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RESUMOS - A REVISTA HISTÓRIA, MOVIMENTO E REFLEXÃO

VIETNÃ- UMA DISPUTA ECONÔMICA, MORAL E ESPACIAL NA BARRETOS DE


1970.

MEDEIROS, P. O.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Em meados da década de 1950, em Barretos-SP, um grupo de jovens de elite,


autodeclarados “Os independentes” organizaram a Festa do Peão de Boiadeiro, no
Recinto Paulo de Lima Corrêa, forjada de maneira a ressaltar e valorizar as características
e hábitos “caipiras” dos moradores da cidade da época. Ao longo do desenvolvimento da
Festa, constituiu-se, a partir de meados de 1960, uma espécie de feira, com barraquinhas
e camelôs, denominada de “O Vietnã”, em frente ao Recinto Paulo de Lima Corrêa, na
avenida 23. Diante deste cenário, a população local e comerciantes municipais, iniciaram
uma disputa com os “forasteiros” pela apropriação daquele espaço, pelo público alvo do
mercado e pela “manutenção da ordem”. Assim, analisaremos, a partir de cartas e artigos
publicados em jornal da época (O Diário): o fortalecimento e a união dos comerciantes e
moradores (que ressaltavam os poucos benefícios derivados das atividades econômicas
desses camelôs, bem como as “mazelas” de higiene e padrões de comportamento
propagados por esses grupos), os aspectos morais e a defesa da “casa”, o espaço privado
e sagrado em aversão ao espaço público e profano da “rua” e, finalizando, a “solução”
encontrada, anos depois, pelos munícipes junto às autoridades locais baseada na
violência e na utilização do aparato policial.

Palavras chaves: história local; festa do peão de boiadeiro; Barretos; ordem pública.

Paula Oliveira de Medeiros - paula.omdr@gmail.com

5
A IMPRENSA DURANTE O ESTADO NOVO (1937-1945).

ROQUE, D. C. V.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O Estado Novo (1937-1945) foi um período de grande repressão durante o primeiro


governo de Getúlio Vargas. A meta principal era superar o atraso e transformar o Brasil
em um país desenvolvido do ponto de vista econômico. O tema da modernização ganhou
destaque durante o Estado Novo. Nesse importante período político, de caráter
ditatorial, algumas características foram marcantes como a censura dos meios de
comunicação e o populismo. Foi desenvolvido um órgão com a função de controle dos
meios de comunicação, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que se tornou
um órgão coercitivo da liberdade de expressão durante o período do governo Vargas. O
controle social das massas se fazia importante para que os planos desenvolvimentistas
de Getúlio Vargas ganhassem força. Durante o seu início, no Estado Novo, o populismo
teve como intenção mobilizar politicamente as massas trabalhadoras. Nos anos de
desenvolvimento da industrialização foi necessário que os trabalhadores estivessem por
dentro dos acontecimentos políticos e apoiassem as atitudes do atual governo. A
imprensa barretense, fundada em 1900, tinha o objetivo de difundir e exaltar o ideal
republicano. Analisar o jornal Correio barretense em 1942 e o Correio Paulistano nos anos
de 1938 e 1939 nos possibilita estabelecer uma compreensão sobre a atuação do
governo em relação aos meios de comunicação ao longo do período em questão.

Palavravas chaves: estado novo; populismo; censura; imprensa.

Danielle Cristina Vares Roque - danielleroque@hotmail.com

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GOLPE MILITAR E O “CRESCIMENTO ECONÔMICO”: ANÁLISES DE DUAS
NAÇÕES DA AMÉRICA LATINA – CHILE E BRASIL.

SILVA, H. H. S.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Pretende-se neste trabalho reconstruir a história dos últimos governos democráticos e


posteriormente os governos militares de duas nações de influência na América Latina, o
Chile e o Brasil. Diante das pesquisas de revisão bibliográfica, demonstrarei qual o
processo que ambos os países desenvolveram para conquistar altas taxas de crescimento
econômico com os militares no poder, o chamado “milagre econômico”, que foi
difundido na sociedade pelos militares e seus apoiadores como sucesso do capitalismo
na América Latina. O crescimento econômico que se desenvolveu, excluiu a maioria da
sociedade, que perdeu seus níveis de qualidade de vida conquistados pelos governos
anteriores ao golpe. O sistema de produção industrial nacional foi substituído pelas
multinacionais em vários setores, aumentando assim a evasão de dólares ao exterior,
pelo beneficiamento político as multinacionais e a aproximação com os países
desenvolvidos. Demonstrando assim ao leitor que crescimento econômico e
investimento nem sempre foi benéfico a todas as classes sociais, se este não for
acompanhado de políticas públicas que asseguram os direitos sociais mínimos aos
cidadãos. A sustentabilidade da principal propaganda dos militares, ou seja, o “milagre
econômico” mostrou sua artificialidade diante de profundas crises em seus países,
gerada pela soma de vários fatores, no qual os mercados “frágeis” e dependentes do
mercado externo foram fortemente atingidos pela recessão econômica, contribuindo
assim, para a crise do sistema político dos militares.

Palavravas chaves: economia; política; social; governo militar.

Hugo Henrique de Souza da Silva - hugohenriquebrz@gmail.com

7
O PESO DA BANCADA EVANGÉLICA NAS DECISÕES POLÍTICAS DE 2016

SOUZA, A. F.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O presente trabalho tem como objetivo analisar os impactos positivos e/ou negativos que
as igrejas Neopentecostais do Brasil tiveram sobre as decisões políticas do país.
Partiremos do pressuposto, que aponta para o crescimento dessas Igrejas, o que tem
abrangido um número crescente de fiéis a cada ano no, assim, podemos perceber que
nos últimos anos uma celeuma de candidatos tem se elegido muito mais por motivos de
identificação de ideologia religiosa, do que por suas propostas e aptidões políticas. A
relação entre Estado e religião nunca foi de fato laica no Brasil, ou seja, os poderes
estatais em suas decisões nunca estiveram totalmente isentos de influências de
ideologias religiosas. A discussão proporciona aprofundar desde questões que pautam a
liberdade religiosa à legitimidade da Constituição.

Palavras chaves: política; laicidade; república; constituição.

Abmael Fernandes de Souza - abmaelfernandesdsouza@gmail.com

8
ANÁLISE SOCIOLÓGICA E HISTÓRICA DAS CONCEPÇÕES AMÓRFICAS DO
CONCEITO DE PODER MOLDADAS AO CORONELISMO (1898- 1930).

MACEDO, G. O.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O poder molda-se de acordo com as necessidades, ou vontades daqueles que dentro de


uma relação social, o possua. Ele é um acordo firmado entre ambas as partes, o
“dominado e o dominador”, sendo exercido de formas diferentes de acordo com a
sociedade e a época na qual se encontra presente, logo não é um conceito estático e
homogêneo. Este conceito, tido como um “irmão siamês” da história se faz presente nas
suas entrelinhas. Analisaremos, portanto, o conceito de Poder e seu empiristíssimo,
considerando o Coronelismo como forma legitima de poder e controle, em auxilio à
manutenção realizada pelo Estado e governadores para manter suas “micro relações de
poder” e legitimar este poder. O trabalho analisa as visões de Michel Foucault enquanto
poder coercitivo e disciplinar, legitimado pelo uso da força, assim como, se pautará em
Pierre Bourdieu, que trabalha através de elementos simbólicos a dominação e o controle.
Esta análise pretende mostrar que ambos os poderes se fazem presentes durante os anos
em que vigorou no Brasil o coronelismo (1898- 1930).

Palavras chaves: História do Brasil; Poder; Coronelismo; Política.

Gisele De Oliveira Macedo - gisele_oliveiramacedo@hotmail.com

9
CORONELISMO EM BARRETOS: ANTONIO OLYMPIO CORONEL?

MELO, C. R. B.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O Coronelismo teve seus primórdios na sociedade brasileira em meados do século XIX,


período que ficou conhecido também como República dos Coronéis e emerge em
detrimento da criação da Guarda Nacional pelo então Regente Feijó, durante o período
Regencial, entre os anos de 1889 a 1930; logo, denota-se deste processo que os Estados
e Municípios, por meio de seus representantes, chefes locais, interligaram-se ao sistema
vigente da época. Em Barretos destacam–se nomes como Antonio Olympio e Silvestre de
Lima, o primeiro contava com prestigio político, o segundo com popularidade,
entretanto, ambos rivalizavam, sempre na busca por mais poder. A política barretense
foi cercada de grandes embates políticos, e o coronelismo teve grande relevância na
cidade neste período, entretanto, foi um período de modificações na política e no
cotidiano da população. O trabalho terá como foco a vida do Cel. Dr. Antônio Olympio
desde sua chegada à cidade de Barretos, o que lhe motivou a se tornar prefeito do
município e quais foram suas ações enquanto Coronel, que deram destaque e o fizeram
ser lembrado por muitos nos dias atuais. O intuito é compreender quais aspectos de seu
governo se assemelhavam e se diferenciavam do governo dos coronéis vigentes no
estado de São Paulo e no Brasil neste período.

Palavras chaves: Política, coronelismo, Antônio Olympio.

Claudete Ribeiro Bernardes Melo - clau.helena2011@gmail.com

10
O ESTADO DE RISCO DA POPULAÇÃO LGBT FRENTE À SITUAÇÃO POLÍTICA
BRASILEIRA.

MATRICARDE, D. H.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

É inegável que nos últimos anos, os movimentos LGBTs e de Libertação Sexual vem
ganhando destaque e conquistando seu espaço: Em 1990 quando a Organização Mundial
da Saúde retirou o termo “homossexualismo” da lista de doenças psicossexuais,
passando pelo reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos até chegar à
eleição de minorias LGBTs para vereadores e deputados. Apesar do crescente ganho de
voz ativa, o Brasil ainda segue no ranking dos países mais homofóbicos do mundo e junto
a isso, passa por uma crise política onde o conservadorismo ascende de forma
ininterrupta. É importante lembrarmos que, os movimentos de esquerda acabam por
acolher as pautas dessa minoria representativa assim como de outras minorias. Porém é
de suma importância que as minorias se atenham para não se ofuscarem por tais
movimentos. A consciência de classe é libertadora e crítica e junto a ela, é necessário dar
atenção especial às minorias que a compõe diferentemente dos acontecimentos durante
a Revolução Cubana e a extinta União Soviética que foram movimentos de extrema
esquerda. No Brasil, o maior inimigo das políticas públicas voltadas ao público LGBT se dá
através do conservadorismo e, consequentemente, dos movimentos de Direita. Sejam
motivados por um modelo de família vitoriano, dogmas da sua religião particular ou, e
muitas vezes, por interesses políticos e eleitorais. Dado ao atual cenário político brasileiro
é importante debater o papel que as minorias representativas sexuais e de gênero devem
cumprir, explicitando fatos materiais que defenderam e atacaram seus direitos no Brasil.
Palavras chaves: Política, Políticas públicas, LGBT, Michel Temer.

Douglas Henrique Matricarde - matricardemail@gmail.com

11
AS AÇÕES DO CONSELHO TUTELAR FRENTE ÀS DEMANDAS DAS ESCOLAS
PÚBLICAS DO ENSINO FUNDAMENTAL II E MÉDIO DO MUNICÍPIO DE IPUÃ-SP.

ARAÚJO, M. S.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Esta pesquisa buscou analisar a relação entre o Conselho Tutelar (CT) e as escolas públicas
do município de Ipuã-SP, conforme as condições estabelecidas no Estatuto da Criança e
do Adolescente –ECA (Lei Federal 8069/90). Dentro das nossas convicções vamos
procurar responder como a tradicionalidade histórica da escola pública brasileira faz com
que o discurso meritocrático seja forte em seu cotidiano, defendendo direitos apenas
para os que se esforçam e cumprem com seus deveres, tornando-os merecedores dos
direitos. Abordaremos no fator histórico a importância da promulgação da Constituição
Federal de 1988 (CF), que tornou crianças e adolescentes donos de direitos, tendo feito
a partir dessa carta magna constituinte uma legislação própria para que esses direitos
fossem assegurados. No CT, realizaremos estudo das demandas e observações dos casos
de reincidências, uso de entrevistas padronizadas com perguntas objetivas relacionadas
ao tema, os profissionais envolvidos serão os conselheiros tutelares, professores,
diretores, alunos, pais e responsáveis e mediadores. Por fim, compreender que as escolas
e o CT são espaços públicos transformadores de uma sociedade e devem dialogar juntos
para boa manutenção do ECA e a construção precisa de uma sociedade mais
democrática.

Palavras chaves: Conselho Tutelar; Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; Leis de


Diretrizes e Bases da Educação – LDB; Constituição Federal de 1988; Escolas Públicas;
Sujeitos de direitos.

Maécio Da Silva Araújo - maecioaraujo22@gmail.com

12
A FUNÇÃO SOCIAL DO MUSEU ITINERANTE

OLIVEIRA, L. B. Á.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Há uma deficiência em nossa sociedade de importante relevância em relação à


apropriação e identificação cultural. Em um país com um passado conturbado e que gera
tanta discussão como o nosso, onde há vários casos de camuflagem da verdadeira
história, é compreensível que a população tenha receio de descobrir suas origens e de
sua cidade, formando uma massa que não se reconhece nas histórias e na literatura. Por
isso, a intenção que o projeto pretende discutir, é trazer uma forma diferente de museu,
mais próximo e divertido a essas pessoas, através de uma educação não-formal, trazendo
a elas o intuito da nova história, popular e regional, mostrando a todos que “sua” história
também importa, que sua compreensão do mundo e o tijolinho que seus antepassados
colocaram no castelo da vida interferiu não só naquele tempo, mas dali em diante, e isso
reflete ainda hoje.

Palavras Chaves: Educação; Museu; Itinerante.

Lucas de Brito Ávila Oliveira - lucasavila_1@hotmail.com

13
AS POSSIBILIDADES DA TRANSVERSALIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA:
SEXUALIDADE E ORIENTAÇÃO SEXUAL.

CARVALHO, J. A.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O presente trabalho trará uma reflexão acerca dos Temas Transversais propostos pelo
MEC, especificamente o tema “Orientação Sexual” e buscará também refletir sobre a
sexualidade no ambiente escolar. O conceito de Tema Transversal se embasa no sentido
de que abrange todas as matérias e não pode ser trabalhado de forma singular e
separado das respectivas áreas de conhecimento, mas sim, abordados em todo o convívio
escolar, dando a complexidade de um todo, fazendo uma ligação transversal, podendo
ser trabalhado o mesmo tema em todas as disciplinas, uma complementando à outra.
Para Menezes e Santos (2001), eles são “voltados para a compreensão e para a
construção da realidade social e dos direitos e responsabilidades relacionadas com a vida
pessoal e coletiva”. Eles surgiram a partir de um contexto de necessidade de abordagem
para questões urgentes no âmbito social para o Brasil e, por serem temas possíveis de
serem abordados na escola. Percebe-se a carência de se trabalhar a sexualidade, tal como
a orientação sexual em sala de aula e o professor possui um papel primordial neste
processo de construção do conhecimento e, cabe a ele dar a devida importância ao tema.
O professor deve estar em constante construção de sua prática em sala de aula, para
assim, adquirir novos conhecimentos e embasamento para trabalhar todas as
especificidades que englobam o currículo.

Palavras Chaves: Orientação Sexual; Temas Transversais; Sexualidade.

Juliano Altão de Carvalho - Julianocarvalho2009@hotmail.com

14
“Confissões de Ralfo”: uma contextualização do nonsense.

SEIDEL, Vizette Priscila.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Este trabalho visa apresentar como utilizar fontes culturais, no caso, a literatura para o
ensino da disciplina de história. Apresentar-se-á a obra e o contexto cultural e histórico
no qual ela foi publicada mostrando o diálogo existente entre a arte e o momento
histórico; a influência do contexto sobre a obra. Para tal, far-se-á uma abordagem
histórica do período de 1970 e as características pós-modernas da obra que contribuem
para a crítica, por meio do nonsense, do momento histórico em questão. Utilizar-se-á as
estudiosas Tânia Pellegrini, Telma Maria Remor Hilbert e Regina Dalcastagné como
embasamento teórico do trabalho em questão.

Palavras Chaves: Literatura, História, Ditadura Militar, Pós-modernismo.

Vizette Priscila Seidel - vizetteps@gmail.com

15
HISTÓRIA DO MOVIMENTO BATISTA EM BARRETOS, O PROCESSO HISTÓRICO
DE FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO MOVIMENTO PROTESTANTE BATISTA
NA CIDADE DE BARRETOS-SP.

SILVA, L. F.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

A pesquisa a ser realizada no decorrer da graduação em história parte da ideia de tratar


a temática religião/cultura, crenças religiosas e o processo de formação histórica de
cultos, especificamente da Igreja Batista.Na cidade de Barretos, interior do estado de São
Paulo, existe cerca de sete igrejas batistas, algumas das mais antigas datam da década de
1960 e 1970, mas se originam em momentos mais antigos do que isso; dessa forma a
pesquisa se propõe a analisar a história desta denominação protestante da cidade de
Barretos, assim, esperando que a pesquisa seja de grande contribuição para aqueles que
estudam de modo mais abrangente o protestantismo no interior paulista e até mesmo
no Brasil.A pesquisa objetiva analisar o processo histórico da formação dessa
denominação protestante/evangélica, bem como a consolidação do trabalho batista na
cidade de Barretos; no tempo, o recorte se dará no período de formação e fundação
destas igrejas, nas décadas de 1930 e 1940.A pesquisa contribuirá para compreender a
história dos batistas de Barretos, para que se tenham um documento que possa servir de
base para futuras pesquisas, diálogos ou consultas sobre esta temática em comum,
contribuindo para o debate sobre a historicidade religiosa não somente da cidade de
Barretos, mas de todo o interior paulista.

Palavras Chaves: Igreja Batista; História das religiões; Protestantismo.

Leonardo Ferrari Silva - leonardo_ferrari.2009@outlook.com

16
A FESTA DE REIS NO MUNICÍPIO DE GUAÍRA-SP: ACOMPANHIA DE REIS
ESTRELA DO AMANHÃ, ENTRE O ONTEM E O HOJE (1968-2008).

ALMEIDA, D. M.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Este Trabalho de Conclusão de Curso aborda as diversas características presentes no


contexto da folia de reis, como também, debate em relação à sua influência cultural,
folclórica e religiosa perante os foliões participantes de tal manifestação cultural popular
desenvolvida na cidade de Guaíra – SP, entre os anos de 1968 a 2008. A argumentação
será feita a partir de revisões bibliográficas de autores que discursaram sobre o tema
tendo como referencial a Folia de Reis; questionaremos a possibilidade de abandono um
da prática popular e trabalharemos com as manifestações religiosas na
contemporaneidade, já que o mesmo contribui na compreensão de suas características
singulares e religiosidade popular. O objetivo do trabalho é compreender as
permanências e transformações ocorridas na folia de reis com o decorrer do tempo,
assim como, indagar sobre a participação da mulher neste âmbito cultural.

Palavras Chaves: Folia de Reis; Festas; Religiosidade popular; Cultura.

Daniela Mota de Almeida - daniela_almeida_1@hotmail.com

17
ANÁLISE SOCIAL DO DISCURSO ATRAVÉS DA LETRA DE RAP “OBRIGADO
DARCY”: UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE PROXIMIDADE COM A OBRA “O POVO
BRASILEIRO”

DA SILVA, M. R.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

Dentro da lógica estabelecida por Bakhtin, em que o autor denomina enquanto “unidade
diferenciada de toda cultura de uma época”, compreenderemos o fenômeno hip hop,
através de análise do discurso do elemento rap, através da letra “Obrigado Darcy”,
versando uma análise dialógica de proximidade com a obra “O povo brasileiro” de Darcy
Ribeiro.

Palavras Chaves: Discurso, Cultura, Periferia, Hip hop.

