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Miguel Ramos
November 5, 2008
z = x + yi = x + iy,
com a vantagem de que o produto z1 .z2 se calcula pelas regras habituais do produto de
números reais e usando o facto de que i2 = −1:
Verifica-se sem dificuldade que são válidas as propriedades algébricas de corpo. Na decom-
posição acima, diz-se que x é a parte real de z (Re z) e y é a parte imaginária de z (Im z).
2. (Representação polar.) Dado que qualquer ponto do plano R2 pode ser representado
em coordenadas polares (x, y) = r(cos θ, sin θ), também todo o número complexo se pode
escrever na forma
z = x + iy = r(cos θ + i sin θ) ≡ rcis θ,
1
p
onde r = x2 + y 2 é o módulo de z e θ ≡ arg z é o argumento de z. A interpretação
geométrica no plano (x, y) é clara: r coincide com a norma euclideana do “vector” (x, y)
e cis θ representa um ponto na circunferência unitária.
É importante notar que o ângulo θ só fica univocamente determinado quando se fixa um
intervalo J de comprimento 2π (frequentemente: J = [0, 2π[ ou J = [−π, π[) e se exige
que θ varie em J unicamente. Daı́ por vezes falar-se em ramos do argumento, um ramo
para cada intervalo J fixado. Num dado contexto, pode ser importante (ou não) precisar
o ramo que se está a considerar.
Recorde-se da geometria analı́tica a desigualdade triangular:
|z1 z2 | = |z1 | |z2 |, arg (z1 z2 ) = arg z1 + arg z2 (mod 2π) ∀z1 , z2 ∈ C.
[Repare-se que z1 z2 = r1 r2 ((cos θ1 cos θ2 − sin θ1 sin θ2 ) + i(cos θ1 sin θ2 + cos θ2 sin θ1 )) =
r1 r2 (cos(θ1 + θ2 ) + i(sin θ1 + θ2 )).]
Isto fornece, em particular, uma interpretação geométrica simples do produto de dois
números complexos. Por exemplo, torna-se claro que a multiplicação pelo número i cor-
responde a uma rotação de 90 graus.
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2 Funções elementares
1. (Função exponencial.) Para qualquer z = x + iy ∈ C, define-se
(Há várias maneiras de motivar esta definição. Uma delas é a seguinte. Deverá suceder
que ex+iy = ex eiy , pelo que resta motivar a definição de eiy . Ora, pretende-se que f (z) =
ez satisfaça f (0) = 1 bem como f (n) (0) = 1 (derivadas de qualquer ordem); usando o
desenvolvimento de Taylor de f em torno do ponto 0 (cf. Cálculo Diferencial e Integral
I), designadamente
(iy)2 (iy)3 (iy)4
f (0) + f 0 (0)(iy) + f 00 (0) + f (3) (0) + f (4) (0) + ··· ,
2! 3! 4!
agrupando os termos chega-se a
y2 y4 y3 y5
(1 − + + · · · ) + i (y − + + · · · ),
2! 4! 3! 5!
que é precisamente o desenvolvimento de Taylor de cos y + i sin y.)
Algumas propriedades que decorrem imediatamente da definição são (verifique):
a) |ez | = ex e ez 6= 0, ∀z = x + iy ∈ C.
c) ez+w = ez ew , ∀z, w ∈ C.
Obs. O uso da exponencial permite usar uma notação alternativa para a representação
polar:
z = r cisθ = reiθ , ∀z ∈ C.
Não sendo possı́vel esboçar (a duas ou três dimensões) o “gráfico” da função exponencial,
ainda assim pode estudar-se a imagem pela exponencial de certos subconjuntos do plano
complexo. Por exemplo, a exponencial transforma uma recta horizontal (y=constante)
numa semi-recta com origem em 0 e direcção dada por cis y; transforma uma recta verti-
cal (x=constante) numa circunferência de raio ex (percorrida uma infinidade de vezes).
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(Uma motivação possı́vel para esta definição é a seguinte: dado que eiy := cos y + i sin y e
e−iy = cos y − i sin y, adicionando e subtraindo estas expressões chega-se à definição acima
no ponto y.)
Algumas propriedades que decorrem imediatamente da definição são (verifique):
b) sin2 z + cos2 z = 1, ∀z ∈ C.
