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TOMADA DE DECISÃO NOS JOGOS ESPORTIVOS COLETIVOS:


O CONHECIMENTO TÁTICO-TÉCNICO COMO EIXO DE UM MODELO
DE PENDULO

P. J. Greco

Universidade Federal Minas Gerais. Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia


Ocupacional
Grecopj@ufmg.br

RESUMO
No marco das capacidades táticas nos jogos esportivos coletivos (JEC) os parâmetros relacionados com
os processos cognitivos, particularmente o conhecimento e a tomada de decisão, tem sido tema de
investigação científica crescente na psicologia do esporte e no treinamento esportivo nos últimos anos.
Não obstante isso, a dificuldade para se definir unanimemente quais são e como funcionam esses
construtos na realização de ações esportivas tem persistido. A tomada de decisão, ou de decisões (Roth,
1989; Tenenbaum e Lidor, 2005), apóia-se nas relações e interações dos processos cognitivos atuantes
na tríade pessoa-tarefa-ambiente (Nitsch, 1986). Ao se observar à tomada de decisão de grandes atletas,
parece que “lhes sobra tempo”, que o tempo não passa para eles. Pode-se perguntar si, na tomada de
decisão interagem processos de percepção, de conhecimento, em fim, si existe uma unidade “cognição-
ação” ou a decisão se apóia exclusivamente no contexto percepção-ação, sem participação das
representações mentais, como sugerem - com propriedade - as teorias dinâmicas.
As dificuldades para responder esta questão se derivam da própria evolução nas abordagens
metodológicas utilizadas nas diferentes linhas de pesquisa. Do referencial da psicologia cognitiva (Miller,
et al, 1973; Neisser, 1974) surgem posteriormente diversos enfoques, inicialmente na área da
aprendizagem motora, por exemplo: os graus de liberdade na coordenação de movimentos
(Bernstein,1967), depois se estende na teoria ecológica (Gibson, 1982), na proposta dos sistemas
dinâmicos (Davis,et. al., 2005, Williams et al. 1999), e na Teoria da Ação (Nitsch, 1986).
Conforme a teoria da ação, todo comportamento caracteriza “um processo intencional dirigido a um
objetivo e regulado psiquicamente” (Nitsch, 1986), portanto, nos JEC é considerado um comportamento
eminentemente tático. A tomada de decisão é analisada a partir da interação resultante no processo-
produto da tríade relacional pessoa-ambiente-tarefa, na conseqüente avaliação situacional do mundo
objetivo e subjetivo, portanto, os processos cognitivos assume papel fundamental nessa comparação. As
interações resultantes nessa tríade na situação específica que a pessoa vivencia são também fatores
determinantes da tomada de decisão. As fases da ação, antecipação-realização-avaliação, são reguladas
por diferentes níveis de controle do comportamento, cognitivo-emocional-automático (Nitsch, 1986). Os
processos cognitivos em interação são caracterizados pelo conceito “situação” nessa teoria. A ação,
como produto do comportamento decorre de forma antecipativa através de representações mentais,
relacionadas com o conhecimento e a memória em um marco situacional específico. O comportamento é
organizado sobre propósitos subjetivos, ou seja, intencional.
Neste ensaio, considera-se o conhecimento tático-técnico como o eixo de um pêndulo em que os
diferentes processos cognitivos inerentes à tomada de decisão se relacionam tanto horizontal quanto
verticalmente. Parte-se basicamente da assincronidade dos processos internos de regulação do
movimento com a seqüência motora externa. Assim, a tomada de decisão se constitui com base na
antecipação e a preparação antecipada de partes dos movimentos, durante a realização de um
movimento parcial antecipado ou com a percepção de erros antes da sua aparição. O modelo pendular
que se apresenta carece até o momento de pesquisa experimental que o confirme ou invalide. Tem sido
norteador de processos de investigação do nível de conhecimento declarativo e processual em
modalidades coletivas, analisando-se os efeitos do método de treinamento no seu desenvolvimento.
No modelo que se sugere, as estruturas de recepção e elaboração de informação se desenvolvem
paralela e assincronicamente, e conduzem a Tomada de decisão inteligente ou criativa. O conhecimento
(Tático-técnico) é considerado como um eixo do pêndulo dos processos cognitivos inerentes às
estruturas citadas que conduzem à decisão tática.
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1. Introdução
Nos Jogos Esportivos Coletivos na execução das tarefas direcionadas à solução dos problemas
do jogo, se impõem aos atletas altas exigências tácticas e técnicas. O comportamento dos
jogadores é determinado pela situação, isto é, relacionado com um ambiente em permanente
mudança. Os processos de tomada de decisão são dinâmicos dentro de um marco sócio-
ambiental delimitado situacionalmente com alta exigência ecológica, portanto, específicos,
dificilmente reproduzíveis. O comportamento dos atletas é caracterizado pela intenção tática
que delimita e determina a sua resposta no marco ecológico –isto é, situacional- do jogo
(Garganta, 1995, 2004; Memmert, 2004; Nitsch, 1986, Raab, 2001; Roth, 1989; 1991ab;
Tavares, 1995, Tavares et.al. 2006).

