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Aula 11: Balanços de Energia III

Prof. Gabriel de Castro Fonseca (DQBIO/UFSJ)


Princípios de Processos Químicos

Capacidades térmicas

Como calcular balanços Na última aula aplicamos o balanço de energia a um


de energia quando não te- processo envolvendo água nas fases líquida e vapor.
mos tabelas de proprieda- Usamos diagramas pressão-entalpia e tabelas de vapor
des de uma substância? para encontrar a entalpia, a energia interna e o volume
específico da água em função de sua temperatura, sua
pressão e sua fase.

Existem gráficos e tabelas semelhantes para ou-


tras substâncias, mas as tabelas ocupam muito espaço
e requerem interpolação de valores intermediários
de temperatura e pressão. Os diagramas-ph, repre-
sentados em escala semilogarítmica são ainda mais
inconvenientes para interpolar. Existe, porém, uma
forma mais prática e compacta de calcular entalpias e
energias internas, baseada no conceito de capacidade
térmica (ou capacidade calorífica).

O balanço de energia em um sistema fechado a


volume constante que troca calor com as vizinhanças
sem mudança de fase e onde não há trabalho de eixo
pode ser representado como

∆U = Q + 
W p∆V
s −  
 (1)
| {z }
W =0

Em sistemas envolvendo sólidos, líquidos e gases ideais


(isto é, qualquer substância com exceção de gases re-
ais), a energia interna depende praticamente só da tem-
peratura. A relação entre a variação da temperatura do
sistema e a quantidade de calor fornecida a ele é repre-
sentada como !
∂u
cv = (2)
∂T v
onde o termo cv é conhecido como capacidade térmica
específica* (ou molar) isocórica (a volume constante).

* Capacidade térmica específica é o mesmo que calor específico ou


calor sensível, mas estes termos atualmente são evitados.

Figura 1: Cilindro fechado com êmbolo.

t
1
Como calcular balanços Em um sistema fechado a pressão constante (por exem-
de energia quando não te- plo, um cilindro fechado por um êmbolo, como o mos-
mos tabelas de proprieda- trado na Figura 1), sem trabalho de eixo e contendo um
des de uma substância? sólido, líquido ou gás ideal,

∆U = Q + 
W
s − p∆V
∆H = Q (3)

Já no caso de um sistema aberto em estado estacioná-


rio, independente de a pressão ser constante ou não,

0 = Ḣent − Ḣsai + Q̇ + Ẇs


∆Ḣ = Q̇

A relação entre a variação da temperatura do sistema


e a quantidade de calor fornecida a ele é representada
como !
∂h
cp = (4)
∂T p

onde cp é a capacidade térmica específica (ou molar)


isobárica (a pressão contante).

Existem, portanto, duas formas de calcular como o


calor fornecido a um sistema altera sua temperatura
e isso depende de se o processo ocorre a volume
constante ou a pressão constante.

No caso dos gases ideais (ou quase ideais), a


energia interna só depende da temperatura e
pV = nRT =⇒ pṽ = RT , portanto

h̃(T ) = ũ(T ) + RT
∂h̃ ∂ũ
= +R
∂T ∂T
c̃p = c̃v + R (5)

Líquidos e sólidos são praticamente incompressíveis, o


que significa que, a menos que as pressões sejam muito
altas, ∆(pv) ≈ 0 e portanto

∆h ≈ ∆u
cp ≈ cv (6)

Esta última relação independe de as capacidades térmi-


cas serem calculadas em base mássica ou molar. Uma
consequência é que no caso de sólidos e líquidos, o ba-
lanço de energia em um sistema aberto, homogêneo e
onde não há mudança de fase ou reação química pode
ser simplificado para

dU
= Ḣent − Ḣsai + Q̇ + Ẇs
dt
dT X
mĉ = ṁi ĉi (Ti − T ) + Q̇ + Ẇs (7)
dt
i=ent

onde ĉ é o valor médio da capacidade térmica específica


da substância presente no sistema entre as temperatu-
ras de entrada e saída das correntes no sistema.

2
Figura 2: Variação da entalpia específica de uma substância com a
temperatura.

Entalpia específica, h
cp (T2 )

cp (T1 )

T1 T2
Temperatura, T

Como se calcula a capa- A entalpia e a energia interna são funções não lineares
cidade térmica de uma da temperatura. Consequentemente, as capacidades
substância? térmicas geralmente também são funções da tempera-
tura, como pode-se observar na Figura 2.