A função exponencial transforma cada conjunto Ay0 no conjunto C \ {0} (plano complexo
desprovido da origem), e fá-lo de maneira bijectiva, isto é: para todo o z = rcis θ ∈ C \ {0}
existe um único w ∈ Ay0 tal que ew = z.
Com efeito, trata-se de encontrar w = x + iy tal que ex cis iy = rcis θ, equação cujas
soluções são dadas por x = log r e y = θ + 2kπ com k ∈ Z; e a exigência de y pertencer a
Ay0 determina univocamente o inteiro k.
Isto permite definir a função logaritmo ou, com mais precisão, um ramo da função loga-
ritmo (um ramo para cada y0 fixado):
a) elog z = z, ∀z ∈ C \ {0}.
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Pela fórmula em c), existirá k ∈ Z (k depende de y0 , z e w) tal que
ab := eb log a , ∀a, b ∈ C, a 6= 0.
Tal como atrás, para diferentes ramos do logaritmo, obtêm-se possivelmente diferentes
valores de ab ; alterar um ramo do logaritmo tem o efeito de multiplicar o valor acima por
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um factor e2kπib para certo k ∈ Z (se b for um irracional ou um imaginário puro, obtém-se
toda uma sucessão de valores distintos para ab ).
Algumas propriedades que decorrem imediatamente da definição são (verifique):
b) (ab)c = ac bc , desde que, para o ramo fixado do logaritmo, log(ab) = log a + log b (sem
termo adicional 2kπi).
3 Funções analı́ticas
1. (Continuidade.) Seja f = u + iv : C → C uma função de variável complexa, com parte
real Re f = u e parte imaginária Im f = v. As funções u, v podem ser encaradas como
funções reais u, v : R2 → R.
À semelhança do caso real, a função f diz-se contı́nua num ponto z0 = x0 + iy0 ∈ C se
para cada δ > 0 existir ε > 0 tal que
Isto equivale a exigir que para cada δ > 0 exista ε > 0 tal que
Ou seja, isto equivale a exigir que ambas as funções u e v são contı́nuas no ponto (x0 , y0 ) ∈
R2 , relativamente à métrica euclideana usual no espaço R2 . Mantêm-se assim as pro-
priedades usuais da continuidade, bem conhecidas para o caso real.
f (z) − f (z0 )
0 < |z − z0 | < ε ⇒ | − w| < δ.
z − z0
Ou seja, em notação abreviada, o número w := f 0 (z0 ) é dado pelo limite (caso exista):
f (z) − f (z0 )
f 0 (z0 ) = lim ·
z→z0 z − z0
f (z)−f (z0 )
Dado que f (z) − f (z0 ) = z−z0 (z − z0 ), isto implica a continuidade de f em z0 .
Mantêm-se, no caso complexo, as regras usuais de derivação do caso real (em particu-
lar, por exemplo, (z n )0 = nz n−1 ∀z ∈ C), incluindo a derivação da função composta:
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(f ◦ g)0 (z) = f 0 (g(z))g 0 (z) sempre que as derivadas do segundo membro existam.
ux = vy , vx = −uy .
onde o(|z − z0 |) designa uma quantidade tal que o(|z − z0 |)/|z − z0 | → 0 quando z → z0 .
Conclusão análoga vale para v(x, y) − v(x0 , y0 ). Então
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Obs. As noções de continuidade e de diferenciabilidade são noções locais; no que se disse
acima, bastaria que f estivesse definida num aberto de R2 contendo o ponto (x0 , y0 ).
Exemplo. A função dada por f (z) = z̄ não tem derivada em nenhum ponto.
Consequentemente,
No entanto, a função não tem derivada no ponto z0 = 0. Com efeito, para z = reiθ 6= 0,
f (z) − f (0)
= ei4θ ,
z−0
pelo que o valor limite é 1 se 0 for aproximado ao longo da recta θ = 0 , e é −1 se 0 for
aproximado ao longo da recta θ = π/4.
Porque é que este exemplo não contradiz o teorema anterior?
