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ARTIGO ARTICLE
O percurso da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
dos Homens (PNAISH), desde a sua formulação até sua
implementação nos serviços públicos locais de atenção à saúde

Charting the Brazilian Comprehensive Healthcare Policy


for Men (PNAISH), from its formulation
through to its implementation in local public health services

Andréa Fachel Leal 1


Wagner dos Santos Figueiredo 2
Geórgia Sibele Nogueira-da-Silva 3

Abstract The scope of this article is to see how the Resumo O artigo tem como objetivo compreen-
Brazilian Comprehensive Healthcare Policy for der como a Política Nacional de Atenção Integral
Men (PNAISH) has been implemented in the à Saúde dos Homens (PNAISH) chega aos serviços
Unified Health System, from the standpoint of da Atenção Básica do Sistema Único de Saúde, a
health professionals. A case study, involving five partir do ponto de vista dos seus profissionais.
cases (each from a different macro region of Bra- Acompanhamos o caminho trilhado pela PNAISH
zil) conducted using ethnographic techniques of com um estudo, etnográfico, de cinco casos (de cada
data collection charted the progress of PNAISH Macro Região do país). A análise está ancorada no
implementation based on an anthropological ap- referencial da Antropologia e emprega a ideia de
proach using Lipsky’s idea of street-level bureau- street-level bureaucreacy, de Lipsky. A formulação
cracy. PNAISH is contextualized in historical da PNAISH é contextualizada em termos históri-
terms with national and international documents. cos e da produção de documentos internacionais e
Acknowledging the inevitable gap between the for- nacionais. Reconhecendo a distância entre formu-
mulation and the implementation of any policy, lação e implementação de qualquer política, bus-
an attempt is made to see how this gap has evolved camos compreender como tal distância foi se cons-
by analyzing the transition of PNAISH into city truindo, na tradução da PNAISH para Planos de
1
Programa de Pós- Action Plans (PAs). It was revealed that the im- Ação (PA) municipais. Observou-se desconheci-
Graduação em
Epidemiologia, plementing agents had little knowledge of PNAISH, mento dos agentes implementadores sobre a
Universidade Federal do of the local health care network for men, of the PNAISH, a rede local de atenção à saúde do ho-
Rio Grande do Sul. Rua techniques required to meet men’s specific needs mem, as técnicas para atender às especificidades
Ramiro Barcelos 2600/sala
406. 90035-003 Porto and of the concept of gender. It faced institutional dos homens e o conceito de gênero. A implementa-
Alegre RS. obstacles, such as lack of an organizational struc- ção esbarrou na ausência de condições institucio-
dea.leal@gmail.com ture, of a consolidated healthcare network – where nais, como uma estrutura organizacional, uma
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Departamento de
Medicina, Universidade the user receives services with different degrees of rede consolidada de atenção – em que o usuário
Federal de São Carlos complexity within the system – and resources in seja atendido por serviços com diferentes graus de
(UFSCar). general, especially human resources. complexidade dentro do sistema – e recursos em
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Programa de Pós-
Graduação em Saúde da Key words Men’s health, Healthcare policy, Pub- geral, especialmente humanos.
Família - Mestrado lic healthcare policy, Anthropology, Qualitative Palavras-chave Saúde do homem, Política de
Profissional/RENASF, research, Brazil saúde, Políticas públicas de saúde, Antropologia,
Universidade Federal do
Rio Grande do Norte Pesquisa qualitativa, Brasil
(UFRN).
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Leal AF et al.