Michela Rita da Silva - michela.historia123@gmail.com

18
A MÚSICA DE RAIZ E SUAS TRANSFORMAÇÕES – UMA ANÁLISE FEITA DAS
CONSTRUÇÕES DO SER CAIPIRA

FIGUEIREDO, G. C. S.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O objetivo deste trabalho é analisar as transformações na identidade do caipira, através


da análise crítica que engloba desde a chegada do instrumento ao Brasil, sendo este a
viola, que se torna representante legítimo do caipira, e que foi manuseada no intuito de
deslumbrar e encantar no processo de colonização até o processo de urbanização,
quando ocorre o êxodo rural e o caipira passa por adaptações e transformações em sua
cultura. Isso será interpretado através das músicas de raiz, que passa pelo mesmo
processo de transformação expressado nas relações do velho com o novo, do moderno
com o tradicional. Pretendemos descrever esta identidade através da relação viola, moda
de viola e o caipira, entre os períodos de 1930 a 1980 e apresentar a historiografia sobre
o caipira, que serve de embasamento teórico para a superação do senso comum a
respeito do “ser caipira”, assim como também identificar em qual das identidades
caipiras encontramos os traços do caipira barretense e preencher uma lacuna
interpretativa da cidade de Barretos, sendo esta cidade caracterizada no início do século
XX pelo comércio de gado e habitada por uma população marcada pelos seus traços
caipiras, vista com repulsa pela classe dominante da cidade.

Palavras Chaves: Música de Raiz; Caipira; Identidades; Transformações.

Glaucia Caroline Souza Figueredo - glaucia.figueredo@outlook.com

19
HISTÓRIA E MEMÓRIA: UMA ANÁLISE SOBRE IDENTIDADE CULTURAL, SOCIAL
E POLÍTICA DA FANFARRA MONIR NEDER E SEUS APONTAMENTOS
HISTÓRICOS NO MUNICÍPIO DE IPUÃ - SP (1965-1987)

ANSELMO, M. S.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O presente trabalho tem como objetivo discutir a importância das festividades dos
desfiles da Fanfarra Monir Neder na construção da Memória e identidade Cultural e
Social e seus aspectos políticos no município de Ipuã/SP. Os políticos da época utilizavam
muito dos desfiles para fazerem seus discursos e apresentarem ideias que lhe
favorecessem. Destacaremos na pesquisa as relevâncias do estudo historiográfico sobre
História e Memória na compreensão do estudo da história local a partir da festividade no
município, o trabalho sepautará em uma reflexão a partir da fanfarra e seus significados
culturais, sociais e políticos, pretende-se também, contribuir para futuras análises
históricas referentes à cidade de Ipuã, pois há uma imensa dificuldade de informações e
poucas pesquisas que direcionam a história e tradição do município no século XX. Os
objetivos do trabalho é compreendermos quais eram as estratégias para essa formação
de identidade, se houve transformações nesse período de análise, quais foram os motivos
do seu desaparecimento e compreender as relações deste grupo com políticos da época
A pesquisa se fundamentaram a partir de fontes históricas tais como História Oral e na
análise fotográfica, que levaram a compreensão do objeto pesquisado.

Palavras chave: Fanfarra, Memória e Identidade Cultural e Social, Relações Políticas,


História Local.

Matheus Souza Anselmo - maa_theus96@hotmail.com

20
A Intelligentsia furtadiana e as análises do Estado brasileiro, enquanto agente
do desenvolvimento nacional, no século XXI: análise das realizações do
segundo governo Lula frente ao novo desenvolvimentismo (2007-2010).

CABRAL, Fábio Luís.

FACULDADE BARRETOS (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

O presente trabalho analisa as realizações estatais do segundo governo Lula (2007-


2010), por acreditarmos que foi previamente estabelecido como um governo que
buscou o desenvolvimento fora das perspectivas do desenvolvimento dependente
associado e, por assim dizer, acreditamos na importância de tecermos um paralelo
ao efetuarmos releitura das obras seminais de Celso Furtado desenvolvidas em sua
terceira fase de pensamento, qual seja, fase em que o mesmo faz um regresso ao
passado enquanto ajuste de contas com a memória (a sua) e a todo arcabouço
teórico desenvolvido pelos desenvolvimentistas, como meio de demonstrar o
resultado de uma teoria que sempre almejou um ajuste de contas com o passado de
estruturas anacrônicas econômicas e políticas e que entravavam a passagem para o
desenvolvimento no Brasil.

Palavras chave: Pensamento político brasileiro, teoria do desenvolvimento,


desenvolvimento associado e dependente, desenvolvimento econômico, Celso
Furtado, Governo Lula.

Fábio Luís Cabral – fabio_historia@hotmail.com

21
O BRASIL FRANCÊS/ A FRANÇA BRASILEIRA: QUANDO OSWALD DE
ANDRADE DEVOROU O CAPUCHINHO CLAUDE D’ABBEVILLE
Camila Soares López1

RESUMO: Este artigo propõe uma aproximação dos poemas “a moda”, “cá e lá” e “o paiz”, de
Oswald de Andrade, que constam da obra Pau Brasil (em “Historia do Brasil”), dos textos do
religioso católico francês Claude d’Abbeville, presentes em História da missão dos padres
capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas.Para tanto, foram analisadas as
propostas do Modernismo brasileiro, em seu momento de gênese e efervescência; as
características da poesia de Oswald de Andrade; e, por fim, o seu diálogo com a escrita de
d’Abbeville.
Palavras-chave: Modernismo; Oswald de Andrade; Antropofagia; Claude d’Abbeville.

RÉSUMÉ:Cet article propose une approche des poèmes “a moda”, “cá e lá” e “o paiz”, de Oswald
de Andrade, qui appartiennent à l’œuvre Pau Brasil (dans « História do Brasil »), des textes du
religieux catholique français Claude d’Abbeville, retrouvés dans l’Histoire de la mission des
pères capucins en l'isle de Marignan et terres circonvoisines. Nous avons analysé les propositions
du Modernisme brésilien, au moment de sa genèse et effervescence ; les caractéristiques de la
poésie de Oswald de Andrade ; e, enfin, son dialogue avec l’écriture de d’Abbeville.
Mots-clés : Modernisme ; Oswald de Andrade ; Anthropophagie ; Claude d’Abbeville.

INTRODUÇÃO

O Brasil é uma terra de contrastes.Tal frase, que pode soar comum, e mesmo
clichê, é de eficiente traduçãoda diversidade brasileira, seja no âmbito geográfico e
climático, ou àquilo que concerne a sua configuração social. E dessas dissemelhanças
emergiram, curiosamente, pontos de intersecção.Desta definição valiosa,que nos remonta
à obra de Roger Bastide, sociólogo francês,temos um olhar preciso sobre o processo
histórico brasileiro.
Sabemos que, em um primeiro momento, o empenho de Portugal não se voltou
para o Novo Mundo, mas sim para os já reconhecidos – e ricos – territórios do Oriente,
que lhe traziam porcelanas, especiarias e pedras exóticas, que avultavam mais interesse
do que papagaios e frutos curiosos2. No Brasil, o colonizador português se deparou com
um clima distinto ao que lhe era familiar e enfrentou uma floresta inóspita. Seu projeto

1
Graduada em Letras (Francês/Português) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis). Mestra e
Doutora em Letras pela mesma instituição (FAPESP).
2
BASTIDE, Roger. Brasil: terra de contrastes. Tradução de Maria Isaura Pereira Queiroz. São Paulo:
DIFEL, 1969.p. 20.

22
de colonização não ocorreu àmoda anglo-saxônica, no qual prevaleciam as intenções de
povoamento.Para Sérgio Buarque de Holanda, a mentalidade dos anglo-saxões era a de
um espírito organizador, diferentemente dos ibéricos (portugueses e espanhóis), que
cultivaram “o tipo de organização política artificialmente mantida por uma força exterior,
que, nos tempos modernos, encontrou uma das formas características nas ditaduras
militares”. 3
Apenas após a descoberta do valor do pau-brasil, árvore geradora de diversos
recursos, ocorreu a mudança desse cenário: a partir de então, estabeleceu-se uma
aproximação do colono europeu não apenas com a terra per se, mas, igualmente, com os
hábitos, a pele e os costumes daqueles que nela habitavam. Na ausência da mulher branca
e europeia, o homem português deleitou-se entre as índias. Aquilo que se denomina
“cunhadismo” efetivou-se: o costume de incorporação de estranhos a uma determinada
comunidade, edificada por meio do casamento entre mulheres indígenas e os brancos
europeus, teve a função de “fazer surgir a numerosa camada de gente mestiça que ocupou
o Brasil”.4 Como consequência desse conúbio, não apenas a mestiçagem se disseminou:
para além do enlace de raças, estabeleceu-se o enlace cultural.5 Do contraste inicial,
originou-se uma aproximação.
Vemos, portanto, outra facedesse processo. Podemos inferir que, no momento de
ocupação de uma nova terra, aquele que nela aporta lhe confere um pouco de si mesmo.
Incorporar e atribuir: esta é uma via de mão dupla, que faz com que o colono empreste ao
autóctone aquilo que lhe é caro, mas também assimile o que lhe é pertinente. No caso
brasileiro, temos a seguinte perspectiva: o colonizador congregouo valor indígena, pois
este lhe interessava e, igualmente, “lhe dá sumo gosto tomar para si a força do seu braço,
o corpo de suas mulheres, as suas receitas bem-sucedidas de plantas e cozer e, por
extensão, os seus expedientes rústicos, logo indispensáveis, de sobrevivência”. 6
Passados alguns anos do “achamento” de 1500, as riquezas brasileiras começaram
a saltar aos olhos de outros povos europeus, a exemplo dos franceses. Abriu-se, assim,
espaço para novos diálogos. Viajantes franceses, como Jean de Léry, atrelados a
interesses diversos, levaram o que viram do Brasil à Europa, por meio de seus respectivos
textos. Claude d’Abbeville, religioso católico, fez parte de uma missão que trouxe o

3
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 32
4
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
2006. p. 73
5
BASTIDE, op. cit., p. 23
6
BOSI, Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 28.

23
Velho Mundo ao indígena, mas que levou a ele o próprio índio. Isso tudo nos remete à
continuidade de tal “transferência cultural”, que ganhou outra possibilidade de ares e
propósitos a partir do contato com o dado francês.
Já no século XX, Oswald de Andrade, modernista,retomou tais aspectos – o do
primitivismo, da cultura e o do valor do dado nacional – e apresentou à literatura de seu
tempo o desejo de renovação, que rompia com os padrões estéticos então estabelecidos,
mas que, assim como o hábito de devorar, incorporava o status quo. Quase à maneira da
dialética do colonizador frente ao colonizado, e vice-versa, Oswald de Andrade trouxe à
tona sua Poesia Pau Brasil, que buscou conciliar “a cultura nativa e a cultura intelectual
renovada, a floresta com a escola num composto híbrido que ratificaria a miscigenação
étnica do povo brasileiro”,7aliando a tradição lírica brasileira a aquilo que poderia ser
entrevisto como moderno. “Pau Brasil”, cujo emprego de maiúsculas em sua grafia
evidencia a sua evolução: de madeira e mercadoria cara aos europeus à revelação da
existência de uma literatura genuinamente brasileira.
QuandoRaul Bopp discorreu sobre o momento do Modernismo no país, apontou
as agitações daSemana de Arte Moderna de 1922 como responsáveis por “acordar o Brasil
de uma estagnação”.8 Segundo Bopp, o surgimento do movimento da Antropofagia foi
resultado desse fluxo de renovação, “(...) animado de um espírito jovem, independente,
burlão, negativista. Com sátiras audaciosas, provocou uma derrubada de valores, de mera
casca literária, sem cerne. Sacudiu hierarquias inconscientes. Assinalou uma época”. 9 E,
à maneira do índio, os modernistas tentaram compreender o “sentido totêmico, de comer
o seu semelhante, isto é, fazer, em disposições mágicas, uma absorção de foças em
comunhão incruenta”.10
Para conduzir a literatura brasileira a um movimento puramente nacional, parecia
indispensável ao grupo da Antropofagia “a descida às fontes genuínas, ainda puras, para
captar os germens de renovação; retomar esse Brasil, subjacente, de alma embrionária”.11
Foram eleitos os “Clássicos da Antropofagia”, que deveriam ser revisitados, e dos quais
constam os escritos de Claude d’Abbeville. Eram necessários:

7
NUNES, Benedito Antropofagia ao alcance de todos. In: ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica.
2. ed. São Paulo: Globo, 1995. p. 13
8
BOPP, Raul. Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1977.
p. 37
9
Idem, p. 37
10
Idem, p. 41
11
Idem, ibidem.

24
Armistícios no sentido das conveniências do maior Número. Não. Foi
preciso sair fora da caserna. Tomar posse da época. Meio a força. A
pau. Fraturar o pensamento velho. Enfiar polpas moles no espeto.
Dentro de uma clareira florestal. Entre alaridos e cauim. Como nos dias
de festa grande. ANTROPOFAGICAMENTE. 12

A partir dessas considerações, pareceu-nos relevante analisar, nas próximas


linhas, esse encontro entre o capuchinho e o homem vanguardista, entre os primeiros
momentos desta terra brasileira e os seus dias de aspiração à modernidade. Trata-se da
descoberta do nativo pelo estrangeiro; e da redescoberta devoradora do nativopela poesia
do século XX.

O BRASIL FRANCÊS/ A FRANÇA BRASILEIRA: QUANDO OSWALD


DEVOROU O CAPUCHINHO

No ano de 1611, Maria de Médici, então rainha da França, visionou a necessidade


de introduzir no Brasil a religião cristã. Para tanto, estabeleceu um “projeto colonial”,
cujo intuito seria o de levar o catolicismo a uma região ainda pouco conhecida.
Ironicamente, por trás dessa fachada religiosa, escondiam-se interesses
econômicos, pertinentes ao processo de colonização: o Brasil e, em especial, a região que
hoje identificamos como o estado do Maranhão, era “ponto estratégico à abertura para o
mar das Antilhas, permitindo interceptar os navios carregados de metais preciosos em
regresso à Espanha”. 13 Nasceu, então, a França Equinocial. Naquele tempo, a Ordem dos
Frades Menores Capuchinhos (da família franciscana) possuía prestígio. Foi ela, portanto,
a escolhida para intervir nessa empreitada. Missionários aportaram deste lado do
Atlântico: Yves d’Evreux, Arsène de Paris, Ambroised’Amiens e Claude d’Abbeville.
Neste texto, ressaltaremos a produção escrita deste último, reunidas na História da missão
dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, e que aparecemem
Pau Brasil.
Esses missionários enviavam cartas à França. Da primeira missiva remetida por
d’Abbeville ao seu país, consta a seguinte referência sobre o Maranhão: “O objetivo
essencial dessas páginas é inserir a empresa francesa do Maranhão numa ordem
estritamente católica e nacional, feito sem precedentes no âmbito do corpus epistolar da

12
BOPP, op. cit., p. 79
13
DAHER, Andrea. O Brasil francês: As singularidades da França Equinocial (1612-1615). Prefácio de
Roger Chartier. Tradução de Albert Strückenbruck. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 50

25
França Equinocial. Trata-se, em primeiro lugar, de exaltar a vocação colonial da França
no Brasil”. 14
De fato, havia na época a “intenção” de atrair novos comanditários e novos
colonos para o país, para se estabelecer o domínio francês na América. Trabalhava-se,
ainda, com a possível predestinação dos missionários franceses e valorizava-se o processo
de catequização empreendido por eles: “todo o esforço retórico de Claude d’Abbevillese
concentra, na verdade, em lembrar o papel prioritário da França, enquanto potência
católica, na conversão das almas infiéis dos ‘três mundos’”.15
A especificidade das cartas de Claude d’Abbeville reside, sobretudo, em sua
narrativa do encontro entre o religioso e os “selvagens” –os índios da tribo
Tupinambá,então conhecidos por seus rituais antropofágicos. Sua posição era a de
simpatia aos indígenas, e são diversos os momentos em que, em suas cartas, d’Abbeville
se mostrou um “capuchinho índio”.16 E, para esses religiosos, os Tupinambás eram
homens em “estado natural”, que precisavam encontrar a “verdadeira crença” – o que
diferencia a preleção dos católicos, aliás, do discurso de Jean de Léry, viajante francês e
protestante, que não acreditava na conversão dos nativos da América. Criou-se, assim, a
imagem do “bom tupinambá”, e com ela o diálogo entre o europeu, que se permitia
observar pelos índios e que, simultaneamente, era incorporado aos seus hábitos. Nesse
cenário, o “ritual antropofágico” se evidenciava: buscava-se no texto tradicional, “com
sedimentação erudita, as teses em estudo”. Engolia-se, assim, o catequizador, o estudioso,
o estrangeiro, que seria, então, deglutido e devolvido em forma de literatura
legitimamente nacional.
Em 1925,Oswald de Andrade lançou, em Paris,Pau Brasil.E mesmo o fato de ter
trazido à luz tal escrito fora de seu país de origem torna-se elemento passível de análise:

É sabido quantas obras da arte e da literatura latino-americanas,


avaliadas como interpretações paradigmáticas de nossa identidade,
foram realizadas fora do continente, ou ao menos dos países natais de
seus autores. Desde Sarmiento, Alfonso Reyes e Oswald de Andrade
até Cortázar, Botero e Glauber Rocha. O lugar a partir do qual vários
milhares de artistas latino-americanos escrevem, pintam ou compõem
músicas já não é a cidade na qual passaram a sua infância, nem
tampouco é essa na qual vivem há alguns anos, mas um lugar híbrido,
no qual se cruzam os lugares realmente vividos. Onetti o chama Santa
María; García Márquez, Macondo; Soriano, Colonia Vela. Mas, na
verdade, essas cidadezinhas, ainda que se pareçam com outras

14
DAHER, op. cit., p. 84
15
Idem, p. 94
16
Idem, p. 190

26
tradicionais do Uruguai, da Colômbia e da Argentina, estão
redesenhadas por padrões cognoscitivos e estéticos adquiridos em
Madri, México ou Paris.17

Nessa obra, Andrade procurou transpor aos versos aspectos da vida e cultura
brasileira, retomando-as dos períodos pré e colonial, em uma sorte de “junção de
modernismo e primitivismo, que, em última análise, define a visão de mundo e a poética
de Oswald”. 18 O modernista explorou tal dado, de modo que:

O ideal do Manifesto Pau-Brasil é conciliar a cultura nativa e a cultura


intelectual renovada, a floresta com a escola num composto híbrido que
ratificaria a miscigenação étnica do povo brasileiro, e que ajustasse,
num balanço espontâneo da própria história, ‘o melhor de nossa
tradição lírica’ com o melhor de nossa demonstração moderna’. 19

Assim, Oswald de Andrade recuperou o homem índio e, também, o europeu


colonizador, devorando-os e recriando-os em seus poemas. Dessa maneira, o modernista
aproximou-se de Pero Vaz de Caminha, Gandavo, entre outros, e do capuchinho
d’Abbeville, do século XVII. Na Revista de Antropofagia, por exemplo,em texto do
colaborador Oswaldo Costa,esse religioso aparece como elemento a ser retomado no
século XX, em uma discussão sobre aquilo que define como o “estado natural” e o “estado
primitivo”,reagindo contra a “civilização que inventou o catálogo, o exame de
consciência e o crime de defloramento”; era o renascimento do Japy-Assu (ou Japi-Açu),
chefe indígena da tribo na qual Claude d’Abbeville havia se inserido, o “grande
morubixaba da Ilha do Maranhão”.20

Penso que não se deve confundir volta ao estado natural (o que se quer)
com volta ao estado primitivo (o que não interessa). O que se quer é
simplicidade e não um novo código de simplicidade. Naturalidade, não
manuais de bom tom. Contra a beleza canônica, a beleza natural – feia,
bruta, agreste, bárbara, ilógica. Instinto contra o verniz. Os selvagens
sem as missangas da catequese. Os selvagens comendo a catequese.21

Em Pau Brasil, Oswald de Andrade dedicou-se, em “História do Brasil”, a


dialogar, em forma de paródia, com os cronistas europeus, que almejaram escrever uma
espécie de “história brasileira à europeia”. Nesses versos, há a absorção da alteridade, a

17
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução
de Heloísa PezzaCintrão, Ana Regina Lessa; tradução da introdução Gênese Andrade. 4. ed. 6. reimp. São
Paulo: EDUSP, 2013. p. 327-328.
18
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43.ed. São Paulo: Cultrix, 2006.p. 359.
19
NUNES, op. cit., . p. 13
20
D’ABBEVILLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras
circunvizinhas. Belo Horizonte: Itatiaia: EDUSP, 1975.p. 59
21
COSTA, Oswaldo. A “descida” antropófaga. In: ______. Revista de Antropofagia. São Paulo. Maio
1928p.8. 3. col.