As capacidades térmicas de substâncias puras cos-


tumam ser aproximadas por fórmulas empíricas,
geralmente obedecendo a uma das seguintes formas

cp (T ) = a + bT + cT 2 + dT 3 (8)
cp (T ) = a + bT + cT −2 (9)
1/2
cp (T ) = a + bT + cT (10)

Valores para os coeficientes a, b, c e d para diversas


substâncias podem ser encontradas em tabelas. Para
usar essas tabelas adequadamente é importante
verificar para que fórmula os parâmetros são infor-
mados, o estado físico da substância (por exemplo,
os coeficientes para a água líquida e para o vapor de
água são diferentes), a unidade em que a temperatura
deve ser informada, a unidade da resposta e a faixa
de aplicabilidade da fórmula. A pressão em que esses
coeficientes foram estimados geralmente é irrelevante,
a não ser que se trate de gases reais ou de sólidos e
líquidos a pressões muito altas.

A entalpia específica (ou molar) de um gás ideal


(ou quase) e de sólidos ou líquidos a pressões não
muito altas pode ser calculada em relação a uma
temperatura de referência como
0Z T
h(T ) − href
>=
 cp (T ) dT (11)
 T ref

Observe que essa fórmula só é válida se não houver mu-


dança de fase entre T e Tref . No caso de sólidos e líqui-
dos que sofram variações de pressão moderadamente
altas, a Equação (11) pode ser corrigida para
Z T
h(p, T ) ≈ v(p − pref ) + cp (T ) dT (12)
Tref

3
Como se calcula a ental- A forma mais comum da capacidade térmica é a Equa-
pia de uma substância a ção (8), que quando integrada resulta em
partir da capacidade tér- Z T
mica?
h= (a + bT + cT 2 + dT 3 ) dT
Tref

b
h =a · (T − Tref ) + · (T 2 − Tref
2
)
2
c d
+ · (T 3 − Tref
3
) + · (T 4 − Tref 4
) (13)
3 4
n
Observe que T n − Tref , (T − Tref )n , este é um erro muito
comum cometido por estudantes.

Quando as variações de temperatura são relativa-


mente pequenas, como as que costumam acontecer
na maioria dos bioprocessos, é possível adotar uma
solução mais simples e considerar que a capacidade
térmica de uma substância é praticamente constante.
Por exemplo, se em um processo a temperatura de
uma substância varia apenas de 25 ◦C a 35 ◦C, pode-
mos fazer todos os nossos cálculos considerando a
capacidade térmica do sistema a 30 ◦C.

h ≈ cp (T̄ ) · (T2 − T1 ) (14)

onde T̄ = T1 +T
2
2
é a temperatura média. Algumas subs-
tâncias, como a água líquida, têm capacidade térmica
quase constante ao longo de amplas faixas de tempe-
ratura: ĉp [H2 O(l)] ≈ 4,18 kgkJ◦C .

Como se calcula a ental- Geralmente as tabelas só informam as capacidades


pia de uma mistura? térmicas de substâncias puras ou de misturas muito
comuns, como o ar. As capacidades térmicas (e conse-
quentemente as entalpias) de outras misturas precisam
ser estimadas a partir das capacidades térmicas de
seus componentes.

Em uma mistura ideal, a entalpia da mistura é uma


combinação linear das entalpias de cada componente
X X Z T
h̃mix = x̃i h̃i = x̃i c̃p,i (T )dT (15)
i=comp i=comp Tref

ou seja, a entalpia molar da mistura (h̃mix ) é igual à en-


talpia molar (h̃i ) de cada componente multiplicada pela
sua fração molar P (x̃i ) na mistura. Também podemos
calcular c̃p,mix = i x̃i c̃p,i .

Em geral podemos tratar como mistura ideais a


maioria das misturas gasosas, soluções aquosas
muito diluídas ou misturas entre substâncias quimi-
camente muito semelhantes (como hidrocarbonetos
ligeiramente diferentes uns dos outros).

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Figura 3: Calor de mistura da solução etanol-água em função da
fração molar de etanol.