Introdução implementadores, no contexto econômico, polí-


tico e institucional em que operam”6.
A estratégia nacional formulada pelo governo Michael Lipsky mostra que as políticas de-
brasileiro para a saúde em 2008, o Programa Mais vem ser compreendidas no contexto de sua exe-
Saúde, contemplava 73 medidas e 165 metas, to- cução e que a implementação da política pública
talizando um investimento de quase 90 bilhões de diz respeito às pessoas que de fato a implemen-
reais. Entre os Eixos de Intervenção, encontra-se tam7. O autor argumenta que os street-level bu-
o de Atenção à Saúde, que inclui a “implantação reaucrats – os agentes encarregados da imple-
de ações voltadas para a Atenção à Saúde do Ho- mentação, aquelas pessoas que exercem uma fun-
mem”1 (assegurando recursos para consolidar tal ção em serviços públicos lidando diretamente
medida no triênio 2008-2011). A Área Técnica de com os cidadãos – têm bastante autonomia para
Saúde do Homem é criada, no Ministério da Saú- tomarem decisões cotidianamente, baseadas em
de (MS), em 20072. Os princípios e as diretrizes da seus próprios valores e preferências7. Sua auto-
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do nomia é relativa, pois suas atividades, enquanto
Homem (PNAISH) são publicados em 2008, sen- agentes a serviço do Estado, são regulamenta-
do a política oficialmente lançada em 2009, com a das, mas ainda assim podem decidir sobre a quan-
publicação de uma Portaria Ministerial3. Uma tidade e a qualidade dos serviços que ofertam,
política específica para homens representa uma com base nas suas convicções pessoais. É nesse
inovação, na medida em que os homens não fo- sentido que os agentes encarregados da imple-
ram, historicamente, sujeitos singularizados nas mentação são também policy makers, isto é, eles,
intervenções desenvolvidas pelo Estado brasileiro com efeito, fazem a política.
no campo da saúde4. A implementação da PNAISH, portanto, en-
O Plano de Ação Nacional (2009-2011)5 da volve decisões tomadas por uma cadeia de agen-
PNAISH marca o início, efetivamente, da sua im- tes em um determinado contexto: desde decisões
plantação, pois este orienta a formulação de Pla- dos formuladores até as dos encarregados da
nos de Ação (PA) nas esferas Estadual e Munici- implementação – sendo que estes últimos inclu-
pal; também prevê a elaboração e o financiamen- em, além do gestor municipal de saúde, a equipe
to de 26 Projetos-Piloto em municípios seleciona- técnica local designada para atuar na saúde do
dos. O Plano de Ação Nacional (PN) orienta ges- homem e os profissionais que atuam nos servi-
tores no planejamento local de ações a partir do ços. Os médicos, enfermeiros, agentes comuni-
enunciado de metas, ações e estratégias para que tários de saúde, por exemplo, têm uma perspec-
os serviços de saúde acolham e atendam homens tiva própria sobre a saúde dos homens que, mes-
de 20 a 59 anos, elencando, em cada eixo, “ações mo tendo, possivelmente, origem na PNAISH, é
prioritárias”. No Eixo I, “Implantação da PNAISH”, filtrada e interpretada pelo conhecimento que
tais ações referem-se à transferência de 75 mil reais detêm da realidade local em que atuam, além de
em parcela única para cada Estado e para cada seu próprio instrumental teórico e conceitual.
uma das 26 Secretarias Municipais de Saúde sele- Um estudo antropológico da implantação de
cionadas, com repasse através do Fundo Nacio- uma política de saúde permite mapear, a partir
nal de Saúde, com o intuito de “incentivar a ela- do uso de técnicas etnográficas, os seus efeitos
boração e a implementação de estratégias e ações materiais e observar a realidade prática dessa
de saúde focadas na população masculina, inseri- mesma política onde ela é efetivada – na ponta.
das nos seus respectivos Planos de Saúde”5. Esta estratégia metodológica prioriza o olhar so-
O ponto de partida para a análise aqui de- bre o cotidiano e a vivência das pessoas envolvi-
senvolvida é justamente os 26 Projetos-Piloto, das diretamente com a implementação de uma
para analisar de que forma uma política, formu- determinada ação. Enquanto etnografia, não se
lada em âmbito nacional, é implementada no ní- busca realizar um registro integral da implanta-
vel local, dos municípios. Não se trata de uma ção da PNAISH, mas sim de observar um mo-
simples mensuração da distância entre os objeti- mento histórico, em meio a um processo institu-
vos e diretrizes enunciados nos documentos da cional em andamento – de modo a oferecer uma
Política e a sua tradução nas intervenções que perspectiva sobre a política e sobre a prática, em
são executadas nos serviços de saúde: tal distân- um contexto específico. A etnografia nunca é
cia é contingência da implementação6. Como ex- mera descrição, explica Laura Nader: é uma teo-
plica Marta Arretche, a distância entre formula- ria de descrição8.
dores e implementadores se deve, em grande par- A perspectiva analítica adotada é ancorada no
te, “pelas decisões tomadas por uma cadeia de referencial da Antropologia, com o objetivo de
