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Construção dos Números Reais

Michael Spivak
04 de Abril de 2014

A massa de esforço que este capítulo necessariamente contém, é aliviada


por uma ideia verdadeiramente excepcional. A fim de provar que um corpo
ordenado completo existe, teremos de descrevê-lo explicitamente em detalhe;
verificar as condições (1) - (10) para um corpo ordenado será uma prova
simples, mas a descrição do próprio corpo e dos elementos nele, é de fato
engenhosa.
O que temos à nossa disposição é o conjunto de números racionais e, a
partir dessa matéria-prima é necessário para produzir o corpo que acabará
por ser chamado de números reais. Para os não iniciados este deve parecer
totalmente sem esperança se apenas os números racionais são conhecidos,
onde estão os outros? Até agora temos tido experiência suficiente para per-
ceber que a situação pode não ser tão desesperadora como essa consideração
informal sugere. A estratégia a ser adotada em nossa construção já tenha
sido utilizada de forma eficaz para a definição de funções e números com-
plexos. Em vez de tentar determinar a “natureza real” desses conceitos, nós
nos conformamos com uma definição que descreve o suficiente sobre eles para
determinar suas propriedades matemáticas completamente.
Uma proposta semelhante para a definição de números reais exige uma
descrição de números reais, em termos de números racionais. A observação,
que um número real deve ser determinado completamente pelo conjunto de
números racionais menos que isso, sugere uma contundentemente simples e
bastante atraente possibilidade: um número real pode (e, de fato, eventu-
almente, irá) ser descrito como um conjunto de números racionais. Para
efetivar esta proposta, no entanto, alguns meios devem ser encontrados para
descrever “o conjunto de números racionais menores do que um número real”,
sem mencionar números reais, que ainda são nada mais do que heurístico
fruto da nossa imaginação matemática.
Se A é considerado como um conjunto de números racionais que são me-
nores do que o número real α, então A deve ter as seguintes propriedades: Se
x está em A e y é um número racional satisfazendo y < x, então y está em A.

1
Além desta propriedade, o conjunto A deve ter algumas outras. Como deve
haver algum número racional x < α, o conjunto A não deve ser vazio. Da
mesma forma, como deve haver algum número racional x > α, o conjunto
A não deve ser todo o Q. Finalmente, se x < α, então deve haver outro
número racional y com x < y < α, então A não deve conter uma maior
elemento. Se considerarmos temporariamente os números reais como é co-
nhecido, então não é difícil de verificar (Problema 8-17) que um conjunto A
com essas propriedades é de fato o conjunto dos números racionais menores
do que algum número real α. Como os números reais estão presentemente no
esquecimento, sua prova, se você fornecer uma, deve ser considerada apenas
como um comentário não oficial neste processo. Ele servirá para convencê-lo,
no entanto, que não deixaram de notar qualquer propriedade fundamental do
conjunto A. Não parece haver nenhuma razão para hesitar por mais tempo.

Definição 1 Um número real é um conjunto α, de números racionais, com


as quatro propriedades seguintes:

(1) Se x está em α e y é um número racional com y < x, então y também


está em α.
(2) α 6= ∅.
(3) α 6= Q.
(4) Não existe um maior elemento em α; em outras palavras, se x está em
α, então existe algum y em α com y > x.

Só para lembrá-lo da filosofia por trás da nossa definição, aqui está um


exemplo explícito de um número real:

α = {x ∈ Q : x < 0 ou x2 < 2}.