As características ou “invariantes” comuns aos jogos esportivos coletivos (Bayer, 1986), mais
também aquelas que são específicas para cada uma dessas modalidades, tem sido fator de
difícil solução para a compreensão do comportamento, da ação tática. Por exemplo, nos jogos
esportivos coletivos encontra-se alta variabilidade da técnica (Costa et al, 2002)
imprevisibilidade do contexto ambiental, riqueza, aleatoriedade, e multiplicidade de situações
(Greco et. al, 2004) condições estas que, segundo Garganta (1995) caracterizam o constante
“apelo à inteligência, enquanto capacidade de adaptação a contextos em permanente mudança”
na procura dos objetivos desejados no jogo. A complexidade das tarefas e os problemas
situacionais decorrentes nos jogos esportivos coletivos assumem um papel relevante no
processo de ensino-aprendizagem-treinamento.

A compreensão da tomada de decisão nos jogos esportivos coletivos a partir do seu produto
final -uma ação técnica realizada pelo atleta- implica no conhecimento e análise de quais são e
como funcionam os processos subjacentes à mesma em suas varias dimensões.

Na práxis do treinamento esportivo existe uma carência de modelos teóricos que descrevam as
interações da capacidade técnico-tática com os processos cognitivos, particularmente com o
conhecimento (declarativo e processual). Uma outra lacuna no conhecimento esta na falta de
modelos explicativos do processo de tomada de decisão. Outros aspectos que solicitam
direcionamento dos estudos referem-se à elaboração de modelos para o ensino-aprendizagem-
treinamento tático, da tomada de decisão, e dos processos cognitivos relacionados a esta, bem
como de métodos de diagnóstico e prognóstico do rendimento técnico-tático válidos, objetivos e
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fidedignos. Eis o grande desafio para pesquisadores e treinadores na área da pedagogia do


treinamento.

2. Desenvolvimento temático

No início dos anos 60 a Psicologia foi abandonando os paradigmas vigentes no


comportamentalismo, as obras de Miller, Galanter e Pribram (1973), e Neisser (1974),
consideradas como pilares do cognitivismo, tem possibilitado um avanço na compreensão do
modo como às pessoas “percebem, aprendem, recordam e pensam, sobre a informação”
(Sternberg, 2000). A compreensão das estruturas e função dos processos cognitivos (ex:
atenção, percepção, pensamento, conhecimento, representações mentais, memória,
inteligência, resolução de problemas, criatividade, entre outros) têm sido o desafio dos
pesquisadores do comportamento humano. A evolução dos paradigmas das teorias
comportamentalistas para as teorias cognitivas, ecológicas e dinâmicas impulsionou a produção
de conhecimento. Áreas correlatas como as ciências da computação, inteligência artificial,
criatividade, e aprendizagem, têm oferecido importantes aportes na busca da compreensão do
comportamento humano, oportunizando relacionar esse conhecimento com as ações no esporte
(Anderson, 2004; Eysenck e Keane, 1994; Gardner, 2000; Miller, et al. 1973; Neisser, 1974;
Neumann, 1985; Sternberg, 2000a). Na psicologia geral às pesquisas para se compreender os
processos de formação do conhecimento, que se relacionam de forma inequívoca, com a
tomada de decisão têm sido realizados geralmente em associação com estudos sobre memória,
sendo muitas vezes tratados como equivalentes (Squire e Kandell, 2003).