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compreender de que forma se constrói a legitimi- sa realizou contato com o Secretário de Saúde do
dade de uma política e como participantes são Município ou o gestor responsável pela área téc-
chamados a fazer parte de um programa9,10. Es- nica voltada à saúde do homem (conforme da-
boçou-se assim o caminho trilhado pela PNAISH, dos apontados nos PA municipais ou pela Área
desde a sua formulação em um documento até a Técnica de Saúde do Homem do MS), enviando,
produção de protocolos, práticas e rotinas no ser- em seguida, uma carta-convite expressando o
viços públicos de saúde dos municípios. interesse em realizar a pesquisa naquele municí-
O objetivo é compreender como a PNAISH pio, sinalizando possibilidades de períodos/da-
chega aos serviços de saúde, em particular os ser- tas para a realização da mesma. Os gestores nos
viços da Atenção Básica, considerada a porta de municípios indicaram então alguém que agiria
entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), a par- como “apoio local” – que foram contatados pe-
tir do ponto de vista dos seus profissionais e los supervisores de campo, no sentido de se cons-
observando as suas práticas cotidianas. truir a logística e a agenda da pesquisa de campo
(mapeamento dos serviços a serem observados e
dos profissionais a serem entrevistados).
Métodos Nestes 5 municípios, foram realizadas, ao
todo, 6 narrativas com gestores e 21 entrevistas
Este estudo apresenta dados que integram uma semiestruturadas com profissionais de saúde, bem
pesquisa maior, intitulada Avaliação das Ações como a observação etnográfica, com base em um
Iniciais da Implantação da Política Nacional de roteiro, nos serviços de saúde, tendo as equipes
Atenção Integral à Saúde do Homem, desenvol- de pesquisa permanecido em cada localidade por
vida no período de 2010 a 2012, aprovada pelo uma semana. No total, observações foram reali-
Comitê de Ética do Instituto Nacional de Saúde zadas em 11 serviços de saúde (3 em Goiânia, 2
da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernan- em Petrolina, 2 em Rio Branco, 1 no Rio de Janei-
des Figueira (IFF), da Fundação Oswaldo Cruz ro e 3 em Joinville). Destes, 8 são serviços de Aten-
(Fiocruz). A descrição detalhada dos métodos ção Básica – caracterizando-se, portanto, como
empregados na pesquisa maior, bem como seus porta de entrada para a rede de assistência – e 3
principais resultados, encontra-se descrita em seu são de Assistência Especializada à Saúde.
relatório final11, bem como em artigo publicado Todo o material empírico produzido na se-
neste volume12. mana de trabalho de campo foi devidamente gra-
Os dados avaliados neste estudo foram cole- vado em áudio (narrativa, entrevistas e algumas
tados através de análise de documentos e das téc- conversas mais informais com profissionais da
nicas de narrativa, de entrevista em profundida- assistência) ou em diários de campo (anotações
de (a partir de roteiro semiestruturado) e de ob- acerca da descrição do ambiente dos serviços vi-
servação etnográfica. Trata-se, portanto, de uma sitados, das atividades assistenciais presenciadas,
pesquisa com abordagem qualitativa, com dese- das reuniões da equipe de profissionais presenci-
nho de estudo de caso – mais especificamente, adas e das impressões acerca do trabalho de cam-
por um conjunto de 5 casos, onde cada caso é po como um todo). As gravações em áudio fo-
um município. ram posteriormente transcritas e as transcrições,
A análise dos 26 PA elaborados pelos municí- revisadas pelos entrevistadores. Sempre foi soli-
pios que se constituíram em Projetos-Piloto, em citada a autorização para a gravação e todos con-
combinação com critérios elencados na pesquisa sentiram através da assinatura do Termo de Con-
maior11, envolvendo a localização geográfica e o sentimento Livre e Esclarecido; o anonimato foi
início de atividades relacionadas à implementa- assegurado a todos.
ção da PNAISH, permitiu a seleção de 5 localida- Foram recortados, das narrativas, das entre-
des, um em cada Macro Região do país, para a vistas e das observações, para este estudo, dados
realização da coleta de dados primários: Goiânia relativos ao modo com que a PNAISH foi inseri-
(GO), Petrolina (PE), Rio Branco (AC), Rio de da nas ações do município e apropriada pelos
Janeiro (RJ) e Joinville (SC). sujeitos da pesquisa, que a interpretaram e que a
Para a coleta de dados, 5 equipes foram trei- traduziram em ações.
nadas, de modo a assegurar a qualidade, a uni- A escrita etnográfica não segue uma lógica de
formidade e a comparabilidade dos dados, por um relatório ou de uma pesquisa avaliativa: não
um lado, bem como a realização da coleta de se pretende julgar o sucesso da implementação
dados concomitante nos diferentes locais. Para local da PNAISH, nem explicar resultados obser-
cada município, o coordenador geral da pesqui- vados localmente em termos do planejamento,
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Leal AF et al.

