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Subjetividades

SUBJETIVIDADES Edição Especial:


A Psicanálise e as Formas do Político
e-ISSN: 2359-0777

REFLEXÕES SOBRE A AUTORIDADE: UM DIÁLOGO ENTRE HANNAH ARENDT


E JACQUES LACAN
Reflections on Authority: A Dialogue between Hannah Arendt and Jacques Lacan
Reflexiones sobre la Autoridad: Un Diálogo entre Hannah Arendt e Jacques Lacan
Réflexions sur l’Autorité: Un Dialogue entre Hannah Arendt et Jacques Lacan
DOI: 10.5020/23590777.rs.v18iEsp.6465

Paulo Cesar Endo (Lattes)


Psicanalista, Professor Doutor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e da Pós-Graduação Humanidades, Direitos e Novas Legitimidades
(FFLCH/USP).

Gabriela Gomes Costardi (Lattes)


Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo.

Resumo

Este artigo visa formular uma noção de autoridade relativa ao tratamento psicanalítico de orientação lacaniana. Para tal, dialogamos com a
teoria de Hannah Arendt. Primeiramente, abordamos a distinção entre a autoridade nas esferas privada e pública. Considerando que a autoridade
é efeito da hierarquia, a qual se estabelece a partir da diferença entre seus níveis, ela se apresenta de forma natural no âmbito privado, o qual
acolhe as diferenças. Já no âmbito público, a igualdade é o fator determinante, fazendo-se necessária a instauração da diferença. Em seguida,
abordamos a estratégia romana para o estabelecimento da autoridade na política, a saber, sua fonte é um elemento externo à relação entre
governantes e governados, no caso, a fundação da cidade de Roma. Por fim, destacamos a concepção de autoridade política estabelecida pelos
atores da Revolução Americana, os quais deslocaram a fonte da autoridade do ato fundador dos antepassados para seu próprio ato fundador, o
que está representado pela Constituição dos Estados Unidos enquanto resultado de compromissos mútuos estabelecidos entre os atores daquele
corpo político. Assim, Arendt postula que a autoridade resulta de uma hierarquia e que sua fonte é externa à relação entre líderes e liderados,
ainda que essa fonte não se coloque como um parâmetro superior ou absoluto, mas derive do compromisso mútuo entre os indivíduos que
agem em concerto. A partir daí, analisamos a relação entre autoridade e verdade na obra lacaniana, considerando que a última deriva da divisão
entre os sujeitos gramatical e o da enunciação, o que significa manter essa noção no campo da linguagem e recusar a necessidade de uma
metalinguagem. Além disso, levamos em conta as proposições do autor sobre a autorização do analista. Por fim, concluímos que a legítima
autoridade no tratamento psicanalítico advém da manifestação da verdade do sujeito do inconsciente enquanto lugar terceiro em relação ao
analisante e ao analista, bem como da relação da verdade com o saber transmissível que tem lugar no fim da análise. Nossa metodologia é a
pesquisa bibliográfica, guiada pela busca de inspiração da psicanálise de orientação lacaniana pela teoria política arendtiana.

Palavras-chave: autoridade; verdade; política; psicanálise.

Abstract

This article aims to formulate a notion of authority regarding the psychoanalytic treatment of Lacanian orientation. To do this, we
dialogue with Hannah Arendt’s theory. First, we address the distinction between authority in the private and public spheres. Considering
that authority is an effect of the hierarchy, which is established from the difference between its levels, it is presented in a natural way in the
private sphere, which welcomes the differences. In the public sphere, equality is the determining factor, making it necessary to establish
the difference. Then we approach the Roman strategy for establishing authority in politics, namely, its source is an external element to the
relationship between rulers and ruled, in this case, the foundation of the city of Rome. Finally, we emphasize the conception of political
Paulo Cesar Endo e Gabriela Gomes Costardi

authority established by the actors of the American Revolution, who shifted the source of authority from the founding act of the ancestors
to their own founding act, which is represented by the Constitution of the United States as a result of mutual commitments established
between the actors of that body politic. Thus, Arendt postulates that authority results from a hierarchy and that its source is external
to the relationship between leaders and leaders, even if that source is not placed as a superior or absolute parameter, but derives from
the mutual commitment between individuals acting in concert. From there, we analyze the relation between authority and truth in the
Lacanian work, considering that the latter derives from the division between the grammatical and enunciation subjects, which means to
maintain this notion in the field of language and to refuse the necessity of a metalanguage. In addition, we take into account the author’s
propositions on the authorization of the analyst. Finally, we conclude that legitimate authority in psychoanalytic treatment comes from
the manifestation of the truth of the subject of the unconscious as a third place in relation to the analyzer and the analyst, as well as
the relation of truth to the transmissible knowledge that takes place at the end of the analysis. Our methodology is the bibliographical
research, guided by the search for inspiration of the Lacanian-oriented psychoanalysis by Arendtian political theory.

Keywords: authority; truth; policy; psychoanalysis.

Resumen

Este artículo objetiva formular una noción de autoridad relativa al tratamiento psicoanalítico de orientación lacaniana. Para eso, dialogamos
con la teoría de Hannah Arendt. Primeramente, tratamos de la distinción entre autoridad en las esferas privada y pública. Considerando que
la autoridad es el efecto de la jerarquía la cual se establece a partir de la diferencia entre sus niveles, ella se presenta de forma natural en el
ámbito privado, lo cual recibe las diferencias. Ya en el ámbito público, la igualdad es el factor determinante, siendo necesaria la instauración
de la diferencia. En seguida, tratamos la estrategia romana para el establecimiento de la autoridad en la política, es decir, su fuente es un
elemento externo a la relación entre gobernantes y gobernados, en el caso, la fundación de la ciudad de Roma. Finalmente, enfatizamos la
concepción de autoridad política establecida por los actores de la Revolución Americana, los cuales desplazaron la fuente de la autoridad del
acto fundador de los antecesores para su propio acto fundador, lo que está representado por la Constitución de los Estados Unidos mientras
resultado de compromisos recíprocos establecidos entre los actores de aquél cuerpo político. Así, Arendt postula que la autoridad resulta de
una jerarquía y que su fuente es externa a la relación entre líderes y liderados, aunque esta fuente no se ponga como un parámetro superior
o absoluto, pero resulte del compromiso recíproco entre los individuos que actúan en concierto. Desde ahí, analizamos la relación entre
autoridad y verdad en la obra lacaniana, considerando que la última resulta de la división entre los sujetos gramatical y el de la enunciación,
lo que significa mantener esta noción en el campo del lenguaje y rechazar la necesidad de un metalenguaje. Además, llevamos en cuenta las
proposiciones del autor sobre la autorización del analista. Finalmente, concluimos que la legítima autoridad en el tratamiento psicoanalítico
viene de la manifestación de la verdad del sujeto del inconsciente mientras lugar tercero en relación al analizante y al analista, bien como de
la relación de la verdad con el saber transmisible que tiene lugar al fin del análisis. Nuestra metodología es la investigación bibliográfica,
norteada por la búsqueda de inspiración del psicoanálisis de orientación lacaniana por la teoría política arendtiana.