27
partir de uma seleção crítica. Trata-se do momento em que o capuchinho francês é
tragado, junto à França Equinocial, que constituiu uma “invasão francesa”, e que buscou
se apropriar do Brasil, sendo ela, por fim, matéria de apropriação. Era esse o desejo de
Oswaldo Costa, acima apontado: é o escritor brasileiro quem “come a catequese”, ironiza
o europeu (que quis dominar uma história que não lhe pertencia)e conta, de fato, a história
que lhe é própria: a de seu país. E, ao se aproximar desses textos-matriz, Oswald de
Andrade obteve:

[...] o poder de remissão ao passado que lhes confere o seu caráter de


registro cronológico, configuram a visão poética pau-brasil, em que os
tópicos do exotismo, tais como o ócio, a comunhão fraterna, a sociedade
dadivosa, a liberdade sexual e a vida edênica, transformam-se em
valores prospectivos, que ligam a originalidade nativa aos componentes
mágicos, instintivos e irracionais da existência humana, ao pensamento
selvagem portanto, em torno do qual gravitou a tendência primitivista
das correntes de vanguarda que Oswald de Andrade assimilou.22

Em “O Capuchinho Claude d’Abbeville”, uma das subdivisões de “História do


Brasil”, há três pequenos poemas: “a moda”, “cá e lá” e “o paiz”. Todos eles aparecem
escritos em francês e são, respectivamente, paródias de três trechos que constam da
História dos padres capuchinos. Quanto à paródia, foram diversos os teóricos da
literatura que discorreram a respeito: para G. Genette, a paródia consistiria, entre outras
particularidades, “uma transformação textual em função lúdica”;23 para os formalistas
russos, além dessa transformação, a paródia traria à luz os “procedimentos mecanizados”
de um dado gênero ou estilo, que são, assim, “reinvestidos em um novo contexto, cujo
reconhecimento do leitor é acompanhado de um efeito cômico”; Linda Hutcheon,

[...] ressalta o fato de que a imitação/ transformação de uma outra forma


literária por e para uma criação literária emerge de um andar
fundamentalmente reflexivo; a paródia, enquanto integração de um
“outro” discurso ao seu próprio discurso, de maneira consciente e
aberta, faz com que o parodista testemunhe de uma distância críticaa
respeito e no interior da própria matéria na qual se inscreve sua reflexão,
no duplo sentido do termo: ele reflete sobre a escrita ao mesmo tempo
em que apresenta à escrita em geral um espelho deformador (paródia).
24

22
NUNES, op. cit., p. 12.
23
TRAN-GERVAT, Yen-Mai. Pour une définition opérationnelle de la parodie littéraire: parcours critiqueet
enjeux d'un corpus spécifique. In : ______. Cahiers de Narratologie [En ligne], 13 | 2006, mis en ligne le
01 septembre 2006, consulté le 15 novembre 2013. URL: http://narratologie.revues.org/372 ; DOI :
10.4000/narratologie.372. p. 2. Tradução nossa.
24
Idem, p. 5.

28
Nos poemas analisados, podemos entrever a paródia do ponto de vista dos
seguintes aspectos: existe o caráter de “transformação” de um texto já conhecido;
elementos desse texto são mantidos, ocorrendo o reconhecimento do original; e háo
surgimento de um novo contexto. Vale ressaltar que a manutençãoda escrita em francês
nos tempos de efervescência modernista sugere uma incorporação e, ao mesmo tempo,
um rompimento. No Brasil do século XIX, a relação entre França e Brasil, de longa data,
intensificou-se. Paris, como apontou Walter Benjamin, foi a “capital do século XIX”. Era
a capital da moda e do luxo, e constituía-se, também, como capital literária dos oitocentos,
já que a cidade representava um ponto neutro de intersecção e de avivamento do dado
cultural de diversos países. Essa propagação se fez sentir em terras brasileiras, onde era
assídua a simbologia revolucionária francesa, que culminou na anedótica vontade que
indivíduos da época tinham de ver a derrubada da Monarquia em 1889, ano do primeiro
centenário da queda da Bastilha. A “parisina” tornou-se uma espécie de vício, propagando
os figurinos e os costumes provenientes da França, – desde a criação de um cabaré aos
moldes do Chat Noir parisiense à influência da “Casa de Richelieu” na constituição da
Academia Brasileira de Letras. Nas altas rodas da sociedade, conversava-se em francês e
as novidades de Paris eram assunto frequente.A escrita parnasiana, que engessava a
poesia de seu tempo, adveio da França; a europeização dos costumes suprimia aquilo que
era genuinamente brasileiro. E o momento era o dos rumos apontados pela própria
Antropofagia, que buscava recuperar:

Debaixo de um Brasil de fisionomia externa, havia um outro Brasil de


enlaces profundos, ainda incógnito, por descobrir. O movimento,
portanto, seria de descida às fontes genuínas, ainda puras, para captar
os germens de renovação; retomar esse Brasil, subjacente, de alma
embrionária, carregado de assombro e procurar alcançar uma síntese
cultural própria, com maior densidade de consciência nacional.25

Por outro lado, os poemas em francês indicam incorporação, que é sugerida se


refletirmos sobre o cosmopolitismo apregoado no momento modernista. Nessa época, o
artista ou escritor não era apenas fruto de seu espaço de origem, mas de transposição do
local, em uma busca pelo dado universal, comum à realidade latino-americana. Observa-
se, também, que d’Abbeville era uma exceção em “História do Brasil”: em meio aos
relatos de cronistas lusos, salta aos olhos a palavra do francês. E este, aliás, era o único
elemento “fora do lugar”, e que não participava de um projeto colonialista comum, mas
sim queria consolidar um pedaço de seu próprio país em uma terra tão disputada.

25
BOPP op. cit., p. 41

29
Abaixo, o poema “a moda”:

Les femmes n’ont point la lèvre percée


Mais en récompense
Elles ont les oreilles trouées
Et elles s’estiment aussi braves
Avec des rouleaux de bois dedans les trous
Que font les dames de pardeça
Avec leurs grosses perles et riches diamants26

“a moda” é breve: trata-se de um hepteto. A forma curta, sem pontuação, está


distante da rigidez do soneto, caro aos poetasdo XIX, ou de qualquer outra forma
fixa;indica-se como elemento de síntese, de despojamento, tal qual uma réplica das
“tomadas de uma câmara cinematográfica”27– síntese, essa, que era pertencente a uma
cultura genuína, se retomarmos o pensamento de Bopp, apontado no fragmento acima.A
brevidade também fez com que esse poemase assemelhasse às manufaturas industriais,
como se fosse produzido em máquinas, se pensarmos na óptica futurista, vanguarda em
voga na época.Os versos possuem métrica variada, o que supõe um desejo de liberdade
da versificação. Contudo, faz-se relevante notar a presença de um decassílabo e de dois
alexandrinos, que contrastam com a prontidão dos demais. Apenas dois versos constituem
uma rima. Os restantes se expressam livremente,em aparente anseio de libertação poética.
Como já se mencionou, o Parnasianismo tentou enquadrar a poesia brasileira em seus
rigorosos preceitos de métrica e versificação. Entre os parnasianos, havia mesmo a poesia
que se aproximava da oratória, lançando mão, ainda, de preciosismo vocabular. Em
tempos de ebulição republicana, ganhou vez o discurso que correspondia à clareza e à
precisão. Já em Oswald, cidadão do século XX, que percorreu trajetória distinta à do XIX,
tem-se a “poesia radical”. Segundo Haroldo de Campos:

A radicalidade da poesia oswaldiana se afere, portanto, no campo


específico da linguagem, na medida em que esta poesia afeta, na raiz,
aquela consciência prática, real, que é a linguagem. Sendo a linguagem,
como a consciência, um produto social, um produto do homem como
ser em relação, é bom que situemos a empresa oswaldiana no quadro de
seu tempo. Qual a linguagem literária vigente quando se aprontou e
desfechou a revolução poética oswaldiana? O Brasil intelectual das
primeiras décadas deste século, em torno à Semana de 22, era ainda um
Brasil trabalhado pelos mitos do “bem dizer” (Mário da Silva Brito), no
qual imperava o “patriotismo ornamental” (Antonio Candido), da
retórica tribunícia, contraparte de um regime oligárquico-patriarcal, que
persiste República adentro. [...] A poesia “Pau Brasil” de Oswald de
Andrade representou, como é fácil imaginar, uma guinada de 180º nesse

26
ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. 2. ed. São Paulo: Globo, 2003. – (Obras completas de Oswald de
Andrade).p. 113.
27
CAMPOS, loc. cit., p. 20.

30
status quo, onde – a expressão é do próprio Oswald – “os valores
estáveis da mais atrasada literatura do mundo impediam qualquer
renovação”.28

Ao longo do capítulo “Da tez dos índios, de como trazem os cabelos e furam os
lábios e orelhas”, D’Abbevilledescreve o seguinte ritual de valentia dos índios do
Maranhão:

Ils ont une autre coustumeestrange de se percer la levre d’en bas.


Quãnd leurs enfans viennent a l’aage de quatre, cinq ou six ans, ils
preparent un vin ou festin (qu’ils appellent Caouin) ou ils convient tous
les parens& amis de l’enfant auquel on doit percer la levre, ensemble
tous les habitans du village & des lieux circonvoisins, &apres avoir
bien Caouinné&dancé deux ou trois jours selon leur coustume, ils font
venir le petit enfant apresluy avoir fait entendre que c’est pour luy
percer la levre à ce qu’il soit un jour fort et valeureux & grand guerrier,
lequel tout encouragé pour telle raison, presente librement &hardiment
la levre avec une alegresse& grand contentement : & lors celuy qui est
deputé la prend & la perce avec une petite corne ou quelque bien pointu
& y fait un grãd trou : que s’il adviét que le petit enfant crie (ce qui
n’arrive guere) ou qu’il jette &rié& il ne fera jamais qu’un coüard&
homme sans courage.Que si au contraire il est ferme & constant
(comme ordinairement ils sont) ils en tirent un bon augure & y croyent
qu’en la vie il fera grand, brave & vaillant guerrier.29

É-lhes peculiar também um outro costume estranho: o de furar o lábio


inferior. Ao atingirem seus filhos a idade de quatro a seis anos,
preparam os índios um festim (o cauim), para o qual convidam todos os
parentes e amigos do menino, além de todos os habitantes da aldeia e
circunvizinhanças. Depois de cauinarbastante e de dançar duramente
três dias consecutivos, segundo seu costume, mandam vir o menino e
dizem-lhe que vão furar o lábio para que se torne um guerreiro valente
e prestigiado. A criança assim encorajada apresenta espontaneamente o
lábio, com satisfação e decisão; pega-o então o índio incumbido de furá-
lo e atravessa-o com um osso ponteagudo [sic] fazendo um grande
buraco. Se o menino grita ou chora, o que raramente acontece, dizem-
lhe que não prestará para nada, que será sempre um covarde, um homem
sem coragem. Se ao contrário, como ocorre comumente, se mostra
corajoso e forte, tiram da cerimônia bom augúrio e afirmam que será
mais tarde grande, bravo e valente guerreiro. 30

E os versos de “a moda” dialogam diretamente com o seguinte trecho do texto:

Les femmes n’ont point la levre percée, mais on recompence elles ont
les aureillesestrangementtroüées, & mettent dedans les troux, des
rouleaux de bois gros comme le poulce& long environ comme le doigt :
Et bien que cela leur allonge merveuilleseument les aureilles, si est-ce
qu’elles prennent autant de plaisir à porter ces beaux pendans, et

28
CAMPOS, loc. cit., p. 8-9.
29
D’ABBEVILLE, Claude. Histoire de la mission des pères capucins en l'isle de Marignan et terres
circonvoisines. 1614.p. 268-69. Disponível em : http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k57399d
30
Idem,p. 214

31
s’estiment aussi braves avec ses rouleaux de bois, que font les Dames
de par deça avec leur grosses perles & riches Diamans.31

As mulheres não furam o lábio; em compensação, usam as orelhas


estranhamente esburacas. Nesses buracos colocam rolos de madeira da
grossura de uma polegada e do comprimento de um dedo. Embora tal
costume lhes alongue fantasticamente as orelhas, sentem grande prazer
em usar esses brincos e se julgam tão lindas, com esses rolos de
madeira, quanto nossas damas com suas enormes pérolas e seus
diamantes.32

No texto “matriz”, vê-se que o autor capuchinho indicou sua surpresa frente a uma
determinada prática:considerou, entre outros aspectos, que as orelhas das índias eram
“estranhamente esburacadas” e que o adorno utilizado lhes alongava “fantasticamente” o
membro observado. Ressaltar o emprego dos advérbios “estranhamente” e
“fantasticamente” é relevante: o primeiro indica aquilo que é “alheio”, “estrangeiro”, e
mesmo “bizarro”; o segundo, o que é “deslumbrante”, ou “excepcional”. De certo modo,
emerge uma miscelânea de sentimentos e conclusões, que nos remete à falta de
familiaridade do europeu diante da imagem com a qual se deparou – aflorouaos seus olhos
uma representação que se distanciavada então óptica europeia da “normalidade”, capaz
de suscitar o afastamento e, igualmente, o fascínio, que alia o “estranho” ao “fantástico”.
E, para esse europeu, as índias se consideravam “tão lindas, com esses rolos de
madeira, quanto nossas damas com suas enormes pérolas e seus diamantes”. Diante do
costume do autóctone, o estrangeiro retoma o hábito europeucomo modelo de
familiaridade e, consequentemente, de “normalidade”, mesmo que almeje se inserir nessa
nova realidade.Além disso, as aborígenes de Claude d’Abbeville lançavam mão de meros
“rolos de madeira” como adorno, que chamavam a atenção apenas pelo tamanho (mais
uma vez, o estranhamento) e não pelo valor material das pérolas e diamantes das francesas
– este, sim, um paradigma para o religioso.
Nos versos de Oswald, observa-se a fidelidade ao excerto de d’Abbeville, no que
tange o aspecto “gráfico” – mesmas palavras e expressões. A habilidade oswaldiana de
síntese, anteriormente apontada, ressalta a conversão de um longo excerto em sete versos.
Como em um shotfotográfico, apreende-se um instante significativo, de representação
particular. Na totalidade de um importante ritual de passagem entre os índios, destaca-se
a seguinte peculiaridade: a “moda”. Em d’Abbeville, o olhar estrangeiro parece inferirque
o costume indígena, que se relacionavaà valentia, ou mesmo à própria identidade de um

31
D’ABBEVILLE, op. cit., p. 270.
32
Idem,op. cit., p. 215

32
povo, era algo inusitado. Já o sujeito de Oswald observa o costume, refletido no modo de
vestir e de se ornar, como algo adequado ao seu tempo, e que é reflexo de um determinado
cotidiano. Trata-se, assim, da “normalidade”, não assimilada por d’Abbeville ou qualquer
outro indivíduo advindo de terras distantes, mas digerida pelo nativo, mesmo estando ele
temporalmente distante. Algo que, pouco cabível do ponto vista do além-mar, era
perfeitamente oportuno à vivência indígena, e mesmo salutar. Algo que seria,
simplesmente, a moda, no sentido denotativo dessa palavra: do francês mode, que
significa “costume”, “hábito”, “maneiras”, “uso”. Da própria língua francesa se
“devorou” um sentido. E a ironia se ressalta na transformação daquilo que é
incompreendido pelo europeuemprática costumeira.E o índio seria, por fim, a tradução
de uma “ternura primitiva”,33 o reencontro com a terra e o povosimples, e com a própria
identidade, a partir de sua “moda”.
Desse poema, pode-se apreender, ainda, que o sentido de “moda” remete ao
“estilo”. Se, entre as européias, havia vestes e maneiras a serem apreciadas, por que, entre
as índias genuinamente brasileiras, isso não poderia ocorrer? O que era nativo possuía o
seu valor, no sentido modernista da exaltação da cor local, seja nos aspectos sociais ou da
expressão artítistica.
O poema “cá e lá”:

Cette coustume de marcher nud


Est merveilleusement difforme et deshonneste
N’estant peut etre si dangereuse
Ni si attrayante
Que les nouvelles inventions
Des dames de pardeça
Qui ruinent plus d’âmes
Que ne le font les filles indiennes.34

Em “cá e lá”, tem-se um octástico, cujos versos são livres, como em “a moda”.
Aproxima-sedo capítulo XLVI da História da missão: “Da nudez dos índios tupinambás
e dos seus adornos”. Nessetópico, Claude d’Abbeville declarou:

Il est ainsi que cette coutume de marcher nud est merveilleusement


danger semble-t-il bien grand en apparence, mais eneffect je puis dire
qu’il y a sans comparaison beaucoup moins de danger à voir la nudité
des Indiennes que la curiosité des attraiótslubriques des Dames
mondaines de la France. Car ces Indiennes sont si modestes & retenues
dans leur nudité que l’on ne voit en elles ny mouvement, nygeste, ny

33
BOPP, op. cit., p. 69
34
ANDRADE, op. cit., 114.

33
parole, ny chose quelconque qui puisse offenser les yeux de ce qui est
mesme de leur mariage elles ne feront rié jamais publiquemét qui puisse
causer aucun scandale ou quelque admiration. Joinct que la difformité
ordinaire ne donne pas peu d’aduertion, la nudité de foy n’estant pas
peut estre si dangereuse n’y si attrayante que font les artifices lubriques
avec les effrenées mignardises & nouvelles inventions des Dames de
pardeçà, qui causent plus de pechez mortels et ruinent plus d’ames que
ne font les femmes &filles Indiennes avec leur nudité brutale &
odieuse.35
Em verdade, tal costume é horrível, desonesto e brutal, porém o perigo
é mais aparente do que real, e bem menos perigoso é ver a nudez das
índias que os atrativos lúbricos das mundanas de França. São as índias
tão modestas e discretas em sua nudez, que nelas não se notam
movimentos, gestos, palavras, atos ou coisa alguma ofensivo ao olhar
de quem as observa; ademais, muito ciosas da honestidade no
casamento, nada fazem em público suscetível de causar escândalo. Se
tivermos ainda em conta a deformidade habitual, até certo ponto
repugnante, concluiremos que essa nudez é em si atraente, ao contrário
dos requebros, lubricidades e invenções das mulheres de nossa terra,
que dão origem a maior número de pecados mortais e arruínam mais
almas do que as índias com sua nudez brutal e desprezível.36
Mais uma vez, destaca-se o processo de síntese, do qual, como já se mencionou,
Oswald de Andrade lançava mão.O título é igualmente sintético, e traduz a comparação
entre o aquém e o além-mar, entre o hábito do colono e do colonizador, da mulher da terra
conquistada e da mulher do conquistador. No texto de d’Abbeville, enfatiza-se a nudez
feminina, que, desde Eva, é dotada de perigos aos homens; a nudez desponta como idílica
entre as índias, que aparentam manter, na terra do paraíso, a retomada na terra do próprio
Éden.
De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, diversos cronistas dos tempos da
colonização destacaram a falta de malícia dos índios, como se eles ainda vivessem na
Idade de Ouro.37 Havia a perspectiva de que, nessas terras inóspitas, se encontrariam
homens cuja bondade era natural. Estariam eles, ainda, livres da “maldição divina”,
arraigada ao mundo humano como castigo ao pecado de Adão e Eva. Eram esses os
tempos em que a utopia renascentista indicava “que fora do Velho continente e de seus
vícios ainda se poderia encontrar ou edificar uma nova sociedade e sem mácula”38 e que,
“talvez em algum lugar remoto, resguardado do resto do mundo pela imensidão dos
mares, e entre gentes tão nuas de roupas quanto de vícios, se acharia alguma imagem,

35
D’ABBEVILLE, op. cit., p. 270-71.
36
Idem, op. cit., p. 217
37
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização
do Brasil. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000. – (Grandes nomes do pensamento brasileiro). p. 227
38
Idem, p. 239.