nem concluir com recomendações. Pretende-se É desta época o anúncio de uma política de
analisar a relação entre o que é preconizado na saúde voltada para homens, no Programa Mais
política e as práticas geradas (ou legitimadas) Saúde1. A PNAISH foi formulada em consonân-
em contextos particulares, por aqueles que são cia com a Política Nacional de Atenção Básica e
responsáveis por implementar a Política. com base em consensos construídos a partir de
uma discussão que envolveu, além do próprio
Da construção de um documento que MS, organizações da sociedade civil (associações
enuncia princípios e diretrizes da PNAISH médicas e movimentos sociais organizados), pes-
quisadores acadêmicos e representantes de con-
Historicamente, os formuladores e os executo- selhos de saúde (Conselho Nacional de Secretári-
res de políticas públicas são homens, que concebe- os de Saúde e o Conselho Nacional de Secretarias
ram políticas e programas que asseguraram, qua- Municipais de Saúde)17. O processo envolveu tam-
se sempre, privilégios de ordem simbólica e mate- bém uma consulta pública, aberta pelo MS, atra-
rial a homens – ou, pelo menos, a alguns grupos vés da Internet18. A inserção da ideia de saúde do
de homens. As discussões provocadas especialmente homem em uma política de saúde é menos im-
pelo movimento feminista nas últimas décadas portante aqui pelo seu conteúdo (pelo que se de-
implicaram a inclusão de gênero, enquanto catego- fine que ela é), do que pelo fato de ela ser capaz de
ria analítica, para avaliação de políticas públicas e, reunir e mobilizar um conjunto de atores sociais
enquanto estratégia política, para a formulação de – unindo especialistas, acadêmicos e ativistas –
políticas e programas, visando reduzir as desigual- mas também provocando divisões e críticas.
dades entre homens e mulheres. Ainda que tenha contado com a participação
Dois acordos internacionais de reconhecida de diferentes grupos sociais e com um mecanis-
importância assinalam explicitamente a necessi- mo de consulta pública, a PNAISH recebeu críti-
dade de se enfocar os homens em suas especifici- cas, por não incorporar as discussões de gêne-
dades através de políticas públicas: a Conferência ro19, por “vitimizar” um homem que deve ser
Internacional sobre População e Desenvolvimen- sujeito de uma política específica porque precisa
to (Cairo, 1994), e a IV Conferência Mundial so- ser protegido de si mesmo4,19, por representar
bre a Mulher (Pequim, 1995). Nos documentos mais um passo no processo de “medicalização”
ratificados no Cairo e em Pequim, discute-se a do corpo masculino4 e por estar demasiadamen-
saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, numa te focada na próstata20. A proposta encontrou
perspectiva de defesa promoção da igualdade de ainda algumas limitações quanto à sua aceita-
gênero, reconhecendo-se explicitamente que as ção: por ocasião do seu lançamento, por exem-
relações de poder entre homens e mulheres são plo, observou-se que nem mulheres transexuais
desiguais. São lançadas as bases para um consen- nem travestis desejam que suas especificidades
so internacional de que os homens devem ser en- sejam incluídas ou tratadas pela PNAISH21.
volvidos, sendo chamados a participarem e se res-
ponsabilizarem em termos de conduta sexual e de A elaboração de planos de ação
decisões reprodutivas – visando, inclusive, o mai- nos municípios
or “empoderamento” das mulheres.
O gender mainstreaming (trazer gênero à frente Uma vez produzido o documento que expli-
dos debates) implicou, na prática, na associação cita os princípios e as diretrizes da PNAISH, faz-
de políticas “de gênero” a programas estabeleci- se necessário traduzi-los em ações, o que não é
dos por mulheres para mulheres13. Na primeira tarefa fácil, em se tratando de uma política for-
década do século XXI, ganha força a discussão de mulada no âmbito federal para todo território
que homens devem ser pensados não como cate- nacional, que supõe relações entre as três esferas
goria humana, mas como uma categoria generi- de governo. O PN5 contém processos institucio-
ficada, que envolve relações desiguais de poder, nais que constituem tanto uma estrutura de in-
não só entre homens e mulheres, mas entre os centivos quanto uma organização do tempo na
próprios homens. Ganha força, assim, uma dis- forma de um cronograma, visando à produção
cussão da abordagem relacional de gênero, que local de processos de planejamento de ações. Os
não enfoque exclusivamente mulheres; são exem- Estados, o Distrito Federal e 26 Municípios ela-
plares nesse sentido as publicações de relatórios e boraram PA próprios para receber recursos fi-
livros por organismos de cooperação internacio- nanceiros da União.
nal, agências do sistema das Nações Unidas e a Os PA dos 26 municípios selecionados como
Organização Mundial de Saúde14-16. Pilotos foram analisados, partindo-se do supos-
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to de que, diante da complexidade para a imple- nas capacitações de profissionais de saúde pre-
