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 Abdome agudo perfurativo

A dor tem início súbito, geralmente dramático, já começando de forma intensa, rapidamente atingindo seu pico. Os pacientes
costumam precisar a hora exata do início do sintoma. O problema advém do extravasamento de secreção contida no trato
gastrintestinal para a cavidade peritoneal, o que é traduzido por peritonite. A dor tipo somática vem da irritação química do
peritônio, e, quanto menor o pH, maior a irritação. O exame clínico demonstra silêncio abdominal e rigidez muscular, detectada
como "abdome em tábua". A temperatura é normal, e náuseas e vômito podem estar presentes. A radiografia simples revela
pneumoperitônio, sendo o exame de imagem de escolha para o diagnóstico. Em 12 h de evolução do quadro, a peritonite
química torna-se bacteriana, aparecendo os sinais de infecção.

As perfurações costumam ser divididas em altas (gastroduodenal e delgado proximal) e baixas (delgado distai e cólon). Nas
perfurações mais baixas de delgado, a dor abdominal é mais discreta, e os sinais de irritação peritoneal são menos exuberantes,
mas originam quadros sépticos mais precoces, em função da flora bacteriana local. Perfurações do delgado proximal
comportam-se como as gastroduodenais, com dor abdominal intensa e grande irritação peritoneal. Perfurações do intestino
grosso traduzem manifestações clínicas e peritoneais intensas, com evolução rápida para peritonite fecal, devido ao conteúdo
altamente infectado desse segmento. O tratamento é sempre cirúrgico, sendo o prognóstico pior quanto maior o tempo de
perfuração. Devem-se sempre associar antibióticos de largo espectro ao tratamento cirúrgico.

A causa mais comum de perfuração é a úlcera péptica, e a perfuração é a primeira manifestação da doença ulcerosa em 30 a
40% dos casos. O uso de drogas antissecretoras não afetou as taxas de perfuração, apesar de ter reduzido a frequência de
cirurgia eletiva para tratamento da úlcera. Os pacientes idosos são os mais afetados, devido ao uso crônico de anti-inflamatórios
e ácido acetilsali cílico. Inicialmente, a dor se localiza no epigástrio, seguida de dor abdominal difusa. A dor pode simular
apendicite aguda à medida que migra para o quadrante inferior direito, refletindo o escoamento do líquido extravasado pela
goteira parietocólica.

O paciente procura manter-se imóvel, com restrição respiratória, devido à irritação peritoneal. Os exames
laboratoriais revelam leucocitose e possível hiperamilasemia. O pneumoperitônio está presente em 80% dos casos. Quando a
suspeita de perfuração é forte e não se observa pneumoperitônio, pode-se insuflar ar através de sonda nasogástrica. Endoscopia
digestiva não deve ser realizada na suspeita de perfuração.

Nas perfurações de intestino delgado, as causas mais frequentes são as doenças inflamatórias e infecciosas, os corpos estranhos
deglutidos e os tumores.

No intestino grosso, os quadros de perfuração ocorrem devido a processos inflamatórios (diverticulite, megacólon tóxico, colite
pseudomembranosa grave) ou neoplásicos, além de corpos estranhos.
Com o advento de novas técnicas de terapêutica endoscópica, através das quais realizam-se, entre outras, ressecções de lesões
de mucosa e até mesmo de submucosa, houve aumento do risco de perfuração, o que na maioria das vezes é tratado
endoscopicamente com a colocação de clipes, podendo, no entanto, haver necessidade de tratamento cirúrgico em algumas
dessas perfurações.

O quadro abaixo mostra as principais causas de abdome perfurativo não traumático

 Quadro.Abdome agudo perfurativo


Corpo estranho (deglutido/introduzido)
Perfuração espontânea de vísceras
Doença inflamatória intestinal (especialmente doença de Crohn)
Complicação de procedimento endoscópico

 Doença péptica

O tratamento da doença péptica apresentou grande evolução nas últimas décadas, inicialmente com o surgimento dos
inibidores da bomba de prótons, seguido da identificação e tratamento do Helicobacter pylori e suas conseqüências. Desta
maneira, a incidência de complicações das úlceras gastroduodenais apresentou uma significativa redução. As principais
complicações da doença péptica são hemorragia gastrointestinal, obstrução pilórica e perfuração.

Nos casos de obstrução pilórica e de bulbo duodenal, o paciente apresenta vômitos pós prandiais precoces com resíduos
alimentares e distensão gástrica. A subestenose poderá ser tratada endoscopicamente, com dilatação, associada ao tratamento
da doença péptica. Os casos que não apresentarem resolução endoscópica necessitarão de intervenção cirúrgica, geralmente
antrectomia ou piloroplastia.

O paciente com dor abdominal, tendo como causa a perfuração de uma úlcera péptica, pode queixar-se de epigastralgia de
longa data com piora recente, ou estar usando antiinflamatório não esteroidal com início súbito da dor. Geralmente, a dor
apresenta-se inicialmente no andar superior, rapidamente generalizando-se para todo o abdômen. Náuseas e vômitos são
freqüentes, assim como distensão abdominal, ruídos hidroaéreos reduzidos ou abolidos. Dependendo do tempo de perfuração e
contaminação da cavidade abdominal o paciente poderá apresentar-se em sepse, com hipotensão, taquicardia, sudorese e baixa
diurese. Ao exame físico, é possível identificar o sinal de Jobert (perda da macicez à percussão na projeção hepática), que
poderá ser confirmado pela presença do pneumoperitônio na radiografia ortostática do tórax (com cúpulas diafragmáticas).