Deve ficar claro que α é o número real que será eventualmente conhecido como

2, mas não é um exercício inteiramente trivial mostrar que, na verdade, α é
um número real. O ponto inteiro de tal exercício é provar isso usando apenas
fatos sobre Q, a parte mais difícil será verificar a condição (4), mas este já
apareceu como um problema em um capítulo anterior (descobrir qual deles
é com você). Observe que a condição (4), embora bastante incômodo aqui, é
realmente essencial, a fim de evitar ambiguidades, sem ela ambos

{x ∈ Q : x < 1}

e
{x ∈ Q : x ≤ 1}

2
seriam candidatos ao “número real 1.”
A mudança de A para α em nossa definição indica tanto um conceito e
uma preocupação de notação. Daí em diante, um número real é, por defi-
nição, um conjunto de números racionais. Isto significa, em particular, que
um número racional (um membro de Q) não é um número real, em vez disso
cada número racional x tem um homólogo natural, que é um número real,
isto é, {y ∈ Q : y < x}. Depois de completar a construção dos números
reais, podemos jogar mentalmente longe os elementos de Q e concordam que
Q passará a designar esses conjuntos especiais. Por enquanto, no entanto,
será necessário trabalhar ao mesmo tempo com os números racionais, núme-
ros reais (conjuntos de números racionais) e até conjuntos de números reais
(conjuntos de conjuntos de números racionais). Alguma confusão talvez seja
inevitável, mas a notação adequada deve manter isso ao mínimo. Números
racionais será denotado por letras minúsculas romanas (x, y, z, a, b, c) e os nú-
meros reais por letras minúsculas gregas (α, β, γ); letras maiusculas romanas
(A, B, C) será usada para denotar conjuntos de números reais.
O restante deste capítulo é dedicado à definição de +, ·, e P para R e
uma prova de que, com estas estruturas, R é de fato um corpo ordenado
completo.
Vamos realmente começar com a definição de P, e até mesmo aqui vamos
trabalhar para trás. Vamos primeiro definir α<β, mais tarde, quando +, ·
e 0 estiverem disponíveis, vamos definir P como o conjunto de todo α com
0 < α, e provar as propriedades necessárias para P. A razão para iníciarmos
com a definição de < é a simplicidade desse conceito em nossa configuração
atual:

Definição 2 Se α e β são números reais, então α < β significa que α está


contido em β (isto é, todo elemento de α é também um elemento de β), mas
α 6= β.

A repetição das definições de ≤, >, ≥ seria exaustivo, mas é interessante


notar que ≤ agora pode ser expressa de forma mais simples do que <, se α
e β são números reais, então α ≤ β se, e somente se, α está contido em β.
Se A é um conjunto limitado de números reais, é quase óbvio que A deve
ter a extremo superior. Cada α ∈ A é um conjunto de números racionais;
se esses números racionais são colocadas em uma coleção β, então β é pre-
sumivelmente sup A. Na prova do teorema seguinte vamos verificar todos
os pequenos detalhes que não foram mencionados, não menos do que é a
afirmação de que β é um número real. (Não vamos nos incomodar com a
numeração dos teoremas neste capítulo, uma vez que todos eles se somam a
um grande Teorema: Existe um corpo ordenado completo.)

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Teorema 1 Se A é um conjunto de números reais, A 6= ∅ e A é limitado
superiormente, então A tem uma menor cota superior.

Demonstração:

Seja β = {x : x está em algum α ∈ A}. Então β é certamente um conjunto


de números racionais, a prova de que β é um número real requer a verificação
de quatro fatos.

(1) Suponha que x ∈ β e y < x. A primeira condição significa que x ∈ α


para alguns α ∈ A. Como α é um número real, a suposição y < x
implica que y ∈ α. Portanto, é certamente verdade que y ∈ β.

(2) Como A 6= ∅, existe algum α ∈ A. Como α é um número real, existe


algum x ∈ α. Isto siguinifica que x ∈ β, assim β 6= ∅.

(3) Como A é limitado superiormente, existe algum número real γ tal que
α < γ para todo α ∈ A. Como γ é um número real, existe algum
número racional x que não está em γ. Agora α < γ significa que α
está contido em γ, assim é também verdade que x 6∈ α para qualquer
α ∈ A. Isto significa que x 6∈ β; assim β 6= Q.

(4) Suponha que x ∈ β. Então x ∈ α para algum α ∈ A. Como α não


tem um maior elemento, existe algum número racional y com x < y e
y ∈ α. Mas isto siguinifica que y ∈ β; portanto β não tem um maior
elemento.

