-se nas pesquisas
desenvolvidas pela Rede Nacional Quapá/SEL e pelo Grupo de Pesquisa SEL/RJ e nos estudos de Vera Tângari (1999, 2009 e
2010) e Silvio Soares Macedo (1993 e 1987) e especialmente na pesquisa diretamente vinculada ao tema realizada por Sonia Afonso
(1999).
24 Hough (1995) e Nassauer (1998) argumentaram que a tendência em ignorar feições e processos naturais ecossistemas nativos,
sistemas hidrológicos e a geomorfologia original levou a padrões e formas de ocupação urbana ineficientes e disfuncionais.
Estudo de caso 1 (quadrante leste): Encostas dos bairros Cosme Velho, na interface entre as
favelas Guararapes e Vila Cândido e Cerro-Corá e a malha formal, na bacia do Rio Carioca.
Estudo de caso 2 (quadrante oeste): Encostas do bairro Itanhangá, na interface entre a favela
da Floresta da Barra e a malha formal, na bacia do Rio Cachoeira
Estudo de caso 3 (quadrante sul): Encostas localizadas entre os bairros da Gávea e São
Conrado, na interface entre a favela da Rocinha e a malha formal, na confluência entre a bacia
que drena para a orla oceânica e a bacia do Rio Rainha.
d. Legislação
Instrumentos de regulação do uso e ocupação do solo e de proteção ambiental
Dispositivos de proteção e regulação na legislação ambiental municipal e no
zoneamento urbanístico
Usos permitidos pela legislação municipal
Parâmetros urbanísticos área informal
c. Legislação
c. Legislação
Zoneamento urbanístico
Legislação de proteção ambiental
O sistema de espaços livres nas encostas foi analisado com base na conceituação e caracterização
propostas pelo Grupo de Pesquisa SEL-RJ, revisadas e adequadas ao ambiente das encostas cariocas no
presente estudo. A caracterização proposta pelo Grupo de Pesquisa SEL-RJ estabelece uma hierarquia de
categorias, tipos e subtipos de espaços livres e sua correlação com a legislação que os originou ou que os
tutela, e também com a sua situação fundiária, nível hierárquico, função e agente gestor. Os espaços livres
foram classificados para fins de análise em espaços livres com caráter ambiental, de urbanização e de
produção de matéria prima. Os espaços livres com caráter ambiental foram subdivididos em protegidos e
não protegidos. Entre os espaços livres com caráter de urbanização foram identificados os relacionados à
permanência, à estabilização das encostas, à circulação, à infraestrutura, os espaços transitórios e os
espaços residuais. Os espaços livres transitórios são aqueles que se encontravam livres no momento da
realização desta pesquisa, mas que podem, a qualquer tempo, se transformar em espaços edificados. Os
espaços livres residuais são aqueles espaços livres com caráter ambiental que ainda não têm sua função de
proteção oficialmente definida, deixados livres por ocasião da implantação de um loteamento. Já os espaços
livres com caráter de produção de matéria prima identificados estão associados à extração de recursos ou
relacionados ao abastecimento, conforme a tabela de categorias de espaços livres a seguir (Quadro 3:
Conceituação do sistema de espaços livres) .
26Participaram dos esforços de levantamento de campo os bolsistas Isabelle Fachetti, Nathalia Parayba, e Raquel Meneses Cordeiro.
Participaram do processamento gráfico os bolsistas Brunna Wolperis, Cauê Capillé, Isabelle Fachetti, Raquel Meneses Cordeiro
(SEL-RJ/PROARQ/FAU/UFRJ) e Ingrid Araújo (GEOHECO/UFRJ).
O mapeamento do uso do solo e cobertura vegetal realizado pelo IPP para toda a cidade com base
nas ortofotos de 2004 foi utilizado como base das análises realizadas no âmbito da cidade do Rio de Janeiro,
registradas no Capítulo 3. Este mapeamento foi atualizado na presente pesquisa nos recortes territoriais
estudados em detalhe, com base em ortofotos de 2009. O mapeamento do uso do solo e cobertura vegetal
realizado pelo IPP para toda a cidade com base nas ortofotos de 2009 foi divulgado após a defesa desta tese
e, portanto, foi apenas parcialmente utilizado nesta pesquisa, em especial, para comparação com as análises
quanto aos espaços livres com caráter ambiental, realizadas com base no mapeamento de 2004. Serviram
de subsídio também as bases da pesquisa “Landscape change along the Carioca River, Rio de Janeiro,
Brazil” (SCHLEE 2002) que, por sua vez, haviam sido elaboradas com base no “Estudos de Qualidade
Ambiental do Geoecossistema do Maciço da Tijuca” (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ 2000).
27 De acordo com Silva (2005a), os primeiros recenseamentos das favelas no Rio de Janeiro foram realizados apenas em 1948
(censo municipal) e 1950 (censo federal), e apresentaram resultados bastante divergentes. No entanto, a integração das favelas às
plantas cadastrais da cidade não foi efetivamente concluída até hoje, ainda que o Plano Diretor Decenal de 1992 tenha recomendado
“a inclusão das favelas nos mapas e cadastros da cidade,” conforme também observou Leitão (2009: 26 e 55). As plantas cadastrais
até hoje não incluem as edificações das favelas, apenas registram o contorno de seus limites.
28 Foram consultados os decretos de 762/1900 e 391/1903, referentes à regulação de construção, acréscimos, consertos e
reconstrução de edificações, alinhamento e arborização; os decretos 2021/1924, 2087/1925, 5595/1935 e 6000/1937, que, além de
códigos de obras, incluíram zoneamentos, e os decretos 3800/1970 e 322/1976, que regularam a Lei de Uso e Ocupação do Solo, nº
1574/1967, elaborada para estabelecer novas normas para o Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado da Guanabara em
substituição ao Decreto 6000/1937. Tanto esta lei quanto os decretos 3800/1970 e 322/1976, que reúnem os regulamentos de
parcelamento, edificações, e o zoneamento urbano, continuam em vigor. Além destas normativas, foram consultados decretos
específicos concernentes à regulação da ocupação em encostas e à proteção ambiental.
29 O diagnóstico da legislação que incide sobre as encostas do Rio de Janeiro, aqui revisado e complementado, foi registrado, ao
longo dos anos de desenvolvimento da pesquisa, nos artigos SCHLEE, Mônica Bahia e ALBERNAZ, Maria Paula. Proteção das
Encostas pela Legislação Municipal: uma avaliação da situação atual na cidade do Rio de Janeiro. Florianópolis: Anais do XIII
ENANPUR, 2009 e SCHLEE, Mônica Bahia e TÂNGARI, Vera. As Montanhas e suas Águas: a paisagem carioca na legislação
municipal (1937-2007). BOGUS, Lucia M. e RIBEIRO, Luiz César de Q. orgs. Cadernos Metrópole nº 19 – Meio Ambiente. Periódico
do Observatório das Metrópoles, ISSN 15172422. São Paulo: EDUC (PUC-SP), 2008. p. 271-291. Estes artigos refletiam o
entendimento das questões discutidas à época em que foram redigidos, podendo conter informações e posicionamentos que foram
revistos ou complementados com o avançar da pesquisa.
30A junção dos diversos Projetos Aprovados de Loteamento possibilitou identificar com maior clareza a estrutura da ocupação nas
encostas, uma vez que as divisas laterais e de fundos da maioria dos lotes situados nas encostas não estão delimitadas nas plantas
cadastrais da cidade (1:10.000 e 1:2000).
Fonte: presente estudo, a partir de AB' Saber (2003) e Afonso (1999); leis e decretos federais e municipais; Farah (2003); IBGE, dados disponíveis em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 e Rio de Janeiro (Cidade)/PCRJ/IPP: dados disponíveis em http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/
Biomas Mata Atlântica, formada por um mosaico de Mata Atlântica, formada por um mosaico de Mata Atlântica, formada por um mosaico de Mata Atlântica, formada por um mosaico de Região de transição entre a Mata Atlântica e o
ecossistemas florestais e ecossistemas ecossistemas florestais e ecossistemas ecossistemas florestais e ecossistemas ecossistemas florestais e ecossistemas Cerrado, presença de ecossitemas diferenciados:
associados (restingas, manguezais, campo de associados (restingas, manguezais, campo de associados (restingas, manguezais, campo de associados (restingas, manguezais, campo de florestas de galerias originalmente largas, matas
altitude e brejos interiores), com formações altitude e brejos interiores), com formações altitude e brejos interiores), com formações altitude e brejos interiores), com formações secas com árvores caducifólias, cerrados,
florestais de estratos vegetais variados e florestais de estratos vegetais variados e florestais de estratos vegetais variados e florestais de estratos vegetais variados e campos rupestres e gramíneas
folhagens perenes folhagens perenes folhagens perenes folhagens perenes
Geomorfologia local três maciços principais (Maciço da Tijuca, Pedra dois maciços longitudinais alongados (sentido um maciço longitudinal a oeste (Morro da Fonte colinas baixas e suaves, vales amplos e as serras morros baixos, vales amplos e as cristas
Branca e Gericinó), morros isolados e planícies norte-sul), morros isolados (Morro da Cruz) e Grande), morros isolados e planícies costeiras. da Cantareira, ao norte e de Cubatão, ao sul. quartzísticas e ferríferas da Serra do Curral (a
costeiras e interiores. Sujeita a movimentos de planícies costeiras. Sujeita a movimentos de Sujeita a movimentos de massa. Sujeita a movimentos de massa e erosão. sudoeste). Sujeita a erosão e ravinamentos.
massa. massa.
Altimetria território municipal (máxima e mínima 0-1024 0-532 0-309 700-1135 650-1390
em metros)
Relação domínio montanhoso x mancha urbana domínio montanhoso entremeado à mancha domínio montanhoso secciona longitudinalmente domínio montanhoso entremeado à mancha domínio montanhoso localizado a norte e a sul da domínio montanhoso localizado a sudeste da
urbana a mancha urbana urbana mancha urbana mancha urbana
Percentual de domínios montanhosos no território 35% 60% 40% 20% (Serra da Cantereira) 15% (Serra do Curral)
municipal
Vegetação (extrato predominante) vegetação arbórea e arbustiva vegetação arbórea e arbustiva vegetação arbórea e arbustiva vegetação arbórea e arbustiva gramíneas e enclaves de vegetação arbórea e
arbustiva
População (nº de habitantes, segundo IBGE 6.323.037 421.203 325.453 11.244.369 2.375.444
Censo 2010)
Características do suporte sócio-econômico
População (nº de habitantes, segundo IBGE 5.857.904 342.315 292.304 10.435.546 2.238.526
Censo 2000)
População nas encostas (estratos sociais Macico da Tijuca (médio-alto e popular); Maciço alto, médio e baixo médio e baixo Serra da Cantereira (operário inferior, operário Serra do Curral (operário, popular e médio-alto)
segundo Observatório das Metrópoles) da Pedra Branca (médio-alto e popular); Maciço superior e médio-alto)
de Gericinó (popular)
PIB per capita 2008 (R$) 25.121,92 20.184,92 71.407,32 29.394,00 15.835,00
Característica da urbanização urbanização rarefeita de alto padrão, enclaves urbanização rarefeita de alto, médio e baixo urbanização rarefeita de padrão médio e baixo urbanização rarefeita de padrão médio-alto e urbanização rarefeita de alto padrão e favelas;
adensados (Santa Teresa, Fonte da Saudade e padrão e enclaves adensados no Morro da Cruz favelas; verticalização no sopé das encostas verticalização no sopé das encostas
favelas) e soluções pontuais diferenciadas
(Pedregulho, Morada do Sol, etc)
Início da ocupação formal final século XIX (chácaras, sítios e fazendas década de 1960 final século XIX; Serra da Cantareira: entre as década de 1950
destinadas a moradia) décadas de 1940 e 1960
Início da ocupação informal final século XIX (morros isolados próximos à década de 1970 (Morro da Cruz) década de 1940 (várzeas dos rios Tietê e
área central; década de 1930 (maciços, em Tamanduateí; década de 1980 (Serra da
especial o da Tijuca) Cantareira)
Características do suporte construído
Localização da ocupação formal (em encostas) bordas dos maciços e vias de ligação que os bordas dos maciços e vias de ligação que os bordas do Morro da Fonte Grande, principalmente bordas da Serra da Cantareira bordas da Serra do Curral, principalmente a
atravessam, morros isolados localizados junto à atravessam a leste noroeste
área central e na zona norte
Localização da ocupação informal (em encostas) bordas dos maciços e vias de ligação que os bordas dos maciços e morros isolados bordas do maciço, especialmente a sul e em sopé e fundos de vale da Serra da Cantareira Aglomerado da Serra localizado no sopé do bairro
atravessam e morros isolados localizados junto à morros isolados Mangabeiras, a nordeste da Serra da Cantereira,
área central e na zona norte e no Morro do Papagaio
Vetores da ocupação: vias de penetração e vias de ligação/penetração nos fundos de vale anel viário no entorno; traçados sinuosos; vias de anel viário no entorno; via de penetração oblíqua tecido decorrente da adaptação ao relevo da tecido decorrente da adaptação ao relevo da
ligação com traçados sinuosos ligação/penetração nos fundos de vale com às curvas de nível estrutura radial e ortogonal da mancha urbana; estrutura radial e ortogonal da mancha urbana;
traçados sinuosos; vias locais perpendiculares às vias de ligação/penetração sobre divisores vias de ligação/penetração sobre divisores
curvas de nível
Estrutura da ocupação polinuclear; lotes com dimensões variadas polinuclear; lotes pequenos e médios; polinuclear; lotes de pequenas dimensões polinuclear; lotes pequenos e médios; vales com polinuclear; lotes pequenos e médios;
verticalização no sopé e ao longo dos eixos de predominância de uso público, verticalização no verticalização no sopé
ligação sopé
Usos pretéritos religioso; defesa; cívico; cultivo de café; extração religioso, cívico, residencial (camadas populares), residencial (camadas populares) religioso, cívico, residencial (chácaras, sítios e residencial e extração mineral
de lenha; abrigo de escravos e recém libertos, extração mineral fazendas para veraneio e uso nos fins de
residencial (chácaras, sítios e fazendas para semana)
moradia)
Usos atuais predominantes conservação ambiental, residencial, lazer, conservação ambiental, residencial, extração conservação ambiental, residencial, torres de TV conservação ambiental, residencial, aterro residencial e extração mineral, conservação
extração mineral, agrícola e torres de transmissão mineral, torres de transmissão de energia e TV sanitário (Perus) ambiental, torres de transmissão de energia e TV
de energia e TV
Legislação municipal (instrumentos de regulação Decreto E nº 3800/1970 (cota 100), Decreto Lei nº 001/1997 (Lei de Uso e Ocupação do Solo) Lei nº 6705/2006 (Plano Diretor Urbano de Vitória) Lei 13885/2004; Decreto 13430/2002; Lei nº Lei nº 7165/1996 (Plano Diretor de Belo
do uso e ocupação do solo e proteção ambiental) municipal nº 322/1976 (cota 100 e vinculação 9413/1981; Decreto nº 31601/1992 Horizonte) e Lei 7166/1996 (Parcelamento,
gabarito/cota de soleira), Decreto E nº 6168/1973 ocupação e usos do solo urbano), alterada pela
(cota 60), Decreto municipal nº 2677/1980 (defesa Lei nº 8137, de 21/12/2000 e pela Lei nº
paisagística das encostas) 9959/2010 (instrumentos da política urbana).
Legislação municipal (dispositivos de proteção e UCs, cota 60m e cota 100m, vinculação Áreas de Preservação Permanente (APPs); Áreas UC: Parque da Fonte Grande; Zonas de proteção Ucs (APA Capivari-Monos, Reserva da UCs (parques); tombamento municipal (Serra do
regulação na legislação ambiental municipal e no gabarito/cota de soleira (até a cota 50m) e de Preservação de Uso Limitado (APLs); Áreas ambiental - ZPA 1, 2 e 3; cota 50m (Áreas de Cantareira, parques); Macrozona de proteção Curral); zona de preservação ambiental (ZPAM);
zoneamento urbanístico) gabarito/largura das vias de Preservação de Mananciais (APMs); Áreas Preservação Permanente: florestas e demais ambiental; Zonas especiais de proteção ambiental zonas de proteção (ZP-1 e ZP -2); zona de
dos Parques e Reservas Naturais (APRs); Áreas formas de vegetação natural) (ZEPAM) e zona especial de produção agrícola e adensamento restrito (ZAR-2, em função das
de Proteção dos Parques e Reservas (APPRs) extração mineral (ZEPAG) condições topográficas) e áreas com declividade
superior a 47% (25º). ZPs-1 são ZPAMs de
propriedade particular.
Parâmetros urbanísticos área formal ZE 1 (zona especial 1) - LM 10.000m2; TM 50m; Áreas de Preservação Permanente (encostas ZOL (zona de ocupação limitada) - LM 300 m2, Desnível max um hab/via veiculos = 14m; ZPAM: CA 0,05, TO 0,02, TP 95%; ZP-1: LM
G 2 pav; TO 20% (lotes com área até 1.000m2) com declividade igual ou superior a 25 º ou 46,6% TM 10,00m, G isento (exceto ZOL 1= 4pav), TO percurso horizontal max 50m; declividade 18% 10.000 m2, 2500 m2/un, CA 0,3, TO 0,2, TP 70%
10% (demais); TP isento; ZR-1 (zona residencial - parcelamento proibido); Áreas de Proteção dos 70% a 100%, TP 0 a 10%, CA 1,2 a 1,8; ZOR em até 50m; larg.minima vias locais 8m; larg e ZP -2: LM 1.000 m2, CA 1,0, TO 0,5, TP 30%;
1) - LM 600 m2, TM 15,00 m, TO 50%, TP Parques e Reservas (uso residencial unifamiliar, (zona de ocupação restrita) - LM 450 a 800 m2, passeios 0,6 m; espaço manobra de veiculos r = EQ 200m; FNA rios 15,00 m a 30,00m;
isento; PEUS (Projetos de Estruturação Urbana): lazer e rural); Áreas de Preservação de Uso TM 15,00 m, G 2pav a 4 pav/12,00 m, TO 60%, 11m (vias locais), r = 6m (vias declividades: superior a 47% - parcelamento
parâmetros diversos Limitado (declividades entre 30% e 46,6% e TP 10%, CA 1,2 a 1,95) predominantemente p/ pedestres) proibido; declividades entre 30% a 47% -
áreas acima da cota 100 não abrangidas pelas parcelamento sujeito a laudo técnico
APPs): uso residencial unifamiliar, 2pav; largura
mínima vias locais = 12 m; i máxima 15%; largura
máxima vias em APL = 6,00 m e i máxima de
20%
Declividade não se aplica na legislação municipal duas gradações: 16º a 25º (restrição parcial) e duas gradações: 16º a 25º (restrição parcial) e duas gradações: 16º a 25º (restrição parcial) e a partir de 16º (restrição parcial, desde que
acima de 25º (restrição total à ocupação) acima de 25º (restrição ao desmatamento) acima de 25º (restrição ao parcelamento) atendidas exigências técnicas quanto à
estabilização das encostas), acima de 45º
(restrição total à ocupação); restirções parciais a
Legislação
Forma não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal não se aplica na legislação municipal
Usos permitidos pela legislação municipal uso residencial unifamiliar e uso agrícola uso residencial unifamiliar, uso agrícola, uso residencial unifamiliar, uso agrícola,
exploração mineral (pedreiras, barreiras e exploração mineral (pedreiras, barreiras e
saibreiras) saibreiras)
Parâmetros urbanísticos área informal AEIS - G 2 e 3 pav; usos proibidos: ferro velho, ZEIS; AEIS; ARP-0 - LM 125 a 250 m2; TM ZEIS 1 (índices a serem definidos nos PDLs - ZEIS-1 (favelas passíveis de urbanização e
produtos inflamáveis (exceto tintas e vernizes) e 8,00m ; G 2 pav; TO 50%, TP isento; CA 1,0 Planos de Desenvolvimento Locais) e ZEIS 2 - regularização fundiária), ZEIS-2 (áreas não
explosivos, gás liqüefeito de petróleo, armas e LM 125 m2, TM 5,00 m, G isento, TO 70%, TP edificadas ou abandonadas destinadas a
munições 10%, CA 1,4 programas habitacionais) e ZEIS-3 (conjuntos
residenciais de interesse social implantados pelo
poder público): L vias veiculares mão dupla: 6,00
m; L vias veiculares mão única 3,00 m;
declividade max. 30%; L vias de acesso restrito
5,00m; comprimento max 100m; L passeio em um
dos lados 1, 00m; L vias de pedestres 1,20 m;
declividade max. pedestre 15% ou intercaladas a
escadas; LM 40m2 a 250 m2; relação entre
largura das vias e gabarito das edificações. AEIS:
TP 10% para lotes menor ou igual a 125 m², G
max. 5 pavimentos (11 m entre a laje de piso do
primeiro pavimento e a laje de piso do último
pavimento).
Fontes:
AB’SABER, Aziz. Os domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial. 2003.
AFONSO, Sonia. Urbanização de Encostas: Crises e Possibilidades – o Morro da Cruz como um referencial de Projeto de Arquitetura da Paisagem. Tese de Doutorado em Estruturas
Ambientais Urbanas. São Paulo: FAUUSP, 1999.
BELO HORIZONTE (CIDADE) Secretaria Municipal de Planejamento/Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Plano Diretor de Belo Horizonte. Lei nº 7.165/1996. Disponível em:
bh.gov.br/phttp://portalpbh.pbh/ecp/. Acesso em 11/07/2010
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 4a. Edição. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, 344p.
Publicado originalmente em 1998.
GOOGLE. Mapas e imagens de satélite. Acesso em 10 e 11/07/2010 e 06 e 07/08/2010.
IBGE. Mapa dos Biomas Brasileiros. Disponível em: <http://mapas.ibge.biomas.viewer.htm. Acesso em 06/08/2010.
MACEDO, Silvio Soares/Laboratório QUAPA/FAU-USP. Fotos aéreas das Oficinas do Projeto Temático: “Sistema de espaços livres e a constituição da esfera pública contemporânea:
estudos
MIRANDA,de caso
E. E. em
de; metrópoles-cidades
(Coord.). Brasil em eRelevo.
novas territorialidades
Campinas: Embrapaurbanas brasileiras”. por Satélite, 2005.
Monitoramento
Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em 10/07/2010.
OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES/IPPUR/FASE. Aálise das regiões Metropolitanas do Barsil. Como andam as metrópoles brasileiras. Disponível em:
<http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/como_anda/>. Acesso em 07/08/2010.
SCHLEE, Mônica Bahia. Cenografia Urbana e Qualidade Ambiental no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU/USP. 1999.
SCHLEE, Mônica Bahia e ALBERNAZ, Maria Paula. Proteção das Encostas pela Legislação Municipal: uma avaliação da situação atual na cidade do Rio de Janeiro. Florianópolis,
SC: Anais do XIII ENANPUR, 2009.