34
atenuada embora, daquilo que foi o Paraíso”.39 Nos versos de “cá e lá”, exalta-se a
naturalidade da nudez das índias, que se difere, ainda, da luxuriosa desrição de Pero Vaz
de Caminha (fato que rendeu, aliás, o poema “as meninas da gare”, que apresenta uma
visão erotizada da mulher brasileira).
Já as “dames de pardeça” – do Velho Mundo, do espaço condenado pelo pecado
– pertencem a um universo de malícia. Mais do que tudo, elas eram destruidoras de
“almas”; ou seja, arruinavam uma das concepções cristãs mais sublimes, que é a de força
“animadora” da existência e essência humana. O poema não deixa passar esse traço. A
mulher de “pardeça” poderia ser qualquer uma daqueles que habitavam as cidades dos
tempos de Pau Brasil, o que ilustra, mais uma vez, uma nuance de cosmopolitismo da
época.O arruinar das almas, sob a perspectiva do sujeito lírico oswaldiano, poderia estar
em qualquer peculiaridade da personalidade femininaHá a sugestão de que as mulheres
poderiam arrebatar corações, por meio de suas “nouvellesinventions”, capazes de instigar
a imaginação do leitor. De “cá” ou de “lá”, eram elas mulheres.
Por fim, a tríade que parodia os textos de d’Abbeville se encerra com “o paiz” –
mais uma vez, poemeto de versos livres:

Il y a une fontaine
Au beau milieu
Particulière en beauté
Et en bonté
Des eaux vives et très claires
Rejaillissent dicelle
Et reuissellet dedans la mer
Estant environnée
De palmiers guyacs myrtes
Sur lesquels
On voit souvent
Des moines et guenons.

Serviu-lhe de inspiração o seguinte trecho:

A mille ou douze cents pas de là, nous trouvâmes un beau lieu de


plaisance, où il y a une fontaine au beau milieu, particulière en beauté
& en bonté des eaux vives & très claires rejaillissent dicelle, &ruisselét
dedans la mer, estantenvioronnée de Palmiers, Gajcs, myrtes, &
d’autres especes d’arbres, gros & grands à merveille, sur lesquels on
voit souvent une grande multitude de Morines, Guenons, &Sapaions,
qui ordinnairement viennent boire à la fontaine.40

A mil ou mil e duzentos passos desse local [o forte onde se instalaram


os franceses], deparamos com um belo e aprazível lugar, onde existe

39
HOLANDA, op. cit., p. 240
40
D’ABBEVILLE, op. cit., p. 67

35
uma fonte, particularmente bonita, de excelentes águas vivas e claras.
Correm para o mar e é a fonte cercada de palmeiras, guacos, murtas e
outras árvores maravilhosamente grandes e copadas, sobre os quais se
veem muitas vezes monos, macacas e micos que vão beber água.41
No capítulo intitulado “De nossa entrada na ilha do Maranhão e da localização do
forte”, do qual se extraiu o fragmento acima, Claude d’Abbevillenarrou a maneira como
os franceses foram acolhidos pelos índios. Na nova morada, sobressaíam-se as
características do local. E a “câmera oswaldiana” focalizou, em “o paiz”, a presença de
uma fonte descrita pelo missionário, localizada em lugar “belo”, “aprazível”, cujas águas
eram “vivas e claras” – mais uma vez, a alusão ao paraíso na terra, ou a própria “visão do
paraíso” elucidada por Sérgio Buarque de Holanda. O que chama a atenção, no entanto,
é a menção a aqueles que se aproveitavam dessas águas: monos, macacas e micos.
“Mono” é a designação comum dada aos macacos em geral, ou, em particular, aos
primatas sem cauda e de braços longos, a exemplo do chimpanzé. “Macaco” é termo de
origem africana, e “mico” é designação específica aos primatas das regiões tropicais, e
origina-se do caraíba.
Logo, torna-se possível perceber a sugestão, no poemaoswaldiano, a partir da
retomada dessa passagem específica da missiva de d’Abbeville, de que os moradores
desse “paiz” assemelhavam-se aos primatas: por serem, talvez, selvagens como os monos,
macacos e micos (os “monnes” são os mais fortes e poderiam ser vistos como
representação dos homens; já as “guenons”, das mulheres); por se assemelharem aos
humanos, mas conservarem a essência animalesca; e, por fim, por serem passíveis, em
determinadas instâncias, de domesticação – assim como os indígenas, que deveriam ser
catequizados e vestidos, para o gosto do colonizador.
Realiza-se, portanto, uma sátira audaciosa do olhar europeu para os nativos do
Novo Mundo, reforçando uma proposição comum, que se sumarizou no domínio e
aculturação.E tudo isso contrasta, ainda, com o caráter paradisíaco do espaço observado,
o que nos suscita a imagem de que a terra brasileira, nos tempos da colonização, era vista
com admiração e ambição: águas límpidas, diversas flores e frutos, que necessitavam de
um comando preciso. Para tanto, a solução: a França Equinocial. E, para a Antropofagia,
o oposto: devorar o capuchinho e exaltar a “grande festa” antropofágica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

41
D’ABBEVILLE, op. cit., p. 58.

36
As manifestações da Semana de Arte Moderna de 1922 soam, na história literária
brasileira, como eco de renovação. Nela, deu-se a quebra com o academicismo vigente,
exaltado no século XIX e rejeitado nos tempos vanguardistas.
Parecia necessário aos modernistas brasileiros o estabelecimento de uma nova
proposta, ou mesmo o rompimento com qualquer tipo de asserção.Uma revolução, na
concepção ampla dessa palavra: o que nos remete à agitação, revolta; e mesmo o que nos
remonta ao giro dos astros, representando o fim de um ciclo. Houve os que se reuniram;
os que protagonizaram momentos anedóticos; e, sobretudo, aqueles que buscaram as
fontes de sua própria identidade, em especial na figura do índio. E esse índio não era
aquele cultuado pelos românticos, que se travestia na pele do europeu, mas sim o que
exaltava sua terra e rituais de coragem, e que devorava seus pares para se sentir mais forte.
Por meio da aproximação de versos de Oswald de Andrade do texto de Claude
d’Abbeville, foi possível observar a articulação de dois contextos. De um lado, nos anos
de 1600,o homem branco, de proveniência colonizadora e catequizadora, que buscava
compreender, ainda que atado ao seu mundo, o índio, matéria nativa de uma terra
desconhecida, porém instigadora. D’Abbeville construiu, de fato, um discurso. Na outra
ponta, tem-se a poesia de Oswald de Andrade, que, colonizado, porém não domesticado,
utilizava-se às avessas de ideias já estabelecidas. Era preciso rir do estranhamento do
europeu frente aos hábitos – por vezes,corriqueiros – do autóctone; fazia-se necessário
criticar pré-conceitos. Edificava-se, em suma, uma ruptura.

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37
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modernidade. Tradução de Heloísa PezzaCintrão, Ana Regina Lessa; tradução da
introdução Gênese Andrade. 4. ed. 6. reimp. São Paulo: EDUSP, 2013.

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TRAN-GERVAT, Yen-Mai. Pour une définition opérationnelle de la parodie littéraire:


parcours critique et enjeux d'un corpus spécifique. In : ______. Cahiers de Narratologie
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URL : http://narratologie.revues.org/372 ; DOI : 10.4000/narratologie.372.

38
O EXÍLIO NO ROMANCE ANA EM VENEZA
Cinthia Torres Aranha42

RESUMO: Este artigo busca analisar a questão do exílio e da saudade presentes no


romance Ana em Veneza (1994) de João Silvério Trevisan, através de dois
personagens, a ex-escrava Ana e o músico cearense Alberto Nepomuceno, figuras
históricas que foram ficcionalizadas após extensa pesquisa por parte do autor em
documentos familiares, diários, e escritos.

PALAVRAS-CHAVE: Exílio; Romance histórico; Identidade; Saudade.

Ana em Veneza (1994) de João Silvério Trevisan é um daqueles romances


que, através de uma trama simples, provoca uma série de reflexões, de inquietações e
questionamentos que falam diretamente ao indivíduo contemporâneo, este indivíduo
cujo universo percebido foi expandido pela globalização, pelo acesso contínuo às
informações rápidas, pelas novas formas de experimentar o mundo. O romance de
Trevisan fala diretamente ao sentimento de não-pertencimento, ao que Stuart Hall
chama de “crise de identidade”43, que sobreveio à queda de antigas ideologias, de
sistemas totalitários de governo, e às próprias modificações das concepções de
nacionalismo.
Escrito e publicado apenas nove anos após o fim da Ditadura Militar no
Brasil (1964 – 1985), Ana em Veneza traz, sobretudo, as inquietações de um povo que
busca redescobrir, compreender, reconstruir sua própria história. Neste sentido, o
romance tematiza essencialmente a identidade, tanto a individual quanto a coletiva, a
natureza do brasileiro, esse indivíduo que traz em si a consciência de ser fruto de uma
colonização brutal, que suspeita de suas raízes pouco profundas e contrabandeadas
em sua maioria, da Europa. Trevisan trabalha com a ideia de o brasileiro ser um
indivíduo perpetuamente exilado, que traz em si uma saudade que não o abandona e
que é sintoma dessa ausência de uma identidade fortemente constituída.
O romance ficcionaliza três figuras históricas, Alberto Nepomuceno, Julia
da Silva-Bhruns, e Ana. Nepomuceno é um jovem músico cearense na casa dos vinte

42
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Estudos Literários da Universidade
Estadual de Londrina. Bolsista pela CAPES. Email: cta.cinthia.torres@hotmail.com.
43
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
39
anos que, vivendo as vésperas da Independência do Brasil, inquieta-se com a ausência
do que seja uma música naturalmente brasileira, de forma que se dispõe a estudar na
Europa para que, conhecendo a música europeia, esteja apto a definir a música de seu
país. Julia da Silva-Bhruns, filha de um colonizador alemão e uma brasileira já
falecida, é levada ainda aos seis anos de idade juntamente com os irmãos, do Brasil
para Lübeck, na Alemanha, de forma a ser criada com mais esmero do que o poderia
ser em um país tão jovem quanto o Brasil. Este doloroso processo de perda de uma
identidade e a imposição de outra marca profundamente a criança Julia e influencia a
vida adulta daquela que posteriormente se tornaria Julia Mann, que ficaria conhecida
como mãe dos escritores alemães Heinrich e Thomas Mann. E por fim, Ana, uma ex-
escrava que acompanha Julia e sua família na longa viagem do Brasil para a
Alemanha. Estrangeiros em terra estranha, os três personagens se encontram em
Veneza, encontro que acontece apenas no âmbito ficcional, e que irá trazer intensas
modificações em suas vidas.

ANA EM VENEZA E O NOVO ROMANCE HISTÓRICO


Ana em Veneza é uma colcha de retalhos que mistura gêneros textuais
como cartas, diários, memórias, entrevistas, elementos históricos e ficcionais sem, no
entanto, reconhece-los como tais, sem delimitá-los, a transição de um gênero para o
outro acontece de forma sutil e, por vezes, apesar da experiência enriquecedora pode
causar certa dificuldade na leitura. O romance é usualmente classificado como um
novo romance histórico pela ficcionalização de personagens históricos, pela
problematização de questões envolvendo tanto o momento sobre o qual se fala quanto
sobre o momento do qual se fala, e também pelos diversos intertextos com outras
obras sendo o mais expressivo deles a relação com a novela Morte em Veneza (1912),
de Thomas Mann.
Nos Agradecimentos ao final do livro, Trevisan se refere à extensa
pesquisa feita antes de desenvolver o romance, seu encontro com familiares de
Alberto Nepomuceno, citando especialmente o neto do músico, Sérgio Nepomuceno
Alvim Corrêa. Fica implícita também a consulta aos escritos deixados por Julia Mann,
compilados em um livro intitulado Cartas e esboços literários44 pela Editora Ars
Poetica em 1993, em que Julia fala sobre suas memórias da infância no Brasil. Esse

44
MANN, Julia. Cartas e esboços literários. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
40
cuidado com a pesquisa, entretanto, não impede a ficcionalização livre dos
personagens históricos pelo autor, e ele mesmo assegura esse direito nas notas finais,
ou seja, a liberdade de criação não é tolhida pelo gênero em que a obra é colocada,
mesmo porque o próprio autor não considera seu romance como um romance
histórico. De qualquer forma, existem aspectos que permitem inserir Ana em Veneza
no escopo das obras sob a categoria de novo romance histórico.
Entre outros traços, o romance histórico reinventado para pós-
modernos pode misturar livremente os tempos, combinando ou
entretecendo passado e presente; exibir o autor dentro da própria
narrativa; adotar figuras históricas ilustres como personagens
centrais, e não apenas secundárias; propor situações contrafactuais;
disseminar anacronismos; multiplicar finais alternativos; traficar com
apocalipses (ANDERSON, 2007, p. 217)45.

O romance de Trevisan reúne quase todas as características apontadas por


Perry Anderson, sendo expressiva a utilização do tempo não linear, do tempo da
memória, e também o salto temporal que acontece na última parte do romance. Este
se inicia com uma entrevista no aeroporto no ano de 1891 e faz a transição para cem
anos à frente quando Nepomuceno em 1991 inicia suas elucubrações acerca de ser
brasileiro.
É necessário afirmar que as características do romance histórico não são
inflexíveis. Assim como o gênero ao qual faz parte, o romance, o romance histórico
se modifica de acordo com as demandas das sociedades e acompanha também as
modificações da própria historiografia.

O EXÍLIO EM ANA EM VENEZA


Pode-se dizer que o tema principal do romance de Trevisan seja o exílio,
tanto o individual quanto o coletivo. Os três personagens principais vivem suas vidas
na eterna pergunta, por vezes não formulada, a respeito de suas raízes, de suas
identidades fluidas, daquele sentimento de perene inadequação e saudade. Neste
artigo o enfoque recairá sobre as personagens Ana e Alberto Nepomuceno, uma vez
que Julia vivenciou este exílio de uma forma mais indireta devido a pouca idade com
a qual foi levada de seu país de origem.

45
ANDERSON, Perry. Trajetos de uma forma literária. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo,
n. 77, p. 205-220, mar. 2007.
41
Ana foi trazida ainda criança da África para o Brasil em um navio
negreiro, memória traumática relembrada quando de seu segundo desterro ao sair do
Brasil e partir em direção à terra europeia desconhecida.
(...) Prestes a deixar seu mundo de escrava, ela via-se repentinamente
menina de novo, agarrada ao peito seco da mãe, no porão de um navio,
sugando a maldição no leite materno que faltava. Uma outra viagem
em que tudo lhe fora arrancado, e seu mundo sossobrara, ao deixar a
África.
(...) Mas nós não temos nada para levar a não ser nosso destino,
pensava Ana que um dia fora Wurá, quem sabe. E começar tudo de
novo, ter um outro nome, porque esquecera até mesmo como é que se
chamava essa Ana-Wurá, porque nosso destino é tudo o que temos
para levar, e de novo partir, porque o marinheiro é aquele que está
sempre partindo, lembrava-se Ana-Wurá, e só regressa para poder
partir de novo e assim prosseguir o seu destino de marinheiro (...).
(TREVISAN, 1998, pg. 118)

Observa-se no trecho acima a interessante comparação com o marinheiro,


aquele que vive no entre-lugar, sem ponto fixo, em constante movimento e sem lugar
para chamar de seu. Com a iminência da partida, iniciam-se as apreensões de Ana a
respeito da inexistência de vínculos com a terra, problematizando sua própria
condição de escrava uma vez que tendo sido trazida ainda criança da África e obrigada
a reconhecer outro país como o seu e posteriormente sendo retirada também deste
país, vê-se em condição de fragilidade. Ao ter o seu direito de pertença a um lugar
negado por forças exteriores, Ana desespera-se com a sua falta de identidade
individual - sem sobrenome, sem história -, e coletiva, sendo relegada ao papel
perpétuo de exilada.
Quando chega em Lübeck, a fria e monocromática cidade alemã, Ana
surpreende-se com a brancura da neve que a tudo recobre e que evidencia a cor negra
de sua pele, que a segrega ainda mais, que a relega ao silêncio e ao papel de criatura
exótica. Acostumada ao clima quente do Rio de Janeiro, ela sofre com o frio europeu
desenvolvendo uma grave dor de cabeça. As crianças que ela cuida recebem
instruções do pai para falarem apenas em alemão, desta forma, Ana não tem com quem
conversar em português, e sendo analfabeta e sem ter quem lhe ensine a língua alemã,
ela consegue se comunicar com esforço, misturando a língua brasileira com a alemã.
Começa um outro processo doloroso de perda da antiga língua falada, um outro exílio
que talvez não possa ser visto como metafórico já que se presentifica na perda da fala.

42
O trecho abaixo narra o momento em que a família Bhruns recebe a visita
de um conhecido que esteve recentemente no Brasil. Quando Ana vai retirar os pratos
da mesa o visitante fala com ela em português.
Logo que se viu só, no corredor que dava para a cozinha no andar
térreo, Ana parou para respirar. Estava trêmula de emoção: alguém
lhe falara em português! Como isso parecia-lhe delicioso, agora que
as crianças estavam proibidas de conversar com ela em outra língua
que não fosse o alemão. (TREVISAN, 1998, pg. 206)

A felicidade em ouvir os ecos do passado não é, de fato, felicidade. Ana


sente-se perturbada com o que ouviu, com o som da língua que lhe era comum, mas
que agora já lhe causa estranhamento.
Detrás da cortina do corredor, Ana esperava para recolher outra vez
os pratos usados. Ainda parecia um pouco conturbada, talvez porque,
de repente, a língua brasileira dita pelo viajante lhe tivesse soado tão
estranha, com seus sons definitivamente ligados ao passado. Sentia
aflorar em sua alma a vaga impressão de que, se não falava o alemão,
também o português não lhe servia para nada, esquecido como um
traste velho no fundo de sua memória, onde as lembranças
começavam a ficar borradas. (TREVISAN, 1998, pg. 214)

Este exílio em si mesma acompanha a personagem no decorrer do


romance. Em determinado momento ela entra em depressão profunda por sentir-se
desconectada do que a cerca.
(...) Adoeceu de pneumonia e foi dispensada. Na cama, assaltou-a
uma grande tristeza. Um desânimo de viver. Onde estava? Qual seu
destino? (...) Ana passava o dia gemendo. Acordava de noite
chorando. Porque não tinha lugar no mundo. Não se encaixava em
nada. Não podia voltar para lugar nenhum porque nenhum lugar era
seu. (TREVISAN, 1998, pg, 420)

É importante apontar que o exílio de Ana é um sentimento intrínseco à


personagem e se espraia para fora englobando o mundo exterior, essencialmente,
entretanto, a angústia que ela carrega é a respeito da desconexão que ela tem consigo
mesma e que acaba por englobar o exterior. Ana foi privada de uma história quando
foi trazida da África para o Brasil, colocada ainda criança para servir aos brancos, sua
vida enquanto propriedade privada de outros. Antes de partir para Lübeck, o pai de
Julia a liberta juntamente a todos os escravos. Entretanto, o que se vê é uma liberdade
ilusória, as rédeas da senhoria saindo das mãos do homem e passando para as das
circunstâncias. Ana em um país estrangeiro, sem saber falar a língua, sem dinheiro,
com a cor da pele dando-lhe o estigma de animal exótico.

43
Por sua vez,
Nepomuceno é um mestiço oriundo da província que busca no
Velho Mundo, num desfile caótico de máscaras que surgem e
desaparecem pelos labirintos da onírica cidade anfíbia que é
Veneza, a resposta para o drama de ser artista num país mestiço
que prefere olhar para a outra margem do Atlântico em busca
da identidade possível que ele pode encontrar em sua própria
terra (ESTEVES, 2007, p. 123).

