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Belo Horizonte
2012
Todos os direitos reservados à
Fino Traço Editora Ltda.
© Cláudia Maria Ribeiro Viscardi
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido
por qualquer meio sem a autorização da editora.
V814t
2.ed. Ebook
O teatro das oligarquias : uma revisão da "política do café com leite" / Cláudia Viscardi.
- Ebook - 2.ed. - Belo Horizonte : Fino Traço, 2019.
Inclui bibliogra ia
ISBN 978-85-8054-031-4
conselho editorial
Coleção HISTÓRIA
Introdução.................................................................................... 23
Capítulo 1
5
A deflagração do processo sucessório......................................................... 83
Minas tem a chave do processo sucessório.................................................. 87
O fortalecimento da candidatura Afonso Pena............................................. 89
A Bahia adere à dissidência....................................................................... 92
O último fôlego paulista............................................................................. 95
2.2 Candidaturas Presidenciais e Interesses Cafeeiros...................................... 98
2.2.1 O Impacto da Entrevista de Bernardino de Campos............................ 98
2.2.2 A Candidatura Pena e o Convênio de Taubaté.................................. 104
Capítulo 3
6
Capítulo 5
7
Capítulo 8
Conclusão................................................................................... 323
8
Lista de abreviaturas – Arquivos e acervos
históricos
Coleções e Arquivos
9
AWB: Arquivo Wenceslau Brás
10
Ao Pedro, meu amado filho, por me manter conectada às alegrias da vida.
Apresentação à segunda edição
13
Prefácio à primeira edição
15
Pesquisadora experiente, a autora se debruçou sobre vasta documen-
tação para construir e substanciar uma interpretação alternativa a respeito
da lógica do processo político da República em suas primeiras décadas.
Desse esforço resultou uma obra madura, empiricamente sólida, muito bem
estruturada em termos analíticos, convincente em suas conclusões.
O impulso da investigação de Cláudia Viscardi derivou de sua dúvida
a respeito da tese do “café com leite”. Em que medida se pode falar em
coalizão entre Minas Gerais e São Paulo como eixo da estabilidade do
regime? Para responder a esta questão, a autora procedeu a um minucioso
exame das sucessões presidenciais, reconstituindo a formação das alianças
hegemônicas em tais conjunturas. Sua análise revela que a aludida parceria
não desempenhou a função estabilizadora que se lhe atribui. Na realidade,
ela só vigorou na fase final do regime, e com resultados desfavoráveis para
a ordem federativa vigente.
Sob esse ângulo, a Primeira República abrangeu quatro fases bem dis-
tintas. A primeira foi a da hegemonia militar. A segunda, de 1894 a 1906,
correspondeu à hegemonia paulista, com pouca participação nacional das
elites mineiras. De 1906 a 1918, deu-se o contrário: os mineiros ocuparam
o proscênio, e os paulistas foram relativamente marginalizados. Entre 1919
e 1929, mineiros e paulistas compartilharam o núcleo do poder nacional,
num esquema bastante restrito de domínio sobre o restante do país.
Uma das indicações mais sugestivas de Cláudia Viscardi refere-se,
precisamente, ao sentido desestabilizador da parceria “café com leite” quan-
do ela se concretizou nessa última fase. Isso porque o seu funcionamento,
de cunho duopólico, esvaziou em grande medida a influência dos demais
estados, notadamente aqueles de maior peso político – o Rio grande do
Sul, a Bahia, o Rio de Janeiro e Pernambuco – que até então haviam de-
sempenhado papéis relevantes nos processos sucessórios.
Ora, a lógica do federalismo da Primeira República repousava na incer-
teza periódica da sucessão presidencial. A cada quatro anos a hegemonia
tinha que ser recomposta. Isso se fazia por meio de maquinações políticas
em circuito fechado, que a autora exemplifica com trechos de cartas e decla-
rações de figuras nelas envolvidas. Conversações entre os protagonistas (os
chefes das oligarquias estaduais) tinham lugar, esquemas eram engendrados
para atrair aliados e afastar competidores. Havia aproximações, reaproxima-
ções, vetos, retaliações, não só entre pessoas e grupos, mas entre estados,
como parte de um jogo de xadrez geopolítico. Assim, a instabilidade era
condição para o relativo equilíbrio do jogo das oligarquias.
Tudo isso, evidentemente, era permeado por interesses mais amplos do
que a mera captura de espaços de poder. Uma das hipóteses que orientaram
16
a autora diz respeito à importância da esfera política para a promoção dos
interesses economicamente dominantes, vale dizer, os interesses da cafei-
cultura e do comércio do café. Os poucos estados que produziam café se
empenhavam firmemente em manter o controle do governo federal, arena
decisiva para o setor de agro-exportação. Mas para manter esse controle os
estados cafeeiros precisavam se compor com outros estados poderosos, de
base econômica diversa, o que dava a estes últimos considerável margem de
influência na formação de alianças sucessórias. O papel estratégico exercido
pelos gaúchos ao longo do regime ilustra bem a situação.
Como as alianças de governo eram sempre datadas, valendo para um
mandato, a hegemonia tinha que ser renegociada periodicamente. As impli-
cações políticas desse padrão são bem analisadas por Cláudia Viscardi. Em
primeiro lugar, o caráter plural das composições oligárquicas conferia ao
Estado certa autonomia perante os interesses em jogo. Isso se tornou patente
com o crescente envolvimento governamental na valorização dos preços do
café, em atendimento a demandas do próprio setor cafeeiro. O resultado
foi o fortalecimento do Estado perante os interesses privados dominantes,
processo que prenunciava o modelo de Estado ativo, intervencionista, que
caracterizou o período posterior à Revolução de 1930. Tendo em conta essa
dinâmica, fica mais clara a conexão entre os rumos da Primeira República
e o regime subsequente.
Em segundo lugar, o referido padrão impunha algum limite ao exclusi-
vismo das elites cafeeiras, as quais tendiam a identificar o país com o café.
A diversidade de interesses entre estados cafeeiros e estados cuja economia
se voltava predominantemente para o mercado interno era elemento essencial
da cena brasileira nessa época. No apogeu do sistema de negociação oligár-
quica – entre 1906 e 1918 – o distanciamento entre os primeiros (sobretudo
entre Minas e São Paulo) proporcionou aos segundos condições efetivas de
influir em âmbito federal. Porém, estas condições foram alteradas quando
São Paulo e Minas estabeleceram seu duopólio político, ou seja, quando
de fato operou o esquema do “café com leite”, em detrimento dos antigos
parceiros. Somando-se aos vários fatores de crise que emergiram ao longo
dos anos 20, a dicotomia entre os interesses exportadores e os interesses
ligados ao mercado interno se transformou num fosso que concorreu forte-
mente para inviabilizar o regime. Nesse sentido, Cláudia Viscardi acrescenta
novos elementos de suporte à interpretação política da Revolução de 1930
introduzida por Boris Fausto em estudo clássico do tema.
A autora examina as conjunturas sucessórias com um olhar mais detido
para a lógica da atuação da elite política de Minas. É o terreno mais ade-
quado para submeter a tese do “café com leite” ao crivo analítico desejado,
17
diante do debate existente na literatura a respeito dos interesses (econômicos
ou estritamente políticos?) da oligarquia mineira na indigitada parceria com
os paulistas. A investigação assim conduzida representa uma importante
contribuição à historiografia mineira. Ajuda a esclarecer a questão contro-
versa da diferenciação entre os dois estados no tocante às relações entre
economia e política ou entre o Estado e o sistema produtivo. Cláudia Viscardi
se opõe à perspectiva que identifica em Minas uma oligarquia essencial-
mente burocrática, dissociada do mundo da produção, em contraste com a
oligarquia paulista, organicamente ligada ao café. Propõe, ao contrário, que
a distinção entre os dois estados era basicamente quantitativa, de nível de
desenvolvimento, e não qualitativa, entre um modelo de representação de
interesses e outro burocrático. Ambas as elites atuavam de modo análogo
com o objetivo de promover os interesses de seus produtores.
Nesse ponto cabe assinalar que o caráter diversificado da economia mi-
neira introduz certa complicação ao debate. Minas não era um estado cafeeiro
do mesmo porte de São Paulo. Sua produção era bem menor e, além disso,
a cultura do café estava concentrada em apenas duas áreas, o Sul e a Mata.
Contudo, eram áreas prósperas e de grande peso político na época, o que
dava fundamento à interpretação tradicional do arranjo entre os dois estados
como expressão de interesses de classe (isto é, do setor cafeeiro). Contra esta
ideia é que se construiu a noção de que, do lado mineiro, o arranjo não se
assentava nesses interesses, que não seriam tão relevantes, mas em objeti-
vos eminentemente políticos de preservação da oligarquia por meio do uso
patrimonialista do Estado. Ambas as vertentes pecam pelo reducionismo. A
alternativa café versus política de clientela não condiz com a realidade da eco-
nomia mineira na Primeira República, marcada pela diversidade interna, tanto
entre setores produtivos quanto entre sub-regiões com perfis completamente
distintos, como aliás ocorre até hoje. Se em Minas a centralidade do governo
em relação ao setor privado era maior que em São Paulo, a razão principal
estaria na multiplicidade de interesses a compor, o que logicamente requeria
a ação do Estado e assim fazia expandir a burocracia.
De fato, só quando se leva em conta esta diversidade interna de Minas é
que se pode compreender como foi possível à oligarquia mineira transitar da
aliança com São Paulo nos anos 20 para outra composição que expressava
os interesses da produção de mercado interno contra São Paulo no conflito
terminal da Primeira República. Minas era café e continua sendo, pois há
muito ocupa o primeiro lugar na cafeicultura brasileira. Mas era também
leite, como indicava o apelido “café com leite” em alusão à sua pecuária. E
mais: era arroz, feijão, milho, açúcar, queijos, têxteis, mineração, siderurgia,
águas minerais.
18
A esses comentários, provocados pelo estudo de Cláudia Viscardi,
convém acrescentar um último ponto. O valor de sua pesquisa não resulta
apenas da contribuição que oferece à historiografia da Primeira República.
Igualmente importante é sua percepção do processo político em si. O “teatro
das oligarquias”, para ela, não era um jogo de cartas marcadas, como fica
claro no caleidoscópio das conjunturas sucessórias analisadas. A política
é certamente pautada por contingências, mas é também espaço de opções,
de estratégias, de preferências dos atores. Ao evitar as armadilhas do deter-
minismo e ressaltar o que havia de aberto na história que narra e analisa,
este livro se constitui em trabalho exemplar no âmbito da História Política.
19
O erro básico de todo materialismo político – ma-
terialismo este que não é de origem marxista nem
sequer moderna, mas tão antigo quanto a história
da teoria política – é ignorar a inevitabilidade
com que os homens se revelam como sujeitos, como
pessoas distintas e singulares, mesmo quando em-
penhados em alcançar um objetivo completamente
material e mundano. Eliminar essa revelação – se
isto de fato fosse possível – significaria transformar
os homens em algo que eles não são; por outro
lado, negar que ela é real e tem consequências
próprias seria simplesmente irrealista.
Hannah Arendt
Introdução
Lima Barreto, indo além dos limites de seu próprio tempo, abusou
do ofício, intrinsecamente nacional, de caricaturar seu próprio país, ao
caracterizar a Primeira República Brasileira com a metáfora de um país
inexistente, “A República dos Bruzundangas”. Para Assis Barbosa (1993:8),
o termo expressaria um país de trapalhadas e encrencas, confusamente
manifestadas, através da construção de um sistema institucional, inspirado
no modelo norte-americano, e exercido pelos grandes estados: o dos bois
(Minas Gerais), o dos rios (Rio de Janeiro), o da cana (Pernambuco) e o do
“Kaphet” (São Paulo).
O autor retrata irônica e comicamente uma realidade vivida por ele e
narrada pelos historiadores: um país, cuja marca política principal era a
hegemonia política dos grandes estados. Reproduz criticamente seu mode-
lo de Federalismo; zomba do falseamento das instituições pretensamente
democráticas; ri da elite de seu tempo.
É sobre este modelo político de República que pretendemos aprofundar
a análise. Escolhemos como foco primordial a chamada política do café com
leite, expressão que inspira a hegemonia política dos dois estados cafeeiros:
Minas e São Paulo, durante toda a República Velha. Nossa intenção é ques-
tionar o caráter hegemônico, permanente e isento de conflitos dessa aliança.
O que ora apresentamos ao leitor é uma versão resumida de nossa
tese de doutorado, defendida em 1999, na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, sob a orientação da Profª. Drª. Marieta de Moraes Ferreira. Para
esta versão foram excluídas, entre outras, referências específicas à política
interna mineira, as quais venho paulatinamente publicando sob a forma
de artigos.1
A origem da expressão café com leite ainda reina no campo das hipóte-
ses. Armelle Enders (1993:46, nota 40) afirma que a expressão tornou-se
1
VISCARDI, Cláudia M. R. Minas Gerais no Convênio de Taubaté: uma abordagem
diferenciada, CD-ROM dos Anais do III Congresso Brasileiro de História Econômica e IV
Conferência Internacional de História de Empresas, Curitiba: ABPHE, 1999; VISCARDI,
Cláudia M. R. “Minas de dentro pra fora: a política interna mineira no contexto da
Primeira República”, Locus, Revista de História, Juiz de Fora: EDUFJF, volume 5,
número 2, 1999, pp.89-99; VISCARDI, Cláudia M. R. Elites políticas mineiras na
Primeira República brasileira: um levantamento prosopográfico, CD-ROM dos Anais
das Primeiras Jornadas de História Regional Comparada, Porto Alegre: 2000.
23
popular, provavelmente, ao final dos anos vinte do século passado. Cita
a divulgação de um maxixe, datado de 1926, que continha referências
aproximadas à expressão. O mesmo se deu com o samba de Noel Rosa,
que é de 1934, em que se faziam alusões ao fato de Minas produzir leite
e São Paulo, o café.
Antes mesmo das canções citadas, a imprensa divulgou um cartoon
(reproduzido a seguir), no ano de 1929, que contém referências indiretas à
expressão. Mas não se sabe ao certo o período em que ela tornou-se difundida.
24
sentido de desqualificar o regime anterior, seria fundamental para o projeto
político varguista nos anos vindouros. Para justificar a implantação de um
estado mais centralizado e autoritário, Vargas precisaria, necessariamente,
romper com o passado e com o regime federativo. Acreditamos que tenha
sido por esta ocasião que se produziu, no discurso, a ideia de que a Pri-
meira República fora monopolizada pela aliança café com leite. Com o fim
de desprestigiar o caráter liberal do regime predominante na Velha Repú-
blica, Vargas denunciaria as distorções de seu Federalismo, a partir daí,
enfocado como um mero revezamento entre dois estados poderosos. Como
os últimos anos da República Velha haviam sido, de fato, dominados por
esta aliança – conforme será visto –, o discurso produzido foi bem aceito e
incorporado pela historiografia.
A estratégia escolhida para a contestação da tese da política do café
com leite foi a análise das sucessões presidenciais. Elas consistiam nos
arranjos políticos mais importantes da Primeira República. Através delas,
é possível perceber como se compunham e se decompunham parcerias
políticas entre as unidades federadas, tornadas autônomas, a partir da
Constituição de 1891.
Ao contestar a existência de uma abordagem que, para a quase tota-
lidade dos historiadores, serviu de fundamento à estabilidade do regime
político da Primeira República, qual seja, o da aliança mineiro-paulista,
torna-se imprescindível apresentar um novo arranjo alternativo, que tenha
conferido ao sistema um grau mínimo de funcionalidade.
Desta forma, sugerimos uma hipótese central a nortear o presente livro.
Ela diz respeito ao modelo político em vigor no período em foco. Afirmamos
que ele teve a sua estabilidade garantida pela instabilidade das alianças entre
os estados politicamente mais importantes da Federação, impedindo-se, a
um só tempo, que a hegemonia de uns fosse perpetuada e que a exclusão
de outros fosse definitiva. Tal instabilidade pôde conter rupturas internas,
sem que o modelo político fosse ameaçado, até o limite em que as princi-
pais bases de sustentação desse modelo deixaram de existir, ocasionando
a sua capitulação.
Para a comprovação dessa hipótese central, partiremos de dois pres-
supostos básicos. O primeiro diz respeito a Minas Gerais. O estado viveu
internamente, durante todo o período em foco, árduas disputas intraelitistas,
que interferiram na luta por sua projeção nacional. Assim, a sua impor-
tância política no período não derivou do apaziguamento interno de suas
divergências, mas, sobretudo, de seu poder econômico, condicionado por
ser o segundo maior exportador nacional de café, aliado ao fato de possuir
o maior contingente eleitoral.
25
O segundo se refere às relações entre o Estado Republicano e a cafei-
cultura. O fato de a economia agro-exportadora, predominante no período
em foco, estar condicionada à ascensão de preços do mercado internacional
para a ampliação de seus lucros, a tornava refém das políticas cambial, fiscal
e monetária estabelecidas nacionalmente. Portanto, a esfera da política se
constituía de importância fundamental para que os interesses econômicos
dos cafeicultores fossem contemplados. Daí, o interesse premente, dos esta-
dos cafeicultores, em manterem-se no poder. Ao mesmo tempo, a necessária
aliança com estados não cafeicultores, aliada à luta constante por hegemonia,
limitou a ação dessas elites na defesa de interesses exclusivistas, garantindo
ao Estado Republicano a detenção de certa margem de autonomia, em se
tratando dos interesses do café.
No decorrer da leitura, o leitor perceberá o enfoque privilegiado sobre
uma das unidades federativas a compor a aliança café com leite, qual seja,
Minas Gerais, o que se deve a várias razões. Minas desempenhou funda-
mental papel na organização e implementação do modelo político em vigor
no período. Participou com a mesma ênfase em sua desagregação. Além de
possuir a maior representação eleitoral no cenário federal, durante toda a
Primeira República, era o segundo maior estado em importância econômica,
por meio de sua produção de café.
Dividimos este livro em oito capítulos. No primeiro, fazemos uma
discussão historiográfica relativa à aliança política do café com leite e de
seus fundamentos econômicos. É apresentada, igualmente, uma aborda-
gem alternativa acerca das bases das alianças políticas processadas no
contexto oligárquico.
O segundo capítulo trata da instalação das bases de um modelo de
relação entre os estados na Primeira República que perduraria ao longo
dos anos. O foco central é a análise do processo sucessório ocorrido no
governo Rodrigues Alves. Esta sucessão teve como marco principal a que-
bra do monopólio paulista sobre o cargo presidencial, que vigorava desde
a sucessão de 1894.
O terceiro capítulo trata especificamente do Convênio de Taubaté. Pro-
curou-se, através da análise das relações políticas, ocorridas em torno da
primeira política de valorização, desmistificar que seu fundamento estivesse
na aliança nacional entre Minas e São Paulo.
O quarto capítulo trata da sucessão de Afonso Pena. Procurou-se
comprovar que, muito embora tivesse ocorrido uma tentativa de aproximação
dos paulistas em relação à candidatura mineira de David Campista, o
candidato não possuía o respaldo dos políticos mais importantes do PRM,
impedindo-se a concretização de uma aliança em torno de seu nome.
26
O quinto capítulo trata do governo Hermes e de sua sucessão. Procurou-
se conferir uma interpretação diferenciada acerca da política de “salvações”,
realçando o papel do Exército como ator político. Ao mesmo tempo, destacou-
se uma análise do “Pacto de Ouro Fino”, desmistificando as teses que
apontaram o evento como o símbolo formal de uma aliança entre Minas e
São Paulo.
O sexto capítulo trata das duas sucessões ocorridas, findo o governo de
Wenceslau Brás. A primeira delas, de caráter consensual, teve uma análise
menos delongada. A segunda, que deu origem à escolha de Epitácio Pessoa,
buscou comprovar as dificuldades existentes nas tentativas de composição de
uma aliança mineiro-paulista. Aborda-se, também neste contexto, a segunda
política de valorização do café, de forma menos aprofundada, já que, em
função do contexto em que foi projetada – o da I Guerra Mundial –, não
ofereceu muitos subsídios que contribuíssem com as análises pretendidas
neste texto.
O sétimo capítulo trata da Reação Republicana, evento ocorrido por
ocasião da escolha de Bernardes à Presidência da República. Este capítulo
se reveste da maior importância. Foi o evento marcado por duas inovações
fundamentais. A primeira diz respeito à concretização de uma aliança
mineiro-paulista, de caráter conjuntural e eivada de conflitos. A segunda
refere-se à emergência de novos atores políticos, formados não só pelas
oligarquias regionais renovadas, como pela presença de setores médios,
militares e trabalhadores. Foram abordados também neste capítulo a terceira
política de valorização do café e os problemas políticos dela advindos e de
sua relação com o processo sucessório.
O último capítulo trata de duas sucessões (a de Bernardes e a de Wa-
shington Luíz) e da Revolução de 1930. A primeira sucessão, em razão de
seu caráter consensual, mereceu uma abordagem também breve. A segunda
foi abordada com maior profundidade, identificando-se as razões da rápida
ruptura da aliança mineiro-paulista. Para isto, foram enfocadas as políticas
econômicas relativas ao café, que foram empreendidas naquele contexto.
Por fim, analisou-se a reação armada contra a eleição de Júlio Prestes,
identificando o seu impacto sobre o desgaste do pacto político republicano,
que se consumaria a posteriori.
Como o leitor poderá perceber, este texto se constitui em uma narra-
tiva segundo a pensa Lawrence Stone. Para o autor, tal estilo consiste em
organizar materiais em sequência cronológica, concentrando o conteúdo em
uma única história coerente, embora envolvendo subtramas. Volta-se sobre
o homem e menos sobre as circunstâncias; trata do particular e não do
27
quantitativo.2 Mesmo assumindo o risco de envolver o leitor em um mundo
de atores, interesses e circunstâncias históricas, os mais diversificados, acre-
ditamos ter sido esse o melhor caminho de exposição de nossos argumentos.