Como se calcula a ental- Quando uma solução não é ideal, como soluções aquo-
pia de uma mistura? sas concentradas (principalmente de ácidos ou bases
fortes) ou de certos gases e sólidos específicos, é pre-
ciso se incluir um termo adicional chamado entalpia de
mistura (ou calor de mistura, ∆hm ) à Equação (15).
X
hmix = ∆hm + xi hi (16)
i=comp

O calor de mistura existe porque mudanças na compo-


sição de um sistema podem alterar significativamente
a natureza das interações intermoleculares no mesmo.
Isso afeta diretamente a energia interna, uma vez
que estas interações estão relacionadas às energias
potenciais de partículas microscópicas. A mistura
também afeta o volume molar (e específico) do sistema,
já que o equilíbrio entre as forças de atração e repulsão
entre as moléculas é alterado – a diferença entre o
volume da mistura e o das substâncias puras isoladas
é chamado volume de excesso. A entalpia é afetada
tanto pela energia interna quanto pelo volume molar.

Por exemplo, sa você misturar 1 L de água pura a


25 ◦C com 1 L de etanol puro a 25 ◦C em um recipiente
adiabático (que não troca calor com as vizinhanças), a
solução obtida terá volume de ≈1,93 L e temperatura de
≈33 ◦C. Em relação aos componentes puros, a mistura
“encolhe” e “esquenta”, isto é, energia que antes estava
armazenada nas ligações de hidrogênio (potencial) se
converte em energia de movimento (cinética, térmica).
Em um recipiente não adiabático, a mistura perderia
calor para o ambiente, por isso dizemos que a mistura
entre água e etanol é exotérmica.

Encontra-se na literatura científica gráficos e tabelas


para as entalpias de mistura e volumes de excesso de
diferentes soluções em função da sua concentração. A
Figura 3 mostra um diagrama do calor de mistura da
solução etanol-água.

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Figura 4: Diagrama pressão-entalpia para água pura.

Entalpia de mudança de fase

Como se calcula variações Ao relacionarmos a entalpia específica de uma substân-


de entalpia em processos cia em relação a um estado de referência fizemos a res-
que envolvem mudança salva de que essa substância deveria estar na mesma
de fase? fase da matéria que o estado de referência. Isto é, se de-
sejamos calcular a entalpia do vapor de água a 125 ◦C
em relação à água líquida a 25 ◦C, não podemos usar a
equação
XX Z T 
XXX
h(T )
= X (T ) dT
cpX
 Tref XX X

Essa equação é inválida porque ela considera apenas o


“calor sensível”, isto é, a variação de entalpia relacio-
nada à variação de temperatura. Ela não considera o
“calor latente”, ou seja, a variação de entalpia relacio-
nada à mudança de fase. Além disso, a capacidade tér-
mica da água líquida é diferente da capacidade térmica
do vapor de água. A equação que deveríamos usar, por-
tanto, seria
Z T∗ ZT
∗ ∗
h(T ) = cp(l) (T ) dT + ∆h (T ) + cp(v) (T ) dT (17)
Tref T∗

Se o estado de referência da substância estiver no


estado sólido, é preciso conhecer duas entalpias de
saturação (∆h∗sl e ∆h∗lv ) e três expressões para a capa-
cidade térmica.

Processos de mudança de fase envolvendo substâncias


puras ocorrem a pressão e temperatura constante. A
diferença entre a entalpia de uma substância na fase
líquida e a sua entalpia na fase vapor é conhecida como
entalpia de saturação do processo de vaporização
(∆h∗lv , o índice lv será omitido quando não houver
outras mudanças de fase). É possível observar na
Figura 4 que a entalpia de saturação varia em função
da temperatura e pressão em que ocorre a mudança
de fase. Conforme temperatura e pressão aumentam,
∆h∗ diminui até chegar a zero no ponto crítico, isto é,
a temperatura e pressão a partir das quais líquido e
vapor são indistinguíveis.

6
Figura 5: Diagrama pressão-temperatura (ou diagrama de fases).

...

