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ABSTRACT
This article aims at analysing the internal developing of Literary Theory as a discipline
and its connection with the anti-human perspective of Modern Art, concept once proposed
by the Spanish philosopher Ortega Y Gasset. Such an anti-human perspective can be
traced back in the German philosophy of the late XIXth and early XXth centuries, in
special among authors like Nietzsche and Heidegger, as well as in its development
towards a postmodern French philosophy, as practiced by Michel Foucault and Jacques
Derrida. The article brings together a variety of philosophers, sociologists and literary
critics who criticize the anti-human trend, in special Luc Ferry & Alain Renaut, Roger
Scruton, Eric Voegelin, Raymond Aron, Daniel Bell, José Guilherme Merquior,
Raymond Tallis and Tzvetan Todorov, among others, in order to discuss the role that has
been acted by Literary Theory as part of Humanities.
RESUMO
Este artigo busca analisar o desenvolvimento interno da Teoria da Literatura, enquanto
disciplina, e suas conexões com a perspectiva anti-humanista da Arte Moderna, tal como
proposta por Ortega y Gasset. O anti-humanismo possui suas raízes na filosofia alemã do
final do século XIX e na primeira metade do século XX, em especial em autores tais como
Nietzsche e Heidegger, e encontra seu desenvolvimento na filosofia francesa pós-
moderna, tal como praticada por Michel Foucault e Jacques Derrida. O artigo reúne um
conjunto de filósofos, sociólogos e críticos literários que se colocam como críticos da
tendência anti-humanista nas ciências humanas, em especial autores tais como Luc Ferry
& Alain Renaut, Roger Scruton, Eric Voegelin, Raymond Aron, Daniel Bell, José
Guilherme Merquior, Raymond Tallis e Tzvetan Todorov, com vistas a discutir o papel
histórico desempenhado pela Teoria da Literatura no conjunto das Humanidades, agora
entendidas como Desumanidades.
Tzvetan Todorov
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A obra de arte, no símile exposto, é o vidro, esse elemento que ao mesmo tempo
deixa ver os fatos do mundo mas os separa do sujeito que os contempla. Quem fixa o
olhar no jardim não vê o vidro, pois quem contempla o fato não vê a linguagem que dá a
ver o fato. Inversamente, quem detêm sua atenção sobre o vidro/linguagem, já não se
interessa pelo jardim/mundo, mas apenas pelas puras virtualidades artísticas.
Cabe notar que, stricto sensu, ao nomear o procedimento da Arte Moderna como
“desumanização”, Ortega y Gasset não pretende levar o leitor a intuir e nem se reporta
necessariamente a uma categoria antropológica negativa, mas simplesmente a um
conceito estético que se entende por “desrealização” ou “antirrealismo”, o que seria uma
forma de dizer que a nova arte não mais representa as coisas, como bem aponta Ricardo
Araújo, em prefácio à tradução brasileira da obra do filósofo espanhol (ORTEGA Y
GASSET, 2005, 10). Sob esse ponto de vista, a Arte Moderna, tal como compreendida
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de arte. De fato, diz o sociólogo Bell: “eu vejo o Modernismo como a instância de
agenciamento da dissolução da mundividência burguesa”. E continua o autor:
Apesar de recorrer muitas vezes aos temas filosóficos, Daniel Bell sustenta sua
análise das contradições do capitalismo sobretudo na emergência estética do
Modernismo. E lembro que os termos do autor, ao parodiar o dito do poeta latino
Terêncio, nos remetem novamente ao tema do “inumano”, que antes vimos com Ortega
y Gasset. Há que se destacar ainda, no raciocínio de Daniel Bell, que ele engloba na
revolta modernista a sua vertente ainda mais radical - o avant garde do avant garde -,
qual seja, o Pós-Modernismo, que não seria mais do que o ato de levar a lógica do
Modernismo aos últimos limites. Entre esses limites, como veremos mais à frente, está o
de estetizar o pensamento, o de tornar toda reflexão teórica uma espécie de arte moderna
do pensamento, ou seja, de transformá-la em um pensamento que não representa nada a
não ser a si mesmo, um pensamento performático, da mesma forma em que a Arte
Moderna caminhou pela não-figuratividade para alcançar a pura performance.
Antes de voltar-me especificamente para a história da Teoria da Literatura em
sua relação com as ciências humanas, pensada essa Teoria contra o pano de fundo do
Modernismo anti-moderno, quero apenas mencionar três filósofos que fazem coro com o
sociólogo Daniel Bell em sua análise da distinção entre moderno e modernista, seja no
campo da filosofia, seja no campo da arte ou da cultura. São eles Roger Scruton, Luc
Ferry e Alain Renaut.