Além de ser uma narrativa, este texto está inserido no campo da Histó-
ria Política. Como o leitor também poderá perceber, ele se encontra a meio
caminho entre uma História Política usualmente produzida no contexto da
“segunda geração” dos Annales e de sua recente renovação. Isto implica em
assumir que, ao tratarmos de fatos históricos predominantemente de caráter
político, buscamos sempre relacioná-los ao contexto econômico, social e,
com menos incidência, ao ambiente cultural no qual foram gestados. Para
que tal objetivo pudesse ser atingido, recorremos a um “velho” conceito,
recentemente retomado sob nova ótica por R. Rémond (1994:16), qual seja,
o conceito de autonomia relativa do político, de autoria de Antônio Gramsci.
Este conceito serviu de parâmetro norteador de toda nossa abordagem acerca
das relações entre as elites políticas e econômicas. De Gramsci também
nos apropriamos do conceito de hegemonia, que consiste numa construção
de grupos aliados que exercem uma direção política, intelectual e ideoló-
gica durante determinado período de tempo, podendo prescindir de uma
dominação econômica, não existindo uma correspondência direta entre a
infraestrutura econômica e a superestrutura política. O vínculo entre as
duas é orgânico e é no seio da estrutura jurídico-política que se resolvem
as principais contradições econômicas. 3
Pode parecer estranho ao leitor o fato de nos utilizarmos de parte das
prerrogativas metodológicas gramscianas, ao mesmo tempo que optamos
pelo uso do conceito de elite e não de classe, categoria adotada por Gramsci.
Acreditamos que o conceito de elite - o qual parte do pressuposto de que
em toda a sociedade existe uma minoria que detém o poder em contrapo-
sição a uma maioria que dele está privada - seja mais apropriado para o
entendimento das relações de poder que queremos analisar na República
Velha. Por estarmos mais interessados nos conflitos que se dão no interior
da própria elite e não nas relações entre elite e massa, a teoria das elites
nos oferece instrumental teórico mais propício. 4
2
STONE, Lawrence. O ressurgimento da narrativa: reflexões sobre uma nova velha
História. Revista de História: dossiê história narrativa, Campinas: IFCH, Unicamp,
1991, p. 13 e 14.
3
A este respeito nos utilizamos dos trabalhos de Portelli (1983), Gramsci (1981),
Sader (1992).
4
Para o conceito de elite adotado ver BOBBIO (1986:385-391). Acerca da teoria das
elites ver Albertoni (1990), Dahl (1970), Martin (1978), Bottomore (1965), Mills (1962).
28
Ao iniciarmos a volumosa pesquisa que resultou em nossa tese de dou-
torado, tínhamos por objetivo realizar uma revisão historiográfica sobre um
modelo de federalismo republicano bastante consolidado pela historiografia
nacional. Ele foi cumprido. Agora, ao trazer a pesquisa a um público maior,
em forma de livro, nosso objetivo também se ampliou rumo à consolidação
de nossa proposta revisionista. Tal objetivo, porém, bem mais ambicioso,
só será realizado na medida em que pesquisas complementares acerca do
tema possam proliferar. Assim, esperamos que este livro contribua para o
despertar de novas dúvidas, novas questões e, sobretudo, novos interesses.
29
Capítulo 1
31
recorrentes.1 A primeira delas diz respeito à hierarquia dos estados na
Federação. Barbosa Lima Sobrinho foi responsável pela disseminação de
um esquema que dividia as oligarquias estaduais em três classes ou gran-
dezas: Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul pertenceriam à primeira; Rio
de Janeiro, Pernambuco e Bahia, à segunda grandeza; os demais estados
brasileiros, à terceira grandeza. As oligarquias dominantes tinham seu
poder fundamentado em uma economia dinâmica, na união interna de suas
elites e na sua grande representação no Parlamento, em função do grande
número de eleitores de que dispunham. As demais caminhavam ao reboque
da História, disputando, entre si, as migalhas de soberania, distribuídas
pelo “triunvirato” hegemônico:
1
Dada a extensão dos trabalhos produzidos, optamos por fazer recortes, sem os quais
a tarefa proposta ficaria inviabilizada. Não serão tratados os trabalhos produzidos
antes de 1930. Pela pesquisa que nos foi possível realizar, não encontramos nenhuma
referência à aliança café com leite neste período. Acerca do pós-30, optamos por
realizar uma escolha obedecendo a critérios qualitativos. Selecionamos os autores
que trataram, com determinado nível de prioridade, o tema do Estado Republicano
ou que contribuíram, de alguma forma, com sugestões em prol da construção ou
desconstrução do modelo em vigor.
2
Edgar Carone (1988:273-287) esboçou uma “geografia das oligarquias”, dividindo-
as em oligarquias partidárias (Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul) – marcadas
por rígidas estruturas partidárias – e oligarquias pessoais (demais estados) –
fragilizadas pelas facções relacionadas à política de parentela. Iglésias (1993:209)
fala de oligarquias de primeira a quarta classe segundo seus potenciais de intervenção
sobre o a política.
3
Vários autores defendem a ideia de hegemonia do “triunvirato”. Entre eles destaca-
mos: Love (1975:115 e 117) Love (1982:189), Franco (1973:236), Enders (1993:329).
Para Campelo e Souza (1985:188), o triunvirato hegemônico era formado pelo PRM,
pelo PRP e por Pinheiro Machado. Steven Topik (1989:27) afirma que, não obstante
o fato de os três estados juntos não controlarem o Congresso, eles controlavam o
Executivo Federal.
32
Uma segunda tendência recorrente na historiografia tem a ver com o
papel do Rio Grande do Sul na Federação. O estado foi sempre associado
ao cumprimento de um papel desagregador da ordem estável do regime.
Todas as vezes em que a aliança Minas–São Paulo vivenciava uma crise, o
Rio Grande do Sul era apresentado como um tertius.4
Na busca de elementos que levariam os gaúchos a terem uma posição
relativamente autônoma no quadro nacional, os pesquisadores costumavam
relacionar tal postura às especificidades de seus interesses econômicos.
Alegava-se que, por estar o Rio Grande do Sul voltado para uma economia
de mercado interno, seus interesses seriam necessariamente distintos da-
queles dos estados voltados para a economia agroexportadora.5
Não cabe aqui contestar, com profundidade, a diversidade entre os
interesses econômicos dos estados e de sua relação com o desempenho
nacional dos mesmos. Mas o que anunciamos, por hora, a ser abordado no
decorrer deste livro, é que o desempenho político do Rio Grande do Sul, na
esfera federal, não esteve necessariamente condicionado à defesa de políti-
cas nacionais voltadas para a proteção das economias de mercado interno.
Ao mesmo tempo, Minas Gerais dispunha de uma dinâmica economia de
mantimentos que, embora não fosse hegemônica no estado, abarcava a
maior parte de seus municípios rurais. Caso este argumento fosse válido,
o caráter da produção econômica gaúcha, ao invés de afastar gaúchos de
mineiros, contribuiria para a sua aproximação.
Uma outra referência comum ao desempenho federal dos gaúchos
relaciona-se à parceria estabelecida entre eles e os militares. Na condição
de elementos desagregadores, o Exército e os gaúchos costumavam se unir
para fazer contraposição à hegemonia Minas–São Paulo.6
Ao longo deste livro, se perceberá que o poder de intervenção do Rio
Grande do Sul sobre o regime republicano foi muito considerável. Através
do exame de sua atuação, nos processos sucessórios, perceberemos que nem
sempre ela se deu de forma desagregadora ou mesmo alternativa à crise de
hegemonia mineiro-paulista. E também que o Exército nem sempre atuou
ao seu lado, guardando uma relativa margem de autonomia.
Uma outra tendência recorrente na historiografia diz respeito aos papéis
dos diferentes atores políticos do regime. Ao conferir aos estados-atores o
4
Ver Martins Filho (1981:33 e 119), Love (1975:131 e 144), Franco (1955:479),
Peressinotto (1994:204).
5
Ver Peressinotto (1994:214). Esta concepção está presente também em Martins Filho
(1981:126) e em Love (1975:143).
6
Ver Love (1975:115-116), Love (1982:278) e Schwartzman (1972:106).
33
poder de vida e morte sobre os destinos do Estado Nacional, a participação
de outros agentes foi subestimada ou relegada ao mero papel de espectado-
res. Aqui nos referimos ao Exército e ao próprio Estado Nacional.
De ator principal dos primeiros dez anos da República, o Exército pas-
sou a ser abordado como mero coadjuvante nos demais períodos, só voltando
a ter a sua ação destacada na década de vinte, quando sua participação, em
prol da desestabilização do regime, foi realçada. Em geral, o papel a ele
atribuído foi o de caixa de ressonância de interesses oligárquicos ou urbanos
emergentes, sem conferir-lhe autonomia. É comum também encontrarem-se
referências ao controle que as oligarquias tiveram sobre o governo militar
de Hermes da Fonseca (Franco, 1955:653).7
O mesmo problema pode ser encontrado nas referências ao Estado
Nacional. De ator fundamental nos períodos monárquico e do pós-30, o
interregno da Primeira República foi visto como o período de sua ausência
ou fragilização. Sua autonomia como ator político durante o regime foi, por
algumas vezes, negligenciada. Partiu-se do pressuposto de que o Estado
Nacional constituiu-se em mero instrumento, sob o controle das oligarquias
mineiro-paulista, atuando em prol do atendimento das reivindicações das
mesmas.8
Ao inserirmos o Catete e o Exército no conjunto de atores mais proe-
minentes do regime republicano, esperamos resgatar o papel relativamente
autônomo desses dois agentes políticos. Ao mesmo tempo, ao relativizarmos
o grau de interferência dos setores cafeicultores sobre o controle das políticas
públicas, esperamos resgatar os níveis de autonomia do Estado Nacional, o
que será feito na análise das políticas de proteção ao café.
7
Souza também relega os militares ao domínio das oligarquias hegemônicas. Souza
(1985:203 e 224). O mesmo pode ser dito acerca de Faoro (1984:542, vol.2), para
quem o afastamento total do Exército da política conferiu ao regime oligárquico um
tom imobilista, sob o domínio hegemônico da aliança oligárquica entre Minas e São
Paulo. Para João Cruz Costa (1972:67-68) o Exército, afastado pelas oligarquias do
poder, passaria a atuar como um “Poder Moderador”, agindo todas as vezes em que
se fizesse necessário estabilizar as instituições.
8
Embora esta ideia esteja disseminada no decorrer de muitas obras citadas, encontra-
se explícita em Franco (1955:477) e Pang (1979:23).
34
republicano. As referências ao seu governo estiveram voltadas para o êxito
do presidente paulista em conferir estabilidade ao regime, através das
mudanças institucionais por ele realizadas (Lessa, 1988:142). 9
A “política dos estados” de Campos Sales tratou-se de uma expressão
atribuída por ele mesmo a uma nova forma de o Executivo Federal relacionar-
se com os estados-atores. Segundo avaliação própria do regime republicano,
Campos Sales achava que as instabilidades da República tinham por
fundamento as dificuldades de relação existentes entre o Executivo e o
Legislativo Federais e as lutas partidárias que dividiam o Parlamento. O
contexto a que ele se referia era o dos primeiros anos do regime, assolados,
principalmente, por uma conjuntura de crise, provocada pela cisão do Partido
Republicano Federal (PRF), que dividiu o Congresso entre republicanos
e concentrados. Esta divisão havia contribuído para fragilizar o Catete,
tornando a gestão de Prudente de Morais totalmente estéril, segundo sua
avaliação (Salles, 1983:115-119).
A solução apontada por ele implicava em conferir ao Executivo Federal
um maior grau de autonomia em relação ao Parlamento, palco das principais
disputas. Ao mesmo tempo, pretendia desatar os nós górdios geradores das
discórdias no âmbito do Legislativo, através da realização de uma ação
conjunta com os estados, denominada por ele de “política dos estados”, a
qual consistia em mantê-los em harmonia com o Executivo Federal, sem
que abrissem mão de sua autonomia constitucional (Salles, 1983:120).
Pelo que se encontra implícito em seu trabalho, a hegemonia do governo
federal não seria repassada aos estados-atores. Caberia a eles apoiarem
o Catete, fortalecido em seu poder de arbítrio. Dessa forma, o modelo de
Estado Nacional proposto por Campos Sales pairava nas alturas, distante
dos conflitos regionais, relegados aos estados-membros. Daí as referên-
cias que fazia à necessidade de erigir-se um Executivo Federal de caráter
meramente administrativo, infenso às disputas e interesses regionalistas.
A despolitização do Estado Nacional seria contraposta à politização dos
estados-atores, resguardando-se o poder soberano e autônomo do Catete.
Para a resolução dos conflitos que perturbavam a ordem do Congresso,
Campos Sales propôs algumas mudanças no Regimento Interno da Câmara.
Tais modificações visavam conter as disputas partidárias no âmbito do Par-
lamento, que tanto ameaçavam a ordem da gestão Prudente de Morais. Elas
9
O mesmo pode ser visto também em Carone (1975:101). Afonso Arinos afirma que
a política dos governadores foi a concretização do federalismo no Brasil (Franco,
1955:474 e 475). Para Iglésias, a estabilidade do período é vista como sinônimo da
conciliação entre as oligarquias (Iglésias, 1993:207-208).
35
tiveram um impacto político fundamental para a estabilização do regime,
naquele momento. Esta modificação ocorreu através de duas medidas. A
primeira, relativa à eleição da Presidência da Câmara, e a segunda, relativa
ao envio das atas eleitorais para o Congresso.
A partir das reformas de Campos Sales, o Presidente da Câmara Federal
deixou de ser o membro mais idoso, passando a ser o mesmo Presidente da
legislatura finda. Esta mudança foi fundamental, na medida em que cabia
ao presidente da Câmara nomear os cinco membros que compunham a “co-
missão de verificação de poderes”, ou seja, em suas mãos, estava o controle
sobre a renovação do Poder Legislativo. Através dessa fórmula, a Presidência
da Câmara derivaria da indicação do situacionismo e o Executivo Federal
garantiria o seu controle sobre a renovação do Congresso. Ela, porém, não
durou muito. Como será visto, em função de pressões políticas sobre o governo
Afonso Pena, o Regimento foi novamente alterado, voltando a funcionar como
antes. Portanto, esta primeira alteração regimental teve breve duração.
Já a segunda mudança teve um impacto muito maior sobre o regime,
não só pelas suas consequências, como pela sua permanência. Através dela,
o diploma do deputado eleito passou a ser a ata de apuração da eleição,
assinada pela maioria da comissão apuradora, no âmbito do município.
Com esta medida, impediu-se que fossem enviadas ao Congresso duplicatas
de atas, para que o mesmo optasse pela veracidade de uma e a falsidade
da outra. O resultado mais imediato dessa medida foi a transposição dos
conflitos do Congresso para fora dele. Cabia às facções locais a escolha
dos deputados eleitos que comporiam o Legislativo Federal. Não obstante
a votação se desse no município, a filtragem final ficaria sob a responsa-
bilidade dos partidos regionais que, através de suas comissões executivas,
definiriam a composição de suas bancadas. Como dissemos, o conflito
deixava as fronteiras federais e se imiscuía nos estados.
Renato Lessa (1988:106) afirmou que esta medida contribuiu também
para o esvaziamento da soberania do Legislativo Federal, na medida em
que as eleições já vinham decididas, esvaziando-se o poder da comissão
de reconhecimento sobre as mesmas.
Mas na prática, conforme será visto, o esvaziamento da comissão de
reconhecimento não ocorreu. A despeito do envio de uma única lista pelos
estados, a comissão tinha o poder de contestar o diploma. Perdera o poder
de escolha, mas mantivera o seu poder de veto. Tanto é que, ao longo deste
livro, serão observadas diversas situações de árdua disputa, não só pela
Presidência da Câmara, como principalmente pela composição da comis-
são de reconhecimento. E, por diversas vezes, os destinos das bancadas
estiveram nas mãos da “comissão dos cinco”.
36
O exemplo que denota mais veementemente o fato de que não houve
esvaziamento do Parlamento, enquanto locus de hegemonia, encontra-se no
poder de decisão sobre as intervenções federais nos estados. As consequências
das lutas entre facções no interior dos estados eram: a duplicidade de atas
eleitorais, de assembleias legislativas e até de presidências de estado. Tais
duplicidades eram resolvidas no âmbito do Parlamento e do Judiciário Fede-
rais. Cabia ao Poder Judiciário julgar os pedidos de habeas corpus – instituto
normalmente usado para este fim – e ao Poder Legislativo aprovar ou não a
intervenção federal sobre o estado, vítima da dissidência intra-oligárquica.
Dessa forma, ambos os poderes mantiveram-se razoavelmente fortalecidos.
Embora estivesse preocupado com sua própria sucessão, Campos Sales
não propôs uma fórmula permanente, que conduzisse à renovação do Exe-
cutivo Federal. Certamente porque este ainda não era um problema visível
naquela conjuntura. A única referência encontrada a este respeito está na
alusão de que as sucessões deveriam resultar da competição partidária. Mas
de partidos organizados em torno de ideias e não de interesses personalísticos
ou meramente regionais. Na ausência desses partidos, segundo Campos Sales
(Salles, 1983:187-189), caberia ao Catete conduzir o processo sucessório.
Em seu governo, isto foi possível. A partir do apoio conferido por um
seleto grupo de estados-atores – Minas, São Paulo e Bahia – o Catete fez
de Rodrigues Alves o seu sucessor, sem contar com muitas resistências e
à revelia do Partido Republicano Federal (PRF). Esta ação, porém, não
poderia repetir-se na sucessão seguinte, conforme será visto. O modelo de
Campos Sales, com a pretensão de conferir à República considerável grau
de estabilidade, havia deixado de regular o principal elemento disfuncional
do regime republicano, qual seja o fundamento de sua própria renovação.
Isto implica dizer que o grau de estabilidade conferido pela “política dos
estados” à ordem institucional brasileira precisa, no mínimo, ser relativizado.
Esta tarefa, de fundamental importância, escapa, porém, aos limites desse
trabalho. Mas acreditamos poder contribuir para esta necessária renovação,
a partir das referências que estarão presentes nos próximos capítulos.
37
Partiu-se do pressuposto de que a construção da aliança mineiro-pau-
lista veio conferir ao regime republicano a estabilidade política que lhe
faltava, desde a extinção do Poder Moderador. Dessa forma, os personagens
desestabilizadores da ordem foram afastados da cena política, em troca de
uma monopolização do poder, por parte de uma aliança que, embora não
fosse isenta de conflitos, era inquestionável.
10
Hélio Silva (1985:74) afirma que a aliança café com leite fora projetada na
Convenção de Itu, ou seja, antes do próprio advento da República, muito embora
tenha se tornado eficiente a partir do governo de Prudente de Morais. Para Souza,
a aliança mineiro-paulista surgiu após o governo de Floriano Peixoto (Souza,
1985:190-191 e 212). Para Boris Fausto (1994:89) foi a partir da eleição de
Prudente de Morais em 1894.
11
Podemos citar, dentre outras: Wirth (1982), Resende (1982) e Franco (1955).
38
estabilidade, da mesma forma que o fazia a “política dos estados” de
Campos Sales.12
Como será visto no segundo capítulo deste livro, o que proporcionou
relativa estabilidade ao regime republicano foram as medidas tomadas por
Campos Sales, apoiadas pelos maiores estados da Federação. O fato de
Minas Gerais ter composto a chapa presidencial, que sucedeu o governo
de Sales, não implicou que já existisse uma aliança entre os dois estados,
na medida em que houve resistências de ambos em torno da indicação de
Afonso Pena para o cargo de vice-presidente. Além disto, se no período
houvesse uma aliança preferencial, por parte de São Paulo, ela deveria ser
com a Bahia, estado que desempenhava um papel político muito mais ativo
do que o desempenhado por Minas, na ocasião. Tais considerações serão
retomadas, com maior profundidade, no próximo capítulo.
Há um terceiro grupo de historiadores que atestam a origem da alian-
ça Minas–São Paulo entre os governos de Rodrigues Alves e Afonso Pena
(1902-1909). Embora não se refiram ao fato, provavelmente o que motivou
o marco foi a ocorrência, no período, do Convênio de Taubaté, evento que
terá uma análise destacada no capítulo terceiro, do presente trabalho.13
Conforme veremos – nos capítulos dois e quatro, respectivamente –, em
ambas as sucessões citadas, Minas e São Paulo encontravam-se trilhando
direções opostas. Procuraremos realçar, também, que o primeiro programa
de valorização do café não resultou de uma aliança política nacional entre
os dois estados da Federação.
12
Os autores que têm por marco o governo Campos Sales são: Martins Filho (1981:53),
Wirth (1982:232), Love (1982:277), Bello (1972:167-168), Iglésias (1993:208) e
Castro (1982:119). José Maria Belo (1972:167-168) deixa transparecer a citada
confusão, ao tratar as mudanças regimentais operadas por Campos Sales ao mesmo
tempo em que atesta a origem da aliança entre Minas e São Paulo. Martins Filho
(1981:32-33 e 127) afirma que a política do café com leite foi uma exacerbação da
política dos governadores. Surgiram no mesmo período e parecem estar incluídas no
âmbito do mesmo pacto. Cintra (1972:38-39) afirma que a política dos governadores foi
um mecanismo centralizador, engenhado pelas oligarquias dominantes, para garantir-
lhes o controle sobre o Estado nacional. Estes estados eram Minas e São Paulo, que,
unidos, conseguiram transformar seus interesses regionais em nacionais.
13
Para Edgar Carone (1988:305), a política do café com leite se inicia em 1906, no
governo Afonso Pena. Afonso Arinos parece não ter chegado a um acordo consigo mesmo
a respeito do evento fundador da aliança mineiro-paulista. Ele fala de três ocasiões que
deram origem à aliança: a primeira foi na sucessão de Rodrigues Alves, referenciada em
Franco (1955:457); a segunda foi na sucessão de Campos Sales e a terceira no governo
Afonso Pena, referenciadas em Franco (1973:174 e 627), respectivamente.