Atormentado pela ideia de viver em um país que tudo copiava do Velho


Mundo, Alberto Nepomuceno parte do Brasil para a Europa para que lá possa estudar
os compositores clássicos, compreender sua música e assim ser capaz de definir a
música brasileira. No trecho seguinte, narra-se a partida de Nepomuceno e suas
últimas visões da Baía de Guanabara: “(...) para quem vai embora, como tu agora em
direção à Europa, o deslumbramento tende a transformar-se em nó na garganta e
coração partido.” (TREVISAN, 1998, pg. 229).
No peito sentiste a pergunta opressora: para onde ias, se a Europa era
apenas uma miragem? Como a pedir socorro, olhaste para o perfil
movente do pico do Corcovado, lá no fundo, e depois,
automaticamente para o céu com as primeiras estrelas. Por onde
andaria o Cruzeiro do Sul? Será que ficarias mesmo todos esses anos
sem poder vê-lo, o símbolo celeste do Brasil? Eu, brasileiro –
balbuciou teu coração quase num gemido. Com um ímpeto de certeza
que durou alguns segundos, ocorreu-te então que estavas louco. Indo
para onde, Alberto Nepomuceno, se não sabias ao certo nem de onde
vinhas? (TREVISAN, 1998, pg. 233)

Nesta parte, escrita como uma espécie de monólogo, o personagem


lamenta sua partida, amedronta-se com a chegada a um país estrangeiro, sem saber o
que irá encontrar. Seu medo se aprofunda por não ter certeza de quem é, ou como ele
mesmo diz, de onde vem.
Durante toda a viagem, Nepomuceno sofre com esses sentimentos. Seus
estudos não o ajudam compreender sua identidade brasileira porque aquilo que se
apresenta como brasileiro na Europa ainda é muito permeada pelo discurso do
exotismo. O Brasil como um país de maravilhas não descobertas, como o país da
inocência e da vida fácil.
- (...) E por que diabos um brasileiro tem que falar sobre florestas e
não pode discutir um tema universal, tanto quanto um italiano, um
francês, um alemão? O senhor entende o que está por trás disso? A
ideia de que só é brasileiro aquilo que tenha exotismo suficiente para
divertir turistas europeus... Mas, Santo Deus, a definição de brasileiro

44
não pode ser essa categoria fechada como uma prisão, cuja chave só
os europeus detêm. (TREVISAN, 1998, pg. 36)

O trecho acima pertence a primeira parte do romance, uma entrevista que


Nepomuceno concede um ano antes de sua morte, em 1919. Percebe-se que, a visão
eurocêntrica do Brasil ainda o incomoda. Na segunda entrevista ao final do livro, que
acontece através de uma quebra temporal que o leva o personagem do ano de 1891 ao
de 1991 em um aeroporto, é que Nepomuceno consegue compreender o significado
de ser brasileiro, esse indivíduo que é cria de um país que resignifica componentes de
outras culturas formando uma que é tipicamente brasileira.
Quando Nepomuceno chega a Veneza encontra-se com um cantor
castrato46 da ópera italiana, Domenico Mustafà (1829 – 1912), figura histórica.
– Os poetas não nos disseram que o problema todo está nas origens.
Ao nascer, já fomos expulsos do paraíso, assim como nossos pais e
seus avós e os bisavós de nossos tataravós. A espécie humana jamais
poderá recuperar-se da nostalgia de uma vez ter conhecido a
perfeição. Perdemos a inocência para sempre, caro signore. E
atravessamos a existência saudosos desse fato ancestral que está na
origem de nosso exílio. (...) O senhor nunca teve a sensação de... de
estar andando em sua cidade e um dia, de repente, perguntar-se: onde
estou? Que lugar é este? A mim aconteceram-me inúmeras vezes. O
exílio... Em qualquer parte, lá está ele. O exílio marcou a cada um de
nós, em maior ou menor grau, caro signore. E a expulsão do paraíso
não tem cura. (TREVISAN, 1998, pg. 382)

Domenico Mustafà tem seu discurso impregnado pela filosofia judaico-


cristã acerca da existência de um paraíso criado por Deus no início dos tempos para
usufruto de suas criaturas humanas. Desta forma, reconhece o exílio na espécie
humana como um todo. A saudade como um companheiro próximo do indivíduo. A
conversa se estende por várias páginas e é quase um monólogo orquestrado por
Mustafà, cheio de conjecturas a respeito deste indivíduo fluido e desterrado.
Pouco tempo depois dessa conversa, em um outro dia e em uma outra
caminhada, desta vez pela praia do Lido, Nepomuceno divaga novamente sobre a
saudade.
Enquanto vagava pela praia, olhando decepcionado o mar sem ondas
do Lido e sentindo falta dos coqueiros do Ceará, Alberto
Nepomuceno deixou que a brisa levasse seus pensamentos para longe,

46
Procedimento cirúrgico de castração de meninos antes ou na fase inicial da puberdade, de forma
a manter o tom de voz assemelhado às vozes femininas, uma vez que às mulheres era vetada a
sua participação nos palcos ou em coros sacros. A prática iniciou-se no século V d.C em
Constantinopla. A prática foi proibida na Itália em 1870 e o último castrato data de 1913.
45
ao encarar a saudade, de novo, diante dos teus olhos. Ela já não
escolhe lugar para bater e machucar. Faz-se agora no Adriático, quem
diria! Talvez porque a saudade seja saudade onde estiveres –
simplesmente porque tu és seu veículo ideal. Mas, apesar de seres tu
um escravo da saudade, sabes bem que não é o único. Pois havia no
ar um outro murmúrio subterrâneo, como um dueto em andamento,
do qual, talvez sem o saber, Alberto se sentisse parte quando, em
nome da saudade, começou a vagar pela praia do Lido. A brisa lhe
trazia de volta, do fundo de algum coração ali extraviado, a mesma
dor de alma penada com saudade. Saudade do quê? Vai se saber... o
certo é que, deitada ali e quietinha para não doer demais, havia uma
velha. E ela sabia que não existe posição melhor ou pior, pois a
saudade dói em todas as posições. (TREVISAN, 1998, pg. 392)

É interessante essa ideia de espelhamento da saudade do personagem


Nepomuceno com a figura que está na praia, Ana, agora já idosa. Ambos estrangeiros
em terra distante, ambos com suas dúvidas e angústias acerca de suas origens.
– O siozinho... de Brasilien?... o sinhozinho é brasileiro?
E Alberto, em eco:
- A senhora... É brasileira, a senhora?
E foi exatamente assim. Movidos por uma força maior, caíram nos
braços um do outro, como velhos amigos reunidos pelo acaso. O
jovem branco com um nó querendo explodir na garganta. A velha
preta com uma lágrima dependurada no olhar – densa, antiga e sem
nome. Parecia que cada qual tinha encontrado a parte do Brasil que
lhe faltava.
- Muito prazer! Alberto Nepomuceno, ao seu inteiro dispor. – disse
ele beijando a mão da negra.
- Enchantée! Hat mich sehr gefreut!... Mein Name... Eu chamo Ana...
Ana Brazilera. (...) (TREVISAN, 1998, pg. 396)

Nota-se na fala de Ana, a mistura de línguas. Nunca aprendeu


completamente o alemão, e esqueceu grande parte da língua brasileira, o exílio
individual ficando claro na ausência de uma identidade nacional. Por outro lado,
observa-se que Ana começou a se identificar como Ana Brazilera. Então, o que se
discute neste trecho não é mais a ausência de uma identidade, ou o exílio, e sim a
saudade. Ana já internalizou o local do qual ela vem, não há mais problema em
identificar-se como brasileira, ainda que sua memória falhe em relembrar o país À
partir da diferença, de estar em terra estranha, de conviver com pessoas vivendo
realidades tão díspares, ela finalmente compreende quem é. Da mesma forma, Aberto
Nepomuceno. Neste encontro, “dona Ana” lhe conta sua vida na Europa, os anos que
passou viajando com um circo sendo apresentada como uma atração exótica dos países
ainda desconhecidos da América do Sul. Encontrando uma conterrânea sua em
Veneza, o músico cearense também compreende as diferenças que fazem dele um

46
brasileiro na Europa. A saudade também é mitigada através das memórias
compartilhadas, do conhecimento e reconhecimento da terra da qual vieram.
Este exercício de rememoração conjunta é também uma reafirmação
simbólica de poder. Segundo Jacques Le Goff
(...) a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um
instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória
social é, sobretudo, oral, ou que estão em vias de constituir uma
memória coletiva escrita, aquelas que melhor permitem compreender
esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta
manifestação da memória. (LE GOFF, 1990, p. 470)

Em um país como o Brasil do século XIX que é em grande parte


analfabeto, a memória mantêm viva as tradições, não deixa que a história dos
indivíduos ou mesmo a história coletiva do país seja engolida pelo vórtice que
representa a cultura dominante do Velho Mundo. É sintomático que Ana conte a
história para Nepomuceno na forma oral, a sabedoria antiga repassando ao mais
jovem. Desta forma se reforça a resistência dos países brutalmente colonizados ás
imposições europeias. Quando Nepomuceno questiona os motivos pelos quais ele não
pode criar sinfonias com temas universais apenas por ser brasileiro, é o momento em
que se resiste, é o momento em que começa a se construir uma identidade brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ana em Veneza é um romance composto por camadas e todas elas com
diferentes graus de complexidade. Os temas presentes são diversos, entre eles a
identidade, o tempo, as questões de gênero e representação de minorias, assim como
o exílio e a saudade que foram abordados neste artigo. Trata-se de um excelente
romance contemporâneo, que problematiza questões que, no Brasil, ainda não
receberam respostas satisfatórias.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Perry. Trajetos de uma forma literária. Novos Estudos


CEBRAP, São Paulo, n. 77, p. 205-220, mar. 2007.

47
ESTEVES, Antonio R. O romance histórico brasileiro no começo do
século XX: quatro leituras. Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 42, n. 4, p. 114-136,
dezembro 2007.

ESTEVES, Antônio R. O romance histórico brasileiro contemporâneo


(1975-2000). São Paulo: Ed. UNESP, 2010.

HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. 10 ed. Rio de


Janeiro: DP&A, 2005.

LE GOFF, Jacques. Passado/Presente. In: História e Memória. Campinas:


Ed. UNICAMP, 1990.

MANN, Thomas. Tônio Kroeger; A morte em Veneza. Tradução de Maria


Deling. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

MANN, Julia. Cartas e esboços literários. São Paulo: Ars Poetica, 1993.

TREVISAN, João Silvério. Ana em Veneza. São Paulo: Círculo do livro,


1994.

48
Trabalho, gênero e sindicalismo em Made in Dagenham
Marcela de Oliveira Nunes47

RESUMO
O texto em questão buscou problematizar sociologicamente o mundo do trabalho e a
participação feminina na organização sindical da segunda metade do século XX. Na
intersecção conflitante de trabalho, gênero e sindicalismo representada no filme Made
in Dagenham (2010), há elementos textuais suficientes para depreender, por intermédio
da análise fílmica, o movimento de luta e resistência da classe trabalhadora feminina
frente ao patronato e aos demais trabalhadores da indústria automobilística que, em
sua maioria, não atribuíam as mulheres o mesmo status que eles detinham perante as
negociações trabalhistas. A obra baseada em fatos reais permite avaliar por meio de
uma literatura especializada, as transformações do Capital no século XX e do próprio
movimento sindical que ora representava sua categoria de trabalho ora fazia acordos
com o patronato, além dos desafios interpostos as trabalhadoras diante das
desigualdades de gênero.
Palavras-chave: gênero, análise fílmica, sindicato.

Introdução

O presente trabalho objetiva, por meio de uma análise fílmica, problematizar


questões relativas a trabalho, gênero e sindicalismo como intersecção resultante do
movimento histórico fomentado ao longo do século XX. O movimento em questão,
especialmente nas décadas de 1950 e 1960, se expressou com maior intensidade através
dos movimentos sociais e intelectuais que se fortaleciam especialmente na Europa e que
tinham por mote de luta a ampliação de direitos políticos e sociais para diferentes
extratos da sociedade, entre eles as mulheres.
Utilizando o filme Made in Dagenham (2010) como subsídio para análise
proposta, o texto busca compreender o trabalho feminino e a luta dessas trabalhadoras
na participação sindical de um setor produtivo predominantemente masculino e
marcado por relações de dominação. Sob a direção de Nigel Cole, o filme que é baseado
em fatos reais enquadra-se48 no gênero de drama e comédia, retratando com certa levez
as condições de trabalho insalubres que as trabalhadoras da Indústria automobilística
Ford eram submetidas naquele momento, além de todo o processo de organização, luta

47
Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá, Mestra em Educação pela
Universidade Estadual de Londrina e graduada em Ciências Sociais pela mesma instituição.
48
Consulta realizada em sites especializados em obras cinematográficas.

49
e resistência para serem representadas pelo sindicato dos trabalhadores e terem suas
demandas atendidas pelo patronato.
Subsidiado pela análise fílmica, recurso metodológico que permite discutir
diferentes temas e conteúdos científicos uma vez que "Através da análise da forma e do
sentido do filme, procura-se apreender sugestões heurísticas interessantes capazes de
propiciar uma consciência crítica da sociedade global (ALVES, 2010, p )”, decompõe-se
algumas cenas descrevendo seus elementos para depois estabelecer e compreender as
relações existentes com a totalidade social.
Dessa forma, o filme não é abordado como um mero recurso ilustrativo, e sim
como um pré-texto para reflexão, pois contém elementos significativos que refletem (ou
representam) determinados traços da vida social concreta. Ao utilizarmos essa
metodologia é possível avaliarmos diferentes temas sociológicos a partir de distintos
gêneros cinematográficos conciliando arte com reflexão teórica.

Luta de classes versus luta de gênero

Figura 1- Cena do filme Made in Dagenham

Fonte: Print screen do filme

O ponto alto da trama apresentada em Made in Dagenham foi a greve de 1968


liderada por mulheres nas fábricas da Ford na cidade de Dagenham (Reino Unido). A
obra ancora-se em três dimensões que se articulam a todo o momento, são elas: as

50
condições sociais diferenciadas por gênero, o trabalho e o próprio movimento sindical da
época.
A questão de gênero perpassa todo o filme, devido às relações e situações
vivenciadas pelas mulheres num momento histórico que avanços como o advento da
pílula anticoncepcional permitiram o rompimento de paradigmas dos comportamentos
sexuais antes restritos à monogamia e às relações matrimoniais. Paralelamente, o meio
intelectual também passou a se voltar para essa questão com a difusão de trabalhos que
objetivavam desconstruir o papel da mulher no interior da sociedade tradicional. Entre
as obras destacam-se “O Segundo Sexo” de Simone Beauvoir publicado em 1949 e “A
mística do feminino” de Betty Friedan publicado posteriormente em 1963. A partir de
então, há uma confluência entre a produção intelectual que versava sobre as questões
de gênero e machismo com o próprio movimento feminista que se fortalecia e ganhava
maior adesão, tornando-se um movimento político integrado a muitas outras bandeiras
de lutas civis e minoritárias.
O filme abordará a condição da mulher na sociedade de classes por meio de três
personagens em especial. A primeira, Rita O´Grady (Sally Hawkins), protagonista do
filme, é a operária que descobre por força das circunstâncias a capacidade inata de
liderança. A segunda, Barbara Castle (Miranda Richardson), Secretaria de Estado do
Emprego, representa a mulher no espaço político que é majoritariamente masculino. A
terceira, personagem de Lisa Hopkins (Rosamund Pike), ilustra uma intelectual da classe
burguesa com uma excelente formação acadêmica, mas que na relação conjugal com o
marido é desqualificada e desrespeitada por ele.
O que perpassa a existências dessas três mulheres é a condição de gênero,
afetada pela cultura do machismo. Nesse sentido, Rita não pode ser uma líder sindical,
pois não cabe a mulher o papel de liderança no trabalho, já Barbara Castle não pode ser
uma boa secretaria, pois não cabe a mulher o poder político e, por fim, Lisa Hopkins não
pode tecer uma análise lúcida de seu tempo, pois cabe à mulher ficar restrita ao espaço
doméstico. A questão de gênero reúne experiências que são partilhadas entre elas como
o desrespeito e o demérito vindo de alguns homens, entretanto, nas demais esferas
sociais elas vivenciam trajetórias distintas e será o trabalho o indicativo da condição de
classe de cada uma dessas personagens.

51
A luta pela representação sindical travada durante o filme também pode ser
interpretada como desdobramento de um movimento mais amplo do feminismo,
denominado de revolução sexual, que possibilitou as mulheres questionarem não só as
práticas de machismo no ambiente doméstico, como as próprias condições de trabalho,
resultando, anos depois, na lei de igualdade salarial49.
Para compreender melhor a obra cinematográfica abordada é necessário situar
o mundo do trabalho na segunda metade do século XX, em especial antes da década de
1970. Naquela época, as fábricas da Ford eram uma das maiores empregadoras privadas
do Reino Unido, expressando como a indústria automobilística era o carro chefe do
desenvolvimento capitalista e, do capitalismo de pós-guerra, marcado pelo modelo
tradicional de indústria. Em virtude disso, era comum grandes contingentes de
trabalhadores em decorrência da concentração de força de trabalho e dos
procedimentos adotados na produção, uma integração entre técnicas Fordistas e
Tayloristas.
De acordo com o filme, a fábrica de Dagenham empregava 55 mil homens e 187
mulheres, aparentemente, um número irrisório se comparado à força de trabalho
masculina, mas já era um indicativo da feminilização desse mercado, iniciada com a
intensificação da industrialização.
Sobre a intensa inserção das mulheres no setor produtivo pós-segunda guerra
mundial August Bebel (1977), afirma que o desenvolvimento do capitalismo absorve
diferentes setores à produção conforme as circunstâncias históricas, como foi o caso da
mão de obra infantil durante a Revolução Industrial. Em face disso, criaram-se no século
XX, condições para que as mulheres se inserissem no mercado de trabalho, porém, tal
fenômeno não decorre, como muitos apregoam, de um processo de emancipação e
conquista de direitos das mulheres - não se descarta a importância do mesmo - e sim
pelo próprio interesse do capital nessa força de trabalho que pode ser explorada.

La aspiración de la mujer a um oficio autônomo y a la independência


personal la reconoce, hasta cierto grado, como algo justo, la sociedad
burguesa, lo mismo, que la aspirácion de los obreros a la libertad de
movimiento, La razón principal de esta complacência estriba em los
intereses de clase de la burguesia. La burguesia necesita la completa

49
A Equal Pay Act instituída em 29/05/1970 garante a igualdade nos termos e condições de emprego entre
homens e mulheres.

52
liberátion de las fuerzas de trabajo masculinas y femeninas a fin de
poder desarrollar al máximo la producción (BEBEL, 1977, p.167).

Para além da inserção feminina no mercado de trabalho a década de 1960 terá


a marca da resistência dos trabalhadores, haja vista o número de greves, que aumentou
vertiginosamente nas maiores potências européias. Esse aspecto fica evidente no filme
quando os representantes da Ford reclamam da periodicidade dos movimentos grevistas
e da necessidade de controlá-los.
As organizações sindicais, naquele período, ainda, tinham altas taxas de
sindicalização, diferente da atualidade, que de acordo com Ariovaldo caracteriza-se por
uma perda dos associados, “com sindicatos e centrais sofrendo redução de efetivos que,
em alguns casos, são superiores a 50 %. Este processo respingou, igualmente, junto às
organizações sindicais de estrutura internacional, como é o caso da CISL e da CMT, que
decidiram pela fusão de suas estruturas organizativas para dar origem à CSI (SANTOS,
2012, p. 07)”.
Ao mesmo tempo, o período retratado no filme é o início do esgotamento da
força sindical, após dez anos, por conta da reestruturação produtiva e da crise do
petróleo, testemunhou-se em diversos países a supressão dos direitos trabalhistas e o
esmagamento da classe trabalhadora culminando na chamada crise de 70.
David Harvey ao problematizar as crises do capitalismo observou o seguinte:

[...] havia pessoas como Ronald Reagan, Margaret Thatcher e o general


Augusto Pinochet à espera, armados com a doutrina neoliberal,
preparados para usar o poder do Estado para acabar com o trabalho
organizado. Pinochet e os generais brasileiros e argentinos o fizeram
com poderio militar, enquanto Reagan e Thatcher orquestraram
confrontos com o grande trabalho, quer diretamente no caso do
confronto de Reagan com os controladores de tráfego aéreo e a luta
feroz de Thatcher com os mineiros e sindicatos de impressão, quer
indiretamente pela criação do desemprego. Allan Budd, conselheiro-
chefe econômico de Thatcher, mais tarde admitiu que “as políticas dos
anos 1980 de ataque à inflação com o arrocho da economia e gastos
públicos foram um disfarce para esmagar os trabalhadores”, e assim
criar um “exército industrial de reserva”, que minaria o poder do
trabalho e permitiria aos capitalistas obter lucros fáceis para sempre
(HARVEY, 2011, p.21).