Palabras clave: autoridad; verdad; política; psicoanálisis.

Résumé

Cet article vise à formuler une notion d’autorité relative au traitement psychanalytique d’orientation lacanienne. À cette fin, on a dialogué
avec la théorie de Hannah Arendt. Tout d’abord, on discute la distinction entre l’autorité dans les sphères publique et privée. Si on considère
que l’autorité est l’effet de la hiérarchie ( qui, par sa fois, est établie à partir de la différence entre ses niveaux), l’autorité se présente
de façon naturelle dans le contexte privé, ce qui accueille les différences. Dans la sphère publique, pourtant, c’est l’égalité le facteur
déterminant, ce qui rend nécessaire la mise en place de la différence. Puis, on discute de la stratégie romaine pour établir de l’autorité dans
la politique, c’est-à-dire, sa source comme un élément extérieur à la relation entre gouvernement et les gouvernés , dans le cas particulier, la
fondation de la ville de Rome. Finalement, on attire l’atention à la conception de l’autorité politique établie par les acteurs de la Révolution
Américaine. Ils ont déplacé la source de l’autorité de l’acte fondateur des ancêtres à leur propre acte fondateur, ce qui est représenté par la
Constitution des États-Unis comme le résultat des engagements mutuels entre les acteurs de ce corps politique là. Ainsi, Arendt postule que
l’autorité est le résultat d’une hiérarchie et que sa source est externe à la relation entre gouvernement et gouvernés, même si cette source
n’est pas mise comme un paramètre supérieure ou absolue. En fait, elle dérive de l’engagement mutuel entre les sujets qui agissent ensemble,
“de concert”. A partir de ces notions, on analyse la relation entre l’autorité et la vérité dans l’oeuvre lacanienne, toujours en considérant
que la dernière dérive de la division entre les sujets de la grammaire et ceux de l’énonciation. Cela signifie maintenir cette notion dans le
domaine du langage et refuser la nécessité d’un métalangage. En outre, on tient en compte les propositions de l’auteur sur l’autorisation
de l’analyste. Finalement, on conclut que l’autorité légitime dans le traitement psychanalytique provient de la manifestation de la vérité du

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Reflexões sobre a Autoridade: Um Diálogo entre Hannah Arendt e Jacques Lacan

sujet de l’inconscient tant que troisième place par rapport à l’analysant et à l’analyste. Elle provient aussi de la relation de la vérité avec
le savoir transférable, ce qui a place à la fin de l’analyse. Notre méthodologie, s’agit-elle de la recherche bibliographique, guidée par la
psychanalyse d’orientation lacanienne inspirée par la théorie politique de Hannah Arendt.

Mots-clés: autorité; vérité; politique; psychanalyse.

Este artigo tem como objetivo formular uma noção de autoridade relativa ao tratamento psicanalítico de orientação
lacaniana. Para tal, buscamos inspiração em elementos da teoria sobre autoridade da pensadora política Hannah Arendt.
Entendemos que esse tema é crucial na atual situação política vivida no Brasil, já que, estando sob um governo que se
estabeleceu a partir de um controverso processo de impeachment, faz-se imperativo o questionamento reiterado de sua
legitimidade, o que tem efeitos sobre a capacidade do governo de sustentar a autoridade necessária para a realização de
suas funções políticas. Nosso foco, entretanto, não é a autoridade no campo político, mas, ao estarmos advertidos sobre o
tratamento psicanalítico não ser uma esfera da vida separada de outras, buscamos inspiração na teoria política para reativar
o debate sobre questões como poder, legitimidade e autoridade na clínica psicanalítica.
Com vistas a atingir nosso objetivo, reconstruímos a concepção arendtiana de autoridade em três etapas. Primeiro,
abordamos sua análise da política na Grécia Antiga, na qual ela pontua a diferença entre a autoridade nas esferas privada
e pública. Considerando que a autoridade se estabelece a partir de uma hierarquia, a qual implica uma diferenciação entre
seus níveis, ela se apresenta de forma natural no âmbito privado, já que ali as diferenças entre as pessoas são acolhidas
— por exemplo, a diferença geracional, a expertise profissional ou as diferenças estabelecidas pela discurso religioso. Já
no âmbito político, a igualdade é o fator determinante e, por isso, faz-se necessário o estabelecimento de um artifício que
instaure uma diferenciação entre as pessoas. A seguir, acompanhamos como Arendt revisita a política romana e observa
como esse povo estabeleceu a autoridade no âmbito político, a saber, referindo-se à uma fonte exterior à relação entre
governados e governantes, ou seja, os líderes romanos não reivindicavam autoridade em seu próprio nome, mas em nome
da transmissão da tradição e da fundação da cidade de Roma, estabelecida por seus antepassados. Por fim, observamos
que Arendt se filiou à concepção de autoridade política estabelecida pela Revolução Americana, a qual deslocou sua fonte
do ato fundador dos antepassados para seu próprio ato fundador, o que está representado pela escrita da Constituição dos
Estados Unidos enquanto resultado de compromissos mútuos estabelecidos entre os atores daquele corpo político. A partir
disso, afirmamos que a autora concebe a autoridade no campo político desde o estabelecimento de uma hierarquia, a qual
retira sua legitimidade de um produto estabelecido e constantemente reiterado pelo compromisso mútuo entre os integrantes
do corpo político. Essa concepção funda a legitimidade da função da autoridade em dois pontos: primeiro, o princípio do
compromisso mútuo recusa que a fonte da autoridade esteja referida a uma instância superior ou absoluta, além disso, o
produto da ação coletiva estabelece uma barreira à possibilidade do líder encarnar imediatamente a vontade popular.
Tendo em mente a concepção de autoridade de Arendt, buscamos referências nos textos de Lacan sobre a temática da
autoridade. Encontramos uma referência à autoridade quando o autor está formulando sua crítica à metalinguagem, na qual ele
postula que a dimensão da verdade no nível do sujeito do inconsciente deriva da divisão entre o sujeito gramatical e o sujeito
da enunciação, ou seja, a operação da verdade diz respeito a uma operação interna ao campo da linguagem, e não advinda da
metalinguagem. Além disso, analisamos as formulações do autor sobre o tema da autorização do analista, o qual se refere ao
fim de análise enquanto passagem de analisante a analista e coloca em jogo, juntamente com a verdade, o saber transmissível.
A partir da análise dos textos lacanianos, recolhemos elementos para formular uma noção de autoridade que seja
homóloga à concepção do autor sobre a verdade em sua relação com o saber. A inspiração para afirmarmos essa concepção,
bem como para estendê-la à lógica do tratamento, foi-nos dada por sua concordância com a concepção arendtiana de
autoridade, na medida em que a autora propõe que a fonte de autoridade apresenta-se como uma dimensão de alteridade na
relação entre líderes e liderados, contanto que esse lugar terceiro não assuma um caráter absoluto, superior e transcendente.
Da mesma forma, a verdade inconsciente apresenta-se enquanto alteridade ao jogo subjetivo imaginarizado entre analisante
e analista e, ao mesmo tempo, não se sustenta em algum lugar transcendente ao campo da linguagem.
Aqui cabe uma reflexão sobre nossa metodologia. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, a qual foi guiada pela busca
de inspiração na psicanálise de orientação lacaniana pela teoria política arendtiana, o que está em consonância com a
proposta de Lacan de que a psicanálise estabeleça uma via de mão dupla quando em contato com as chamadas ciências
afins ao modo da inspiração (Lacan, 1964/2003, p. 238). Assim, nossas principais preocupações metodológicas foram não
promover analogias forçadas entre as teorias nem utilizar uma como crivo exterior a ditar a verdade que caberia à outra.
Comecemos nosso percurso reconstruindo a teoria arendtiana sobre a autoridade.