A interação dos processos cognitivos com as capacidades inerentes ao rendimento esportivo,


relacionadas com a tomada de decisão, nomeadamente com o conhecimento de base das
capacidades tático-técnico, particularmente nos jogos esportivos coletivos, tem sido tema de
investigação científica crescente nos últimos anos (Abernethy, 1991; Allard et al. 1993; Araújo,
2005; Araujo e Godinho, 2002; Garganta, 2004; Konzag e Konzag, 1981; Memmert, 2002;
Nitsch, 1986; Raab, 2001; Roth, 1989,1991,1996, Roth., 2005; Sonnenschein, 1987; Tavares,
1995; Tennenbaum e Bar Eli, 1993; Tennenbaum e Lidor, 2005; Williams, et. Al. 1999;
Williams e Hodges, 2004).

Não obstante, persistem dificuldades para se definir unanimemente quais são e como
funcionam os construtos subjacentes ao comportamento tático necessário à tomada de decisão,
ou de decisões (Roth, 1989; Tenenbaum e Lidor, 2005) antes de se executar uma ação. Em
parte as dificuldades se derivam da própria evolução das abordagens metodológicas utilizadas
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na pesquisa, que tem como base conceitos da psicologia cognitiva (Miller, et al, 1973; Neisser,
1974). Dos trabalhos pioneiros de Abernethy (1991), Konzag e Konzag (1981), Mahlo (1974),
Memmert (2004), Ripoll (1991), Raab (2001), Roth (1989) Tavares (1995), Tenenbaum e Lidor
(2005), para suas derivações atuais, na aprendizagem motora com o enfoque do problema dos
graus de liberdade do movimento (Bernstein,1967), o enfoque ecológico (Gibson, 1982), os
aportes relacionados com as teorias dos sistemas dinâmicos de Araújo (2005), Araújo e
Godinho (2002), Davis, et. al. (2005) Williams et. al. (1999), entre outros autores, dessa linha
de pensamento, muito se tem avançado para se compreender o comportamento tático-técnico e
a tomada de decisão nos Jogos esportivos Coletivos. Recentemente, fora publicada uma
abordagem de pesquisa para a compreensão da tomada de decisão “baseada nos
constrangimentos” (Davis, et. al; 2005) denominada por Araújo (2005) de “ABC” que apóia-se
nas formulações teóricas presentes nos sistemas dinâmicos e nas teorias ecológicas.

Uma outra possibilidade metodológica se apresenta na Teoria da Ação (Nitsch, 1986, nesta, a
tomada de decisão é vista como o produto e processo da interação resultante da tríade
relacional pessoa-ambiente-tarefa. “Cada ação humana é caracterizada pela seqüência de três
fases: antecipação, realização e interpretação, ou seja, as ações têm uma estrutura básica
trifásica” (Nitsch,1986). Nessa, concebe-se um sistema heurístico para detectar os déficits no
conhecimento necessários à ação. A ação é definida como interação do sujeito e o ambiente na
realização de uma tarefa ou problema, apresentando diferentes níveis de regulação da
atividade humana (cognitivo-emocional-automático) inter-relacionados entre sim. A ação e
considerada como “um comportamento organizado sobre propósitos subjetivos”, um processo
“intencional, dirigido e regulado psiquicamente” (Nitsch, 1986).