39
Há um quarto grupo que atrela a emergência da aliança à sucessão de
Hermes da Fonseca, ou seja, ao chamado “Pacto de Ouro Fino”, ocorrido
em 1913. Tais autores partem do pressuposto de que, até então, vencidos
vinte e quatros anos de regime (mais de 50% dele), a aliança entre Minas
e São Paulo ainda não havia ocorrido. Para a emergência do acordo, eles
se basearam em um evento real, ocorrido na cidade de Ouro Fino, Minas
Gerais, entre representantes de cada um dos dois estados, com o fim de
interferirem sobre a sucessão de Hermes da Fonseca.14
Concordamos com Enders acerca do caráter circunstancial da apro-
ximação entre os dois estados, a ser tratada no capítulo cinco deste livro.
Conforme será visto, tal aproximação não chegava a constituir-se em uma
aliança e logo se romperia, no evento sucessório seguinte.
Por fim, há autores que chegaram a falar em “rotativismo”, como se
tivesse havido um planejado revezamento entre Minas e São Paulo na ocupa-
ção dos cargos presidenciais e na efetivação da aliança café com leite. Para
esses autores, o principal fator, responsável pela ocorrência da Revolução
de 30, foi a quebra, por parte de São Paulo, desse revezamento.15
A despeito da diversidade dos marcos originários da aliança, é comum aos
autores a referência a dois momentos de exceção. O primeiro foi a sucessão de
Afonso Pena, que separou paulistas e mineiros em duas candidaturas diferentes,
dando origem à disputa entre hermistas e civilistas. O segundo foi a sucessão
de Washington Luís, que marcou o encerramento da referida aliança. O fato de
contestarmos a aliança café com leite não implica em contestar a ocorrência de
alianças conjunturais entre Minas e São Paulo, ao longo da República Velha.
Pelo que será visto, os dois estados tiveram momentos que iam da aproximação
desconfiada à oposição veemente. O mesmo se deu com outros tipos de alian-
ças estabelecidas por parte de Minas com outros estados. O que se contesta é
que a aliança entre mineiros e paulistas tenha sido preferencial, permanente
e isenta de conflitos. Assim, apontamos que os eventos da Campanha Civilista
e da Revolução de 1930, em que as elites mineiras opuseram-se às paulistas,
não foram eventos excepcionais, mas apenas rotineiros.
14
Enders (1993:416 e 450) afirma que a aliança surgiu no Pacto de Ouro Fino, por
razões meramente circunstanciais, ligadas à intenção de barrar a ascensão de Pinheiro
Machado. O mesmo afirmam Daniel de Carvalho (1957:141) e Assis Barbosa (1960:218).
15
Love (1975:128) fala em “alternância” entre os dois estados, apenas como tendência e não
como regra. (Love, 1982:118) também fala que a revolução de 30 resultou da recusa de São
Paulo em manter a alternância com Minas Gerais. Carone (1988:305) fala em revezamento.
Afonso Arinos abusa desse conceito. Fala em “rotativismo”, em “movimento pendular” e
em “binômio espontâneo” (Franco, 1955:457, 914 e 1013), respectivamente. Hélio Silva
(1971:74) também fala em revezamento entre os presidentes de Minas e São Paulo.
40
Os pilares e o sentido da aliança
Mas a aliança café com leite não se baseava numa genuína reciproci-
dade de interesses, porque Minas era a parte mais fraca e tinha de se
submeter à vontade de São Paulo na política econômica. (...) À medida
que esse hiato aumentava, ficavam mais claros seus objetivos diferen-
tes na arena federal. À parte da política monetária do café, São Paulo
não dependia do governo federal (até a década de 1930) para favores
16
Para Martins Filho (1981:28) a conciliação interna das elites mineiras, ocorrida a
partir do governo de Silviano Brandão, foi responsável pela ascensão federal de Minas
e não o seu poder econômico.
41
econômicos. Minas, ao contrário, tinha uma grande lista de compras.
(Wirth, 1982:252) 17
17
Wirth (1982) insiste na tese do clientelismo mineiro em relação à Federação. Para
ele, Minas entrou na aliança em função de seu poder político, garantido por sua
unidade interna. Uma vez na aliança, colocava-se como um fiel executor das diretrizes
econômicas impostas por São Paulo. Ver Wirth (1982: 154, 232, 241, 249 e 309).
18
Love (1982:250) também compartilha dessa visão. Acha que Minas atuava em busca
de favores de clientela e São Paulo não o fazia, por não precisar desses favores. Ao
mesmo tempo, destaca que, para atingir seus objetivos econômicos, São Paulo não
precisava controlar diretamente os postos presidenciais ou ministeriais.
19
A raiz de tal pensamento, sem dúvida alguma, encontra-se nas interpretações do
patrimonialismo brasileiro, a serem tratadas posteriormente, cujo maior representante
para o caso mineiro foi Amílcar V. Martins Filho (1987:3-4, 8, 111). Ver também:
Schwartzman (1972:97-98) e Wirth (1982: 309 e 312).
42
A respeito das considerações arroladas acima, o presente livro pretende
propor algumas ressalvas. A primeira delas diz respeito ao nível de desen-
volvimento econômico diferenciado entre os dois estados, condicionador de
sua relação com a União.
Embora seja incontestável a superioridade econômica de São Paulo em
relação a Minas Gerais, não se pode atribuir o distanciamento paulista do
governo federal, ocorrido durante alguns governos da Primeira República,
à falta de interesse de suas elites em interferirem sobre os rumos do Estado
Nacional.
Conforme veremos, por estar atrelado a uma economia altamente de-
pendente do mercado internacional, São Paulo ficava refém das políticas
cambial, fiscal e monetária, controladas pela União. Conforme também
será visto, nas vezes em que se ausentou do controle do Executivo Federal
não o fez obedecendo a uma estratégia deliberadamente minimalista, mas
por ter sido derrotado politicamente, por alianças que o excluíram. Aqui
nos referimos à participação de São Paulo nos governos de Afonso Pena
ao de Wenceslau Brás. Conforme será demonstrado, entre 1906 e 1914,
São Paulo esteve excluído das principais articulações políticas nacionais.
Uma segunda ressalva refere-se às relações de cooptação que
supostamente Minas Gerais teria mantido com o Estado Nacional, em busca
de benesses exclusivamente extra-econômicas. Ao longo deste livro, teremos
a oportunidade de nos referir a pesquisas mais recentes que apontaram
para um maior nível de dinamicidade da cafeicultura mineira, isentando-a
de relacionar-se com o Executivo Federal apenas com o fim de auferir
do mesmo prebendas políticas. Pretendemos comprovar que seu nível de
relação com o Estado era mais semelhante ao paulista, do que o contrário.
Uma terceira ressalva diz respeito aos motivos que garantiram a Minas
Gerais o exercício da hegemonia política sobre o regime. Embora seja in-
contestável o grau de coesão interna de suas elites, principalmente quando
comparadas às elites baianas e fluminenses, teremos oportunidade de, no
mínimo, relativizar as bases dessa conciliação intra-oligárquica, apontando
para ocasiões em que tais dissidências comprometeram uma efetiva parti-
cipação do estado na política federal.
Partimos do pressuposto de que a força política de Minas não se baseava
exclusivamente no relativo grau de coesão interna, mas na existência de uma
economia forte, associada ao seu grande contingente eleitoral, responsável
por projetar o estado nacionalmente, por meio dos trinta e sete deputados
e três senadores que possuía.
Uma quarta e última ressalva refere-se ao caráter conservador e obsoleto
dos mineiros, que derivou das concepções em debate. Ao compararmos a
43
atuação federal de Minas com a de outros estados, nada autoriza a carac-
terizá-la dessa forma. Nos raros momentos em que os setores oligárquicos
atuaram no sentido de “modernizar” as relações políticas vigentes, os mi-
neiros estiveram presentes, a exemplo da ação dos intelectuais do “jardim
de infância” ou da ação de jovens oligarcas no contexto da Aliança Liberal,
objetos de abordagem nos capítulos quatro e oito, respectivamente.
Contrapondo-se à estabilidade mineiro-paulista, foram relevadas as
instabilidades próprias a estados como Bahia e Rio de Janeiro, normal-
mente alçados como focos de disputas intra-oligárquicas, prejudiciais a
um desempenho político nacional satisfatório. Embora fossem unidades
econômicas dinâmicas e dotadas de considerável representação política
parlamentar, tiveram ressaltadas as suas atuações discretas no cenário
nacional, exatamente por não terem conseguido romper com a luta entre
suas facções internas (Wirth, 1982:237).20
Não se trata aqui de contestar que a união interna entre as elites era
uma condição indispensável para o exercício da hegemonia federal. Os
estados que, nas conjunturas sucessórias, se encontravam mais unidos,
eram aqueles que tinham melhores condições de interferirem no rumo dos
acontecimentos. Porém, o fato de a Bahia e o Rio de Janeiro estarem cons-
tantemente assolados por divisões internas não impediu que estes estados
tivessem uma participação ativa, enquanto atores, nos processos sucessórios.
Marieta Ferreira, em sua análise sobre o Rio de Janeiro, procurou dar
um tratamento diferenciado às dissensões internas do estado. Segundo a
autora, as elites fluminenses tentaram superá-las através de duas saídas.
A primeira foi a tentativa de afastamento estratégico, em relação à política
federal, e a segunda foi a de construir eixos alternativos às situações domi-
nantes. Em ambos os casos, o estado colheu resultados positivos, tendo sua
presença destacada no cenário federal (Ferreira, 1994:141).
Quanto ao sentido da aliança mineiro-paulista, os autores são pródigos
em criar situações que a tornaram contingente. Para Peressinotto, ela
teria surgido em função da falta de institucionalização dos mecanismos
responsáveis pelo arbitramento das sucessões presidenciais. Para Gontijo,
ela fora o equivalente funcional ao Poder Moderador, conferindo ao sistema
o mesmo grau de estabilidade que detinha o regime monárquico. Há aqueles
que afirmam que ela decorrera da fragilidade da democracia brasileira,
incapaz de apoiar-se na livre competição político-partidária. O ponto de
convergência entre estas abordagens está no fato de que a aliança mineiro-
20
Existem importantes considerações explicativas para tais dissidências em Enders
(1993:332- 336).
44
paulista conferiu ao regime razoável grau de estabilidade, resolvendo o seu
maior “Calcanhar de Aquiles”, qual seja o das sucessões presidenciais.21
A partir do momento em que se estabelece um novo olhar sobre o re-
gime político republicano, pode-se perceber que sua estabilidade derivava
muito mais da ausência de alianças permanentes e monolíticas do que do
seu contrário. Ao longo deste livro, procurar-se-á demonstrar que a inexis-
tência da aliança Minas–São Paulo não impediu que o regime republicano
adquirisse consistência e relativa estabilidade.
Conforme afiançamos na Introdução deste livro, a instabilidade das
alianças é que conferiu ao regime a estabilidade necessária, na medida
em que impedia a monopolização do poder, deixando sempre aberta a
possibilidade de sua renovação, mesmo que esta dificilmente ocorresse.
21
Ver Peressinotto (1994:212-213), Carvalho (1968:44), Love (1982:277), respec-
tivamente.
22
Ver Love (1982:129). Martins (1981:61-113) chega a sugerir que novos estudos
sejam feitos neste sentido, por encontrarem-se ainda lacunas. Ver também Peressinotto
(1994:212).
45
Eul-Soo Pang afirmava que a política do café com leite deveria
chamar-se política do “café contra o leite”, pois PRM e PRP eram rivais
em seus interesses econômicos distintos e, na maioria das vezes, adversos:
“Contrariamente às interpretações existentes, a aliança ‘café com leite’
entre São Paulo e Minas não foi um bom casamento político. Deveria ser
chamada, mais apropriadamente, café contra leite” (Pang, 1979: 55 e100).
Apesar de reconhecerem as rivalidades entre Minas e São Paulo e de
apontarem a sua aliança como problemática, esses autores não chegaram
a questionar a sua existência.
Estudos mais recentes procuraram relativizar a hegemonia da alian-
ça mineiro-paulista sobre a nação. Entre eles destacaram-se trabalhos já
citados, que tentaram resgatar a importância política das oligarquias de
“segunda grandeza”, realçando seu poder de intervenção sobre o jogo oli-
gárquico. Introduzindo a noção de “eixo alternativo” ao poder dominante
de Minas e São Paulo, foram resgatadas as atuações do Rio de Janeiro e do
próprio Rio Grande do Sul, como estados que cumpriram um papel deses-
tabilizador sobre a ordem oligárquica, conduzida pela aliança hegemônica.
Ao mesmo tempo, identificou-se uma série de dificuldades inerentes ao
exercício da hegemonia por parte de São Paulo, embora o poder do estado
não fosse contestado.23
É comum encontrar-se nesses trabalhos sugestões de revisão dos termos
da aliança Minas–São Paulo, com o fim de romper com esquematismos. A
referência de Kugelmas é um exemplo dessa preocupação:
23
Para o caso do Rio de Janeiro, ver: Ferreira (1994:7,8, 24, 112, 143 e 144), Men-
donça (1997:61-62 e 178). Com o destaque para o Rio Grande do Sul ver Enders
(1993:7, 8, 350 a 390). Acerca de São Paulo ver Kugelmas (1986: 3, 76, 77 e 99).
Enders (1993:451) destacou que, embora a aliança parecesse estável, na prática, uma
série de outras articulações e muitos acordos tiveram que ser realizados para mantê-la.
46
A imagem de um bem- sucedido acordo café com leite entre São Paulo
e Minas, um acordo de alternância de presidência entre os dois estados,
não passa de uma idealização de um processo muito mais caótico e
cheio de conflitos.(...) Se for a exceção que prova a regra, o acordo café
com leite estaria provado. Quatro dos cinco presidentes paulistas não
tiveram mineiros como sucessores.(...) Profundas divergências políticas
colocava-os em confronto por causa de diferentes graus de envolvimento
no comércio exterior. (Topik, 1989:28)
Um outro pilar que serviu de base aos estudos da aliança Minas–São Paulo foi
o de sua relação com o café. Visando a facilitar o acompanhamento do debate que
se travou a este respeito, separamos os autores em três grupos distintos de análise.
24
Ver Enders (1993:450), Weiner (1980:175).
25
Entre os vários autores destacamos Barbosa (1960), Basbaum (1975-76), Bello (1972),
Bessone (1968), Calógeras (1957), Cammack (1980), Carone (1988), Costa (1972),
Fausto (1989, Tomo III, vol. 1, livro segundo, capítulo 1), Franco (1973); Furtado (1984),
Iglésias (1993), Lacombe (1986) Love (1982), Love (1975), Silva e Carneiro (1975).
47
política e o subestimar o papel de outros atores, a exemplo das oligarquias
não cafeeiras, dos militares e os do próprio Estado Nacional.
As visões presentes neste grupo resultaram em determinados esque-
matismos. O primeiro foi perceber o Estado como um bloco monolítico, a
serviço dos interesses dominantes, desconhecendo a vastidão de seus atores
e a complexidade de suas relações com os diferentes setores da sociedade.
O segundo esquematismo decorreu da análise das relações desse Estado e
classes dominantes, vistas em sua maioria como harmônicas, omitindo-se
períodos em que o Estado não atuava obedecendo à lógica proposta e as
classes dominantes divergiam entre si, em suas reivindicações.
O segundo grupo é composto por trabalhos que privilegiam o papel do
Estado na relação Estado-Sociedade, subestimando o seu caráter classista,
bem como o potencial organizativo das associações de classe, no encami-
nhamento e na defesa de suas aspirações.
Este grupo é representado pelos “teóricos patrimonialistas” do Estado
Brasileiro, que construíram suas análises em torno de uma leitura crítica das
versões que predominavam, desde a década de 30, na historiografia nacional.26
O que pretendiam contestar era a tese de que o Estado Republicano
era refém dos interesses das oligarquias cafeicultoras, e de que as políticas
públicas, por ele empreendidas, respondiam a interesses privados dos setores
cafeicultores organizados.
O elo comum entre as pesquisas em foco pode ser encontrado na ten-
tativa de resgatar a força do Estado, mesmo em um período histórico em
que a descentralização, resultante do Federalismo implantado pela carta
de 1891, teria esvaziado parcialmente os seus atributos. Para estes autores,
mesmo durante os “interregnos que dissimulam”,27 a União manteve as
suas prerrogativas, reservando-se o poder de cooptação e de controle para
o acesso às sinecuras, tão disputadas pelos agentes da política.
Não se percebem, por parte desses trabalhos, os diferentes setores que
compõem o Estado Nacional e nem a diversidade de interesses que nele se inse-
rem. O poder regional das unidades federadas, conhecidas como de “segunda
grandeza”, foi subestimado e a aliança café com leite foi posta em novos termos.
São Paulo possuía força econômica, mas não tinha poder político. Minas Gerais
26
Para os fins dessa pesquisa, não abarcaremos a totalidade dos trabalhos de inspira-
ção patrimonialista. Interessa-nos apenas analisar os autores que mais se destacaram
no estudo dos casos mineiro e paulista na Primeira República, nos últimos vinte anos.
Aqui nos referimos a Schwartzman (1970; 1972; 1975), Martins Filho (1984; 1987).
27
Expressão usada por Faoro (1984:725, vol.2) para designar a Primeira República
como um período em que o Estado esteve mais fragilizado e descentralizado.
48
tinha força política, mas não tinha poder econômico. A aliança foi resultante
dessa soma conveniente de vantagens e carências. A Minas caberia usufruir
do Estado Nacional as prebendas políticas. E São Paulo, através da aliança,
teria, a seu favor, a garantia de sua autonomia e a promessa de um Estado que
não imporia obstáculos ao desenvolvimento de sua forte e dinâmica economia.
O terceiro grupo, no qual este livro se insere, engloba pesquisas, em
sua maioria produzidas a partir da década de 80, que trazem como ponto
comum a autonomia relativa do Estado, em relação aos interesses econô-
micos hegemônicos, sem desconsiderar a forte presença desses setores, na
definição das políticas públicas implementadas.28
Este grupo é formado por trabalhos que buscaram redimensionar as
relações entre Estado Nacional e interesses econômicos privados, resguar-
dando-se a autonomia relativa do primeiro, sem desmerecer o potencial
organizativo e reivindicativo dos segundos. Conferiram aos setores cafeeiros
a hegemonia sobre o regime, mas puderam, ao mesmo tempo, garantir ao
Estado um papel dinâmico no mercado político.
Para eles, o Estado na Primeira República, mesmo atuando em prol
dos setores mais hegemônicos, não perderia a sua identidade. Ao contrá-
rio, ganharia dinamismo e poder, ampliando, significativamente, as suas
estruturas burocráticas, o que lhe serviu de base indispensável para o
subsequente processo de centralização e autoritarismo.29
A ação direta do Estado em prol do desenvolvimento da cafeicultura não
implicava, pois, numa adesão direta do mesmo aos interesses corporativos do
setor, na medida em que ele próprio atuava em função de motivações e lógicas es-
pecíficas, as quais, nem sempre, coincidiam com os interesses dos cafeicultores.
O que há de comum nos trabalhos desse grupo é a relativização da
autonomia do Estado Republicano, em relação aos interesses dos cafeicul-
tores. Para eles, o Estado na Primeira República não foi, o tempo todo,
refém dos grupos agro-exportadores na implementação de políticas de seu
interesse, mantendo uma margem de autonomia própria. Por outro lado,
isto não implicou em afirmar que o setor cafeeiro não fosse politicamente
hegemônico e que as unidades federativas produtoras de café estivessem
fora do controle do Executivo Federal. O que estes trabalhos pretenderam
atestar é que esta hegemonia, embora incontestável, foi difícil de ser cons-
truída e, por não ser monolítica, teve que abrir espaço para abrigar outros
setores, em seus diferentes interesses. Além do mais, o próprio Estado era
28
Ver Enders (1993), Ferreira (1994), Mendonça (1997), Reis (1985:194-217), Pe-
ressinotto (1997), Topik (1989), Fristch (1988), Kugelmas (1986).
29
Esta análise é de Reis (1985:196 a 206).
49
um ator em jogo, com interesses específicos, nem sempre coincidentes com
os dos setores economicamente dominantes.
O que se conclui das diferentes abordagens desse grupo é que nelas não
só o Estado, mas também os setores privados tiveram a sua força resgatada.
O Estado, diante de proprietários com razoável nível de organização, em
defesa de interesses “racionais”, tornou-se permeável às suas reivindicações,
atendendo-as majoritariamente, mas mantendo certo grau de autonomia,
expressa através de atitudes e comportamentos que, por diversas vezes,
foram de encontro aos interesses desses mesmos proprietários.
O resultado político foi a relativização da hegemonia, não só cafeeira,
como paulista, sobre a nação. O resultado subsequente foi o resgate da
importância de outras oligarquias, até então, tidas como minoritárias e
desimportantes na definição do jogo político.
50
A abordagem alternativa proposta é constituída de três princípios nor-
teadores, a saber:
1. Os atores políticos republicanos são desiguais e hierarquizados entre si;
30
A este respeito ver Wirth (1982, capítulo 5).
51
Esses pré-requisitos, indispensáveis ao recrutamento, afastaram do exercí-
cio do poder a grande maioria do povo mineiro, cabendo a um reduzido grupo
de elite o controle sobre os destinos políticos do estado. O exemplo mineiro, com
pequenas alterações, pode ser generalizado para os demais estados brasileiros.
Segundo constam nas análises da composição da Câmara Federal de 1909,
formada por deputados de todos os estados, lá também predominavam os ba-
charéis, seguidos dos médicos, militares e engenheiros (Vieira, 1980:26, apud).
O princípio da distribuição desigual do poder, entre os diferentes es-
tados da Federação, fazia com que eles se diferenciassem, não só pelo ta-
manho de suas bancadas, mas também pelo grau de autonomia econômica
em relação aos cofres da União. Assim, os grandes estados eram os que
possuíam associadamente bancadas numerosas e economias relativamente
autossuficientes; os médios, os que possuíam um dos dois elementos; e os
pequenos os que não possuíam nenhum deles. O grau de participação de
cada estado nos processos de decisão era proporcional ao seu tamanho.