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Paulo Cesar Endo e Gabriela Gomes Costardi

A Teoria de Hannah Arendt sobre a Noção de Autoridade

A relação de autoridade diz respeito a um laço social em que há uma dissimetria entre indivíduos. Estar em uma posição
de autoridade implica ter sua posição hierárquica superior reconhecida por quem está abaixo, não necessitando recorrer nem
à violência, nem à persuasão para ter sua influência assegurada (Arendt, 1954/2009, p. 129). Hannah Arendt aponta que o
estabelecimento dessa diferença segue lógicas diversas nas esferas pública e privada. Na esfera privada, o fato de as pessoas
ocuparem posições desiguais assume um caráter naturalizado, pré-definido, evidente (Arendt, 1954/2009, p. 148). Há uma
complementação entre a criança que necessita de cuidados e a mãe provedora; o aluno que precisa vencer a ignorância e
o professor que sabe; o fiel assombrado pelo pecado e o guia espiritual. Essas diferenças estruturam a vida privada dos
indivíduos e há mesmo um elemento de violência, a um só tempo, sobre o corpo e sobre o psiquismo, que sustenta essa
dominação, pois o domínio sobre o corpo é um estar à mercê do pai que castiga, da escola que disciplina, do médico que
manipula. A institucionalização, consolidação e constatação da desigualdade pré-destina o que pode, ou não, ser dito e feito
pelas pessoas, subtraindo das palavras e atos seu poder de surpreender, de causar algo inédito. Assim, reconhecemos que a
família é, preponderantemente, um lugar da transmissão, institucionalização e reprodução de um mundo específico, espaço
da mesmidade. No mesmo sentido, a religião e a escola estão entre as instituições que perpetuam e impõem tradições, que
disseminam a cultura, incrementando nosso senso de continuidade com o passado, bem como o partilhamento de um núcleo
comum de significados. Em suma, o fato de que as pessoas assumem posições de assimetria em suas relações privadas
favorece a instauração de relações de autoridade.
Considerando que essa conexão entre hierarquia, âmbito privado e autoridade tem um fundamento quase que natural
para Hannah Arendt, como entender a crise mais ou menos generalizada da autoridade observada no mundo moderno? A
autora (Arendt, 1954/2009, p. 128) propõe que a crise de autoridade que se apresenta no âmbito privado é consequência
de uma crise de autoridade originada do âmbito público. Assim, em sua visão, um dos problemas da era moderna é o
estabelecimento da autoridade na política e, para acompanharmos seu raciocínio, abordaremos algumas noções de seu
pensamento político relacionadas à sua concepção de autoridade.

A Política na Grécia Antiga e a Autoridade Relegada à Esfera Privada

Quando Arendt pensa a política baseada na experiência ateniense, ela faz referência, em grande parte, a um modelo
agonístico, em que os homens se reúnem em torno de assuntos comuns e buscam destacar-se por grandes palavras e feitos,
os quais serão lembrados ao longo do tempo (Arendt, 1958/2010, p. 50). Esta é a solução grega para a fugacidade das
ações e palavras humanas: encená-las na pólis, ou seja, submetê-las à apreciação de outros homens que possam lembrá-las,
contá-las, escrevê-las. Nesse contexto, emerge a figura do herói, do homem que será nomeado pela história, em que Arendt
menciona a celebridade de Aquiles na narrativa de Homero. Nesse modelo, encontramos dois importantes legados da autora
para a noção moderna de política: primeiro, a política enquanto performance e início, ou seja, política como ação e não como
hábitos, reações ou comportamentos; segundo, a dimensão narrativa da política, na qual se evidencia a teia de relações que
sujeita a política enquanto assunto da esfera humana (Benhabib, 2003, p. 125).
O que nos importa enfatizar é o fracasso da tentativa de instaurar a autoridade, a qual depende de relações hierárquicas,
na pólis ateniense. Hannah Arendt esclarece que essa tentativa foi feita por Platão diante da condenação à morte de Sócrates
por meio da deliberação de seus iguais. Esse episódio convenceu Platão de que a vida pública grega não podia continuar
sendo regida apenas por acordos estabelecidos pela via da persuasão, de forma que buscou trazer para a vida pública
um modelo privado de autoridade, artifício supostamente capaz de compelir os homens sem o uso de meios externos de
violência, buscando o estabelecimento de “uma relação em que o elemento coercitivo repousasse na relação mesma e fosse
anterior à efetiva emissão de ordens” (Arendt, 1954/2009, p. 148). No entanto, segundo a autora, o fato de o filósofo ter
utilizado como modelo relações que respondem à lógica da vida privada — o pastor diante das ovelhas, o senhor diante dos
escravos, o médico diante do doente — determinou o fracasso de sua tentativa. Assim, o conceito de ‘autoridade’ na esfera
política não foi forjado na Grécia Antiga, mas somente num tempo posterior, em Roma, onde um modelo político mais
inclusivo demandou a criação de uma hierarquia na vida pública.