Roger Scruton, um filósofo de formação analítica, claramente distingue a
filosofia moderna de seu ramo modernista e pós-modernista. São muitos os locais onde
essa distinção se faz na obra do filósofo inglês. Lembro, entre outros, o livro Modern
Philosophy: an introduction and survey (SCRUTON, 1995, 1-15 e 458-480). Uma boa
introdução ao pensamento do autor, no que concerne a uma crítica do Modernismo e do
Pós-Modernismo em filosofia, pode ser encontrada no artigo “Confessions of a Sceptical
Francophile” (SCRUTON´s WEB PAGE, s/d) ou ainda nas suas memórias, intituladas
Gentle Regrets, em especial o capítulo em que narra sua experiência como jovem
estudante na Paris de 1968 (SCRUTON, 2006, 33-56).
Luc Ferry e Alain Renaut dedicaram todo um livro à crítica da filosofia pós-
moderna francesa, intitulado Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo
contemporâneo (FERRY & RENAUT, 1988), no qual as relações entre essa vertente
filosófica e o horizonte do Modernismo são devidamente enfocadas, livro esse
infelizmente com pouca recepção entre nós brasileiros, apesar de já ter sido publicado há
trinta anos. Cabe lembrar que o livro antes citado de Daniel Bell traz um capítulo
intitulado “The Sensibility of the Sixties”, que vai na mesma direção, mostrando a
convergência desses autores. As análises de Ferry e Renaut são muito preciosas quando
procuramos entender o lugar hodierno da Teoria da Literatura como derivada direta do
pensamento dos chamados soixante-huitards, o que poderemos ver mais à frente.
No caso da compreensão da postura modernista e pós-modernista como crítica à
Modernidade, mais importante ainda é o livro de Luc Ferry intitulado A nova ordem
ecológica: a árvore, o animal e o homem. Nesse texto, o autor propõe que o humanismo
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pode ser visto como um hiato moderno entre um tempo pré-moderno e um tempo pós-
moderno, que se irmanam em oposição ao tempo moderno através de sua colocação da
natureza como sujeito de direito, ou seja, pré-modernos e pós-modernos veem a natureza
como sujeito moral, fato patente nos debates contemporâneos sobre a animalidade,
colocada no coração mesmo da discussão das relações do homem com a natureza, debate
que ecoa antigas discussões semelhantes, ocorridas na França em momento anterior ao
Iluminismo. Ao analisar a vertente ecológica que se autonomeia “ecologia profunda”,
Ferry mostra como ela é capaz de aliar em um mesmo movimento “...teses tradicionais
da extrema direita com motivos futuristas da extrema esquerda. O essencial, o que dá
coerência ao conjunto”, diz Ferry, “...é o cerne do diagnóstico: a modernidade
antropocentrista é um total desastre”. Porque a modernidade antropocêntrica buscaria a
uniformidade, o consenso e a universalidade, seus críticos têm como estratégia, segundo
o autor, “...o elogio da diversidade, da singularidade, da particularidade, por
conseguinte tanto do ‘local’ (versão esquerda da ecologia profunda) quanto do
‘nacional’ (versão direita)” (FERRY, 2009, 35-36).
Apenas para terminar essa seção, lembro àqueles que se interessarem pelo tema
que os debates sobre humanismo e anti-humanismo estão na ordem do dia entre filósofos,
em especial entre nietzscheanos e heideggerianos, em função de um texto publicado em
1999, da autoria do filósofo alemão Peter Sloterdijk, intitulado “Regras para o parque
humano” (SLOTERDIJK, 2000), em que o autor discute os limites do humanismo à luz
das realizações e do alcance da genética. Uma boa introdução ao debate pode ser
encontrada no artigo de José Oscar de A. Marques, “Sobre as Regras para o parque
humano de Peter Sloterdijk” (MARQUES, 2002, 363-381).
Uma vez colocado esse quadro do humanismo moderno e de seus críticos,
podemos voltar à afirmação antes feita de que a Teoria da Literatura nasce de e para o
Modernismo, e assim se constitui indelevelmente com aquelas marcas da crítica ao
humanismo.