mentação dessa política, haverá “um certo grau vistas (para realização da primeira meta).
de incerteza quanto à convergência de ações dos
implementadores e, por extensão, da perfeita A PNAISH chega aos municípios,
adequação entre formulação original e imple- aos gestores e aos profissionais de saúde
mentação efetiva”6.
Na justificativa apresentada nos PA munici- A designação de uma equipe ou de um res-
pais, foi recorrente a repetição do texto da pró- ponsável por uma área nova, a da Saúde do Ho-
pria PNAISH, reforçando o papel indutor do mem, é apontada como um requisito fundamen-
processo disparado pela autoridade central. Nos tal para a implementação da PNAISH. Assim,
PA, são poucas as referências à realidade social, algumas narrativas pontuam como um desafio
econômica, demográfica ou epidemiológica das a ausência de uma gerência específica no nível
localidades; tampouco há referência à realidade municipal que atue como referência para a pro-
dos serviços de saúde no município ou ao acesso moção de ações voltadas para a saúde do ho-
dos homens a estes serviços. mem – nos moldes de outras áreas já consolida-
Na estrutura de incentivos criada pelo MS, pre- das, como a da saúde da mulher.
viu-se um modelo de PA que contemplasse algu- Expressando concordância com as regras da
mas metas específicas do PN, no âmbito local. A PNAISH, que informa que a Atenção Básica, es-
primeira meta é a implantação da PNAISH, de pecialmente a Saúde da Família, deve ser priori-
modo que os PA deveriam explicitar que ações zada3, os gestores entendem que deve-se privile-
seriam realizadas, por quem seriam executadas e giar a Estratégia de Saúde da Família (ESF). En-
qual o tempo para realizá-la. Para esta meta, as tretanto, as narrativas evidenciam que a Atenção
ações previstas nos PA em geral dizem respeito à Básica emerge mais como um cenário ideal do
sensibilização de gestores e profissionais de saúde, que como um espaço físico onde efetivamente
bem como divulgação da PNAISH – para a popu- foram desenvolvidas ações para homens. A mai-
lação em geral ou na rede de serviços de saúde. oria dos gestores não acompanhou a implemen-
Nem todos os PA apresentaram a segunda tação da PNAISH desde a sua chegada ao muni-
meta, de atender pelo menos um quinto dos ho- cípio, pois não coincidem as pessoas que se res-
mens com idade entre 40 e 59 anos. São poucos ponsabilizaram pela elaboração inicial do PA, que
os documentos que planejaram ações de atendi- assegurou os recursos, com a pessoa que ocupa
mento da população. Quando mencionadas, a o cargo de Coordenador da Saúde do Homem
referência é a um atendimento genérico, sem foco no momento de realização da pesquisa, o que é
em problemas específicos, sem previsão de espa- indicativo da rotatividade dos profissionais nos
cialidade para as ações (em que serviços ou em cargos de gestão.
que locais ocorreriam) nem de temporalidade Observou-se nos cinco municípios uma gran-
(quando seria ofertado o serviço). Os PA pouco de diferença em termos do conhecimento das di-
mencionam um sistema de hierarquização dos retrizes contidas na PNAISH por parte dos ge-
serviços de saúde para este atendimento, como a rentes e dos profissionais da assistência; a dife-
referência (e a contrarreferência) entre as unida- rença também foi observada em relação à im-
des básicas e a rede especializada. plantação da política na rotina dos serviços. Os
A terceira meta se relaciona à realização de entrevistados têm pouca ou nenhuma familiari-
cirurgias, as prostatectomias suprapúbicas. Os dade com a política. Alguns explicitam que nun-
planos não se detêm na assistência aos homens, ca leram qualquer documento referente à
e anunciam como ação para a realização da meta PNAISH. A grande maioria afirma não ter parti-
o “levantamento de dados sobre diagnósticos” e cipado de capacitação específica sobre saúde do
de “dados sobre a realização de prostatectomi- homem. Por ocasião das observações etnográfi-
as”. Aqueles que apresentaram ações não têm cas, conversas informais com os profissionais que
dados sobre a prevalência ou a incidência de cân- atuam nas unidades apontam que os profissio-
cer de próstata na população local, nem os pro- nais não receberam capacitação (formal ou in-
cedimentos atualmente realizados na rede. formal) para conhecer a PNAISH ou para o aten-
A inclusão da terceira meta nos PA reforçou a dimento de homens.
centralidade de uma rede de exames e de atendi- As falas apontam para um padrão em que há
mentos especializados, vinculada ao aparelho um forte estímulo por parte da gestão para di-
genital masculino. De modo pertinente ao privi- vulgação da Política entre os profissionais de saú-
légio dado ao tema, nos PA este tema é central de através de um evento – que é considerado in-
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suficiente. O evento é uma “sensibilização” ou Os profissionais que conheciam a PNAISH