Estas quatro observações prova que β é um número real. A prova de que


β é a menor cota superior, é mais fácil. Se α ∈ A, então claramente α está
contido em β; isto significa que α ≤ β, assim é uma cota superior para A.
Por outro lado, se γ é uma cota superior para A, então α ≤ γ para todo
α ∈ A; isto significa que α está contido em γ, para todo α ∈ A e isto implica
que β ⊂ γ. Isto, por sua vez, significa que β ≤ γ; portanto β é a menor cota
superior de A. 
A definição de + é ao mesmo tempo óbvia e fácil, mas deve ser comple-
mentada com uma prova de que esta definição “óbvia” faz algum sentido em
tudo.

Definição 3 Se α e β são números reais, então

α + β = {x : x = y + z para algum y ∈ α e algum z ∈ β}

Teorema 2 Se α e β são números reais, então α + β é um número real.

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Demonstração:

Mais uma vez, quatro fatos devem ser verificados.

(1) Suponha que w < x para algum x ∈ α + β. Então x = y + z para algum


y ∈ α e algum z ∈ β, o qual significa que w < y + z, consequentemente,
w − y < z. Isto mostra que w − y ∈ β (uma vez que z ∈ β, e β é um
número real). Como w = y + (w − y), segue-se que w ∈ α + β.

(2) É claro que α + β 6= ∅, uma vez que α 6= ∅ e β 6= ∅.

(3) Como α 6= Q e β 6= Q, existem números racionais a e b com a 6∈ α


e b 6∈ β. Qualquer x ∈ α satisfaz x < a (para o caso a < x, então a
condição (1) para um número real implica que a ∈ α); similarmente
qualquer y ∈ β satisfaz y < b. Portanto x + y < a + b para qualquer
x ∈ α e y ∈ β. Isto mostra que a + b 6∈ α + β, assim α + β 6= Q

(4) Se x ∈ α + β, então x = y + z para y ∈ α e z ∈ β. Existem y 0 ∈ α e


z 0 ∈ β com y < y 0 e z < z 0 ; então x < y 0 + z 0 e y 0 + z 0 ∈ α + β. Portanto
α + β não tem um maior elemento. 

Até agora você pode ver como cansativo todo este processo vai ser. Toda
vez que falamos de um novo número real, devemos provar que é um número
real, o que exige a verificação de quatro condições, e mesmo quando trivial
eles exigem concentração. Não há realmente nenhuma ajuda para isso (exceto
que ele será menos chato se você verificar as quatro condições para você
mesmo). Felizmente, no entanto, alguns pontos de interesse irão surgir de
vez em quando, e alguns de nossos teoremas será fácil. Em particular, duas
propriedades de + não apresentam problemas.

Teorema 3 Se α, β e γ são números reais, então (α + β) + γ = α + (β + γ).

Demonstração:

Como (x + y) + z = x + (y + z) para todo número racional x, y e z, todo


elemento de (α + β) + γ é também elemento de α + (β + γ), vice versa. 

Teorema 4 Se α e β são números reais, então α + β = β + α.

Demonstração:

Para você (ainda mais fácil). 


Para outras propriedades de + vamos primeiro definir 0.

5
Definição 4 0 = {x ∈ Q : x < 0}.

É, graças a Deus, que 0 é um número real, e o seguinte teorema também


é simples.

Teorema 5 Se α é um número real, então α + 0 = α.

Demonstração:

Se x ∈ α e y ∈ 0, então y < 0, assim x+y < x. Isto implica que x+y ∈ α.


portanto, todo elemento de α + 0 é também um elemento de α.
Por outro lado, se x ∈ α, então existe um número racional y ∈ α tal que
y > x. Como x = y + (x − y), onde y ∈ α, e x − y < 0 (de modo que
x − y ∈ 0), isto mostra que x ∈ α + 0. Portanto, todo elemento de α é
também um elemento de α + 0. 
O candidato razoável para −α parece ser o conjunto

{x ∈ Q : −x 6∈ α}

(como −x 6∈ α significa intuitivamente que −x > α, de modo que x < −α).


