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Resenha de “História da Loucura”

Residente: Adriana Maria Campos

Parte 1:
No primeiro capítulo de "História da Loucura", Foucault traça uma
cronologia que compreende a evolução da insanidade e sua maneira de ser
compreendida pela sociedade. De início, discorre sobre a lepra - chaga social
que assolou a Europa até o final da idade média. Em uma sociedade regida pela
Igreja e pelo medo, em que o bem e o mal duelam de forma antagônica, a lepra
serviu como forma de purificação social. Os doentes eram jogados nos
leprosários e segregados de todo o meio social, criando uma ideia de escuridão
sempre atrelada a esses locais. Porém, ao final da Idade Média, acabaram-se
as guerras e também o contato com a fonte de infecção, de forma que os
leprosários se tornaram vazios. Claro que havia também uma questão
econômica - à medida que os doentes se tornavam escassos, os recursos
financeiros antes destinados à cura da lepra eram agora destinados aos pobres
– um absurdo!
Antes de os loucos assumirem seu lugar em terra, eles desbravaram os
mares da Europa. Em meados do século XV, a Nau dos Loucos se tornava
realidade, levando uma carga de insanos de uma cidade até outra. Não se sabe
exatamente a origem deste costume, pois na mesma época alguns hospitais
destinavam leitos para receber insanos e também havia alguns locais de
detenção para loucos. Presume-se então que os navios serviam para expulsar
os loucos estrangeiros, haja vista que cada cidade era responsável por seus
próprios loucos. Mais do que expulsar os alienados, a água entregava-os à
incerteza, tornando-os prisioneiros de sua própria partida e sentenciando-os a
retornar somente se a fé prevalecer.

A lepra e todos os seus estigmas foram inicialmente substituídos por


doenças venéreas, porém a medicina logo tratou de compreendê-las em uma
visão completamente científica. Aos poucos, os doentes incuráveis, os
presidiários e os cabeças alienadas foram povoando os leprosários, assumindo
o papel social que antes pertencia aos leprosos. Aquela mesma aura de medo e
exclusão permanecia intimamente conectada a esses lugares e a quem quer que
por lá estivesse. Por assim dizer, entendia-se que o louco, ao ser jogado em
qualquer lugar, está usufruindo ao mesmo tempo da cólera e da bondade de
Deus, podendo até mesmo alcançar sua salvação por meio da exclusão.

Tendo em vista todo esse contexto, os loucos tornaram-se personagens,


permeados de desconhecido, escuridão, desatino, tudo aquilo que o homem
conhecia, mas não queria ver. Em uma sociedade ambivalente, a loucura
reverberava o mal que existe no homem, os desejos que insiste em negar e a
verdade que há de aparecer em algum momento. Quando chega ao fim uma era
de pestes e guerras, o medo da morte é substituído pela ameaça iminente da
loucura dentro de cada um – esta, por sua vez, sempre ecoando seu canto de
morte.

No período renascentista, a loucura é percebida através da ruína de tudo


aquilo que antes era percebido como imagem de apenas um significado. A
multiplicação de significações permeia todos os âmbitos do conhecimento e
também ressoa no caráter social – agora a pluralidade de significações permite
a desordenação da lógica e conduz ao fascínio. Fascínio este que intriga tanto,
pois a loucura é também um saber. Quem sabe mais sobre o louco do que ele
mesmo?

É neste momento que se percebe que os alienados têm seu saber


chamado de loucura quando comparados àqueles homens ditos como razoáveis.
Confere-se também um caráter moral à vivência do louco, pois ainda restava
uma compreensão de que a insanidade chegava apenas para aqueles que não
eram suficientemente tementes à palavra de Deus. A loucura, portanto, deixa de
pairar no ar como uma entidade desconhecida que assola terras longínquas de
pecadores e passa a ser vista como uma outra face da razão – a razão de ser
louco.

Parte 2:

Acredito que a partir do texto lido foi possível entender o porque do


estigma trazido pelo diagnóstico de doença mental, infelizmente ainda tão
presente na nossa realidade. Foucault esclarece que o processo de apreensão
da loucura como entidade maligna foi construído ao longo de séculos, motivado
por razões religiosas, políticas e econômicas. A religião se resguardava ao direito
de acolher apenas aqueles que não eram loucos, negando a eles o direito de ir
à Igreja e também a piedade de Deus. As cidades responsabilizavam-se por seus
loucos próprios, dando-lhes moradia e recursos para sobreviverem, porém
escorraçavam todo e qualquer louco considerado estrangeiro. E os governantes,
ao perceberem que os recursos financeiros dos leprosários seriam destinados
aos pobres, passaram a oferecer tais locais como “abrigos” para tratamento de
insanos. É desconcertante pensar que se a história tivesse se desenrolado de
forma diferente, talvez os loucos seriam vistos como seres superiores ou até
mesmo como pessoas iguais às outras.

Em outro momento, Foucault firma a loucura em um local de escuridão,


longe dos olhos da igreja e de qualquer tipo de piedade por parte da sociedade.
Tal fato ocorreu há vários séculos, porém ainda hoje existem pessoas que
atribuem sintomas compatíveis com sofrimento mental a pecado ou mesmo falta
de Deus no coração. E por assim acreditarem, essas pessoas submetem os
doentes mentais aos mais cruéis processos de cura, a fim de levá-los à tão
desejada purificação espiritual.

Sinto-me mais confortável em pensar que a loucura se encaixa como uma


das muitas faces da razão – e de fato, assim vem sendo retratada em muitas
obras da atualidade. A loucura como desejo iminente que desatina no horizonte
do querer reflete a verdade que existe dentro de cada um. E também nos lembra
diariamente daquilo que queremos esquecer – que sem nossa suposta razão,
não temos controle de mais nada no mundo, nem mesmo de nós.

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