uma “capacitação”, em que os profissionais são enfatizam que a política preconiza a atenção à
convidados a se engajem na implementação da saúde do homem sem criar os mecanismos ne-
PNAISH. A ausência de diretrizes e protocolos cessários para efetuá-la na prática. Nas localida-
para as ações foi mencionada por diversos entre- des em que houve maior orientação, os profissio-
vistados. Em nenhum dos municípios foi referi- nais criticam a ênfase em ações relativas a pro-
da a distribuição de material impresso da blemas urológicos, em detrimento de outros agra-
PNAISH, por parte das Secretarias de Saúde, para vos à saúde dos homens. Nas narrativas dos ges-
seus profissionais. tores, há ênfase sobre o câncer de próstata, que é
As sensibilizações e as capacitações foram ofer- referido em termos de uma entidade que repre-
tadas em geral aos profissionais de nível superior senta os problemas de saúde masculinos – tal
que atuam nos serviços de saúde. Nas narrativas, ênfase reproduz o destaque dado pelo próprio
entretanto, e de forma coerente com a prioriza- PN nas suas metas iniciais.
ção da ESF como porta de entrada e com um
discurso que será um plano para o futuro, os Gênero
gestores expressam que os principais protagonis-
tas das ações para implantação da PNAISH seri- O conceito de gênero se encontra no centro
am os Agentes Comunitários de Saúde. da PNAISH. É neste sentido que se espera que os
Os entrevistados lamentam que não se oferte profissionais que estarão atuando na implanta-
treinamento para sua atuação nos serviços de ção desta política no nível local tenham se apro-
saúde: afirmam que a ausência de capacitação é a priado dos aspectos centrais desta discussão.
maior dificuldade para a implantação da Contudo, as entrevistas indicam que a formação
PNAISH, seguida da falta de um conhecimento das pessoas que se encontram diretamente vin-
mínimo sobre a atenção à saúde dos homens culadas à PNAISH é bastante deficiente. Vários
(incluindo como a saúde do homem funciona e referem não ter tido qualquer formação neste
para onde os pacientes devem ser encaminha- sentido; os dois entrevistados que referiram ter
dos). Mencionam também como dificuldades a alguma noção sobre a discussão de gênero expli-
ausência de material didático e de apoio para cam que esta ocorreu em capacitações anteriores
orientar as suas ações na “ponta”. As informa- à PNAISH. Sem uma capacitação em gênero, o
ções que possuem sobre a saúde do homem, e tema é relacionado às questões de saúde da mu-
mesmo sobre a PNAISH, são bastante superfici- lher, particularmente às questões de planejamento
ais; eles não se sentem capacitados para dar con- familiar ou preconceito, dificultando a identifi-
ta da temática no âmbito dos serviços. Muitas cação da discussão de gênero com questões rela-
vezes os próprios materiais de divulgação da tivas à saúde masculina.
política são a única fonte de informação que os Foi observada a presença dos homens nos
profissionais têm sobre o tema. serviços, e há relatos por parte dos profissionais
A sensibilização dos profissionais para as que lá atuam de que um terço das pessoas que
questões de saúde do homem, mesmo sem a es- estão naqueles espaços são homens. Os profissi-
truturação de atividades específicas, pode ter um onais de saúde descrevem os homens como um
importante impacto no acolhimento e acesso dos acompanhante: aquele que acompanha a mulher
homens aos serviços de saúde, especialmente gestante, que traz as crianças ou os pais idosos
aqueles que buscam, nas unidades de saúde, pro- ao médico; ou ainda, como um mediador, alguém
gramas que já são desenvolvidos, como o Hiper- que vem solicitar o agendamento de consultas e
dia, o programa de DST/AIDS e o programa de exames para outras pessoas. Raramente os ho-
planejamento familiar. A grande maioria dos mens são descritos como usuários em busca de
entrevistados refere não ter sido capacitado es- atendimento para suas próprias necessidades de
pecificamente para abordar a população mascu- saúde. As observações etnográficas nos serviços
lina em relação às questões que acometem mais apontaram para a presença considerável de ho-
frequentemente a saúde do homem, tais como mens que estão sozinhos nos serviços, o que re-
infecções sexualmente transmissíveis e AIDS, vi- vela que sua invisibilidade – a dificuldade que os
olência, obesidade, câncer de próstata, entre ou- profissionais têm de vê-los – é também uma ques-
tras. Na visão dos profissionais inseridos em ser- tão de gênero22,23.
viços, sejam aqueles familiarizados ou não com Por fim, gestores e alguns profissionais recla-
a PNAISH, falta planejamento e falta orientação maram da ausência de um sistema de registro de
para as ações que devem ser realizadas. informações que contenha a variável sexo na Aten-
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ção Básica. A ausência de dados sobre número cursos humanos ou materiais para atender à
de homens que realizam consultas e exames difi- demanda.
culta tanto o planejamento quanto a defesa da Em algumas unidades de saúde, houve divul-
política como uma prioridade. Não houve men- gação da PNAISH pelos próprios profissionais,
ção, por outro lado, a qualquer forma de mape- que disponibilizaram folders ou colocaram car-
amento dos territórios em que as equipes de ESF tazes nas paredes, demarcando física e simboli-
devem atuar. camente um momento e um espaço na unidade
para atenção à saúde dos homens. Os cartazes,
Equipes sobrecarregadas em sua imensa maioria, são feitos de forma ma-
nual, em cartolinas ou no verso de cartazes anti-
Transparece nas narrativas dos gestores uma gos, revelando a falta de recursos materiais des-
preocupação com o acréscimo de tarefas: uma tinada à divulgação da PNAISH (sequer material
nova política significa novas demandas em um informativo ou de divulgação chegou aos servi-
sistema municipal de saúde que, com frequência, ços). Os cartazes manufaturados são indicativos
não consegue atender às necessidades existentes. da mobilização dos próprios profissionais de
Houve nesse sentido negociação dos gestores com saúde, que empregam os meios que têm à sua
os Conselhos Municipais de Saúde, buscando de- disposição para divulgarem as informações que
monstrar a importância da PNAISH. Os gestores eles próprios buscaram sobre a PNAISH.
também reconhecem que as equipes na Atenção Nos serviços observados dos cinco municí-
Básica já estão, muitas vezes, sobrecarregadas. pios são muito poucas as atividades específicas
Os profissionais mencionam um problema voltadas à população masculina na faixa de 20 a
por parte da gestão, a falta de habilidade para 59 anos, especialmente aquelas voltadas à pre-
motivar os profissionais a participarem: a gestão venção e promoção da saúde, estando mais vol-
busca implementar uma política, espera maior tadas para ações clínico-assistenciais. Este dado
dedicação e amplia tanto a responsabilidade quan- é de grande relevância quando se leva em conta
to a carga de trabalho dos profissionais que aten- que os serviços de saúde onde foi feita a observa-
dem diretamente a população, sem oferecer al- ção (de APS e Atenção especializada) foram sele-
gum retorno em troca. Na visão dos entrevista- cionados a partir de indicação do gestor da área
dos, o profissional de saúde que tem a iniciativa técnica de saúde do homem e/ou do “apoio lo-
de promover ações no serviço recebe pouco apoio cal” da pesquisa, como um lócus privilegiado para
material e financeiro, contando apenas com a boa observação, por ser um serviço onde ações eram
vontade dos colegas ou com recursos próprios. desenvolvidas. Grande parte das ações tem cará-
É recorrente, no discurso dos entrevistados, ter pontual, como a realização da “Feira do Ho-
a referência à carência de profissionais médicos, mem” ou da “Semana do Homem”, ou ainda ati-
que muitas vezes são compartilhados com ou- vidades comemorativas em função de datas como
tras equipes ou serviços, e a grande quantidade o “Dia dos Pais”.
de atividades a que todos os profissionais estão Tanto gestores quanto profissionais referem
sujeitos. As atividades destinadas à população como uma barreira para o atendimento dos ho-
masculina são, desta forma, atividades extras que, mens o horário de funcionamento dos serviços
em geral, são assumidas por um número bas- de saúde, explicando que os serviços da Atenção
tante limitado de profissionais (no máximo dois Básica funcionam nos mesmos horários em que
ou três) das equipes de saúde, representando sem- a maioria dos homens de 20 a 59 anos trabalha.
pre uma atividade a mais. Nesse sentido, em algumas localidades foram ofer-
tados horários alternativos e ampliados de aten-
A PNAISH e os homens nos serviços dimento para homens, como uma ação vincula-
da à implementação da PNAISH; tal ampliação
Houve também divulgação pelos gestores da implica, do ponto de vista administrativo, dispo-
PNAISH para a população em geral, estimulando nibilização de recursos humanos e financeiros.
a procura dos serviços de saúde por parte dos Um ponto reconhecido como crítico é a rede
homens, através de entrevistas na mídia ou cam- de apoio deficitária. Não parece haver, em fun-
panhas em rádio e outdoor. Contudo, nem sem- ção da PNAISH, fluxos específicos para homens.
pre tal divulgação foi acompanhada de ações jun- É talvez por isto que vários entrevistados que
to às unidades de saúde, de modo que os pro- atuam na Atenção Básica referiram desconhecer
fissionais não receberam informações nem ca- para quais serviços os pacientes homens, quan-
pacitação específica, e os serviços não tinham re- do necessitam de determinado procedimento ou
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Leal AF et al.