Para os fins desta pesquisa, consideramos como estados grandes: São
Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul; como estados médios: Bahia, Rio
de Janeiro e Pernambuco. Os demais compõem a categoria de pequenos
estados, a despeito de seus diferentes níveis de inserção nacional.
A conformação republicana herdou do Império a separação entre pro-
víncias menos e mais importantes. Coube à República, através da Cons-
tituição de 1891, sedimentar esta divisão e redistribuir o poder, segundo
critérios mais atualizados (Barriguelli, 1986).
Pelo quadro a seguir pode-se perceber o crescimento das principais
bancadas, após a transição para a República:
52
Nota-se que, embora os grandes estados tenham tido crescimento em
números absolutos, nem todos o tiveram em termos relativos. Pela ordem,
São Paulo foi o estado que mais lucrou, em termos de representação nacio-
nal, com o novo regime, seguido pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Os
outros três estados elencados tiveram a sua representação diminuída, após a
República. Nota-se que os estados que tiveram movimentos republicanos mais
consistentes foram os mais bem aquinhoados com a vitória.31 Apesar de os
médios estados terem tido sua representação diminuída, os seis em conjunto
compunham mais de 60% do Congresso e ampliaram o seu percentual de
representação na República, em relação ao período imperial, em 2,03%.
A partir dessa nova distribuição de bancadas por estados, a República
definiu quais estados-atores desempenhariam um papel de relevo sobre
a nova ordem política. Embora não tenham se operado mudanças muito
radicais, o nível de autonomia concedido aos estados, aliado às mudanças
nos critérios de representação política parlamentar, erigiram um sistema
federalista cuja principal marca foi a rejeição da isonomia entre as unidades
federadas.
Os grandes estados travavam relações de cooptação política em relação
aos pequenos. Conhecido foi na República o controle exercido pelo Rio
Grande do Sul sobre os estados de sua região e do nordeste. O mesmo pode
ser dito das relações entre Minas e o Espírito Santo. E das tentativas de
exercício de hegemonia de Pernambuco sobre a Paraíba e sobre os demais
estados nordestinos.
Os próprios atores políticos do regime admitiam que a Presidência do
Brasil deveria necessariamente recair sobre um grande estado. Em geral,
o nome mais indicado era o de seu próprio presidente. Raul Soares, a este
respeito, se referia: “Os estados líderes são Minas, São Paulo e Rio Grande,
mas desses estados só poderão sair os seus respectivos presidentes, porque
só os presidentes reúnem o apoio unânime de todas as correntes da política
interna, condição de êxito da candidatura” (Carta de Raul Soares a Pena
Júnior de 30 de março de 1921. ARS, 21.03.30, CPDOC).
Entre os atores políticos mais destacados estava também o Estado
Nacional, majoritariamente representado pelo Legislativo e pelo Executivo
31
Segundo os dados de Joseph Love (1982:188), São Paulo teve um crescimento con-
siderável em sua representação parlamentar em função do apoio que o PRP dera ao
Governo Provisório. Neste ponto, teve mais êxito que Minas Gerais e Bahia, que eram
estados mais populosos e proporcionalmente sub-representados. Mas com o passar do
tempo, em função do intenso crescimento populacional de São Paulo e a inexistência
de alterações nas representações dos estados, ele passou a ficar subrepresentado.
53
(Catete). O Legislativo Federal retinha uma parcela considerável de hege-
monia sobre o regime. Tal hegemonia se ampliava em duas ocasiões. Nos
períodos em que os processos sucessórios coincidiam com o de reconheci-
mento de poderes e naqueles em que o Catete encontrava-se fragilizado, ou
seja, quando não tinha, atrás de si, uma oligarquia regional de peso que
o sustentasse. Em ambos os casos, o Parlamento ampliava a sua margem
de soberania, passando a ser o seu controle disputado arduamente pelos
principais atores políticos. A primeira circunstância ocorreu nos governos
de Afonso Pena e Epitácio Pessoa. A segunda circunstância ocorreu em
todos os governos militares e nas presidências civis de Prudente de Morais
e Epitácio Pessoa.
Wirth afirma que o Legislativo Federal representava as máquinas esta-
duais e era lá que as alocações de recursos eram decididas. Além de deter
ampliada margem de intervenção sobre os rumos da política oligárquica,
o Parlamento era também o campo em que se disputava a distribuição de
recursos da União pelos estados. Ter uma bancada volumosa e compacta-
da no Congresso era condição indispensável para a apropriação dos bens
públicos. Daí ter sido objeto de intensa disputa a ocupação das comissões
parlamentares, responsáveis pela alocação de bens federais entre os estados
(Wirth, 1982: 245).
O Executivo Federal detinha também uma parcela dessa hegemonia.
Não era mero instrumento nas mãos das oligarquias estaduais. Nos proces-
sos sucessórios, a intervenção do Catete era fundamental. Tinha poder de
intervenção política sobre o Parlamento, de forma a garantir a sustentação
ou a rejeição de candidatos. Steven Topik (1989:28) afirma que, em função
das recorrentes discordâncias entre os três grandes estados, o espaço de
autonomia do Estado Nacional ampliou-se consideravelmente.
Outro instrumento de hegemonia do Estado Nacional tratava-se do
recurso intervencionista, a ele disponibilizado pela Constituição de 1891.
O princípio geral era o da não intervenção, consistindo-se no direito das
situações estaduais gerirem a política local, sem intervenção do governo
federal. Porém, a garantia dessa autonomia estadual, por estar minimamente
institucionalizada no artigo sexto da Constituição, abriu espaço para que
os governos desrespeitassem o instituto, por variadas vezes, aumentando o
grau de poder do Catete sobre as unidades federadas.
Quanto menor o estado, maior a possibilidade de intervenção do Ca-
tete sobre os mesmos. As sucessões estaduais eram ocasiões propícias às
intervenções. Através delas, o Catete pôde controlar o acesso ao poder, por
parte das diferentes facções, segundo seus interesses. Estes casos, como
veremos, se repetiram ao longo de todo o regime.
54
Os grandes estados eram os que corriam o menor risco de intervenção
federal, embora não estivessem dela isentos. São Paulo sofreu ameaças reais
durante o governo de Hermes da Fonseca, tendo que negociar a partilha
de poder com os oposicionistas do PRP, para dela escapar. O Rio Grande
do Sul sofreu interferência direta do governo Bernardes, tendo que realizar
um acordo em bases bastante prejudiciais ao seu situacionismo. Ambos os
exemplos serão analisados, mais profundamente, nos capítulos seguintes.
O que se quer anunciar, provisoriamente, é que o poder de intervenção do
Catete sobre os estados, mesmo que não utilizado, conferia-lhe uma reserva
de soberania a ser utilizada, sempre que necessário.
Assim, um outro requisito importante, indício de força de um estado,
era o controle das lutas entre suas facções internas, por parte das máquinas
partidárias. Quanto mais coeso o estado internamente, menor a possibilidade
de sofrer intervenção federal.
Um outro ator político, de grande importância no período, foi o Exér-
cito Nacional. Dos treze processos sucessórios ocorridos, atuou de forma
intensa, pelo menos em sete deles, ou fortalecendo candidatos situacionistas
ou reforçando as oposições.32
Embora tenham funcionado, ocasionalmente, como caixa de ressonância
de grupos oligárquicos ou setores emergentes médios e subalternos, atua-
ram também na defesa dos interesses próprios da corporação. Em várias
ocasiões, o Exército reforçou a composição de eixos alternativos às tentativas
de monopolização de poder, a exemplo de sua ação política contrária ao
PRC pelas tentativas “salvacionistas” e de sua ação no contexto da Reação
Republicana.33
Diante do papel desempenhado pelo Estado Nacional e pelo Exército
enquanto atores fundamentais do regime, poderemos comprovar que o po-
32
Aqui nos referimos aos processos sucessórios que resultaram nas escolhas de:
Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Hermes da Fonseca,
Wenceslau Brás, Bernardes e Júlio Prestes.
33
Embora os militares não sejam objeto privilegiado desta pesquisa, dada a sua ativa
intervenção política na Primeira República, a sua participação terá que ser eventual-
mente enfocada. Para fundamentar as análises acerca da ação do Exército brasileiro
na política, compartilhamos da concepção interativa, que se coloca a meio caminho
entre as concepções instrumental e organizacional. Dessa forma, acreditamos que
nem a corporação militar foi mero instrumento de interesses a ela externos nem foi
totalmente autônoma a esses mesmos interesses. A corporação militar foi permeada
pelo contexto histórico em que se inseria, mas os condicionamentos próprios da cor-
poração influíram decisivamente sobre a sua participação na política. A este respeito
ver Peixoto (1980:27-42).
55
der de ambos foi inversamente proporcional ao poder dos estados-atores
hegemônicos. Melhor dizendo, quanto maior a instabilidade das alianças
inter-oligárquicas, maior o poder de intervenção do Catete, do Congresso
ou do Exército sobre o regime.
Dadas as reduzidas dimensões do Estado Nacional, a disputa de seu
controle pelos muitos atores políticos foi muito árdua. Do governo Prudente
ao de Afonso Pena, existiram apenas seis ministérios. Nos anos de 1910 a
1930 passou a haver sete: Viação, Justiça, Agricultura, Relações Exterio-
res, Guerra, Marinha e Fazenda. Os mais importantes eram o da Fazenda,
Viação e Justiça. Os dois primeiros tinham grandes orçamentos e eram
instrumentos vitais de promoção de desenvolvimento. O da Justiça presidia
as eleições federais.34
Observando-se o quadro a seguir, percebe-se, com maior clareza, o
controle que os seis maiores estados exerceram sobre o Executivo Federal,
muito embora tais dados, de caráter quantitativo, não expliquem, por si só,
as razões que levaram a tal hegemonia:
Como se pode notar, entre os seis maiores estados, Minas Gerais foi
o que ocupou mais cargos ministeriais, seguido pelo Rio Grande do Sul e
por São Paulo. Entre os médios estados, a Bahia foi o que se saiu melhor.35
34
Para uma análise mais completa a este respeito ver Lessa (1988:145).
35
É interessante destacar os índices de ocupação ministerial por parte de dois esta-
dos pequenos. Santa Catarina teve um índice de ocupação maior que Pernambuco
e menor que a Bahia (10,53%); o Rio Grande do Norte teve uma média maior que a
de Pernambuco e menor que a do Rio de Janeiro (10,7%) (Love, 1982:130). Estes
casos se explicam pela projeção de líderes nacionais de destaque que, enquanto
56
A análise de um gráfico, que mostra a evolução do desempenho de
cada grande estado ao longo do tempo, ilustra bem o avanço das unidades
federadas sobre o Catete:
57
República (seis contra três), isto se deve, sobretudo, à ausência de concorrentes
no contexto da primeira década republicana. Passada esta fase, toda tentativa
de monopolização de sua parte foi duramente contestada pelos demais esta-
dos, a exemplo do que ocorreu nas duas sucessões de Rodrigues Alves e na
de Washington Luís, conforme será visto. A este respeito afirma Kugelmas:
37
Foram computadas as seguintes comissões parlamentares: obras públicas, finanças,
poderes e justiça.
58
estado no Legislativo manteve-se sempre baixo. Tal fato pode ser explicado
pela sua preferência em ocupar postos executivos, naturalmente mais voltados
para as definições de políticas associadas ao desenvolvimento da economia de
mercado interno. Mas não se pode deixar de realçar que o estado praticamente
monopolizou o controle do reconhecimento do Senado, através das sucessivas
ocupações de sua vice-presidência por Pinheiro Machado.
Outro destaque refere-se à participação da Bahia, que foi marcada pelo
declínio. Segundo Wirth, este fato se deu em função da intervenção contrária
aos políticos daquele estado, exercida pelo líder gaúcho, Pinheiro Machado,
que via a Bahia como uma concorrente ao seu controle sobre as demais oli-
garquias nordestinas (Wirth, 1982:243). O que é também incontestável foi
o progressivo e generalizado declínio político da Bahia, ao longo do regime,
em contraposição ao crescimento do Rio Grande e de Minas Gerais.
Pelo que se nota, também, havia uma clara preferência dos mineiros
pela comissão de obras públicas. Através dela conseguiam carrear para
o estado uma série de recursos da União. Isto explica o fato de 70% das
ferrovias mineiras terem sido construídas com recursos federais. Como o
estado era acusado de sonegar impostos e São Paulo associado ao Distrito
Federal eram as unidades que mais contribuíam com as rendas federais,
Minas teve êxito em abocanhar uma parcela significativa da arrecadação
fiscal dos estados, em seu benefício.38
Apesar da clara hegemonia política e econômica de seis estados sobre o con-
junto da nação, ela não foi suficiente para garantir a estabilidade e a longevidade
do pacto oligárquico. Em muitas ocasiões, conforme veremos, a diferença de
interesses econômicos serviu de obstáculo à formação de alianças ou contribuiu
para a sua fragilização. Este problema começou a tornar-se crônico no início da
década de vinte. A falta de flexibilidade do regime em mudar os critérios de
distribuição de poder entre os atores tornou suas estruturas incompatíveis com
a nova realidade, gerando contestações. É o que veremos mais tarde.
38
Acerca das ferrovias, ver Topik (1989:126). Acerca dos impostos, ver Wirth
(1982:295-296).
59
monopolização dos cargos e abrindo espaço à participação parcial dos estados
que compunham o grupo hegemônico. A monopolização, a simples exclusão
ou o mero revezamento excludente seriam fatores de abalo do regime.
A renovação do poder passava pelas sucessões presidenciais. O fal-
seamento das instituições democrático-eleitorais, no contexto do regime
oligárquico, fazia com que a verdadeira disputa entre atores pela parcela
de poder, no restrito mercado político, se desse não durante as eleições,
mas na fase que lhes antecedia, qual seja a da indicação do nome para a
disputa e de seu posterior acatamento por parte das lideranças dos princi-
pais estados da federação. Assim, os mecanismos de escolha escapavam à
institucionalidade posta em vigor a partir da carta de 1891, uma vez que
as deliberações eram tomadas informalmente por um reduzido e seleto
corpo de atores.
Cada sucessão presidencial implicava na realocação de cargos e na
redistribuição de poder. A ausência de partidos gerava a proliferação de
blocos, correntes e tendências difusas. Os elos formados entre os princi-
pais estados-atores eram de caráter pragmático e se faziam e se desfaziam
ao sabor das conjunturas. Não se formaram grupos nacionais duráveis.
Assim, a cada sucessão se estabeleciam coalizões provisórias de partidos
estaduais que rapidamente se desfaziam. Isto conferia ao regime um grau
de competitividade muito baixo.39
39
Afonso Arinos afirma que o Federalismo surgiu no Brasil eivado de restrições ao
partidarismo. Daí a república ter nascido federal, presidencial e sem partidos nacio-
nais (Franco, 1955:475).
60
chegasse ao poder. A este tipo de exclusão referia-se Raul Soares nestes
termos: “Políticos suspeitos na opinião (como Nilo), não poderão subir ao
Catete” (Carta de Raul Soares a Pena Júnior de 30 de março de 1921.
ARS, 21.03.30, CPDOC).
Isto implica em dizer que elementos não confiáveis, por parte dos atores
políticos hegemônicos, eram sumariamente excluídos. Daí se explicam as
reações negativas em relação às candidaturas não só de Nilo Peçanha, como
de Rui Barbosa, de Pinheiro Machado e de David Campista. O que havia
de comum entre estas lideranças para serem sumariamente impedidas de
tornarem-se chefes da nação, já que haviam sido republicanos, vinham de
estados hegemônicos e eram lideranças reconhecidas?
Segundo os relatos dos próprios atores e da análise das fontes, concluímos
que Nilo era considerado suspeito por não manter seus compromissos políticos
e alterá-los segundo suas conveniências pessoais. Rui Barbosa não era con-
fiável por se arraigar às teses liberais e colocá-las acima dos compromissos
políticos. Pinheiro Machado não era confiável, pela mesma razão de Nilo,
aduzida ao fato de ser acusado de caudilho. E David Campista compunha um
grupo político cuja marca era a crítica à prática política dos coronéis mineiros.
Estes exemplos de lideranças eram considerados disfuncionais à ordem do
regime, muito embora dele fizessem parte e com ele contribuíssem.
Chama-se aqui a atenção para o fato de que o conhecido distanciamen-
to entre o Brasil legal e real era encurtado por atalhos capazes de dar ao
processo das sucessões um certo grau de formalidade. No modelo em vigor,
os destinos da Federação eram decididos por um número restrito de atores,
oriundos de um número restrito de estados-membros, eleitos por um corpo
restrito de eleitores, os quais, por sua vez, detinham restrito entendimento
da dimensão de seu voto.
Os políticos do norte tinham a noção exata de seu papel na definição de
candidaturas presidenciais. Um exemplo dessa noção pode ser encontrado na
fala de João Pessoa a Epitácio: “Nós do Norte temos apenas o direito de receber
os nomes para mandar imprimir as chapas” (Carta de João Pessoa a Epitácio em
maio de 1929 In: Lewin, 1993:308, apud). Ou seja, o poder de interferência
dos pequenos estados sobre a definição de candidaturas era bastante reduzido.
Os atores envolvidos nos processos sucessórios eram em número restrito.
Limitavam-se aos presidentes de grandes e médios estados, lideranças do
Parlamento, Presidente da República e alguns ministros. Através da vasta
pesquisa documental realizada, foi-nos possível quantificá-los, mas não com
exatidão. Para a obtenção desses dados, utilizamo-nos das correspondências
privadas, trocadas nos contextos sucessórios, que foram analisados neste
livro. As eventuais lacunas documentais impedem que se obtenham números
61
exatos. Não obstante tais limites, o número médio de participantes envolvidos
era de aproximadamente trinta pessoas por sucessão, para as eleições mais
disputadas, e de dez pessoas, para as de caráter consensual. O número
médio de todas elas esteve em torno de vinte e quatro atores por sucessão.
Os estados mais ativos, ou seja, aqueles em que um maior número de
políticos foi envolvido nos processos sucessórios foram:
Como se observa, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia
foram os mais destacados estados-atores na definição das candidaturas
presidenciais. Embora os estados do Mato Grosso, Goiás e de Santa Cata-
rina tivessem pouca projeção política nacional, mantiveram representantes
ativos, na quase totalidade dos processos sucessórios, através das lideranças
nacionais de Antônio Azeredo, Leopoldo de Bulhões e Lauro Muller, res-
pectivamente. Um outro dado a ser destacado foi que, a partir da segunda
sucessão de Rodrigues Alves (1919), quando foi escolhido o paraibano Epi-
tácio Pessoa, ocorreu um processo lento de mudança de atores, apontando
para uma renovação geracional das elites.
As sucessões presidenciais obedeciam a um ritual próprio. Vencido o
primeiro biênio da gestão, iniciavam-se as articulações, com vistas à escolha
de um nome. Este processo durava, em média, seis meses.40
40
Algumas sucessões iniciaram-se tardiamente, ou seja, no terceiro ano de governo.
Foram elas: a de Hermes da Fonseca, a de Artur Bernardes e a de Washington Luís.
Quanto à duração, muito embora a média fosse de seis meses, a de Rodrigues Alves
(1906) durou cerca de um ano e as três ocorridas entre 1916 e 1921 (Wenceslau,
62
O mandato dos deputados federais tinha a duração de três anos. Em
alguns momentos, o seu reconhecimento coincidia com o das discussões
sucessórias. Quando este fato ocorria, o reconhecimento constituía-se em
objeto de acirradas lutas políticas. Entre as sucessões analisadas, a de
Afonso Pena e a de Epitácio Pessoa coincidiram com a renovação do Con-
gresso. Nos demais casos, sendo o reconhecimento de poderes posterior
aos eventos sucessórios, algumas serviram como mecanismo de punição
das oposições, a exemplo do ocorrido nos governos Hermes, Bernardes e
Washington Luís. Repare-se que estes três governos foram resultantes de
três disputas eleitorais intensas (a que opôs civilistas a hermistas; a que
opôs nilistas a bernardistas; a que opôs liberais a situacionistas, respectiva-
mente), “justificando-se” as punições que lhes foram subsequentes. Dessa
forma, pode-se aventar a hipótese, a ser comprovada por estudos adicionais,
de que a ausência de reconhecimento prévio à escolha das candidaturas
presidenciais tenha atuado como mais um elemento disfuncional ao regime,
abrindo espaço para a emergência de candidaturas de oposição.41
Os nomes dos candidatos deveriam ser alçados por outros estados, e
não aquele de origem do candidato. Esta formalidade visava levar ao mun-
do político uma informação: a de que por trás do nome alçado havia uma
aliança construída entre, pelo menos, dois estados-atores.
Não convinha que um nome fosse lançado muito precocemente. Caso
ele fosse sugerido muito antes de iniciarem-se as discussões, haveria mais
tempo para ser desgastado, pelos eventuais opositores. O contrário tam-
bém era arriscado. Ao ser lançado muito tardiamente corria-se o risco de
encontrar os estados-atores já previamente comprometidos com um nome
anterior. O timing era importantíssimo para fazer uma candidatura vitoriosa.
À imprensa cabia especular sobre as escolhas, uma vez que não tinha
acesso às informações. Os processos eram muito sigilosos. Envolviam um
grande volume de correspondências e reuniões secretas. Muitas correspon-
dências eram inclusive cifradas, para evitar-se qualquer tipo de vazamento
de informações.
Em relação à sucessão de Epitácio, Raul Soares referia-se ao processo
de escolha da seguinte forma:
63
Os representantes das forças políticas dos estados certamente escolherão
os seus candidatos, os quais serão naturalmente submetidos às urnas.
Nunca se fez de outra maneira; os cambalachos são feitos pela imprensa,
a qual não vencerá as grandes forças conservadoras da política brasileira.