SCHLEE, Mônica Bahia e TÂNGARI, Vera. As Montanhas e suas Águas: a paisagem carioca na legislação municipal (1937-2007). BOGUS, Lucia M. e RIBEIRO, Luiz César de Q.
orgs. Cadernos
SCHLEE, MônicaMetrópole nº 19 – Meio
Bahia e TÂNGARI, Ambiente.
Vera. Periódico
Estrutura do Observatório
Morfológica, Processos das Metrópoles,
e Relações ISSN 15172422.
Socio-Ambientais São Paulo:
na Fronteira EDUC
entre (PUC-SP),
a Floresta 2008. Urbana.
e a Malha p. 271-291.
Curitiba, PR: ANAIS do IX
ENEPEA, 2008.
SÃO PAULO (CIDADE) Secretaria Municipal de Planejamento Urbano/ Prefeitura Municipal de São Paulo. (org.) Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo 2002-2012. São
Paulo: Editora SENAC/ Prefeitura Municipal de São Paulo, 2004.
VITÓRIA (CIDADE) Secretaria de Desenvolvimento da Cidade/ Prefeitura Municipal de Vitória. Plano Diretor Urbano de Vitória. Lei nº 6705/2006. Disponível em
http://www.vitoria.es.gov.br/sedec.php?pagina=planodiretorurbano.
MIRANDA, Clara Luiza; ALVARENGA, Augusto e LOPES, Myriam Bahia. AcessoMemória
em 08/08/2010.
Visual Baía de Vitória. http://legado.vitoria.es.gov.br/baiadevitoria/
DEAK, Csaba. FAU/USP/CESAD. http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/5bd/1rmsp/m02-evol/index.html
MORAES, Elisabete Caria et al. Estudo da Evolução Urbana da Região Conurbada da Grande Florianópolis. INPE/UFSC.
http://www.geo.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/trabalhos_completos/eixo1/028.pdf
CARVALHO, Silvana Sá de. Áreas livres para Ocuapção Urbana no Município de Salvador. http://www.portalseer.ufba.br/index.php/ppgau/article/viewFile/1544/972
FLORIANÓPOLIS (CIDADE) Prefeitura Municipal de Florianópolis/ Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento Ambiental. Plano Municipal Integrado de Saneamento Básico -
PMISB.
NOBRE,2009 Disponível
Carlos em: http://portal.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/19_07_2010_17.32.28.d17a90adaab36c31e84d436a3d0404d0.pdf
et al. Vulnerabilidades das megacidades Brasileiras às mudanças Climáticas: Região Metropolitana de São Paulo. Sumário executivo. INPE/UNICAMP/USP, IPT,
UNESP Rio(CIDADE)
CUBATÃO Claro. Junho de 2010.
Prefeitura Disponível
Municipal em: http://www.inpe.br/noticias/arquivos/pdf/megacidades.pdf.
de Cubatão Acesso em 24/08/2010
(http://www.cubatao.sp.gov.br/publico/index.php?option=com_content&view=article&id=32&Itemid=24).
BELO HORIZONTE (CIDADE) Plano Diretor de Belo Horizonte. Lei nº 7.165/1996, alterada pela Lei nº 8.137, de 21/12/2000.
VITÓRIA (CIDADE) Plano Diretor Urbano de Vitória. Lei nº 6705/2006. Disponível em: http://sistemas.vitoria.es.gov.br/webleis/Arquivos/2006/L6705.PDF
FLORIANÓPOLIS (CIDADE) Lei de Uso e Ocupação do Solo e Zoneamento do Distrito Sede de Florianópolis . Lei nº 001/1997. Disponível em: http://www.leismunicipais.com.br/cgi-
local/form_vig.pl
SALVADOR (CIDADE) Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador. Lei nº 6586, de 03/08/2004. Disponível em
http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-legislacao/GERAL/LOCAL/lei%20%20n%C2%BA%206586-2004%20pddu.pdf
Parâmetros urbanísticos
LM - lote mínimo
TM - testada mínima
AF - afastamentos frontais e laterais
G - gabarito
TO - taxa de ocupação
TP - taxa de permeabilidade
CA - coeficiente de aproveitamento
EQ-extensão de quadra
Quadro síntese 2. Modelo de matriz temática para análise de recortes territoriais
Fonte: presente estudo
Categorias e elementos de análise Recorte territorial 1 Recorte territorial 2 Recorte territorial 3 Definições e Síntese
ocupação formal ocupação informal características ocupação formal ocupação informal características ocupação formal ocupação informal características parâmetros
gerais gerais gerais utilizados
1. Sub-bacia hidrográfica
3. Declividade
4. Forma: curvatura vertical (forma côncava
ou convexa) e curvatura horizontal (forma
5. Ponto de base
6. Área de contribuição e de dispersão
imediata
7. Comprimento da encosta
8. Orientação (aspecto)
9. Cobertura do solo
14. Parcelamento
15. Implantação
17. Gabaritos
Obs: A matriz temática gerada nesta pesquisa embasou as análises realizadas no Capítulo 4. Devido a sua extensão, não foi incorporada no volume final.
QUADRO 3. CONCEITUAÇÃO DO SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
CARACTERIZAÇÃO
CATEGORIA TIPO SUB-TIPO
legislação situação fundiária nível hierárquico função gestão
refúgio de vida silvestre domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
domínio público ou domínio
área de relevante interesse ecológico cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
Lei Federal 9985 de 2000 privado
unidades de conservação de proteção integral
reserva biológica (SNUC) domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
parque natural domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
monumento natural domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, pesquisa pública
leito (rio, córrego e canal) domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção, lazer pública ou privada
domínio público ou domínio
faixa marginal Lei Federal 4771 de 1965 cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
privado
(Código Florestal) e Resolução
áreas de preservação permanente nascente domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
CONAMA 302 e 303 de 2002 e
linha de cumeada 369 de 2006 domínio público bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
topo de morro domínio público bairro e vizinhança suporte, proteção pública ou privada
escarpa rochosa domínio público bairro e vizinhança suporte, lazer pública ou privada
Decreto E 3800/1970 e Decreto domínio público ou domínio
reserva florestal áreas não parceladas acima da cota 100 cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
322/1970 privado
domínio público ou domínio
área de proteção ambiental cidade, bairro e vizinhança suporte pública ou privada
privado
estação ecológica domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte pública
flona domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte pública
domínio público ou domínio
reserva extrativista cidade, bairro e vizinhança suporte
Lei Federal 9985 de 2000 privado
unidades de conservação de uso sustentável
reserva de fauna (SNUC) domínio público cidade, bairro e vizinhança suporte
ambiental
vinculado a usos institucionais (campus universitário, pátio escolar, domínio público ou domínio encontro, contemplação,
cidade, bairro e vizinhança pública ou privada
atrio) privado convívio
lazer, amenização
escada, escadaria domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública ou privada
beco, viela, caminho domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública ou privada
domínio público, coletivo ou
servidão vizinhança circulação privada
privado
calçada domínio público ou coletivo vizinhança circulação pública
relacionado à circulação
domínio público, coletivo ou
estacionamento vizinhança circulação pública ou privada
privado
via carroçável, rodovia domínio público ou coletivo cidade, bairro e vizinhança circulação pública
CARACTERIZAÇÃO
CATEGORIA TIPO SUB-TIPO
legislação situação fundiária nível hierárquico função gestão
área de extração mineral domínio público ou privado cidade, bairro e vizinhança extração de recursos
relacionado à extração de recursos
área de extração vegetal domínio público ou privado cidade, bairro e vizinhança extração de recursos
produção de matéria prima
residual pedreiras ou saibreiras desativadas domínio público ou privado cidade, bairro e vizinhança estoque de terras
área de cultivo agrícola domínio privado cidade, bairro e vizinhança abastecimento
relacionado ao abastecimento área de pastagem domínio privado cidade, bairro e vizinhança abastecimento
chácara/horta/sítio/horto domínio privado cidade, bairro e vizinhança abastecimento
residual áreas agrícolas ou de pastagem desativadas domínio privado cidade, bairro e vizinhança estoque de terras
CAPÍTULO 2
São cidades muito heterogêneas entre si − tanto em termos de escala e atributos geobiofísicos,
quanto em relação aos processos históricos e culturais que orientaram sua ocupação e a transformação de
sua paisagem. No entanto, a análise elaborada nessa pesquisa provou ser possível distinguir semelhanças e
especificidades no modo como estas cidades tratam e ocupam suas encostas. Os processos de ocupação
das encostas nestas cidades guardam aspectos comuns quanto às suas origens e motivações, aos usos e
funções que as encostas desempenharam ao longo do tempo e ainda desempenham e às relações entre
estes processos de ocupação, a vegetação e os corpos d'água, ainda que expressas de formas diferenciadas
na paisagem.
Para auxiliar esta análise foram elaborados um quadro-síntese e mapas esquemáticos que
correlacionam as categorias de análise, com o objetivo de explicitar as convergências e as diferenças
encontradas entre as cidades, compondo desta forma uma base referencial para contextualizar o objeto
desta pesquisa. Os aspectos analisados se dividem em dois grupos temáticos: gênese, processos e padrões
espaciais verificados e a influência da legislação nos processos de ocupação observados.
31Conforme definiu AB’ Saber (1965 e 2003), domínios morfoclimáticos são grandes extensões territoriais onde predominam um
determinado arranjo integrado de feições paisagísticas e ecológicas, incluindo formas de relevo, tipos de solo e de vegetação, e
condições climáticas e hidrológicas. As áreas mais características e contínuas, em geral de configuração poligonal, constituem áreas
nucleares. As fronteiras entre estas são constituídas por espaços de transição ou faixas de contato, que combinam características
dos domínios vizinhos, apresentando mescla, interpenetração e diferenciação nos padrões de paisagens, formas de relevo, tipos de
vegetação e de solos.
O domínio do cerrado, como indicou AB Saber (2003), ocorre no Planalto Atlântico no interior do
Brasil, e é caracterizado por uma mescla de feições de relevo suavemente onduladas, chapadões e
depressões, drenagem perene, com rios principais caudalosos, em leitos e vales largos e densidade
hidrográfica menos extensiva e ramificada do que no domínio dos mares de morros, formada por córregos
intermitentes e lençol d'água subterrâneo permanente. Apresenta cobertura vegetal bastante diversificada e
adaptada ao fogo e enclaves de florestas em áreas localizadas em nascentes ou olhos d'água. A faixa de
transição onde se localiza Belo Horizonte está assentada sob uma extensa depressão, com feições de relevo
arrendondadas e emoldurada por um contínuo de serras ricas em quartzo e ferros, dos quais faz parte a
32Biomas são mosaicos de ecossistemas, habitats e comunidades biológicas em interação que formam uma unidade biológica, cujas
características são definidas primordialmente pela morfologia vegetal, pelo macroclima e pela posição geográfica.
As três cidades litorâneas analisadas - Rio de Janeiro, Florianópolis e Vitória - situam-se junto a
baías oceânicas e apresentam traços comuns em sua geomorfologia local: foram implantadas em sítios
naturais dominados por maciços costeiros e morros isolados, em meio a planícies costeiras. No Rio de
Janeiro, em especial, o gradiente de amplitude entre as áreas montanhosas e planas é bastante elevado, e a
rede de canais naturais atinge a planície costeira com muita velocidade.
O sítio onde se insere a cidade do Rio de Janeiro se caracteriza pelo relevo montanhoso, formado
por três maciços costeiros: Tijuca, Pedra Branca e Gericinó-Mendanha, que alcançam 1024 m de altitude,
envolvidos pela planície costeira e pelas planícies interiores (de Jacarepaguá, Santa Cruz e Fluminense) e os
mares de morros que se estendem pela Região Metropolitana até a Serra dos Órgãos, que integra a Serra do
Mar. Aproximadamente 35% do território do Rio de Janeiro é formado por áreas montanhosas (Figuras 6, 7 e
8).
Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Rio de Janeiro. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite,
2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.
Fig. 7. Rio de Janeiro: Domínios montanhosos e mancha urbana na Cidade do Rio de Janeiro.
Já Florianópolis localiza-se em uma ilha alongada e estreita, com litoral recortado por várias
enseadas e costões e separada do continente por um estreito canal. A geomorfologia da ilha é formada por
dois maciços descontínuos, alinhados longitudinalmente, que atingem 532 m de altitude, e morros isolados,
como o Morro da Cruz. Aproximadamente 60% de território de Florianópolis é formado por áreas
montanhosas (Figuras 9 e 10).
Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Florianópolis. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005.
Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.
Por sua vez, o relevo da ilha onde foi fundada a cidade de Vitória é composto por um maciço central
com 309 m de altitude denominado Morro da Fonte Grande, e também alguns morros isolados, circundados
por uma planície costeira originalmente composta por restingas e extensos manguezais. Aproximadamente
40% do território municipal de Vitória situa-se em domínio montanhoso (Figuras 11 e 12).
Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Vitória. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005.
Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.
As duas cidades interiores – São Paulo e Belo Horizonte – localizam-se no planalto Atlântico, em
sítios naturais onde prevalecem colinas suaves e vales amplos. A metrópole de São Paulo é emoldurada, ao
norte, pela Serra da Cantareira e no extremo sul, pela Serra de Cubatão. As duas serras compõem uma
espécie de berço bastante amplo, no interior do qual a metrópole de São Paulo se desenvolveu. O sítio onde
São Paulo se insere é caracterizado por um relevo ondulado, formado pelos vales largos das bacias dos rios
Tietê, Pinheiros e Tamanduateí e seus diversos afluentes (Figuras 13 e 14).
Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: São Paulo. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite,
2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.
A Serra do Curral, em Belo Horizonte, alcança 1390 m de altitude e é uma referência forte na
paisagem da cidade. Cerca de 70% do território urbano de Belo Horizonte insere-se na unidade
geomorfológica classificada por Ross (2001) como depressão relativa, conhecida como depressão de Belo
Horizonte. A cidade é dividida transversalmente pelo seu principal curso d’água, o Ribeirão Arrudas, e
emoldurada pela Serra do Curral, onde a ocupação de Belo Horizonte teve início em 1897. As serras de São
Paulo e a Serra do Curral, em Belo Horizonte, apresentam gradientes de amplitude significativos em relação
ao restante dos sítios onde estas cidades foram implantadas (Figuras 15 e 16).
Fonte: MIRANDA, E. E. de; (Coord.). Brasil em Relevo: Belo Horizonte. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite,
2005. Disponível em: <http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 10/07/2010.
Florianópolis é a única cidade litorânea analisada onde a mancha urbana ainda encontra-se
seccionada pela área montanhosa. Nas demais cidades litorâneas a mancha urbana entremeou-se pelos
maciços costeiros e morros isolados. Nas cidades interiores, São Paulo e Belo Horizonte, a mancha urbana
entremeou-se por entre as colinas, mas encontrou barreiras constituídas pelas serras que as envolvem,
parcial e gradativamente ocupadas ao longo do tempo. O conjunto vegetal característico da Mata Atlântica
ainda predomina nas encostas de quatro das cidades analisadas, com exceção de Belo Horizonte, onde
predominam as formações vegetais características do Cerrado, gramíneas e matas de galeria. Nas encostas
da Serra do Curral, em Belo Horizonte, são encontradas diversas dolinas – formações características de
ambientes de cerrado semelhantes a depressões ou cavidades subterrâneas, citadas por Rodrigues como
restrições de caráter geológico à ocupação urbana na região (Rodrigues, In: FERNANDES e RUGANI 2002).
Devido às suas características físicas, toda esta região está sujeita a processos intensos de erosão,
movimentos de massa e deposição de sedimentos, especialmente junto ao litoral, pela sua natureza
inerentemente instável (AB SABER, 2003). A ocorrência de chuvas torrenciais, de deslizamentos periódicos e
da recorrente elevação do nível da água dos rios e riachos a estas associados são processos naturais
inerentes ao domínio montanhoso lindeiro ao litoral, principalmente nas regiões sudeste e sul. Entretanto, a
forte pressão exercida pela ocupação urbana nestes domínios montanhosos potencializou esta instabilidade
a partir da segunda metade do século XX. O levantamento realizado entre 1988 e 2002 por Macedo e
Santoro (2002), indicou que o Rio de Janeiro e Salvador são as capitais brasileiras com o maior índice de
ocorrência de deslizamentos com vítimas fatais (Figuras 17 e 18).
Fig. 19 a e b. Rio de Janeiro: Igrejas e fortificações em promontórios e topos de morros junto à Baia da Guanabara.
Fotos: Mônica Bahia Schlee, 2002, e Sílvio Macedo, 2008.
Os períodos compreendidos entre meados do século XIX e a virada do século XX e entre o final da
década de 1920 e o final da década de 1930 foram épocas de transições significativas, em relação à
organização da sociedade e em relação à produção, organização e à estratificação social do espaço urbano
nas maiores cidades brasileiras (VILLAÇA, 1998:160). Com a aceleração do crescimento urbano, as áreas
montanhosas das principais cidades brasileiras passaram gradativamente a ser destinadas ao uso
residencial de estratos sociais diferenciados. No Rio de Janeiro, a ocupação urbana nas bordas dos maciços
33Enquanto as primeiras favelas do Rio de Janeiro instalaram-se nos morros isolados próximos da área central também no final do
século XIX, as de São Paulo surgiram na primeira metade da década de 1940, localizadas em próprios municipais junto às várzeas
dos rios Tietê e Tamanduateí (Bonduki 1998: 262).
Fig. 20 a e b. Rio de Janeiro: Vetores de ocupação iniciais a partir da área central, localizada à leste da cidade, em direção ao sul e
ao norte. Ao longo da expansão da cidade, vários morros isolados foram camuflados ou mesmo suprimidos da paisagem urbana pela
progressiva verticalização. À esquerda, o Morro da Viúva, no Flamengo, e à direita, o Morro da Babilônia, na Tijuca, encobertos ao
nível do observador, pela verticalização ao redor.
34 Cabe ressaltar que as diversas pedreiras exploradas e abandonadas dentro da malha urbana, principalmente em cidades cujo
clima induz a grandes variações de temperatura, constituem um preocupante passivo ambiental. Tratam-se de áreas sujeitas a
descolamento de lascas e blocos, ou, dependendo da forma como a pedreira foi explorada, de áreas com risco de colapso, como
aconteceu em 2009, em Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro, onde toda a frente da pedreira descolou-se e atingiu a área de
lazer de um condomínio de casas implantado em sua na base.
Em Vitória, a urbanização é ainda bastante rarefeita e as encostas são ocupadas principalmente por
estratos sociais médios e baixos da população. Com o passar do tempo, a estratificação espacial nas
encostas em Vitória localizou as camadas de melhor poder aquisitivo nas áreas mais baixas, atendidas por
infraestrutura, e as camadas menos favorecidas nas áreas mais altas, de difícil acesso e menos
infraestruturadas. Segundo Eneida Mendonça (comunicação pessoal, 2010), os estratos de mais alta renda
buscaram as praias e as camadas sociais mais baixas da população, que inicialmente ocuparam os
manguezais entre o continente e a ilha de Vitória a oeste do Morro da Fonte Grande, foram gradativamente
expulsos para fora da ilha. Assiste-se mais recentemente a uma transformação dos padrões construtivos das
áreas residenciais destinadas a baixa renda no sopé das encostas de Vitória. O padrão tipológico associado
às favelas (unidades unifamiliares sobrepostas) vem sendo substituídos por conjuntos de edifícios de quatro
pavimentos, implantados pelo Projeto PAR da Caixa Econômica Federal, que atende a uma faixa salarial de
6 a 10 salários mínimos (Figura 24).
Em relação ao padrão atual de estratificação social nas encostas, três cidades se distinguem pela
forte polarização social entre ricos e pobres: Rio (onde o fenômeno é mais expressivo), Belo Horizonte e São
Paulo. São Paulo e Belo Horizonte apresentam padrão de urbanização médio-alto a alto e ocorrência de
favelas e loteamentos irregulares. Em Belo Horizonte, convivem nas encostas um bairro de alto padrão e
favelas conurbadas, formando um contínuo extenso. Em Florianópolis, os estratos sociais alto, médio e baixo
encontram-se representados. Nesta última cidade, o padrão difere-se das demais pela disposição linear da
ocupação, perpendicularmente às curvas de nível, pela presença de edifícios verticalizados nos morros
isolados ao longo da costa e pela localização predominante das favelas na base das encostas.
Internamente, as favelas emulam o processo de periferização verificado nas cidades brasileiras,
caracterizado, como demonstrado por Villaça (1998) e Maricato (2000), pelo gradativo afastamento das
camadas sociais empobrecidas das áreas centrais mais valorizadas e melhor infraestruturadas e pela
fragmentação e esgarçamento do tecido nas áreas periféricas. Entretanto, em São Paulo, conforme
indicaram Reis Filho (2006) e, sobretudo, Carvalho (2011:69 e 85), este processo vem convivendo com o de
periferização da riqueza, nos moldes do processo de suburbanização, típico dos Estados Unidos. Esta
segunda vertente, explica, segundo Carvalho (2011), a polarização social que se verifica na região da Serra
da Cantareira, onde núcleos destinados a estratos sociais mais abastados dispersam-se através da
implantação de loteamentos propositalmente não contíguos, em meio à concentração de núcleos de
ocupação de baixa renda, gerando um padrão peculiar de segregação espacial. Neste sentido, a ocupação
desta região, embora se assemelhe à encontrada nas encostas do Rio de Janeiro, onde a polarização social
também deu origem a um padrão de segregação espacial, apresenta, segundo o autor, padrão inverso,
caracterizado pela predominância da ocupação urbana de baixa renda.
Amparando-se em Caldeira (2000), Villaça (op. cit, p. 152) esclareceu as estratégias de apropriação
do espaço intra-urbano pelas diferentes camadas sociais cristalizadas nos anos 1990, com ênfase nas
CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO
70 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
estratégias criadas pelas elites. Estas estratégias de convivência e segregação, “forjadas no contexto de
maior proximidade dos diferentes grupos sociais”, das sucessivas crises econômicas e da escalada da
violência urbana, induziram ao (re)aparecimento de novas “muralhas urbanas” (muros altos, condomínios
fechados e, no caso do Rio de Janeiro, a ameaça da construção dos muros em torno das favelas em 2009).
A partir da década de 1990, observa-se o avanço dos loteamentos fechados por sobre as encostas da
maioria das cidades analisadas - no Rio de Janeiro, sobre o Maciço da Tijuca; em São Paulo, na Serra da
Cantareira e em Belo Horizonte, na Serra do Curral em direção ao município vizinho de Nova Lima35 (Figura
25).
35 A face sul da Serra do Curral volta-se para o município de Nova Lima, um dos maiores latifúndios mundiais, onde mais de 90% do
território pertencia, na década de 1990, a companhias mineradoras que desde 1834 operavam na região, explorando o minério de
ferro desde 1958. Desde então, todo esse estoque de terras tem dado lugar, gradativamente, a inúmeros loteamentos destinados às
elites de Belo Horizonte (RODRIGUES, In: FERNANDES e RUGANI 2002:187-188).