exame, são encaminhados. Os problemas relaci- gião, práticas sexuais – implica o não reconheci-
onados às doenças crônicas, como hipertensão e mento de que grupos diferentes de homens têm
diabetes, são em sua maioria solucionados na acesso (e controle) também diferenciado a re-
própria unidade de saúde, que dispõe de profis- cursos e exercem diferentes relações de poder.
sionais e insumos. Já as demandas de saúde que Diferenças entre homens se traduzem também
requerem exames diagnósticos, consultas com em desigualdades que fazem com que grupos dis-
especialistas ou a realização de procedimentos tintos tenham condições desiguais de acesso a
cirúrgicos, necessitam ser encaminhadas para bens e serviços de saúde. A homogeneidade pres-
outros serviços de nível secundário ou terciário. suposta na categoria genérica de “homens” difi-
O grande problema é que estes serviços já possu- culta o reconhecimento de desigualdades entre
em alta demanda reprimida e costumam levar estes em contextos diversos, e o consequente pla-
um certo tempo, o que vai de encontro às expec- nejamento de ações especialmente para aqueles
tativas masculinas de rapidez e resolubilidade. que se encontram em contextos de marginaliza-
Os entrevistados acreditam que o longo tempo ção e/ou exclusão social, como migrantes, refu-
de espera também agrava o problema do absen- giados ou prisioneiros, entre outros. O reconhe-
teísmo. Os gestores pontuam como dificuldade cimento da diversidade deve ser atrelado à consi-
para implementação da PNAISH a ausência de deração de que ações externas ao setor saúde in-
ofertas de exames de média complexidade – ten- fluenciam e determinam as condições de saúde
do sido mencionado principalmente o de biopsia de diferentes grupos sociais, e à consequente in-
prostática. A precariedade da rede para os enca- clusão no planejamento de ações intersetoriais.
minhamentos e os critérios adotados para os Deve-se ter em conta que o contexto local em
agendamentos são identificados como a princi- que a PNAISH se implementa, através de práti-
pal dificuldade no atendimento da população cas cotidianas particulares, em um território de-
masculina; a dificuldade na resolubilidade dos limitado, a presença do Estado pode muito bem
problemas de saúde dos homens teria impacto ser um tanto quanto fluida e contraditória – para
direto sobre a credibilidade do trabalho do pro- além do setor saúde, ela se materializa, por exem-
fissional e da unidade de saúde. plo, nas ações policiais, na presença de escolas ou
de tribunais. Como observamos, os PA e os ges-
tores não mapearam a realidade onde a política
Considerações finais seria implementada, tampouco se acionou o
mapeamento territorial das equipes de ESF, im-
Buscamos compreender como a PNAISH chega plicando no desconhecimento de serviços, enti-
aos serviços de saúde; para tanto, trilhamos o dades e organizações, públicas ou da sociedade
caminho percorrido por esta política, desde a sua civil, que poderiam atuar em parceria com o se-
formulação, no âmbito federal, até sua execução tor saúde.
local, nos municípios, entendendo a implemen- Reconhecendo que sempre haverá uma dis-
tação como uma cadeia de relações entre aqueles tância entre a formulação e a implementação de
que formulam a política e aquelas que a imple- qualquer política ou programa, buscamos com-
mentam6. Buscamos a perspectiva das pessoas preender como tal distância foi se construindo.
que trabalharam diretamente na implementação Demonstramos que, nos cinco casos estudados,
nestes locais, reconhecendo que os implementa- um primeiro ponto importante é que a maioria
dores estão situados em posições diferentes, que dos agentes implementadores de fato não conhece
vão desde os gestores até os profissionais que a política6. Uma vez que desconhecem a PNAISH,
atendem diretamente a população nos serviços operam com seus próprios objetivos e referênci-
de saúde. Os implementadores tomam decisões as para a implementação, e suas próprias priori-
cotidianamente e são também nesse sentido fa- dades como referência de atuação. Desta forma,
zedores da política. em algumas localidades houve ênfase em abor-
Os gestores e os profissionais de saúde têm dagens na integralidade do cuidado para a saúde
suas próprias ideias e representações sobre os do homem, enquanto em outras foram feitos
homens (e sobre ações ofertadas a esta popula- esforços no sentido de ampliar a realização de
ção). Nas narrativas e nas entrevistas os homens exames de câncer de próstata.
são representados como um grupo bastante ho- Aquilo que dificilmente pode ser visto vai se
mogêneo. O não reconhecimento da diversidade invisibilisando: é o caso da informação relativa
de homens – em termos de faixa etária, ciclo de ao sexo do usuário da Atenção Básica, relatado
vida, raça/etnia, condição socioeconômica, reli- por profissionais responsáveis por gerir sistemas
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Ciência & Saúde Coletiva, 17(10):2607-2616, 2012