(Esboços de uma entrevista não publicada de Raul Soares em princípios
de 1921. ARS, código RS 21.01.00, ARS, CPDOC)
64
O fato de a eleição ser decidida previamente às urnas refletiu-se em bai-
xíssimos níveis de competitividade eleitoral, resultando em desmobilização e
apatia políticas. Em levantamento realizado sobre os índices de comparecimento
às urnas e total de votos obtidos pelos vencedores, percebem-se os limites da
competitividade eleitoral do período. O maior índice de comparecimento foi de
5,7% em 1930. A média geral permaneceu em torno dos 2,65%. Percebe-se,
também, que as votações que apresentaram um maior nível de competitividade
foram as que tiveram candidaturas de oposição e que dividiram mais equitativa-
mente os grandes estados, como foram os casos das eleições de 1910 (Hermes
X Rui), a de 1922 (Bernardes X Nilo) e a de 1930 (Júlio Prestes X Vargas). As
demais foram quase unânimes. Os dados se encontram no quadro a seguir:
65
É importante observar que o princípio da renovação parcial dos
estados-atores não criou mecanismos de acoplamento de setores excluídos
ou emergentes. Esta lacuna aprofundou-se com a ampliação de novos atores
sociais, a partir da I Guerra Mundial. Tal lacuna foi um dos elementos
igualmente responsáveis pelo progressivo desgaste do regime.
O fato de os excluídos não serem integrados ao poder não significa que
deixaram de contestar. É o que veremos a seguir.
66
as mesmas tivessem sido resultado de acordos harmônicos. Nestes casos, o
peso da disputa concentrava-se na prévia escolha do candidato. Os exemplos
desse caso foram: as duas sucessões de Rodrigues Alves (a de 1906 e a de
1919) e a sucessão de Hermes da Fonseca (1914).
Das doze sucessões ocorridas, menos de 30% não sofreram nenhum tipo
de contestação ou não tiveram árdua disputa prévia. Foram elas a de Floriano
Peixoto, a de Wenceslau Brás e a de Artur Bernardes. A primeira ocorreu no
período em que nenhum outro estado ousava ameaçar a hegemonia paulista
sobre a Federação. As duas últimas, por terem sido as únicas, em que se reu-
niram, em torno de seus candidatos, os principais estados da Federação, sem
exceção. A primeira refletiu o caráter monopólico do regime em sua fase inicial.
As segundas, a possibilidade do consenso. Assim, temos os seguintes quadros:
67
muito relacionadas, quase consecutivas. O recurso jurídico e a revolta armada
foram casos únicos. O primeiro foi o ensaio prévio da segunda, tal o rigor das
lutas, conforme veremos, oportunamente. Das três sucessões que passaram
por árdua disputa prévia, apenas uma delas, a de 1919 (segunda sucessão
de Rodrigues Alves), resultou em disputa eleitoral, ou seja, não conseguiu
conciliar o apoio de todos os médios e grandes estados.
A diferença entre uma sucessão com disputa prévia e uma totalmente
consensual é que a segunda não era fator de instabilidade, e a primeira sim.
Outro ponto a ser destacado é que, conforme afirmamos, “a política dos es-
tados” de Campos Sales, em geral interpretada como a fórmula que garantiu
a estabilidade do regime, não teve relação com as sucessões presidenciais,
na medida em que não previu mecanismos inibidores desses conflitos. Após
o “pacto oligárquico” (1898-1902), as sucessões presidenciais continuaram
a dar margem à instabilidade.
A visualização de um quadro cronológico pode expressar melhor esta ideia.
42
Para a composição desse quadro, agrupamos as sucessões em três períodos distin-
tos. O primeiro vai da eleição de Deodoro da Fonseca à eleição de Rodrigues Alves.
O segundo vai da eleição de Afonso Pena à segunda eleição de Rodrigues Alves. O
terceiro vai da eleição de Epitácio à eleição de Júlio Prestes. Segundo o modelo su-
cessório proposto, os marcos das mudanças nos remeteram a esta divisão.
68
térios de alocação de poder pelo regime, o que não foi feito. Na ausência
de flexibilização do regime, os protestos ampliaram-se, aumentando o seu
grau de instabilidade política.
O fortalecimento da ação alternativa-oposicionista – que foi avançando
progressivamente, do mero protesto à ação armada – contribuiu para o
paulatino desgaste das bases do regime. A alternativa oposicionista derivou
do desgaste dos dois princípios norteadores anteriormente analisados.
Pelo quadro, se nota que os primeiros reflexos do esgotamento do mo-
delo se deram a partir da quarta década republicana. Ela foi marcada por
três mudanças de grande impacto sobre o regime oligárquico. A primeira
foi a emergência de novos atores políticos, decorrentes do desenvolvimento
industrial e urbano do pós-guerra, associada a uma renovação geracional
das elites; a segunda foi o aumento do desnível econômico de São Paulo
em relação ao conjunto da nação, impondo uma contradição de interesses
econômicos do estado em relação aos demais; a terceira foram as tentativas
de monopolização do poder, por parte de Minas, de uma aliança conjuntural
mineiro-paulista e depois exclusivamente paulista, nas sucessões de Wen-
ceslau Brás, Epitácio Pessoa e Washington Luís, respectivamente. Todos
esses eventos serão retomados, oportunamente.
69
Capítulo 2
Receava-se o cacete,
Mas cacete não há, não!
Vai o Afonso pro Catete:
Eis aí a solução!
(Franco, 1973:548, apud)
71
Uma outra razão que nos levou a escolher este evento, inclusive nos
chamando a atenção para ele, foi o tratamento que lhe foi dado pelos historia-
dores, os quais não deram a devida importância à ordem em que ocorreram
os fatos, do que resultaram generalizações as quais, ao nosso ver, precisam
ser relativizadas. Eduardo Kugelmas, inclusive, chamou atenção para a ne-
cessidade de se identificar o tempo real dos acontecimentos, referindo-se à
dúvida, ainda existente, de quando se deu (caso tenha se dado) um acordo
entre Minas e São Paulo, em que o segundo apoiaria o primeiro, em troca
da viabilização das prerrogativas próprias ao Convênio de Taubaté.
72
2.1 A Imposição de uma nova ordem: a sucessão
de Rodrigues Alves
1
Acerca da primeira década republicana ver Abranches (1973), Carvalho (1990),
Castro (1995), Janotti (1986), Oliveira et al. (1986, volumes 1 e 2), Penna (1997),
Queiroz (1986), Schulz (1994), Witter (1999).
2
Para maiores detalhes ver Viscardi (1999).
73
aceita pelas principais lideranças que haviam se responsabilizado pela pro-
paganda republicana no estado. Muito embora o novo governador passasse
a liderar em Minas um setor da elite que conferia sustentação política ao
Presidente da República, contra ele se associou um grupo de republicanos
históricos, provocando o advento de crises políticas sucessivas que impediam
uma participação mais efetiva de Minas no novo regime.
O golpe de Estado dado por Deodoro e sua consecutiva renúncia con-
tribuíram para acirrar ainda mais as disputas internas mineiras. Segundo
levantamentos prosopográficos realizados, após o golpe, a grande maioria
da elite mineira associou-se ao florianismo: 60% de florianistas contra 40%
de deodoristas. Esse quadro levou à renúncia de Cesário Alvim.3
Através de um acordo travado com o novo governador – Afonso Pena
– Floriano garantiu a sua permanência na Presidência de Minas, em troca
do compromisso de manter o estado alheio às disputas nacionais. Minas
manter-se-ia neutra e escaparia ao estado de sítio, estabelecido em decor-
rência da Revolta da Armada. Passaria a ser, inclusive, refúgio de exilados
do regime. 4
A despeito da discreta inserção nacional mineira, em razão das difi-
culdades de compactar o PRM, por ocasião da sucessão de Floriano, os
mineiros já manifestavam o interesse de alterar esse quadro. Não só aventa-
vam a candidatura de Afonso Pena, como criticavam a hegemonia paulista
sobre a Federação, como se pode observar pela citação: “Sei que muitos
têm certa antipatia pela candidatura do Dr. Prudente de Moraes, apesar de
seus grandes merecimentos, por entenderem que vai nela uma pretensão de
São Paulo a exercer certa hegemonia na República” (Carta de Afonso Pena
a Almeida Couto de 24 de janeiro de 1894, AAP, caixa 5, doc. 7.14, AN).5
Conforme aventamos no capítulo primeiro, parte dos historiadores advo-
ga o advento da aliança Minas–São Paulo, por esta ocasião. Mas as profundas
3
Esses dados resultaram de um levantamento prosopográfico, previamente elaborado,
com o fim único de subsidiar a análise dos eventos por ora abordados. Para maiores
detalhes ver: Viscardi (2000).
4
Ver Lacombe (1986:165), Carta de L. Godofredo a J. Pinheiro de 2 de dezembro
de 1891, AJP, caixa 8, série 1055, APM. Carta de Afonso Pena a Rodrigues Alves
de 20 de abril de 1892. AAP, caixa 6, doc. 16.3, AN.
5
Acerca da indicação de Afonso Pena à presidência ver: cartas de Pena a Ubaldino
de 18 de maio, 5 de junho, 6 de julho de 1893, AAP, caixa 5, docs. 7.70, 7.76, 7.83,
respectivamente, AN. Carta de Afonso Pena a Almeida Couto de 24 de janeiro de
1894. AAP, caixa 5, doc. 7.14, AN. Carta de A. Pena a Moura de 24 de janeiro de
1894, AAP, caixa 5, doc. 7.115, AN. Carta de A. Pena a Batista de Lacerda de 15
de fevereiro de 1894, AAP, caixa 5, doc. 7.119, AN.
74
dissidências internas que assolavam Minas impediam o estado de ter uma
participação nacional mais ativa. Além do mais, o controle da Federação
ainda se encontrava nas mãos do Exército, impedindo que as oligarquias
civis exercessem diretamente a sua hegemonia sobre o novo regime. Por
este período, a postura dos mineiros em relação aos paulistas não era de
quem compunha com eles uma aliança nacional, conforme se pode notar
pela citação a seguir. Ela faz referência à substituição do ministro gaúcho
Demétrio Ribeiro pelo paulista Francisco Glicério:
75
Por esta razão, Minas Gerais despontava no Congresso como uma força
política oposicionista, ao lado de lideranças como as de Pinheiro Machado,
Rosa e Silva e muitas outras. Mas a maioria congressual não refletia a real
situação dos florianistas em seu estado. Observando-se o levantamento
prosopográfico realizado, percebe-se a situação de inferioridade numérica
em que se encontravam: 80% de prudentistas contra 20% de gliceristas,
no interior do estado.
No cenário federal os gliceristas mineiros não conciliaram. Contra a
candidatura de Campos Sales, projetada por um setor da elite paulista à
revelia do próprio Catete, erigiu-se uma chapa oposicionista, composta pela
dupla Lauro Sodré–Fernando Lobo. Nota-se que a primeira candidatura
mineira à presidência republicana era de oposição, muito embora as bases
políticas de Fernando Lobo fossem minoritárias no interior do estado.
Derrotados nacionalmente, dada a vitória de Campos Sales, os floria-
nistas mineiros perderam o controle sobre a política interna e foram jogados
no ostracismo. Dois anos após a posse do novo presidente, concretizou-se a
tão sonhada união da bancada mineira. A partir de 1900, toda ela votava
em bloco.
Portanto, foi durante os primeiros anos do governo Campos Sales que
os mineiros passaram a dispor de uma condição indispensável ao seu for-
talecimento nacional, qual seja a união interna de suas elites. As novas
divisões surgidas posteriormente não impediam uma ação conjunta do es-
tado na Federação, embora, em alguns momentos, elas tenham se acirrado,
prejudicando a ação unívoca do estado.
Conforme foi observado no capítulo anterior, para boa parte dos his-
toriadores, a origem da aliança Minas–São Paulo teria se dado a partir do
governo Campos Sales. A este respeito, gostaríamos de destacar que, para
a indicação de Campos Sales, o estado de São Paulo tinha o apoio da quase
totalidade dos governadores da nação, e não só de Minas Gerais. Portanto,
o que se pode afirmar, em relação a este contexto, é que ele foi marcado
por uma aliança nacional em torno de São Paulo e não por uma aliança
exclusiva entre mineiros e paulistas.
Ao contrário do que se afirma, a posição dos mineiros caminhava mais
para a hostilidade do que para a aliança, conforme pode ser observado em
correspondência de David Campista a A. Pena, ao referir-se à eleição de
Campos Sales:
Creio que a União teria tudo a ganhar se fosse buscar os seus homens
no estado, apesar do detestável bairrismo paulista que tanto lá como
aqui, entende que os homens e as coisas de São Paulo são as únicas que
76
ainda valem de alguma coisa no nosso país. Mesmo nas mais elevadas
posições – o paulista é mais paulista que brasileiro; eleva S. Paulo e
sorri do resto. (...) É uma causa que se pode dificilmente suportar a sangue
frio – ouvir o desdém com que falam de outros estados, das iniciativas
e progressos materiais que empreendem e isso da parte mesmo dos
que têm o rigoroso dever de serem antes de tudo brasileiros. (Carta
de Campista a Pena de 3 de abril de 1898, AAP, caixa 8, doc. 19.29,
AN. grifos nossos)
6
Conforme nos dá testemunho o próprio Campos Sales (1983:183-197) em seu livro.
Ver também Love (1982:253).
77
de seu plano de governo medidas que viessem melhorar as condições de
saúde do Brasil, essencialmente as do Rio de Janeiro, que, na condição
de capital, apresentava-se como vitrine internacional. Estava prevista uma
série de reformas urbanas na capital nacional, que incluía a remodelação
do Porto do Rio e a “higienização” completa da cidade. Além do já cita-
do, o objetivo maior do saneamento de Rio relacionava-se diretamente à
“salubridade” econômica brasileira. O Brasil queria evitar a propaganda
internacional contrária aos seus produtos, especialmente o café, em função
das péssimas condições sanitárias do país. Não queria ser mais vitimado
pelos cordões de isolamento que o incluíam, prejudicando o comércio in-
ternacional, principal fonte de receitas dos Estados e da União. E precisava
facilitar a própria circulação interna do produto, dificultada pela arquitetura
colonial da antiga corte.
Como se vê, embora o governo de Alves não adotasse, em termos de
política econômica, um programa protecionista diretamente correspondente
aos interesses mais imediatos das oligarquias cafeicultoras, a exemplo da
concessão de créditos, dos investimentos ferroviários, da desvalorização
cambial e demais medidas preteridas pelo setor agro-exportador, sua plata-
forma política contemplava, indiretamente, importantes interesses do setor,
desde há muito reivindicados.
De capital para isto o novo governo dispunha. Vencido o período Campos
Sales, caracterizado fortemente pela política recessiva em relação aos gastos
públicos, com o fim de manter a balança de pagamentos em equilíbrio, o
novo governo teria a seu dispor o superávit necessário para a realização
das obras pretendidas.
O primeiro problema com o qual teve que se defrontar, antes mesmo
de sua posse, foi o da substituição do vice-presidente. A morte do mineiro
Silviano Brandão, há dois meses antes do início de seu governo, deu ensejo
a pequenas turbulências políticas, que foram resolvidas com a indicação de
um outro mineiro, Afonso Pena.7
Assim que Afonso Pena foi indicado para a vice-presidência da Repúbli-
ca e a presidência do Senado Federal, Pinheiro Machado tratou de modificar
o regimento interno do Senado, diminuindo o poder de seu presidente, o
7
Afonso Arinos afirma que a indicação do nome de Afonso Pena partiu de Bernardino
de Campos, o qual já tinha trabalhado com ele, quando fora Ministro da Fazenda de
Prudente de Morais, em substituição ao próprio Rodrigues Alves (Franco, 1973:198).
Arinos também afirma que a indicação não agradou a R. Alves e aos demais setores da
elite paulista, provavelmente pelas ideias econômicas de Pena, já no período conhecidas
como contrárias à ortodoxia financeira.
78
qual ficou limitado à simples rotina de presidir as sessões. Esta atitude do
gaúcho visava fragilizar a ação de Minas Gerais sobre o Congresso, garan-
tindo o poder do Rio Grande do Sul sobre o mesmo.
A escolha de seu Ministério, como de praxe, buscou obedecer a critérios
políticos, ensejando a representação dos estados que alavancaram a candi-
datura de Alves. A opção por Leopoldo Bulhões8 para um dos ministérios
mais importantes – o da Fazenda – atendeu, porém, a critérios relacionados
à política econômica austera que se pretendia colocar em vigor. Bulhões
já era conhecido pela sua contumaz oposição às medidas econômicas do
período do Encilhamento e estaria disposto a dar continuidade à política
de estabilidade e paridade cambiais pretendidas.
Uma outra escolha a ser destacada foi a de J. J. Seabra para o Ministério
do Interior e Justiça, outra pasta reconhecidamente importante, sobretudo
porque a ela estavam submetidas as eleições e também as ações no campo
da saúde, as quais teriam grande relevo no quatriênio que se iniciava. Este
Ministério recebeu a parcela mais significativa de recursos do orçamento
nacional, fortalecendo sobremaneira o seu poder político. 9
As demais pastas foram ocupadas por Lauro Muller (Indústria, Viação e
Obras Públicas) e Rio Branco (Relações Exteriores). Este último Ministério,
que em geral era considerado uma pasta “não política”, para a qual eram
indicados ministros com base em critérios igualmente “não políticos”, teve
importante atuação no período, principalmente no que coube à compra do
Acre pelo Brasil.
Levando-se em conta os pesos dos cargos segundo os padrões avaliativos
da época, os principais ministérios estavam ocupados pelos Estados de Goi-
ás, Bahia e Santa Catarina. Como o primeiro e o terceiro foram escolhidos
com base em critérios técnicos e não políticos, dadas as pequenas dimensões
dos mesmos, Alves pretendia manter o seu governo apoiado pelos estados
de São Paulo, Bahia e Minas Gerais, sendo que este último estado detinha
o cargo de vice-presidente. Os três, em conjunto, eram responsáveis por
8
Leopoldo Bulhões destacou-se como abolicionista e Republicano Histórico. Fez
parte da Assembleia Constituinte de 1891, apresentando-se como um feroz defensor
dos pressupostos federalistas.
9
O baiano Seabra havia se destacado desde o Governo de Prudente de Morais, quando
atuou ativamente na cisão do PRF, sendo o autor da moção que iniciou o processo
de separação entre os dois líderes paulistas, Glicério e Prudente. A este respeito ver
Abranches (1973, vol. 1, primeira parte).
79
quase metade da população nacional no ano de 1900.10 Somados, também
controlavam 38,54% das cadeiras da Câmara Federal.
Um outro ponto a ser destacado é que a política financeira iniciada por
Campos Sales teria continuidade. Apesar de a sustentação política do governo
ser garantida por três estados cafeeiros (a Bahia também produzia café, embora
a índices pequenos e incomparáveis a São Paulo, Minas e Rio de Janeiro), os
interesses econômicos dos cafeicultores seriam relativamente preteridos, na
medida em que a política cambial continuaria a manter o mil-réis valorizado. O
Estado continuaria a não emitir papel-moeda inconversível e o crédito aos produ-
tores continuaria escasso. Rodrigues Alves insistiria em sua política financeira
ortodoxa, não obstante o aumento das dificuldades dos cafeicultores. Os preços
do café estavam em declínio desde meados da década de 1890 e os reflexos
da primeira crise de superprodução seriam sentidos ao final de seu governo.
A intervenção do Estado no comércio do café seria reivindicada, provocando
grave crise de sustentação política, ao final de seu mandato.
Como vimos, a composição da chapa presidencial expressou a primeira
participação efetiva no Executivo Federal, por parte de Minas Gerais. Até
então, o estado só havia ocupado algumas pastas ministeriais e interferido
muito pouco na gestão federal do regime republicano 11. A detenção da vice-
presidência apontava para o advento de uma nova força política a barganhar
pela abertura de espaço na correlação de forças em vigor. Minas Gerais
entrava no esquema, não como um parceiro a ser desprezado. Tinha a maior
população do país e, consequentemente, a maior bancada. Era a segunda
maior economia nacional; o ardor de suas lutas internas havia sofrido certo
arrefecimento; possuía quadros políticos razoavelmente capacitados para o
exercício de funções administrativas. Desta forma, sua inserção no quadro
político nacional veio alterar a composição de forças, até então predominante.
10
Base de cálculo: A população total do Brasil, no recenseamento de 1900 era de
17.318.556 habitantes. A população de Minas Gerais era de 3.594.471 habitantes
(20,75%), a de São Paulo era de 2.282.279 habitantes (13,17%) e a da Bahia era de
2.117.956 habitantes (12,22%). Somando-se os totais percentuais obtemos 46,14% do
total nacional. Fonte: ESTADO DE MINAS GERAIS, Minas segundo o recenseamento
de 1920, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1924, à página 250.
11
Minas Gerais participou dos ministérios de Deodoro e Floriano na pessoa de Cesário
Alvim e Fernando Lobo, respectivamente. Participou, também, parcialmente, do
Ministério da gestão de Prudente de Morais, no período em que o mesmo se encontrava
afastado, na pessoa de Antônio Olinto dos Santos Pires. E do Ministério de Campos
Sales, quando Olinto Magalhães ocupou a Pasta das Relações Exteriores. Dessa forma,
a única vez, que participou por toda a gestão, a fez em uma pasta considerada pelos
atores políticos da época como “pouco política”.
80
2.1.1 O “Bloco” como construção de um eixo-alternativo
12
Os personagens que atuaram no evento em foco, muito embora sejam, no decorrer
do texto, citados individualmente, o fizeram como representantes de suas oligarquias
estaduais, na defesa explícita das mesmas, na intensa luta que se travou em torno da
indicação final de Afonso Pena.
13
O manifesto foi publicado em 5 de setembro de 1905.
14
Referência de Rodrigues Alves Filho ao papel de Pinheiro Machado na sucessão
de 1906, AAP, caixa 15, doc. 28.2. AN.