Repassemos, ainda que rapidamente, o conhecido percurso da disciplina. A
Teoria da Literatura, enquanto disciplina específica, nasceu com o Formalismo Russo, na
década de 1910, junto ao chamado Círculo Linguístico de Moscou e à OPOYAZ
(Sociedade Para o Estudo da Linguagem Poética), de São Petersburgo. O chamado New
Criticism anglo-americano também deve ser considerado como um dos movimentos
importantes para o nascimento da Teoria da Literatura, pois, por caminhos diversos, ele
chega a conclusões muito semelhantes às dos formalistas. Mas, para o efeito desta
exposição, vou me fixar no Formalismo Russo, pelo fato de haver uma linha direta que
leva de Moscou e São Petersburgo à Paris de 1968, passando por Praga, além de que
certos traços ideológicos do New Criticism, derivados de sua origem na cultura liberal
anglo-americana, o tornam muito diferente da linha formalista russa em vários aspectos.
Assim é que, na metade da década de 1910, já durante a Primeira Guerra, um grupo de
estudiosos de língua e de problemas de poética – integrado, entre outros, por Viktor
Chlovsky, Yuri Tynianov, Boris Eichembaum, Roman Jakobson, e mesmo lateralmente
por Mikhail Bakhtin -, estudiosos cujo trabalho se associava às pesquisas formais dos
poetas futuristas russos - entre eles Maiakóvski, Khlebnikov e Ossip Brik - começou a
desenvolver abordagens específicas sobre o verso e sobre o romance, abordagens que se
articulavam pelos conceitos de forma e de função, em busca da literariedade, ou seja, dos
elementos construtivos que caracterizam estritamente o trabalho literário e o diferenciam
da linguagem puramente comunicacional. O verso-motivo de Maiakóvski encarna o
espírito dessa tendência crítica, assim como da poética construtivista russa: “Não há arte
revolucionária sem forma revolucionária”. Como o verso citado já supõe, houve por parte
dos formalistas uma adesão imediata à Revolução de 1917. Mas, passado o momento
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verdadeiro, nem mais trivial. Mas a questão é que, dentro da sabedoria tradicional
da crítica estruturalista, estas humildes verdades foram esquecidas, se não
desafiadas – e em ambos, esquecimento e desafio, o santo nome de Jakobson foi
muitas vezes evocado, como prova de que a ciência da linguagem em si
abençoava e exigia a redução da crítica a uma análise linguística de textos
literários (MERQUIOR, 1991, 47).
O que certa vez foi pensado e simbolizado pelo artista de vanguarda é agora o
que crê e pratica (pelo menos em princípio) o estudante rebelde, o acadêmico
radical, em acontecimentos públicos e na subcultura punk. Para ser exato, todos
esses grupos ainda são, em termos numéricos, uma minoria dentro da sociedade
maior, burguesa e aburguesada. Mas, ao contrário das vanguardas realistas, eles
estão se tornando o público principal da alta cultura, consequentemente
fortalecendo de forma considerável o ataque modernista contra a modernidade.
(MERQUIOR, 1991, 276).1
1
Cabe observar, em paralelo, que Daniel Bell, cujo texto antes citado é de 1976, tem uma perspectiva
sombria sobre a crise a ser gerada pela massificação da atitude contracultural. Segundo Bell, a estetização
da vida, antes praticada pelo artista de vanguarda, quando levada à massificação poderia igualmente levar
a uma irrupção da atitude anti-burguesa e anti-capitalista sob a forma de violência estetizada. Merquior,
seguindo Ernst Gellner e se opondo a Bell, pensava, ao final dos anos 1980, que a previsão do sociólogo
americano era exagerada, uma vez que esses grupos permaneceriam numericamente minoritários dentro da
sociedade burguesa, vivendo nas suas franjas, mas sem força para desestabilizar suas bases. As jornadas de
junho de 2013 no Brasil, assim como a emergência, em muitos lugares do mundo, de black blocs, que se
consideram uma tática e uma estética, pode servir de motivo de meditação sobre as previsões de Bell.
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de “perda da realidade”, e essa perda é o que gera o papel preponderante das ideologias
políticas ao longo do século XX. Para Voegelin, a perda da realidade, e a entrada no que
o filósofo, na senda de Robert Musil e Karl Kraus, chama de “segunda realidade”, se
expressa em primeiro lugar, e de maneira patente, em situações políticas nas quais...
... a língua em sua função real como mediadora entre o homem pensante e a realidade
torna-se oca dentro de um molde que tem sua própria estrutura particular e, portanto,
já não se relaciona com a realidade – ou seja, quando a língua mesma se torna uma
segunda realidade dentro da qual se trabalha. É por isso que essas coisas aparecem.
