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Edda Augusta Quirino Simões

Klaus Bruno Tiedemann


Psicologia da Percepção
Sobre os Autores
Edda Augusta Quirino Simões é graduada em Psicologia pela Universidade de Brasilia,
mestre em Psicologia pela California State University e doutora em Ciências
(Psicologia) pelo Insti tuto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É Professora
Adjunta das Faculdades Metropolitanas Unidas, responsável pela disciplina Psicologia
Geral e Experimental II (Percepção), e Chefe do 1 aboratório da referida disciplina. Foi
Professora Assistente da Universí dade Federal do Ceará, ocasião em que coordenou a
implantação do seu Departamento de Psicologia e respectivos Laboratórios. Realizou
pesquisas no Institute of Medical Sciences do Pacific Medical Center e na Smith-
Kettlewell Eye Research Foundation da University of the Pacific, em San Francisco,
California (USA).
Klaus Bruno Tiedemann é graduado e mestre em Psicologia e doutor em Ciências
(Psicologia) pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. E Professor
Assistente, responsável pela disciplina Psicologia da Percepção, no Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo. Fez cursos e pesquisas no Centro de Estudos
Avanzados de Caracas (Venezuela), no Zoologisches lnstitut da Universidade de
Munique (Alemanha) e no Instituto de Investigaciones Biológicas “Clemente Estable” e
Faculdade de Medicina de Montevidéti (Uruguai).
Capa: Paulo Hiss
P. L — ditoi Pedogógica e ti :i\ ersitaria Lida., São Paulo. 1955. iodos os dirc-iios
esersados .. \ repiodução dcxii obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, seisi
1iutori/açio
expressa e po escuto da liditoia,sueitará o infrator, nos termos da leito 6.595, de 17—12
—1950,
ii penalidade prevista tios artigos 154 e 156 do Código Penal, ii saber: reclusão de um a
quatro
P Ir. - Telefone (0 II) 3549-6077 - J°ax. (0 II) 3X45-5S03
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In p10550 no l3rasi 1 Printed is t5t ao
Sumário
Prefácio geral da coleção VII
Prefácio IX
1. Bases sensoriais da percepção 1
1.1. O ambiente e sua percepção 1
1.2. Transdução sensorial e classificações dos receptores 2
1.3. Após a transdução 6
1.4. Sensibilidade cutânea 8
1.5. Sensibilidade cinestésica 13
1.6. Sentido vestibular 15
1.7. Olfato 16
1.8. Gustação 19
1.9. Audição 21
1.10. Visão 24
1.11. A interação dos diversos tipos de receptores 32
2. Psicofísica — Medidas em percepção 35
2.1. Detecção 37
2.2. Discriminação 44
2.3. Reconhecimento 52
2.4. Formação de escalas 55
3. Atenção 60
3.1. Vigilância 61
3.2. Atenção seletiva 61
3.3. Atenção dividida 64
V

4. Percepção de brilho ou luminosidade 67


5. Percepção da cor 74
5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young Helmholt 75
5.2. Teoria oponente ou de Hering 78
5.3. Cegueira para cores 80
5.4. Visão de cores — Uma capacidade inata ou
aprendida9 81
5.5. “Ver cores com as mãos” — Uma capacidade extra-
sensorial’ 83
6. Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho .. 86
6.1. Percepção visual do espaço 87
6.2. Percepção auditiva do espaço 97
6.3. Percepção espacial tátil 99
6.4. Percepção olfativa do espaço 100
6.5. Interação multi-sensorial 101
6.6. Percepção do tamanho 101
7. Percepção da forma 104
7.1. Neurofisiologia da percepção de forma 105
7.2. A percepção de forma pela teoria da Gestalt 109
7.3. O contorno como elemento constituinte da forma 110
Bibliografia básica para consulta do aluno 117
Lâminas coloridas 119
Conteúdo do volume 10-11
8 . Constâncias perceptivas
9 . Ilusões perceptivas
10. Percepção de tempo
11. Percepção de movimento
12. Percepção de eventos e causalidade
13. Percepção de pessoas, expressões faciais e emoções
14. Percepção do corpo
15. Desenvolvimento da percepção em bebês
16. O efeito da aprendizagem sobre a percepção
17. O efeito da motivação sobre a percepção
18. Percepção e cultura
19. Aplicações dos conhecimentos sobre percepção
20. Bibliografia básica para consulta do aluno
VI
1
Bases sensoriais da percepção
1.1. O ambiente e sua percepção
Freqüentemente, a Psicologia é definida como a ciência que estuda o comportamento e
os processos mentais. A Psicologia acadêmica aborda diversos assuntos, como bases
fisiológicas do comportamento, desenvolvimento psicológico, aprendizagem,
percepção, memória, motivação, emoção, inteligência, linguagem e pensamento,
personalidade, psicopatologia, influências sociais sobre o comportamento e outros. O
estudo da percepção é, talvez, o seu ramo mais antigo. Cabe à análise experimental
compreender as bases sensoriais da percepção, a fim de desvendar o mistério de como
nos é possível perceber o mundo que nos cerca através dos órgãos sensoriais.
Você acha que a percepção que temos do nosso ambiente é perfeita? Antes de emitir sua
opinião, convém lembrar que não somos capazes de ouvir sons de alta freqüência (ultra-
sons) como os morcegos e os cães; não conseguimos ver o ultravioleta, como as
formigas, as abelhas e outros insetos; não percebemos campos elétricos ou magnéticos,
como o fazem os peixes elétricos e algumas aves migratórias; tampouco conseguimos
sentir o cheiro deixado pelo corpo de uma outra pessoa, fato corriqueiro na vida dos
cães. Algumas destas incapacidades serviram de inspiração para os escritores de ficção
científica criarem seres fantásticos, dotados de uma percepção da realidade diferente
daquela que conhecemos.
Se você perguntar a dez pessoas quantos sentidos nós possuímos, a maioria responderá
que o ser humano possui cinco sentidos: visão, audição, tato, olfação e gustação. Talvez
alguns declarem que são dotados de um sexto sentido, cuja função raramente é definida
com clareza, proporcionando-nos a vaga impressão de tratar-se de uma modalidade sen

sorial enigmática que a ciência ainda não conseguiu compreender. Poucos acrescentarão
à lista dos sistemas sensoriais o sentido cinestésico. Ele nos permite perceber a posição
dos membros e o sentido do equilíbrio do corpo, também conhecido como sentido
vestibular. Muito raramente alguém menciona o sentido orgânico. Ele nos fornece
informações sobre a hidratação (sede), nutrição (fome), condição hormonal (sexo) e
oxigenação (ar). Além disso, convém lembrar que a visão, por exemplo, não é um só
sentido. Compreende a visão de cores, forma, movimento e outros, como veremos
posteriormente.
De quantos sistemas sensoriais você havia se lembrado?
Para um psicólogo, nem sempre é importante saber o número exato de modalidades
sensoriais do ser humano. E imprescindível, no entanto, saber para que servem e como
funcionam, a fim de compreender os comportamentos que dependem de uma correta
percepção dos estímulos do ambiente e das condições físicas e orgânicas do próprio
corpo. Todos os nossos órgãos dos sentidos têm características comuns: possuem
receptores que são células nervosas especializadas, capazes de responder a estímulos
específicos. Recebem, transformam e transmitem, para o restante do sistema nervoso,
um grande número de informações existentes no ambiente, na superfície e no interior do
nosso organismo.
1.2. ‘hansdução sensorial e classificações dos receptores
A especificidade dos sistemas sensoriais não é dada apenas pela especialização das
células receptoras. Também o é pelas vias ascendentes e suas conexões neurais com os
centros específicos do sistema nervoso central (áreas sensoriais primárias), onde ocorre
a integração da informação. Devido a esta especificidade, não somos capazes de ouvir
música com os olhos, nem ver cores com os ouvidos ou através da pele.
Os receptores são classificados de diferentes maneiras por diversos autores. Na tabela
1.1 foram reunidas duas das classificações mais freqüentemente encontradas. De acordo
com a primeira, os receptores sensoriais podem ser classificados em quatro grupos, de
acordo com o tipo de estímulo para o qual são especializados. Mecanorreceptores são
sensíveis à energia mecânica (pressão); termorreceptores são sensíveis à energia térmica
(calor e frio); fotorreceptores são sensíveis à energia eletromagnética (luz) e
quimiorreceptores são sensíveis à presença de substâncias químicas. Mecanorreceptores
são responsáveis pela audição, sentidos vestibular e cinestésico e pela sensação de
pressão cutânea. Os termorreceptores encontram-se na pele e em outras regiões do
corpo humano. São sensíveis às modificações de temperatura. Os quimiorreceptores são
responsáveis pela olfação e gustação, acusando a presença de substâncias químicas na