Neste ensaio, a ação em esportes é entendida como um comportamento tático. Portanto, “em
toda ação humana os processos são dinâmicos, motivados e realizados através de diferentes
formas de comportamento dentro de um contexto social” (Samulski, 2002), que se deve
interpretar na configuração situacional da tarefa solicitada. Assim, a história de aprendizado e a
forma de aquisição de experiência, constituem a base de conhecimento declarativo e
processual inerente à tomada de decisão. O conceito de situacional, ou da situação deve ser
compreendido não somente como uma totalidade das circunstâncias ambientais importantes no
momento, bem como a correspondente interação na constelação de fatores pessoais,
ambientais e da tarefa. A ação motora se concebe como a otimização situacional para a
decisão (Nitsch, 1986)
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Neisser (1974) postula que o conhecimento oferece a estrutura de sustentação dos processos
cognitivos, destacando a importância de se realizar uma abordagem ecológica da cognição. Em
esportes o conhecimento tem sido tema de investigação científica associado, por exemplo, ao
conceito de expertisse (Ericsson e Crutcher, 1990) bem como na forma de aquisição de
experiência, ou nas suas relações com a percepção e a tomada de decisão (Sonnenschein,
1987). Conforme o modelo proposto por Sonneschein (1987), autora referenciada na teoria da
ação, a capacidade perceptiva e de tomada de decisão relacionam-se com o conhecimento
técnico-tático do atleta, sendo a base de sustentação das suas decisões. A autora apóia-se em
um modelo cibernético que procura destacar as relações e interações das estruturas e do
respectivo feedback entre estas. A capacidade de percepção é constituída pelos processos de
seleção e codificação de informação, isto é, da procura dos “sinais relevantes” e sua
interpretação situacional, relacionados entre sim, criando mais um circuito de interações. A
capacidade de decisão do atleta apóia-se nos processos de elaboração de planos de ação e
“chamada” (evocação-organização) desses planos para a execução da ação. Ambas as
capacidades perceptiva e decisória se relacionam entre sim, e dependem, e interagem com o
conhecimento técnico-tático do atleta, que lhes oferece sustentação. O conhecimento orienta as
respectivas decisões do atleta, condicionando a organização da percepção, a compreensão das
informações e a resposta motora que o mesmo executa. Toda decisão tática pressupõe uma
atitude cognitiva do jogador, que lhe possibilita reconhecer, orientar-se e regular suas ações
motoras. Portanto, observa-se a necessidade de se compreender a importância do
desenvolvimento do conhecimento (declarativo e processual) através dos processos de ensino-
aprendizagem-treinamento. O professor deve compreender o aluno, como um ser decisor
(Garganta, 2004) ou também um ser “tático” (Memmert, 2004), portanto, as capacidades de
saber e de saber fazer se aprimoram de forma interligada.

As formas de aquisição, e modificação das estruturas simbólicas que constituem o


conhecimento dos atletas, se apóiam em modelos mentais necessários ao resgate da
informação, são fundamentais para a tomada de decisão nos esportes. Essas estruturas
simbólicas têm dado suporte à compreensão e análise da tomada de decisão em situação de
jogo em diferentes modalidades esportivas.