Entre os usos e funções exercidos atualmente pelas áreas montanhosas das cidades analisadas, a
conservação ambiental vem assumindo papel cada vez mais relevante. Contudo, o uso residencial exerce a
mais forte pressão sobre as áreas preservadas, principalmente nas cidades litorâneas. As atividades
relacionadas à extração mineral ainda persistem dentro do perímetro urbano em diversas cidades brasileiras.
Destaca-se, entre as cidades estudadas, o caso de Belo Horizonte e do município vizinho Nova Lima, onde a
pressão exercida pelas atividades de extração mineral é tão forte quanto à pressão exercida pelo uso
residencial, ocasionando uma curiosa relação de contigüidade espacial entre usos que deveriam se repelir.
Na cidade do Rio de Janeiro, o uso agrícola supera, em área ocupada, a extração mineral (Figuras 27 e 28).
Em Florianópolis (no Morro da Cruz), São Paulo (na Serra da Cantereira) e Belo Horizonte (na Serra
do Curral) e, em menor grau no Rio de Janeiro e em Vitória, existem enclaves de verticalização no sopé e em
torno dos morros e serras. No Maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, e na Serra da Cantareira, em São Paulo,
prevalece o uso residencial com a predominância de loteamentos de alto padrão, transformados em
condomínios fechados, e favelas. Na Serra da Cantareira, segundo Carvalho (2001:113-115), além das
favelas e condomínios fechados, encontram-se loteamentos clandestinos e irregulares e enclaves de
verticalização no sopé da serra, formados pelos conjuntos residenciais multifamiliares, destinados às
camadas populares, construídos pelo poder público e por torres isoladas, destinadas os estratos médio e alto
da população, que caracterizam os empreendimentos imobiliários construídos pela iniciativa privada. Estes
Quanto aos espaços livres destinados à circulação, são comuns nas encostas do Rio de Janeiro
os trajetos das vias de penetração seguirem pelos fundos de vale em traçados sinuosos, com calçadas
estreitas e lotes com dimensões muito variáveis. Existem diversas vias panorâmicas que funcionam como
vias de ligação entre diversos pontos da cidade, especialmente no Maciço da Tijuca. Estas não são
freqüentes no Maciço da Pedra Branca e não existem ainda no Maciço de Gericinó/Mendanha. Não há um
anel viário contínuo que contorne os maciços cariocas, como em Florianópolis e em Vitória. Nestas cidades,
Fig. 31 a e b. Rio de Janeiro: Relação volumétrica e de contigüidade espacial entre a ocupação formal e informal em Laranjeiras.
Verticalização no eixo do fundo de vale do Rio Carioca. Notar a interpenetração dos espaços livres com caráter ambiental com os
núcleos de ocupação.
Fig. 32 a e b. Florianópolis: Anel viário em torno dos maciços e núcleos de ocupação dispersa que penetram as encostas
perpendicularmente às curvas de nível.
36Em Vitória, conforme relato pessoal de Eneida Mendonça em 2010, este anel foi destinado, quando da sua concepção, ao
escoamento da produção agrícola, mas não foi conectado por vias de ligação por sobre o maciço central através de um traçado
continuo e estruturado, situação que, ao longo do tempo, acabou por favorecer a preservação da cobertura vegetal nativa. As vias de
penetração no maciço central privilegiam, via de regra, a circulação de veículos, com um traçado oblíquo às curvas de nível.
A relação entre a morfologia do espaço urbano e a legislação tem sido estudada por campos
disciplinares diversos e gerado discussões relacionadas ao direito urbanístico e ambiental em âmbito
nacional, regional e municipal. Também têm merecido atenção suas implicações na flutuação do valor
imobiliário nas cidades e seus efeitos no desenho e urbano e na tipologia das edificações (SAMPAIO, 2006 e
CHACON, 2004). Contudo, ainda persiste uma lacuna quanto à correlação entre a morfologia da paisagem e
a legislação que incide sobre as áreas montanhosas em ambientes urbanos. Esta pesquisa visa contribuir
para a redução desta lacuna, ao contextualizar condicionantes e apontar contradições, entre os instrumentos
legais, as lógicas que os orientam e seus efeitos na paisagem. Estes instrumentos, produtos decorrentes dos
contextos culturais e políticos que os geraram, deixam transparecer conflitos de interesse e choques de
visões dos diversos agentes da sociedade responsáveis pela construção da paisagem urbana. É sabido,
conforme apontou Tângari (1999), que o arcabouço normativo interfere fortemente na forma de utilização dos
37 Com inspiração no ideário iluminista do século XVIII, a conservação das florestas era considerada essencial como estoque de
recursos econômicos e científicos (Pádua, 2002:13).
38Apesar de não haver obras especificamente dedicadas ao tema ambiental, como Man and Nature, de George Marsh, publicada em
1864 e considerada um marco na crítica ambiental no século XIX, Pádua (2002:283) constatou que vários autores no Brasil se
anteciparam a Marsh ao denunciar a destruição do meio ambiente no contexto de obras dedicadas a problemas econômicos e
sociais, o que, segundo o autor, demonstra sua sensibilidade em perceber que “os problemas ambientais estavam inseridos no
conjunto de problemas estruturais que afetavam o país”.
39 A crítica ambiental formulada desde o final do século XVIII, e mais fortemente a partir de meados do século XIX, relacionava os
problemas ambientais com a primazia do setor primário na economia brasileira, pontuando especialmente o atraso que dominava a
atividade agrícola (Pádua 2002: 20).
Até então, conforme apontado por Fernandes, In: Fernandes e Rugani (2002) e Schlee e Albernaz
(2009), o arcabouço legal brasileiro resumia-se aos Códigos Florestal - decreto federal 23793/1934,
posteriormente atualizado pela lei federal 4771/1965; das Águas - decreto federal 24643/1934, de Minas -
decreto federal 1985/1940, e de Caça e Pesca - lei federal 5197/1967, e a instrumentos isolados de cunho
pontual como os decretos de criação dos primeiros parques nacionais. Estes primeiros códigos tinham como
ênfase conceitual a preservação dos recursos naturais para garantia do crescimento econômico do país
(DIEGUES, 1996). Além disso, como apontou Albernaz (2007), a proteção de amplos recortes territoriais
através da criação de parques nacionais destinava-se na época a conciliar à preservação dos recursos
naturais, a promoção das ciências biológicas no Brasil e o incremento das atividades turísticas.
Com a introdução destas primeiras normativas legais de alcance nacional, ainda que pulverizadas e
setoriais, mas que incidiam, ainda que indiretamente, também sobre as áreas urbanas, conjugada à
disseminação da aplicação do zoneamento urbanístico como instrumento de regulação da ocupação urbana
em âmbito municipal, houve uma gradativa alteração de enfoque em relação à visão higienista que até então
dominava o trato para com as questões ambientais. Ao longo do século XIX até as primeiras décadas do
século XX, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, o movimento higienista associava a ocorrência de
40 Destacam-se, entre os marcos legais de constituição da Política Ambiental Brasileira, a criação da Secretaria Especial do Meio
Ambiente - decreto federal 73030/1973; o primeiro instrumento específico para controle da poluição industrial - decreto federal
1413/1975; a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente - lei federal 6938/1981; o estabelecimento da Ação Civil Pública como
instrumento de defesa do meio ambiente pela sociedade - lei federal 7347/1985, a revisão do Código das Águas - lei federal
9433/1997 e a Lei de Crimes Ambientais - lei federal 9605/1998 (BREDARIOL, 2001, FERNANDES, In: FERNANDES e RUGANI
(2002) e ALBERNAZ, 2007).
41Para uma análise mais abrangente dos instrumentos de gestão criados por esta e outras normativas instituídas nesta época ver
Bredariol (2001) e Fernandes, In: Fernandes e Rugani (2002).
42 Segundo Abreu (1994: 35 e 2001:38-40) o movimento higienista correlacionava a deterioração do meio ambiente, tanto natural
quanto construído, ao surgimento das epidemias, e preconizava o arrasamento dos morros que impediam a livre circulação de
ventos, o aterro e a drenagem de pântanos mangues e brejos, a elevação do solo, o alargamento das vias urbanas e a construção de
casas higiênicas, entre outras medidas, para a eliminação dos miasmas. No bojo dos avanços da ciência, o ideário higienista cedeu
lugar gradativamente, a partir da década de 1930, à prevalência dos postulados do movimento sanitarista, com ênfase na
universalização da conscientização, da aplicação e da disseminação de medidas, condutas e hábitos destinados a conservar e
aprimorar a saúde coletiva e individual e da prevenção de doenças através das campanhas de vacinação.
43A Resolução CONAMA nº 303/2002 dispôs sobre parâmetros, definições e limites das Áreas de Preservação Permanente com
características naturais, enquanto a Resolução CONAMA nº 302/2002, dispôs sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente em reservatórios artificiais e o regime de uso em seu entorno, e a Resolução CONAMA nº 369/2006,
aponta os casos excepcionais, de utilidade pública ou interesse social baixo impacto ambiental, passíveis de possibilitar a intervenção
ou supressão de vegetação em Áreas de Preservação Permanente.
44 O Decreto Federal 750, de 10 de fevereiro de 1993, ampliou a proteção das formações vegetais pertencentes ao bioma Mata
Atlântica ao incluir as áreas cobertas por vegetação em estágios inicial, médio e avançado de regeneração.
45Sobre as faixas de proteção ao longo de cursos d’água consultar as leis federais 4771/1965, 7803/1989 e as resoluções CONAMA
302/2002 e 303/2002.
46 A pressão principal foi exercida pelos ruralistas para a flexibilização dos parâmetros de composição da reserva legal na Amazônia
e para o fim da obrigação de recuperação das áreas desmatadas e para a anistia de multas para quem desmatou até 2008. A reserva
legal é uma porção da área total das propriedades ou posses rurais, que deve ser mantida com a sua cobertura vegetal original para
assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais, proporcionar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos,
promover a conservação da biodiversidade, abrigar e proteger a fauna silvestre e a flora nativa. A dimensão da área varia de acordo
com o bioma onde a propriedade está localizada. Na Amazônia, é de 80% e, no Cerrado localizado dentro da Amazônia Legal é de
35%. Nas demais regiões do país, a reserva legal é de 20% (SOS Florestas/WMF, 2011). Dois séculos depois dos abolicionistas, as
duas principais instituições científicas do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira
de Ciências (ABC), continuam a argumentar, sem serem ouvidas, que o investimento na eficiência da agropecuária evitaria o
desmatamento.
47 A Constituição de 1988, ao atrelar a implementação dos princípios da função social da propriedade aos Planos Diretores
Municipais, atribuiu à instância municipal a principal responsabilidade em assegurá-la. Com a promulgação do Estatuto da Cidade em
2001, definiu-se que a efetivação de sua implementação se daria através da participação democrática e da aplicação dos
instrumentos urbanísticos regulamentados nesta normativa (SILVA, 2010).
De acordo com Feldman (2001) e Souza (In: FERNANDES e RUGANI 2002, p. 73-74), o modelo de
regulação da ocupação do solo urbano adotado no Brasil foi fundado no zoneamento e no estabelecimento
de parâmetros e índices de uso e ocupação do solo vinculados às zonas. Como destacou Souza (op. cit), o
modelo de regulação urbanística com base no zoneamento teve nítida inspiração funcionalista, baseada nos
princípios conceituais da Carta de Atenas49.
48 As chamadas Reservas da Biosfera foram criadas pela UNESCO em 1971, com o objetivo de desempenhar funções
complementares: garantir a conservação da biodiversidade, dos ecossistemas e das paisagens, estimular o desenvolvimento social e
econômico e preservar valores culturais associados ao uso de recursos biológicos.
49 Em síntese, a aplicação do zoneamento implica em segmentar o território em manchas ou parcelas para as quais são
estabelecidos índices e parâmetros homogêneos e separar funções no tecido urbano. Estes parâmetros regulam o percentual a ser
ocupado por edificações e (deveriam regular) o percentual a ser mantido permeável em projeção por lote (taxa de ocupação e taxa de
permeabilidade); a quantidade de área construída, a volumetria e a altura das edificações e a implantação da edificação no lote
(recuos e afastamentos frontais e laterais).
50O Rio de Janeiro se adiantou em relação às demais cidades do país. A partir da década de 1910, o zoneamento foi sendo
aperfeiçoado na cidade como principal elemento regulador da gestão do solo urbano através de sucessivos atos legais instituídos em
1914, 1918, 1924, 1925, 1935, 1937, 1970 e 1976..
51 O Rio de Janeiro se constitui em caso exemplar. Conforme ressaltaram Resende (1996) e Araújo (2005) não houve,
historicamente, uma correspondência direta entre as normas estabelecidas ao longo do tempo e os planos urbanísticos que foram
elaborados para a cidade em momentos distintos: Agache (1930), Doxiadis (1965) e PUB-RIO (1977), Plano Diretor Decenal (1992),
Plano Estratégico (1996) e o recentemente aprovado Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de
Janeiro, instituído pela Lei Complementar n.º 111/2011. Ambas as autoras atribuíram essa falta de conexão ao descompasso entre os
objetivos dos planos e os interesses imobiliários que sempre incidiram fortemente sobre a atuação pública.
52Na verdade, a primeira normativa a determinar a necessidade de definição de zoneamento ecológico–econômico foi a Resolução
CONAMA nº10, de 14/12/1988, dividiu as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), em Zonas de Vida Silvestre – ZVS, subdivididas em
Zonas de Preservação da Vida Silvestre – ZPVS e Zonas de Conservação da Vida Silvestre – ZCVS. Posteriormente, estabeleceu-se
na legislação ambiental uma outra categoria para as áreas passíveis de ocupação: as Zonas de Ocupação Controlada - ZOC.
De um modo geral, as legislações estabelecidas para regular a ocupação das encostas nas cidades
estudadas seguiram a lógica da limitação gradativa à ocupação em relação à altitude ou à inclinação das
encostas. No Rio de Janeiro e em Vitória, o parâmetro utilizado no zoneamento urbanístico para restrição da
ocupação das encostas e proteção das florestas foram as cotas altimétricas (cota 100m e 60m, no Rio, e
50m acima do nível do mar, em Vitória). No Rio de Janeiro, as áreas localizadas acima da cota 100m foram
declaradas Zonas de Reserva Florestal ainda na década de 1970, juntamente com outros dispositivos
incluídos na legislação para proporcionar uma gradação em termos de restrição à ocupação, conforme
veremos adiante. Em Vitória, as florestas e demais formas de vegetação nativa, situadas acima da cota 50m
foram declaradas Áreas de Preservação Permanente. Em Florianópolis, o parâmetro de cotas altimétricas,
aplicado até a década de 1990, foi substituído pela declividade na LUOS (Lei nº 001/1997), que estabeleceu
duas gradações de restrição vinculadas ao percentual de inclinação, declarando as áreas com declividade
acima de 25º como Áreas de Preservação Permanente. Também em São Paulo e Belo Horizonte, o critério
adotado foi a declividade. A legislação urbanística estabelecida nestas cidades, embora embasadas no
Código Ambiental e nas Resoluções CONAMA, definiram faixas intermediárias de gradação, além da
estabelecida na legislação federal, na tentativa de estabelecer uma restrição gradual à ocupação nas
encostas.
Com inspiração no índice estabelecido pelo Código Florestal (art.10º), a Lei de Usos e Ocupação do
Solo de Belo Horizonte proibiu o parcelamento do solo em terrenos naturais com declividade superior a 47%
(aproximadamente 25º) e vedou também o parcelamento em terrenos situados na zona de proteção
ambiental, em terrenos em que as condições geológicas não aconselham a edificação e em terrenos
contíguos a mananciais, cursos d'água, represas e demais recursos hídricos, sem a prévia manifestação dos
No Rio de Janeiro, as únicas determinações relativas à destinação de áreas para espaços livres
foram estabelecidas no Regulamento de Parcelamento da Terra – RPT, instituído pelo Decreto E nº
3800/1970, e no Decreto nº 322/1976 (Arts. 52 e 53). O RPT tornou obrigatória a cessão ao Estado, em
glebas pertencentes ao mesmo proprietário com área total superior a 30.000,00 m², de 6% de sua área total
para praças, jardins ou outros espaços livres ou para serviços públicos, vedada a inclusão de áreas non
aedificandi neste percentual. Percentuais quanto à área livre mínima no lote foram estabelecidos no Decreto
322/1976, art. 91 e quadro VI, e variam de 30% a 50%, de acordo com a zona urbana e a região
administrativa em que o lote estiver inserido. Nos casos de grupamentos de edificações os percentuais
variam de acordo com o número de edificações por lote, entre 35% (2 edificações) a 65% (mais de 10
edificações).
A LUOS de Belo Horizonte (Lei nº 7166/1996), referendou o disposto na Lei nº 6766/1979, ao tornar
obrigatória a transferência ao município de, no mínimo, 35% da gleba, para instalação de equipamentos
urbanos e comunitários, sistema de circulação e espaços livres de uso público, reservando no mínimo 15%
da gleba a ser loteada a equipamentos urbanos e comunitários e a espaços livres de uso público. Pelo Plano
Diretor, estabelecido pela Lei nº 7.165/1996, estipulou-se a proporção mínima de 12m² de área verde por
habitante, distribuídos por administração regional, mas, na prática, esta diretriz nunca foi efetivamente
aplicada (STAEL COSTA e MARIETA MACIEL, comunicação pessoal 2010).
O Plano Diretor de Vitória, Lei nº 6705/2006, art. 189, também reservou 35% das glebas a áreas
públicas destinadas ao sistema de circulação, equipamentos urbanos e comunitários e aos espaços livres de
uso público. Deste percentual, 10% foram reservados para espaços livres de uso público e equipamentos
comunitários, devendo ser mantidos com a vegetação natural e apresentar declividade máxima de 15%.
Em São Paulo, a Lei municipal nº 9413/ 1981, através do art. 2º, destinou 20% da área total dos
loteamentos para vias de circulação de veículos, 15% para áreas verdes e 5% para áreas institucionais,
devendo 50% do percentual destinado a áreas verdes estar localizado estar localizado em um só perímetro
ou em parcelas com declividade inferior a 30% (16º). As áreas verdes públicas situadas em terrenos com
declividade superior a 60% ou sujeitos à erosão ficaram reservadas à preservação e ao reflorestamento. Na
zona rural leste e oeste de São Paulo, de acordo com a lei municipal nº 9300/1981, este percentual suplantou
o estabelecido pela legislação federal, perfazendo 50% da área total da gleba: 20% para sistema viário; 25%
para áreas verdes e 5% para áreas institucionais. Esta normativa exige ainda que 2/3 do porcentual exigido
para áreas verdes estejam localizados em um só perímetro. A lei municipal nº 13885/2004, que disciplinou o
Nas legislações dos municípios estudados, o parâmetro declividade das encostas vem substituindo
o parâmetro da cota altimétrica na limitação ou restrição de parcelamentos. Entretanto, a simples substituição
de um parâmetro pelo outro implica na necessidade de avaliações caso a caso54. De modo geral, observa-se
que, em sua maioria, as normativas tendem a replicar parâmetros estabelecidos em outras cidades ou os
instituídos nas normativas federais (Lei nº 4771/1965, Lei nº 6766/1979 e Resoluções CONAMA),
restringindo-se a indicar a necessidade da avaliação dos órgãos responsáveis pela estabilização das
encostas. Por outro lado, verifica-se uma tendência preocupante ao gradativo relaxamento das normativas
urbanísticas anteriores, amparada na premissa da simples existência de unidades de conservação instituídas
pelas diversas instâncias governamentais. O mesmo aconteceu recentemente com o novo Código Florestal.
Não há menção à necessidade de manutenção das linhas de drenagem natural ou à proibição de
supressão da vegetação em nenhuma das normativas municipais estudadas nem à correlação entre a
declividade e a forma das encostas55 (quanto à concavidade, convexidade, convergência ou divergência de
53 Segundo Schäffer et AL (2011), os deslizamentos ocorridos na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro em 2011, por
exemplo, foram fortemente potencializadas pela ocupação antrópica. Tanto nas regiões urbanas, quanto nas rurais, as áreas mais
severamente atingidas pelos efeitos das chuvas foram: 1. Margens de rios, córregos e nascentes, definidas pelo Código Florestal
como Áreas de Preservação Permanente – APPs; 2. Domínios montanhosos com declividade acima de 25º; 3. Áreas na base dos
morros, montanhas ou serras; 4. Áreas localizadas nos fundos de vale, em especial junto a curvas, obstruções e desvios dos cursos
d’água.
54 A declividade de uma encosta possui estreita associação com processos de escorregamento, deslizamento e erosão. Entretanto, a
superfície das encostas apresenta grande variabilidade quanto à declividade, mesmo em curtas distâncias horizontais (Valeriano,
2008: 8) Um mesmo perfil de encosta pode apresentar áreas com diferentes declividades e podem estar dispostas de forma não
homogênea no território, exigindo uma definição metodológica para sua agregação. Do contrário, sua demarcação só poderia ser
feita na escala do lote.
55 Segundo Ruhe (1975:99), a forma das encostas é determinada pela associação de três componentes geométricos: a declividade, a
CAPÍTULO 2: CINCO CIDADES BRASILEIRAS – ESTUDO COMPARATIVO
92 A OCUPAÇÃO DAS ENCOSTAS NO RIO DE JANEIRO: MORFOLOGIA, LEGISLAÇÃO E PROCESSOS SÓCIO-AMBIENTAIS
fluxos) ou à extensão da encosta, conforme demonstra a literatura científica desde a década de 1970 (RUHE,
1975:99-102) e vem sendo objeto de pesquisas experimentais no Rio de Janeiro, com foco no Maciço da
Tijuca desde a década de 1990 (AVELAR, 1996 e 2003; AVELAR e LACERDA, 1997); LACERDA 1997 e
COELHO NETTO 2005 e 2007a).
A associação da ocorrência de deslizamentos com a supressão da vegetação nativa e com a
execução de cortes, aterros, escavações e fugas d’água (vazamentos nas redes de abastecimento e
drenagem) para implantação de estradas e edificações, demonstrada por Amaral (1996) e por Coelho Netto
(2005 e 2007), também não encontra medidas e dispositivos adequados na legislação para sua mitigação ou
resolução. Como demonstram os estudos do Laboratório GEOHECO-UFRJ (GEOHECO-UFRJ/SMAC-RJ,
2000), as políticas de proteção ambiental implementadas a partir de meados da década de 1980 ainda não
foram suficientes para ajustar as difíceis relações entre a cidade e a Floresta Atlântica nas encostas dos
maciços, em especial do Maciço da Tijuca56.