O tratamento cirúrgico pode variar desde simples ulcerorrafia e tamponamento com epíplon, até ressecções gástricas
(antrectomia) e vagotomia. Em 20% dos casos de perfuração, órgãos adjacentes como pâncreas, fígado, cólon e vesícula biliar
podem ser acometidos necessitando de tratamento específico.

 Abdome agudo hemorrágico


A hemorragia intra-abdominal espontânea é rara. Está presente em aproximadamente 2% dos pacientes adultos que procuram
os serviços de emergência com dor abdominal. Apesar de rara, pode ser fatal, com taxas de mortalidade que chegam a 40% nos
pacientes não-operados e de 100% nos operados sem identificação do foco hemorrágico.

A hemorragia intra-abdominal, que não deve ser confundida com hemorragia digestiva (intraluminar), é mais frequente após os
50 anos de idade, podendo ocorrer em qualquer idade. É mais comum em homens na proporção de 2:1. As causas variam de
acordo com o sexo e a idade.

Nos quadros de abdome agudo hemorrágico, além da dor súbita, chama a atenção o rápido comprometimento hemodinãmico,
com palidez intensa e hipovolemia acentuada Apesar da forte dor, não se encontra contratura muscular no hemoperitõnio, visto
que o sangue não é tão irritante para a serosa peritoneaL Os exames mostram queda progressiva dos níveis hematimétricos.

A ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas e a ruptura vascular não são situações comuns, e o abdome agudo
hemorrágico é mais frequentemente associado ao trauma, ao pós-operatório e a complicações pós-procedimentos (biopsias
hepáticas, por exemplo). Na mulher em idade fértil, sempre ponderar a possibilidade de gravidez ectópica rota. O tratamento é
a cirurgia imediata, mas a arteriografia pode ser terapêutica em alguns casos. Nos casos de hematomas pós-operatórios
estáveis, a conduta é expectante. Nos pacientes em uso de anticoagulantes, com formação de hematomas abdominais, a
conduta também é expectante a princípio, com suspensão da anticoagulação.

A ruptura de aneurisma de aorta abdominal acomete geralmente pacientes idosos do sexo masculino, população na qual a
incidência de aneurisma é maior. A aterosclerose é a causa principal, mas trauma, infecção (sífilis) e arterites são causas
possíveis. A sede mais comum do aneurima é a aorta abdominal, estando quase todos localizados abaixo das artérias renais.
O risco de ruptura aumenta com o tamanho do aneurisma, sendo baixo nos menores de 5 em. Cinquenta por cento dos
aneurismas que atingem 6 em se rompem em 1 ano. A apresentação clássica é dor abdominal difusa, intensa, associada a
hipotensão e massa abdominal pulsátil. Antes da ruptura, o aneurisma passa por um processo de distensão aguda (dito
expansão), o que leva ao estiramento do plexo nervoso perivascular, gerando dor intensa nos flancos ou no dorso. O local mais
comum de ruptura é no retroperitônio, e o hematoma que se forma contém a hemorragia por algumas horas.
O diagnóstico é confirmado por ultrassonografia. Na suspeita clínica, não é necessário realizar exames, indicando-se laparotomia
imediata, sendo a reanimação feita no bloco cirúrgico. "Nenhum paciente com aneurisma roto pode sobreviver se não for
operado." A mortalidade pós-operatória atinge 50%, e complicações pós-operatórias comuns são insuficiência renal aguda,
isquemia colônica e isquemia de membros inferiores.

 Quadro. Abdome agudo hemorrágico


Gravidez ectópica rota
Ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas
Pós-operatório
Ruptura vascular espontânea (aneurisma da aorta e de seus ramos viscerais)

 Cenário I – Paciente com dor abdominal e suspeita de catástrofe vascular abdominal – rotura de aneurisma de aorta
abdominal (AAA) e embolia/trombose mesentérica.

Deve-se suspeitar do diagnóstico de AAA em pacientes com mais de 50 anos apresentando dor abdominal súbita, de forte
intensidade, cujo exame físico mostra um alargamento e expansão transversal da pulsação da aorta abdominal.
Em contraste, a pulsação apenas anterior pode representar transmissão do impulso da aorta envolta por uma massa como
carcinoma pancreático. Há três fatores com risco independente para ruptura: o diâmetro aumentado inicial (> 5 cm), a
morfologia do aneurisma e a presença de hipertensão arterial e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

A metade das mortes devidas à ruptura de AAA ocorre antes de chegar ao hospital; e a outra metade que chega ao hospital com
vida, de 30% a 50% morrem após a cirurgia de emergência. A mortalidade geral devida à ruptura do AAA alcança mais de 80%
dos doentes.

Estes pacientes devem ser rapidamente avaliados e submetidos a medidas limitadas (jejum, oxigenoterapia, acesso vascular e
reposição mínima de fluidos). A Central de Regulação de Urgência deve ser contactada e o paciente deve ser transportado para
um hospital de referência, de preferência em unidade de suporte avançado.

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