(...) Se alguém se diverte com a segunda realidade, a língua também se torna parte
dela e surgem esses problemas que, na verdade, são apenas semânticos e resolvem-
se tão logo se começa a pensar. Eles surgem apenas se não se pensa em relação à
realidade, mas dentro da própria linguagem – resumidamente, se surge a situação
que Heidegger formula, ou seja, a situação em que a “linguagem fala”. Não é
certamente a intenção de Heidegger caracterizar a linguagem como segunda
realidade, mas ele de fato o fez. Ou seja, se a linguagem fala, então o contato entre
o pensamento e a linguagem e entre o objeto e a realidade é interrompido, e esses
problemas surgem porque já não se pensa em relação à realidade. (VOEGELIN,
2008, 324-325).
Teoria da Literatura vislumbrasse alcançar uma teoria geral dos discursos, projeto que
apareceu, por exemplo, no Tratado Geral de Semiótica (ECO, 1976), ou na Análise
Estrutural da Narrativa (BARTHES & TODOROV). O problema do projeto de uma
teoria geral dos discursos é que ele apaga as diferenças específicas do objeto literatura em
relação a outros discursos, e o torna apenas mais uma manifestação das possibilidades da
língua. Dessa maneira, uma parte dos críticos e teóricos percebeu quase intuitivamente
que o caminho levaria à morte da literatura, tese que de fato permeia boa parte das análises
em voga ainda hoje e que é defendida por muitos analistas. A reação a essa possibilidade
de morte da literatura levou a um afastamento da Teoria em relação à Linguística, porque
a Teoria reconheceu que, enquanto ciência, não teria como cumprir aquelas três condições
antes colocadas por Lévi-Strauss (repetindo: objetivo universal, método homogêneo e
consenso sobre práticas disciplinares). Curiosamente, essa mudança de rota se fez sem o
abandono do restritivo enfoque puramente linguístico do fato literário. Somando-se essa
permanência da ênfase no sistema da língua ao arcabouço cultural do anti-humanismo,
que nega ao sujeito o controle sobre seus enunciados, chegou-se à situação antes descrita
de uma linguagem vazia, uma vez que a recusa dos universais de método e meio levou
igualmente a uma recusa dos universais humanos como horizonte de conhecimento, que
permaneceram centrais para a Linguística, mas não para a Teoria. Esta se viu então
liberada para voltar ao seu objeto, mas sem compromisso de conhecimento, apenas como
prática de uma deriva linguística de delírio interpretativo.
A literatura é um objeto de linguagem. Seu compromisso não é com a verdade,
mas com o verossímil, o que já dizia lá atrás Aristóteles, ao enfatizar a dimensão
autônoma que a arte possui em relação ao mundo real. Meditando sobre o mundo real, a
arte no entanto não se faz sua cópia. O que convence o leitor sobre a possibilidade de
verdade do texto ficcional é a sua organização interna verossímil. Para que a obra
funcione como crítica da vida, que afinal é esse o seu objetivo, ela deve imitar o mundo
e as ações humanas não no sentido literal de narrar o que aconteceu (o que seria uma
tarefa da história, não da arte), mas, ao contrário, deve imitar as ações potenciais humanas,
aquilo que “poderia acontecer”, de onde advém seu valor universalizante, pois o sentido
da obra não se deixa amarrar em conjunturas ou localidades, mesmo que deles nasça.