81
da cisão do PRF, manteve-se ao lado dos republicanos, em oposição aos
concentrados, tentando impor o nome de Castilhos como candidato de opo-
sição a Campos Sales. Derrotado, manteve discreto apoio à candidatura de
Lauro Sodré e aderiu rapidamente ao nome vitorioso, tornando-se o prin-
cipal articulador político do novo governo. Nesta função, aprofundou suas
divergências com Pernambuco, uma vez que Campos Sales sofria oposição
direta de seu vice-presidente, o pernambucano Rosa e Silva.
Além do mais, na condição de vice-presidente do Senado Federal, Pi-
nheiro controlava o reconhecimento dos poderes na Câmara Alta.15 Por meio
deste instituto, podia controlar o acesso ao poder dos pequenos estados, os
quais não tinham força política suficiente para reconhecer os seus próprios
representantes. José Maria Bello destaca que o controle de Pinheiro sobre
o Legislativo fez com que, na prática, ressurgisse o PRF, sobre novas bases
(Bello, 1972:196). Por meio desse controle conseguia a sujeição dos gover-
nadores de forma indireta. Caso os governadores fossem de encontro aos
interesses de Pinheiro Machado, perderiam o apoio de suas bancadas, em
geral, servis às ordens do gaúcho, pois dele dependiam seus reconhecimentos.
Segundo outro analista, o reconhecimento fora uma válvula aberta esquecida
pela “política dos estados”, a qual fugia do controle do Executivo Federal
(Pôrto, 1951:117 e 118).
O poder sobre os pequenos estados nas mãos do Rio Grande do Sul,
especialmente os do norte e do nordeste, garantia ao estado um peso sig-
nificativo na Federação. Além disto, sua histórica associação ao Exército,
somada ao tamanho de sua bancada (a sexta maior do país) e a sua força
econômica, fazia do estado um dos mais proeminentes.
Tal poder só era ameaçado pela Bahia e Pernambuco, estados que
também advogavam a posição de centro, em torno do qual vagavam os
satélites setentrionais do Brasil. O poder do Rio Grande era, assim, inver-
samente proporcional ao poder da Bahia e Pernambuco. Daí justificar-se a
progressiva oposição ao nome de Pinheiro Machado por parte de baianos
e pernambucanos.
15
Segundo Armelle Enders (1993), o Senado, base do poder de Pinheiro Machado, era
mais fácil de ser controlado do que a Câmara de Deputados em função da paridade
representativa. O número igual de senadores por estado diminuía o controle dos
grandes estados sobre os pequenos, abrindo espaço para o poder do senador gaúcho. A
aliança estabelecida entre Pinheiro Machado e Antônio Azeredo veio a fortalecer, mais
ainda, o poder do primeiro, uma vez que o segundo era proprietário de importantes
jornais. Conforme Enders (1993:370), esta inserção na imprensa era complementada
por suas boas relações com dois jornalistas de importância, Alcindo Guanabara e
Gilberto Amado.
82
A ação de Pinheiro Machado contra a Bahia manifestou-se na tenta-
tiva de diminuição de seu coeficiente eleitoral, através da eliminação dos
“fósforos”, eleitores fantasmas. A redução do coeficiente eleitoral da Bahia
colocaria o Rio Grande do Sul em melhor posição em número de eleitores.
Além disto, atuava no sentido de ampliar as disputas intra-oligárquicas
baianas, fragilizando o estado em sua participação política nacional.
Muito embora Pinheiro, até então, se colocasse ao lado de São Paulo,
na condição de seu aliado político, mantinha relativa independência, nunca
se colocando como um cliente incondicional dos paulistas, como o seria,
posteriormente, seu sucessor na vice-presidência do Senado, Antônio Aze-
redo (Love, 1975:148). Esta relativa independência começou a ganhar ares
de oposição, no momento da sucessão de Rodrigues Alves.
16
Ver Castro (1982:147) e Mota Filho (1941:204).
17
Cartas e demais documentos que compõem o ARA, Lata 806, pasta 48, IHGB.
18
Conforme anotações de Rodrigues Alves, ARA, Lata 806, Pasta 48, IHGB.
83
A atitude de Pinheiro Machado, ao lançar um segundo nome na disputa,
acabou por se constituir na marca de sua atuação nas sucessões presidenciais
subsequentes. Pinheiro usava como artifício a indicação de vários nomes
ao mesmo tempo, complicando o quadro sucessório. Quanto mais nomes
eram lançados, mais divididas ficavam as lideranças e mais fragilizados
tornavam-se os nomes indicados. A indicação de outros nomes mineiros
serviria, mais tarde, para dividir também o PRM.19
Afonso Arinos (Franco, 1955:459-460.) destaca que a intenção dos
gaúchos era evitar que o Catete indicasse o seu sucessor, visão que nos
parece bastante adequada. Na análise que fizemos, percebe-se que a
oposição de Pinheiro não se dirigia propriamente a nomes, mas ao mo-
delo que se fortalecia no regime, o qual previa o controle do Executivo
sobre a sua renovação. A persistir tal prática, o seu próprio nome e a
participação do Rio Grande do Sul estariam vetados ou condicionados
ao aceite de São Paulo, que, até então, monopolizava a Presidência da
República.
De qualquer forma, o Rio Grande teve êxito em seus objetivos. O pri-
meiro paulista a sustentar o nome de Campos Sales foi Arnolfo Azevedo e o
primeiro a se opor a ele foi, nada mais nada menos, que o então presidente
de São Paulo, Jorge Tibiriçá. Em nenhum momento, Afonso Pena chegou
a receber apoio do situacionismo paulista.
Ao que tudo indica, o nome de Bernardino de Campos surgiu no início
de 1905, por iniciativa do governador paulista, como reação às duas can-
didaturas já postas, a de Afonso Pena e a de Campos Sales.20
19
Conforme citado por Franco (1973:540). Pinheiro indicou, segundo o autor, além
de Campos Sales, os nomes de Quintino Bocaiúva, Francisco Sales e Bias Fortes.
20
Conforme anotações de Rodrigues Alves Acerca de sua sucessão, ARA, lata 806,
pasta 48, IHGB. Existem, porém, algumas referências empíricas de que o principal
responsável pela candidatura Bernardino de Campos teria sido Francisco Glicério:
carta de Aarão Reis a Afonso Pena de 18 de janeiro de 1905, AAP, Caixa 13, doc.
25.7, AN e Jornal O Pharol de 28 de outubro de 1905. CPH, AH. Nos contatos
epistolares travados no período, entre os situacionismos mineiro e paulista, R. Alves
afirmava não ter sido o responsável direto pela indicação do nome de Bernardino de
Campos, a qual resultara na intervenção de Jorge Tibiriçá, como uma reação natural
ao lançamento do nome de Campos Sales, com o que concorda Weiner (1980:178).
Atestam os fatos relatados: carta de R. Alves a Afonso Pena de 15 de março de 1905,
AAP, caixa 7, doc. 17.21, AN. e afirmações de Rodrigues Alves Filho, AAP, caixa
15, doc. 28.1, AN. Cartas trocadas entre Francisco Sales e Ribeiro Junqueira, 29 e
30 de abril de 1905, ARJ, códigos 03.02.05 C, CPDOC e Carta de Feliciano Pena a
Afonso Pena de 25 de abril de 1905, AAP, Caixa 12, doc. 24.12, AN.
84
Prontamente, o presidente Rodrigues Alves chamou a si a responsabili-
dade de encaminhar a quarta candidatura paulista, telegrafando mensagens
a vários estados para apresentar o nome de Bernardino de Campos. Segundo
relato já citado, do próprio Rodrigues Alves, a aceitação da indicação por
boa parte dos pequenos estados, à exceção do Paraná, foi um sinal da via-
bilidade da candidatura. Quanto aos grandes, sabia-se que o Rio Grande
do Sul e a Bahia não o acompanhariam; o primeiro por já ter lançado um
nome; o segundo, por encontrar-se em oposição ao governo federal, desde
que a escolha do Ministro oriundo da Bahia, José Joaquim Seabra, havia
recaído sobre um elemento da oposição a José Marcelino, então governador.
Esperava-se, porém, que Minas Gerais acolhesse o nome paulista,
contentando-se com a vice-presidência, para a qual se articulava o nome
do próprio governador do estado, Francisco Sales. Além de Minas, na visão
de Alves, os estados do Rio de Janeiro e Pernambuco certamente estariam
com o Catete.
A posição da Bahia era por demais complexa. O governador do estado
foi o responsável pela colocação de um quarto nome na disputa, o de Rui
Barbosa. Um forte suporte político à candidatura de Rui veio a ser dado por
Antônio Azeredo, que, além de trazer o estado do Mato Grosso, era proprie-
tário do Jornal A Tribuna e do periódico O Malho, que se especializou na
crítica ao governo de Rodrigues Alves, através de seus inúmeros cartoons.
A Bahia, em função de suas acirradas disputas internas, dividia-se entre
as várias candidaturas.
Pernambuco, representado no nível nacional pela liderança de Rosa e
Silva, conforme previa Rodrigues Alves, estava disposto a adotar a candi-
datura oficial, deixando claro, porém, que preferia o nome mineiro, con-
dicionada a sua aceitação pelo próprio Catete. Pernambuco conhecia bem
o alto custo pago por ter permanecido em oposição ao governo federal, no
governo anterior. Seu líder, Rosa e Silva, tinha como principal objetivo
refutar a candidatura de Campos Sales, em função da disputa seca que
travava com Pinheiro Machado pelo controle das oligarquias setentrionais,
além do fato de ter sido opositor a Sales em seu governo presidencial. Até os
primeiros meses de 1905, o processo sucessório, não obstante a existência
de quatro candidaturas (Afonso Pena, Bernardino de Campos, Campos
Sales e Rui Barbosa), parecia caminhar para a solução paulista, através
do nome indicado pelo Catete. O PRP, unido em torno de Bernardino de
Campos e com o aceite de Minas Gerais e Pernambuco, além do apoio de
uma das facções da Bahia, teria força suficiente para reunir os pequenos
estados e viabilizar seu intento. Mas alguns elementos novos alteravam a
composição do cenário. Os três maiores estados, pilares de sustentação do
85
governo federal, estavam divididos. A Bahia entre os nomes lançados; Minas
Gerais entre o apoio ao Catete e a sustentação de Afonso Pena; São Paulo
entre dois paulistas, Bernardino de Campos, indicado pelo situacionismo, e
Campos Sales, indicado pelo Rio Grande, com pequenas adesões paulistas. 21
O abalo na sustentação do governo de Rodrigues Alves não era resul-
tante apenas dessas disputas interestaduais. O ano de 1904 havia sido o
palco de protestos populares e levantes militares contra o projeto de reforma
urbana implementado pelo Presidente, através de seu preposto no Distrito
Federal, o prefeito Pereira Passos.22
Tal desgaste, vencida a primeira metade do quatriênio, ocorria em um
período que, como vimos, se processavam as conversações e acordos em
torno da sucessão presidencial, complicando o controle político do Catete
sobre o processo.
Além disto, as relações entre o Executivo Federal e os estados começaram
também a se complicar. Da Bahia surgiriam oposições veementes, não só de Rui
Barbosa, como do próprio governador José Marcelino, às ações repressivas do
governo federal. O representante do Estado no governo, J. J. Seabra, havia sido
convencido, pelo próprio Rodrigues Alves, a arquivar sua carta de demissão em
razão de discordâncias em relação às medidas de Oswaldo Cruz. O Rio Grande
do Sul, tendo rompido com o Catete após a indicação de Campos Sales à Pre-
sidência, agia no sentido de fragilizar ainda mais o Executivo no Congresso. O
Rio de Janeiro, palco das lutas sociais, concentrava a pirotecnia da oposição ao
governo. Ao mesmo tempo, o Rio de Janeiro já havia se manifestado contrário
à indicação de Bernardino de Campos à Presidência.
Desta forma, a aliança que garantiu a sustentação de Alves na Presidên-
cia, um “triângulo” formado por São Paulo, Minas Gerais e Bahia, estava
desfeito. Perdido o apoio da Bahia, e encontrando-se São Paulo dividido,
restava a Minas Gerais o mais importante papel na sustentação do gover-
no. A análise de um deputado do período era então muito pertinente: “(...)
A Nação, perdido o antigo centro, cindiu-se em corpos de volume e peso
diversos. Atraídos os menores começaram a girar em torno dos maiores e
todos giram em torno do mais pesado, o Estado de Minas” (Relato de Fausto
Cardoso In: Franco, 1955:516).
21
Para Weiner (1980:177), o PRP já estava dividido internamente entre as candidaturas
potenciais de Campos Sales e Prudente de Morais. A indicação de Bernardino de
Campos dividiu mais ainda o partido. Campos Sales era o nome de maior oposição a
Bernardino de Campos, uma vez que este havia sido lançado por Pinheiro Machado.
22
A este respeito ver, entre outros, Benchimol (1992), Carvalho (1989, cap. 4),
Sevcenko (1993).
86
Minas tem a chave do processo sucessório...
87
na suficiente para fazer valer os seus interesses. Iria então buscar estas
forças fora de Minas.23
A falta de uma adesão pronta e rápida do situacionismo mineiro ao
nome de Afonso Pena abria espaço para o surgimento de outros nomes e
afastava de Pena o eventual apoio de outros estados. A posição de Minas
foi avaliada, por um personagem da época, da seguinte forma:
Minas é de sua natureza pacata [e] provavelmente não levará sua aspi-
ração ao ponto de resistir à deliberação que for tomada. Provavelmente,
depois de ter lembrado a candidatura de um mineiro, se resignará a
aceitar outra qualquer. Minas sabe que sua insubordinação não lhe
daria a vitória, mas a condenaria às consequências da má vontade e do
despeito do candidato vitorioso, coisas que são para se recear quando a
gente se lembra de que o estado precisa muitas vezes dos bons ofícios, da
tolerância e dos favores da União. (Correspondência de Feliciano Pena a
Afonso Pena de 3 de março de 1905, AAP, Caixa 12, doc. 24.8, AN )24
23
Pelo que nos foi possível averiguar, faziam parte do grupo de sustentação do nome de
A. Pena os políticos mineiros que, em sua maioria, haviam sido Republicanos Históricos
e eram oriundos da Zona da Mata Mineira. Do segundo grupo destacavam-se políticos
majoritariamente oriundos do sul e centro de Minas e responsáveis pelo acordo que
deu origem ao “novo PRM” na eleição de Silviano Brandão à presidência do estado.
24
Ver também: correspondência de Sabino Barroso a João Pinheiro de 22 de janeiro de
1905, AJP, Caixa 11, doc. 1613, APM; correspondências de João Ribeiro e Feliciano
Pena a Afonso Pena, em fevereiro de 1905, caixas 12 e 15 do AAP, docs 24.06 e
28.50, respectivamente, AN.
88
dirigiu-se diretamente aos mineiros, manifestando seu apoio incondicional
à candidatura de Bernardino de Campos. Diante dessa posição firme do
Catete, ao lado de Bernardino de Campos, o grupo de Sales preferiu recuar
a cair na oposição.25 Como surgiram resistências ao fato de Minas abrir
mão de seu próprio candidato, o qual estava tendo boa receptividade, o
resultado foi uma tentativa de Francisco Sales em encaminhar uma proposta
conciliatória, qual seja, a de os mineiros levarem o nome de Afonso Pena
à convenção de setembro, na expectativa de que o mesmo fosse aceito pelo
Catete. Caso contrário, Minas acataria a decisão da convenção e não iria às
urnas para uma disputa aberta contra Bernardino de Campos.26
25
Conforme carta de Carlos Peixoto a Bias Fortes em 22 de março de 1905, AAP,
caixa 9, doc. 21.26, AN. e carta de Delfim Moreira a Wenceslau Brás de 26 de março
de 1905, AWB, VB, DF, 441, CPDOC.
26
A este respeito ver: correspondências trocadas entre Francisco Sales e Ribeiro
Junqueira em 29 e 30 de abril de 1905, ARJ, código 03.02.05-C, CPDOC.
27
A correspondência, já citada entre Feliciano Pena e Afonso Pena (3 de março
de 1905), remete à necessidade de uma aliança entre estados opositores a
Bernardino de Campos, AAP, caixa 12, doc. 24.8, AN. A carta de Pinheiro
Machado a Afonso Pena, datada de 3 de abril de 1905, AAP, caixa 10, doc.22.78,
AN, já fala sobre a existência de uma “coligação”, que se tornava cada vez mais
prestigiada.
28
“Se não me engano, Minas, Bahia e Rio Grande já poderão se entender e em redor
desse centro virão outros estados” (Palavras de Feliciano Pena, em carta a Afonso
Pena de 20 de março de 1905, AAP, Caixa 12, doc. 24.9, AN).
29
Sales havia comunicado a Pinheiro Machado a sua desistência, no mês de março de
89
interessava um candidato indicado pelo Catete, o qual, se eleito, manteria a
correlação de forças em andamento, que relegava ao Rio Grande um papel
secundário no cenário nacional. Sem candidato próprio, restava a ele ou
aproximar-se do nome mineiro ou do nome de Rui Barbosa. O candidato
baiano não reunia muito apoio, nem mesmo de seu estado de origem, no
qual só dispunha do controle de 1/3 dos municípios. Além disto, a força
política da Bahia era menor que a de Minas Gerais, em função não só do
tamanho de sua bancada, como de sua economia. Assim, Pinheiro dispôs-
se, primeiramente, a agilizar os acordos com Minas, em busca de um
posicionamento comum.30
Estabelecida a aliança com o Rio Grande do Sul, os articuladores
mineiros da candidatura Pena adquiriram um álibi poderoso, que forçaria
Minas Gerais a vir completamente em apoio ao seu nome. Mas o grupo de
Francisco Sales parecia estar cada vez mais próximo de Rodrigues Alves.31
Apesar da crescente perda de apoio por parte do candidato paulista,
a insistência do Catete em viabilizar o seu nome era contínua. Consta
que, em maio de 1905, o Jornal do Comércio fora adquirido pelo PRP,
com o fim de fortalecer o nome de Bernardino de Campos. Longe estava
de São Paulo a suposição de que Minas Gerais se aliaria ao Rio Grande
do Sul, apesar dos contínuos reclames de Rodrigues Alves, em relação
à dubiedade de Francisco Sales. Não podendo assumir uma posição de
franca hostilidade a Afonso Pena, Francisco Sales mantinha-se silencioso,
aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Segundo referências de Melo
Franco, a posição de Francisco Sales era própria do Vaticano: “pedra em
1905. Pinheiro recebeu de Sales, porém, o aval para reter a informação, só a divul-
gando em ocasião mais propícia, com o objetivo de usá-la como moeda de troca, em
futuras negociações. A desistência de Sales se dera em função do comprometimento
irreversível do situacionismo paulista com a candidatura de Bernardino de Campos
e o seu desejo em não ser instrumento de divisão de seus conterrâneos (Artigo de
Campos Sales publicado no “Jornal do Comércio” em 19 de agosto de 1905, AAP,
caixa 24, doc. 48.47, AN).
30
Conforme correspondências trocadas entre Campista e Afonso Pena de 5 e 7 de
maio de 1905, AAP, caixa 8, docs. 19.5 e 19.6. AN. Os paulistas só vieram a saber
da desistência de Campos Sales dois meses depois, de acordo com anotações que
constam da agenda de Rodrigues Alves no dia 29 de julho de 1905, Lata 806, pasta
55, ARA, IHGB.
31
A postura de Minas Gerais em indicar Carlos Peixoto como líder da maioria, em
substituição ao gaúcho Cassiano do Nascimento, o qual renunciara por discordar da
indicação de Bernardino de Campos, era um claro sinal de que a situação mineira
mantinha-se fiel às pretensões paulistas.
90
cima e adiamento”, além da estratégia de “embaraçar as escolhas” (Carta
de Melo Franco a João Pinheiro em 4 de setembro de 1905, AJP, caixa
12, doc. 1674, APM).
Na realidade, o medo de Francisco Sales em dissentir dos paulistas
era muito grande e tinha o seu fundamento, conforme ele mesmo afirma
em carta a Afonso Pena:
32
Resposta de Afonso Pena a Francisco Sales em 6 de junho de 1905, AAP, Caixa
91
Por outro lado, o nome paulista perdia terreno nos campos civil e militar.
A rejeição dos militares ao governo de Alves explicava-se pela dura repressão
de suas revoltas, no ano de 1904, cujos principais atingidos haviam sido
os elementos remanescentes do movimento jacobino. O Exército, como ator
político, postava-se ao lado da oposição que se articulava (Caderneta de
notas de Rodrigues Alves, ARA, lata 806, pasta 55, IHGB).
A partir do que foi visto, nota-se uma fragilização progressiva de São
Paulo no processo sucessório. A desistência de Campos Sales aproximou o
Rio Grande do Sul do candidato mineiro, fortalecendo-o, em sua disputa
interna pelo apoio do situacionismo mineiro. Antes, os estados dissidentes
reuniam-se em torno de nomes próprios. Agora, o que os unia era um ele-
mento muito mais forte, qual seja a possibilidade de impedir a monopolização
da Presidência da República por São Paulo.
13, doc. 25.49, AN e carta de Afonso Pena a Bias Fortes em 6 de junho de 1905,
AAP, caixa 6, doc. 16.197, AN.
92
à tradição herdada por ter sido importante Província no período imperial,
a Bahia teve ativa participação nos primeiros anos do regime republicano e
aspirava a aumentar este poder. Ocupou a vice-presidência no governo de
Prudente de Morais e, não fosse o súbito e inesperado retorno do Presidente
ao Catete, Manoel Vitorino teria levado a frente à presidência do país, entre-
gue, naquele momento, às hostes florianistas. Portanto, a candidatura de Rui
Barbosa também era a expressão do descontentamento da Bahia em relação
à sua posição no cenário nacional e um protesto ao pretendido monopólio de
São Paulo sobre o novo regime. Simbólico ou não, o lançamento do nome de
Rui Barbosa foi estratégico, pois era a expressão do descontentamento dos
baianos em relação aos critérios de divisão de poder em curso.
A maior estratégia de fortalecimento do nome de Rui Barbosa era o
projeto de anistia aos presos em função dos levantes militar e civil, ante-
riormente citados, os quais seriam punidos com extradição para o Acre.