Além da supressão da vegetação, os vazamentos constantes nas redes de abastecimento que
atravessam as encostas e as falhas na execução das redes de drenagem implantadas pelo poder público,
bem como a redes informais de abastecimento de água implantadas pelas associações ou pelos próprios
moradores, compostas por um emaranhado de mangueiras de plástico com vazamentos permanentes, ou
ainda o despejo direto de efluentes sanitários nas encostas, ocasionam a infiltração pontual e direcionada,
gerando a concentração de fluxos subterrâneos e a saturação do solo, contribuindo para a desestabilização
das encostas. Além disso, os cortes e aterros indiscriminados; o despejo de lixo e entulho, que armazenam
grande quantidade de água nos eventos de chuva, com o aumento de carga sobre as encostas; e a
supressão da vegetação arbórea ou sua substituição por bananeiras e gramíneas, potencializam a
instabilidade e a ocorrência de deslizamentos. Da mesma forma que as normativas relativas à execução de
cortes, aterros e redes de abastecimento, esgotamento e drenagem nas encostas são insuficientes, a
atenção para com a fiscalização é extremamente falha, e estes “pequenos detalhes” passam despercebidos
pelo poder público.
Em relação aos espaços livres com caráter de urbanização, a legislação também é bastante falha. A
constituição, localização e distribuição destes nas encostas são praticamente desconsideradas na legislação.
As diretrizes adotadas na prática urbanística, de modo geral, seguem em direção à perpetuação da ordem
constituída, com uma cisão explícita entre os espaços edificados, mais valorizados, e os espaços livres,
curvatura vertical e a curvatura horizontal e interfere diretamente nos processos de dispersão, convergência e escoamento de fluxos
e matéria orgânica. A curvatura vertical expressa a forma da encosta quando observada em perfil, que pode assumir uma silhueta
côncava, convexa ou retilínea. A curvatura vertical relaciona-se aos processos de acúmulo e migração de fluxos por gravidade
(VALERIANO, 2008: 15). A curvatura horizontal, por sua vez, expressa a forma da encosta em projeção horizontal e relaciona-se à
disseminação ou convergência de linhas de fluxo, indicando divisores e anfiteatros, respectivamente. As classes de curvaturas
verticais (côncavas, retilíneas ou convexas) e de curvaturas horizontais (convergente, planar ou divergente indicam a forma da
encosta (VALERIANO, 2008: 20).
56 Com base em fotos aéreas de 1972, 1984 e 1996, e suas atualizações, reconhecimentos de campo e mapeamentos a partir da
cota 40m em escala 1:10.000, Coelho Netto indicou que a cobertura vegetal nativa do Maciço da Tijuca vem sofrendo uma contínua
retração nas últimas décadas, não obstante a existência de instrumentos legais para a proteção das formações vegetais
remanescentes da Mata Atlântica. Fernandes e Coelho Netto (1999) indicaram como as principais causas da devastação florestal o
avanço da ocupação humana sobre as encostas, especialmente em áreas mais íngremes.
57 As chuvas de 1966 afetaram severamente a região do Soberbo, à montante do recorte espacial em estudo, localizado no bairro do
Itanhangá, gerando seguidos eventos de avalanches de lama que causaram o represamento do Rio Cachoeira, elevando seu curso
d’água em cerca de 8 a 10m. Vítimas fatais, destruição parcial das estradas do Soberbo e de Furnas e a completa devastação da
Fábrica da Companhia Franco Brasileira de Papéis, na época, localizada às suas margens foram as conseqüências (AVELAR, 1996).
58 O termo movimento de massa se refere ao deslocamento dos materiais que compõem as encostas sob a influência de forças
A situação atual das encostas e dos rios no Rio de Janeiro reflete o processo de produção e
reprodução da paisagem da cidade levado a cabo ao longo de sua história. Seu crescimento urbano produziu
paisagens bastante desiguais em conseqüência da orientação econômica, política e cultural que regem a
vida na cidade. Apesar das evidentes desigualdades, os padrões espaciais de ocupação tendem a
apresentar algumas semelhanças independentemente dos estratos sociais aos quais estão relacionados.
Identificar estas semelhanças e investigar especificidades são os objetivos desse capítulo.
Como argumentado por Silva e Tângari (2003), estudar como a nossa sociedade tem gerado seus
espaços é fundamental para compreendê-la e, a partir daí, tentar planejar sua organização e
desenvolvimento. Neste sentido, o presente capítulo busca entender a lógica da ocupação formal e informal
nas encostas da cidade do Rio de Janeiro e analisar relações de causalidade e os processos de
transformação, correlacionando-os com os padrões espaciais encontrados.
A paisagem da cidade do Rio de Janeiro é marcada por uma morfologia montanhosa envolvida por
planícies fluviais e marinhas, onde se destacam os maciços da Tijuca, da Pedra Branca e Gericinó-
Mendanha. Estes maciços são atravessados por uma rede bastante ramificada de canais fluviais, com um
padrão do tipo radial, e ainda apresentam percentual significativo de cobertura vegetal remanescente da
Mata Atlântica, em estágios sucessionais diversificados (florestas em estágio avançado de regeneração,
florestas secundárias e formações vegetais pioneiras), gramíneas e imponentes escarpas rochosas. As
bacias que drenam o Maciço da Tijuca convergem seus fluxos líquidos, sólidos e solúveis tanto para a Baía
da Guanabara como para as lagoas e praias da baixada de Jacarepaguá, ou para a Lagoa Rodrigo de
Freitas e praias da zona Sul. O Maciço da Pedra Branca, por sua vez, é drenado tanto para as lagoas e
praias da baixada de Jacarepaguá, como para a baía de Sepetiba, enquanto a parcela carioca do Maciço do
Mendanha drena seus fluxos para a baía de Sepetiba e para a baía da Guanabara (Coelho Netto 2007:3).
Evidências de depósitos provenientes de deslizamentos datados do período Quaternário demonstram que
fenômenos de deslizamentos são característicos do domínio montanhoso no qual se insere a cidade do Rio
de Janeiro, como indicado por Meis (1968) e Coelho Netto (1985) (Mapa. 3 e Figura 33).
A estrutura da paisagem nas encostas cariocas é formada atualmente por um denso sistema de
espaços livres com caráter ambiental formado pelas florestas e pela dispersão de núcleos urbanizados
formais, assentamentos informais e manchas de gramíneas, via de regra, em situação de contigüidade entre
si, interligados pelos eixos viários que atravessam ou circundam os maciços. O padrão polinuclear da
ocupação mescla ilhas de urbanização rarefeita nas áreas formais e enclaves de maior densidade nas
favelas e espraia-se ao longo das bordas dos maciços e serras no prolongamento da malha urbana e ao
longo das vias de ligação que os atravessam, envolvidos e entremeados pelas florestas.
Ao analisar o processo de dispersão da urbanização em curso no Brasil, Reis Filho (2006) observou
o esgarçamento do tecido nas áreas periféricas às manchas urbanas consolidadas, onde novos núcleos
isolados em meio aos espaços livres formam constelações que se assemelham a uma nebulosa sobre o
território. Este padrão de constelação sobre o território também pode ser aplicado à ocupação urbana das
encostas cariocas (Mapa 6).
A ocupação no Maciço da Tijuca difere bastante dos outros dois maciços (Pedra Branca e Gericinó-
Mendanha) em termos de composição. No Maciço da Tijuca predomina majoritariamente a ocupação urbana,
enquanto nos outros dois maciços ainda prevalece a ocupação agrícola. No Maciço da Tijuca, os esparsos
núcleos de ocupação agrícola remanescentes localizam-se em sua vertente oeste. A ocupação urbana formal
predomina sobre a ocupação informal, tanto nas encostas da cidade quanto no Maciço da Tijuca, foco deste
estudo.
Fonte: Tabela 485 - População residente, área territorial e densidade bruta por Áreas de Planejamento, Instituto Municipal de
Urbanismo Pereira Passos - IPP/Armazém de Dados
Densidade bruta
Áreas de Planejamento População % Área (ha)
(hab/ ha)
Em relação à ocupação de encostas, atualmente 22% da área territorial total da cidade situa-se
acima da cota 100, que representa “teoricamente” o marco-limite legal da ocupação urbana nas encostas da
cidade, instituído a partir de 1970. Este percentual varia bastante em relação às Áreas de Planejamento,
atingindo cerca de 51% na AP2 e 34% na AP 4, onde se inserem os recortes espaciais estudados, conforme
Tabela 2. As demais regiões da cidade − AP 3, AP 1 e AP 5 − apresentam, respectivamente, menores
percentuais de áreas situadas acima da cota 100m, variando de 5% a 18%.
59 As Áreas de Planejamento foram estabelecidas no Plano Urbanístico do Rio de Janeiro - PUB-RIO, plano de diretrizes elaborado
em 1977, que tinha como foco a organização do processo de planejamento e de gestão do território, e dos instrumentos legais e
financeiros.
Fonte: presente estudo, modificada a partir da Tabela 515, área territorial acima cota 100m, Instituto Municipal de Urbanismo
Pereira Passos - IPP/Armazem de Dados e Secretaria Municipal de Urbanismo
Áreas de Planejamento Área (ha) Área cota 100m (ha)
Total %
Cidade 122 456,08 27 368,88 22,35
Área de Planejamento 1 3 439,52 463,97 13,49
Área de Planejamento 2 10 043,37 5 174,37 51,52
Área de Planejamento 3 20 349,14 1 128,03 5,54
Área de Planejamento 4 29 378,34 9 975,44 33,96
Área de Planejamento 5 59 245,71 10 627,07 17,94
Tanto a AP2 como na AP4 não se configuram como áreas especialmente populosas ou entre as
mais densas da cidade, mas nelas se situam alguns de seus bairros mais valorizados. Os preços de venda e
aluguel no setor imobiliário na cidade como um todo aumentaram cerca de 104% para venda e cerca de 62%
para aluguel de imóveis, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2011, segundo o Índice Nacional de Preços do
Setor Imobiliário, calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE em associação com o
portal de classificados ZAP Imóveis (http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap). Esta valorização também
aconteceu nos bairros localizados nas encostas da cidade.
As relações de exclusão versus inclusão e valorização versus desvalorização acontecem tanto entre
as áreas formais e as favelas como nestas últimas, internamente. Tanto umas como as outras possuem
lugares mais valorizados e outros menos. Como argumentou Valladares (2005), as favelas são, em média,
áreas mais pobres, mas não o são uniformemente, congregando uma estrutura social diversificada, fruto de
processos de mobilidade social, de aceitação da ilegalidade e de segregação espacial que fazem parte da
dinâmica de desenvolvimento da cidade.
Do total de 1021 favelas na cidade contabilizadas em 2010, 202 favelas, que equivalem a 35% do
total, localizam-se em encostas e têm toda ou parte da sua área territorial localizada acima da cota 60m,
conforme Tabela 4. Na AP 2, principalmente, e na AP 1 predominam favelas em encostas. Cerca de 80% e
60%, respectivamente, das favelas nestas áreas de planejamento localizam-se em encostas acima da cota
60. Na AP 4 as favelas em encostas correspondem a a 33% do total de favelas.
60Referindo-se especificamente ao processo de formação da Rocinha como um todo, Drummond (1981), conforme veremos no
Capítulo 4, indicou o cruzamento dos processos radial, a partir do sopé, e linear, a partir dos eixos de penetração dos loteamentos
não legalizados nesta comunidade.
Os processos que deram origem à ocupação das encostas cariocas, os esforços de proteção das
florestas e a influência exercida pela legislação a partir do século XIX orientaram a formação da estrutura da
paisagem nas áreas montanhosas da cidade, caracterizada pela polarização, tanto em termos físicos, entre o
suporte geo-biofísico e o suporte construído, como em termos sociais, expressa através de uma tendência à
segregação espacial entre os três tipos de tecido: a matriz floresta e os territórios ocupados, formal e
informalmente.
Com enfoque direcionado ao suporte construído, Flavio Villaça (1998, p. 141-142) considera a
segregação espacial urbana como uma tendência de organização espacial inerente à estrutura intraurbana
brasileira, segundo a qual “diferentes camadas sociais ou funções urbanas tendem a se concentrar”
espacialmente. O autor frisou, no entanto, que “a segregação não impede a presença, nem o crescimento de
outras classes no mesmo espaço”. A complexa estruturação urbana do Rio de Janeiro, fruto “da ação de
várias forças que atuam em diferentes direções” e “das sucessivas crises econômicas”, segundo Villaça
(1998, p. 148-149), e também decorrente do tipo de regulação e ordenamento territorial posto em prática na
cidade, deu origem a uma estratégia diferenciada de segregação espacial intra-urbana. A mistura social do
passado, os processos de formação da população e do crescimento urbano no Rio de Janeiro, alimentaram
uma maior aproximação entre grupos pertencentes aos extremos da pirâmide social nas encostas da cidade,
ainda que totalmente isolados e demarcados por cercas, muros ou fronteiras imaginárias que definem o
território de cada grupo social.
Villaça (1998, p. 147) distinguiu três tipos de segregação urbana: 1. a oposição centro x periferia; 2.
a separação entre áreas intra-urbanas destinadas às camadas sociais privilegiadas e às camadas populares
e 3. a segregação de funções urbanas por zonas especializadas: zonas residenciais, zonas comerciais,
zonas industriais, etc. No âmbito da presente pesquisa, interessa analisar mais detidamente o fenômeno da
segregação espacial intraurbana enquanto movimento de separação entre camadas sociais no contexto da
ocupação urbana das encostas, o qual deu origem às desigualdades que se materializam em sua paisagem.
A partir da análise da ocupação urbana nos recortes espaciais estudados na presente pesquisa, que
serão apresentadas e discutidas em mais detalhe no Capítulo 4, observa-se que o padrão atual de ocupação
nas encostas da cidade parece ter sido desencadeado primordialmente pela fixação de núcleos formais ou
Nas encostas, o processo de fixação e expansão dos núcleos formais e informais se entrelaçam no
tempo, marcados por processos descontínuos e cíclicos de desenvolvimento compostos por fases distintas.
A primeira fase é a nucleação que, no caso dos recortes espaciais estudados no Rio de Janeiro, parece
ocorrer predominantemente através da implantação de loteamentos registrados ou do surgimento de
assentamentos espontâneos a partir de parcelamentos não legalizados. A segunda fase corresponde à
expansão horizontal sobre as florestas e se dá pela fusão de territórios ocupados com a implantação de um
novo loteamento contíguo ou não ao primeiro ou com a conurbação dos assentamentos informais,
inicialmente isolados.
61Em torno das áreas não legalizadas, foram instalados delimitadores físicos, denominados de ecolimites, com a finalidade de coibir
a expansão urbana irregular sobre áreas de interesse ambiental. Os ecolimites foram instituídos pelo decreto municipal nº
20287/2001 como dispositivos de delimitação física destinados a demarcar a fronteira entre as áreas ocupadas, de domínio público
ou privado, e as áreas de interesse ambiental.
De acordo com o mapeamento de uso do solo, elaborado pelo Instituto Municipal de Urbanismo
Pereira Passos (IPP/ DIG - Gerência de Cartografia) em 200462, a ocupação nas encostas cariocas acima da
cota 60m correspondia a 12% do total da área territorial acima desta curva de nível em toda a cidade. A cota
60 m representa o marco-limite legal para abertura de ruas de iniciativa particular e implantação de novos
loteamentos para fins de ocupação urbana. Deste percentual, 8% equivalem à ocupação urbana; 3% à
agrícola e 1% à exploração mineral, conforme Tabela 5. Isto significa dizer que 88% da área territorial da
cidade situada acima da cota 60m compõem ainda uma parte extremamente significativa do sistema de
espaços livres do Rio de Janeiro, integralmente composto por florestas, arbustos, gramíneas, afloramentos
rochosos e corpos d’água. Em relação especificamente à área ocupada, o perfil da ocupação nas encostas
do Rio de Janeiro acima da cota 60m é majoritariamente urbano, onde cerca de 70% da área ocupada é
urbana, 25% agrícola e apenas 5% vincula-se à exploração mineral (Mapa 8).
O uso residencial formal ou informal predomina no Maciço da Tijuca, serras e morros isolados na
região leste da cidade (incluindo as zonas sul, centro e norte). A oeste ainda predomina o uso agrícola. A
ocorrência do uso vinculado à exploração mineral é esparsa, concentrando-se na região de contato entre os
maciços da Tijuca e Pedra Branca, na vertente norte do Maciço da pedra Branca e nas serras isoladas. Vale
lembrar que no mapeamento elaborado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) foram
incluídas áreas de exploração mineral já desativadas, das quais restaram as marcas na paisagem. Na escala
da cidade, os demais usos existentes nas encostas não são distinguíveis em mapa.
Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Área (ha) % Área ocupada % Área total
área urbanizada 2720 69 8
área agrícola 1004 25 3
área de exploração mineral 217 5 1
ÁREA OCUPADA 3940 100 12
ESPAÇOS LIVRES: área não urbanizada 30128 88
ÁREA TOTAL 34069 100
A densidade construtiva nas áreas ocupadas acima da cota 60m equivale a 27 edificações/ha, em
média, conforme Tabela 6. Supondo-se que um domicílio abrigue em média 4 pessoas, a densidade
populacional média estimada é de 110 habitantes/ha, com uma taxa de ocupação média de 20%.
62
O mapeamento de uso do solo e cobertura vegetal realizado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos – IPP em 2004
sub-dividiu as classes de uso do solo em dois grupos: áreas urbanizadas e áreas não urbanizadas, incluindo as áreas agrícolas no
grupo de áreas não urbanizadas. No âmbito da presente pesquisa, para fins de análise da ocupação nas encostas e do sistema de
espaços livres, as classes de uso foram reagrupadas em áreas ocupadas e áreas não ocupadas.
Fonte: presente estudo, a partir dos dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos - IPP/ Armazem de
Dados, referentes a 2000
Nº edificações 38669
Área das edificações (ha) 265
Área total (ha) 1408
Densidade construtiva (edificações/ha) 27
Densidade populacional (hab/ha) 110
Taxa de ocupação (%) 19
Acima da cota 100, a área ocupada corresponde a 7% do total da área territorial de encostas na
cidade, conforme Tabela 7. Nesta área, cerca de 3% equivalia à ocupação urbana e aproximadamente 3% à
agrícola. O percentual de espaços livres é ainda mais expressivo, perfazendo 93% do total da área territorial
da cidade acima da cota 100m com cobertura vegetal arbórea, arbustiva, gramíneas, afloramentos rochosos
e corpos d’água.
Em relação especificamente à área ocupada, o perfil da ocupação nas encostas do Rio de Janeiro
acima da cota 100m apresenta certa equivalência entre a área urbanizada, que corresponde a 49% da área
total ocupada e a área agrícola, que equivale a 46%.
Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Área (ha) % Área ocupada % Área total
área urbanizada 913 49 3
área agrícola 853 46 3
área de exploração mineral 97 5 0
ÁREA OCUPADA 1862 100 7
ESPAÇOS LIVRES: área não urbanizada 25483 93
ÁREA TOTAL 27345 100
Em relação especificamente à borda das encostas, entre as cotas 60m e 100m, 30% do total da
área territorial encontrava-se ocupado, conforme Tabela 8. Deste percentual, 26% equivaliam à ocupação
urbana; 2% à agrícola e 2% à exploração mineral. Podemos concluir que aproximadamente 70% da área
territorial nesta faixa da cidade ainda são espaços livres de edificação. Em relação especificamente à área
ocupada, o perfil da ocupação nesta faixa é ainda mais evidentemente urbano, com cerca de 87% da área
destinada a usos urbanos, 7% a usos agrícolas e apenas 6% vinculados à exploração mineral.
Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Area (ha) % Area ocupada % Area total
área urbanizada 1778 87 26
área agrícola 151 7 2
área de exploração mineral 120 6 2
ÁREA OCUPADA 2049 100 30
ESPAÇOS LIVRES: área não urbanizada 4674 70
ÁREA TOTAL 6724 100
Na análise elaborada na escala da cidade a partir do mapeamento elaborado pelo IPP em 2004, 93% do total
da área ocupada acima da cota 60m referia-se ao uso residencial, 2% a usos vinculados ao lazer e 2% ao
uso institucional, conforme Tabela 9. Os usos vinculados ao comércio e aos serviços, indústrias e
transportes, apesar de existentes, não são significativos. 67% da ocupação acima da cota 60m na época era
formal e 33% informal.
Acima da cota 100m, conforme a Tabela 10, a predominância do uso residencial era ainda mais intensa,
equivalendo a 95% do total da área ocupada. 3% referia-se a usos vinculados ao lazer e 2% ao uso
institucional. O uso industrial, apesar de ainda existente, não era significativo. 57% da ocupação acima da
cota 100m na época era formal e 43% informal.
Fonte: presente estudo, a partir do mapeamento de uso do solo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos -
IPP/ DIG - Gerência de Cartografia, 2004
Uso do solo Area (m2) Area (ha) %
Uso residencial (formal) 3752512 375 40
Uso residencial (informal) 5179478 518 55
Lazer 286105 29 3
Áreas não edificadas 20893 2 0
Institucional (educação e saúde) 55064 6 1
Institucional (outros) e de infraestrutura pública 93454 9 1
Industrial 25419 3 0
Transportes 2932 0 0
Total 9415857 942 100
Em 2004, os espaços livres com caráter ambiental acima da cota 60m apresentavam a seguinte
composição: 71% correspondiam à cobertura vegetal arbórea, 15% à cobertura de gramíneas e 14% a
afloramentos rochosos e corpos hídricos. A distribuição e a localização dos espaços protegidos, no entanto,
não é uniforme em relação às regiões da cidade. No Maciço da Tijuca a área protegida é maior do que nos
outros maciços da cidade se levarmos em conta a existência da zona de amortecimento do Parque Nacional
da Tijuca, instituída na revisão de seu plano de manejo em 2008, mas ainda não regulamentada, e das
florestas de proteção em torno do Parque Nacional da Tijuca, estabelecidas em 1967 e tuteladas pelo
Instituto do patrimônio Artístico e Histórico Nacional – IPHAN.
Em 2004, 16% das áreas acima da cota 100 m estavam protegidas exclusivamente pela legislação
urbanística (ZE 1). Em relação à composição dos espaços livres acima da cota 100m, 76,5% correspondiam
à cobertura vegetal arbórea, 13,5% à cobertura de gramíneas e 10% a afloramentos rochosos e corpos
hídricos. Conforme indicaram Figueiró e Coelho Netto (2003: 7), a ocorrência de gramíneas na interface entre
a floresta e a cidade representa um fator de degradação para o domínio montanhoso, uma vez que as
gramíneas contribuem para alterar sua dinâmica hidrológica, ao colaborar para a diminuição da recarga dos
aqüíferos, e comprometem a estabilidade do solo em áreas com alta declividade, devido à fraca fixação
mecânica de suas raízes.