Retornando ao filme e seguindo a sequência das primeiras cenas temos a saída


das trabalhadoras da fábrica, seguido de um anúncio comercial da Ford sobre suas

53
unidades fabris no Reino Unido, que na época ocupava o lugar de maior fabricante da
Europa. A campanha publicitária enaltece a quantidade diária de veículos produzidos, o
avanço e o luxo agregado em seus carros, num claro exemplo de propaganda que
aprofunda ainda mais o fetiche da mercadoria, pois além do trabalhador não se
reconhecer naquilo que produz, essa mesma mercadoria, no caso o carro, é o que
socialmente fará desse homem um sujeito inserido ou não nessa sociedade.
Em seguida, a cena volta-se para a jornada diária das trabalhadoras,
romantizada, em muitos momentos, pelo diretor britânico Nigel Cole, conhecido por
realizar filmes como O barato de Grace (2000), Garotas do Calendário (2002), De repente
é amor (2004) e De golpe em golpe (2008). Na rotina de trabalho, as mulheres adentram
um galpão de confecção, unidade encarregada da costura do material que recobre os
bancos dos carros, ao mesmo tempo em que se despem, por conta do calor decorrente
das péssimas condições do prédio, que mais se assemelha a um galpão de armazenagem
de grãos. Nesse momento, um sindicalista de muita experiência conhecido por Albert
adentra o espaço e as trabalhadoras seminuas, o recebem provocando-o e
ridicularizando-o por as verem naquela situação. Essa cena, abordada secundariamente
mais num aspecto cômico e não de denúncia das condições de trabalho impostas, tem a
potencialidade de indicar que o capital não é ético, ele se consolida numa falsa
moralidade, pois, se for necessário submeter trabalhadoras à costurarem seminuas por
longas jornadas, ele o fará sem receios.
Seguindo as proposições marxistas sobre a ética no capitalismo, podemos
inferir que a moralidade então passa a ser constituída de acordo com as demandas do
capital. Se naquela época era considerado imoral uma mulher ficar seminua em locais
públicos, no interior da fábrica torna-se aceito. Essa cena do filme, intencionalmente ou
não, também retrata que a entrada das mulheres no mercado, ocorre por meio de um
trabalho desqualificado e de baixa remuneração, uma vez, que o que elas executam, é
considerado simples, podendo ser executado e substituído a qualquer momento. Sobre
essa divisão sexual do trabalho Hirata esclarece que:

Notou-se um crescimento da participação das mulheres no mercado de


trabalho, tanto nas áreas formais quanto nas informais da vida
econômica, assim como no setor de serviços. Contudo, essa
participação se traduz principalmente em empregos precários e

54
vulneráveis, como tem sido o caso na Ásia, Europa e América Latina.
As pesquisas realizadas por economistas feministas indicam
claramente essa tendência. Trata-se de um dos paradoxos da
globalização, este aumento do emprego remunerado acompanhado
pela sua precarização e vulnerabilidade crescentes (HIRATA, 2001,
p.143).

Será esse tipo de desqualificação que levará as personagens do filme a


participarem do movimento sindical. Na cena no galpão o representante do sindicato
informa sobre a negociação com a gerência a respeito da reivindicação de que o trabalho
desenvolvido pelo setor da costura seja classificado como qualificado, visto terem
perdido parte dos salários ao serem classificadas de “trabalho não qualificado”, logo, a
necessidade de paralisação para que as demandas sejam auscultadas.
Para além dos embates iniciais da fábrica, é retratado o cotidiano da
personagem Rita O´Grady, suas atividades domésticas no espaço do lar e na criação dos
filhos, indicando que a mulher desempenha uma dupla jornada de trabalho. O trabalho
doméstico, visto como algo tipicamente feminino e, o trabalho “fora de casa”,
interpretado como um complemento à renda familiar, revelando, ao mesmo tempo, que
a entrada da mulher no mercado de trabalho não altera sua vida social, ou seja, ela
continua responsável pelos afazeres doméstico e pela criação dos filhos.
A dupla jornada de trabalho da década de 1960 ainda está presente no
cotidiano das mulheres envolvendo diferentes extratos sociais. No Brasil, conforme
dados do estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado em março de
2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em séries históricas
de 1995 a 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, concluiu-se que as mulheres trabalham, em média,
7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada. Apesar da taxa de
escolaridade das mulheres ser mais alta, a jornada também é. Tais dados evidenciam que
a inserção feminina em diferentes setores do mercado de trabalho ocorre em condições
mais precárias que a masculina.
Outro momento importante do filme, que retrata a vida social das mulheres é a
cena em que Rita toma ciência que o filho fora violentado pelo professor50. Ela parte

50
A punição física ainda era uma prática comum naquele período nas escolas do Reino Unido e foi
indicado em algumas obras de Pierre Bourdieu como A reprodução (1970).

55
rumo à escola para tirar satisfação, no entanto, ao chegar à sala de aula e questionar o
Prof. Clarke sobre o ocorrido, ele “esclarece” numa postura impositiva, qual é o papel da
escola e como os filhos da classe trabalhadora serão recebidos naquela instituição. O
professor justifica o uso da violência pelo fato do filho de O´Grady esquecer o transferidor
e, quando Rita afirma não aceitar esse tipo de punição eles travam o seguinte “diálogo”:

Prof. Clarke - Você vive no subúrbio, não é?


Rita - Não vejo o que isso tem a ver...
Prof. Clarke - Os meninos, que vêm do subúrbio muitas vezes tem dificuldade, para se
adaptar aos padrões dessa escola. Não é culpa deles. Seus pais nunca foram
submetidos ao rigor da vida acadêmica.
Prof. Clarke - Os meninos não receberam orientação, não é? Mas eles se adaptam com
o tempo. E tenho certeza que seu filho também, se lhe derem chance. Mas agradeço a
sua preocupação Sra. O´Grady.

Após a fala do professor, Rita sai, atordoadamente, da sala. A cena evidencia o


papel da escola enquanto instituição de reprodução dos capitais culturais da classe
burguesa e as relações de repressão travadas nesse ambiente. Ao afirmar que os pais
nunca foram submetidos ao rigor da vida acadêmica, o professor associa à classe
trabalhadora uma suposta imoralidade, uma vida sem regras, que necessita da
educação escolar para discipliná-los. Essa conduta de desqualificar moralmente os
trabalhadores foi abordada primorosamente por Engels na obra A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra (1845), onde indicou por meio de diferentes fontes, como a
Igreja, juntamente com representantes da burguesia. buscavam colocar freios morais
aos trabalhadores e suas crianças, uma vez que práticas como alcoolismo e a
“promiscuidade” sexual eram consideradas “inatas” a essa parcela da sociedade.
Além dos problemas da vida privada Rita ao voltar à confecção, por conta da
precariedade do local de trabalho que mais se assemelha a um depósito, se vê obrigada
a arranjar meios para conter as goteiras que se multiplicam com a chuva e, ainda,
continuar trabalhando com a mesma eficácia solicitada pelos gerentes. No transcorrer
dessa cena Albert, novamente adentra o recinto para informar da reunião com os
representantes da Ford e sobre a ameaça de paralisação das costureiras. Já em casa,
Rita ao anunciar o indicativo de paralisação, sofre a primeira provocação do marido que
alega que a votação delas para suspensão das atividades estava longe de se constituir
como uma greve de fato. Tal postura pode ser interpretada enquanto expressão da não

56
politização da classe trabalhadora, pois mesmo sendo trabalhador da Ford e no passado
as costureiras terem apoiado a greve dos homens, ele, ainda aborda as demandas do
setor de estofados como se não fossem demandas da classe trabalhadora,
desqualificando a ação da esposa.
Diferente do imaginado pelo marido de Rita O´Grady, a situação avança e é
marcada uma reunião entre sindicato e representantes da Ford. É decidido que Connie,
uma antiga representante sindical da unidade de costura, juntamente com Rita
acompanhe a reunião, em que também estarão presente Albert e Monty. A figura do
Monty é de extrema importância para compreender o movimento de burocratização dos
sindicatos ou dos dirigentes sindicais, que na contemporaneidade se organizam e
cooperam mais com o patronato do que com os próprios trabalhadores. Monty é um
exemplo claro de burocrata do proletariado, ele leva o grupo (Rita, Connie, Albert), antes
da reunião com a Ford, a um restaurante considerado sofisticado para a realidade das
trabalhadoras com tudo custeado pelo sindicato, revelando a vida privilegiada que o
mesmo leva. Naquele momento ele as “instrui” de como deveriam agir na reunião
advertindo o seguinte: “se algum representante da Ford fizer alguma pergunta não
responda, mantenha a cabeça baixa e acima de tudo, se eu assentir você assente.
Entendeu?” tal prática já era conhecida por Connie.
A reunião inicia-se num claro jogo de concessões entre Monty e a Ford, o
burocrata conduz a conversa abrandando a discussão e ignorando a presença das duas
representantes, propondo protelar ainda mais a situação precária das costureiras. De
acordo com o representante da Ford, as demandas das trabalhadoras devem esperar,
porque há outras demandas consideradas emergenciais na pauta. Diante dessa fala e,
por não mais suportar como a reunião estava sendo conduzida pelo sindicato, Rita
intervém e deixa claro que as trabalhadoras paralisarão e não mais farão horas extras.
Todos são pegos de surpresas pela sua fala, em virtude de ser “consensual” que a
presença das duas funcionárias na reunião era um mero cumprimento de protocolo. As
figuras masculinas não imaginavam que Rita iria argumentar e até mostrar a dificuldade
que é montar as peças que são enviadas ao seu setor. Obviamente Monty ao fim da
reunião está enfurecido, seu objetivo era uma negociação tranquila com a Ford. Esse
tipo de conduta traz a tona o nível de muitas negociações travadas entre representantes
sindicais e empresas ainda hoje.

57
Cabe destacar que o contexto político do Reino Unido acompanha também a
narrativa fílmica. Naquele momento o país era liderado pelo partido dos trabalhadores,
sob o comando do primeiro-ministro Harold Wilson. Em 1968, a Secretaria de Estado do
Emprego era Barbara Castle, que no filme, a todo o momento, tem suas ações
questionadas pelos seus próprios assessores, como se ela não tivesse capacidade política
para tomada de decisões. A secretaria, inicialmente, revela-se insatisfeita com o número
de greves e conflitos entre proletariados e patronato, indicando que mesmo o partido
dos trabalhadores no poder, as negociações entre as classes não estavam tão bem
subsidiadas pelo governo.
Nesse período, em alguns países, especialmente, aqueles que vivenciavam o
chamado Estado de Bem Estar Social (Welfare State), inicia-se um processo que será
aprofundado pós década de 70, que é a secundarização do Estado na regulação
econômica. Os Estados Nacionais já não mais regulam a economia como antes e as
empresas por conta da acumulação de capital e da própria financeirização do capital já
se relacionam diretamente, não necessitando de demais organismos mediando às
transações, restringindo assim o papel do Estado na economia.

Esta nova estrutura de poder constituída de múltiplos pólos, esvazia o


Estado Central de seus Poderes e atribuições, limitando, de um lado,
sua capacidade de ação, e, de outro, provocando sua desagregação
mediante as privatizações e a cooptação de seus órgãos. A esta nova
estrutura de poder político, Bernardo (1987; 1991 ; 1992) denomina
Estado Amplo, em contraposição ao Estado Nacional, por ele definido
como Estado Restrito (BRUNO, 1997, p.23).

Esse novo Estado constituído pós década de 1970 se encarregará de oferecer o


maior número possível de benefícios às empresas, cooptando demais setores como é o
caso dos próprios sindicatos.

[...] as grandes centrais sindicais burocratizadas, que atuam como


gestores da compra e venda da força de trabalho e procuram garantir a
disciplina dos trabalhadores, integrando suas lutas e reivindicações no
quadro estrito da legalidade capitalista, Estas centrais já há muito tempo
reduziram suas atividades à participação em órgãos tripartites e às
negociações com o patronato (BRUNO, 1997, p.23).

58
No caso da greve retratada no filme, houve um apoio por parte da secretária
Barbara Castle, ainda mais quando percebe que a greve se estenderá até que a Ford
conceda o reivindicado pelas trabalhadoras. Tendo em vista a paralisação,
representantes da Ford ligam para matriz em Michigan (EUA). A resposta à ação não é
das melhores, a Ford envia um informativo depreciando a paralisação e negando sua
legitimidade. Em decorrência disso, Rita num encontro com as demais costureiras
inflama o discurso e pede a elas uma mudança de foco, a luta já não é mais pela anulação
dos descontos nos salários e sim pela igualdade salarial. É o anúncio do início da greve.
A desigualdade salarial entre homens e mulheres, não é uma característica da
Ford e sim do mundo do trabalho. Albert, em uma das cenas atenta Rita para essa
questão, dando como exemplo a vida da sua própria mãe.

Albert - Esta disputa não tem nada a ver com o seu nível de habilidade. A Ford decidiu
diminuir os seus salários porque eles podem. Têm permissão para pegar menos às
mulheres do que aos homens. Em todo o país Rita as mulheres ganham menos. Fui
criado pela minha mãe, eu e meus irmãos. Trabalhou a vida toda e pagava minha tia
Lil para cuidar de nós durante o dia. E foi difícil. Especialmente porque ela recebia
menos da metade que os sujeitos da fábrica recebiam, para fazer o mesmo trabalho. E
nunca houve qualquer menção que poderia ser diferente. Não para ela. E é isso. Alguém
tem que impedir esses canalhas exploradores. Acabar com que vêm fazendo há anos.

O capital por meio de diferentes mecanismos continua seu processo de


acumulação e reprodução e como já destacado em cada momento histórico um
grupo/setor social é mais explorado que os demais trabalhadores, as mulheres foram e
ainda são no século XXI, contudo, se forem negras a situação se precariza ainda mais 51.
Ademais, a introdução da mão de obra feminina no mercado gera uma
competição entre os trabalhadores, desarticulando-os em sua base. Sabe-se que a
realidade de trabalho no Brasil é marcada por um avanço da mulher no mercado. De
acordo com o IBGE em 2000, somente 35,4% estavam ocupadas, em 2010, o número
subiu para 43,9%. O que significou alta de 24% na década contra 3,5% dos homens,
explicado pelo já alto nível de ocupação masculino de 63,3%. O avanço foi desigual, pois
em qualquer tipo de trabalho, a mulher ganha menos, e a diferença aumenta de forma

51
O Ipea verificou a sobreposição de desigualdades com a desvantagem das mulheres negras no mercado
de trabalho. Dados disponíveis em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_de_genero_raca.p
df

59
progressiva conforme o maior nível de escolaridade. Infelizmente, a luta feminina pela
igualdade salarial não toca ontologicamente o problema, que é o trabalho no
capitalismo. Pois, as mulheres ao conseguirem equiparar os salários passarão a estar em
condições de igualdade para serem exploradas. E mesmo com a possibilidade de
igualdade salarial, o trabalho na sociedade atual continua em sua essência precário,
síntese da degradação da vida social em sua totalidade.
Já no desenrolar da trama, Monty fica sabendo da prerrogativa de greve por
tempo indeterminado e da luta pela igualdade salarial travada pelas costureiras. Ele
marca um encontro com a direção do sindicato se eximindo da situação e, numa postura
indecorosa acusa Albert de “maldito encrenqueiro”, insinuando que o mesmo
potencializou a ação das trabalhadoras incentivando-as. Diante da acusação, os
sindicalistas chamam Albert e o “alertam” que são os homens a prioridade do sindicato,
utilizando, de forma ludibriosa a própria passagem de Marx para justificar a respectiva
prioridade:

Direção Sindical - Não somos desalmados, mas, como um sindicato temos que
lembrar quem vem primeiro. O partido comunista e o próprio Marx disse: Homens
escrevem sua própria história. Homens, Albert!
Albert - Mas ele também não disse que o progresso pode ser medido pela posição
social do sexo feminino? Ou foi um Marx diferente?

Esse diálogo mostra como não há um consenso sobre a luta proletária entre os
próprios membros do sindicato. Por conta da inflexibilidade da Ford em não querer
negociar, as mulheres se mobilizam e iniciam a greve, fazem palanques pela cidade,
estendem faixas pelo centro e visitam outras trabalhadoras em cidades próximas para
falar sobre a luta em Dagenham, pedindo a todas que paralisem. Durante esse processo
Rita se revela uma eficiente líder, entretanto, os filhos e as atividades domésticas, que
eram atividades exclusivas da personagem, passam a ser executadas, desastrosamente,
pelo marido. E essa situação se tornará delicada com o transcorrer da trama, pois o
marido de O´Grady inicialmente a apoiava, provavelmente, por não acreditar que seu
envolvimento na luta seria integral. Entretanto, com o prolongamento da greve as
primeiras reações negativas dos trabalhadores da Ford iniciam, e o primeiro a ser
atacado é o próprio marido de Rita, que ouve de um dos funcionários que ela já estava
indo “longe demais”.

60
Pelo modo de produção capitalista retirar do trabalhador o fruto do seu
trabalho, por meio de atividades separadas e especializadas, ele não se reconhece no
que produz, visto que o resultado de sua produção – que deveria ser seu – é apropriado
por outro. Essa expropriação faz com que o trabalhador perca a noção da totalidade que
envolve a produção da mercadoria, resultando no processo de alienação. Um exemplo
desse processo é o apoio inicial dos trabalhadores de Dagenham à greve das mulheres,
provavelmente, eles a apoiavam, pois eram suas amigas, mulheres, irmãs e, não porque
faziam parte da categoria dos trabalhadores, na inobservância que a não produção dos
estofados paralisaria, posteriormente, também suas atividades. Quando eles tomam
ciência do fato, a postura se modifica radicalmente e muitos passam a “demonizar” o
movimento das costureiras.
Ao paralisar todas as atividades da fábrica, devido à falta de bancos estofados,
a relação conjugal e as demais relações começam a ser afetadas, e Rita passar a ser
responsabilizada pela paralisação da fábrica e pela condição de penúria que começam a
viver os demais trabalhadores por conta do corte salarial. Inconformados pelo
movimento grevista não se render às pressões, a matriz da Ford questiona aos
representantes do Reino Unido sobre a posição política de Rita, pois na concepção deles,
somente uma integrante de um partido comunista, poderia estar agindo daquela forma.
Ademais, temem que as demandas locais tornem-se internacionais, o que seria de
grande prejuízo para a Ford. O governo inglês também passar a ser pressionado, pois a
greve afeta diretamente suas exportações.
O embate entre dirigentes e trabalhadoras se potencializa e a Ford americana
envia um representante para solucionar o caso. E em uma das reuniões Monty é
“indiretamente” coagido a pressionar as trabalhadoras a desistirem. Essa coação é
subsidiada por um dossiê trago pela Ford, que denunciava o seu histórico de abusos no
sindicato, mostrando que o estilo de vida de Monty, custeado pelo sindicato, chegaria
ao fim se ele não tomasse uma ação mais enérgica contra o movimento grevista.
Em meio ao conflito entre sindicato, trabalhadoras e trabalhadores, Rita sofrerá
um feroz ataque de outro funcionário. Isso ocorre quando ela está andando e o encontra
na rua.

Rita: Olá Gordon tudo bem?