A República Romana e a Autoridade na Esfera Pública

O modelo político ateniense era baseado em uma larga exclusão, já que o cidadão era o homem abastado, dispensado das
ocupações com sua própria da sobrevivência, com tempo para se dedicar aos negócios públicos, o que impossibilitava que
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mulheres, escravos e artesãos tivessem voz na pólis. Roma, por sua vez, instaurou uma república e deu um lugar para o povo
em sua estrutura política. Ao trazer para a cena pública alguns dos que antes viviam apenas sob teto privado, estabeleceu-
se na vida pública uma complexa estrutura de divisão de poder e hierarquização, com o consequente estabelecimento de
relações de autoridade entre o senado o povo (Brunkhorst, 2000, p. 187). Arendt usa a imagem da pirâmide para ilustrar
a estruturação de um governo que se funda na autoridade - diferenciando-o da tirania, que se funda na violência, e do
totalitarismo, que se funda no terror - e localiza a fonte de autoridade em um ponto exterior à pirâmide (1954/2009, p. 135).
Em cada nível da pirâmide, encontram-se pessoas sucessivamente com menos responsabilidade, autoridade e liberdade, e
essas diferenças permitem a articulação entre os diversos níveis da pirâmide. É importante ressaltar que o que sustenta a
autoridade do líder e a obediência do subordinado é o reconhecimento mútuo da posição que o outro ocupa, estabelecendo-se
um consentimento recíproco e tácito, o que é diferente tanto das relações horizontais do processo deliberativo que acontece
entre iguais quanto da dominação que se baseia na violência ou no terror.

A relação autoritária entre o que manda e o que obedece não se assenta nem na razão comum nem no poder do que manda; o
que eles possuem em comum é a própria hierarquia, cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos têm seu
lugar estável predeterminado. (Arendt, 1954/2009, p. 129)

Arendt (1954/2009) observa que a forma que os romanos encontraram para estabelecer a autoridade na vida pública
foi colocando em jogo um elemento externo à relação entre o governante e os subordinados. O governante não pedia
obediência em seu próprio nome, mas referia-se a uma fonte exterior de autoridade, a qual legitimava a desigualdade de
posições, fazendo com que a hierarquia fosse sustentada pelo consentimento de ambas as partes e gerasse a obediência dos
governados. Essa fonte é o passado.
A palavra ‘autoridade’ (auctoritas) está ligada ao verbo ‘aumentar’ (augere) e o que ela aumenta é a fundação. Quer
dizer, “uma vez que alguma coisa tenha sido fundada, ela permanece obrigatória para todas as gerações futuras” (Arendt,
1954/2009, p. 162). Nesse sentido, “[p]articipar na política significava, antes de mais nada, preservar a fundação da cidade de
Roma” (Arendt, 1954/2009, p. 162). Assim, o modelo, o exemplo, as fundações dos antepassados, tornavam-se referências
e padrões com força de autoridade. Para os romanos, a autoridade é uma capacidade coercitiva que se apoia em parâmetros
consagrados pelo tempo que se volta para os pais fundadores, o que fez com que eles tomassem os eminentes filósofos e poetas
gregos como seus antecessores, elevando-os à dignidade de autoridades e fontes de uma tradição a ser transmitida. A tradição
é aquilo que, do passado, se transmite de geração a geração, oferecendo um ponto de ancoragem através do qual fixamos uma
certa versão sobre o que passou. Consequentemente, a tradição nos impede de perceber o passado de uma forma diferente dos
outros homens. Em poucas palavras: a tradição é uma guardiã do passado. Em nossa cultura atual, encontramos um exemplo
dessa noção de autoridade no costume de reverenciar fundadores, cultivado principalmente em artes performativas clássicas.
No Ballet da Cidade de Nova Iorque (New York City Ballet), as bailarinas da peça “Chocolate Quente”, do balé “O Quebra-
Nozes”, carregam em seu figurino camafeus de Lincoln Kirstein e George Balanchine, fundadores dessa companhia de dança.
Isso acontece em todas as performances do balé desde 1954, quando Balanchine recoreografou a montagem original de
Marius Petipa. Sendo os camafeus invisíveis à audiência, eles não servem como adorno aos figurinos, mas cumprem a função
de constituir e preservar a tradição desse espaço de arte que sobrevive às gerações.1
É importante enfatizar que o princípio de aumentar a fundação da cidade que rege a autoridade política romana contém
em si uma solução para o desafio de perpetuar aquilo que foi fundado, já que tudo o que é instaurado aumenta a sagrada
fundação primeira e passa a constitui-la, ganhando o predicativo de ser preservado. Além disso, esse princípio se opõe ao
nascimento de algo novo que não seja um desdobramento do ato paterno de fundação. Logo, o que passa a existir está referido
a uma tradição e isso determina sua existência e seu sentido para os homens. Isso quer dizer que a república romana, apesar
de ser uma referência importante para Arendt pela afinidade da autora com a experiência republicana clássica, como veremos
adiante, não é um modelo de política propenso a acolher a capacidade humana de iniciar, a qual também é fundamental para
sua teoria política. Daí justifica-se o deslumbramento da pensadora pela revolução que, em sua opinião, conseguiu reunir os
dois aspectos da fundação no campo político: a emergência da novidade pela ação em concerto e a sua preservação através
da formação de compromissos entre os atores políticos.

1 Para outros exemplos ver Cooper (2013).

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Paulo Cesar Endo e Gabriela Gomes Costardi

A República Americana e a Capacidade de Prometer como Princípio da Autoridade na Esfera Pública