No Rio de Janeiro, o padrão predominante quanto à volumetria construída nas encostas é dado pelo
contraste entre a ocupação rarefeita das áreas formais, formada por edificações de até 2 pavimentos,
conforme estabelecido pela legislação, que se estendem até 3 e 4 pavimentos na prática; com a ocupação
densa das favelas, formada por edificações de alturas variadas, com predominância de edficações de 2 e 3
pavimentos. Tanto nas áreas formais quanto nas informais, ocorrem edificações verticalizadas. Nas favelas,
conforme será exemplificado no Capítulo 4, as alturas das edificações variam muito, atingindo até 11
pavimentos na Rocinha. As edificações verticalizadas localizadas nas áreas formalmente ocupadas são
decorrentes de normativas anteriores a 1970 (em especial, do Decreto 6000/1937) e situam-se, quando
implantadas pela iniciativa privada, ao longo dos eixos principais de penetração nas encostas. Soluções
volumétricas diferenciadas, destinadas às camadas populares, foram implantadas entre as décadas de 1940
e 1970 pelo poder público. São exemplos os conjuntos residenciais do Pedregulho, em São Cristóvão, e da
Gávea, no bairro da Gávea, e os construídos pela iniciativa privada, destinados às camadas médias e altas,
sob a forma de condomínios residenciais, como por exemplo, os condomínios escalonados projetados por
Sérgio Bernardes no Humaitá e em Jacarepaguá, e as torres isoladas do condomínio Morada do Sol, em
Botafogo. (Figuras 53 a 60).
Fig. 60 a e b. Conjuntos de edifícios habitacionais verticalizados no sopé das encostas em São Conrado, na zona sul, e no Lins, na
zona norte. A mesma solução para estratos sociais bem diferentes.
Quais as relações entre estes padrões espaciais, os processos e agentes de transformação que
lhes deram origem? A configuração das montanhas do Rio de Janeiro se modificou bastante ao longo do
tempo, assim como sua imagem. Antes obscuras e negligenciadas, hoje são reverenciadas e consideradas
marcas registradas da cidade. A percepção e a postura da sociedade e, conseqüentemente, as do poder
público, perante o ambiente tiveram origem na herança cultural e nas formas de apropriação dos elementos
naturais, urdidas ao longo do tempo. Dessa relação resultaram os antolhos, as máscaras, as ações pontuais
e fragmentadas e a isenção de responsabilidade que permeia a relação do cidadão e das administrações
públicas cariocas com o seu ambiente, em seu perfil geo-biofísico e sócio-cultural.
Fig. 61 a e b. Igreja da Pena, em Jacarepaguá, e Igreja da Penha, na Penha, ambas situadas em morros isolados em meio à malha
urbana.
Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX os sucessivos ciclos econômicos no Brasil – em especial o da
cana de açúcar (século XVII) e do café (século XIX) - sustentados pela exploração dos índios e,
posteriormente, dos africanos e seus descentes e pela extração contínua de recursos naturais como a lenha,
o carvão e a água, ditaram os padrões iniciais de ocupação nas encostas (Abreu 1987 e 1992). Para os
A freqüente ocorrência de epidemias, que se espraiavam por toda a densa malha colonial, começou
gradativamente a estimular o desenvolvimento urbano em direção às áreas periféricas do núcleo central e às
encostas da cidade. As expedições estrangeiras durante o século XIX, e a eventual permanência dos
estrangeiros que optavam por habitar as montanhas florestadas, em especial, as do Maciço da Tijuca,
segundo os relatos de Maria Graham (1990), foram, aos poucos, disseminando entre a classe dominante
local outro tipo de relação com a natureza tropical, a par e passo, ainda que com menor destaque, do
processo de penetração na cultura local dos hábitos e valores das classes marginalizadas.
Conforme argumentou Andrelino Campos (2005), a existência das favelas como forma de ocupação
urbana está diretamente ligada ao início do processo de acesso à terra urbana no Brasil. Segundo Campos,
este processo teve origem com a promulgação da Lei de Terras, instituída anteriormente à abolição da
escravatura, que não considerou ou ratificou as antigas posses de negros e brancos pobres, congelando a
situação então existente. A Lei nº 601, conhecida como Lei de Terras, promulgada em 1850 e regulamentada
em 1854, foi elaborada para organizar os registros de terras doadas pela Metrópole portuguesa no período
colonial, legalizar as terras ocupadas sem autorização e reconhecer as terras devolutas, pertencentes ao
Império. Esta lei marcou uma mudança significativa na apropriação das encostas cariocas, alguns anos antes
No Brasil, segundo Abreu (2001: 203-229), o sistema de sesmarias se caracterizou pela imensidão
das glebas, pela imprecisão de seus limites e pela incongruência em relação às dimensões das terras
concedidas pela Metrópole a terceiros. As ordens religiosas, grandes parceiras no processo colonizador,
receberam diversas sesmarias da Coroa portuguesa. Única maneira de acesso à terra, anteriormente a Lei
de Terras, a doação de sesmarias perdurou no Brasil até 1822, mas seu impacto e os conflitos gerados pela
adoção deste sistema de ocupação sobre a estrutura fundiária e sobre o padrão de ocupação territorial
urbana no país e, em especial nas encostas do Rio de Janeiro, se fazem sentir até hoje.
Para Marx (1991: 38-40), o sistema de aquisição e transmissão de terras extremamente rígido,
concentrador e segregacionista, aliado à precariedade das definições e demarcações de seus limites,
induziram ao surgimento de brechas no sistema sesmarial, no bojo de sua própria lógica, operadas de
comum acordo entre o Estado, a elite fundiária dominante e a Igreja, nas terras sob a jurisdição desta última,
e nos rossios municipais, áreas de domínio coletivo e, portanto, negligenciadas. Os grandes proprietários ou
concessionários de terras cediam parte de seu patrimônio à Igreja com o objetivo de que esta intermediasse
a instalação de aglomerados destinados aos seus trabalhadores em área próxima a sua propriedade. Para a
Igreja Católica, tratava-se de associação vantajosa, uma vez que este expediente garantia a ampliação do
patrimônio fundiário religioso e do contingente de fiéis a contribuir para a manutenção do templo. As áreas de
domínio coletivo, por sua vez, foram gradativamente sendo reduzidas e “se concentrando nas baixadas
pantanosas, nas várzeas e nos declives mais acentuados, todos de difícil ocupação” (MARX, 1991: 85-86).
“Essa maneira peculiar de ocupar o solo urbano, de distinguir o que nele é terra comum e terra
concedida, de partilhar a terra concedida e de cuidar de seus respectivos limites” caracterizou a forma de
gestão do solo urbano até a promulgação da Lei de Terras em 1850, que marcou a “passagem da idéia de
domínio relativo para a propriedade absoluta da terra” (MARX, 1991: 92 e 120). E mesmo após a Lei de
63 De acordo com Abreu (2001: 200, 203), o sistema sesmarial se converteu na base da política de povoamento e consolidação
territorial de Portugal, a partir do século XIII, no processo de reconquista do território ibérico aos mouros, tendo sido largamente
utilizada, a partir do século XVI, com a expansão marítima portuguesa, para viabilizar o processo de consolidação da ocupação nas
colônias.
Para Abreu (ABREU, 2001: 232), “com a proclamação da República em 1889 e com a gradativa
separação entre a Igreja e o Estado”, as ordens e irmandades religiosas católicas puderam constituir
sociedades anônimas, administrar e vender seu patrimônio fundiário, que havia aumentado bastante em
decorrência da doação de glebas recebidas dos grandes proprietários fundiários, “para que os seus
trabalhadores sem terra pudessem ali fixar residência”, garantindo a presença da força de trabalho nas
proximidades de suas terras. “A cessão, entretanto, não se fazia diretamente a eles”, “cabendo à igreja, em
nome do padroeiro, administrar esse patrimônio” (ABREU, 2001: 233).
Como apontado por Dean (2002: 239) e Soares (2006: 147, 152 e 158), o conjunto de medidas
preservacionistas executadas pelo Império ao longo do século XIX, que incluíram as desapropriações
realizadas nas florestas do Maciço da Tijuca entre 1850 e 1885, o registro oficial das Florestas da Tijuca e
das Paineiras em 1861, o processo inédito de reflorestamento realizado entre 1862 e 1887, e mesmo a
designação das florestas como Florestas da União em 1961, foram motivados não apenas pela necessidade
de proteção das nascentes e mananciais. Todo esse processo ocorreu dentro de um contexto de melhorias
da infraestrutura urbana, vinculado aos interesses da elite estrangeira e posteriormente da aristocracia local
em agregar valor às encostas devastadas pelo cultivo do café e favorecer empreendimentos imobiliários.
As antigas chácaras, sítios e fazendas localizadas nas montanhas e morros ainda florestados,
anteriormente destinadas ao abastecimento do núcleo urbano ou ao cultivo de cana e café, tornaram-se
moradia das elites, para lá direcionadas pelo medo das epidemias ao longo do século XIX. Ao final deste
século já havia ao menos dois núcleos de assentamentos populares nas encostas dos morros isolados – da
Providência e de Santo Antônio – próximos ao núcleo urbano. Segundo Silva (2005a e 2005 b), aos núcleos
iniciais estabelecidos no Morro da Providência e no Morro de Santo Antônio, se juntaram, já nas primeiras
duas décadas do século XX, aglomerações no Morro dos Telégrafos e na Mangueira (em São Cristóvão), no
Conforme veremos em detalhe nos capítulos seguintes, a ocupação urbana formal nas bordas dos
maciços costeiros do Rio de Janeiro se cristalizou a partir das décadas de 1930 e 1940, com a implantação
dos primeiros loteamentos registrados oficialmente no Maciço da Tijuca, o mais próximo da área central da
cidade. Com a venda das glebas das antigas fazendas, sítios e chácaras e seu parcelamento em terrenos
menores e a abertura das estradas que cortaram os maciços, os empregados das antigas fazendas e os que
trabalharam na abertura das estradas deram início aos primeiros núcleos de ocupação popular nas encostas.
O retalhamento da terra urbana propiciou uma gradativa desconcentração urbana, a partir de então
sob novas bases, como argumentou Abreu (2001:36). As transações com chácaras e lotes, antes realizadas
em função de seu valor de uso, pela ação isolada de um proprietário fundiário, passaram a ser determinadas
em função de seu valor de troca, executadas por empresas dedicadas à comercialização de lotes urbanos,
em associação com o capital financeiro. Segundo Silva (2005b), estes assentamentos se espalharam pelas
encostas do Maciço da Tijuca e serras próximas entre os anos de 1910 e 1930, atingindo tanto a área
central, quanto e as zonas sul e norte da cidade64. Conforme esclareceu a autora (2005b:179 e 185), embora
64 Conforme indicaram Abreu (1994) e Silva (2005a e 2005b), na década de 1930 já se encontravam consolidadas e eram de
conhecimento público e oficial as favelas do Morro da Providência, conhecido inicialmente como Morro da Favela, e do Morro de
Santo Antonio, anteriores a 1900, da Mangueira, Babilônia, Salgueiro, Leme, Pasmado, São Carlos, Santos Rodrigues, Andaraí,
Arrelia (O’Reilly), Cabritos, Morro do Querosene, Chácara do Céu, Rocinha, Morro da Formiga, Borel, Casa Branca, Fazendinha e
Guararapes (menção a dois assentamentos distintos), Fallet, Navarro (Morro da Coroa), Pereira da Silva, Ladeira dos Tabajaras,
Quinta do Caju, Tuiuti, Morro dos Macacos, Morro dos Afonsos, Dona francisca, Morro do Mateus, Morro Araúlo Leitão, Jacarezinho e
Segundo Bonduki (1998:12), o modelo de capitalismo que se consolidou a partir da década de 1930,
foi montado para manter baixos os custos de reprodução da força de trabalho e garantir os lucros do
processo de industrialização que germinava no país. Pouco depois, a Lei do Inquilinato, instituída em 1942,
restringiu a livre negociação dos aluguéis, contribuindo, de um lado, como explicou Bonduki (1998:12 e 239)
para direcionar as classes populares para as áreas periféricas (no caso do Rio de Janeiro, para os subúrbios
e para as encostas), e de outro, para aumentar o interesse dos proprietários de terras nas encostas em
agenciar sua permanência. Como parte desta lógica, firmou-se o consenso a partir da década de 1940 que
caberia ao Estado equacionar o problema habitacional das classes populares e que sua solução estava
vinculada ao estímulo à aquisição da casa própria (Bonduki 1998:15)66.
Os primórdios da ocupação urbana nas encostas, bem como o tratamento dispensado a elas na
expansão do núcleo urbano foram diretamente influenciados pela argumentação higienista67. Como
demonstraram Maurício de Abreu (1987 e 1994) e Lilian Fessler Vaz (1986 e 2002), a origem das favelas
cariocas teve suas raízes ligadas à crise habitacional gerada pela política higienista de combate às
habitações coletivas e insalubres, no final do século XIX, e às crises políticas no período de transição entre o
Império e a República, no final do século XIX, e entre a República Velha e a República Nova, no início da
década de 1930. Para Abreu (1994), o estopim para a criação dos primeiros assentamentos irregulares no
Joaquim de Queiroz (uma das favelas do Complexo do Alemão, entre outras pequenas concentrações de casebres.
65 Segundo afirmou Silva (2005a), os núcleos favelizados em alguns casos seguiram, e em outros precederam a implantação dos
loteamentos. Entretanto, as análises elaboradas no âmbito da presente pesquisa indicam o predomìnio da relação de decorrência em
relação à ocupação urbana formal.
66 No Governo Vargas o acesso à habitação era considerado um dos pilares da reprodução da força de trabalho e da política
desenvolvimentista voltada para a industrialização e um elemento decisivo na formação ideológica, política e moral dos trabalhadores
(BONDUKI, 1998:73).
67 Mesmo muito tempo depois, os desmontes dos morros do Castelo e de Santo Antônio tiveram como justificativa permitir a
expansão e melhorar a ventilação da área central da cidade. Coincidentemente, ambos abrigavam, à época, camadas populares.
Conforme apontado por Abreu (1987) a tentativa de se resolver os conflitos gerados pelas lógicas
capitalista e escravista que vigoraram até o final do século XIX, recaiu basicamente na solução de separação
espacial de usos e classes sociais. A extinção dos cortiços e casas de cômodo da área central da cidade,
como observou Vaz (2002), não foi acompanhada de um planejamento para a relocação das camadas
populares, de uma política de transporte para facilitar o seu acesso aos locais de trabalho ou, como ressaltou
Bonduki (1998), da construção planejada de um número suficiente de moradias para abrigá-las em condições
dignas.
Paralelamente, conforme demonstrou Vaz (2002, 81-82), o poder público tornou obrigatória a licença
para construção e o atendimento às normas referentes a instalações sanitárias a partir de 1856 na área
central da cidade. Na virada do século XX, a administração Pereira Passos determinou a aplicação desta
regulamentação e de outras exigências técnicas em várias freguesias da cidade, onerando os custos da
construção nos subúrbios e restringindo as possibilidades de produção de moradia dos mais pobres, ao
mesmo tempo em que fazia “vistas grossas” à ocupação das áreas de encostas68. Os subúrbios deixaram de
se configurar, a partir de então, como uma alternativa para as camadas sociais mais pobres, restando as
favelas, até então assentamentos esparsos, isolados e rarefeitos, como únicas opções, conforme observou
Abreu (1986). Para Vaz (2002), o processo agravou-se ainda mais devido ao modelo industrial implantado,
que abriu mão de computar os custos com a moradia dos trabalhadores. As tentativas de ordenação do solo
sem a devida consideração ao passivo social, a subordinação do modelo de urbanização ao poder
econômico, e as transformações do mercado imobiliário69 contribuíram para a peculiar forma de segregação
espacial que caracteriza a cidade do Rio de Janeiro.70 O papel do poder público nesta equação foi crucial
para o direcionamento das camadas populares para as encostas.
68 Os decretos 762/1900 e 391/1903 permitiram a construção de casas de madeira e barracões nos morros não habitados da cidade
(Decreto 762/1900, arts. 10 e 11 e Decreto 391/1903, arts. 35 e 36), exigindo dos proprietários, nos morros já habitados, a construção
de muros de contenção e do fechamento dos terrenos com muros ou gradis (Decreto 762/1900, arts. 32 e 33 e Decreto 391/1903,
arts. 11 e 12).
69 Silva (2005b) sublinha, entre estas transformações, além da desestruturação do mercado rentista, o surgimento das incorporações
Segundo Parisse (1970), Bohadana (1983), Abreu (1994) e Silva (2005), entretanto, foi a partir da
década de 1940 que a preocupação com as favelas começou a se manifestar de modo mais abrangente e
sistemático na imprensa, em associação a uma anomalia social, símbolo da miséria, da marginalidade, da
desordem e da inadaptação social. Conforme explicaram Abreu (1994) e Silva (2005a e 2005b), a partir de
então o poder público se deu conta oficialmente da existência das favelas enquanto fenômeno social, ao
mesmo tempo que passava a introjetar a concepção de que caberia ao Estado arcar com a reprodução da
força de trabalho. Formulava-se a partir daí a contraposição entre a tomada de consciência da presença da
pobreza e sua aceitação como um dos pilares de sustentação da economia, responsável por seguidas
tentativas de segregação espacial. Tendo ainda como mote principal a questão da salubridade, as
administrações públicas iniciaram, a partir de 1940, uma série de levantamentos, embora pontuais e parciais,
nas favelas da cidade, com o objetivo de cadastrar seus habitantes e transferi-los das áreas valorizadas para
conjuntos habitacionais populares a serem construídos nas áreas peri-urbanas e de expansão da cidade.
Durante o Estado Novo (1937-1945), como apontaram Bohadana (1983) e Silva (2005a), enquanto
dispositivos legais autoritários mas pouco efetivos, como o Decreto 6000/193771, tratavam as favelas como
um problema a ser abolido mediante proibições, desenvolveu-se uma prática de re-educação desta parcela
da sociedade. Segundo Bohadana (1983), esta outra face da política, traçada pelo viés populista forjado nos
sistema de drenagem das Estradas da Tijuca, do Alto da BoaVista, da Boa Vista e do Açude (nas encostas do Alto da Boa Vista), da
Cascatinha, da Vista Chinesa e da Gávea Pequena (nas encostas da zona sul entre o Jardim Botânico e São Conrado) e de Furnas,
da Barra da Tijuca e do Pica-Pau (em direção à Barra da Tijuca e Jacarepaguá, cruzando a região do Itanhangá).
71O Decreto 6000/1937 proibiu a construção de novas edificações em madeira nas favelas e morros da cidade, destacando
especialmente os Morros da Babilônia, da Saudade, São João, Cantagalo, do Pasmado, dos Cabritos e em Santa Teresa, ou
quaisquer melhorias nas edificações existentes, propondo sua substituição por núcleos de habitação de tipo mínimo.
Durante os anos anteriores ao golpe militar, no início da década de 1960, ainda que a orientação do
poder público tenha sido pautada pelo viés populista, a ótica ideológica voltou a balizar o trato das questões
habitacional e urbana. Tensões e confrontos sobre o modelo almejado de estrutura da sociedade permeavam
as ações governamentais que, não por acaso, se faziam de forma descentralizada e pulverizada, através de
várias instituições, por vezes sob orientações divergentes, como explicou Bohadana (1983). Segundo a
autora, o duplo movimento em direções contrárias passou a envolver diferentes esferas de governo,
marcando um novo direcionamento em função de interesses ideológicos, eleitorais e do mercado da
construção civil em expansão. Enquanto em nível nacional, ainda que em bases populistas, o poder público
discutia reformas sociais e urbanas, abrindo espaço à mobilização popular; em nível local, a administração
estadual implementava a política de erradicação de favelas. A criação da Federação das Associações de
72 De acordo com Valla (1986) e Brum (2005), a Cruzada São Sebastião conduziu sua atuação em direção à integração dos
favelados na vida da cidade e incentivou a formação da conscientização comunitária através de organizações de base. O SERPHA,
por sua vez, tinha como objetivo formar sociedades de melhoramentos sob a responsabilidade dos moradores, assessorados por
técnicos da instituição. Para entender o papel da igreja católica na construção de uma doutrina social, na conservação do capitalismo
e nas lutas de resistência dos favelados no período ver VALLA, Victor Vincent. Educação e favela: Políticas para as favelas do Rio de
Janeiro, 1940-1985. Petrópolis: Vozes, 1986 e BRUM, Mario. Despertar e incentivar: A Pastoral de Favelas e o movimento
comunitário de favelas cariocas na Redemocratização. Revista Cantareira – Revista Eletrônica de História Volume 2, Número 3, Ano
3, dez. 2005
73 O levantamento realizado em 1948 pela Prefeitura do então Distrito Federal mostrou que todos os maiores assentamentos
populares com mais de mil moradias situavam-se, à exceção da favela da Praia do Pinto, na zona norte da cidade: Jacarezinho,
Mangueira, Esqueleto, São Carlos e Barreira do Vasco. Com exceção das favelas da Praia do Pinto e Barreira do Vasco, todos
situavam-se em morros e serras isolados, delineando a tendência da intensificação da ocupação não legalizada na zona norte da
cidade e a formação dos futuros complexos de favelas.
74 Como demonstrou Silva (2005a: 150), o processo de adensamento de algumas favelas cariocas já havia sido apontado pelo
recensseamento de favelas realizado em 1948. Os maiores núcleos de ocupação não legalizada localizados em encostas, compostos
por mais de mil casebres, localizavam-se na zona norte ou nas imediações da área central voltadas para o norte (São Carlos,
Mangueira e Jacarezinho). Os dados recuperados pela autora comprovam que o movimento de conurbação, que se acentuaria entre
as décadas de 1950 e 1970, já estava em curso na época.
Conforme sugeriu Silva (2005a: 100-101, 105-110 e 153), a partir da análise dos dados dos
levantamentos da PDF (1948), da SAGMACS (1960) e da Fundação Leão XIII (a partir da década de 1950),
em cerca de 44% das favelas originadas até a década de 1950, especialmente nas mais antigas, o acesso à
moradia se deu através da locação da edificação ou “do chão”, indicando a vinculação da sua origem com a
autorização, consentimento ou estímulo dos proprietários das terras, instituições privadas, religiosas ou
públicas, com ou sem pagamento de taxas e aluguéis. De acordo com essa autora, mais da metade da mão-
de-obra masculina das favelas recenseadas (52%) trabalhavam na vizinhança de seu lugar de moradia. É
interessante pontuar que a política em relação às favelas não considerou esta relação, optando por encarar o
fenômeno como geração espontânea. Segundo Bonduki (1998), a tradicional política de controle sobre as
favelas passou a apoiar-se mais fortemente na atuação de agências estatais, visando antecipar e esvaziar
demandas coletivas através de soluções individuais e enfraquecer as tentativas de organização dos
moradores. Com a extinção do SERPHA e a criação da COHAB – Companhia de Habitação Popular do
Estado da Guanabara, cujas ações se reduziram à construção de casas do tipo embrião em subúrbios
distantes, para onde foram removidas as famílias faveladas, reforçou-se o autoritarismo estatal sobre as
favelas (VALLA 2005)76. A incorporação da Fundação Leão XIII ao Estado, ainda que continuasse a ser
operada pela igreja, assim como a criação da COHAB, se constituíram na base institucional para o poder
público estadual exercer uma estratégia de controle burocrático, de viés coercivo, sobre as populações
faveladas (PARISSE 1970, BOHADANA 1983 e BONDUKI 1998).