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“Dem”. (Suporemos que f 0 é contı́nua.) Encarada como função de R2 em R2 , pelas
equações de Cauchy-Riemann a matriz jacobiana de f é uma matriz com determinante
u2x + vx2 = |f 0 |2 . Numa vizinhança do ponto (x0 , y0 ), este determinante não se anula. Pelo
teorema de inversão do cálculo diferencial em R2 , f é localmente invertı́vel, com inversa lo-
cal diferenciável. Por cálculo directo da inversa da matriz jacobiana, provam-se as equações
de Cauchy-Riemann para a inversa local f −1 , donde esta aplicação é analı́tica. Por fim,
derivando os dois membros da identidade f −1 (f (z)) = z vem (f −1 )0 (f (z))f 0 (z) = 1, donde
(f −1 )0 (f (z)) = 1/f 0 (z) em todo o ponto z de V .
Por exemplo, para f (z) = exp z = ex (cos y + i sin y), tem-se ux = vy = ex cos y, vx =
−uy = ex sin y; é claro que as funções u e v são, neste caso, diferenciáveis (por exemplo,
porque são contı́nuas e as suas derivadas parciais são também contı́nuas), concluindo-se
que f é analı́tica em C e f 0 (z) = ux + ivx = ex cos y + iex sin y = f (z).
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4. (Interpretação geométrica.) Suponha-se que f é analı́tica numa vizinhança de um ponto
z0 e que f 0 (z0 ) = r0 cis θ0 6= 0. Por um argumento heurı́stico, f (z) ' f (z0 )+f 0 (z0 )(z−z0 ) =
f (z0 ) − f 0 (z0 )z0 + f 0 (z0 )z perto de z0 , pelo que, a menos de uma translação, f comporta-se
como um produto pelo número f 0 (z0 ) – ou seja, como uma composição de uma homotetia
(de razão r0 ) com uma rotação (de ângulo θ0 ).
Esta ideia pode ser rigorosamente traduzida na forma seguinte. Seja c(t) :] − δ, δ[→ C
um caminho diferenciável passando em z0 , com c(0) = z0 e vector tangente não nulo
(c0 (0) ∈ C\{0}). O caminho d(t) definido pela composição d(t) = f (c(t)) satisfaz portanto
d0 (t) = f 0 (c(t)).c0 (t), donde
|d0 (0)| = r0 |c0 (0)| e arg d0 (0) = θ0 + arg c0 (0) (mod 2π),
como se esperava. Funções complexas com esta propriedade dizem-se conformes; repare-se
que, em particular, estas aplicações preservam os ângulos.
z 2 +z+1
Por exemplo, se f (z) = z−1 então, por cálculo directo, f 0 (0) = −2 = 2 cisπ; perto da
origem, f roda os ângulos de π e multiplica comprimentos por um factor de 2. Isto pode
não suceder no caso em que a derivada se anule. Por exemplo, a aplicação g(z) = z 2 (que
tem derivada nula em z = 0) não é conforme na origem: os ângulos com vértice na origem
vêem a sua amplitude ampliada para o dobro.
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Isto implica
Z Z
2 2
|∇u| ϕ 6 4 u2 |∇ϕ|2 6 C (porque u é limitada).
R2 R2
A constante C não depende de R, pelo que se conclui que BR (0) |∇u|2 6 C ∀R, ou seja,
R
2 2
R R
R2 |∇u| < ∞. Consequentemente, B2R (0)\BR (0) |∇u| → 0 quando R → ∞. Voltando à
primeira desigualdade acima, deduz-se que, para todo o ε > 0,
Z Z Z
2 2 2 2 1
|∇u| ϕ 6 ε u |∇ϕ| + |∇u|2 ϕ2 .
R2 B2R (0)\BR (0) ε B2R (0)\BR (0)
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Rb Rb Rb Rb
Por definição, portanto, Re a g(t) dt = a Re g(t) dt e Im a g(t) dt = a Im g(t) dt. Verifica-
se facilmente que o integral é linear em g.
Z b Z b
Lema. Tem-se | g(t) dt| 6 |g(t)| dt.
a a
Rb Rb
Dem. Em representação polar, a g(t) dt = reiθ e pretende-se ver que r 6 a |g(t)| dt.
Ora,
Z b Z b
r = e−iθ g(t) dt = e−iθ g(t) dt,
a a
donde Z b Z b Z b
−iθ −iθ
r = Re r = Re (e g(t)) dt 6 |e g(t)| dt = |g(t)| dt.
a a a
2. (Integral de caminho.) Seja f : A ⊂ C → C contı́nua (A aberto) e γ : [a, b] → C um
caminho de classe C 1 com imagem contida em A. Define-se
Z Z Z b
f = f (z) dz := f (γ(t))γ 0 (t) dt.