mucosa nasal e na língua. Finalmente, a visão depende dos fotorreceptores presentes na


retina.
Alguns autores acrescentam um quinto grupo referente aos receptores da dor,
denominados nociceptores, os quais se encontram espalhados por quase todo corpo.
Trata-se de receptores que respondem à estimulação mecânica, térmica e química, desde
que muito intensa, isto é, capaz de injuriar o organismo. Entre as poucas regiões que não
possuem receptores para a dor, estão o cérebro e o colo do útero.
A classificação acima é baseada na função dos receptores sensoriais. No entanto,
existem classificações de outro tipo. Uma delas dá ênfase à relação espacial entre o
organismo e os estímulos, sugerindo a divisão dos receptores sensoriais em três grupos:
exterorreceptores, propriorreceptores e interorreceptores.
Exterorreceptores são responsáveis pela captação de estímulos externos ao organismo.
Podem estar distantes, como os estímulos visuais e auditivos, ou próximos, como os
estímulos gustativos, olfativos e cutâneos. No primeiro caso, são denominados
telerreceptores e, no segundo, proxirreceptores. Estes, entretanto, exigem o contato do
organismo com o objeto ou moléculas de substâncias. Os interorreceptores, ou sentidos
profundos, são receptores destinados à percepção do estado interno do nosso organismo,
como, por exemplo, fome, sede e sexo. Trata-se de modificações de funções orgânicas,
devidas a alterações na concentração de diversas substâncias no organismo. Por
exemplo, sais minerais, oxigênio, gás carbônico e hormônios. Os propriorreceptores
fornecem informações sobre o movimento, postura e equilíbrio do corpo, e consistem
em receptores do sistema cinestésico e vestibular. Este conjunto de receptores é
responsável por comportamentos como andar a pé ou de motocicleta, falar, assobiar,
suspirar, afagar e beijar. Permitem-nos, também, tomar conhecimento de modificações
que acompanham nossas emoções. Por exemplo, as batidas fortes do coração num
momento de alegria, o “nó na garganta” e o “aperto no coração” sentidos em outras
ocasiões.
A classificação dos receptores de acordo com a localização dos estímulos, no entanto,
não é óbvia. A olfação poderia ser considerada um telerreceptor, porque nos possibilita
receber informações a respeito de objetos nem sempre próximos. Por exemplo, a
presença de uma fábrica pode ser percebida a grandes distâncias através da poluição por
ela provocada. E preciso considerar, porém, que tanto o cheiro agradável de uma flor
quanto o cheiro aversivo de águas poluídas só poderão ser percebidos quando algumas
moléculas do perfume e das substâncias poluentes entrarem em contato com as células
receptoras olfativas alojadas em nossas narinas. O mesmo não acontece com os
telerreceptores propriamente ditos. A visão e a audição proporcionam a percepção de
objetos muito distantes. Não há necessidade de contato com os mesmos.
Na tabela 1.1 podemos comparar as duas classificações descritas an 2

Tabela 1.1. Classificação dos receptores sensoriais quanto à sua função e quanto à
localização dos estímulos.

teriormente. Verifica-se que os mecanorreceptores consistem, na realidade, de


receptores localizados em regiões bem diversas do corpo, como, por exemplo, na pele
(tato), no ouvido (audição) e nos músculos (cinestésico). Os propriorreceptores
consistem em um grupo bastante heterogêneo de receptores. Fornecem informações
sobre o equilíbrio, o movimento dos membros e o perigo de ter o tecido de alguma parte
do corpo injuriado. Por outro lado, verificamos que os receptores da audição foram
classificados como mecanorreceptores, porque respondem à energia mecânica (pressão
exercida pelo som), e telerreceptores, porque informam a respeito de coisas externas e
distantes do organismo.
No princípio do capítulo, vimos que as células receptoras são capazes de receber,
transformar e transmitir, para o restante do sistema nervoso, informações a respeito do
ambiente.
Em que consiste o ambiente? Basicamente, em duas coisas: matéria e energia. Objetos,
pessoas e animais são feitos de matéria; a luz do sol ou de uma lâmpada, o som que vem
do rádio, a chama que aquece a panela no fogão são diferentes tipos de energia
(eletromagnética, mecânica e térmica, respectivamente). Receptores reagem diante da
energia existente no ambiente, seja ela energia refletida ou produzida pelos objetos,
pessoas e animais. Isto é, quando olhamos para uma criança, as células receptoras dos
nossos olhos captam a luz refletida pela superfície de seu corpo e de sua roupa; no
entanto, quando olhamos para uma lâmpada, a estimulação dos receptores ocorre devido
à energia (luz) produzida pela própria lâmpada. Dependendo do tipo de lâmpada, esta
mesma energia eletro-

magnética será captada também por termorreceptores de nossa pele. Neste caso,
sentiremos seu calor.
Nós “ouvimos” um gato miar quando a energia mecânica, produzida por suas cordas
vocais, é transferida para as moléculas existentes no ar e transmitida para nosso ouvido.
Ela também atinge outras regiões de nosso corpo. Porém, como lá não existem
receptores para este tipo de energia mecânica, só ouviremos o miar do gato com nossos
ouvidos.
Todas as células receptoras, não importa qual a sua especialização, transformam a
energia por elas captada em um único tipo de energia, comum a todo o sistema nervoso:
a energia eletroquímica, cuja principal característica é o fluxo de íons através da
membrana celular, podendo dar origem ao impulso nervoso (fig. 1.1). Isto é, a resposta
das células consiste em uma mudança no potencial de repouso de suas membranas. Por
exemplo, tanto um fotorreceptor do olho quanto um termorreceptor da pele, quando
estimulados, darão origem a uma mesma resposta: modificação do estado iônico e de
suas membranas. Esta transformação, ou tradução de um tipo de energia em outro, é
denominada transdução. E o processo que caracteriza as células receptoras dos órgãos
dos sentidos.
Dendritos

Axônio Impulso
Exterior
lons positivos Na+ Na+
+ + + + +/ 4 + + + + + +j Membrana
ti:i tzi celular
1 lons negativos
Interior
+ + + + +
k fZl LD rii tzt jzt zi Li rzi. LZ] E] [El [E] [El E]
+ + • + + ‘ 1 / í+ + + + + + ÷

Impulso nervoso em uma parte do axônio

Figura 1.1. Quando o neo ro n lo e a cio 1 epo o o. lii eq o i o ei te o i o n que se


encontram nas vizinhanças da membrana celular: no exterior da célula, nas
proximidades da membrana, encontram-se íons positivos e no interior, íons negativos.
Por Outro lado, quando o neurônio está ativo, isto é, quando conduz um impulso
nervoso, ocorrem modificaçôes iônicas no meio celular, dentre as quais destaca-se a
migração de íons positi’,os (Na +) para o interior da célula. A migração destes fons
através da membrana semipermeável altera momentaneamente as características
eletroquímicas da célula. (llustração segundo McGuigan, 1974.)

‘Çiiizaçãodo
Interorreceptore Propriorreceptore
Fun Exterorreceptores
s s
receptor

Proxirreceptore
Telerreceptores
s
Fotorreceptores Visão

Mecanorreceptor Tato Cinestésico


Audição
es (pressão) Vestibular

Temperatur
Termorreceptores
a

Quimiorreceptore Olfação
Olfação
s Gustação

Nociceptores Dor Dor Dor

Nutrição
Funções Hidratação
orgânicas Hormônios
Oxigenação etc.