Ao analisar as Revoluções Francesa e Americana em seu livro Sobre a Revolução (1963), Hannah Arendt aponta que
a fundação da República Americana deu-se a partir de um deslocamento do princípio da República Romana: de aumentar
a fundação dos antepassados para aumentar o produto do seu próprio ato fundador. A autora considera que a fortuna da
Revolução Americana se deu porque, ao contrário da Revolução Francesa, os homens que a empreenderam compreenderam
que autoridade e poder brotam de fontes diversas. Ao contrário dos franceses, que localizaram tanto o poder quanto a
autoridade na vontade popular, os americanos, embora soubessem que o poder advinha da associação popular, estabeleceram
a Constituição dos Estados Unidos como a fonte da autoridade necessária à constituição da República. Quer dizer, apesar
de a Constituição ter sido elaborada a partir das opiniões dos indivíduos que compõem o corpo político, ao ser escrita,
tornou-se uma referência legal estável, ainda que passível de emendas. Ela passou a ser um terceiro elemento entre
governantes e governados, capaz de oferecer a necessária autoridade ao funcionamento do corpo político. Isso implicou
que — diferentemente dos romanos, que tomavam o ato fundador de seus antepassados como referência — os americanos
se referiam ao produto de seu próprio ato para sustentar a autoridade no corpo político. Eles romperam com a orientação
romana de fundar “Roma de novo” para fundar uma “nova Roma”, uma nova ordem mundial (Arendt, 1963/2011, p. 271).
A questão sobre a fonte de autoridade das leis é amplamente debatida no pensamento político. A qual parâmetro superior
podem se referir as leis positivas que regulam as relações cotidianas em um corpo político - à sabedoria divina, à vontade
soberana, aos valores consagrados pela tradição, às leis naturais, à luz da razão, à vontade popular?2Arendt (1963/2011) mostrou-
se especialmente favorável à solução americana, a saber, “o princípio da promessa mútua e da deliberação comum” (p. 273).
Quer dizer, a Constituição americana não se tornou a fonte de autoridade porque referida a algum tipo de princípio absoluto,
alguma lógica livre da ambivalência da qual sofrem os assuntos humanos, mas sim por causa da capacidade dos integrantes
daquele corpo político de estabelecerem e cumprirem um compromisso coletivo, pela capacidade de se implicar para que haja
palavras e atos acordados que não prescrevam simplesmente, senão estabeleçam um enquadre para a vida coletiva.
Nessa reflexão, vemos a especificidade do conceito arendtiano de autoridade surgir: a autoridade no sentido de sentir-
se coagido a aceitar ordens por partilhar de uma hierarquia, ao modo da obediência, tem legitimidade apenas nas relações
do âmbito privado, onde a diferença entre os indivíduos é fundamento para as relações — a diferença geracional entre
pais e filhos, a expertise profissional em geral, a santidade dos ícones religiosos. Ao contrário, a obediência em política se
traduz em consentimento. Nesse âmbito, ao aceitar a posição hierárquica superior dos líderes, os liderados oferecem apoio,
suportam a posição de seus superiores, e é dessa afirmação dos governados que os governantes retiram seu poder para agir
e sua autoridade para governar. “Um adulto consente onde uma criança obedece; se dizemos que um adulto obedece, ele de
fato apoia a organização, a autoridade ou a lei que reivindica ‘obediência’” (Arendt, 2003, p. 109). Um dos argumentos em
que se baseou a análise de Arendt sobre a responsabilidade de Eichmann, tanto no nível legal quanto moral, se refere a essa
noção de que, no âmbito político, obediência se traduz por consentimento; ou seja, a justificativa de “obedecer ordens” não
eximiria o alto funcionário de assumir as consequências de seus feitos.3
Em suma, ressaltamos dois sentidos da proposição arendtiana sobre a fonte da autoridade na esfera pública ser externa à
relação entre governantes / governados. Primeiro, ela não se refere a um lugar superior a partir do qual a autoridade poderia ser
legitimada, mas à instância que resulta dos compromissos assumidos por indivíduos que expuseram suas opiniões à prova - por
natureza individuais e plurais -, diante do ponto de vista de seus pares no embate deliberativo. E, por último, a fonte da autoridade
não é um derivativo direto da vontade da nação, não a reflete em espelho, mas constitui uma instância de alteridade a essa mesma
vontade, resistindo à suas mudanças. Em outras palavras, a fonte de autoridade de um corpo político é algo comum aos indivíduos,
mas não se trata de um comum que cause homogeneização entre eles, tal como se apresenta a função do comum nos processos
identificatórios, por exemplo. Trata-se de um comum que preserva a diferença entre os indivíduos que agem em conjunto.

2 Barbour e Pavlich (2010, p. 2-6) apresentam brevemente como a tradição política têm localizado a fonte de legitimidade para o estabelecimento
da soberania e da lei no corpo político. Mencionamos aqui o ponto chave das quatro vertentes apresentadas pelos autores bem como o principal teórico que
lhes representa: a lei divina ou natural (Hobbes); o povo (Habermas); a pura força do soberano (Carl Schmitt); o contexto histórico (Foucault).

3 Berkowitz toma a noção de obediência enquanto consentimento,na esfera pública, como chave para analisar a posição de Hannah Arendt no
caso de Eichmann. Isso o permite deslocar a usual compreensão de que o fato de Arendt ter atribuído os feitos de Eichmann à sua incapacidade de pensar
signifique que ele os tenha realizado tal como um burocrata, automaticamente, sem convicção. Pois se a obediência na vida pública é consentimento,
então, o alto funcionário do regime de Hitler verdadeiramente consentiu com o Nazismo e, propriamente, era um antissemita, já que os dois não podem ser
dissociados. Assim, o autor afirma: “Arendt conclui que o mal no mundo moderno não é feito nem por monstros, nem por burocratas, mas por aderentes
[joiners]” (2013, tradução nossa). Nesse contexto, agir sem pensar significa recusar o sentido concreto da situação em nome de fazer parte do movimento;
agir “como alguém convencido que estava sacrificando uma moralidade fácil por um bem maior” (Idem).

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Reflexões sobre a Autoridade: Um Diálogo entre Hannah Arendt e Jacques Lacan