61
Gordon: Sim, estou bem. E você?
Rita: Estou bem.
Gordon: Mesmo? Claro que está não precisa trabalhar.
Rita: Como?
Gordon: Pode-se dar ao luxo de ter princípios. Não é o ganha pão da casa. Bacana,
grana extra, mas não precisa. Eu preciso, droga! Pagar luz, comida carvão, a porra do
básico! Mas não posso mais!

O personagem Gordon culpabiliza as ações de Rita pela greve, pela situação


precária e de demissão em massa em que se encontram, não compreendendo que a
demissão é um mecanismo da empresa para pressionar e silenciar o movimento grevista.
Ao invés de ser uma luta entre proletariado versus patronato, torna-se um conflito entre
os próprios trabalhadores, algo estratégico e lucrativo para empresa que se isenta da
responsabilidade daquela situação.
No filme ocorre uma situação que mesmo sendo fictícia retrata muito bem os
mecanismos utilizados para desmobilizar a luta sindical. Uma costureira da Ford,
conhecida pelo seu jeito extravagante e pelo sonho em ser modelo, é contatada por uma
agência de publicidade para fazer a campanha dos carros, tudo articulado pela empresa,
que ao saber do seu interesse em ter uma carreira de modelo, propõe a ela posar para
um folheto, se, em troca, voltar ao trabalho, pois voltando uma única funcionária à
fábrica, toda a mobilização fracassa. Na trama ela acaba sendo persuadida por Rita a
não aceitar a proposta e acaba deixando a sessão de fotos.

Figura 2- Cena do filme Made in Dagenham

Fonte: Print screen do filme

62
O desenrolar do filme retrata as dificuldades da greve e dos problemas pessoais
enfrentados por todos, como é o caso de Connie que se afasta do movimento devido às
problemas para lidar com o seu marido George, um veterano da Segunda Guerra,
assolado por pânico e que se suicida para por fim ao seu drama psicológico. Em outra
cena, Lisa ( mulher da classe média), casada com um representante da Ford, ao ser
questionada por Sr. Tooley (representante de matriz) sobre o que achava do conflito em
Dagenham, responde que as demais empresas como a Vauxhall não tinham problemas
com o sindicato, porque a direção da GM era mais colaborativa, ao passo que a Ford só
se relacionava com o sindicato porque era obrigada e por isso a relação estava tão
“agressiva”. Seu marido ao perceber sua análise crítica a interrompe numa conduta
extremamente machista, solicitando que ela traga queijo para a mesa de jantar impedindo-
a de continuar a conversa.
Figura – 3 Cena do filme Made in Dagenham

Fonte: Print screen do filme

Em meio aos episódios da vida privada a greve continua e o sindicato local


ameaça deixar de apoiar as grevistas. Na Conferência Nacional Sindical, Monty planeja
buscar o apoio nacional para negociar com a direção da Ford e desqualificar as
trabalhadoras, porém é surpreendido por elas no evento. Rita em seu discurso, em busca
de apoio dos demais proletários declara:

[...] vocês precisam nos apoiar, precisam se levantar conosco. Somo a classe
trabalhadora. Os homens e as mulheres. O sexo não nos separa, a separação é entre
aqueles que aceitam a injustiça, e aqueles, como nosso amigo George que se dispõe a
ir à batalha pelo que é certo. E a igualdade salarial para as mulheres é certo!

63
Sabe-se que discurso da classe trabalhadora e de muitos sindicatos dos séculos
XX e XXI, já não é mais o da revolução e, sim o da negociação. A luta atual, basicamente,
é por melhores salários, não que isso não seja necessário, porém sem a perspectiva de
transformação, resultando em um reformismo social, que elucida também o tipo de
pensamento político dominante. Sobre tal aspecto Ariovaldo complementa a análise:

[...] as atenções estão voltadas para o campo sindical que tem se


apresentado como hegemônico, a nível mundial, desde as últimas
décadas, isto é, o das ações norteadas pelo ideário social-democrata.
Afinal, enquanto as análises que se identificam teoricamente com o
marxismo têm destacado os elementos essenciais para uma melhor
compreensão da crise e seus impactos sobre o conjunto da classe
trabalhadora, é a segunda, a de extração social-democrata, que logra,
no entanto, obter a maior audiência e adesão das organizações
sindicais (SANTOS, 2012, p.06).

Após a fala de O´Grady, a Conferência Nacional Sindical aprova o apoio à greve


das costureiras, elevando a ação para uma dimensão ainda maior. Naquele momento a
imprensa já acompanhava de perto a ação do grupo, potencializando a pressão para que o
governo se manifestasse em relação às grevistas. É nesse momento que Barbara Castle
decide que o governo tem que se posicionar e anuncia que receberá o grupo em seu
gabinete. Concomitantemente a secretaria sofre as pressões da Ford, que está presente
também em reunião no ministério. Tal cena evidencia o poder do capital e como os
Estados, em diferentes níveis, se submetem ao mesmo:

Sr. Tooley: Queremos a Ford contratando trabalhadores britânicos


Castle: A Ford é parte vital da nossa economia. Estou bem ciente disso.
Sr. Tooley: Então não nos faça levá-la para outro país. Mantenha-a aqui. Apoie nossos
esforços para combater essas greves constantes, que minam nossa capacidade de
produzir carros com lucro, que é motivo de estarmos no negócio.

Após a ameaça de saída da Ford do território britânico Barbara Castle recebe o


grupo no intuito de persuadir o movimento a colocar em segundo plano a equiparação
salarial entre homens e mulheres, afirmando que isto ocorreria de forma gradual e em
médio prazo.

Castle: Apoio plenamente a luta por igualdade salarial e vocês a terão. Mas com o
tempo.
Rita: Como?
Castle: A indústria vai se opor, os lordes vão armar confusão, a mídia vai fazer
alvoroço. Não vai ser fácil.

64
Rita: E não vale a pena lutar?
Castle: Retornem ao trabalho. Voltem para suas máquinas. Tem a minha palavra que
vou avança com a sua luta.
Rita: Não!
Castle: Sra. O´Grady....
Rita: Não, precisamos de algo sólido agora. Você tem autoridade pensamos que ia
nos....
Castle: Na política, às vezes é preciso agir a longo prazo...
Rita: Não somos políticos, somos mulheres trabalhadoras. Assim como você.

A secretaria percebe que não conseguirá convencer as trabalhadoras a mudarem


de posição e acaba cedendo, garante que o governo subsidiará a volta delas com um
salário que representasse 90% do valor pago aos homens, e garantiu esforços
governamentais em implantar a igualdade salarial. O machismo em certa medida é o fio
condutor do filme, contudo o diretor em alguns momentos potencializa ainda mais essa
tendência cultural, lançando alguns estereótipos que ele classifica como tipicamente
femininos. Um claro exemplo é o diálogo final entre Rita e Barbara Castle sobre o vestido
usado por ela e em qual loja havia sido comprado. O diretor nessa cena estereotipa as
mulheres como consumistas, indicando, que mesmo naquele momento importante, que
era o anúncio à impressa do apoio do governo as demandas trabalhistas, elas estariam
interessadas em falar sobre compras.

Figura – 4 Cena do filme Made in Dagenham

O filme termina numa cena que poderíamos categorizar como “Happy End”, pois
aparecem as trabalhadoras, em meio a milhares de trabalhadores, em suas bicicletas rumo
ao trabalho com semblantes de felicidade. Ofertando elementos visuais, para o
telespectador desatento, de que agora o trabalho para elas é realizador por conta da
mudança salarial conquistada.

65
Referências
ALVES, Giovanni. Tela Crítica - A metodologia. São Paulo: Práxis, 2010.

ALVES, Giovanni. Trabalho e Cinema: O Mundo do Trabalho Através do Cinema.


Volume1. São Paulo: Práxis, 2006.

BEBEL, August. La mujer y el Socialismo. Espanha: Akal, 1977.

BRASIL. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça – 1995 a 2015. Instituto de


Pesquisa Econômica Aplicada, 2017. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_retrato_das_desigualdades_
de_genero_raca.pdf

BRUNO, Lúcia Emilia Nuevo Barreto. Poder e administração no capitalismo


contemporâneo In: OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.) Gestão democrática da
educação: desafios contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 1997.
DAGENHAM, Made in. Direção Nigel Cole, Stephen Woolley, Elizabeth Karlsen.
Reino Unido: BBCFilms, Number 9 Films, 2010. 113min.
HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. São Paulo:
Boitempo, 2011.
HIRATA, Helena. Globalização e divisão sexual do trabalho. Campinas: Cadernos
Pagu, 2001.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia Política: Livro I: o processo de produção
do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
PENAFRIA, Manuela. Análise de Filmes - conceitos e metodologia(s). Anais VI
Congresso SOPCOM, Abril de 2009.
SANTOS, Ariovaldo. Crise global, neoliberalismo e a nova agenda do sindicalismo
internacional. Disponível em:
http://www.seminariosociologiapolitica.ufpr.br/anais/GT09/Ariovaldo%20Santos.pdf.
Acesso em: 09 Out. 2012.

66
De Machado de Assis para Edgar Allan Poe: Medalhões, Traduções, Jogos e
Multidão

Max Alexandre de Paula GONÇALVES52

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar o conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de
Assis. A partir desse conto, pretende-se investigar aspectos da narrativa machadiana e suas relações com
alguns dos escritores que participaram do universo literário desse escritor brasileiro. Assim, torna-se
possível a identificação de diálogos com o contista norte-americano Edgar Allan Poe. Porém, percebe-se
que Machado não se limitou a copiar o estilo dos seus contemporâneos. Ele imprime a sua própria marca
ao mudar o tom de suas narrativas, uma vez que fornece a elas o “sentimento íntimo” – conforme o
próprio Machado avisava em seu ensaio “Sentimento de Nacionalidade” –, que o tornou assim homem
de seu tempo e de seu espaço. Por isso, antes de falarmos em influências, talvez seja mais pertinente
falarmos em confluências entre Poe e Machado. Além disso, nota-se que os autores clássicos também
compõem a obra de Machado, quando ele transforma o conteúdo de seus contos. Nosso artigo utilizará
o arcabouço teórico de Walter Benjamin, especificamente, o ensaio “O Narrador. Considerações sobre a
obra de Nikolai Leskov”. Para a realização dessa análise, investigaremos, entre outros aspectos, as
representações de Machado e Poe sobre o jogo em suas respectivas sociedades.

PALAVRAS-CHAVE: Machado de Assis. Edgar Allan Poe. Literatura do século XIX. Narrativa. Conto.

O supersticioso dará atenção a sinais, o jogador irá reagir a eles antes


mesmo de poder percebê-los. (Walter Benjamin, Jogo e Prostituição.
In: Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo)

Walter Benjamin leitor de Machado de Assis? Apesar de irreal, o exercício de imaginar


o filósofo alemão, tão fascinado pelo século XIX e pelos seus literatos, lendo a obra machadiana,
é demasiado interessante. Seria o encontro de dois dos melhores intérpretes de suas
experiências históricas, cada qual a seu modo. Essa situação hipotética ganha ainda mais força
ao notarmos que Walter Benjamin considerou que na elaboração de uma história “o narrador
retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos ouvintes. E
incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 1994, p. 201). A partir
disso, torna-se inevitável não pensarmos que Benjamin poderia ter se referido perfeitamente a
Machado, já que esse escritor brasileiro incorporou a realidade histórica na qual estava inserido
nos seus textos. Contudo, esse suposto encontro poderia também ter afetado o pensamento
benjaminiano, uma vez que, se Walter Benjamin tivesse realmente entrado em contato com o

52
Instituto Federal do Paraná – Campus Londrina. Londrina – Paraná – Brasil. CEP: 86020420.
max.goncalves@ifpr.edu.br

67
escritor brasileiro, talvez ele não tivesse anunciado o fim da arte de narrar, ou ainda, teria eleito
Machado como um dos últimos narradores (poderia até ter assumido o lugar de Nikolai Leskov
no seu famoso ensaio “O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov)”.

Ora, um escritor não vive descolado do mundo. Pelo contrário, dialoga com esse a todo
o momento, e sua escrita incorpora os discursos que ocupam o seu tempo e o seu espaço, seja
pela presença ou pela ausência deles. Porém, no caso de Machado de Assis, podemos dizer que
esses discursos estão presentes em sua literatura, ficcionalizados e representados com uma
ironia peculiar, traço característico desse literato. Muitas vezes, os personagens, as tramas e os
desfechos das histórias são referências claras aos eventos e situações que ele e seus
contemporâneos vivenciaram.

E é ao considerar essas observações que nos propomos, neste trabalho, a analisar o


conto “Teoria do medalhão”, de Machado de Assis. Veremos aqui o que significa esse
“medalhão”, isto é, que espécie de sujeito seria este com o qual Machado deve ter se defrontado
tantas vezes em sua vida. Além disso, nós o analisaremos em relação a dois contos de Edgar
Allan Poe: “O homem da multidão” e “Os crimes da rua Morgue”. Devemos lembrar que
Machado foi um grande tradutor de Poe no Brasil, sendo dele a tradução do poema mais famoso
de Poe, “O corvo”, fato que virá a propósito para observarmos as alusões feitas ao escritor norte-
americano.

DA COMPOSIÇÃO DE TEORIA DO MEDALHÃO

Sobre a escrita e a publicação de “Teoria do medalhão”, na antologia dos contos de


Machado, organizada por John Gledson, percebemos a atenção que devemos ter na leitura
daqueles textos, pois, apesar do muito valor dados aos seus romances, como contista, Machado
se equipara a Maupassant, Tchekhov, ou Henry James. Aliás, alguns de seus romances contêm
capítulos que em si poderiam ser contos, como o caso da “Confeitaria do Custódio”, em Esaú e
Jacó.

Machado de Assis escreveu aproximadamente duzentos contos em vida, sendo quase


todas as histórias publicadas em jornais e revistas. Em 1881, “Teoria do medalhão” foi publicado
no Gazeta de Notícias, jornal em que Machado publicou outros cinquenta e cinco contos.
Segundo John Gledson, diferente das revistas femininas, Jornal das famílias e A Estação, o
Gazeta de Notícias era “um jornal liberal no melhor sentido da palavra, politicamente
independente, vivo e decididamente preocupado em apoiar boas produções literárias. Ferreira
Araújo, seu redator e fundador-chefe, era um jornalista admirável e muito amigo de Machado”
(ASSIS, 1998, p.20).

Entretanto, Machado reuniria alguns de seus contos em coletâneas, e “Teoria do


medalhão” apareceu novamente numa delas, chamada de Papéis avulsos (1882). Neste livro,
encontramos os contos que marcam uma guinada decisiva no estilo e gênero de Machado. A
maioria dos contos foi publicada no início da década de oitenta do século XIX – as exceções
seriam “A chinela turca” (1875), “Uma visita de Alcibíades” (1876) e “Na Arca” (1878). No
prefácio, Machado nos alerta sobre a hipótese de uma possível unidade:
Este título de Papéis Avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer
que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de os não

68
perder. A verdade é essa sem ser bem essa. Avulsos são eles mas não vieram
para aqui como passageiros que acertam de entrar na mesma hospedaria. São
pessoas de uma só família que a obrigação do pão fez sentar à mesma mesa.
(ASSIS, 1994, pp. 1-2)

As histórias contidas em Papéis avulsos não estão interligadas entre si no que diz
respeito à trama, ao enredo, porém, estão conectadas pelas problemáticas que abordam por
meio do humor e da ironia machadianos. Quer dizer, elas estão inseridas nas preocupações
pessoais de Machado e de sua época. É o caso da ciência como discurso legítimo que aparece
em “O alienista”, representada pelo personagem do Dr. Simão Bacamarte que cria uma “casa
para curar loucos” e acaba se internando lá; da história nacional e a formação da república
brasileira em “A sereníssima república”; ou ainda, de como ascender socialmente sem se
comprometer ideologicamente, que é o exemplo de “Teoria do medalhão”. Dessa forma, se há
em Papéis avulsos uma unidade, ela é construída pelos problemas que assombraram o tempo e
o espaço de Machado, que conseguiu transportá-los para os seus contos juntamente com as
suas reflexões.

Semelhantes concepções de unidade e fragmentação podem ser vistas na obra de outro


contemporâneo de Machado de Assis: o poeta e crítico de arte francês Charles Baudelaire (que
também foi leitor de Edgar Allan Poe). De maneira diferente de Les Fleurs du Mal, a obra Petits
Poèmes em prose – Le Spleen de Paris não possui um começo e um fim, ou seja, a ideia de
unidade dessa coletânea de textos deve ter se chocado com a diversidade dos textos que
agruparia, tal como acontecera com Machado. Por isso, a neutralidade do título. A carta de
Baudelaire enviada a Arsène Houssaye, que se tornou o prefácio do livro dos poemas em prosa,
demonstra a independência de cada um dos poemas, mesmo que alguns deles pareçam
interligados:

Meu caro amigo, eu vos envio uma pequena obra da qual não se
poderia dizer, sem injustiça, que não tem pé nem cabeça, já que, pelo
contrário, nela há ao mesmo tempo pé e cabeça, alternativa e
reciprocamente. Considere, eu vos peço, quais admiráveis
comodidades essa combinação oferece a todos nós, a você, a mim e
ao leitor. Nós podemos interromper onde nós quisermos, eu minha
imaginação, você o manuscrito, o leitor a leitura; pois, eu não
suspendo a vontade rebelde deste último ao fio interminável de uma
intriga supérflua. Retire uma vértebra, e os dois pedaços dessa
tortuosa fantasia se reunirão sem esforço. Lacere-a em numerosos
fragmentos, e você verá que cada um pode existir a parte. Na
esperança que alguns desses pedaços sejam muito vivos para vos
agradar e divertir, eu ouso vos dedicar à serpente inteira. 53

53
“Mon cher ami, je vous envoie un petit ouvrage dont on ne pourrait pas dire, sans injustice, qu’il n’a ni
queue ni tête, puisque tout, au contraire, y est à la fois tête et queue, alternativement et réciproquement.
Considérez, je vous prie, quelles admirables commodities cette combinaison nous offre à tous, à vous, à
moi et au lecteur. Nous pouvons couper où nous voulons, moi ma rêverie, vous le manuscrit, le lecteur la
lecture; car je ne suspends pas la volonté rétive de celui-ci au fil interminable d’une intrigue superflue.
Enlevez une vertèbre, et les deux morceaux de cette tortueuse fantaisie se rejoindront sans peine.

69
Partiremos agora para “Teoria do medalhão”. Este conto envolve dois personagens, um
pai e seu filho, e este último está prestes a completar vinte e dois anos. Todavia, antes da meia-
noite, exatamente às onze horas, o pai inicia um diálogo com ele após o jantar. O pai pede para
que o filho feche a porta do lugar em que conversam, pois falará de coisas importantes. Comenta
sobre a formação do filho, cujo nome é Janjão, e sobre as possibilidades de carreira que surgem
a partir dos vinte e um anos. Contudo, e aqui começa o verdadeiro objetivo da conversa com o
filho, o pai diz que da mesma forma que se economiza para a velhice, “assim também é de boa
prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem
suficientemente o esforço da nossa ambição” (ASSIS, 1994, p. 2). E o ofício que o pai recomenda
ao filho é o de “medalhão”.

O pai revela a Janjão que ser medalhão representou o sonho da mocidade dele, contudo,
não conseguiu realizá-lo, porque não recebeu as instruções necessárias para concretizar esse
empreendimento. Segundo o pai, o verdadeiro medalhão se manifesta entre os quarenta e cinco
e cinquenta anos. Por isso, era necessário preparar o espírito desde moço.

A primeira instrução que o pai dá ao filho é a de que ele não tenha ideias ou, no máximo,
as empregue com cuidado, pois elas podem trai-lo na ascensão de sua carreira. Aliás, o pai
ofende o próprio filho em determinado momento, mas, com o emprego da ironia machadiana a
ofensa é abrandada e até mesmo disfarçada: “Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado
da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício” (Ibid., p. 32).