Para haver transdução, isto é, para podermos ver uma luz, ouvir um som, sentir a
temperatura de um objeto, o cheiro e o gosto de uma substância, é preciso que o
estímulo tenha uma determinada intensidade. O receptor não será excitado por estímulos
demasiadamente fracos. No caso da olfação e da gustação, é a concentração, ou seja, o
número de moléculas da substância que determina a intensidade do estímulo.
1.3. Após a transdução
Depoís que o receptor transformou em energia eletroquímica (neural) a energia recebida
do ambiente, ela será encaminhada para as células nervosas aferentes e a outras partes
do sistema nervoso. No organismo, mais especificamente, no sistema nervoso, a energia
elétrica é propagada na forma de impulsos nervosos através dos milhares de neurônios
que o constituem.
Convém lembrar que o impulso nervoso se propaga de um neurônio para outro através
de estruturas funcionais denominadas sinapses. Em algumas destas sinapses, o impulso
nervoso provoca modificações nas substâncias químicas que se encontram nestes
pequenos espaços entre dois neurônios vizinhos. Estas modificações, por sua vez,
desencadeiam um novo impulso na célula seguinte. E nestas sinapses que age a maioria
das drogas capazes de alterar a sensibilidade e o comportamento, como os anestésicos,
analgésicos, alucinógenos, estimulantes e calmantes.
De sinapse em sinapse, a informação sobre o ambiente é transferida para o cérebro,
onde, finalmente será integrada às demais informações provenientes do mesmo
ambiente (fig. 1.2). Por exemplo, a presença de seu cachorro molhado pela chuva,
entrando em sua sala, pode ser anunciada por vários receptores sensoriais,
concomitantemente. Seu sistema visual permitirá que você veja o pêlo molhado e
embaraçado; seu sistema auditivo permitirá que você ouça a respiração, os latidos e o
ruído característico quando se sacode, espalhando gotas de água pela sala inteira. Seu
sistema tátil permitirá confirmar que o pêlo do animal está molhado, frio e grudento.
Finalmente, seu sistema olfativo fornecerá informações sobre o cheiro pouco agradável
de seu cão molhado pela chuva. Só depois que todos estes dados chegarem ao cérebro,
acrescidos da informação, dada pela memória, de que um cão limpo e seco é uma
companhia mais agradável, você chegará à brilhante conclusão de que o seu cachorro
precisa de um banho.
E no cérebro que as informações sobre o ambiente são integradas com nossas
experiências passadas (memória), nossas motivações e emoções presentes. Assim, você
desiste de dar um banho de água fria com a mangueira do jardim, pois, subitamente,
lembra-se dos banhos mornos recomen dado

na última visita ao veterinário. Você também se lembra que sua mãe proibiu
terminantemente banhos mornos no chuveiro do banheiro. Agora, seu estado emocional
oscila entre a pena sentida pelo cão molhado e frio e a preguiça de esquentar água no
fogão para lhe dar um banho no tanque. Você resolve a situação, decidindo enxugar seu
cachorro com a toalha e passar um pouco de perfume.
No momento que você está lendo esta página, seu cérebro também está recebendo
informações de outros estímulos do ambiente em que você se encontra. Por exemplo, a
posição em que se encontra o seu pé esquerdo, os ruídos do motor da geladeira, de um
carro passando na rua, do relógio mais próximo, a cor da pele de sua mão, a temperatura
e o cheiro do ar. Sua atenção, no entanto, não estava igualmente voltada para todos esses
estímulos. Alguns faziam parte de um fundo geral. Outros mereceram mais atenção;
esta, no entanto, deveria estar primordialmente voltada à leitura deste livro.
No capítulo 3, estudaremos melhor a natureza da atenção, para poder avaliar o papel que
ela desempenha na percepção.
Podemos adiantar, em resumo, que muitas coisas podem afetar a nossa atenção: nossas
necessidades, interesses e valores. Obviamente, nossa atenção é voltada para os
estímulos súbitos, novos e intensos. Estímulos intermitentes também são capazes de
chamar nossa atenção. A seleção dos estímulos mais importantes para nossa
sobrevivêncía em um dado momento é um fenômeno importante, pois, se prestássemos
atenção igual a tudo que nos cerca, os estímulos mais importantes não seriam
investigados de forma a assegurar um comportamento ajustado e bem-sucedido.

Córtex

Auditiva

Visual

Figura 1.2. As informações oriundas dos diferentes sistemas sensoriais são integradas
em áreas sensoriais primárias do córtex, como as áreas visual, auditiva e somato-
sensorial. A integração da informação proveniente de várias áreas sensoriais primárias
ocorre nas chamadas áreas associativas do córtex, que ocupam vastas extensões do
cérebro. (Ilustração segundo Schmidt, 1980).

motor

Somatosensorial

Entre dois observáveis — o estímulo ao ambiente e a resposta do organismo — te uma


grtnde variedade de mudanças complexas não diretamente observáveis. A análise
experimental da percepção permitiu, por meio de um conjunto de experimentos
criteriosamente controlados, que nós começássemos, finalmente, a compreender um
pouco melhor o funcionamento do nosso próprio corpo. Assim, podemos avaliar em que
circunstâncias um estímulo poderá ser percebido e quando é inútil esperar por uma
resposta.
Nas páginas seguintes, analisaremos o processo da transdução em cada um dos sistemas
sensoriais. Começaremos pela sensibilidade cutânea (tato, temperatura e dor). Veremos,
a seguir, a sensibilidade cinestésica, o sentido vestibular, o olfato, a gustação, a audição
e, finalmente, a visão, a mais importante, uma vez que o ser humano pode ser
considerado um ser primordialmente visual.
1.4. Sensibilidade cutânea
Se alguém lhe perguntasse qual é o maior órgão do seu corpo, o que você responderia?
O fígado, o pulmão, o cérebro ou o intestino? Fisiologicamente, a pele pode ser
considerada o órgão mais extenso do ser humano. Para uma pessoa de estatura mediana,
sua área corresponde à de um tapete de, aproximadamente, 1,50 m. Em quase toda a sua
extensão, encontram-se pêlos. Relativamente, poucas regiões são desprovidas dos
mesmos, como, por exemplo, os lábios, a palma das mãos, a sola dos pés e algumas
áreas dos órgãos genitais. Esta vasta superfície que nos reveste possui três tipos de
receptores: mecanorreceptores, termorreceptores e nociceptores. Sentimos cócegas,
vibração e a pressão que os objetos exercem sobre nossa pele através dos
mecanorreceptores. Os termorreceptores respondem quando ocorrem mudanças de
temperatura na pele, acarretadas pelo contato com objetos mais frios ou mais quentes
que ela. Os nociceptores são responsáveis pela sensação de dor causada por uma grande
variedade de estímulos. Por exemplo, pressão e calor excessivos, frio intenso, cortes,
picadas, pancadas, beliscões. Isto é, estímulos capazes de danificar o tecido atingido,
podendo produzir lesões. A diferença psicológica entre um afago e um tapa é óbvia: um
é agradável, o outro dói. A diferença física entre os dois, no entanto, é bem mais sutil:
ambos são estímulos táteis que consistem de pressão exercida sobre a pele. A
característica que os distingue é a intensidade do estímulo, o que leva à excitação de
receptores cutâneos diferentes.
A pele é o limite externo de nosso corpo. Sobre ela incide todo tipo de energia. Ela é
iluminada pela luz que vemos com nossos olhos, é atingida pelos sons que fazem vibrar
nossos tímpanos e pelas moléculas de