Em relação à necessidade de se criar instituições que dêem certa estabilidade ao corpo político e resistam aos ventos
da vontade popular, observamos que a psicologia das massas de Freud (1921/2011) nos alerta para uma tendência à
“contaminação”, identificação e unificação psíquica entre os indivíduos nas sociedades de massas, ou seja, é muito fácil
criar-se maiorias consensuais nas sociedades de massa em assuntos com considerável impacto afetivo. Nesse caso, como
ficariam os direitos das minorias que participam da sociedade? Como não se perpetuariam as segregações raciais, sexuais,
econômicas de minorias em uma sociedade que tende a entoar univocamente gritos conservadores? As instituições políticas
têm, entre outras, a finalidade de equacionar a segregação social através de um princípio de igualdade civil. Elas devem ser
um antídoto à ditadura da maioria, sintoma das sociedades democráticas.
Quanto ao fato de que a autoridade na esfera pública dependa do suporte dos indivíduos da base dessa estrutura,
observamos sua máxima exposição em determinados momentos inspiradores das revoluções populares, quando não estamos
apenas diante da rejeição de um governante, o que poderia se resumir à retirada desse governante do poder, senão as pessoas
não suportam mais a própria fonte de autoridade daquele corpo político. Consideramos exemplo disso a Revolução Tunisiana,
a qual disparou a série de movimentos revoltosos que compuseram o que ficou conhecido como Primavera Árabe, em 2011.
A Revolução Tunisiana derrubou o longevo regime autoritário de Zine El Abidine Ben Ali, que tomara o poder em 1987
através de um golpe contra o ditador Habib Bourguiba, o qual estava no poder desde 1956. Apoiado pelos Estados Unidos e
pela França, Ben Ali teve sucesso em reformas constitucionais que o transformariam em um presidente por toda a vida, tal
como seu antecessor. Tendo encontrado na Guerra ao Terror um ardil para violar direitos humanos e cometer abusos contra
valores democráticos, como os direitos de reunião, expressão e oposição, Ben Ali transformara a Tunísia em um grande
campo de vigilância sem tolerância a qualquer dissidência (GANA, 2013, p. 5).
Construir uma narrativa sobre a Revolução Tunisiana exige uma análise bastante complexa. Em linhas gerais, podemos
dizer que é preciso abordar sua inserção em um embate entre autoritarismo e práticas de resistência que vem de longa
data, visto que uma cultura de dissidência se instalara no país desde sua luta contra o colonialismo francês nas décadas de
1930 e 1940, a qual ganhou expressão enquanto crítica artística em peças de teatro, poesia, cinema e música, bem como
deu origem a movimentos sindicais, estudantis e pelos diretos das mulheres (GANA, 2013, p. 15). Esses movimentos
sociais tiveram presença marcante tanto nos protestos pacíficos que se seguiram à autoimolação de Mohamed Bouazizi — o
vendedor de verduras que teve seu carrinho e produtos confiscados pela polícia, ficando impossibilitado de prover para sua
família —, em dezembro de 2010, e perduraram até a derrubada de Ben Ali, em janeiro de 2011, quanto no intenso período
de desobediência civil que acompanhou os momentos decisivos da transição pós-revolucionária — desde a formação do
governo interino, logo após a saída do ditador, até clamores por eleições e pela formulação de uma Constituição, os quais
culminaram nas eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte, em outubro de 2011.
Ganha destaque ainda o aumento do empobrecimento, desemprego e corrupção que ocorre desde a década de 90,
quando o país abraçou práticas neoliberais para se alinhar a seus parceiros ocidentais. E não se pode minimizar o papel das
mídias sociais nesse processo, as quais permitiram a divulgação ampla e descentralizada tanto de vídeos que mostravam a
autoimolação de Bouazizi e a violência policial contra os manifestantes que se opunham ao governo quanto do vazamento
de informações sobre as práticas de corrupção estabelecidas pela família de Ben Ali, feito pelo Wikileaks de Julian Assange.
Enfim, a Revolução Tunisiana (como todas) foi sobredeterminada por uma série de fatores, mas o que a torna uma
“revolução arendtiana” — para usar a expressão de Jonathan Schell (2011, pp. 23-24) — é a emergência de um poder
de grande magnitude a partir da ação pacífica, conjunta e espontânea entre iguais, visando mais a intervir nos modos de
concentração do poder dentro daquela sociedade do que a reivindicar demandas específicas. Nessa lógica, destacamos a
celebração feita por Gana (2013, p. 1, tradução nossa) daquela que também ficou conhecida como a Revolução de Jasmim:

Nunca antes, na história do mundo árabe moderno, uma revolta popular — a qual até recentemente tem sido considerada a única
parteira da real democracia no mundo árabe — derrubou um ditador com a solidez, a importância e a longevidade de Zine El Abidine
Ben Ali sem recorrer a nenhuma ideologia estabelecida, movimento social organizado, partido político ou intervenção estrangeira.

Assim, observamos como a teoria da ação política arendtiana está na base de sua concepção de autoridade. A saber, a
ação política em si mesma não é capaz de instituir uma fonte para a autoridade em um corpo político. Ela cria, entretanto,
um espaço entre os homens que agem em concerto, e um desdobramento disso pode ser o estabelecimento de compromissos
mútuos a partir de onde a autoridade se sustenta.
Como abordamos anteriormente, o princípio do compromisso mútuo inaugurado pela República Americana inspirou a
teoria política arendtiana4. Mais do que isso, Arendt foi uma adepta dos princípios do republicanismo. O governo das leis e

4 Ainda que Arendt tenha reverenciado o nascimento da república americana, a autora foi uma ávida crítica da mesma república, principalmente,
na década de 60. Nesse sentido, Young-Bruehl (2004, p. 389), sua reconhecida biógrafa, relata suas críticas à política imperialista dos Estados Unidos em

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Paulo Cesar Endo e Gabriela Gomes Costardi

não dos homens, a divisão de poderes entre as instituições políticas como forma de mútua limitação, e a responsabilidade
compartilhada entre os cidadãos pela coisa pública, com a consequente ausência de dominação no âmbito político, são
elementos do republicanismo clássico que inspiraram a concepção de república da autora. Mas os ideais heróicos da
liderança salvadora e do auto-sacrifício em nome da pátria, com a dissolução da noção de indivíduo, não foram herdados por
Arendt. Sua noção de pluralidade política e a relação dessa com a distinção individual não consentem com um modelo de
fraternidade e de unificação coletiva, mas supõem que os cidadãos substituam a soberania do governante pela criação de um
espaço de compromisso comum a partir de opiniões diversas. Além disso, suas noções de espontaneidade e de capacidade
de iniciar adentram ao âmbito político para sacudir uma concepção de deliberação como escolha entre alternativas já dadas,
e para introduzir nos protocolos da cidadania a imprevisibilidade e a possibilidade de ruptura (Canovan, 2002, pp. 205-214).
É com essa noção de republicanismo que Arendt propõe uma noção de autoridade política enquanto suporte a uma liderança
decorrente da capacidade associativa de indivíduos em um espaço de compromissos comuns.
Pensamos que essa articulação é valiosa, pois é capaz de confrontar a questão da quebra da tradição por uma via que
não clama nem a restauração de uma medida absoluta na esfera pública, nem recai em um relativismo em que todas as
medidas comuns estão suspensas, transformando a convivência coletiva em um provisório arranjo baseado em interesses
privados, porque as promessas mútuas são acordos que remediam a imprevisibilidade do futuro nos assuntos humanos.
Certamente, não se trata de um artifício capaz de garantir o futuro, mas capaz de fazer com que não se viva solitariamente, e
que se participe de um mundo com alguma medida comum e se assuma, conjuntamente, a responsabilidade por esse comum
definido como devir. Nesse sentido, a responsabilidade dos indivíduos tem um papel importante na constituição do mundo
na teoria arendtiana, pois o mundo é efeito da implicação da palavra em sua vertente de ato.
Nesse ponto, acreditamos, abre-se o espaço para um diálogo com a psicanálise.