Os jornais baianos aliaram-se na defesa do projeto, encontrando nele o
caminho para alavancar o nome de Rui Barbosa e ampliar a sua oposição
ao Catete. Este posicionamento da Bahia refletia uma nova divergência em
relação ao governo federal, que se ampliava com o tempo.33
A possível adesão da Bahia a um eventual acordo entre Minas e Rio
Grande, com a retirada do nome de Rui, começou a ser ventilada, em finais
de junho, por iniciativa de Antônio Azeredo, um dos maiores patrocinadores
do nome baiano, conforme pode ser observado pela citação a seguir:
33
Conforme correspondência de Feliciano Pena a Afonso Pena de 8 de julho de 1905,
AAP, Caixa 12, doc. 24.18 A, AN; e caderneta de notas de Rodrigues Alves, ARA,
lata 806, pasta 55, IHGB.
34
Ver também carta de Feliciano a Afonso Pena de 21 de junho de 1905, AAP,
caixa 12, doc. 24.13, AN; carta de Rui Barbosa a José Marcelino em 23 de julho de
1905, AAP, caixa 15, doc. 28.6, AN; carta de Rui Barbosa a Pinheiro Machado da
mesma data localizada no ARB, FCR 848-3, FCR; e carta de Rui Barbosa a Pinheiro
Machado em 23 de julho de 1905, ARB, doc. 848-3, FCR.
93
estava em conversação com os seus conterrâneos. A fragilização do nome de
Bernardino de Campos e a garantia de apoio dos grandes estados, como Rio
Grande do Sul, Bahia, os quais estavam confirmados, e os prováveis apoios
de Pernambuco e Rio de Janeiro dariam a Minas Gerais a garantia da vitória.
O manifesto de desistência de Rui Barbosa foi publicado em agosto de
1905, no qual ele alegava que desistia em prol da Coligação, que surgira
como um protesto contra a maneira como o Catete conduzira o processo
sucessório.35 Rui Barbosa percebia o grau de importância que a Coligação
atingia, na reformulação das bases sobre as quais se apoiava o poder dos
estados. Na citação a seguir, expressava muito bem o que queríamos dizer,
ao nos referirmos à construção do “segundo princípio norteador” do modelo
sucessório proposto:
35
A Coligação era também conhecida como “o Bloco” em provável alusão à aliança
eleitoral feita na França entre os partidos de esquerda, conforme Franco (1955: 464).
94
Esta mudança de posição de Minas não coadunava com a imagem
de “boiada” relativa à bancada mineira, atribuída como tendo origem em
Campos Sales. Nas palavras de Sertório de Castro, Minas abria mão de
sua habitual postura, por influência do Rio Grande do Sul, tornando-se um
instrumento dócil da ação de Pinheiro Machado:
A política de Minas foi sempre, com efeito, muito moderada nos seus movimen-
tos, muito discreta nas suas aspirações. Repugnou sempre à sua índole forçar
a conquista de posições, e nunca deixou de colaborar de bom grado, despre-
tensiosa e modesta, no predomínio de outras unidades. (Castro, 1982:149)
36
Conforme cartas trocadas entre Francisco Sales e Afonso Pena em 15 de agosto de
1905, AAP, caixa 5, doc. 8.5 e caixa 13, doc. 25.54, AN.
95
A adesão de São Paulo ao acordo, porém, não foi bem recebida pelos
membros da Coligação. Rui Barbosa afirmava em relação ao apoio que:
O nome de Pena foi lançado por um manifesto redigido por Rui Barbo-
sa e assinado pelos estados coligados. O manifesto prestava-se, ao mesmo
tempo, a criticar o governo Rodrigues Alves, principalmente pela forma
como tentara conduzir a sua própria sucessão. Embora cinco paulistas o
tenham assinado, nenhum membro do situacionismo o fez, não obstante a
atitude do Catete em liberar seus representantes para assumir a posição
que julgassem conveniente. João Pinheiro tentou, em vão, retirar do texto as
críticas mais duras dirigidas ao Catete pelo manifesto (Notas de Rodrigues
Alves acerca de sua sucessão, ARA, lata 806, pasta 48, IHGB). Não tendo
êxito, o situacionismo paulista recusou-se a assiná-lo, bem como os estados
a ele fortemente aliados, como Pernambuco, Maranhão, Paraná e Sergipe.37
A recusa de São Paulo em assinar o manifesto deu ensejo a variadas
dúvidas acerca de sua real adesão ao nome mineiro. Toda a correspondência
alusiva a este período expressa dúvidas em relação à posição do Catete e
um cuidado especial, por parte dos mineiros, em não afastá-los de vez das
negociações. Além disso, o Jornal O País, ligado ao situacionismo paulista,
publicava notas que denunciavam a provável corrupção de Afonso Pena na
gestão financeira do governo anterior.38
Através do exame apurado dos acontecimentos, percebe-se clara-
mente que a adesão de São Paulo à candidatura de Afonso Pena, além
de tardia, não era de fato desejada por eles. A intenção dos paulistas era
a de permanecer com o controle sobre a República e só se afastaram
desse intento por terem sido derrotados por uma inesperada aliança entre
pequenos, médios e grandes estados. Permanecer na oposição era sempre
37
Provavelmente a recusa de Rosa e Silva em endossar o Manifesto deveu-se ao apoio
de Pinheiro Machado ao mesmo.
38
Carta de Feliciano a Afonso Pena de 28 de setembro de 1905, na qual ele acusa
o Catete de estar por trás das acusações sobre Afonso Pena, AAP, caixa 12, doc.
24.22, AN.
96
um risco, que São Paulo não poderia correr. Aderir ao nome mineiro foi
então um mal menor.
A escolha da vice-presidência tem sido apresentada como uma vitória
dos interesses da Coligação contra Afonso Pena.39 No entanto, pelo que
nos foi possível analisar, fazia parte do acordo a neutralidade de Minas
em relação à escolha do nome. Pena aceitou a indicação de Nilo Peçanha
e nada nos permite afirmar que o fez a contragosto.
A escolha de Nilo Peçanha deu à chapa um tom de maior oposição ao
Catete, na medida em que seu nome era bastante hostil ao governo de Alves.
Mas o apoio de Minas à decisão impediu qualquer aventura de protesto, por
parte de São Paulo. Após a escolha do vice, a adesão formal de Pernambuco
à Coligação ocorreu em princípios de setembro e o apoio oficial do PRP só
veio em meados do mesmo mês. 40
39
Acerca da escolha do vice-presidente nos embasamos nos seguintes documentos:
16.52 e 16.207 da caixa 6 e dos documentos 25.55 e 25.67 da caixa 13 do AAP,
AN; além de documentos da pasta 48, lata 806 ARA, IHGB e conforme informações
que constam de cartas trocadas entre A.Pena e Leopoldo Bulhões em 30 de agosto
e 4 de setembro de 1905, AAP, caixa 6, doc. 16.52 e caixa 9, doc. 21.120, AN.
40
Conforme carta de Henrique Diniz a Afonso Pena de 5 de setembro de 1905, AAP,
Caixa 8, doc. 12.13 e carta de Glicério a A.Pena em 13 de setembro de 1905. AAP,
caixa 10, doc. 22.12, AN.
97
2.2 Candidaturas Presidenciais e Interesses Cafeeiros
41
Ver Fausto (1989:216-217), Bello (1972:195), Carone (1988:230-232), Love
(1982:253-254). Joseph Love (1975:150), em seu livro anterior, afirmou, entretanto,
que a entrevista não teria sido tão anti-intervencionista assim, uma vez que Bernardino
de Campos previa a proteção do Estado sobre as vendas de café no exterior. Eduardo
Kugelmas (1986:129) discorda igualmente do caráter não intervencionista da entre-
vista, alegando que nela são tecidas considerações gerais acerca da economia nacional
e, mesmo tendo por doutrina o livre-cambismo, Bernardino de Campos considerava
a intervenção do Estado sobre a economia indeclinável.
42
Ver Martins Filho (1981:36), Lacombe (1986:262) e Weiner (1980:181).
43
Ver Fleischer (1978:33), Franco (1973:544) e Bello (1972:195).
98
Após esta entrevista, concedida ao final de junho de 1905, o nome
de Bernardino teria se fragilizado e sua candidatura se tornado inviável.
A cisão entre os paulistas teria aberto espaço para o advento de outras
candidaturas, culminando com o apoio dos paulistas ao nome mineiro em
razão de suas conhecidas teses intervencionistas.44
Tendemos a discordar do impacto atribuído à referida entrevista sobre
a candidatura paulista e, ao mesmo tempo, de seu conteúdo ortodoxo. Na
pesquisa que realizamos, não encontramos nenhum documento da época que
se referisse à entrevista de Bernardino de Campos como sendo a responsá-
vel pela fragilização de sua candidatura. A única referência empírica que
encontramos, acerca da referida entrevista, estava na agenda de Rodrigues
Alves, a qual narra que Alcindo Guanabara, após o término da mesma, a
teria apresentado a Rodrigues Alves e ao próprio Bernardino de Campos,
para receber uma prévia aprovação dos mesmos; a qual foi concedida sem
problemas, recebendo Alcindo Guanabara, inclusive, elogios, por ter sido a
entrevista tão bem escrita (Caderneta de notas de Rodrigues Alves relativa
ao dia 17 de junho de 1905, ARA, Lata 806, pasta 55, IHGB).
Caso a mesma tivesse realmente causado danos ao nome do Catete,
certamente Rodrigues Alves, que dedicou muitas páginas à análise das
razões que teriam levado ao fracasso da candidatura, teria levado o fato em
consideração, o que não ocorreu. O mesmo pode ser dito em relação aos
inúmeros contatos epistolares do período. Nas correspondências trocadas en-
tre os diferentes atores envolvidos no processo sucessório, não encontramos
qualquer referência às teses ortodoxas de Bernardino e o impacto negativo
das mesmas sobre sua candidatura. Todas as referências encontradas acerca
da fragilização do nome de Bernardino de Campos referem-se à perda de
apoio do candidato por parte dos grandes estados, processo que havia se
iniciado bem antes da entrevista, o que nos leva a concluir que, de fato, o
seu nome só foi retirado da disputa após o advento da Coligação, a qual
isolou São Paulo na defesa do candidato, inviabilizando a sua vitória eleitoral.
Segundo o relato de Rodrigues Alves, o golpe mortal contra a candi-
datura de Bernardino de Campos fora o posicionamento de Glicério, que,
ao ver o enfraquecimento da mesma, sugeriu que o nome fosse substituído
pelo de Campos Sales, dividindo de vez o situacionismo paulista, o que
ocorreu ao final de julho. Para Alves, mesmo sem o apoio de outros estados,
São Paulo poderia, unido, viabilizar o nome de Bernardino. Mas a elite
paulista dividiu-se a partir do momento em que Glicério retomou o nome de
Campos Sales (Notas de Rodrigues Alves, ARA, lata 806, pasta 48, IHGB).
44
Ver Love (1982:276), Castro (1982:153) e Carone (1988:233),
99
Como vimos, este nome só fora alçado como uma tentativa de fragilizar a
já existente Coligação, afastando dela o Rio Grande do Sul. Não obtendo o
êxito desejado, o nome de Bernardino foi retirado da disputa.
Ao analisarmos a entrevista, percebemos, com maior clareza, o real
conteúdo da plataforma de Bernardino de Campos. O entrevistador ob-
jetivava ter uma visão ampla da plataforma do entrevistado acerca dos
pontos de interesse geral do Brasil no período, e estes interesses estavam
voltados, sobretudo, para a questão monetária e a questão cafeicultora,
ambas associadas ao declínio vertiginoso dos preços do café em curso. Daí
explicar-se uma maior concentração da abordagem do candidato sobre as
questões econômicas.
A citada entrevista consiste em exposição sumária da plataforma polí-
tica do candidato. Durante toda a exposição refere-se ao Relatório de sua
gestão na Pasta da Fazenda, escrito em 1897, no qual se deteve com rigor
nas questões econômicas que afligiam o país, propondo soluções.
Duas premissas básicas norteavam a exposição do candidato. A primeira
era uma avaliação otimista da economia brasileira. O passado, que era visto
criticamente, correspondia aos primeiros anos da República, marcados pela
especulação financeira, decorrente da desvalorização cambial, próprias
do período do Encilhamento. Vencidas as turbulências, o país caminhava,
celeremente, rumo a sua independência econômica, a qual consistia na
diversificação e incremento da produção agrícola, para que o país prescin-
disse de importar gêneros alimentícios que pudessem aqui ser produzidos.
A segunda premissa de sua plataforma era a continuidade política em
relação aos governos paulistas anteriores. Assim sendo, nada justifica a
afirmação de que seu nome teria sido rejeitado pelo próprio situacionismo
paulista, em função da ruptura com os governos anteriores.
Com base nestas duas premissas, o candidato aborda os seguintes te-
mas: a política econômica em relação ao café, à indústria, à mão de obra,
aos impostos e à agricultura em geral; a instrução pública; as relações
exteriores e as forças armadas.
A sua plataforma em relação à economia nacional é o nó górdio da
discussão, e nosso objetivo é avaliar se a plataforma defendida pelo candi-
dato ia ou não de encontro aos interesses dos cafeicultores. De forma geral,
poderíamos resumir os interesses do setor cafeicultor, naquela conjuntura,
em cinco itens:
a) política de intervenção do Estado sobre o mercado do café para
garantia de valorização do produto;
100
c) proteção cambial que evitasse uma valorização muito grande da mo-
eda nacional em prejuízo dos exportadores;
101
Em relação ao terceiro item, política cambial, o candidato manifesta-se
favorável à intervenção do Estado sobre o controle do câmbio, ao contrário
do que afirmam aqueles que atribuem a Bernardino de Campos uma posição
livre-cambista. Refere-se, porém, a uma política de câmbio fixo e estável,
garantido pela continuidade do resgate de papel-moeda inconversível. O
seu objetivo é valorizar ao máximo o câmbio, para que, no menor espaço de
tempo, a moeda nacional atinja o seu valor legal. Defende a continuidade da
política financeira dos dois presidentes paulistas, Campos Sales e Rodrigues
Alves. Diferenciando-se, porém, do segundo, defende o instituto da Caixa
de Conversão, a qual se destinaria ao controle cambial:
102
deveria ser taxada diretamente, através do imposto sobre a renda. Isto não
implicava em ir de encontro aos interesses dos estados que tinham toda
a sua renda associada à captação do referido imposto, na medida em que
procurava garantir nova fonte de renda para os mesmos. Sua discordância
em relação ao imposto de exportação era de princípio, e em nenhum mo-
mento falou em retirá-lo.
Quanto ao quinto e último item, relativo à disponibilização de mão de
obra, de interesse direto da cafeicultura, principalmente a mineira, a qual
progressivamente vinha perdendo mão de obra para as fazendas paulistas,
cujas remunerações eram maiores, o candidato associava a disponibilidade
de trabalho à instrução e à regulamentação das relações capital-trabalho.
Neste item refere-se novamente a necessidade de intervenção do Estado para
atuar na qualificação da mão de obra agrícola e para adequar as relações
de assalariamento no campo.
A partir das próprias respostas concedidas pelo candidato, não há
como avaliá-las como contrárias aos interesses dos cafeicultores. Como
vimos, o candidato mostrou-se favorável às reivindicações básicas do setor,
aproximando-se muito, conforme veremos, das teses defendidas pela plata-
forma política de Afonso Pena.
Outro tema econômico abordado pelo candidato relacionava-se a um
outro setor da economia nacional, diretamente ligado à cafeicultura, que
era o industrial. Sabe-se que a grande reivindicação do setor era a proteção
tarifária sobre os produtos nacionais. Bernardino manifestou-se favoravel-
mente ao tema: “A tarifa aduaneira é o grande instrumento de defesa e de
propulsão para o progresso: este instrumento deve ser utilizado com cautela
mas com firmeza” (Guanabara, 1905:2, c.1-7).
Embora se recusasse a duplicar a tarifa aduaneira, concordava que a
intervenção do Estado se desse no sentido de assegurar mercado para os
produtos nacionais. Ao mesmo tempo, defendia a redução de fretes para o
setor, além de melhorias no transporte marítimo e ferroviário.
Defendia, igualmente, a cobrança dos direitos aduaneiros em ouro, o
que era também uma reivindicação dos setores industriais. Steven Topik
(1989:155), porém, nos alerta que tal medida, além de eventualmente ser
favorável aos interesses dos industriais nacionais, significava, antes de tudo,
uma proteção à receita da União, uma vez que a mesma vivia do imposto
sobre a importação.
Quanto às outras questões gerais de administração, o candidato con-
centrou-se pouco. Defendeu um investimento crescente nas forças armadas,
através da melhoria de armamentos e investimento na instrução militar. Neste
caso, nada foi dito que pudesse gerar oposições do Exército em relação ao seu
103
programa. Como o próprio entrevistado afirmou, suas ideias não eram novas
e estavam sendo defendidas, há muito, pelos outros presidentes paulistas.
Em relação às intenções de Alcindo Guanabara, avaliadas pela maior
parte da historiografia, como sendo as de pôr às claras o conteúdo ortodoxo
do programa de governo do candidato, com o fim de retirar-lhe o apoio dos
cafeicultores, a serviço de seu aliado Pinheiro Machado, duas observações
merecem ser feitas. A primeira é a impossibilidade de comprovar-se tal
intenção. O entrevistador centrou, de fato, suas questões sobre a conjuntura
econômica, o que era perfeitamente explicável, dada a situação pela qual
o Brasil passava, marcada por uma intensa crise de preços do café e de
superprodução. Se tivesse a intenção de retirar o apoio dos cafeicultores
sobre o candidato, não teria submetido o conteúdo da entrevista à crítica
do entrevistado e do próprio Rodrigues Alves. Em segundo lugar, o entre-
vistado, conforme veremos, não correspondeu às pressupostas expectativas
do entrevistador, uma vez que não se manifestou contrário às principais
teses defendidas pelos cafeicultores.
Acreditamos que a relação feita entre o tom ortodoxo da entrevista e
a derrota de Bernardino de Campos está diretamente ligada a uma outra
associação, a nosso ver também equivocada, entre a candidatura Pena e
o Convênio de Taubaté. Segundo as teses predominantes, Bernardino per-
dera o apoio dos cafeicultores por defender teses contrárias ao Convênio
de Taubaté, ao passo que Afonso Pena, conhecido protecionista, passara
a ser o candidato de preferência do setor, por garantir apoio à política de
valorização citada.
Tendemos também a discordar dessa tese. E para este fim, convém
observar os acontecimentos relativos aos interesses cafeeiros do período,
relacionando-os ao processo sucessório.
104
A perspectiva de uma safra recorde em 1906 levou os três estados pro-
dutores, à revelia do governo federal, a reunirem-se para evitar o desastre
econômico que se anunciava. A notícia sobre a pretensão dos estados de
Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro de entrarem no mercado do café
surgiu em meados de 1905. Em dezembro do mesmo ano, o Congresso
autorizava o governo federal a entrar em negociação com os estados pro-
dutores. As bases iniciais do convênio foram estabelecidas e assinadas em
fevereiro de 1906 (Halloway, 1978:57).
Com base nestas informações, gostaríamos de destacar que, muito
embora a crise do café já estivesse anunciada, desde o início da gestão
de Rodrigues Alves, a implementação do Convênio se deu em finais de
1905, ocasião em que a escolha de Afonso Pena, como candidato, estava
não só definida, como sedimentada. Conforme foi visto, o lançamento
de sua plataforma havia ocorrido em setembro daquele ano. Portanto,
tendemos a discordar de uma associação, produzida pela historiografia,
entre a candidatura de Pena e o Convênio de Taubaté. O nome de Pena
foi lançado em meados de 1904; recebeu o apoio do Rio Grande do Sul
em maio de 1905 e da Bahia em julho do mesmo ano. O apoio formal de
São Paulo se deu em setembro de 1905. E os primeiros movimentos que
resultaram no Convênio de Taubaté ocorreram em novembro de 1905,
tendo sido ele assinado em fevereiro do ano seguinte. Esta ordenação
cronológica é de fundamental importância para o entendimento desse
processo sucessório. Não haveria condições para que Afonso Pena trocasse
seu apoio às teses do Convênio pela adesão dos paulistas ao seu nome, uma
vez que, na ocasião do Convênio, o mesmo apoio já havia sido dado pelas
elites paulistas. Ao mesmo tempo, não encontramos nenhuma referência
empírica de que São Paulo teria aceitado o nome de Pena, em função de
seus ideais intervencionistas.
Pode-se, porém, aventar a hipótese de que a imagem de um candidato
protecionista em meio à crise do café pudesse angariar apoio dos cafei-
cultores, independentemente de o Convênio estar ainda fora da pauta de
discussão, mas em função de já existirem propostas em tramitação e/ou
debates no Congresso. Acontece que, pelo que nos foi possível observar,
não houve um compromisso do candidato com as referidas teses durante o
processo de escolha de seu nome. Ao mesmo tempo, não houve adesão ao
seu nome em função dessas mesmas teses, por parte do situacionismo pau-
lista, reunido no PRP, o qual se manteve, o tempo todo, em defesa conjunta
de seu próprio candidato. Se de fato a defesa de uma política econômica
de caráter protecionista fosse requisito condicionador do apoio do PRP,
como explicar que, fragilizada a candidatura de Bernardino de Campos, a
105
segunda opção paulista fora a escolha de um segundo nome também ligado
à ortodoxia financeira, como o de Campos Sales?
Através da vasta documentação que pesquisamos acerca desse episó-
dio, nada encontramos que autorizasse a existência de vinculações entre
candidaturas e plataformas econômicas mais ou menos interventivas sobre o
mercado do café. Não encontramos nenhum apoio à candidatura de Afonso
Pena por parte de nenhum membro significativo da elite política paulista,
antes que seu nome tivesse sido consolidado pela Coligação. Ao mesmo
tempo, não encontramos nenhuma referência de paulistas ao Convênio de
Taubaté, depois que vieram a apoiar a candidatura de Afonso Pena. E por
fim, todas as discussões relativas ao Convênio se deram posteriormente à
definição da candidatura presidencial de Pena.