No modelo da tomada de decisão nos jogos esportivos coletivos, apresentado a seguir procura-
se descrever os processos e conteúdos inerentes a tomada de decisão nos JEC. Portanto,
apoiado em Sonnschein (1987) considera-se o conhecimento tático-técnico como eixo ou
âncora de um pendulo (poderia ser de um espiral), no qual diferentes processos cognitivos que
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participam da tomada de decisão são agrupados em três estruturas que “tratam” ou “lidam” com
a informação: recepção–elaboração-decisão, essas relacionam-se entre sim, interagem entre
sim de forma dinâmica e recíproca com base no conhecimento técnico-tático que o atleta
apresenta, e decorrem assincrônicamente, tanto entre sim, quanto também das informações
externas. Essa visão assincrónica do tratamento de informação se apóia em resultados de
pesquisa (Sernberg, 2000) e na proposta de Fodor (1986) sobre a modularidade da mente. Este
é um aspecto importante para se entender à antecipação em esportes. Conforme Fodor (1986),
o comportamento observável externamente não é entendido como uma passiva realização de
programas motores arquivados (Schmidt, 1975); e sim como um processo ativo de construção
do comportamento que se apóia em módulos (senso) motores herdados e aprendidos. Na teoria
da modularidade afirma-se que diferentes processos cognitivos ocorrem em unidades
características da cognição, em vez de fazê-lo de forma integrada, ao longo de todos os
processos, o que facilita sua análise (elaboração da informação) em paralelo. Conforme
Sternberg (2000) “a cognição envolve alguns processos modulares específicos para o domínio,
e alguns processos fundamentais gerais de domínio”. Esta teoria foi tão importante que Gardner
(2000) e Sternberg (1999) a utilizam como referência para explicar a modularidade dos
processos intelectuais superiores e a existência de vários tipos de inteligências. Conforme
Sternberg (2000) “muitos aspectos da cognição humana podem ser explicados em termos de
tratamento em série, mas grande parte da cognição humana envolve tratamento em paralelo,
no qual múltiplas operações acontecem juntas”. Assim, segundo o conceito do modelo de
processamento em paralelo, sempre que usamos o conhecimento mudamos nossa
representação dele. Ou seja, a representação do conhecimento não é realmente um produto
final, mas sim um processo, assim para o mesmo autor “a capacidade para criar novas
informações a partir de inferências e de generalizações possibilita uma quase infinita
versatilidade na representação e na manipulação do conhecimento” (Sternberg, 2000). Portanto
as relações do conhecimento com a tomada de decisão representariam uma via de mão dupla
que estabelecem condicionantes e facilitadores para ambos os processos, modificando, criando
mais ao mesmo tempo re-criando as alternativas do sujeito para tomar decisões.

O conhecimento tático-técnico é constituído por duas formas de expressão diferentes, porém


interdependentes entre sim (Anderson, 2004), o conhecimento declarativo, caracterizado como
fatos que podem ser declarados, cuja organização tem a forma de séries de fatos conectados e
passiveis de descrição (Sternberg, 2000), e segundo Roth (1989, 1991ab), pode ser
considerado como “saber o que fazer”. Já o conhecimento processual consiste em
procedimentos e habilidades que podem ser realizadas, sendo fundamental em ações de
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grande habilidade, ex: como amarrar os cordões dos sapatos, somar uma coluna de números,
andar de bicicleta (Sternberg, 2000). E que Roth (1989) o considera “saber como fazer”. Assim,
Roth (1989, 1991ab) coloca que duas decisões são tomadas nos esportes: a primeira decisão
mais relacionada com o conhecimento declarativo, ou primeira decisão, saber “o que” fazer. A
segunda decisão consiste em “saber como” fazer e faze-lo.

No modelo pendular da tomada de decisão nos jogos esportivos coletivos, a estrutura de


recepção de informação é didaticamente considerada como o momento em que decorrem
processos de percepção, de antecipação, de atenção em relação à informação. Conforme
Marina (1995) nos processos de percepção “interpretamos os dados dando-lhes significado,
não se trata de que vemos as coisas e as interpretamos de imediato, vemos a partir do
significado”. Ou seja, solicita-se a interação de estruturas como a de elaboração, na qual os
processos de pensamento (convergente e divergente) se relacionam com a memória
(declarativa e não declarativa), na qual decorrem processos mentais interligados que permitem
adquirir, reter, recuperar e usar ao longo do tempo a informação (Sternberg, 2000). A memória
declarativa (ou explicita) é uma memória consciente, que relaciona a informação episódica
(eventos vivenciados) e a informação semântica (conhecimento geral, fatos). A memória não
declarativa (implícita), ou seja, sem lembrança consciente, relaciona-se na recuperação de
informação procedimental (habilidade motoras-ações) (Sternberg, 2000).