de informação no nível local. Não se produzem PNAISH. Em um caso, foi pontuada a ausência
dados, desta forma, que tornem objetiva a dife- de uma estrutura organizacional: não havia um
rença entre homens e mulheres quanto ao acesso sistema gerencial para a implementação local,
e ao uso destes serviços de saúde; mais do que uma vez que não fora criada uma coordenação
isso, as disparidades acabam sendo interpreta- de saúde do homem. A ausência de uma rede
das em termos de diferenças genéricas de ordem consolidada de atenção, em que o usuário seja
cultural entre homens e mulheres, que se centra atendido por serviços com diferentes graus de
na ideia de que os homens resistem a buscar cui- complexidade dentro do sistema, foi salientada
dados, especialmente de prevenção, numa ver- por gestores e profissionais de saúde. A falta de
são simplista e simplificada das relações de gêne- recursos humanos – de médicos especialmente –
ro. A não discriminação entre homens e mulhe- é pontuada por diversos entrevistados, que tam-
res que procuram os serviços de Atenção Básica bém salientam a falta de recursos e de equipa-
reforça a invisibilidade da menor presença de mentos em geral para a implantação da Política.
homens naquela que deveria ser a porta de en- Constatamos, assim, a falta de uma estrutura de
trada preferencial do SUS. incentivos adequada6, que pudesse induzir os
Apontamos também para a ausência de con- agentes implementadores a colocarem em práti-
dições institucionais para a implementação da ca, ou aderirem a, os objetivos da PNAISH.

Colaboradores

AF Leal, WS Figueiredo e GS Nogueira-da-Silva


participaram igualmente de todas as etapas de
elaboração do artigo.
2616
Leal AF et al.

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