Uma Reflexão sobre a Noção de Autoridade Baseada no Aforismo ‘não há Outro do Outro’

No intuito de formular uma noção de autoridade relativa ao tratamento psicanalítico, nos reportamos à presença do
termo ‘autoridade’ no texto de Lacan (1960/1998, p. 827):

Partamos da concepção do Outro como lugar do significante. Qualquer enunciado de autoridade não tem nele outra garantia
senão sua própria enunciação, pois lhe é inútil procurar por esta num outro significante, que de modo algum pode aparecer
fora desse lugar. É o que formulamos ao dizer que não existe metalinguagem que possa ser falada, ou, mais aforisticamente
que não há Outro do Outro.

Para analisar a citação acima, precisamos abordar alguns pontos da crítica de Lacan à aplicação da noção de
metalinguagem no campo da psicanálise. Iannini (2013, Kindle Location 3288) explica que a noção de metalinguagem é
criada para determinar a verdade de certas proposições levando-se em conta apenas o nível do enunciado, ou seja, ela é um
recurso exigido para sustentar-se a noção de verdade pela via da semântica, tal como fez Alfred Tarski.
Uma concepção semântica da verdade requer o confronto de paradoxos semânticos, como o criado pelo paradoxo do
mentiroso, formulado por Epimênides de Creta, ao dizer que “todos os cretenses são mentirosos” — o qual também é conhecido
simplesmente como “o paradoxo do ‘Eu minto’”. Com vistas a solucionar esse tipo de paradoxo, Tarski propôs a distinção
entre linguagem-objeto e metalinguagem, sendo a última destinada a estabelecer a atribuição de verdade sobre as propriedades
semânticas da linguagem objeto. Nesse caso, a verdade é um atributo que não pode ser determinado a partir do interior de uma
linguagem, precisando de uma referência externa, uma metalinguagem construída artificialmente para funcionar como seu crivo.
Lacan, por sua vez, diz que, no nível do sujeito, não há um locus externo ao campo da linguagem que poderia servir
para garantir o valor de verdade. Em outras palavras, sua crítica à metalinguagem é seu modo de anunciar que ‘não há Outro
do Outro’. Ao contrário, o autor afirma que, na operação psicanalítica, a verdade tem que ser definida de acordo com uma
lógica extraída de própria linguagem; mais especificamente, da divisão entre o sujeito do enunciado e o da enunciação, entre
o sujeito gramatical e o do inconsciente.
Ele analisa essa questão no seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1963-64), mostrando que o
sujeito da enunciação está relacionado à transferência, ou seja, que a fala em análise se endereça a um Outro e isso coloca em
jogo a vertente do engano (enganar o Outro, enganar a si mesmo), por meio do qual a verdade se revela — o que é contrário

relação à América Latina, e, ainda, encontramos a coletânea de artigos da autora Crises da República, que trata da guerra do Vietnã, da luta por direitos
civis nos EUA e de outros assuntos que assolaram a controversa política americana naquela década.

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Reflexões sobre a Autoridade: Um Diálogo entre Hannah Arendt e Jacques Lacan

ao estabelecimento da verdade através de um crivo externo. Verdade e mentira não se opõem aqui, mas participam da mesma
dimensão (Lacan, 1963-64/2008, p. 137).
O fato de que a verdade se formula através da tapeação quer dizer que o jogo com o Outro do significante impede que
toda a significação seja enunciada, deixando restar a dimensão enunciativa. Dito de outra forma, na equivocação significante
sofre-se por não saber tudo o que se diz, produzindo efeitos de verdade na falta do saber. Ao se retirar a verdade do lado do
saber, do dito, do enunciado, para colocá-la do lado da enunciação, tem-se como consequência que o falso se torna um modo
de formular o verdadeiro. A verdade mostra sua estrutura de ficção enquanto ato de fala que exige um outro lugar — o Outro-
testemunha, o Outro que não um parceiro qualquer (Lacan, 1960/1998, p. 822) — do que se segue que o fato seja o factício.
Nesse sentido, o enigma torna-se um paradigma para a interpretação no processo de cura. A intervenção do analista segue a
estrutura de um saber que se enuncia desde o lugar da verdade, enquanto semi-dizer, na medida em que, “a verdade, nunca
se pode dizê-la a não ser pela metade” (Lacan, 1969-70/1992, p. 34), “[d]izê-la toda é impossível, materialmente: faltam
palavras. É por esse impossível, inclusive, que a verdade tem a ver com o real” (Lacan, 1974/2003, p. 508).
Na passagem do texto lacaniano em que aparece a noção de autoridade, citada acima, a autoridade faz as vezes da
verdadevisto que se afirma que não há um significante fora do campo do Outro que sirva de lastro à autoridade de um
enunciado; Portanto, não há uma instância transcendente que garanta que um enunciado faça algo, não passe em branco,
entre em vigor, senão sua própria enunciação, sua capacidade de mobilizar a dimensão do sujeito. A autoridade só pode ser
pensada no contexto do ‘não há Outro do Outro’ como análoga a um efeito da verdade.
Tomando isso no contexto do tratamento psicanalítico, temos que o analista não deve sustentar a posição de ser o
Outro do Outro, tal como se pudesse ser o crivo externo a ratificar o valor de verdade da fala do paciente. Esse modelo de
autoridade não poderia levar a outro lugar senão aos fenômenos da sugestão e da identificação do analisante com o analista.
A legítima dimensão da autoridade no tratamento psicanalítico está na presentificação do sujeito do inconsciente e dos
efeitos de verdade que ele comporta na dimensão do Outro enquanto lugar terceiro em relação ao analista e ao analisante.
A linguagem como dimensão de alteridade, tanto ao analista quanto ao analisante, é bem exemplificada quando
Goldenberg relata sua interpretação sobre as associações de uma de suas pacientes relativamente a um sonho. Ela sonha que
ocupa todo o céu e associa isso com um filme. Tendo conhecimento sobre o filme, o analista pontua: “A mãe judia”. Mas
em vez de tomar o significante judia como adjetivo relativo ao substantivo mãe, a paciente o toma como o verbo judiar,
revelando que sua questão era a crueldade de sua própria mãe. Nesse caso, “a mãe judia” vem do discurso do Outro tanto
para o analista quanto para o paciente.
Chegamos a essa formulação sobre a autoridade no tratamento psicanalítico inspirados pela concepção arendtiana de
autoridade, na medida em que ela propõe que a fonte de autoridade apresenta-se como uma dimensão de alteridade na relação
entre líderes e liderados contanto que esse lugar terceiro não assuma um caráter absoluto, superior e transcendente — tal
como vimos na sua interpretação das condições fundantes da Constituição dos Estados Unidos, produto do ato coletivo dos
atores do corpo político americano que vige porque é constantemente revigorado pelas promessas dos cidadãos, sofrendo
das fragilidades dos assuntos humanos, e, ao mesmo tempo, é barreira aos ventos da vontade imediata que provém do povo.
Observa-se, nesse sentido, que a Constituição regula o governo, prevenindo-o de agir enquanto encarnação da vontade popular.
Essa noção de autoridade nos inspira a propor uma concepção de autoridade relativa ao tratamento psicanalítico
de orientação lacaniana. Ela advém da verdade inconsciente enquanto alteridade ao jogo subjetivo imaginarizado entre
analisante e analista — por exemplo, pela noção de que o analista mereceria ocupar uma posição de autoridade em relação
ao analisando porque já ascendeu a algum tipo de ideal de fim de análise, como a posição sexual genital ou a integração
egóica — e, ao mesmo tempo, não se sustenta em algum lugar transcendente ao campo da linguagem.
Tendo dito isso, partamos para retirar consequências do modo como o próprio Lacan tratou a questão da autoridade, a
saber, pela temática da autorização do psicanalista. Na “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da escola”,
o autor afirma que “o psicanalista só se autoriza de si mesmo. (…) Isso não impede que a Escola garanta que um analista
depende de sua formação” (Lacan, 2003, p. 248). Por um lado, há o ato de autorização do sujeito que se analisa e que passa a
psicanalista; por outro lado, há alguns outros analistas que constituem a Escola de psicanálise e oferecem um tipo de garantia
ao psicanalista derivada da própria lógica da formação. Estamos no terreno do fim de análise.
Em nosso entendimento, apenas a noção de verdade não é capaz de responder pela lógica da formação do psicanalista
quando essa é levada a cabo. Acrescentamos aqui o saber, pois é ele que pode ser transmitido, e o fim de análise implica,
necessariamente, transmissão. Não pensamos o saber como um elemento independente da verdade, mas, propriamente,
encontramos na relação entre saber e verdade um lugar chave para pensarmos a lógica da formação do psicanalista e do fim
de análise. Se a verdade é tomada independentemente do saber, ela está sob pena de carregar em seu seio uma inefabilidade
que tende ao subjetivismo. Se, por outro lado, ela é entendida como coincidente ao saber, recai-se na busca do saber
derradeiro. Situação paradoxal da qual muitos movimentos e associações de psicanálise não foram isentos.