perfume que penetram pelas nossas narinas. Porém, nossa pele não capta estes detalhes
de nosso ambiente. Ela nos proporciona, no entanto, informações importantes a respeito
de outros aspectos da realidade que nos cerca. Pense, por um momento, na sua sensação
quando uma minúscula abelha anda sobre seu braço. Ela é tão pequena e tão leve. Ainda
assim, você a percebe. Isto ocorre porque as patas do inseto deformam a pele de seu
braço e os pêlos nos quais esbarram. Esta leve pressão exercida sobre a pele e os pêlos é
energia mecânica suficiente para estimular os mecanorreceptores. No caso de uma
picada de abelha, sentimos dor devido às injúrias causadas pelo ferrão e pela substância
química injetada na epiderme. O peso do inseto estimula os mecanorreceptores; a
danificação e irritação do tecido epitelial estimulam os nociceptores. Se, em lugar da
abelha, tivéssemos uma minhoca fria e úmida, você imediatamente perceberia a
diferença. Porque, além dos mecanorreceptores, os termorreceptores, sensíveis à queda
de temperatura, também seriam estimulados.
O grande número de fibras nervosas que chegam até a pele, responsáveis pelo
exuberante conjunto de sensações cutâneas, são basicamente de quatro tipos:
terminações nervosas livres; terminações com extremidades expandidas ou dilatadas
(discos ou corpúsculos de Merkel ou Ruffini); terminações encapsuladas (corpúsculos
de Paccini, Meissner, Golgi e Krause); nas regiões dotadas de pêlos, encontra-se um
receptor adicional, denominado terminação nervosa folicular ou peripilosa, que
envolve a raiz dos pêlos (fig. 1.3). A princípio, supunha-se que cada um destes
diferentes tipos de receptores fosse sensível a apenas um tipo de estímulo. Entretanto,
por meio de experimentos criteriosamente elaborados, esta hipótese foi rejeitada. O
contra-exemplo mais famoso foi fornecido pelos resultados obtidos com a estimulação
tátil da córnea, uma região inervada apenas por terminações livres. Aplicando-se
estímulos mecânicos térmicos e dolorosos sobre esta parte do olho, as pessoas relatavam
todas as modalidades de sensação: pressão, frio, dor e calor.
A sensibilidade da pele varia de uma região do corpo para outra. Isto é, um estímulo
fraco, imperceptível em um determinado ponto da pele, pode ser suficientemente
intenso para ser percebido em outras regiões. De forma muito simplificada, podemos
dizer que a intensidade mínima necessária para que um estímulo possa ser percebido é
conhecida como limiar (no capítulo 2 você encontrará informações detalhadas a respeito
do estudo dos limiares do ser humano). Podemos afirmar, portanto, que quanto maior o
limiar menor a sensibilidade.
Na figura 1.4, encontram-se medidas de limiares, obtidas em diferentes regiões
cutâneas. Neste experimento, empregando um compasso, os pesquisadores
estimulavam, ao mesmo tempo, dois pontos da pele. Eles verificaram que em algumas
regiões do corpo, como a ponta da língua, por exemplo, as pessoas eram muito sensíveis
a este tipo de estimulação mecânica. Isto é, com uma distância minúscula de 1 mm entre
as duas pontas

8
9

Termina- Corpúsculo Discos Corpúsculos Receptores Discos


ções de Meissner de de Pacini dos folículos táteis
livres Merkel pilosos

Figura 13. Alguns dos numerosos tipos de mecanorreceptores existentes tanto na pele
glabra (a) como na pele dotada de pêlos (b) foram ilustrados esquematicamente.
Terminações livres e corpúsculos de Pacini podem ser encontrados em ambos os tipos
de pele. No entanto, terminações nervosas foliculares ou peripilosas só ocorrem nas
regiões dotadas de pêlos (b). (Ilustração segundo Schmidt, 1980.)

do compasso, os sujeitos já conseguiam relatar que haviam sido estimulados em dois


pontos da língua e não em apenas um. No dorso, por outro

lado, as mesmas pessoas só eram capazes de tais proezas quando a distância entre as
duas pontas do compasso atingia 70 mm. Trata-se, portanto, de uma região bem menos
sensível, uma vez que, nas situações experimentais em que a distância entre as duas
pontas do compasso era inferior a 7 cm, as mesmas eram percebidas como sendo uma
única ponta exercendo pressão sobre a pele.

As diferenças de sensibilidade são devidas, principalmente, ao elevado número de


receptores nas regiões mais sensíveis e a um número igualmente privilegiado de
neurônios nas áreas corticais (áreas sensoriais primárias), para as quais convergem as
informações oriundas destas regiões.

Figura 1.4. Limiares para discriminação de dois pontos de estimulação mecânica sobre
a pele. Se a distância entre dois pontos de pressão sobre a pele é muito pequena,
percebemos apenas um ponto de pressão. Isto pode ser verificado utilizando um
compasso de duas pontas como está ilustrado em a. O gráfico de barras em b apresenta
limiares assim obtidos para diferentes regiões da pele. Regiões muito sensíveis, como a
ponta da língua, a ponta do dedo indicador e lábios, apresentam limiares baixos (os
resultados foram ampliados no canto direito da figura). Regiões menos sensíveis, como
o pescoço e o dorso, mostram limiares bem mais elevados. (Ilustração segundo Weber e
Landois, no livro de Schmidt, 1980.)
Na figura 1.5 encontra-se uma secção transversal através do córtex sensorial, mostrando
as diferenças de tamanho das áreas desta região cortical

Epiderme

Tecido
subcutâneo

Pele

Limiar de discriminação espacial simultânea

Termina - ções de Ruffinj

b
.

Ponta da língua
Ponta do indicador
Lábios
Bordo da língua
Palma da mão
Fronte
Dorso da mão
Dorso do pé
Pescoço
Dorso


o
1 2 3 4 5mm

O 10 20 30 40 50 60 7Omm

10

11

destinadas ao processamento da informação tátil proveniente de diferentes lugares da


superfície do corpo. Como se observa, áreas relativamente extensas de tecido cortical
são reservadas para processar a informação enviada, pelos receptores, de regiões
relativamente pequenas, como os lábios,

a língua, o pé, a ponta do dedo indicador e a palma da mão. Bem diversas são as
condições de regiões de pouca sensibilidade, como, por exemplo, o tronco, a perna e o
cotovelo. Esta representação distorcida da superfície corporal foi denominada de
homúnculo sensorial ou homúnculo de Penfleld em homenagem ao pesquisador que
descobriu este importante aspecto da diferença de sensibilidade tátil.
A sensibilidade cutânea é de extrema importância para a sobrevivência da espécie
humana. Permite-nos procurar abrigo do frio e calor, interagir fisicamente com o meio e
nossos semelhantes e evitar estímulos que possam causar injúria ao nosso corpo. Os
exaustivos estudos feitos por psicólogos dedicados ao desenvolvimento infantil não
deixam dúvidas quanto à importância da estimulação tátil adequada durante a infância.
Mesmo depois de adultos, homens e mulheres continuam buscando o contato com
determinados estímulos que lhes proporcionam prazer. Te,tcntunho disto são as
características táteis de determinados tecidos, corno a fc’fura da flanela e da lã angorá, a
maciez da seda e do algodão, o elevado número de produtos cosméticos e farmacêuticos
destinados a diminuir a aspereza da pele, e a proliferação das casas de massagem nos
grandes centros urbanos.

1.5. Sensibilidade cinestésica

A sensibilidade cinestésica, ou simplesmente cinestesia, refere-se às sensações


produzidas pelos movimentos dos membros e corpo. Isto é, a partir de estímulos
fornecidos por regiões específicas do organismo, percebemos a postura e movimentos
de nosso próprio corpo, bem como a força despendida em cada gesto. Esta modalidade
sensorial difere, portanto, da sensibilidade cutânea. Esta é incumbida de captar,
sobretudo, estímulos fornecidos pelo ambiente.
Se pedíssemos a você para adivinhar onde se encontram os receptores da inestesia
(proprioceptores), que regiões de seu próprio corpo você apontaria? Vamos considerar o
gesto simples de estender a mão para cumprimentar um amigo. Ao executá-lo, você
distende e contrai um conjunto específico de músculos e tendões do braço e da mão,
modificando o ângulo formado pela articulação do antebraço com o braço (cotovelo), e
do braço com a mão (pulso). Dependendo da posição em que você estiver e do
entusiasmo ao cumprimentar seu amigo, você exercerá mais ou menos força ao apertar-
lhe a mão. E precisamente nos músculos, tendões e articulações que estão situadas as
células nervosas receptoras da cinestesia. Trata-se de receptores sensíveis à energia
mecânica. Podem ser de três tipos: fusos musculares (fig. l.6a), órgãos tendinosos (fig.
l.6b) e receptores articulares.

b)ferio

e maxilares

Figura 1.5. Com o consentimento e colaboração de pacientes adultos submetidos a


cirurgia cerebral, foi possível estimular diferentes pontos do córtex somato-sensorial,
observando as sensações resultantes. A ilustração acima, conhecida como Homúnculo
Sensorial de Penfield, consiste no mapeamento das regiões do córtex somato-sensorial,
mostrando a localização e a extensão das regiões corticais em que a informação
proveniente da pele é processada. Observe como as informações provenientes de
pequenas superfícies de pele muito sensíveis como a língua, dedo indicador e lábios, são
processadas por extensas áreas do córtex. Por outrb lado, as informações sensoriais
oriundas de grandes áreas cutâneas menos sensíveis, como as costas, ombros e quadris,
convergem para regiões proporcionalmente menores do córtex somato-sensorial.
(Ilustração segundo Penfield e Rasmissen, 1950, no livro de Shmidt, 1980.)