Nos postulados propostos pela teoria da ação, a antecipação das ações tem um papel
fundamental na tomada de decisão, posição compartilhada no modelo pendular, pois objetivos,
motivação, interpretação, etc. influenciam as conseqüências do comportamento. Conforme
Raab (2001) na tomada de decisão se estabelecem relações e classes de equivalência entre a
predição das conseqüências do comportamento e as situações específicas a ser resolvidas no
jogo. Hoffmann (1993) descreve que todo comportamento do ser humano orienta-se na
antecipação das suas conseqüências, representa um processo de (auto) aprendizagem para
construção das estruturas antecipativas do controle do comportamento voluntário, antecipando
os objetivos da ação se antecipam os pontos de partida para a mesma (Hoffmann, 1993). No
desenho descrito na figura 1 as relações entre as estruturas (recepção-elaboração-decisão) que
se apóiam no conhecimento estão representadas pelas setas, a tomada de decisão apresenta-
se no eixo central relacionada com o conhecimento técnico-tático e as estruturas de recepção e
elaboração de informações paralelas a esta. O funcionamento dos processos cognitivos
subjacentes ás estruturas de recepção e elaboração de informação em interação com a
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estrutura de conhecimento técnico-tático, oportunizam uma tomada de decisão que pode ser
considerada inteligente e/ou também criativa.

Conhecimento tático-técnico:
P Declarativo - processual P
R R
O O
C C
E E
S S
Estrutura Tomada de Estrutura
S S
Recepção decisão Elaboração
O O

Percepção Pensamento
Tomada de Memória
Antecipação decisão

TD Tomada de TD
Inteligente decisão Criativa

Figura 1: As três estruturas da tomada de decisão (recepção-elaboração-decisão) e suas


interações no desenvolvimento pendular da TD inteligente e/ou criativa.

O conhecimento técnico-tático se constitui no eixo condutor da tomada de decisão, oportuniza o


estabelecimento das relações para a tomada de decisão. Apresenta-se como processo em
constante movimento, pendularmente, tanto no sentido horizontal relacionando os momentos
específicos da estrutura de decisão com as de recepção e de elaboração de informação, quanto
de forma vertical, ou seja, decorrendo temporalmente e construindo a decisão através de
sucessivas decisões. A cada decisão novas recepções e novas elaborações simplificam a
busca de informações relevantes para a tomada de decisão. Os eixos de comunicação, e de
interação das estruturas inerentes a tomada de decisão (recepção-elaboração decisão de
informação) se apóiam no conhecimento técnico-tático que o atleta detêm e que adquire no
processo de ensino-aprendizagem-treinamento, no jogo, na competição, etc.. A cada momento
as decisões constroem e re-constroem uma nova base de conhecimento. Nesse movimento
pendular apresenta-se, permanentemente, interações do conhecimento técnico-tático com as
estruturas que compõem a tomada de decisão. O conhecimento se constitui no eixo de relações
que possibilitam relacionar a estrutura de recepção de informação (e os processos cognitivos
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que a compõem) com à estrutura de elaboração de informação (e os processos cognitivos que


a compõem) oferecendo subsídios permanentes a tomada de decisão do atleta. As informações
são tratadas tanto sequencialmente quanto em paralelo, elaboradas em diferentes níveis
hierárquicos no organismo, e cada vez que para cada informação analisada solicita-se também
uma decisão. Paralelamente, à busca de novas informações leva a que se tomem decisões, ou
seja, o modelo converge às idéias de Roth (1991ab, 2005) e de Tenebaum e Lidor (2005:76)
que destacam as várias as decisões que se tomam na situação de jogo.