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Paulo Cesar Endo e Gabriela Gomes Costardi

De fato, a verdade é um efeito da refração do significante, o qual impede que o sentido seja todo absorvido pelo saber.
Mas ela não está localizada nem além, nem aquém da linguagem, senão é propriedade da enunciação, como tratamos
anteriormente. Logo, o não-senso, o pouco sentido, o excesso de sentido, moradas da verdade no ensino de Lacan, fazem
parte do próprio quadro da linguagem em sua teoria, e daí que verdade e saber não sejam independentes nem coincidentes.
Sobre o estatuto do saber a que nos referimos, é importante destacar que não se trata de um saber suposto a alguma
instância superior — tal como o inconsciente, o analista, Deus, a ciência etc —, mas daquele que é produto da formalização
e passível de transmissão a qualquer um. Dessa forma, o saber adiciona a operação de transmissão relativa à letra, àquela da
verdade relativa ao significante. A verdade que tem lugar na análise não diz respeito à ampliação do saber sobre o sintoma,
mas à redução do saber à nomeação de um osso, o qual resiste ao encadeamento significante, mas cede à escrita, se liga à letra.
A letra é apta a escrever o real por sua transmissibilidade, uma característica ausente no significante. Ainda que o valor
de uma letra dependa de suas relações com outras letras, ela tem uma identidade para além de sua posição em relação a
outros elementos de um sistema. A letra tem uma ordem positiva. Ela tem qualidades, suporte sensível e fisionomia. Pode ser
rasurada, apagada, impressa, traçada, indevidamente escrita, abolida. Em outras palavras, ela é manipulável, empunhável,
deslocável e transmissível. O significante, por sua vez, é sempre outro. Ele pode faltar, mas nunca será destruído, já que
seu poder representativo advém de sua habilidade de manejar oposições e relações em um sistema a fim de criar sentido.
Enquanto o significante representa o sujeito em um discurso, a letra transmite o real, o qual é suportado por seu corpo. Como
destaca Milner (1995/1996, p. 105), “o significante deriva apenas da instância S; mas a letra vincula R, S e I”.
Nesse sentido, para que o analista não se renda à posição de Outro do Outro usando de seu poder sugestivo para elevar
qualquer saber ao estatuto da verdade, é preciso ater-se à dimensão de letra do sintoma do paciente. Daí que a autoridade da
letra se apresente na constituição dos efeitos de verdade no processo de cura da psicanálise.
Em suma, as proposições arendtianas sobre autoridade — a saber, que ela se baseia no estabelecimento de uma
hierarquia, a qual se sustenta, primeiro, por retirar sua legitimidade de um lugar externo à relação entre indivíduos que
compõem os diferentes estratos dessa hierarquia e, finalmente, pelo suporte sempre renovado e ativo das bases, com a
consequente recusa de soluções “superiores” que suturariam a precariedade dos assuntos humanos —inspiraram-nos a
propor uma concepção específica de autoridade que responde à lógica do tratamento psicanalítico. A saber, a autoridade
na psicanálise não se localiza no poder que a relação transferencial confere ao psicanalista, mas na manifestação do
sujeito do inconsciente desde o lugar do Outro. Isso está colocado pelo fato de que a verdade se presentifica pelo semi-
dizer, e não por uma coincidência com o saber que o psicanalista veicularia em sua interpretação. O semi-dizer, por sua
vez, não é uma via de acesso à verdade que se imiscuiria em um nível outro que o da linguagem, mas propriamente a
operação da enunciação que divide o sujeito a ela referido e propõe a política como exercício.
Por fim, podemos afirmar que as bases, o passado, a tradição, se apoiam sobre princípios moventes, não necessariamente
duradouros, já que duradoura é a capacidade dos sujeitos de agir e falar em concerto. A tradição carregaria então os princípios da
autoridade outrora legitimada pelas condições humanas que permitiram lançar a enunciação ao sabor do devir de sua transmissão.

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Endereço para correspondência

Paulo Cesar Endo


Email: pauloendo@uol.com.br

Gabriela Gomes Costardi


Email: gabicostardi@hotmail.com

Recebido em: 03/05/2017


Revisado em: 18/11/2017
Aceito em: 02/12/2017

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