Líquido Fluido
Compressível Supercrítico

Pressão, p

o
pc

lid
Ponto crítico


Líquido
Ponto triplo
pt

r
po

ás
Va

G
Tt Tc
Temperatura, T

Como se calcula a ental- A Figura 5 representa o digrama de fases de uma


pia de saturação? substância típica. As linhas cheias no gráfico represen-
tam os pares de pressão e temperatura para os quais
ocorre mudança de fase. Há dois pontos especiais
representados: o já mencionado ponto crítico e o ponto
triplo, o único ponto em que pode haver equilíbrio entre
as fases sólida, líquida e vapor.

A título de curiosidade, a figura mostra a diferença


técnica que existe entre um vapor e um gás: gases não
podem existir em equilíbrio com líquidos e não podem
ser liquefeitos por aumento de pressão, apenas por
redução de temperatura. Do ponto de vista molecular,
nada de especial acontece quando um fluido passa de
vapor a gás ou de gás a fluido supercrítico. Embora
gás, vapor e fluido supercrítico sejam tecnicamente
coisas diferentes, eles não são fases da matéria dife-
rentes. Fluidos supercríticos a altas temperaturas se
comportam como gases e a baixas temperaturas se
comportam como líquidos, mas em vez de haver uma
mudança de fase a uma temperatura definida, essa
mudança ocorre de forma gradual e contínua.

O que nos interessa saber sobre as fases da ma-


téria no momento é que um líquido a uma pressão
definida só pode se vaporizar (o que é o mesmo que
entrar em ebulição, mas diferente de evaporar) a uma
única temperatura e vice-versa, um líquido a uma dada
temperatura só pode entrar em ebulição a uma única
pressão. A mesma observação vale para os processos
de condensação, congelamento, fusão e sublimação.

É possível relacionar a temperatura, pressão, en-


talpia e volumes molares de saturação pela Equação
de Clapeyron
dp∗ ∆h̃∗
= ∗ ∗ (18)
dT ∗ T (ṽv − ṽl∗ )

7
Como se calcula a ental- A Equação (18) é de difícil aplicação, pois depende do
pia de saturação? conhecimento de muitos parâmetros – para conhecer
todos esse parâmetros, geralmente precisaremos de
uma tabela, mas se temos uma tabela não precisamos
de uma equação. Na prática, para calcular entalpias de
saturação usamos correlações empíricas como a Equa-
ção de Watson:
!0,38
T − T2
∆h (T2 ) = ∆h (T1 ) · c
∗ ∗
(19)
Tc − T1

onde Tc é a temperatura do ponto crítico da substân-


cia. A Equação (19) é usada quando conhecemos a en-
talpia de saturação de uma substância a uma tempera-
tura T1 e desejamos estimá-la à temperatura T2 . Pode-
mos testar essa correlação usando a tabela de propri-
edades termodinâmicas da água: a T1 = 100 ◦C, ∆h∗1 =
2257 kJ/kg. Sabendo que Tc = 374,14 ◦C, podemos esti-
mar o calor latente da água a T2 = 25 ◦C como
0,38
374, 14 − 25

kJ
∆h∗ (25 ◦C) = 2257 × = 2474,7 kg
374, 14 − 100
O valor tabelado é 2442,3 kJ/kg, portanto o erro da
estimativa é de menos que 1,5 %.

Para uma dada temperatura conhecida, pode-se


estimar a pressão de saturação correspondente
usando outra correlação empírica conhecida como
Equação de Antoine:

B
log(p∗ ) = A − (20)
T +C
Os valores dos coeficientes A, B e C encontram-se ta-
belados. A depender da tabela consultada, o logaritmo
pode ser em base natural (ln) ou em base 10. De-
pendendo também da tabela, a unidade usada para a
temperatura pode ser diferente e a unidade da pres-
são de saturação encontrada também variará (observe
que correlações empíricas nem sempre são dimensio-
nalmente consistentes).

Resumo

Cálculos de entalpia e É possível calcular a entalpia e energia interna de um


energia interna sistema conhecendo-se relações empíricas que permi-
tam calcular suas capacidades térmicas e entalpias de
saturação.

Bibliografia
[1] R.M. Felder, R.W. Rousseau, L.G. Bullard (2018). Princípios Elementares dos Processos Químicos.
LTC. 4a ed., Capítulo 8.

[2] D.M. Himmelblau, J.B. Riggs. (2014). Engenharia Química: Princípios e Cálculos. LTC., 8a ed.
Capítulo 9.

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