Mas, em certos casos, este conjunto não vai ser um número real. Embora um
número real α não tenha um maior elemento, o conjunto

Q − α = {x ∈ Q : x 6∈ α}

tem um menor elemento x0 ; quando α é um número real deste tipo, o con-


junto {x : −x 6∈ α} terá um maior elemento −x0 . Por conseguinte, é neces-
sário introduzir uma leve modificação na definição de −α que vem equipado
com um teorema.

Definição 5 Se α é um número real, então

−α = {x ∈ Q; −x 6∈ α, mas − x não é o menor elemento de Q − α}

Teorema 6 Se α é um número real, então −α é um número real.

Demonstração:

(1) Suponha que x ∈ −α e y < x. Então −y > x. Como −x 6∈ α também


é verdade que −y 6∈ α. Além disso, é evidente que −y não é o menor
elemento de Q − α, uma vez que −x é o menor elemento. Isto mostra
que y ∈ −α.

6
(2) Como α 6= Q, existe algum número racional y que não está em α.
Podemos supor que y não é o menor número racional em Q − α. (uma
vez que y pode ser sempre substituído por qualquer y 0 > y). Então
−y ∈ −α. Portanto −α 6= ∅.

(3) Como α 6= ∅, existe algum x ∈ α. Então −x não pode estar em −α,


assim −α 6= Q.

(4) Se x ∈ −α, então −x 6∈ α e existe um número racional y < −x que


também não está em α. Seja z um número racional com y < z < −x.
Então z também não está em α e z é não é claramente o menor elemento
de Q − α. Assim −z ∈ −α. Como −z > x, isto mostra que −α não
tem um maior elemento. 

A prova que α+(−α) = 0 não é inteiramente simples. As dificuldades não


são causadas, como se poderia supor, pelos detalhes mimados na definição de
−α. Pelo contrário, neste momento solicitamos a propriedade de Arquimedes
de Q, indicado na página 550, que não segue de P1-P12. Esta propriedade
é necessária para provar o seguinte lema, que desempenha um papel crucial
no próximo teorema.

Lema 1 Se α é um número real, e z um número racional positivo. Então


existem (figura 1) números racionais x ∈ α e y 6∈ α, tal que y − x = z. Além
disso, podemos supor que y não é o menor elemento de Q − α.

Demonstração:

Suponha primeiro que z ∈ α. Se os números

z, 2z, 3z, . . .

estão todos em α, então todos números racionais estariam em α, uma vez


que cada número racional w satisfaz w < nz para algum n, pelo pressuposto
adicional na página 550. Isto contradiz o fato de que α é um número real,
então existe algum k tal que x = kz está em α e y = (k + 1)z não está em
α. Claramente y − x = z.
Além disso, se y for o menor elemento de Q − α, seja x0 > x um elemento
de α, e substitua x por x0 e y por y + (x0 − x).
Se z 6∈ α , existe uma prova semelhante, com base no fato de que os
números (−n)z não podem todos estar em α. 

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Teorema 7 Se α é um números reais, então

α + (−α) = 0.

Demonstração:

Suponha que x ∈ α e y ∈ −α. Então −y 6∈ α, assim −y > x. Daí


x + y < 0, assim x + y ∈ 0 Portanto todo elemento de α + (−α) ∈ 0.
É um pouco mais difícil ir na outra direção. Se z ∈ 0, então −z > 0. De
acordo com o lema, existe alguns x ∈ α, e alguns y 6∈ α, na qual y não é o
menor elemento de Q − α, tal que y − x = −z Esta igualdade pode ser escrita
x + (−y) = z. Como x ∈ α, e −y ∈ −α, isto prova que z ∈ α + (−α). 
Antes de prosseguir com a multiplicação, vamos definir os “elementos
positivos” e provar uma propriedade básica:

Definição 6 P = {α ∈ R : α > 0}.