Assim sendo, nada nos permite afirmar que a elite paulista estava
dividida entre Afonso Pena e Bernardino de Campos na sucessão que
enfocamos. A única divisão observada entre eles foi entre dois candidatos
pretensamente ortodoxos, Bernardino e Campos Sales.
Nada permite afirmar, igualmente, que os apoiadores de Afonso Pena
estavam motivados pelo seu passado intervencionista. E nada permite afir-
mar, como vimos, que a entrevista de Bernardino de Campos expressasse
uma plataforma de conteúdo contrário aos interesses dos cafeicultores.
Nossas pesquisas nos levam a crer que esta associação entre estes dois
eventos, a sucessão de Rodrigues Alves e o Convênio de Taubaté, foi for-
çada pela historiografia produzida a este respeito, com o fim de justificar
a existência de uma aliança entre os estados de Minas e São Paulo e deles
com os interesses do café.
Outros documentos do período são igualmente importantes para a sus-
tentação do argumento, além da entrevista de Bernardino de Campos. São
eles: o discurso de Joaquim Murtinho e a Plataforma Eleitoral de Afonso
Pena. A pauta abordada por Murtinho é a mesma da entrevista de Bernar-
dino de Campos e da Plataforma de Afonso Pena.
As únicas referências que encontramos acerca de programas econômi-
cos e candidaturas estavam nas discussões em torno dos discursos a serem
proferidos pelos candidatos, no banquete oferecido a Afonso Pena, quando
sua candidatura já estava definida, inclusive com apoio paulista.45
Joaquim Murtinho, membro efetivo da Coligação, e conhecido por
seus ideais ortodoxos, foi escolhido para proferir o discurso. O discurso de
45
O banquete ocorreu no Cassino Fluminense em 13 de outubro de 1905, com a
participação das mais importantes personalidades políticas do momento.
106
Murtinho é uma plataforma de governo.46 Ele fala em nome da Coligação,
como se tivesse sido autorizado para tal. Segundo as informações de que
dispomos, o seu discurso não era uma peça isolada, elaborada à revelia da
Coligação. Evitando expressar opiniões que viessem de encontro à platafor-
ma política de Afonso Pena, a ser apresentada durante o mesmo banquete,
os membros mais efetivos da Coligação discutiram o discurso previamente,
acordando em dar a ele um tom próximo ao “protecionismo moderado” do
Estado sobre a economia, tom este que também seria dado pela plataforma
de Afonso Pena.47
Conquanto Murtinho se detenha também em questões políticas, prio-
rizaremos apenas as suas considerações econômicas, objeto principal de
análise neste momento.
Murtinho afirma que a Coligação, em tese, não era papelista e via como
necessário o câmbio fixo. Porém, advogava que a conversibilidade total de
nossa moeda era uma meta a ser atingida lentamente. Segundo o discurso,
a paridade deveria ser atingida não em termos artificiais, mas através do
aumento das reservas nacionais em ouro. Critica a proliferação de bancos
emissores, atribuindo esta função à própria Caixa de Conversão. Afirmava
que o livre cambismo era uma aspiração de todos, mas que naquela ocasião
não havia como ser realizado.
Quanto à indústria, fez novamente críticas à política do Encilhamento,
sem citá-lo, na medida em que afirmava que as grandes emissões realizadas
no passado sem garantias em ouro geraram uma profunda desvalorização
da moeda nacional, incentivando as indústrias. Para a solução do problema
propunha uma intervenção protetora do Estado sobre as mesmas, até que
atingissem condições de serem competitivas e autossuficientes:
46
Discurso sobre as Candidaturas de Afonso Pena e Nilo Peçanha à Presidência
e Vice-Presidência da República. IN: SENADO FEDERAL, Ideias econômicas de
Joaquim Murtinho, Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa. 1980, às páginas 295 a
306. As citações que se seguem referem-se a este mesmo documento.
47
Conforme cartas trocadas entre Afonso Pena, Antônio Azeredo e Pinheiro Machado
em finais de setembro e princípios de outubro de 1905, AAP, Caixa 6, doc. 16.9, AN;
AAP, caixa 7, doc. 17.70, AN; AAP, caixa 10, doc. 22.83, AN.
107
As críticas de Murtinho à política econômica do Encilhamento levaram
Rui Barbosa a ameaçar desligar-se da Coligação. Para Rui, as ideias es-
boçadas por Murtinho eram pessoais e não da Coligação. Rui Barbosa foi,
porém, convencido por Pinheiro Machado a permanecer, sob a alegação
de que o discurso de Murtinho só não lhe foi mostrado antecipadamente
em função de ele, Rui, apresentar problemas de saúde. Ao mesmo tempo,
Pinheiro afirmava não perceber as diferenças entre os discursos de Mur-
tinho e Afonso Pena, a não ser na questão das emissões. E deixava claro
que o discurso de Murtinho fora submetido a Pena com antecedência, com
o objetivo de esboçarem um programa harmônico.48
Como se vê, a Coligação reunia-se em torno de um nome e de um
projeto político pragmático. Mas não em torno de um conjunto de ideais
políticos discutidos pelos estados que a compunham. Não havia sequer
uma congruência de interesses. Como vimos, esta observação nos leva
igualmente a questionar as referências historiográficas que relacionam a
Coligação às teses ortodoxas, como forma de oposição às teses protecionistas
de Afonso Pena. Na documentação disponível tal referência não encontra
embasamento empírico.
O discurso de Pena, proferido em seguida ao de Murtinho, discutia
a mesma pauta econômica. Nesta importante peça política, Afonso Pena
mostrou que assumiria uma posição moderada no controle cambial. Não
faria emissões inconversíveis e nem promoveria a imediata conversão do
papel em metal. Coloca a conversão total como uma meta, a ser atingida
paulatinamente, da mesma forma que Murtinho e Bernardino de Campos.49
Colocava a valorização da moeda como um objetivo a ser atingido a longo
prazo, sem prejuízo imediato para os setores já abalados com a crise do café.
Ao mesmo tempo, o candidato deixava claras as suas opções doutrinárias:
48
Cartas trocadas entre Rui Barbosa e Pinheiro Machado em outubro de 1905, Docs.
848/3, ARB, FCR e conforme carta de Pinheiro Machado a Rui Barbosa de 15 de
outubro de 1905, doc. 848/3, ARB, FCR.
49
Programa Político de Afonso Pena proferido em 12 de outubro de 1910, Belo
Horizonte, Imprensa Oficial, 1905, AAP, caixa 17, doc. 31.2, AN. As citações seguintes
se referem ao mesmo documento.
108
benéfica em ramos de atividade social, desde que a iniciativa individu-
al, sob diversas formas, se mostra impotente, ou insuficiente. (...) Em
nenhum país pode qualquer das escolas econômicas – do livre câmbio
e do protecionismo – constituir norma exclusiva de governo para a boa
direção dos negócios públicos. Se o livre câmbio pode ser um ideal
para a humanidade, não é menos certo que as circunstâncias diferem
de povo a povo. (...) não se pode aplicar a todos as mesmas normas de
governo e administração.
Para este fim, indicava, como medidas, aquelas de claro interesse dos
setores cafeeiros, a exemplo da reorganização do Banco da República,
para oferecer crédito à lavoura, e dos investimentos na ampliação ferroviá-
ria. Ao mesmo tempo, comprometia-se em incentivar a indústria nacional,
concedendo-lhe proteção tarifária. Como vimos, estas medidas igualmente
foram defendidas por Bernardino de Campos e Joaquim Murtinho.
Esta plataforma representava não só o pensamento de Afonso Pena,
como o de Rui Barbosa. Consta que foi discutida em conjunto com o repre-
sentante baiano e expressava no todo também as suas ideias.
Como vimos, muito embora Murtinho e Bernardino de Campos estives-
sem comprometidos com uma política financeira mais ortodoxa, manifestada
através de suas atuações públicas como Ministros da Fazenda, Afonso
Pena, da mesma forma, dirigira o Banco da República no governo também
ortodoxo de Campos Sales e fora vice-presidente do governo ortodoxo de
Rodrigues Alves. As três peças analisadas – a entrevista de Bernardino
de Campos, o discurso de Joaquim Murtinho e a Plataforma Eleitoral de
Afonso Pena – não diferiam em suas teses. De fato, Bernardino de Campos
fez elogiosa alusão à plataforma política de Afonso Pena, dando seu apoio
às suas propostas principais. (Carta de Bernardino de Campos a Afonso
Pena de 26 de outubro de 1905, AAP, Caixa 8, doc. 19.36, AN). Todas
advogavam a conversibilidade da moeda como um ideal a ser atingido len-
tamente; todas pregavam a intervenção do Estado para o controle cambial;
todas previam a proteção tarifária à indústria nacional. A única diferença
perceptível é que Bernardino de Campos e Joaquim Murtinho esboçaram
seus ideais em cima de uma crítica ao período do Encilhamento, o que não
foi feito por Afonso Pena, provavelmente com o fim de manter o apoio de
Rui Barbosa ao futuro governo.
Esta análise veio comprovar que a candidatura da Coligação não es-
tava comprometida com nenhum projeto menos ou mais interventor sobre
a economia nacional. Isto sequer havia sido discutido pela Coligação, nem
mesmo no período de lançamento da candidatura e da elaboração de sua
plataforma.
109
As candidaturas se opunham em função de uma divergência de caráter
político bastante cristalino. A Coligação se forjou e se uniu em torno da
oposição ao projeto de monopolização política de São Paulo, o qual feria
um dos pilares básicos de sustentação do pacto republicano.
***
110
O interesse de Minas era participar mais efetivamente do controle do
regime. Afastado das lutas, em função de suas próprias mazelas internas, nos
primeiros dez anos da República, esse estado pôde construir internamente
um razoável acordo de trégua que o habilitasse a aspirar a voos mais altos.
Não que estivesse totalmente pacificado; como vimos, as disputas internas
remanescentes quase impediram o estado de atingir o objetivo colimado.
As posturas políticas mais ousadas foram as do Rio Grande do Sul e
Bahia. Após árduas disputas internas, o Rio Grande do Sul emergia como
um novo ator na disputa do poder, porém acoimado, pelos demais parceiros,
como portador de tradições não muito caras à República, como o caudilhis-
mo, o radicalismo e as lutas intra-oligárquicas em tom fratricida. Em função
de suas ligações com o Exército, resquícios do florianismo jacobinista, era
um parceiro mais temido que desejado. Sem romper com suas tradições,
usou de artifícios os mais variados para atingir seus objetivos. Entre eles,
estava o desejo por maior participação política na Federação. Isto implicava
em diminuir o controle da Bahia e Pernambuco sobre os médios e pequenos
estados brasileiros. A partir de uma aliança construída com Rui Barbosa e
Nilo Peçanha, Pinheiro Machado foi elaborando seu “reinado” e projetando
o Rio Grande do Sul para um importante papel a ser cumprido no cenário
nacional. Fez da oposição ao candidato paulista o seu principal trampolim
político. E construiu uma aliança entre grandes, pequenos e médios estados
contra São Paulo. Para atingir este objetivo, teve que abrir mão do exercício
direto do poder. Mas, indiretamente, tinha planos de controlar totalmente
o governo que se iniciava.
A Bahia e o Rio de Janeiro desejavam aumentar igualmente sua parti-
cipação, a qual havia diminuído após a implantação do novo regime. Para
que este fim fosse atingido, opuseram-se ao inimigo comum, em troca da
vice-presidência, no caso do Rio de Janeiro, e da promessa de uma par-
ticipação mais efetiva do situacionismo baiano no novo governo, uma vez
que o espaço reservado a Bahia pelo Governo Rodrigues Alves era relegado
à oposição e não à situação. Como vimos, a postura mais radical coube à
Bahia. Rui Barbosa foi o único a protestar contra a adesão de São Paulo à
candidatura de Afonso Pena, após o êxito da Coligação.
111
Capítulo 3
Como o título sugere, este capítulo irá enfocar, com prioridade, a par-
ticipação do Estado Nacional como ator político relevante, em um evento
de grande significação para a Primeira República: o Convênio de Taubaté.
Em atenção à terceira hipótese geral deste livro, a qual tem como
foco central a análise das relações entre as elites políticas e os interesses
cafeeiros, este capítulo objetiva perceber de que forma estas elites atuaram
diante da formulação e viabilização do Convênio, buscando prestar uma
contribuição a um debate historiográfico, como veremos, ainda em aberto,
o qual envolve as relações entre setores agro-exportadores e Estado na
Primeira República.
Sob o ponto de vista mais geral, o estudo desse evento tem a sua im-
portância ampliada, por ter o Convênio implicado, pela primeira vez, no
abandono das prerrogativas liberais pelas elites políticas brasileiras. Seu
êxito, mesmo que relativizado por muitos, serviu de motivo para que no-
vas intervenções valorizadoras ocorressem como solução de crises futuras.
Halloway chega a firmar que, antes de 1906, a discussão girava em torno
da conveniência ou não da intervenção. Após o Convênio de Taubaté, a
discussão passou a girar em torno das melhores formas de efetivá-la (Hallo-
way, 1978:100).
Acreditamos que a escolha deste evento constitui em oportunidade
privilegiada de análise do tema, à medida que, em torno dele, projetaram-se
interesses bastante diversificados, cabendo à burocracia estatal significativo
papel na definição dos rumos a serem tomados, em função das pressões
recebidas e do nível de autonomia política de que dispunha.
Muito embora a primeira política valorizadora tenha sido foco de impor-
tantes e densas contribuições por parte de vários estudiosos, acreditamos
113
que o nível de participação de cada estado pactuante precisa ser revisto,
principalmente no que tange a Minas Gerais. Tal revisão se justifica em
atenção aos novos argumentos que o presente livro vem colocando e pelo
uso de informações coletadas em arquivos privados, uma vez que, em sua
maioria, os trabalhos acerca do assunto privilegiaram o uso de fontes oficiais.
Grande parte dos trabalhos existentes acerca do Convênio de Taubaté
afiança que Minas Gerais, em função da precariedade de sua economia
cafeeira, não tinha grande interesse na viabilização do programa valori-
zador. Que a sua participação foi muito restrita e se deu em função da
aliança política que mantinha com São Paulo. Este, por sua vez, poderia
por si mesmo realizar a política de valorização com recursos próprios, mas
teve que se unir aos demais estados produtores, para fortalecer sua posição
política, na defesa de suas prerrogativas e conseguir o endosso da União
ao grande empréstimo de 1908.
Para alguns autores, São Paulo dera início ao programa e fora posterior-
mente deixado sozinho, no momento da negociação do endosso presidencial,
conforme constam nas referências de Boris Fausto acerca do tema. Apesar
disto, a parceria de São Paulo com os demais estados fora conveniente, na
medida em que sua estratégia era a de obstaculizar os ganhos que os dois
estados estavam obtendo na negociação, fazendo pequenas concessões em
troca da arrecadação da sobretaxa pelos mesmos, o que garantiria o em-
préstimo externo (Fausto, 1989: 220).
Halloway igualmente afirma que os estados do Rio de Janeiro e Minas
Gerais só foram convidados a participar da operação para garantir ao plano
uma atmosfera de formalidade. Quando vacilaram, São Paulo seguiu por si
só na condução do mesmo. Quando se predispuseram a participar, tiveram
ação secundária, guiados pelas regras paulistas. Como seus orçamentos
eram menores, temiam entrar em uma operação econômica dos níveis em
que foi estabelecida. Por outro lado, não tinham nada a perder. Se o plano
desse certo, teriam vantagens. Se desse errado, não teriam ônus (Halloway,
1978:61,74, 97-98).1
Segundo J. Love, a crise do café prejudicava mais a economia paulista
do que a mineira ou a fluminense, em função das diferenças entre as relações
de trabalho implantadas em cada unidade federativa. O colonato, instituto
próprio à cafeicultura paulista, não implicava na repartição dos custos ope-
1
Esta postura era compartilhada por Peter Blasenheim (1982:206). Em apoio às
análises, o autor afirma que Minas aderiu ao programa por mera conveniência, uma
vez que São Paulo conduziria o programa por si próprio e Minas só tinha a ganhar,
mesmo sem se envolver.
114
racionais da produção, ao passo que a parceria, relação de trabalho comum
às cafeiculturas fluminense e mineira, propiciava a repartição dos prejuízos
resultantes da crise, onerando menos o produtor dessas duas regiões. Com
base nessa assertiva, Love (1982:264, apud) justificou o maior interesse
de São Paulo por uma política de valorização do café, comparativamente
aos demais estados produtores. Este fato teria levado os estados do Rio de
Janeiro e Minas Gerais a uma postura mais arredia e menos comprometida
com o Convênio, na medida em que suas perdas econômicas com a crise
do café eram menores.
Martins Filho (1981, capítulo 2) alega que a participação de Minas
no Convênio foi restrita, por várias razões, destacando-se, entre elas, a
relutância paulista em incluir, nas negociações de compra, os cafés de
tipos inferiores, levando os mineiros a fazerem uma série de restrições à
operação valorizadora.
Segundo Wirth, “O enfoque mineiro à política do café era uma so-
lução de estado menos afluente, coerente com suas tradições e condições
econômicas, mas menos respeitável” (Wirth, 1982:85). Isto confluiu numa
ação em prol da aprovação do Convênio, enquanto uma mera “carta de
intenções” e da inviabilização prática do mesmo pelo estado, na medida
em que os recursos derivados da sobretaxa foram aplicados em atividades
voltadas para a diversificação agrícola, como foi o caso das cooperativas
criadas pelo governo estadual de João Pinheiro (1906-1908).
Com base nas leituras que fizemos, aferimos que a participação mineira
no programa foi analisada apenas tangencialmente, mesmo por aqueles
autores cujos objetivos principais eram avaliar o grau de interesse e mo-
bilização das elites mineiras em torno dos interesses do café. Tais estudos
não analisaram eventos específicos nos quais esses interesses se cruzaram,
como foi o caso das políticas de valorização.2
Uma das razões que explica tais lacunas está relacionada à adoção acrítica
da aliança Minas–São Paulo e dela com os interesses do café. Como essa tese, em
geral, vem associada à ideia da fragilidade da cafeicultura mineira, a participação
de Minas Gerais no Convênio de Taubaté foi subestimada. Consequentemente, a
atuação de São Paulo foi superestimada, atribuindo-se ao estado não só o inte-
resse exclusivo pela política de valorização, como a inteira responsabilidade pelo
2
Aqui nos referimos a dois trabalhos de Amílcar Martins Filho (1981 e 1987) e um
de Paul Cammack (1980). Tais trabalhos, embora tenham tido por objetivo principal
discutir o nível de intervenção e controle dos setores agro-exportadores sobre o Estado
em Minas Gerais, ou deixaram de focar o Convênio de Taubaté, como foi o caso de
Cammack, ou o enfocaram de forma mais generalizada, como foi o caso de Martins.
115
seu funcionamento, bem como pelos êxitos dela resultantes. Ao Rio de Janeiro
coube o papel não só de espectador passivo, como o de dificultador da operação.
Atribuiu-se à iniciativa de seu representante, Nilo Peçanha, o projeto de criação
da Caixa de Conversão com taxa cambial depreciada, cujo fim único, segundo
algumas abordagens afirmam, era o de inviabilizar a realização do Convênio,
sabedor que era da oposição do então presidente Rodrigues Alves a qualquer
intervenção no mercado para o controle do câmbio.
A partir da pesquisa que realizamos, tais observações não encontraram
sustentação. Defendemos a sub-hipótese de que a participação dos três
estados pactuantes no Convênio esteve diretamente relacionada ao nível de
envolvimento de cada um com a produção e a comercialização do café. Tal
envolvimento diz respeito ao grau de importância que o café possuía para a
economia desses estados, avaliada, sobretudo, pelos níveis de dependência
das receitas fiscais em relação ao produto. Somam-se a isto os potenciais
de pressão política exercidos pelos setores diretamente interessados na
valorização, mensurados pelo seu poder de organização e mobilização e
pelas pressões sobre seus representantes políticos.
No caso específico de Minas, a partir do momento em que as mais recentes
pesquisas comprovaram um maior nível de dinamicidade de sua economia ca-
feeira, os interesses em relação à política de proteção do produto tendiam a ser
também compartilhados pelos setores produtivos do estado. Se eles tiveram ou
não êxito na luta pela defesa de seus interesses, é o que ora pretendemos resgatar.
Em relação ao estado Nacional, sua participação pode ser avaliada como
eivada de restrições. O governo federal sofria pressões dos cafeicultores em
prol da realização do Convênio, de outros setores dominantes não cafeicul-
tores que se opunham ou se mantinham resistentes à operação, além de ter
que atender, com prioridade, aos seus próprios interesses, que nem sempre
coincidiam com os interesses mais imediatistas das unidades federadas.
Cabe ainda destacar que, no interior do próprio setor cafeicultor, os
interesses não eram homogêneos e se diferenciavam em função da posição
que os agentes econômicos assumiam no mercado do café. Como se tratava
de uma política diretamente relacionada ao mercado externo, não se pode
também deixar de levar em conta os interesses dos credores internacionais
e de seus respectivos países na referida operação.
Para os limites deste capítulo, a pesquisa empírica realizada esteve
voltada para a atuação de Minas Gerais no processo. Toda e qualquer
referência a outros estados foi buscada na grande e importante produção
historiográfica sobre o assunto, já existente no Brasil.
Com este fim, optamos por demarcar cronologicamente nossa análise
entre os anos de 1898 e 1913. O primeiro marco corresponde ao ponto
116
inicial da acentuada queda de preços do café que deu origem ao Convênio.
O segundo constitui-se no fôlego final dos resultados do programa.
117
Nota-se também, pela tabela, que o grau de diversificação agrícola no
estado era pouco significativo.
Analisando-se uma outra tabela, composta por dados relativos ao café,
em um período cronológico mais extenso, obtém-se maior clareza acerca
da importância do produto para o estado.