12

13

Para o cérebro
• Extenso-receptor (terminações anulospirais)

Cápsula do fuso (tecido conjuntivo(

Placa terminal das fibras motoras

Durante a contração ou distensão muscular, a transdução nos fusos musculares consiste


na transformação da energia mecânica sobre eles exercida em energia eletroquímica.
Esta é transmitida, na forma de impulsos nervosos, através de uma cadeia de neurônios
e sinapses, até o córtex sensorial e demais áreas do sistema nervoso. Nos órgãos
tendinosos, alojados nos tendões, o processo desenvolve-se da mesma forma. Através
destes dois tipos de receptores, é fornecida a informação a respeito da força
desenvolvida pelos músculos em cada movimento. Os mecanorreceptores encontrados
nas articulações proporcionam sensações posturais e cinestésicas (não de força) porque
os impulsos nervosos, resultantes da transdução da

energia mecânica exercida sobre eles, preservam informações sobre a posição,


velocidade e direção do movimento articular. Estes três tipos de receptores sensíveis à
energia mecânica, situados nos músculos, tendões e articulações, fornecem informações
sobre características qualitativas da propriocepção: sensibilidade postural (percepção da
posição dos membros, mesmo no escuro), sensibilidade aos movimentos (percepção da
direção e velocidade do movimento) e sensibilidade para força (percepção da for-

ça exercida em cada movimento).


E fácil compreender, portanto, o papel importante da sensibilidade cinestésica no dia-a-
dia de manequins, intérpretes, esportistas ou estivadores. Sua competência profissional
depende, justamente, da percepção acurada de seu próprio corpo, de seus movimentos e
da força despendida.

Para um psicólogo empenhado na compreensão do comportamento, o conhecimento dos


processos sensoriais envolvidos nos movimentos do corpo é extremamente útil. Permite
um exame mais detalhado das relações entre estímulos e respostas, proporcionando ao
profissional maior probabilidade de acerto ao tentar auxiliar o ser humano em seu
relacionamento

com seus semelhantes e com seu meio.


1.6. Sentido vestibular

Figura 1.6. Ilustração de mecanorreceptores encontrados em músculos (a) e tendões (b)


responsáveis pela cinestesia. Nos músculos (a) os receptores encontram-se enrolados ao
redor das fibras musculares contidas dentro da cápsula do fuso. Quando o músculo é
estendido, aumenta a freqüência de impulsos nervosos enviados ao cérebro. O contrário
ocorre quando o músculo é contraído. Desta forma, o sistema nervoso central recebe
ininterruptamente informações sobre o comprimento dos músculos, isto é, a respeito da
força por eles exercida. As ramificações da fibra sensitiva sobre o tendão (b) são
conhecidas como órgãos ou fusos tendinosos ou ainda como órgãos de Golgi. Como no
caso dos músculos, a freqüência de impulsos nervosos enviados ao cérebro aumenta à
medida que o tendão é estirado, fornecendo desta forma informações a respeito da força
exercida pelo músculo a ele conectado. (Ilustração a, segundo Schmidt, 1979; b,
segundo McGuigan, 1974.)

Já vimos que o sentido da cinestesia é responsável pela percepção da posição e dos


movimentos de nossos membros no espaço. O sentido vestibular refere-se à percepção e
manutenção do equilíbrio do corpo como um todo. Isto é, informa-nos se estamos de pé,
caindo ou de cabeça para baixo. A sensação de perder o equilíbrio depende da
inclinação e do movimento da cabeça. Basicamente, há duas maneiras de perder o
equilíbrio:
cair em linha reta no chão (aceleração linear), ou cair lentamente para a frente ou para
trás, enquanto nosso corpo descreve uma trajetória circular (aceleração angular). Estes
dois tipos de aceleração são os estímulos captados pelos mecanorreceptores do labirinto
ou aparelho vestibular.

Fibras motoras

Tendão Fibra muscular


Órgão tendíneo de Golgi

Fibras musculares internas do fuso

14

15
O órgão vestibular consiste em duas cavidades alojadas no osso temporal do crânio, nas
imediações da cóclea, que se encontra no ouvido interno. Há uma de cada lado da
cabeça e são repletas de fluido (endolinfa). Cada cavidade é constituída de duas partes
distintas: três canais semicirculares e duas estruturas saculiformes, o sáculo e o utrícolo.
As células receptoras encontram-se na cúpula de uma região dos canais semicirculares,
denominada ampola. Respondem a movimentos circulares e rotatórios da cabeça e os
impulsos nervosos resultantes da transdução propagam-se pelo nervo vestibular. Nas
regiões das máculas do sáculo e do utrícolo, encontram-se células receptoras que
respondem a movimentos retilíneos (para a frente — para trás; para cima — para baixo;
para a direita
— para a esquerda). Trata-se de células receptoras ciliadas, estimuladas através da
energia mecânica proporcionada pela inclinação de seus cílios mergulhados na
endolinfa. Esta é agitada com os movimentos da cabeça (fig. 1.7).
Quando o dentista aumenta ou diminui a inclinação do encosto da cadeira (aceleração
angular), são estimuladas as células receptoras dos canais semicirculares; quando, no
entanto, ele eleva a cadeira a uma certa distância do chão (aceleração linear), são
estimuladas as células receptoras do sáculo (sensíveis a movimentos verticais). Uma
parada brusca no veículo (aceleração linear) no qual viajamos estimula as células
receptoras do utrículo (mais sensíveis a movimentos horizontais). Obviamente, da
estimulação conjunta destes três tipos de células resulta a percepção de movimentos
muito sutis e complexos. Isto permitirá avaliar com precisão a posição da cabeça no
espaço, em cada momento.

1.7. Olfato

O sentido do olfato permite-nos distinguir uma série de substâncias químicas pelo seu
cheiro. As sensações olfativas são transmitidas por uma série de células sensoriais,
alojadas em uma pequena região do epitélio olfativo, que reveste a cavidade nasal (fig.
1.8a). Estas células são estjmuladas por uma mistura de ar e moléculas. Estes se
desprendem de objetos contidos em nosso ambiente. Isto é, a presença de um objeto-
estímulo, de uma pessoa ou de uma substância, como um perfume francês, só poderá ser
detectada por nosso olfato se algumas de suas moléculas atingirem as células sensoriais
olfatórias sensíveis a elas. Compreende-se, portanto, por que substâncias muito voláteis,
como, por exemplo, éter, álcool e gasolina são tão prontamente percebidas por estes
quimiorreceptores. A volatilidade de uma substância é necessária, porém não é
suficiente. E preciso também que suas moléculas sejam solúveis no muco que reveste a
região olfa a

Figura 1.7. a) O aparelho vestibular é formado por três canais semicirculares, sáculo e
utrículo. b) A ampliação no alto da figura mostra os mecanorreceptores, células ciliadas
que se encontram nas ampolas dos canais semicirculares e nas máculas do saculo e
utrículo. Nas ampolas, os cílios destas células reúnem-se formando a crista. Esta,
envolta por uma substância gelatinosa, dá origem à cúpula, que fica mergulhada na
endolinfa e oscila quando o líquido se agita em decorrência dos movimentos da cabeça.
Desta oscilação resulta a deformação dos cílios que excita as células receptoras,
desencadeando os impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. (ilustração a,
segundo Alpern, 1971.)

tória da cavidade nasal. Deste modo, podem entrar em contau’ com os cílios dos
receptores olfativos que ali se encontram mergulhados (fi. 1 8b).