Com o golpe militar e a partir da criação do Banco Nacional da Habitação - BNH, em 1964, a política
urbana é basicamente reduzida ao problema habitacional, tratado sob a ótica economicista e tecnocrática,
com a implementação de uma política nacional centralizada e padronizada, com ênfase na aquisição da casa
própria como eixo central da política urbana. Esta estratégia, urdida na década de 1940, redirecionou mais
efetivamente o foco da política urbana para as conquistas individuais na intenção de refrear as mobilizações
que pressionavam por reformas urbanas. O estímulo à construção civil, o foco na conquista da casa própria
e o estímulo à poupança se constituíram, a partir deste período, na mola mestra das ações governamentais,
na intenção de por fim à desordem social e urbana (AZEVEDO e ANDRADE 1982, BONDUKI, 1998).77
75 Sobre o confronto entre as políticas adotadas entre as diferentes esferas governamentais no período e sobre a criação da FAFEG
e sua atuação contra as remoções, consultar PARISSE, Lucien. Favelas de l’agglomeration de Rio de Janeiro. Leur place dans Le
processus d’urbanization. Tese de doutorado. Strasbourg: Centre de Géographie Appliquée. Université de Strasbourg, 1970 e
LEEDS, Anthony and LEEDS, Elisabeth. Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
76 Para um panorama abrangente da questão da pobreza no Brasil, ver Valla, Victor Vincent; Stotz, Eduardo Navarro e Algebaile,
Eveline Bertino. Organizadores. Para compreender a pobreza no Brasil, Rio de Janeiro: Contraponto/ENSP, 2005, 207 p.
77Para mais detalhes sobre o complexo quadro de interações entre o Estado e o setor privado em relação a esta questão, ver
AZEVEDO, Sérgio de e ANDRADE, Luiz Gama de. In: Habitação e Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
78 Nos períodos de abertura política e ideológica - durante o início da década de 1930, entre meados da década de 1950 e meados
da década de 1960 e a partir de meados da década de 1980 - ou mesmo em épocas mais repressivas, como forma de resistência,
conforme indicaram Silva (2005a) e Bohadana (1983), os movimentos sociais e a organização dos moradores das favelas cariocas,
auxiliados ou incentivados por setores da igreja e de partidos políticos foram fundamentais para o reconhecimento e a legitimação do
direito das populações pobres a seu lugar na cidade.
Ao longo destas décadas o poder público realizou intervenções urbanísticas em diversas favelas
com financiamento do Banco interamericano de Desenvolvimento (BID), com vistas a implantar e melhorar a
infraestrutura e a acessibilidade, introduzir equipamentos e serviços públicos urbanos e regularizar a posse
da terra, na tentativa de transformar, desta forma, as favelas em bairros. No entanto, críticas contundentes ao
Programa Favela-Bairro79 reunidas e apontadas por Leitão (2009) questionaram a percepção, implícita na
metodologia adotada pelo programa, das favelas como unidades homogêneas; a ausência de uma efetiva
participação popular organizada no processo de planejamento e implementação dos projetos; a pouca ênfase
dada aos programas de promoção social e melhoria do nível de vida da população e a pouca atenção à
melhoria das unidades habitacionais. Conforme demonstrado por Abramo (2003), apesar das melhorias em
infraestrutura, as intervenções urbanísticas promovidas pelo Programa Favela-Bairro não trouxeram
alterações significativas para a situação social e econômica da população das favelas beneficiadas pelo
programa, embora tenham estimulado o crescimento destes assentamentos e a valorização de seus imóveis.
É fato, como destacou Leitão (2009) que, independentemente ou não da implementação deste programa, as
décadas de 1980 e 1990 assistiram ao surgimento de uma nova classe média baixa, do fortalecimento do
mercado imobiliário informal, de mercados alternativos de bens e serviços e de uma maior diversidade de
usos e formas de ocupação nas favelas cariocas.
Em síntese, conforme apontaram Bohadana (1983), Abreu (1994) e Bonduki (1998), a relação do
poder público com as favelas ao longo do século XX foi marcada por racionalidades distintas e constantes
redirecionamentos. Ignorados, reeducados, controlados, banidos, exaltados, reabilitados, readmitidos e
tolerados no espaço urbano, os favelados estabeleceram suas estratégias ao longo do tempo para lidar com
este movimento pendular da sociedade e conseqüentemente, do poder público, em relação a eles.
Paralelamente, as áreas de encostas ocupadas pelas elites enfrentaram um gradativo processo de
desvalorização, em decorrência de um novo ciclo de desinteresse por parte do mercado imobiliário,
influenciado pela dominação do narcotráfico sobre as favelas, pelo acirramento da violência urbana e pela
conseqüente sensação de insegurança que se abateu sobre a cidade, inaugurando um novo período de
indefinição quanto à destinação das montanhas da cidade. Estas circunstâncias levaram o mercado a adotar
os condomínios fechados como um novo modelo de ocupação baseado no medo.
79O Programa Favela-Bairro foi iniciado a partir de 1994 para atender favelas entre 500 a 2500 domicílios, que representavam na
época um terço das favelas cariocas ou 60% da população favelada do Rio de Janeiro (SILVA e TÂNGARI, 2003).
80 Ao todo foram aprovados 196 Projetos de Alinhamento na administração Pereira Passos, à maioria localizados na área central e
vias de ligação com as zonas norte e sul da cidade. Estes projetos eram oficializados através de decretos acompanhados dos
respectivos projetos desenhados à nanquim em tela imperial transparente, visados e arquivados pela Diretoria de Obras, cujas cópias
heliográficas eram distribuídas para outros órgãos estaduais e federais (Reis, 1977:18).
81O Decreto 2021/1924 dividiu o território da cidade em quatro zonas: zona central; zona urbana; zona suburbana e zona rural e
estabeleceu gabarito máximo de dois pavimentos superpostos e afastamentos laterais mínimos de 5m para edificações situadas em
encostas com declividade acima de 40º na zona central e na zona urbana. Permitiu casas de madeira nos morros da cidade, com
exceção dos morros situados da zona central e de alguns morros localizados na zona urbana, a saber: Santa Teresa, Glória, Morro
da Viúva, do Pasmado e Santa Marta.
82A cultura do planejamento na cidade do Rio de Janeiro, pautada pela preocupação com o desenvolvimento urbano e econômico,
como destacaram Cavallazzi (1996) e Araújo (2005), sempre privilegiou a lógica do espaço construído, direcionada pelo mercado
imobiliário como foco de atenção e ação. Decorreram daí, conforme observaram as autoras, as tentativas sistemáticas de controlar a
produção dessa porção do espaço urbano em detrimento de uma maior ênfase na regulação do espaço público. Segundo Fridman
(1999:239), a metade da área loteada na cidade do Rio de Janeiro entre 1938 e 1988 já estava consolidada na década de 1940.
83 Transparece do Decreto 6000/1937 o forte poder discricionário aos órgãos encarregados de licenciar as construções e sua
atuação, fortemente influenciada por critérios estéticos.
84 A regulamentação do edifício de apartamentos e conseqüentemente, da possibilidade de fracionamento da terra urbana em
parcelas ideais superpostas, com no mínimo cinco pavimentos foi instituída por decreto em 1928 (Abreu 2001 e Vaz 2002). O
incentivo à verticalização continuou a imperar no decreto 6000/1937, apesar das recomendações relativas à proteção da paisagem.
As recomendações relacionadas à estabilidade das montanhas cariocas que faziam parte do decreto de 1937 ainda figuravam na
legislação de forma não coerciva. O órgão licenciador “poderia” exigir dos proprietários a fixação das terras por meio de vegetação,
construção de canalizações ou de muralhas de sustentação quando ocorressem deslizamentos de terras em terrenos particulares,
em conseqüência das enxurradas ou das águas de infiltração. Entre 1959 e 1962, dois instrumentos normativos – a Lei 948/1959 e o
Decreto 992/1962 – tiveram como foco a regulamentação da exploração de barreiras, saibreiras, pedreiras e turfeiras.
85 Os decretos E 5456/1972 e 5457/1972 continuaram a estabelecer determinações pontuais em relação à proteção paisagística. O
primeiro dispôs sobre a proteção das Pedras dos Dois Irmãos e da Gávea e o segundo, da paisagem em torno da Lagoa Rodrigo de
Freitas.
86 As Zonas Especiais 1 (ZE 1) são as zonas destinadas a proteger a cobertura vegetal das encostas acima de 60 metros em relação
ao nível do mar (cota 60) nos morros do Pão de Açúcar, Urca e Telégrafo e serra do Engenho Novo, e acima de 100 metros em
relação ao nível do mar (cota 100) nos demais morros e serras do município. A Zona Especial 3 (ZE 3) corresponde à XXIII Região
Administrativa, de Santa Teresa, posteriormente transformada em Área de proteção Ambiental, com regulamentação específica. A
Zona Especial 5 (ZE 5) se refere a área do Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá, elaborado pelo urbanista Lúcio Costa,
posteriormente regulamentada através do decreto municipal 3046/1981, que estabeleceu 46 zonas, nas quais estão incluídas as
encostas dos bairros de Jacarepaguá e do Itanhangá. As Zonas Especiais 10 (ZE 10) equivalem às áreas ocupadas por favelas e
foram também destacadas no zoneamento, uma vez que correspondiam a áreas de interesse social, com vistas à posterior
regularização e recuperação urbana.
87Este decreto limitou também a altura das edificações nos casos onde houvesse limite fixado anteriormente por decreto ou projeto
aprovado de loteamento ou ainda nas áreas voltadas para os elementos paisagísticos emblemáticos da cidade. Nestas áreas,
nenhum elemento construtivo localizado à jusante das vias no lado voltado para o mar pode ultrapassar as cotas de nível da calçada.
88No PEU Campo Grande, as Zonas de Conservação Ambiental são delimitadas a partir da cota de 50 metros. Em contrapartida, é
permitido o parcelamento entre as cotas de 50 metros e 100 metros, condicionando à aprovação do órgão municipal responsável pela
segurança das encostas e a parâmetros de ocupação mais restritivos.
89No tocante aos espaços livres públicos urbanos, o foco dos instrumentos normativos implementados a partir de 1984 foram as
regulamentações relativas à arborização e poda de árvores (decretos e resoluções de 1984, 1990, 1994, 2001, 2003 e 2006) à
adoção de áreas verdes e outros equipamentos públicos como praças, parques, jardins, monumentos, chafarizes, ciclovias (1988,
2005 e 2006), à regulamentação do uso desses espaços (2004 e 1999) ou ainda à indicação de áreas non-aedificandi nas regiões
administrativas das zonas centro e sul da cidade (1988).
90A APA de Santa Teresa (criada pela lei municipal 495/1984 e regulamentada pelo decreto municipal 5050 de 1985) foi a primeira a
ser instituída, em seguida foram estabelecidas as APAs da Fazendinha (1984), de Grumari (1986), de São Cristóvão (1986), do
Sacopã (1986), dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (1987), da Urca (1988), da Paisagem e do Areal do Pontal (1988), da
Pedra Branca (1988), do Bairro Peixoto (1989), da Prainha (1990), da Orla da Baía de Sepetiba (1990), do Morro do Leme (1990), da
Cidade Nova (1991), São José (1991), do Várzea Country Club (1991) e de Marapendi (1991), todas anteriores ao Plano Diretor de
1992 e muitas delas abrangendo áreas de encostas.
91 As unidades de conservação regulamentadas no SNUC subdividem-se em unidades de proteção integral, correspondentes às
áreas destinadas à “manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo-se apenas o
uso indireto dos seus atributos naturais” (inciso IV do artigo 2º da lei federal), e unidades de uso sustentável, onde é permitida a
“exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos,
mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (inciso XI do
artigo 2º da lei federal). Constituem Unidades de Conservação de Proteção Integral: 1. Estação Ecológica; 2. Reserva Biológica; 3.
Parque Nacional; 4. Monumento Natural e 5. Refúgio de Vida Silvestre. As Unidades de Conservação de Uso Sustentável abrangem:
1. Área de Proteção Ambiental; 2. Área de Relevante Interesse Ecológico; 3. Floresta Nacional; 4. Reserva Extrativista; 5. Reserva de
Fauna; 6. Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e 7. Reserva Particular do Patrimônio Natural.
92 A preocupação em salvaguardar a área em torno das unidades de conservação no Brasil data da segunda metade do século XX.
Antes mesmo da criação do SNUC, a legislação brasileira já previa tratamento diferenciado para o entorno das áreas protegidas em
âmbito federal. Tratavam-se, no entanto, de restrições genéricas aplicadas em um raio de alcance muito extenso. A Lei Federal №.
5.197/1967 restringiu o uso dos recursos nas áreas distantes até cinco quilômetros dos terrenos adjacentes a áreas de domínio
público. O Decreto № 99.274, de 06/06/1990, no artigo 27, submeteu o licenciamento de qualquer atividade que pudesse afetar a
biota nas áreas localizadas num raio de dez quilômetros das estações ecológicas às normas especiais estabelecidas pelo CONAMA.
A Resolução CONAMA № 13/1990, no Art. 2º, estendeu esse parâmetro para todas as unidades de conservação, tornando
obrigatório o licenciamento pelo órgão ambiental competente, de qualquer atividade que pudesse afetar a biota em um raio de dez
quilômetros ao redor das unidades de conservação.
93Florestas de Proteção: Tombamento Federal – Processo 762 – T – 65 - Livro arqueológico, etnográfico e paisagístico- n.º 42 , folha
10, em 27/04/1967 - Tombamento do Parque Nacional da Tijuca e de suas Florestas de proteção acima das cotas 80 e l00 metros.
94 Entre os incentivos, incluiu-se a isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, mas não há menção à isenção de
Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU. Moradias e estruturas existentes antes da criação da RPPN podem ser
mantidas até a elaboração do seu plano de manejo, que definirá sua destinação. Admite-se ainda em RPPNs moradia do proprietário
e funcionários diretamente ligados a gestão da unidade de conservação, conforme disposto em seu Plano de Manejo. Por todas estas
razões, as RPPNs precisam ser regulamentadas pela instância municipal.
Como vimos nesse capítulo e conforme será demonstrado em detalhe no Capítulo 4, os imbricados
processos de formação e transformação da paisagem das encostas do Rio de Janeiro foram guiados por
fatores e agentes aparentemente antagônicos que atuaram, ao longo do tempo, como elementos-chave da
estrutura urbana: o suporte geo-biofísico; os padrões de habitação impostos pelas classes abastadas; o
modelo econômico e o mercado, em sentido amplo, englobando o mercado de terras, os mercados
imobiliário e da construção civil e o mercado de trabalho em geral; o patrimônio de terras da Igreja Católica; a
legislação urbanística e ambiental e a falta de política habitacional que leva as camadas populares a habitar
as favelas. As relações de interdependência entre os agentes envolvidos e o poder político, condicionadas
pela distribuição espacial não equilibrada do mercado de trabalho e de terras e pela limitada e tendenciosa
mobilidade intra-urbana, perpetuada pela inexistência de uma rede de transportes públicos de massa,
moldaram a morfologia desta porção da paisagem carioca ao longo do processo de construção da cidade.
As razões que levaram as favelas a surgir, se expandir e proliferar na paisagem urbana do Rio de
Janeiro são variadas e convergentes, em função das conjunturas políticas e econômicas. Como é possível
perceber a partir das contribuições de Valladares (1978 e 2005), Bohadana (1983), Abreu (1994 e 2001),
Este caráter cíclico é ressaltado nas nuances e mecanismos do processo de evolução desta
relação, que envolveram restrições e proibições na legislação (Decreto 6000/1937); perspectivas de
reeducação e reabilitação para a vida na cidade, baseada em mudanças físicas nos aglomerados ou em
transferências para outros contextos considerados mais adequados, como os parques proletários e conjuntos
habitacionais; erradicações e “limpeza” das áreas valorizadas da cidade; a criação de um banco para
resolver o problema habitacional e a implementação de programas governamentais pontuais, com foco,
sobretudo, nos estratos medianos das classes populares; a atribuição de responsabilidade e autorização às
próprias comunidades para melhoria das condições de vida nas favelas; a burocratização das iniciativas de
autoconstrução e, finalmente, a conquista e a aceitação da permanência da população favelada na área
originalmente ocupada e o reconhecimento e a consolidação das favelas como áreas de interesse social, ao
mesmo tempo e que se consolidam como lugar por excelência do mercado informal.
A análise dos diversos instrumentos legais esboça o retrato multifacetado da legislação que incide
sobre as encostas da cidade, caracterizada pelo fracionamento e pela cisão do aparato legal, pulverizado em
várias normas continuamente superpostas que revogaram ou alteraram as anteriores, conforme assinalou
Araújo (2005) em relação à legislação estabelecida para a cidade como um todo, e das ferramentas de
gestão utilizadas para regular o parcelamento (projetos de alinhamento e de parcelamento); pela influência
da visão higienista/sanitarista; pela divisão da cidade em áreas com funções e padrões similares e
“tratamentos” diferenciados; pelas sucessivas tentativas de mudanças na regulação, atreladas aos interesses
e desinteresses do mercado imobiliário e da construção civil; e pelo embate, nem sempre conciliável, entre
as dimensões social, cultural e ambiental da cidade e o direito à propriedade. Há um descompasso entre a
legislação ambiental e a legislação urbanística, formuladas e aplicadas de maneira estanque e ainda muito
desarticulada, bem como as legislações fundiária e habitacional, ultrapassadas e ineficazes. Tanto a
legislação ambiental como a legislação urbanística, no entanto, são pautadas por normas pontuais e visões
setoriais. Reveses, contradições e sobreposições detectados indicam que esse arcabouço legal aparenta ser
um conjunto de normas dispersas direcionadas a objetos bem diferentes. De um lado a cidade, do outro a
floresta, as montanhas e os rios que as percorrem.
A partir da década de 1980, ao mesmo tempo em que a dimensão social do problema habitacional
passou a ser considerada pelo poder público, a preocupação com a proteção ambiental passou a justificar as
ações governamentais de remoção ou controle das favelas. Leis e decretos foram editados para flexibilizar
padrões urbanísticos e edilícios destinados a legalizar a moradia dos extratos sociais mais baixos da
população ou a garantir os lucros do capital imobiliário, tendo como motivação a valorização da proteção ao
meio ambiente. Trata-se de duas visões em permanente conflito.
Importa ressaltar que esses instrumentos legais, da mesma forma como aconteceu em outros
momentos da história do Rio de Janeiro, parecem ter tido como premissa obedecer à ordem estabelecida e
fornecer critérios e diretrizes para a sua perpetuação. Tal e qual até o século XIX as normas instituídas
tinham como foco estabelecer critérios para as atividades ligadas e decorrentes do extrativismo; ao longo do
século XX passaram a privilegiar o uso residencial, criando condições para um tipo específico de mercado
95Estudo realizado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, divulgado em reportagem do Jornal O Globo, de 22 de
março de 2009, indicou que 16,7 quilômetros quadrados acima da cota 100 em todo o município do Rio de Janeiro encontravam-se
ocupados por algum tipo de construção. Deste montante, 70% das áreas (equivalente a 11,7 quilômetros quadrados) encontravam-se
ocupadas por construções de padrão médio e alto e 30% (equivalente a cinco quilômetros quadrados), correspondiam a
assentamentos aglomerados, tipo favelas, que no entanto, concentravam 73% da população aí instalada. No entanto, é importante
salientar que as ocupações irregulares não se limitam às favelas e/ou a outras formas de assentamento de estratos populacionais de
baixa renda. Existem condomínios de classe média e alta que também infringem a legislação.
O Maciço da Tijuca é o mais urbano dos três maciços costeiros situados na cidade do Rio de
Janeiro. É atravessado por vias de circulação que se interconectam à malha viária urbana unindo as zonas
sul (Jardim Botânico) e norte (Tijuca, Grajaú e Vila Isabel) à região da Barra da Tijuca (São Conrado,
Itanhangá e Jacarepaguá) e ao centro da cidade. Segundo Coelho Netto, a morfologia do Maciço da Tijuca é
assimétrica. As amplitudes de relevo e os gradientes topográficos não são espacialmente uniformes. As
encostas da vertente norte do maciço são as mais expostas à insolação, a temperaturas mais altas, à
poluição industrial e aos incêndios provenientes da grande quantidade de balões soltos no inverno, época
mais seca do ano, favorecidos pela presença dispersa e pulverizada de enclaves de gramíneas, altamente
combustíveis (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000 e COELHO NETTO, 2005).
As vertentes sul e leste do maciço são as que apresentam a maior proporção de cobertura florestal
arbórea em melhor estado de conservação devido a um conjunto de fatores que compreendem a ocorrência
de menores taxas de insolação e, conseqüentemente, uma maior umidade do solo; grandes amplitude e
declividade do relevo, aliadas a uma maior concentração de áreas protegidas. Entretanto, esta configuração
não inibiu a ocupação urbana até aproximadamente 300m acima do nível do mar, tanto formal, quanto
informal, onde convivem diferentes grupos sociais. Na vertente oeste do maciço, onde o processo de
ocupação urbana é mais recente, combinam-se altos índices de insolação e a ocorrência ainda mais
freqüente de incêndios, tanto provocados por balões, quanto decorrentes das práticas agrícolas
rudimentares, ainda presentes nesta região. Este quadro, de acordo com Coelho Netto (GEOHECO-
UFRJ/SMAC-PCRJ, 2000 e COELHO NETTO, 2005), tem favorecido a expansão acelerada das áreas
cobertas por gramíneas sobre as áreas de floresta nesta vertente do maciço (Mapa 17).
As encostas do Maciço da Tijuca tiveram parte da sua área protegida pela criação do Parque
Nacional da Tijuca (PNT) em 1961. O PNT abrange 3953,22 ha de área territorial e é formado atualmente por
quatro setores não contíguos – Serra da Carioca, Floresta da Tijuca, Pedra-Bonita/Pedra da Gávea e Pretos
Forros/Covanca, o último deles anexado em 2004. Distingue-se dos demais parques nacionais brasileiros
pela sua completa inserção na malha urbana do Rio de Janeiro, situação que confere ao parque
características singulares. Na revisão de seu Plano de Manejo, elaborada em 2008, foi estabelecida uma
zona de amortecimento com vistas a minimizar os chamados efeitos de borda sobre os quatro fragmentos
protegidos (PARNA TIJUCA/ICMBIO 2008) (Mapa 18).