Note que α + β está claramente em P se α e β estão.

Teorema 8 Se α é um número real, então, cumpre uma e apenas uma das


seguintes condições:

1. α = 0

2. α ∈ P

3. −α ∈ P

Demonstração:

Se α contém qualquer número racional positivo, então α certamente con-


tém todos os números racionais negativos, então α contém 0 e α 6= 0, ou
seja, α ∈ P. Se α não contém números racionais positivos, então uma entre
duas possibilidades devem ter:

(1) α contém todos os números racionais negativos, então α = 0.

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(2) existe um número x racional negativo, que não está em α, e pode
ser assumido que x não é o menor elemento de Q − α (uma vez que
x poderia ser substituído por x/2 > x), então −α contém o número
racional positivo −x, de modo que, como acabamos de provar, −α ∈ P.

Isto mostra que pelo menos uma de (i) - (iii) deve ocorrer. Se α = 0, é
claramente impossível que as condição (ii) ou (iii) sejam seguradas. Além
disso, é impossível que α > 0 e −α > 0 ambos sejam aseguradas, já que isso
implicaria que 0 = α + (−α) > 0. 
Lembre-se que α > β foi definido como significando que α contém β, mas
é diferente para β. Esta definição foi excelente para provar a completude,
mas agora temos que mostrar que é equivalente à definição que será feita em
termos de P . Assim, devemos mostrar que α − β > 0 é equivalente a α > β.
Esta é claramente uma consequência do próximo teorema.

Teorema 9 Se α, β e γ são números reais e α > β, então α + γ > β + γ.

Demonstração:

A hipótese α > β implica que β está contido em α; segue imediatamente


da definição de + que β + γ está contido em α + γ. Isto mostra que α + γ ≥
β + γ. Podemos facilmente descartar a possibilidade de igualdade, pois se

α + γ = β + γ,

então
α = (α + γ) + (−γ) = (β + γ) + (−γ) = β,
que é falso. Portanto α + γ > β + γ. 
Multiplicação apresenta dificuldades próprias. Se α, β > 0, então α · β
pode ser definido como se segue.

Definição 7 Se α e β são números reais e α, β > 0, então

α · β = {z : z ≤ 0 ou z = x · y para algum x ∈ α e y ∈ β com x, y > 0}.

Teorema 10 Se α e β são números reais com α, β > 0, então α · β é um


número real.

Demonstração:

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(1) Suponha w < z, onde z ∈ α·β. Se w ≤ 0, então w está altomaticamente
em α · β. Suponha que w > 0. Então z > 0, assim z = x · y para algum
positivo x ∈ α e positivo y ∈ β. Agora
wz wxy  w 
w= = = · x · y.
z z z
Como 0 < w < z, temos w/z < 1, assim (w/z)·x ∈ αPortanto w ∈ α·β.

(2) Claramente α · β 6= ∅.

(3) Se x 6∈ α e y 6∈ β, então x > x0 para todo x0 ∈ α, e y > y 0 para todo


y 0 ∈ β. Daí xy > x0 y 0 para todo positivo x0 e y 0 . Assim, xy 6∈ α · β;
portanto α · β 6= Q.

(4) Suponha que w ∈ α · β, e w ≤ 0. Existe algum x ∈ α com x > 0


e algum y ∈ β com y > 0. Então z = xy ∈ α · β e z > w. Agora
suponha w > 0. Então w = xy para algum positivo x ∈ α e algum
algum positivo y ∈ β. Além disso, α contém algum x0 > x; se z = x0 y,
então z > xy = w, e z ∈ α · β. Portanto, α · β não tem um maior
elemento. 

Note que α · β está claramente em P se α e β estão. Isto completa a


verificação de todas as propriedades de P. Para completar a definição de ·
vamos primeiro definir |α|.