Além disso, é interessante observar que o pai conhece e ensina estratégias para que o
filho deixe o cérebro sempre em repouso, leia-se “inativo”. Os jogos, tais como o dominó e o
whist, seriam ferramentas para essa tarefa, assim como o bilhar. Ainda mais, a segunda
alternativa para impedir o desenvolvimento de ideias seria a de evitar a solidão, pois ela seria
uma “oficina de ideias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode
adquirir uma tal ou qual atividade” (Ibid., p. 34). As livrarias são citadas pelo pai de Janjão,
porém, devem ser frequentadas desde que se entre lá para falar de boatos, calúnias, mexericos,
trivialidades ou escutar opiniões monótonas.

A toda essa teoria do medalhão até aqui mencionada, soma-se a utilização de efeitos de
linguagem e de retórica para dar ênfase a algo que somente aparenta ser importante: “frases
feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na memória
individual e pública” (Ibid., p. 34). O pai, então, prossegue avaliando que é importante também
no ofício de medalhão decorar toda a terminologia científica, pois o verdadeiro medalhão utiliza
as armas de seu tempo (os discursos da ciência que ocuparam o final do século XIX, uma clara
referência à própria experiência de Machado). Segundo o pai de Janjão:

(...) De duas uma: – ou elas estarão usadas e divulgadas daqui a trinta anos,
ou conservar-se-ão novas: no primeiro caso, pertencem-te de foro próprio;
no segundo, podes ter a coquetice de as trazer, para mostrar que também és
pintor. De oitiva, com o tempo, irás sabendo toda essa terminologia; porque

Hachez-la en nombreux fragments, et vous verrez que chacun peut exister à part. Dans l’espérance que
quelques-uns de ces tronçons seront assez vivants pour vous plaire et vous amuser, j’ose vous dédier le
serpent entier”. BAUDELAIRE, Charles. Le Spleen de Paris. In: Charles Baudelaire: Oeuvres complètes.
Paris: Gallimard, 1961, p. 229 (tradução nossa).

70
o método de interrogar os próprios mestres e oficiais da ciência, nos seus
livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo, traz o perigo de
inocular ideias novas e é radicalmente falso. (Ibid., p. 35)

Percebe-se, dessa maneira, que o pai, ou melhor, o “ofício de medalhão” tem como
requisito não desenvolver ideias novas, não pensar por si próprio, mas sim, antes, utilizar as
ideias de outros como se fossem as próprias.

A publicidade é outro ato que o medalhão deve incorporar as suas atividades.


Novamente, o pai explica que: “Longe de inventar um tratado científico da criação dos carneiros,
compra um carneiro e dá-o sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos
seus concidadãos” (Ibid., p. 35). O humor machadiano transparece nessa parte quando
aconselha ao filho que se nenhum repórter for a casa dele registrar o evento, que o próprio
anfitrião escreva a notícia, colocando o nome de algum parente ou amigo responsável por ela.

Contudo, Janjão é avisado de que seu destino será grandioso se conseguir superar os
obstáculos para se tornar medalhão. Nas palavras do pai:

Começa nesse dia a tua fase de ornamento indispensável, de figura obrigada,


de rótulo. Acabou-se a necessidade de farejar ocasiões, comissões,
irmandades; elas virão ter contigo, com o seu ar pesadão e cru de
substantivos desadjetivados, e tu serás o adjetivo dessas orações opacas, o
odorífero das flores, o anilado dos céus, o prestimoso dos cidadãos, o
noticioso e suculento dos relatórios. E ser isso é o principal, porque o adjetivo
é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a
realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário. (Ibid., p. 36)

O último ponto da teoria do medalhão exposta pelo pai diz respeito exatamente a algo
que Machado de Assis utilizou de forma fascinante durante este conto e em tantos outros: a
ironia. O pai censura o filho sobre o uso dela para rir, já que esta é cheia de mistérios. Brincar e
rir são permitidos ao medalhão, alerta o pai, no entanto, utiliza-se a chalaça para isso,
“gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem véus, que se mete pela cara dos outros, estala
como uma palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios. Usa a
chalaça” (Ibid., p. 37).

Não nos parece haver dúvida de que Machado deve ter visto na época dele vários
medalhões tendo êxito nas mais diferentes carreiras, da política ao comércio. Com certeza, esse
tipo presente na sociedade brasileira do final do século XIX deve ter sido muito frequente, a
ponto de Machado observá-lo e elaborar uma teoria na forma de conto a respeito do que seria
ser um medalhão. Deveria ser uma prática oculta da sociedade o trabalho de medalhão, já que
no início do conto o pai pede ao filho que feche a porta para lhe falar. Não é por acaso que
muitos personagens das histórias de Machado são medalhões, tanto nos contos quanto nos
romances. Entre eles, podemos citar o alferes Jacobina, de “O espelho”, Carlos Maria, do
romance Quincas Borba, mas também personagens que fracassaram no projeto de se tornarem
medalhões, como Brás Cubas, que tentou inventar um emplasto que aliviaria a “nossa
melancólica humanidade” (ASSIS, 1989, p. 14). Interessante como Brás Cubas segue os princípios
do medalhão, como o de fazer a autopublicidade:

71
Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para
esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as
vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de
tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado
da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de
ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas
caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que
negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas.
Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me
hão de reconhecer os hábeis. (Ibid., p.14)

É notório vermos também como Brás Cubas só confessa essa tentativa de ser medalhão
após a morte. Ademais, pelos comentários de Brás Cubas e do pai de Janjão observa-se que o
“medalhão” é um projeto, um “vir-a-ser” do sujeito que busca a reconhecida glória pela
sociedade. Assim, ele é o que Dirce Cortes Riedel chamou de “metáfora-programa, que se
concretiza no comportamento da maioria dos personagens machadianos que alcançam prestígio
social” (RIEDEL, 2008, p. 99).

A partir dessas considerações, torna-se possível remetermos à relação existente entre


Machado e Poe.

Em Machado de Assis: um escritor na capital dos trópicos, Patrícia Lessa Flores da Cunha
não tratou de discutir ou de enxergar as “influências” de Poe sobre Machado, mas sim observar
as confluências, ou ainda, uma profunda afinidade, que se observa a partir das ideias, das obras,
e até das experiências históricas desses literatos. Cunha explica da seguinte forma essa
abordagem:
Livre da suspeita da influência direta, em outro meio e outra época, mas sob
o influxo de preocupações afins, Machado de Assis parece compartilhar das
mesmas ideias de Poe acerca de uma adequada estimativa dos
procedimentos artístico-literários e da importância e necessidade dos
mesmos para o estabelecimento de um projeto consistente de literatura
nacional. (CUNHA, 1998, p. 40)

Então, os universos ficcionais de Machado e Poe são tidos por Cunha como confluentes. Todavia,
eles também são autônomos, quer dizer, cada um possui um sentido particular que permite a
articulação pela alternativa da intertextualidade, ao mesmo tempo em que o potencial da
atividade criadora é ressaltado.

No tocante às semelhanças da carreira de literato, Poe e Machado possuem um


denominador comum: o jornal. Ambos desenvolveram uma sólida e produtiva atividade
jornalística (mesmo que Poe a tenha interrompido algumas vezes pela sua vida desregrada),
sendo que o jornal, um veículo de comunicação importante para o século XIX, foi o principal
meio pelo qual seus escritos chegaram ao público leitor de então e os tornou conhecidos e
populares – apesar de financeiramente o sucesso não ter sido tão brilhante assim.

Como já havíamos alertado acima, Cunha também concorda que podemos inferir que
Machado de Assis tenha lido os textos de Edgar Allan Poe, porque “seguramente apreciou,

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avaliou e incorporou, mesmo que de maneira toda própria, posições do escritor americano”
(Ibid., p. 27), como demonstraremos pela análise de “Teoria do medalhão” em conjunto como
“O homem da multidão” e “Os crimes da rua Morgue”. Além disso, tanto em Poe como em
Machado há um caminho comum, apesar das diferenças estilísticas de cada autor, “que passa
pela aquisição, ou tradição, e incide na ‘deformação’, para resultar numa ‘revelação’
transformada e transformadora, a agir com eficiência sobre a peculiaridade de uma realidade
circunstancial e individual” (Ibid., p. 35).

Dessa forma, procederemos com as confluências que observamos nos contos


selecionados de Machado e Poe.

Em “Teoria do medalhão”, quando o pai está aconselhando o filho a acalmar o espírito


reduzindo as ideias, ele propõe como meio para o cumprimento dessa tarefa o uso de jogos, e,
entre estes, ele recomenda o whist. Diz o pai “que o whist tem até a rara vantagem de acostumar
ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção” (ASSIS, 1994, p. 2). Contudo, como
bem sabe o leitor de Machado, nada em sua obra é por acaso, e essa referência ao whist não o
seria também. Em “Os crimes da rua Morgue”, Poe, como apegado ao jogo que era, discorre
sobre o jogo, o jogador e suas virtudes. Ele faz isso antes de contar uma de suas histórias sobre
o detetive C. Auguste Dupin. Poe atentará que o xadrez, tido erroneamente como o jogo da
análise, leva desvantagem em relação ao jogo de damas, ou ainda, do whist, pois nesses dois
últimos jogos quem vence é o jogador mais perspicaz. E, segundo Poe, como no xadrez, “os
movimentos possíveis não são apenas variados, como também complicados, as possibilidades
de tais pecados se multiplicam e, nove em cada dez casos, é o jogador mais atento o que vence,
e não o mais perspicaz” (POE, 1978, p. 112). Já no jogo de damas, como os movimentos variam
pouco, as probabilidades de descuido são pequenas e a atenção não é um fator de vantagem, a
vitória ou a vantagem de uma ou outra parte são conseguidas por meio do que Poe chama de
“perspicácia superior” (Ibid., p. 112). A perspicácia superior torna o jogador um analista, não do
jogo, mas do seu oponente, de forma que se vê nele e, num piscar de olhos, encontra a maneira
de derrotá-lo, por meio da indução a um engano ou a um erro de cálculo.

Sobre o whist, Poe reconhece que “não há a menor dúvida de que não existe nada como
esse jogo para incentivar a faculdade analítica” (Ibid., p. 113). Ainda mais, prossegue o escritor
americano com um comentário que nos remete ao pai de Janjão, de “Teoria do medalhão”:
(...) mas uma grande capacidade para o whist implica uma capacidade para o
triunfo em todos os empreendimentos importantes em que a inteligência
depara com a inteligência. Quando digo capacidade, refiro-me àquela
perfeição no jogo que inclui uma compreensão de todas as fontes de onde se
deriva uma legítima vantagem. Estas não são apenas diversas, mas
multiformes, e se acham, não raro, nas profundidades do pensamento,
inteiramente inacessíveis às inteligências comuns. (Ibid., p. 113)

Esse jogador de Poe se assemelha muito ao medalhão de Machado, pois sabe que “o
necessário é saber o que observar”, ele não “se limita unicamente ao jogo e, embora este
constitua o objeto imediato de sua atenção, não deixa de tirar deduções de coisas alheias ao
jogo” (Ibid., p. 113). Assim, o medalhão é tão perspicaz quanto o jogador de Poe, pois, quando
joga, consegue examinar o que está fora do jogo. Por isso, não devemos considerar realmente
que o medalhão sofre de “inópia mental”, como diz o pai de Janjão, já que nos parece antes que
o medalhão é um observador/ analista muito astuto, atuando como um camaleão quando

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preciso. É isto que a ideia de Poe sobre o whist, quando acrescentada à teoria do medalhão de
Machado, possui de mais interessante, pois nos remete ao princípio da volubilidade que Roberto
Schwarz apresentou no livro Um mestre na periferia do capitalismo (SCHWARZ, 1990, p. 30). É
o elemento da volubilidade que torna o narrador de Memórias póstumas de Brás Cubas
impossível de se conhecer, que permite a cada parágrafo desse livro morrer um velho Brás Cubas
ao mesmo tempo em que nasce um novo. Perguntamos se o medalhão de Machado não
adotaria também a mesma alternância de posições, criando uma espécie de disfarce, em que
jamais se deixaria conhecer e se identificar, sendo esse o fator que torna o medalhão um
camaleão? Além disso, não seria o whist um meio para que o medalhão pudesse conhecer os
membros de determinados grupos, por meio das análises que o jogo/jogador permite, e moldar
as ideias deles às suas necessidades? Consideramos que as respostas para essas perguntas são
positivas.

Outra confluência entre Machado e Poe ocorre quando, em “Teoria do medalhão”, o pai
ensina ao filho como anular a proibição de ideias ao dizer:

O passeio nas ruas, mormente nas de recreio e parada é utilíssimo, com a


condição de não andares desacompanhado, porque a solidão é oficina de
ideias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode
adquirir uma tal ou qual atividade. (ASSIS, 1994, p. 2)

Como não nos deixarmos levar por essa citação, que alude ao conto “O homem da multidão”,
de Poe? Esse texto é narrado pelo próprio personagem da história, um homem que, sozinho, em
Londres, sentado no Café D., é acometido de um “estado de espírito da mais aguda apetência,
no qual os olhos da mente se desanuviam e o intelecto, eletrificado, ultrapassa sua condição
diária tanto quanto a vívida (...). Sentia um calmo, mas inquisitivo, interesse por tudo” (POE,
2008, p. 258). No entanto, esse homem começa a observar pela janela a multidão passando,
sendo que de início as suas observações eram abstratas e generalizantes, mas em seguida,
passam a se tornar minuciosas e atentas aos pormenores, como “as inúmeras variedades de
silhueta, traje, ar, porte, semblante e expressão fisionômica” (Ibid., p. 259).

Novamente, Machado parece ter utilizado aqui da sua leitura de Poe. Dessa vez, o
personagem do pai de Janjão compreende que para o medalhão não é interessante ficar
sozinho, pois incita o desenvolvimento de ideias. Estar sozinho implicaria em se encontrar
consigo mesmo, despertando o espírito e o tornando inquieto, questionando o que o cerca,
tanto as pessoas quanto os objetos, de maneira que ambos são analisados detalhadamente.
Então, melhor ficar acompanhado de um de seus pares, até mesmo para se destacar enquanto
medalhão, uma vez que são necessárias outras atividades para esse objetivo, tais como a
autopublicidade e os discursos em público.

Contudo, o pai ainda faz mais uma ressalva: que mesmo no meio da multidão, o espírito
não pode ser deixado a si mesmo, pois pode adquirir a atividade de criar ideias. Isso é tão ou
mais verdadeiro se analisarmos que, no momento em que o personagem principal de “O homem
da multidão” se lança em perseguição a uma figura, que vira em meio à turba – um velho de
sessenta e cinco anos – a narrativa adquire outros contornos. Se antes, esse homem sentado
num salão diante de uma janela fazia suas análises, ele agora se encontra numa posição
diferente, quer dizer, dentro do próprio objeto que ele analisa. O detalhe é que isso não impede

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suas observações: “Vi o velho arfar, como se por falta de ar, e mergulhar na multidão, mas
julguei perceber que a intensa agonia de seu semblante tinha, de certo modo, amainada” (Ibid.,
p. 266).

Para Villaça, se investigássemos toda a obra de Machado não nos cansaríamos de


encontrar todo um arsenal de dispositivos intertextuais que encorajassem estudos
comparativos – que é o nosso caso. Porém, a intertextualidade não deve ser critério para
avaliarmos o texto machadiano como menos rico ou original.

As homenagens que Machado está permanentemente (e a seu modo)


prestando às incontáveis “fontes” de seu repertório não são reverências ao
valor intrínseco deste, mas pontes para um outro valor que ao mestre
interessa estabelecer. Podemos e devemos voltar por elas, pois não, mas
justamente para apreciar no caminho a qualidade desse olhar moderno, que
transfigurou a antiga paisagem. (VILLAÇA, 1998, p. 4)

Villaça compreende que Machado de Assis usa um processo de eliminação em seus


contos, que consiste em eliminar as diferenças entre seus personagens e os personagens
clássicos de outros autores. As citações tornam as situações equivalentes, apesar de alteradas,
ou seja, o conteúdo aparece sob uma forma vulgar, porém, Machado o eleva à condição de
sublime. Quer dizer, ele altera o seu texto, ao mesmo tempo em que o iguala ao dos autores
clássicos (o exemplo do discurso hamletiano). Contudo, pela leitura que acabamos de
empreender de “Teoria do medalhão” em conjunto com dois contos de Poe, dois argumentos
devem ser acrescentados:

1- As citações de Machado não ocorrem somente com clássicos, os seus


contemporâneos do século XIX também aparecem, mesmo que não explicitamente
(como evidenciamos com Edgar Allan Poe).
2- Machado traduziu de maneira muito singular os autores estrangeiros em seus
contos. Utilizou da paródia nos clássicos do trágico, do heroico e do sublime, mas
também a empregou quando da alusão à literatura contemporânea.

Além disso, Villaça observou que Machado instalou-se num ângulo estável, peculiar de
tradutor, para dialogar com o mundo e fazer a representação dele. De acordo com ele, “sem
essa estabilidade, ainda que dissimulada, precária ou mínima, não há autor, estilo e forma
consequentes” (Ibid., p. 10). Assim, Machado se tornou um tradutor das tradições, mas atento
também ao que emergiu de novo no cenário literário de sua época. Dessa forma, podemos dizer
que o salto crítico de sua carreira está relacionado às adoções da ironia como princípio e ao da
“tradução” como uma fonte rica de possibilidades de composição. É a relação de
complementaridade dialética entre essas duas características de Machado que nos possibilitam
ver o seu medalhão como o jogador perspicaz de Poe, porém, em outro contexto, mas que,
enquanto sujeito, também mergulha na multidão para realizar esse “nobre ofício”.

From Machado de Assis to Edgar Allan Poe: “Medalhões”, Translations,


Games and Crowd

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Abstract: Our study has the purpose to analyse the tale “Teoria do Medalhão”, of the Machado de Assis.
From this short story, we intend to investigate aspects of the narrative of the Machado and his
intercourses with some of the writers who participated of the literary universe of brazilian writer. So, it’s
possible to identify dialogues with the american storyteller Edgar Allan Poe. However, it is noticed that
Machado don’t restricted himself to copy the style of his contemporary. He prints his own character by
changing the tone of his narrative, since he provides them the “intimate feeling” – as he told in his essay
“Feeling of Nationality” – that becomes him man of his time and his space. Therefore, before we talk
about influences, perhaps it be more pertinent talk on confluences between Poe and Machado. Moreover,
we note that the classical authors also make the work of Machado when he turns the content of his tales.
Our paper uses the theoretical framework of Walter Benjamin, specifically, the essay “The storyteller.
Considerations on the work of Nikolai Leskov”. To do this analysis, we will investigate, among other things,
representations of Machado and Poe about the game in their respective societies.

KEYWORDS: Machado de Assis. Edgar Allan Poe. Nineteenth century literature. Narrative. Tale.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Machado de. Contos: uma antologia. Introdução e notas de John Gledson. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, v. 1, p. 20.

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ASSIS, Machado de. Papéis Avulsos. Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 1994. Disponível em:
< http://machado.mec.gov.br/arquivos/pdf/contos/macn003.pdf>. Acesso em: 31 de
janeiro de 2010.

ASSIS, Machado de. Teoria do Medalhão. In: Papéis Avulsos. Nova Aguilar: Rio de
Janeiro, 1994. Disponível em:
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janeiro de 2010.

BAUDELAIRE, Charles. Le Spleen de Paris. In: Charles Baudelaire: Oeuvres complètes.


Paris: Gallimard, 1961.

BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio Paulo Rouanet.
7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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CUNHA, Patrícia Lessa Flores da. Machado de Assis: um escritor na capital dos trópicos. Porto
Alegre: IEL: Editora Unisinos, 1998.

POE, Edgar Allan. O homem da multidão. In: Histórias extraordinárias. Seleção, apresentação e
tradução José Paulo Paes. São Paulo: companhia das Letras, 2008.

POE, Edgar Allan. Os crimes da rua Morgue.In: Histórias extraordinárias. Tradução de Breno
Silveira e outros. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

RIEDEL, Dirce Cortes. Tempo e metáfora em Machado de Assis. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2008.

SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas
Cidades, 1990.

VILLAÇA, Alcides. Machado de Assis, tradutor de si mesmo. Revista Novos Estudos CEBRAP, São
Paulo, n. 51, 1998.

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