Ampola

vestibular auditivo

Sáculo

Ducto coclear

16

17

1.8. Gustação

Figura 1.8. a) Os receptores do olfato encontram-se na parte superior da cavidade nasal


e estão em contato direto com o bulbo olfatório, que é uma estrutura do cérebro. b) A
ampliação no alto da figura mostra as células receptoras ciliadas, cujos cílios
encontram-se mergulhados no muco que reveste a cavidade nasal, onde se dissolvem as
moléculas das substâncias que excitam os cílios destas células. (Ilustração a, segundo
Mcouigan, 1974.)
A importância do olfato para a sobrevivência dos organismos pode ser avaliada,
constatando-se que uma parte das substâncias odorosas naturais é produzida por flores e
frutos, pela decomposição de organismos mortos e pelas glândulas de alguns animais.
Isto é, desempenham o importante papel de estímulos discriminativos, que sinalizam a
presença de alimento, perigo ou de parceiros sexuais. Porém, nem todas as substâncias
dotadas de volatilidade e solubilidade são capazes de desencadear a sensação de cheiro.
Para explicar por que determinadas substâncias são inodoras, enquanto outras possuem
odor, isto é, para esclarecer a função olfativa, foram elaboradas diversas teorias. Dentre
elas, a mais conhecida é a teoria estereoquímica desenvolvida por Amoore. Este
pesquisador verificou que todos os odores podiam ser agrupados em apenas sete
categorias: canfórico, almiscarado, floral, de hortelã, etérico, penetrante e pútrido.
Verificou, também, que uma grande parte das substâncias percebidas como pertencentes
a uma destas sete categorias possuía forma e tamanho molecular semelhantes. Este fato
levou-o a estabelecer uma relação hipotética entre a forma e o tamanho da molécula de
uma substância química e o seu cheiro.

relativamente grande o número de substâncias que diariamente levamos à boca. No


entanto, para descrever o seu gosto, referimo-nos a apenas quatro tipos de sabor: doce,
salgado, azedo e amargo. Sentimos o gosto dos alimentos, medicamentos e outras
substâncias quando algumas de suas moléculas dissolvidas na saliva atingem as células
receptoras. Estes quimiorreceptores são os corpúsculos gustativos, alojados nas papilas
distribuídas pela superfície da língua (fíg. 1.9). Nossa sensibilidade a diferentes
substâncias não é a mesma em toda a extensão da língua. Na ponta, somos mais
sensíveis ao doce e, na base, ao amargo. Nas laterais, nossa sensibilidade é maior ao
azedo, e nas bordas da língua somos muito sensíveis ao salgado (fig. 1.10). A magnitude
das respostas dos corpúsculos gustativos varia de acordo com a intensidade do estímulo,
permitindo a discriminação entre uma sopa gostosa e outra muito salgada.
Na olfação, segundo a teoria estereoquímica, o cheiro de uma substância depende,
aparentemente, da forma e do peso molecular. Ainda não são conhecidas, no entanto, as
características responsáveis pelo gosto das substâncias. Sabe-se, apenas, que o sabor
azedo dos ácidos, por exemplo do suco do limão e do vinagre, é devido ao íon H +
(hidrogênio) de sua composição química.

Poro gustativo
Receptores gustativoS

Figura 1.9. Os corpúsculos gustativos encontram-se nas papilas gustativas da língua.


São formados por um aglomerado característico de células receptoras, que lançam seus
prolongamentos (microvilosidades) para o poro gustativo, onde entram em contato com
moléculas de substâncias dissolvidas na saliva, resultando na excitação dos receptores.
(Ilustração segundo McGuigan, 1974.)

Odor

Receptor olfativo
Cavidade nasal

Superfície da língua

Células-suporte

Para o cérebro

Fibras nervosas

18

19

As modernas indústrias de medicamentos e gêneros alimentícios adicionam substâncias


químicas aos seus produtos com a finalidade de controlar seu consumo. Assim, por
exemplo, são acrescentados “flavorizantes” e aromatizantes às geléias e gelatinas que,
em seu estado natural, não teriam gosto nem cheiro. Produtos destinados a diabéticos e a
pessoas que estão se submetendo a dietas alimentares desprovidas de açúcar são
adoçados artificialmente. Os medicamentos preparados para crianças merecem um
cuidado todo especial por parte da indústria farmacêutica. Acrescentam-se a eles
substâncias de gosto e odor agradáveis para garantir seu consumo. Por Outro lado,
medicamentos muito perigosos, que poderiam ser ingeridos por engano pelas crianças,
são acrescidos de substâncias amargas para que sejam rejejtados imediatamente.
O emprego indiscriminado de substâncias aromatizantes e “flavorizantes” pode colocar
em risco a saude do ser humano. Tomemos, por exemplo, uma sobremesa preparada
com muitos ovos, portanto rica em proteínas. Se, no entanto, for preparada sem ovos e a
ela se acrescentarem substâncias com gosto, cheiro e cor de gema de ovo, continuará
sendo um saboroso “quindim”, porém, sem valor nutritivo.

1.9. Audição

Quando você liga um rádio portátil, a membrana de seu alto-falante começa a vibrar.
Esta vibração é transferida para as moléculas de ar mais próximas. Estas, por sua vez,
transmitem a energia mecânica assim recebida para as moléculas vizinhas, permitindo a
propagação da energia a grandes distâncias. Se colocássemos o rádio em um recipiente
do qual fosse retirado todo o ar, deixaríamos de ouvir o som porque a vibração de seu
alto-falante não se propagaria no vácuo. O som se propaga em forma de ondas que se
deslocam no ar a uma velocidade de, aproximadamente, 340 metros por segundo, e de
forma mais rápida na água (fig. 1.11). Trata-se, portanto, de uma velocidade comparável
à dos modernos aviões a jato, com exceção dos supersônicos capazes de se deslocarem a
velocidades superiores à do som. As ondas sonoras podem ser divididas em ciclos. Sua
freqüência depende do número de ciclos por segundo — cps — (ou Hertz) e é
responsável pela diferença entre um tom grave e um tom agudo, uma nota Dó e uma
nota Mi. A nota Lá, usada para afinar os instrumentos

Para o cérebro

Nervo
glossofaríngeo’

Nervo facial

circunvaladas Papilas foliadas Papilas fungiformes

Ponta da língua

Figura 1.10. A sensibilidade às diferentes qualidades gustativas não é a mesma em toda


superfície da língua. Na ponta da língua encontra-se a maior sensibilidade ao doce; no
extremo oposto, na base da língua, a sensibilidade ao amargo é mais acentuada; a
sensibilidade ao azedo é maior nas laterais e ao salgado, nas bordas. (Ilustração segundo
Schmidt, 1980.)

4 Um ciclo

Onda sonora
- tom puro

Onda sonora complexa

Figura 1.11. As ondas sonoras podem ser simpLes, como no caso dos tons puros, ou
complexas como a maioria dos sons que ouvimos no dia-a-dia. São medidas em ciclos
por segundo (cps ou Hertz).

20

21

musicais, tem 400 ciclos por segundo. Tons de alta freqüência, acima de
700 cps, são percebidos como agudos. Tons de baixa freqüência, abaixo
de 700 cps, como graves. Quanto maior a freqüência de um tom, maior
a probabilidade de que seja percebido como agudo.
O nosso ouvido não é igualmente sensível a todos os tons. Somos mais sensíveis a tons
cuja freqüência oscila entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. A sensibilidade não é a
mesma para todos os animais dotados de audição. Cães e morcegos, por exemplo, são
capazes de ouvir tons para os quais o ser humano é insensível. As ondas sonoras, vindas
de longe ou de perto, encontram nossas orelhas, penetram pelo canal auditivo e,
finalmente, atingem a membrana timpânica. Esta passa a vibrar na mesma freqüência
que a fonte sonora.
Nosso ouvido é constituído por três partes bem distintas: ouvido externo, médio e
interno (fig. 1.12). A orelha e o canal auditivo fazem parte do ouvido externo, que é
separado do ouvido médio pelo tímpano. No ouvido médio, encontra-se um conjunto de
três ossos muito pequenos conhecidos como ossículos. O primeiro ossículo, chamado
martelo, apóiase na membrana timpânica e transfere para os seguintes, denominados
bigorna e estribo, a vibração recebida. O último ossículo apóia-se sobre uma membrana
conhecida como janela oval, que separa o ouvido médio do ouvido interno. Ela é
responsável pela transferência da vibração para a região mais interna do ouvido. O
ouvido interno consiste de um canal repleto de líquido e enrolado como um caracol,
denominado canal coclear. Dentro deste canal, ao longo de toda sua extensão, encontra-
se a membrana basilar, com suas células ciliadas. Estas células são os receptores da
audição. Eles respondem à deformação, tração ou torção produzidas pela vibração do
líquido no qual estão mergulhados.
Diferentes tipos de fontes sonoras, por exemplo, campainhas, instrumentos musicais (de
corda, como o berimbau e o violão, ou aqueles dota-

dos de membranas, como o tambor e a cuíca), motores a explosão de veículos (como


motocicletas e aviões), jatos de ar (como apitos e assobios), desencadeiam a vibração do
ar e das estruturas do ouvido os quais terminam por deformar as células receptoras.
Estas, por sua vez, transformam a energia mecânica sobre elas exercida em energia
eletroquímica, isto é,

efetuam a transdução dos estímulos ambientais.