Definição 8 Se α é um número real, então



α, se α ≥ 0
|α| =
−α se α ≤ 0

Definição 9 Se α e β são número reais, então



 0, se α = 0 ou β = 0
α·β = |α| · |β|, se α > 0, β > 0 ou α < 0, β < 0
−(|α| · |β|), se α > 0, β < 0 ou α < 0, β > 0

Como era de suspeitar, as provas das propriedades de multiplicação ge-


ralmente envolvem redução ao caso de números positivos.

Teorema 11 Se α, β e γ são números reais, então α · (β · γ) = (α · β) · γ.

Demonstração:

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Isto é claro se α, β, γ > 0. A prova para o caso geral requer considerar ca-
sos separados (e é simplificado um pouco se for utilizado o seguinte teorema).


Teorema 12 Se α e β são números reais, então α · β = β · α.

Demonstração:

Isto é claro se α, β > 0 e os outros casos são facilmente verificados. 

Definição 10 1 = {x ∈ Q : x < 1}. (É claro que 1 é um número real.)

Teorema 13 Se α é um número real, então α · 1 = α.

Demonstração:

Seja α > 0. É fácil de ver que cada elemento de α · 1 é também um


elemento de α. Por outro lado, suponha que x ∈ α. Se x ≤ 0, então x está
automaticamente α · 1. Se x > 0, então existe algum número racional y em
α tal que x < y. Então x = y · (x/y), e x/y estão em 1, então x ∈ α · 1. Isso
prova que α · 1 = α, se α > 0.
Se α < 0, então, aplicando o resultado já provado, temos

α · 1 = −(|α| · |1|) = −(|α|) = α.

Finalmente, o teorema é óbvio quando α = 0. 

Definição 11 Se α é um número real e α > 0, então

α−1 = {x ∈ Q : x ≤ 0, ou x > 0 e 1/x 6∈ α, mas 1/x não é o menor elemento de Q−α};

se α < 0, então α−1 = −(|α|−1 ).

Teorema 14 Se α é um número real diferente de 0, então α−1 é um número


real.

Demonstração:

Claramente basta considerar apenas α > 0. Quatro condições devem ser


verificadas.

(1) Suponha y < x, e x ∈ α−1 . Se y ≤ 0, então y está em α−1 . Suponha


que y > 0. Então x > 0, assim 1/x 6∈ α. Como 1/y > 1/x, segue-se
que 1/y 6∈ α, e 1/y claramente não é o menor elemento de Q − α, assim
y ∈ α−1 .

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(2) Claramente α−1 6= ∅.

(3) Como α > 0, existe algum número racional x ∈ α. Então, 1/x 6∈ α−1 ;
portanto α−1 6= Q.

(4) Suponha que x ∈ α−1 . Se x ≤ 0, existe claramente algum y ∈ α−1


com y > x, pois α−1 contém algum racional positivo. Se x > 0, então
1/x 6∈ α. Como 1/x não é o menor elemento de Q − α, existe um
número racional y 6∈ α, com y < 1/x. Escolha um número racional z
com y < z < 1/x. Então 1/z ∈ α, e 1/z > x. Portanto α−1 não contém
um maior elemento. 

A fim de provar que α−1 é realmente o inverso multiplicativo de α, ele


ajuda a ter um outro lema, que é o análogo multiplicativo de nosso primeiro
lema.

Lema 2 Seja α um número real com α > 0, e z um número racional com


z > 1. Então existem números racionais x ∈ α, e y 6∈ α, tal que y/x = z.
Além disso, podemos supor que y não é o menor elemento de Q − α.

Demonstração:

Supoha primeiro que z está em α. Como z − 1 > 0 e

z n = (1 + (z − 1))n ≥ 1 + n(z − 1),

segue-se que os números


z, z 2 , z 3 , . . .
não podem estar todos em α. Assim existe algum k tal que x = z k está em
α, e y = z k+1 não está em α. Claramente y/x = z. Além disso, se y passa a
ser o menor elemento de Q − α, se x0 > x um elemento de α, e substitua x
por x0 e y por yx0 /x.
Se z não está em α, existe uma prova similar , baseada no fato de que os
números 1/z k não podem todos deixar de estar em α. 