96 Na presente pesquisa foram realizados levantamentos de campo nos setores da Rocinha voltados para a Bacia do Rio Rainha, na
Fig. 65 a e b. A floresta nativa envolve os núcleos de ocupação formal e informal, situados à meia-encosta, abaixo de marcantes escarpas
rochosas, no Itanhangá, no Rio de Janeiro. A favela Floresta da Barra localiza-se na margem esquerda do Rio Cachoeira entre vários
loteamentos fechados por guaritas. Os núcleos de ocupação se desenvolveram por entre os afluentes do Rio Cachoeira e enclaves de
afloramentos e blocos rochosos.
Apesar da vinculação entre o padrão da ocupação urbana formal e a altimetria do relevo ser
discernível em dois dos três recortes estudados, através de uma série de indicadores, como, por exemplo, o
tamanho dos lotes e o fracionamento do tecido, fruto dos diversos dispositivos de restrição gradativa
estabelecidos pela legislação municipal, não há vinculação direta entre as faixas altimétricas estabelecidas
pela legislação municipal na década de 1970 (cotas 60m e 100m) e a localização topográfica das ocupações
nos recortes estudados, onde a ocupação é anterior a 1970. A área urbanizada (formal ou informal) liga-se à
malha urbana da cidade plana através dos vetores de penetração, cujo trajeto coincide com os fundos de
vale, e atinge aproximadamente 300 m acima do nível do mar (Mapa 19, Mapa 20 e Mapa 21).
A distribuição das declividades nos recortes espaciais estudados foi avaliada com base nos
estudos experimentais já citados e discutidos (AVELAR, 1996; LACERDA, 1997; AVELAR, 2003; COELHO
NETTO, 2005 e 2007a) e no exame das legislações federal e dos outros municípios estudados. Foram
utilizadas como classes nas avaliações quanto à declividade nos recortes espaciais estudados os intervalos:
entre 15º ou aproximadamente 25% e 25º ou aproximadamente 45%; entre 25º e 35º e igual ou acima de 35º
ou aproximadamente 70%. Estas classes de declividade, conforme mencionado anteriormente, são áreas
particularmente suscetíveis a escorregamentos, especialmente quando associadas às formas
côncavas/convergentes e convexas/divergentes, respectivamente, e apresentam um padrão em manchas ou
fragmentos dispersos pelo território e estão associadas à suscetibilidade a deslizamentos. As áreas com
predomínio destas declividades foram cotejadas com as áreas onde predomina a classe de 45º,
demonstrando que áreas com declividades inferiores ao disposto na legislação federal em vigor também
Não houve condições de avaliar com precisão a forma das encostas em termos da ocorrência de
curvaturas verticais e horizontais até a conclusão dessa pesquisa. As avaliações preliminares elaboradas
foram feitas “a sentimento”, a partir do modelo digital de terreno, do relevo em três dimensões (hillshade), das
ortofotos e dos levantamentos de campo. A porção da Bacia do Rio Carioca onde se localizada o recorte
espacial estudado é formada por vales estreitos e encaixados. A área com ocupação formal está situada
sobre áreas predominantemente côncavas e as favelas, em áreas predominantemente convexas. A forma
das encostas no recorte espacial que abrange a ocupação urbana correspondente ao alto Gávea e à Rocinha
assemelha-se a dois anfiteatros em oposição. As ocupações, tanto formais quanto informais, se situam sobre
áreas predominantemente côncavas, com exceção dos setores Laboriaux, 199, Vila Vermelha, Terreirão e
adjacências, na Rocinha, que se localizam sobre os divisores das bacias de São Conrado e do Rio Rainha. A
forma das encostas no recorte espacial localizado no bairro do Itanhangá mescla áreas côncavas e conexas
e tende à concavidade, conformando vales amplos, bastante ondulados, em forma de uma grande rampa. À
montante da ocupação informal, há uma espécie de falha abrupta na cabeceira de drenagem, formando um
fundo de vale bem encaixado que supostamente se espraiou, devido a movimentos de massa pretéritos, no
local onde foi implantada a comunidade Floresta da Barra.
As favelas, segundo Farias (2009), se caracterizam pelo processo individual e paulatino de sua
ocupação, em permanente transformação, pela gradação em termos de precariedade e insalubridade
decorrentes da carência de infraestrutura e serviços urbanos básicos, pela irregularidade e ilegalidade em
termos fundiários, urbanísticos e jurídicos. Conforme observou a autora (2009: 57), as franjas ou bordas
entre as favelas e os bairros passam por adaptações ao longo do tempo aproximando-se do território vizinho.
Existe uma nítida gradação em termos de compactação do tecido nas fronteiras entre as áreas formais e
informais. As edificações situadas em áreas formais diminuem em tamanho e adensam-se na medida em que
se aproximam das favelas. Do mesmo modo, as edificações maiores e mais consolidadas das áreas
informais localizam-se na interface com as áreas formais, junto às vias principais de acesso. A distância da
água e das vias de acesso, principalmente das vias de acesso carroçáveis, parecem orientar a estratificação
social dentro das favelas. As favelas percorridas e analisadas na presente pesquisa apresentam uma grande
variabilidade de padrões de habitabilidade e urbanidade, lugares e edificações que são encontrados em
outros bairros da cidade e outros extremamente precários, evidenciando uma forma de estruturação que
emula a diferenciação social e espacial que caracteriza a cidade como um todo.
O recorte espacial inserido na bacia do Rio Carioca, na interface entre os bairros Cosme Velho e
Santa Teresa, se caracteriza por uma ocupação urbana mais compacta. O contraste existente entre o tecido
formal e o tecido informal em termos de densidade, tamanho das edificações e fracionamento do tecido é
atenuado pelas características da ocupação formal encontrada neste recorte, comparativamente a mais
compacta entre as três áreas estudadas. Apesar da urbanização bastante consolidada na área, foram
identificados vários lotes ainda vazios no interior da área efetivamente ocupada. Enquanto a mancha de
ocupação planejada se localizou nos fundos de vale, os assentamentos informais localizaram-se à meia
encosta em Guararapes e Vila Cândido, e sobre o divisor, no Cerro-Corá (Mapa. 22).
O recorte inserido na Bacia do Rio Rainha, na interface entre os bairros da Gávea e da Rocinha,
apresenta expressivo contraste entre o tecido formal e o informal em termos de densidade, tamanho das
edificações e fracionamento do tecido. O tecido formal é bem menos compacto e fracionado do que no
recorte do Cosme Velho e menos rarefeito do que no recorte localizado no Itanhangá. Por sua vez a Rocinha
é a mais compacta e densa das três favelas estudadas, principalmente a jusante da Estrada da Gávea, na
porção central da ocupação, voltada para o bairro de São Conrado. O contraste interno é dado pelos lotes de
maiores dimensões e espaços livres remanescentes ao longo da Estada da Gávea e nas bordas à montante
do assentamento. À medida que a ocupação se aproxima da floresta e das escarpas rochosas, torna-se
gradativamente mais dispersa, rudimentar e rarefeita (Mapa 23).
Fig. 69 a e b. Contraste entre a ocupação da Rocinha e a ocupação formal no alto do bairro da Gávea, que serpenteiam à meia
encosta em meio à floresta. Notar vetor tentacular de expansão do Laboriaux, ao longo da linha do divisor. Esta expansão foi
induzida pelo reassentamento promovido pelo poder público no início da década de 1980. O núcleo formal no alto da Gávea se
desenvolveu ao longo do fundo de vale, espraiando-se à meia encosta. À direita, a favela Parque da Cidade também assentada
sobre um divisor.
Existe uma grande discrepância em termos de abrangência entre os espaços livres com caráter
ambiental e os espaços livres com caráter de urbanização nas encostas do Maciço da Tijuca. Entretanto, a
análise elaborada na escala dos recortes espaciais demonstrou que os espaços livres de urbanização,
embora pareçam desprezíveis na escala do Maciço da Tijuca, exercem papel importante na proteção
ambiental nas áreas urbanizadas e efetivamente ocupadas (Mapa 25).
As áreas que apresentam maior grau de risco geológico situam-se nas bordas dos núcleos de
ocupação e ao longo dos fundos de vales muito íngremes. O risco é potencializado pela existência de
escarpas e afloramentos rochosos, pela ocorrência pontual de fugas d’água proveniente das tubulações
improvisadas para o abastecimento d’água ou esgotamento doméstico, executadas muitas vezes com
mangueiras plásticas, e de pontos de infiltração sob os blocos de rocha, pelo desmatamento da vegetação
nativa e pelo despejo de lixo. Nos fundos de vales muito íngremes, o risco está associado ao
estrangulamento e obstrução das linhas de drenagem natural devido à instalação de edificações, desvios de
curso e despejo de esgoto doméstico in natura em seu trajeto, e pelos aterros criados para implantar
edificações e outras benfeitorias. As áreas ocupadas situadas sobre depósitos instáveis de material
proveniente de deslizamentos pretéritos também se configuram como áreas de instabilidade geológica,
segundo a Fundação GEO-RIO (RIO DE JANEIRO/PCRJ/FUNDAÇÃO GEO-RIO, 1992, 1997 e 2004).
Segundo os relatórios da PCRJ/ FUNDAÇÃO GEO-RIO (1992, 1997 e 2004), os riscos associados
aos núcleos de ocupação informal são, via de regra, maiores, devido à precariedade da infraestrutura
instalada, o adensamento e a impermeabilização nas áreas favelizadas. Entretanto, se por um lado o
adensamento e a impermeabilização nas áreas favelizadas agravam os problemas de infraestrutura, em
especial, de saneamento, por outro atenuam o risco geológico-geotécnico ao formar uma capa impermeável
sobre as encostas. Além disso, o ainda precário funcionamento do sistema de coleta de lixo nas favelas,
onde a coleta não é realizada com a mesma freqüência do que nas áreas formais, contribui para agravar a
situação de risco. Existe um passivo diário, que permanece acumulado nas valas, terrenos baldios e na
periferia das favelas, gerando de vetores transmissores de doenças e favorecendo a instabilidade das
encostas (CONSÓRCIO MAYERHOFER & TOLEDO, MPS e LOCUS, 2009 e AMARAL, 1996) (Mapas 26 a
31).
Fonte: Tabelas 2972, 2917 e 1754. Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos - IPP/Armazém de Dados
BAIRROS E 2010 DINÂMICA 2000 DINÂMICA 1991 DINÂMICA 1980 DINÂMICA 1960 DINÂMICA
FAVELAS 2000-2010 1991-2000 1980-1991 1980-1960 2000-1960
(%) (%) (%) (%) (%)
Cosme Velho 7.178 -1 7.229 -2 7.345 0 7.346
Itanhangá 38.415 43 21.813 57 9.356 58 3.917
Gávea 16.003 -9 17.475 12 15.350 -224 49.774
São Conrado 10.980 -2 11.155 -22 13.591 38 8.421
Santa Teresa 40.926 -1 41.145 -8 44.554 -14 50.907
Alto da Boa Vista 9.343 12 8.254 -22 10.084 -8 10.885
Total áreas 4.765.428 1.910.145 60
formais
Guararapes 735 36 1.187
Vila Cândido 1.107
Cerro-corá 1.012 21 801
Floresta da Barra 3.605 47 1.924
Rocinha 69.356 56.338 24 42.892
Favelas 1.092.476 335.063 69
Cidade 6.323.037 7 5.857.904 6 5.480.768 7 5.090.723 56 2.245.208 62
Em relação aos vetores de indução à ocupação, quatro grandes eixos transversais cortam o
Maciço da Tijuca na direção nordeste-sudoeste. A região nordeste – sudoeste é a que apresenta maior
interligação por vias de ligação que atravessam o maciço. Além da ocupação urbana situada nas bordas, três
destes eixos – os que se desenvolvem sobre o maciço – concentram e conectam diversos núcleos, tanto de
ocupação formal quanto de ocupação informal. São eles: o que parte da região central da cidade,
atravessando o bairro de Santa Teresa em direção à zona sul; o que liga a Tijuca ao Itanhangá e à Barra da
Tijuca, sobre o fundo de vale cuja ocupação deu origem ao bairro do Alto da Boa Vista e o que liga os bairros
do Grajaú e Vila Isabel a Jacarepaguá, em direção à Barra da Tijuca. O último vetor, composto pela Linha
Amarela, implantada na década de 1990, é o que menos apresenta relação direta com a implantação dos
núcleos de ocupação situados na região, todos surgidos anteriormente, por se tratar de uma via semi-
expressa, com acessos pontuais e interligações por túneis e viadutos (Mapas 32 e 33).
O traçado e o sistema de circulação nos três recortes espaciais analisados são compostos por
vias de ligação que serpenteiam sinuosamente pelas encostas, unindo as áreas formais às informais. Essas
vias, de modo geral, foram abertas em diagonal ou, em alguns trechos, perpendicularmente às curvas de
nível para vencer grandes desníveis, como acontece no Cosme Velho. São menos freqüentes os casos de
núcleos de ocupação sobre os divisores, como em Santa Teresa e na Gávea.
Os eixos viários que dão acesso às favelas nos recortes espaciais estudados constituem-se em
prolongamentos dos que estruturam a ocupação urbana formal nestas encostas. Internamente, caminhos
bastante ramificados, embora descontínuos, geralmente dispostos em diagonal ou perpendicularmente às
curvas de nível, ocasionam uma baixa conectividade entre setores e localidades. Das três áreas informais
estudadas, a mais diferenciada em termos de traçado é a Floresta da Barra, localizada no Itanhangá, que se
desenvolveu a partir de um traçado viário anelar, solução encontrada em relevos ondulados, formados por
elevações arredondadas, e morros isolados.
A divisão fundiária nas encostas não é completamente demarcada nas plantas cadastrais. Os
logradouros definem as divisas frontais dos lotes formais localizados nos domínios montanhosos, mas seus
limites de profundidade, que raramente são demarcados nas plantas cadastrais, não são discerníveis in loco.
Em média, os terrenos privados possuem formas e área total bastante variável, de pequenos lotes com 225
m2 a glebas com mais de 100.000 m2. Via de regra, são terrenos que se tornam muito íngremes à medida
que sobem as encostas, cuja declividade restringe naturalmente a ocupação. As quadras, quando fechadas,
são irregulares e sinuosas, resultantes da acomodação do traçado às condições do terreno.
O processo de ocupação urbana, tanto nas áreas formais quanto nas áreas informais, de um modo
geral, segue uma dinâmica de transformação que envolve as fases de nucleação, consolidação dos
Nos territórios informais originados a partir de processos de legalização não concluídos, como é o
caso da Rocinha e também da Floresta da Barra, as situações encontradas apresentam particularidades
inerentes a cada caso. Na Rocinha, alguns núcleos surgiram a partir da implantação do arruamento
executado conforme o projeto de loteamento e da subseqüente venda de lotes. Na Floresta da Barra, o
processo parece ter sido orquestrado pelo antigo proprietário, envolvendo instituições financeiras. O traçado
do arruamento assemelha-se ao traçado sinuoso dos loteamentos vizinhos, mas não apresente semelhança
com o projeto de loteamento registrado na Prefeitura.
No caso das áreas informais situadas no Cosme Velho, o território de Guararapes também se
constituiu a partir de um processo de arrendamento não legalizado de terras pelo proprietário original,
transformado posteriormente em uma espécie de posse condominial coletiva, a partir da aquisição das terras
em nome da associação de moradores. Quanto aos usos, predomina no Maciço da Tijuca o uso residencial.
O uso agrícola e o vinculado à exploração mineral ocorrem na vertente oeste do maciço. Nos recortes
analisados, embora o uso residencial predomine fortemente, destaca-se a presença pontual do uso
institucional, como veremos adiante (Mapa 34).
97 Mediadoras de conflitos e impasses entre moradores, segundo Leitão (2009), as associações de moradores desempenham
funções que caberiam ao poder público, como indicar áreas passíveis de ocupação, orientar construções ou definir características
gerais de uso e ocupação, além de promover obras de infraestutura de saneamento básico e de pavimentação.
98 Contemporaneamente, conforme observaram Soares (2006: 212) e Guerra (2005), as disputas na interface entre a cidade e a
floresta nas encostas do maciço ainda expressam conflitos produzidos em tempos históricos diferentes e denunciam o desequilíbrio
entre os atores sociais nele envolvidos, em função das suas relações de poder.
O início da ocupação urbana formal e informal foi concomitante nos três recortes estudados,
conforme veremos a seguir, apesar das singularidades inerentes entre os processos que lhes deram origem.
Nos três recortes, constata-se uma nítida vinculação entre a configuração e os processos de domínio
fundiário pretéritos, anterior à ocupação urbana, e a configuração atual da ocupação urbana e os processos
de domínio fundiário contemporâneos. O uso religioso e de defesa do território deixaram muitas marcas nos
morros e montanhas cariocas. As ordens e irmandades católicas detinham propriedades fundiárias tanto no
alto Cosme Velho, como no alto da Gávea. Com a desativação gradativa do uso agrícola e, em especial, com
a valorização das montanhas e florestas pelas elites (estrangeira e local), proliferaram fazendas e chácaras
com características inicialmente peri-urbanas nestas áreas, utilizadas como segunda residência. As relações
de poder das elites acabaram por suplantar a hegemonia das ordens religiosas na ocupação dessas
encostas que, no entanto, conservaram parte de seu estoque de terras de forma pontual, sediando igrejas,
instituições de ensino e hospitais, como pode ser observado nas áreas estudadas.
A maior parte dos parcelamentos no recorte espacial do Cosme Velho registrados em Projetos
Aprovados de Loteamento (PALs) data das décadas de 1930 e, especialmente, da década de 1940. As terras
loteadas pertenciam a antigas chácaras e fazendas que já existiam no final do século XIX. No recorte situado
na interface entre os bairros da Gávea e da Rocinha, apesar de ter ocorrido parcelamento no final da década
de 1920, cujo processo de legalização não foi concluído, os parcelamentos registrados datam, em sua
maioria, das décadas de 1940 e 1960. Por sua vez, no recorte espacial localizado no Itanhangá os
parcelamentos datam do final da década de 1940 e das décadas de 1950, 1960 e 1970.
Neste recorte espacial, a vinculação entre a configuração pré-urbana e a do tecido urbano atual
gerou uma diferenciação espacial entre as duas margens do Rio Carioca, refletindo a polarização social
existente. A ocupação formal, em sua maioria, concentrou-se na margem esquerda, e a informal, reuniu-se
na margem direita do rio. O tecido urbano neste recorte está assentado nos terrenos de duas das chácaras
pré-existentes, com limites definidos pelo rio e pelos divisores da bacia. Em uma delas concentrou-se a maior
parte da malha urbana formal99. Na outra, concentraram-se as três favelas analisadas. Não foram
encontrados Projetos Aprovados de Loteamento (PALs) nas áreas ocupadas pelas favelas estudadas neste
recorte. A ausência de registros impossibilita identificar a titularidade da totalidade da área ocupada pelas
favelas, com exceção das manchas pontuais identificadas pelo levantamento fundiário realizado pela
SMH/PCRJ em meados da década de 1990 (Mapas 36 e 37).
Os primeiros núcleos de ocupação popular no alto Cosme Velho apareceram ainda no fim do século
XIX, localizados na margem direita do Rio Carioca. Inicialmente, supomos que estariam relacionados à
presença da Companhia de Tecidos Aliança, instalada no vale do Rio Carioca em 1880 e desativada em
1937, conforme indicou Rezende (1999) , corroborado por Schlee (2002). Outras possibilidades, que deverão
ser investigadas futuramente para validação, incluem: a instalação consentida pelo proprietário de uma das
chácaras localizadas nesta vertente, ou a autorização de permanência dada pela instituição ou irmandade
religiosa que implantou o atual Hospital Adventista Silvestre. As terras que abrangem o terreno do hospital
podem ter sido doadas à instituição anteriormente à instalação dos assentamentos ou a doação pode ter
99 Esta chácara, de acordo com Estrella Bohadana (1983: 4-6), conhecida como “fazendinha”, compunha um núcleo rural
remanescente de antiga fazenda de café. Com a venda dos terrenos da fazenda para uma companhia imobiliária e seu posterior
loteamento, as famílias que nela trabalhavam se dirigiram para o outro lado do Rio Carioca, onde, segundo a autora, desde a virada
do século XX já havia um pequeno assentamento popular. Este terreno, com acesso pela Ladeira dos Guararapes, pertenceu
posteriormente à Maria Elisa de Oliveira Passos que, até a década de 1960, autorizava sua ocupação mediante uma taxa mensal.
De acordo com Dantas e Senra (1994), o primeiro núcleo de ocupação popular surgiu próximo à
mina d’água existente na comunidade Guararapes na década de 1890 e se consolidou em torno do chamado
Largo do Vinte, principal espaço livre da comunidade. Na década de 1930, quatro núcleos esparsos e
pontuais já estavam instalados às margens do Rio Carioca e junto a vias de acesso já existentes na área,
nas comunidades Guararapes e Cerro-Corá. Seguiram-se outros núcleos, formados por amigos e parentes
das famílias que já ocupavam a área, vindos de Minas Gerais, Espírito Santo e de estados do Nordeste, que
foram aos poucos se consolidando a partir da década de 1930, até formar um tecido relativamente contínuo,
que deram origem à configuração atual das comunidades Vila Cândido100 e Cerro-Corá, nas proximidades do
núcleo inicial de Guararapes (BOHADANA, 1983 e DANTAS e SENRA, 1994).
100 Segundo Dantas e Senra (1994), na Vila Cândido a primeira ocupação ocorreu em terreno pertencente à União, onde funcionava
um armazém, e data da década de 1910, segundo relato dos moradores. Na década de 1980, a área particular adjacente a este
terreno foi progressivamente ocupada e atualmente é uma das mais densas e que apresentam padrão construtivo mais baixo.
A maior parte da área ocupada pelos assentamentos informais nesta área era de propriedade
privada. Relatos de moradores, documentados por Dantas e Senra (1994), revelaram que os aglomerados
surgiram junto às vias de acesso, a partir de alguns casarões subdivididos em casas de cômodos, cujos
proprietários passaram a arrendar os terrenos nas proximidades, permitindo a implantação dos primeiros
casebres. Segundo os moradores de Guararapes, Vila Cândido e Cerro-Corá, sucederam-se diversos auto-
proclamados proprietários que, alegando a posse das terras nessas encostas, cobravam aluguel das
ocupações em suas supostas propriedades. Situação semelhante aconteceu nas encostas situadas entre
São Conrado e Gávea, dando origem ao atual bairro da Rocinha, conforme veremos adiante. Este
movimento não era novo, reproduzia em certa medida, a expulsão dos pequenos proprietários de cortiços e
casas de cômodos que foram varridos da área central da cidade no início do século por Pereira Passos.
A abertura do anel viário de acesso ao Túnel Rebouças no final da década de 1960 tornou-se um
novo agente modificador da paisagem local nesta bacia. A ligação mais rápida com a zona sul reaqueceu o
mercado imobiliário e induziu ao crescimento populacional no vale como um todo e nos assentamentos
populares, em particular. Segundo Dantas e Senra (1994), a ameaça de despejo nos assentamentos
populares era constante apesar das tentativas pontuais de equacionamento do problema habitacional até
que, entre as décadas de 1960 e 1970, os moradores de parte de Guararapes e do Cerro-Corá obtiveram a
posse das terras, por processos diferenciados.