Nossa sensibilidade é maior para tons de 2.000 a 3.000 cps. Isto significa que tons com
esta característica qualitativa podem ser ouvidos em intensidades muito baixas (fig.
1.13). Por outro lado, os tons de 20 ou 20.000 cps deverão ser muito intensos, uma vez
que somos pouco sensíveis a eles. Qualquer tipo de tom dentro da nossa faixa de
audibilidade, no entanto, necessita sempre de um mínimo de energia para que possa ser
ouvido. Es-

ta intensidade mínima necessária para se ouvir um som é denominada de limiar absoluto


auditivo. Denominamos de subliminares aqueles estímulos cuja intensidade é mais
baixa que o limiar absoluto.

Figura 1.12. a) O ouvido é composto de três partes: ouvido externo, ouvido médio e
ouvido interno. O ouvido externo consiste no pavilhão auditivo (orelha) e no canal
auditivo. Após penetrar no ouvido através destas estruturas, a onda sonora choca-se
contra a membrana do tímpano, que separa esta parte do ouvido médio. A trompa de
Eustáquio liga o ouvido médio à faringe, permitindo assim que a pressão do ar existente
nesta parte do ouvido seja igual à pressão do outro lado da membrana timpânica. As
vibrações provocadas pela onda sonora sobre o tímpano são transmitidas à cadeia dos
três ossículos (martelo, bigorna e estribo), que por sua vez as transmitem a outra
membrana, conhecida como janela oval, fronteira entre ouvido médio e ouvido interno.
Esta última parte do ouvido contém a côdea, uma estrutura tubular dentro da qual se
encontram outros tubos como o canal coclear, a rampa timpânica e a rampa vestibular.
b) As células receptoras localizam-se sobre a membrana basilar, que se estende através
de todo canal coclear. Trata-se de células ciliadas, cujos cílios, mergulhados na
endolinfa contida no canal, estendem-se até a membrana tectória. Os cílios encontram-
se, portanto, presos entre as duas membranas. A vibração das estruturas do ouvido,
causada pelo som, provoca a flexão, torção e tração dos cílios, resultando na excitação
das células receptoras e dando origem ao impulso nervoso que será enviado ao cérebro.
Observe que as vibrações sonoras são transmitidas através de um meio gasoso no
ouvido externo (ar), a seguir são transferidas para um meio sólido (ossículos) no ouvido
médio, e finalmente no ouvido interno propagam-se através de um meio líquido
(endolinfa). (Ilustração a, adaptada de McGuigan, 1974; b, adaptada de Mueller.)

Ouvido externo Ouvido médio Ouvido internv

22

23

31,5 125 500 2.000 8.000

Freqüência

Figura 1.13. A curva do gráfico corresponde ao limiar absoluto da audição e mostra que
o ser humano não é igualmente sensível a diferentes tons (freqüências), uma vez que a
intensidade mínima necessária para que possam ser ouvidos (limiar) é grande para os
tons de freqüência muito baixa (20 Hz) e de freqüência muito alta (16.000 Hz). O
contrário ocorre com tons compreendidos em regiões intermediárias da faixa de
audibilidade (4.000 Hz), que são ouvidos com pouca intensidade, uma vez que é muito
acentuada a sensibilidade a este tipo de freqüência. A faixa designada “Região da fala”
corresponde ao conjunto de freqüências e intensidades das quais a voz humana se
compõe. Observe que as freqüências contidas na fala correspondem aos valores aos
quais somos mais sensíveis. (Ilustração adaptada de Schmidt, 1980.)
Nos grandes centros urbanos, o barulho é cada dia mais intenso. Esporadicamente,
surgem pesquisas feitas com seres humanos e animais, mostrando as conseqüências da
poluição sonora para a saúde física e mental. No ser humano, a poluição sonora é
responsável por distúrbios circulatórios gástricos e perda da audição. A saúde mental
pode ser afetada quando o indivíduo não consegue dormir o número mínimo de horas
necessárias para um repouso adequado, ou quando a poluição sonora o impede de
raciocinar, dificultando a execução de tarefas que exigem concentração. Disto pode
resultar um elevado grau de ansiedade que dificulta o ajustamento do sujeito ao seu
ambiente.

de ondas muito longas (como, por exemplo, ondas de rádio, televisão e infravermelho) e
ondas curtas (como, por exemplo, o ultravioleta, os raios X, raios gama e raios
cósmicos) (lâmina 1.1, ver p. 119). Apenas as ondas de 450 a 750 nm (namômetros) são
captadas e transduzidas pelos fotorreceptores do olho. Este pequeno conjunto de ondas
corresponde a aproximadamente 1/100 de toda a energia eletromagnética conhecida. As
ondas de 450 nm, quando captadas pelos receptores do olho, dão-nos a sensação de
azul. Diante de ondas um pouco mais curtas, temos a sensação de ver o violeta. Ondas
mais curtas ainda, da região do ultravioleta, não são percebidas, uma vez que nossa
córnea e nosso cristalino filtram estes comprimentos de onda. Além disso, os
fotorreceptores são pouco sensíveis a esta faixa do espectro.
Existe porém, entre os animais invertebrados, uma infinidade de espécies que possuem
receptores para esta faixa de espectro. Por exemplo, as abelhas, as formigas e outros
insetos. Ondas de 500 nm dão a sensação de verde e de 750 nm, de vermelho. As ondas
mais longas, denominadas infravermelho, não são captadas pelo olho. Elas
correspondem a ondas térmicas que estimulam termorreceptores da pele e dão origem à
sensação não de uma cor, mas de calor. Eis aí um dado intrigante: dois estímulos que,
fisicamente, correspondem a ondas eletromagnéticas muito semelhantes (quanto a
intensidade e comprimento de onda) nos proporcionam sensações muito diferentes —
um é responsável pela sensação de “vermelho”

A sensação das cores, da claridade, da escuridão e do brilho dos objetos nos é


proporcionada por um conjunto de células receptoras que revestem o interior do globo
ocular. Trata-se de células nervosas especializadas, sensíveis a uma pequena faixa da
energia eletromagnética existente no universo. Esta faixa da energia é denominada
espectro visível (fig. 1.14) ou, simplesmente, luz. Além da luz, a energia
eletromagnética compreen Figur

1.14. O espectro de radiações eletromagnéticas pode ser dividido em uma região visível
e outras não visíveis. A parte inferior da figura mostra o espectro que é visível como luz
de várias cores e corresponde a uma região muito pequena do espectro total ilustrado na
parte superior da figura. Tanto ondas eletromagnéticas muito longas (ondas de rádio,
radar e infravermelho), como ondas muito curtas (raios gama, raios X e raios
ultravioleta) não são visíveis para o ser humano.

dB
100
80
60-
40
20
o

co
o
o
0
o
co
o,
O
• cl)

Regilo da tala

20

63
1.10. Visão

Muito Muito
longas curtas

Raios
x

Raios
gama

Espectro visível
Vermelho Laranja Amarelo Verde Azul Violeta
700 600 575 525 450 400
—4
Comprimento de onda (nm)

24

25

— —, —.—
— —
— —

— —

-
z
:-1-- E
z : ;: E

z :
‘E E
1 i.doo 1 4.000 16.000 Hz

1 1 1
1 1 Infra— I I Ultra— 1
Ondas de rádio
I 1 I
1 Radar 1 vermelho 1 1 violeta
1

e outro, pela de “calor”. Deve-se isto ao simples fato de serem captados e transduzidos
por receptores pertencentes a sistemas sensoriais muito

distintos.