Através da imitação não-servil das ações humanas é que a ficção logra alcançar o seu
valor universal de crítica da vida. Ou seja, mirando no particular, ela logra o universal,
como aponta o mesmo José Guilherme Merquior, em outro de seus textos (MERQUIOR,
1972, 5 e ss). Por isso, o eu que fala em um poema narra uma situação particular, mas seu
lugar pode ser ocupado por todo leitor que se debruce sobre o mesmo poema. Os teóricos
da literatura, portanto, sempre se acostumaram a lidar com pensamentos que são pura
linguagem, pois remetem a um mundo imaginário, ao mesmo tempo em que possuem
como princípio regulador de sua disciplina a autonomia do campo da arte. Ao final dos
anos 1960, esses mesmos teóricos se viram no epicentro de um ambiente cultural que
parecia reduzir os discursos da verdade (seja a filosofia ou a ciência) a puro jogo de
linguagem, contexto em que, de maneira não menos importante, tomava-se como modelo
intelectual a postura contracultural da Arte Moderna, de onde nasceu a disciplina da
Teoria da Literatura. Ao se verem como peixes nesse mar, os teóricos da literatura
sentiram-se respaldados em sua deriva interpretativa. Daí que o próprio conjunto de
reflexões praticadas nos departamentos de Letras deixou inclusive de se intitular Teoria
da Literatura, e passou a se ver apenas, até com certa presunção, como “Teoria”,
doravante sancionada para praticar sua deriva interpretativa, uma vez que agora tudo é
texto, o mundo é linguagem e a verdade não existe, como se finalmente as ciências
humanas (e aqui a Linguística parece ficar de fora) tivessem reconhecido como mestra
uma disciplina antes considerada irmã menor. Acima de tudo, o teórico da literatura, que
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...parece findar-se assim uma época em que a literatura sabia encarnar um equilíbrio
sutil entre a representação do mundo comum e a perfeição da construção romanesca
(...) Desse momento em diante, cava-se um abismo entre a literatura de massa,
produção popular em conexão direta com a vida de seus leitores, e a literatura de
elite, lida pelos profissionais – críticos, professores e escritores – que se interessam
somente pelas proezas técnicas de seus criadores. (TODOROV, 2009, 67).
Uma vez rompido definitivamente o equilíbrio, ao final dos anos 1960, a Teoria
da Literatura passou a ser uma espécie de modelo em miniatura de uma tendência
generalizada no campo das ciências humanas e sociais: filósofos, historiadores,
sociólogos, antropólogos, psicólogos, teóricos do direito, filósofos da ciência, cientistas
políticos, especialistas em comunicação, e mesmo arqueólogos e geógrafos deixaram-se
tocar pela voga da redução do mundo à linguagem, para não dizer, é claro, dos teóricos
das artes plásticas, da música, do teatro e do cinema, assim como os artistas, os atores e
os compositores. Ao mesmo tempo em que a Teoria da Literatura passou a se ver no
centro da arena cultural, muitos estudiosos das outras áreas passaram, cada vez mais, a
ver suas disciplinas apenas como discurso, linguagem autotélica, e não como instrumento
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Sobre o assunto ver, entre outros, DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana
(DERRIDA, 2001). Derrida lê o arquivo à luz da genealogia, ou seja, não importando o conteúdo do que
está arquivado, mas o como do arquivamento.
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mundo, abre caminho para uma visão ideológica desse mesmo mundo. Sim, porque se a
linguagem se apresenta como sistema autotélico e vazio, sem relação com o mundo
concreto e real, ela pode facilmente ser preenchida pela vontade de poder e pela
imaginação utópica de quem a controla, com o intuito de assim colocar seu projeto de
mundo no lugar mesmo da realidade. Os projetos utópicos se fazem com poética e
retórica, tomadas como substitutos da realidade. Por isso, o trabalho de todos aqueles
pensadores irracionalistas pode ser sumarizado como um esforço de redução da realidade
e da verdade a uma construção retórica e poética. Não é outra a afirmação de Gianni
Vattimo: “a experiência pós-moderna (isto é, heideggerianamente, pós-metafísica) da
verdade é uma experiência estética e retórica” (VATTIMO, 1996, xix). Esvaziando o
horizonte de realidade necessário a toda busca de conhecimento, passa-se a viver no
mundo virtual da própria linguagem, no qual o conhecimento é função da sedução, e logo
de propaganda, não de convencimento.
No plano específico da universidade brasileira, esse estado de coisas possui duas
outras consequências importantes, além daquelas já apontadas. A primeira consequência
tem caráter interno à instituição, e se caracteriza pelo fato de que se criou, no interior da
universidade, uma espécie de incompreensão entre as áreas que se pautam pela
racionalidade da investigação e aquelas outras, nas quais a linguagem autotélica, o
pensamento estetizado e o anti-humanismo constituem largamente os protocolos de ação.
Curiosamente, as instâncias de fomento e os fóruns inter e intraistitucionais ainda nos
denominam “Humanidades”, quando não temos mais praticado ciências humanas, e sim
ciências inumanas, ou Desumanidades. Um bom exemplo está no documento da
Academia Brasileira de Ciências sobre ética de pesquisa, publicado em 2013 e intitulado
“Rigor e Integridade na Condução da Pesquisa Científica: guia de recomendações de
práticas responsáveis”, onde se pode ler:
especialistas. Por isso tomei como epígrafe desta fala o comentário profundo e
contundente do crítico literário Tzvetan Todorov:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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