Em 1963, conforme relatou Bohadana (1983: 45), Guararapes lançou-se um uma experiência
pioneira de organização interna em um sistema cooperativo, conseguindo estabelecer, através da
organização comunitária, uma farmácia, um posto médico, embriões de uma escola profissionalizante e de
uma creche e desenvolver uma confecção comunitária, cujos lucros foram empregados em obras no espaço
coletivo na comunidade. Ainda de acordo com Bohadana (1983: 73-75), com a intensificação das remoções a
partir de 1967, Guararapes, bastante atingida pelas chuvas, foi cadastrada para remoção pela Fundação
Leão XIII. Sob esta ameaça, a comunidade buscou uma forma singular de resistência. Os moradores
reuniram-se, cotizaram-se e adquiriram o terreno onde moravam da antiga proprietária, Maria Elisa de
Oliveira Passos, que exigiu a criação de uma sociedade civil para formalizar a transação imobiliária. O
terreno foi comprado em nome da Associação de Moradores, fundada na ocasião para este fim. Segundo
No Estudo de Caso 2, referente ao recorte espacial que abrange o alto da Gávea e a Rocinha, a
ocupação urbana se iniciou junto a afluentes formadores do Rio Rainha, na vertente voltada para o bairro da
Gávea, nos moldes do que aconteceu no Cosme Velho, isto é, a partir do gradativo desmembramento de
chácaras ou fazendas e destas em glebas, que foram loteadas a partir da década de 1940. Curiosamente, no
entanto, o primeiro loteamento projetado neste recorte, localizou-se na bacia de São Conrado, ao longo do
caminho de ligação aberto ainda nas terras da antiga chácara em direção à praia, posteriormente
denominado Estrada da Gávea e tratava-se de um loteamento de baixa renda, cujo processo de legalização
não foi concluído.
A ocupação da Rocinha se originou nas terras de uma grande fazenda, posteriormente adquirida
pela Companhia Castro Guidão, que a loteou e iniciou a venda de lotes entre 1927 e 1930. Os lotes eram
extremamente estreitos e compridos. Este loteamento teve apenas seu arruamento parcialmente implantado.
O traçado das ruas projetadas coincide com as principais vias carroçáveis e de pedestres que estruturam
atualmente a malha viária da Rocinha, ainda denominadas como Rua 1, 2, 3 , 4 e Rua Dionéia (identificada
na planta do referido loteamento como Rua 5). Seus primeiros proprietários eram, na maioria, pequenos
Tal qual aconteceu no alto Cosme Velho, a área ocupada pela favela é predominantemente de
propriedade privada. A Rocinha foi parcialmente assentada sobre parcelamentos parcialmente implantados
que não chegaram a ser legalizados (como os das Companhias Castro Guidão, em 1927 e Cristo Redentor,
em 1961) e loteamentos que tiveram aprovação inicial e foram posteriormente cancelados (como os
registrados nos PALs 8502,10680, 12761, referentes à área do Laboriaux), que não foram implantados na
prática. Deste modo, a maior parte da área ocupada pela Rocinha situa-se sobre domínio privado,
irregularmente ocupado ou invadido. Apenas na vertente voltada para a Gávea, na localidade conhecida
como 199, foram ocupadas áreas destinadas a uma escola, doada ao poder público na aprovação do
loteamento registrado no PAL 25474, e parte da área livre privada deste mesmo loteamento, posteriormente
também doada ao poder público, em processo iniciado em processo de 1949 e aprovado em 1962101 (Mapas
38 e 39).
101 Neste loteamento 18,5% da área total era destinado aos lotes; 7% a espaços livres de circulação; 12,5% a um clube; 3% à escola;
4% a jardins; 5% a reserva florestal e 50% à área livre privada, doada ao poder público em 1968 (PAL 27968).
O processo gradativo de conurbação dos assentamentos iniciais ocorreu na década de 1960. Até o
início desta década, estes núcleos de ocupação encontravam-se espalhados em diferentes locais do
anfiteatro natural, abrigando 4513 moradores (SAGMACS 1960). Contudo, ainda prevalecia uma forma de
ocupação bastante rarefeita, formada por edificações dispersas, situadas ao longo da Estrada da Gávea e
das Ruas 1, 2, 3 e 4. De acordo com o relatório produzido pela SAGMACS (op.cit), o perfil sócio-econômico
da população local na época era composto majoritariamente por operários da construção civil, da indústria,
funcionários públicos e biscateiros e a ocupação já contava com um comércio complementar ao uso
residencial bem desenvolvido, uma igreja e um centro social da Fundação Leão XIII.
O registro de lotes na área aconteceu de forma eventual, isolada e pouco esclarecedora em relação
à sua conexão com os processos de parcelamentos, segundo a Fundação Bento Rubião (2008)103. Conforme
demonstra o levantamento realizado pela Fundação, as áreas de ocupação mais antigas, a julgar pelo tempo
de posse, encontram-se ao longo da Estrada da Gávea e nas áreas compreendidas pelas ruas 2 e 3. Na
contramão do resto da comunidade, a localidade conhecida como Laboriaux foi registrada, em quase toda
sua totalidade, em nome do Município do Rio de Janeiro no início da década de 1980. Este registro se deu
quando o poder público municipal promoveu a transferência das setenta e cinco famílias, cujas moradias
situavam-se sobre a principal linha de drenagem da Rocinha, o antigo valão de esgoto, que deu origem à
Avenida do Canal no Campo Esperança, na época uma das áreas mais densas e insalubres da comunidade,
para o Laboriaux em 1981104.
102 PLTs eram as plantas de loteamento ou de glebas registradas na Secretaria de Fazenda, anteriormente à criação do órgão
responsável pelo planejamento e gestão urbanas na cidade do Rio de Janeiro. Supostamente o sistema de registro em PLTs vigorou
até 1935, quando foi consolidada sua substituição pelos PALs, pela normativa de 1935, conforme já mencionado.
103 Do total de 26 lotes aprovados em 1947 no PAL 12385, apenas 5 lotes foram registrados no Registro Geral de Imóveis (RGI) no
final da década de 1960. Em 1980, os lotes 1 a 14 e 21 e 22 do PAL 12385 foram remembrados e desmembrados em 19 lotes de
dimensões e formas variadas e pouco usuais. Não há indícios de que o proprietário original constante no RGI tenha promovido a
alienação dos terrenos anteriormente, apesar da existência do PAL 12385 (FUNDAÇÃO BENTO RUBIÃO, 2007).
104 Esta área havia sido parcelada em 1944 pelo PAL 8502, modificado pelo PAL 10680, anterior a 1960, que a dividiu em 179 lotes
com (51% destinados aos lotes; 9,5% destinados a espaços livres de circulação (ruas e escadarias), 37,5% destinados a espaços
livres de permanência e reserva florestal) e apenas 2% cedidas a PDF (Prefeitura do Distrito Federal). Segundo Geronimo Leitão
(comunicação pessoal, 2010), a relocação das famílias para o Laboriaux, na época, foi vista como um avanço, pois era a primeira vez
que o poder público reassentava moradores de áreas de risco em uma outra área na própria favela. No entanto, este assentamento
acabou por se tornar um vetor de expansão sobre o divisor das bacias de São Conrado e Gávea, em direção à floresta.
105 Neste período, 80% das edificações passaram a ser atendidas pela rede pública de água e esgotamento sanitário, foram
implantados os CIEPs e outras quatro escolas municipais (Fundação Bento Rubião 2007, Leitão 2009 e Consórcio Mayerhofer &
Toledo, MPS e Locus, 2009).
Ao longo da década de 1980, a ocupação da parte baixa da Rocinha adensou-se ainda mais e
consolidaram-se as edificações ao longo da Estrada da Gávea e demais vias principais, transformadas em
construções de alvenaria. Conforme indicou Leitão (2009), os moradores mais antigos ocupavam a parte
baixa da favela, a faixa lindeira à Estrada da Gávea voltada para o bairro de São Conrado e as áreas mais
próximas às vias carroçáveis. As áreas mais próximas aos divisores da bacia, localizadas junto à floresta e
às escarpas rochosas sujeitas a riscos geológicos-geotécnicos, mais distantes das vias de acesso e,
portanto, menos valorizadas, já estavam parcialmente ocupadas pelas famílias recém chegadas. Nesta
época, segundo o autor, já era possível perceber uma variada gradação entre estes extremos, em termos de
padrão construtivo, condições de acessibilidade e infraestrutura, indicando que o grau de precariedade das
edificações aumentava à medida que a ocupação se dirigia rumo aos divisores. As transformações
morfológicas na paisagem ocorreram a par e passo com as modificações na organização interna das
edificações, que passaram a abrigar usos e funções cada vez mais diversificados (LEITAO, 2009).
106 As precárias redes de tubulações de água implantadas em mutirão pela comunidade para captação das águas das nascentes
situadas à montante produziram ao longo do tempo uma malha emaranhada de dutos de plástico e mangueiras de borracha, que via
de regra, apresentam vazamentos constantes.
107 No fim da década de 1990, segundo Leitão (2009:166), intensificou-se o mercado de compra e venda de lajes e de espaços
aéreos ainda disponíveis e o desmembramento progressivo da unidade residencial em frações destinadas à locação, induzindo à
verticalização.
O processo de parcelamento nesta área iniciou-se entre 1946 e 1947 com o remembramento e
desmembramento de grandes sítios, pertencente a um único proprietário, em três grandes glebas (A, B e C).
A maior delas (gleba C) situava-se no lado esquerdo do Rio Cachoeira e era formada pelos antigos Sítio das
Furnas e Sítios 6 e 7, que tinham acesso pelo antigo Caminho do Colégio, atual Estrada do Itajuru. A gleba C
foi desmembrada em 1946 em dois grandes lotes pelo PAL 11718, registrados sob os nºs 12615 (lote 1) e
12530 (lote 2) em 1947108. O primeiro, localizado a jusante e atravessado pelo Rio Cachoeira, foi
parcialmente implantado, e subdividido novamente em 76 lotes109. O outro, a montante, registrado no PAL
12530, foi subdividido em 72 lotes de formas e dimensões muito variadas mas não chegou a ser
implantado110. De modo geral, os projetos de loteamentos formais nesta região ignoraram a presença e a
proximidade do Rio Cachoeira, apesar da sua incrível beleza cênica. O desenho do loteamento registrado no
PAL 12530 parece ser complementar a outro PAL, sem registro, que abrangeria o terreno contíguo,
108 No PAL11718 figuram as glebas A,B e C. A maior delas (gleba C), com 312734 m2, foi dividida nos lotes 1, de 98305 m2, que deu
origem ao PAL 12615, e 2, de 204429 m2, com projeto de parcelamento registrado no PAL 12530, mas não implantado. As duas
outras glebas: a A, de 29380 m2, loteada segundo o PAL 11712, e a suposta B (ilegível), loteada conforme o PAL 12149, também
eram de propriedade de Manuel Visconti. No PAL 11718 encontram-se registrados também os confrontantes Companhia Industria de
Papel e Cartonagem (terreno atravessado pelo Rio Cachoeira), Rinaudo Lage (terreno localizado a montante da gleba C; Maximo
Zitrin (Sítio da Cruz), Manoel Leitão (suposto proprietário da área não registrada em PAL ou no Registro de Imóveis localizada entre
os loteamentos formais), Joaquim André e Companhia Sul América Capitalização (loteamento Jardim da Barra).
109 O PAL 12615 foi implantado integralmente, mas teve parte de sua área na confluência com a favela Florestada Barra incorporada
à mesma. Este PAL indicava área cedida à PDF (1800m2), que aparenta ter sido ocupada informalmente, mas não apresenta
conexão direta com a favela; uma estreita faixa, registrada como parque, ao longo do riacho canalizado que deságua no Rio
Cachoeira, com faixa non-aedificandi variável entre 7m a 26 m; e seis áreas de lazer, uma das quais localizada a montante do parque
linear, nunca implantada, situava-se onde viria a ser o futuro acesso principal da área não legalizada.
110Este PAL registra que a área em litígio constante do PAL 11718 passou a pertencer a Máximo Zitrin após sentença judicial de
1953, legalizada em 1969, através do processo 07/605068/1969. Esta área em litígio aparentemente não foi incorporada no desenho
do PAL 35149, de 1977, que veio a lotear a gleba originalmente pertencente a Zitrin e posteriormente adquirida pela Companhia Sul
América Capitalização (Sìtio da Cruz). O PAL 12530 registra também que o lote 72, o maior lote deste loteamento (49878 m2) foi
desapropriado pelo Decreto 3016 de março de 1981.
Segundo parecer técnico constante do processo 07/207035/74, até 1974, as obras do loteamento
não haviam sido iniciadas. Como parte dos requisitos para aprovação do loteamento, foi solicitada certidão
da então CEDAG quanto á viabilidade de abastecimento de água. Na certidão apresentada no processo, a
CEDAG informava que, na época, o loteamento só poderia ser abastecido por fonte própria, até a entrada em
funcionamento dos serviços dos troncos alimentadores da Baixada de Jacarepaguá, previstos no Plano
Diretor da CEDAG. Até lá, a operação e manutenção do sistema ficariam a cargo do condomínio a ser
formado pelos moradores ou a cargo do proprietário da gleba a ser loteada. Diante destas dificuldades, o
processo foi arquivado face ao desinteresse do proprietário111.
Segundo relatos dos moradores mais antigos da Floresta da Barra, reunidos em um breve histórico
da ocupação por eles elaborado, este assentamento teria se iniciado na primeira metade dos anos 1950 e a
área onde atualmente se localiza a comunidade teria sido hipotecada a uma instituição financeira, já com
ocupantes. Esta instituição seria ainda proprietária de parte da área, uma vez que não houve quitação da
dívida. No início da década de 1960, já havia cerca de cinqüenta famílias de posseiros no local, a maioria
proveniente do interior do Estado do Rio de Janeiro (POUSO/SMH/PCRJ e ARQ-5, 1996). Gradativamente a
comunidade tornou-se uma destinação de moradia para funcionários da Polícia Militar que se revezam na
presidência da Associação de Moradores, fundada em 1980. Os moradores atribuem o fato de não haver
tráfico de drogas à presença dos policiais militares que moram na Floresta da Barra. No entanto, apesar dos
claros indícios, dizem não haver milícia na comunidade112. Convém ressaltar que a associação exerce forte
111 O PAL 31680, de 1974, remembrou e loteou os lotes 71 e 72 do PAL 12530, situados na Estrada do Itajuru, e o lote 2 do PAL
29429, situado na Rua Sérgio de Carvalho, com a criação de quarenta e oito lotes. Os PALs 22098, de 1958; 29429, de 1971, e
31680, de 1974, também modificaram parte do PAL 12615, aumentando a área de um pequeno parque público, inicialmente
registrado como praça no PAL 12615. Este espaço livre, doado ao poder público, situava-se provavelmente no local de acesso da
favela Morro do Banco, posteriormente denominada Floresta da Barra. No PAL 31680, 20% do total de lotes aprovados ficaram
vinculados à execução e aceitação das obras de arruamento e infraestrutura para garantia de execução destas obras. Entretanto, o
termo de vinculação nunca foi assinado e o PAL 31680 foi cancelado em 1976.
112 Essa opinião é compartilhada pelo supervisor de segurança de um dos condomínios fechados adjacentes, que enalteceu a
atuação do presidente da associação e informou sobre o bom relacionamento entre a favela e o condomínio, relatando que 90% dos
empregados do condomínio moram na comunidade.
Na década de 1950 a ocupação urbana formal na região ganhou novo impulso, com o loteamento
dos antigos sítios das Flores, Gustavo de Carvalho e Massarú, entre outros, com acesso direto pela Estrada
da Barra da Tijuca, dando origem aos atuais condomínios fechados existentes. O PAL 17087, de 1952, que
registrou o projeto de arruamento e loteamento do condomínio Jardim da Barra, reservou uma grande área,
com 372911 m2 (lote A), correspondente a 37% da área da gleba pertencente à Companhia Sul América de
Capitalização, destinada à reserva florestal. No entanto, não consta no referido PAL registro de doação desta
área ao poder público. Depreende-se que este terreno, que abrange áreas situadas tanto abaixo quanto
acima da cota 100m, constitui um significativo estoque de terras à espera de uma utilização futura.
Curiosamente, o PAL 35149, que registrou o parcelamento de uma área quase integralmente
situada acima da 100m, foi aprovado em 1978, e teve sua principal via de ligação, denominada Rua Jardim
do Seridó, também aprovada pelo PAA 9705 em 1977, em flagrante desrespeito ao Decreto 6168/1973, que
proibiu novos arruamentos e loteamentos acima da cota 60m, e aos Decretos 3800/1970 e 322/1976, que
vedaram parcelamentos acima da cota 100m, com exceção dos já aprovados na época. Este logradouro une
Fig. 86. Projeto Aprovado de Loteamento nº 35149, de 1978. Notar configuração extremamente alongada dos lotes, que avançam por
sobre os limites do Parque Nacional da Tijuca.
Fonte: PCRJ/SMU/GCT.
Contrariando a crença generalizada como verdade absoluta, divulgada à exaustão pelo poder
público e pela mídia, a maior parte das áreas informais nos três recortes estudados situa-se sobre domínio
privado, não sobre domínio público. Os processos de ocupação nos três recortes estudados envolveram, de
modo geral, uma mescla de variadas situações e condicionantes que compreendem desde o agenciamento
da ocupação pelos proprietários originais, sua apropriação consentida por instituições religiosas ou pelos
próprios proprietários, situações derivadas de processos de legalização de loteamentos não concluídos e a
invasão de áreas doadas à municipalidade para a implantação de equipamentos comunitários não instalados
pelo poder público (Mapas 42, 43 e 44).
A situação fundiária encontrada nos três recortes analisados indica a complexidade do campo de
disputas entre os diferentes agentes institucionais e sociais na interface urbano-florestal do Maciço da Tijuca,
conforme já havia sido ressaltado por Guerra (2005) e Soares (2006), cujos estudos enfatizaram a oposição
4.3.2. Parcelamento
A maioria dos parcelamentos implantados nos recortes estudados data do período entre as décadas
de 1930 e 1950 e apresenta desenhos sinuosos que, a julgar pela configuração e pela época de implantação,
tiveram alguma inspiração nas cidades-jardins. São compostos por lotes com dimensões que variam entre
225 m2 a glebas com área superior a 100.000 m2. Para efeito de análise, os lotes foram classificados
segundo as categorias definidas pelo Regulamento de Parcelamento da Terra, constante do decreto
3800/1970 e suas atualizações: 225 m2 a 360 m2; 360 a 600 m2; 600 a 1.000 m2; 1.000 a 5.000 m2; 5.000 a
10.000 m2; 10.000 a 50.000 m2, 50.000 a 100.000 m2 e acima de 100.000 m2.
No recorte situado no bairro do Cosme Velho, predominam lotes com pequenas dimensões, mas
quase a metade da área urbanizada formal pertence a poucos proprietários. Aproximadamente 20% do total
do número de lotes são lotes relativamente pequenos, com área entre 360 e 600 m2, e cerca de 40% são
lotes médios, com área entre 1.000 e 5.000 m2. Neste recorte espacial não há vinculação direta entre o
tamanho dos lotes e sua localização topográfica. O único lote com área acima de 10.000 m2 levantado neste
recorte corresponde a 10% da área total loteada.
No recorte localizado no bairro do Itanhangá, também predominam lotes médios. 30% dos lotes
possuem área entre 600 e 1.000m2 e 48% entre 1.000 e 5.000 m2. Apesar dos lotes com área acima de
10000m2 corresponderem a apenas 4% do número total de lotes, em termos de percentual de área ocupada,
De modo geral, em termos de número de lotes, nos parcelamentos mais antigos, localizados no
Cosme Velho e na Gávea predominam lotes menores, com área entre 360 a 600 m2, e lotes médios, com
área entre 1.000 e 5.000 m2. Em todas as áreas destaca-se a grande oferta de lotes entre 1.000 e 5.000 m2.
Lotes acima de 10.000 m2, permitidos acima da cota 100 pelos decretos 3800/1970 e 322/1976,
correspondem a cerca de 50% a 60% da área urbanizada em dois dos três recortes espaciais estudados, em
termos de área ocupada. Estes resultados indicam que a maior parte da área ocupada nos recortes
estudados pertence a poucos proprietários e que, progressivamente, ao longo do processo de ocupação das
encostas, houve uma tendência em vincular o tamanho dos lotes a sua localização topográfica (Mapas 45, 46
e 47).
Em todas as áreas de estudo foram encontrados lotes com mais de uma edificação acima da cota
60 e mesmo acima da cota 100, contrariando a exigência de uma única edificação unifamiliar por lote,
estabelecida nos decreto 3800/1970 e 322/1976, na Zona Especial 1 - ZE-1 (art. 166), na Zona Residencial 1
- ZR-1 e na ZR-6 (art.22). A ocorrência de mais de uma edificação ou grupamentos de edificações em um
mesmo lote significa que estas datam de período anterior a 1970 ou, se posteriores, estão em desacordo
com a legislação vigente (Mapas 48, 49 e 50).
Quanto aos tipos arquitetônicos, foram identificadas edificações implantadas diretamente sobre o
solo, sobre platôs existentes ou sobre cortes ou aterros; edificações sobre embasamento ou muro de
contenção; edificações sobre estacas (algumas ainda em madeira) ou pilares aparentes; edificações
escalonadas e edificações verticalizadas (com mais de quatro pavimentos). O uso de cortes e aterros na
implantação das edificações é recorrente, tanto nas áreas formais, quanto nas áreas informais. Nas áreas
informais, são recorrentes cortes verticais a montante das edificações, assentadas sobre solo não
consolidado. Os tipos arquitetônicos identificados foram mapeados nas áreas formais estudadas mas não foi
possível mapeá-los integralmente nas favelas até o momento de conclusão desta pesquisa, com a
localização de todas as edificações sobre pilares aparentes e sobre estruturas de contenção. Nestas áreas,
apenas dois tipos foram mapeados: edificações sobre o solo, em platôs ou sobre cortes/aterros e edificações
verticalizadas, com mais de 4 pavimentos (Mapas 51, 52 e 53).
Nas favelas, o padrão edificado é decorrente das condições do suporte-físico, das restrições
econômicas e das condicionantes históricas e culturais. Predominam edificações agrupadas de forma
irregular, muito próximas ou sobrepostas umas às outras, escalonadas ao longo das curvas de nível, sem
delimitação de lotes. Algumas edificações debruçam sobre os caminhos, estreitando-os a ponto de
permitirem, em alguns casos extremos, como observado em Vila Cândido e na Rocinha, a passagem apenas
de crianças, ou avançam sobre o seu espaço aéreo, formando túneis.