γ γ a
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Dem. Usando o lema anterior,
Z Z b Z b
| f| 6 |f (γ(t))| |γ 0 (t)| dt 6 max |f | |γ 0 (t)| dt.
γ a γ([a,b]) a
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Exemplo. De um modo geral, se γ : [a, b] → C é uma qualquer curva fechada (de classe
C 1 ) não passando por z0 , o ı́ndice (ou: número de giro) de γ relativamente a z0 ,
Z
1 1
I(γ, z0 ) := dz,
2πi γ z − z0
é sempre um número inteiro (este inteiro traduz, intuitivamente, o “número de vezes que
γ gira em torno de z0 ”).
Rt
Com efeito, seja θ0 (t) := a γ 0 (s)/(γ(s) − z0 ) ds. Tem-se θ0 (t) = γ 0 (t)/(γ(t) − z0 ), donde
e−θ(t) (γ(t) − z0 ) é constante no intervalo [a, b] (a derivada é identicamente nula). Então
e−θ(b) (γ(b) − z0 ) = e−θ(a) (γ(a) − z0 ); e como γ(a) = γ(b) e θ(a) = 0, conclui-se e−θ(b) = 1,
donde θ(b) = 2kπi para algum k ∈ Z, como se pretendia.
Os dois últimos integrais são nulos, pelas equações de Cauchy-Riemann.Visto que γ1 foi
R R
percorrido no sentido oposto, isto arrasta γ0 f = γ1 f .
1
R
Obs. Este teorema “explica” a razão pela qual o integral Sr z dz é independente de r
(como se constatou acima). Com efeito, se 0 < r < r0 , a função 1/z é analı́tica no aberto
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A = {z : r/2 < |z| < 2r0 } e as circunferências Sr e Sr0 são homotópicas em A, donde
R 1 R 1
Sr z dz = S 0 z dz.
r
Corolário. (Teorema de Cauchy.) Seja f uma função analı́tica num simplesmente conexo
A e γ um caminho fechado com imagem em A. Então
Z
f = 0.
γ
O segmento de recta tem comprimento de arco |w − z|. Então, dado δ > 0, pela con-
tinuidade de f no ponto z e pela desigualdade da limitação do integral, tem-se, para
|w − z| < ε suficientemente pequeno,
F (w) − F (z) 1
| − f (z)| 6 δ |w − z| = δ.
w−z |w − z|
F (w)−F (z)
Ou seja, limw→z w−z = f (z).
Teorema. (Fórmula integral de Cauchy.) Seja f uma função analı́tica num simplesmente
conexo A, γ um caminho fechado com imagem em A, e z0 um ponto de A que não está
no caminho γ. Então Z Z
f (z) 1
dz = f (z0 ) dz.
γ z − z0 γ z − z0
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“Dem.” Seja g : A → C definida por g(z) = (f (z) − f (z0 ))/(z − z0 ) se z 6= z0 e g(z0 ) =
f 0 (z0 ). A função g é analı́tica excepto possivelmente no ponto z0 , no qual, no entanto, é
contı́nua. Aplicando o teorema de Cauchy (numa versão, portanto, mais geral do que a
enunciada atrás) à função g,
Z Z Z Z Z
f (z) f (z0 ) f (z) 1
0 = g(z) dz = dz − dz = dz − f (z0 ) dz,
γ γ z − z 0 γ z − z 0 γ z − z 0 γ z − z0
como se pretendia.
Teorema. (Fórmula integral de Cauchy para as derivadas.) Seja f uma função analı́tica
num aberto A. Então f admite derivadas de todas as ordens em A. Além disso, se γ
é uma circunferência de raio R centrada num ponto z0 (percorrida uma única vez, no
sentido anti-horário), cujo cı́rculo está contido em A, então
Z
k! f (z)
f (k) (z0 ) = dz, ∀k ∈ N.
2πi γ (z − z0 )k+1
Obs. Em algumas das demonstrações anteriores, não foi restritivo, afinal, ter admitido
uma regularidade adicional sobre as funções: pelo teorema acima, a mera existência de
derivada arrasta a existência das derivadas de ordem superior.
Bibliografia
J.E. Marsden, “Basic Complex Analysis”, W.H. Freeman and Company, San Francisco,
1973 (última edição: 1998), Capı́tulos 1 e 2.
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