Teorema 15 Se α é um número real e α 6= 0, então α · α−1 = 1.

Demonstração: Obviamente, basta considerar apenas α > 0, neste caso


α−1 > 0. Suponha que x é um número racional positivo em α, e y é um
número racional positivo em α−1 . Então 1/y não está em α, assim 1/y > x;
consequentemente xy < 1 o que significa que xy está em 1.
Para provar a afirmação inversa, seja z pertencente a 1. Se z ≤ 0, então
claramente z está em α · α−1 . Suponha que 0 < z < 1. De acordo com o

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Lema 2, existem números racionais positivos x ∈ α e y 6∈ α, tais que
y/x = 1/z; e podemos assumir que y não é o menor elemento de Q − α.
Mas isso significa que z = x · (1/y), onde x está em α e 1/y está em α−1 .
Consequentemente, z está em α · α−1 .

Estamos quase terminando! Somente a prova da lei distributiva perma-


nece. Mais uma vez temos de considerar muitos casos, mas não se desespere.
O caso em que todos os números são positivos contém um ponto interessante,
e os outros casos podem ser atendidos muito ordenadamente.

Teorema 16 Se α, β e γ são números reais, então α · (β + γ) = α · β + α · γ.

Demonstração: Assuma primeiro que α, β, γ > 0. Então ambos os


números na igualdade contém todos os números racionais ≤ 0. Um número
racional positivo em α · (β + γ) é da forma x · (y + z) para positivos
x ∈ α y ∈ β e z ∈ γ. Como x · (y + z) = x · y + x · z, onde x · y é um
elemento positivo de α · β e x · z é um elemento positivo de α · γ, este
número está também em α · β + α · γ. Portanto, todo elemento de
α · (β + γ) está também em α · β + α · γ.
Por outro lado

Esta prova completa o trabalho do capítulo. Apesar de longo e freqüen-


temente tedioso, este capítulo contém os resultados suficientemente impor-
tantes para ser lido em detalhes, pelo menos uma vez (e de preferência não
mais do que uma vez!). Pela primeira vez, sabemos que não temos vindo a
operar em um vácuo, há de fato um corpo ordenado completo, os teoremas
deste livro não se baseiam em suposições que nunca podem ser realizadas.
Uma possibilidade interessante e horrível permanece: pode haver vários cor-
pos ordenados completos. Se isso for verdade, então os teoremas de cálculo
são inesperadamente ricos em conteúdo, mas as propriedades P1-P13 são
decepcionantemente incompleta. O último capítulo descarta essa possibili-
dade; propriedades P1-P13 caracteriza completamente o número real, qual-
quer coisa que pode ser provado sobre os números reais podem ser provados
com base destas propriedades apenas.

1 Unicidade dos Números Reais


Vamos agora reverter para a notação usual para números reais, reservando
símbolos em negrito para outros corpos que possam aparecer. Além disso,
consideraremos inteiros e números racionais como tipos especiais de números

13
reais, e esqueceremos a maneira específica como os números reais foram de-
finidos. Neste capítulo, estamos interessados em apenas uma pergunta: há
algum corpo ordenado completo diferente de R? A resposta a esta pergunta,
se tomada literalmente, é “sim”. Por exemplo, o corpo F3 introduzido no
Capítulo 25 é um corpo ordenado completo, e este certamente não é R. Este
corpo é um exemplo “bobo” porque o par (a, a) pode ser considerado apenas
outro nome para o número real a; as operações