3. Sintese

Nos jogos esportivos coletivos é freqüente que os atletas tomem decisões em situações em que
a coordenação da ação encontra-se em situação de pressão - tempo, precisão, variabilidade,
organização, complexidade, carga física (Roth, 2005), portanto a seleção da resposta é
coordenada por processos cognitivos e operações mentais. Diversos aspectos influenciam a
tomada de decisão, por exemplo, objetivo da tarefa, o numero de decisões possíveis, o tempo
disponível para se executar a ação, o nível de incerteza em relação a possível da decisão, a
existência de uma ordem seqüencial das decisões, e finalmente pelo número de elementos
necessários para a decisão. O sistema visual ajuda o executante a antecipar eventos com
alguma certeza e prepara o sistema para a seleção de resposta que será mais apropriada em
uma situação particular, sendo que “o meio ambiente dinâmico dos esportes abertos exige
atenção em vários locais e objetos ao mesmo tempo. As localizações de objetos no espaço são
conhecidas e antecipadas com o aumento da experiência” (Tenenbaum e Lidor, 2005).

Conforme Roth (2005) “o treinamento da tomada de decisão apresenta objetivos em duas


áreas, por um lado a de oportunizar que o atleta gere hipóteses de ação e por outro lado que
aprenda a comprová-las, avaliá-las. Transferido para os Jogos esportivos coletivos significa que
o atleta deve aprender: a) desenvolver muitas e variadas idéias de soluções (geração), e b)
escolherem entre estas idéias a melhor (comprovação)”. Os objetivos do treinamento tático
individual conforme Roth (2005), portanto, apóiam-se no desenvolvimento das capacidades de
pensamento convergente e divergente, característicos da tomada de decisão. O treinamento da
tomada de decisão implica em integrar o desenvolvimento das capacidades cognitivas
paralelamente com o ensino-aprendizagem-treinamento de situações de jogo que oportunizem
primeiramente formas incidentais, para a posteriori, aprender de forma intencional com
situações convergentes (Roth, 2005). Primariamente pode se colocar que o processo de
ensino-aprendizagem-treinamento técnico-tático objetiva oportunizar e facilitar alternativas de
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transferência das aprendizagens para a situação de competição, Tenenbaum e Lidor (2005),


confirmam que a seleção de estratégias cognitivas pode ajudar os atletas a melhorar a tomada
de decisão, entre estas: “controle da atenção, visualização, imaginação, estratégias de
aprendizagem, auto-regulação incorporando biofeedback” entre outras importantes medidas
para o treinamento. O ensino-aprendizagem-treinamento dos denominados sinais relevantes de
uma situação de jogo, por exemplo, a posição do corpo do defensor, si este sai a marcar ou
não, no handebol. No voleibol observar o bloqueio, quantos jogadores, em que posição etc. são
aspectos que facilitam a construção de regras de comportamento pertinentes ao processo de
descoberta dos sinais relevantes. Em relação à tática de grupo, conforme Roth (2005) o
processo de ensino-aprendizagem-treinamento dos atletas deve oportunizar a aquisição de
regras de antecipação na forma de estruturas “quando-então”. Estas representam as regras da
experiência tipo: em que condições da situação (quando) quais são as alternativas de ação que
apresentam a maior probabilidade de êxito e qual o valor de utilizá-las.

Assim, conforme a revisão de literatura apresentada, observa-se que os modelos de tomada de


decisão ainda estão em seus primórdios, a melhoria da tomada de decisão através de um
processo pedagógico relaciona-se com a capacidade de formulação de objetivos e programas
de ação para encontrar soluções ótimas entre um número sempre crescente de alternativas,
assim, possibilitar um direcionamento da atenção para os processos perceptivos, inicialmente
possibilitar que as exigências motoras na execução da ação sejam simples, de forma a que o
atleta possa “concentrar-se na tomada de decisão, oportunizar que o tempo disponível para a
tomada de decisão possa ser “esticado”, isto é, aumentado; possibilitar que a ação a ser
executada tenha sempre como base a experiência anterior e não uma seqüência pré-
estabelecida em livros ou manuais que em geral não contemplam vivências individuais, e quase
finalmente, estimular e promover que os atletas procurem novas e criativas formas de decisões.

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