(a, a) + (b, b) = (a + b, a + b),


(a, a) · (b, b) = (a · b, a · b),
são consistentes com essa renomeação. Esse tipo de exemplo mostra que
qualquer consideração inteligente da questão requer alguns meios matemáti-
cos de discutir tais procedimentos de renomeação.
Se os elementos de um corpo F vão ser usados para renomear elementos
de R, então para cada a ∈ R deve corresponder um “nome” f (a) em F . A
notação f (a) sugere que renomear pode ser formulado em termos de funções.
Para fazer isso, precisaremos de um conceito de função muito mais geral do
que qualquer outro que tenha ocorrido até agora; na verdade, precisaremos
da noção mais geral de "função"usada na matemática. Uma função, nesse
sentido geral, é simplesmente uma regra que atribui a algumas coisas, outras
coisas. Para ser formal, uma função é uma coleção de pares ordenados (de
objetos de qualquer tipo) que não contém dois pares distintos com o mesmo
primeiro elemento. O domínio de uma função f é o conjunto A de todos os
objetos a tais que (a, b) está em f para algum b; este (único) b é denotada
por f (a). Se f (a) está no conjunto B para todo a ∈ A, então f é chamada
de uma função de A para B. Por exemplo,

se f (x) = sen x para todo x ∈ R (e f está definida apenas para x ∈ R),


então f é uma função de R para R; é também uma função de R para
[−1, 1];
se f (x) = sen z para todo z ∈ C, então f é uma função de C para C;
se f (x) = ez para todo z ∈ C, então f é uma função de C para C; ela é
também uma função de C para {z ∈ C : z 6= 0};
θ é uma função de {z ∈ C : z 6= 0} para {x ∈ R : 0 ≤ x < 2π};
se f é a coleção de todos os pares (a, (a, a)) para a ∈ R, então f é uma
função de R para F3 .

Suponha que F1 e F2 são dois corpos; vamos denotar as operações em F1


por ⊕, , etc. e as operções em F2 por +, ·, etc. Se F2 for considerado como

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com uma coleção de novos nomes para elementos de F1 , então existirá uma
função de F1 para F2 com as seguintes propriedades:

(1) A função f deve ser injetiva, isto é, se x 6= y, então devemos ter f (x) 6=
f (y); isto significa que não há dois elementos de F1 com o mesmo nome.

(2) A função f deve ser sobrejetiva, isto é, para cada elemento de z ∈ F2


deve existir algum x ∈ F1 tal que z = f (x); isto significa que todo
elemento de F2 é usado para nomear algum elemento de F1 .

(3) Para todo x, y ∈ F1 , devemos ter

f (x ⊕ y) = f (x) + f (y);
f (x y) = f (x) · f (y);

isto significa que o procedimento de renomeação é consistente com as


operações dos corpos.
Se estamos também considerando F1 e F2 como corpos ordenados, adi-
cionaremos mais um requerimento:

(4) Se x ≺ y, então f (x) < f (y).

Uma função com estas propriedades é chamada um isomorfismo de F1


para F2 . Esta definição é tão importante que a reformulamos formalmente.

Definição 12 Se F1 e F2 são dois corpos, um isomorfismo de F1 e F2 é


uma função f de F1 para F2 com as seguintes propriedades:

1. Se x 6= y, então f (x) 6= f (y).

2. Se z ∈ F2 , então z = f (x) para algum x ∈ F1 .

3. Se x, y ∈ F1 , então

f (x + y) = f (x) ⊕ f (y)
f (x · y) = f (x) f (y)

Se F1 e F2 são corpos ordenados teremos que

4. Se x < y, então f (x) C f (y).

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Os corpos F1 e F2 são chamados isomorfos se existir um isomorfismo
entre eles. Corpos isomorfos podem ser considerados essencialmente os mes-
mos. Portanto podemos e devemos reformular a pergunta feita no início do
capítulo; se F é um corpo é um corpo ordenado completo, é bobagem esperar
que F seja igual a R - em vez disso, gostaríamos de saber se F é isomorfo
a R. No teorema seguinte F vai ser um corpo, com as operações + e ·, e
“elementos positivos” P; Escreveremos a<b para significar que b -a esta em
P, e assim por diante.

Teorema 17 Se F é um corpo ordenado completo, então F é isomorfo à R.

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