Nossos olhos são compostos por um conjunto de estruturas destinadas à captura e ao


controle da luz que penetra em seu interior. Para facilitar a compreensão da localização
e do funcionamento dessas estruturas, sugerimos que você consulte a figura 1.15. Como
é possível ver, trata-se de um órgão bastante complexo, composto de diversos
elementos. Alguns são transparentes, permitindo a passagem da luz — são conhecidos
como aparelho dióptrico. A conjuntiva, por exemplo, é a parte anterior do glo Par

o cérebro

Figura 1.15. O olho é um órgão muito complexo, composto de diversas partes, algumas
das quais são transparentes como a córnea, o humor aquoso contido na câmara anterior
do globo ocular, o cristalino e o humor vítreo, substância gelatinosa que ocupa toda a
câmara posterior. Depois que passou por estes elementos, a luz atinge e atravessa todas
as camadas da retina, uma vez que os fotorreceptores se encontram na última, adjacente
à membrana coróide. Esta é constituída por uma rede de vasos sanguíneos e encontra-se
entre a retina e a esclerótica, que é a estrutura mais externa, responsável pela forma
característica do globo ocular. Córnea e cristalino formam o sistema óptico responsável
pela focalização da imagem sobre a fóvea, a região mais delgada da retina. A fóvea
também é conhecida como mancha amarela ou mácula lútea. Há na região posterior do
globo ocular um pequeno orifício, por onde penetram vasos sanguíneos e fibras do
nervo óptico, conhecido como ponto cego, no qual não há receptores. O cristalino é
mantido na sua posição por um conjunto de delicadas fibras que partem de sua borda e
se inserem no músculo ciliar; são as fibras da zônula, estruturas responsáveis pela
rcomodação do cristalino. L.ogo à frente do cristalino encontra- se o conjunto de
músculos que formam a íris e a pupila, o orifício pelo qual a luz penetra no olho.
(Ilustração adaptada de Schmidt, 1980.)

bo ocular, a primeira, portanto, a ser atravessada pela luz. A seguir encontra-se a


córnea. Constitui-se numa lente poderosa, responsável pela convergência dos raios
luminosos sobre a retina. Desprovida de vasos sangü mneos, torna-se muito vulnerável
às infecções. Por outro lado, a ausência de vasos permite a perfeita passagem da luz e
diminui o risco da rejeição de enxertos, o que torna o transplante de córneas uma
operação bastante simples e segura. No Brasil, o transplante não é realizado com maior
freqüência por falta de córneas no banco de olhos.

A córnea transparente funde-se com a esclerótica, a parte branca e externa do globo


ocular. Esta região não transparente é ricamente irrigada por vasos sangüíneos. Eles se
tornam visíveis quando choramos, por exemplo.
Há uma pequena região do nosso olho que foi cantada em prosa e verso por poetas de
todo o mundo:

“Teus olhos (ão negros, tão belos, (ão puros, de vivo luzir “Olhos encantados, olhos
cor do mar

Estamos nos referindo à fris. Encontra-se logo atrás da córnea. Consiste em um


conjunto de músculos e células pigmentadas, responsáveis por

sua coloração característica: azul, verde, castanho ou preto. A íris tem forma de disco.
No centro, há um orifício, por onde penetra a luz refletida dos objetos do ambiente. Esta
abertura, que parece uma pequena mancha preta, é a pupila. Quando a luz é muito
intensa, ela se contrai. Aumenta de diâmetro no escuro, chegando a ficar 7 vezes maior.
Este fenômeno é facilmente observável. Peça para um colega de íris clara olhar para
uma pare-
de ou folha de papel branca bem iluminada, enquanto você observa o tamanho da pupila
dele. A seguir, peça para ele cobrir os olhos abertos com as palmas das mãos por um
breve período de tempo e depois retirar rapidamente as mãos, enquanto permanece
olhando para o objeto claro. Você

verá nitidamente a pupila, que havia aumentado de diâmetro no escuro, diminuir,


contraindo-se rapidamente. Trata-se de uma resposta reflexa dos músculos da íris que
evita a entrada de quantidades excessivas de luz no olho. Na penumbra, por outro lado,
é preciso que a pouca luz existente penetre no olho para facilitar a visão. Isto é
favorecido pelo aumento da pupila.
Entre a córnea e a íris encontra-se a câmara anterior do olho, repleta de fluido
transparente, conhecido como humor aquoso. Atrás da íris, na câmara posterior,
encontra-se o cristalino. Ele funciona como uma lente

elástica que, junto com a córnea, é responsável pela focalização precisa da imagem
sobre a retina, fenômeno denominado de acomodação. A acomodação da imagem de
objetos a diferentes distâncias é obtida pelas mudanças na espessura do cristalino. A
medida que as pessoas envelhecem, o cristalino perde a sua elasticidade. A sua
capacidade de acomodação

26

27

fica reduzida (presbiopia). No entanto, isto pode ser contornado com o emprego de
lentes corretivas capazes de restaurar a visão de objetos próximos. A leitura muito
freqüente e o trabalho com objetos muito próximos dos olhos pode causar problemas
semelhantes em pessoas jovens, O uso de óculos também é necessário quando ocorrem
deformações do globo ocular. Ele pode tornar-se achatado (miopia ou hipermetropia)
(fig. 1.16) ou apresentar uma córnea cuja curvatura não é perfeitamente esférica
(astigmatismo).

Figura 1.16. Miopia e hipermetropia referem-se a deformações do globo ocular. O olho


míope é alongado, não permitindo que se formem imagens nítidas de objetos distantes
sobre a retina (a). Para corrigir este problema, a pessoa míope (sem óculos) costuma
aproximar os objetos dos olhos (b). Com o uso de lentes corretivas (óculos), passa a ver
normalmente (c). O oposto ocorre com o olho hipermetrope, que é muito curto, não
permitindo a formação de imagens nítidas de objetos próximos sobre a retina (d). Para
superar esta dificuldade a pessoa hipermetrope afasta os objetos dos olhos (e). O
emprego de lentes corretivas devolve a visão normal (t).

Atrás do cristalino, encontra-se a câmara posterior. Ela é formada pelo espaço interno
do globo ocular, ocupado por uma substância transparente e gelatinosa, o humor vítreo.
Quase toda a superfície interna desta câmara é revestida pela retina, formada pelas
células receptoras e outras células nervosas. A imagem dos objetos é focalizada com
maior precisão sobre um ponto da retina denominado fóvea. Este se apresenta como
uma pequena depressão, cujo diâmetro chega a ter um milímetro de extensão. E com
esta minúscula região do olho que vemos as cores e os detalhes das coisas que nos
cercam. Atrás da retina, encontra-se uma rede de vasos sangüíneos conhecida como
camada coróide. Finalmente, a camada branca e mais externa do olho, a esclerótica,
constituída de tecido de sustentação, é responsável pela forma característica do globo
ocular.
Na retina encontram-se diversos tipos de células. A camada de fotorreceptores é
formada pelas células nervosas sensíveis à luz. Na figura 1.17 você encontrará uma
ilustração esquemática da retina. Preste atenção a um detalhe interessante e muito
intrigante: após atravessar todas as estruturas transparentes do olho, a luz atinge
finalmente a retina; porém, antes de ser absorvida pelos fotorreceptores, terá que
atravessar também todas as camadas da própria retina, uma vez que os receptores estão
localizados na última camada e virados para trás. A primeira camada corresponde a
fibras nervosas que darão origem ao nervo óptico. A seguir, a luz atravessa a camada das
células ganglionares, amácrinas, bipolares e horizontais. Finalmente, na última camada
da retina, a luz é absorvida pelos fotorreceptores que ali se encontram. A reação
fotoquímica dos receptores dá origem a uma resposta neural, que é transmitida às
células bipolares. Estas, por sua vez, transmitem seus sinais às células ganglionares,
cujos axônios se agrupam. Formam, assim, o nervo óptico, que levará os impulsos
nervosos ao sistema nervoso central. As células amácrinas e horizontais proporcionam a
comunicação entre neurônios de uma mesma camada, permitindo uma sofisticada
elaboração da informação captada pelos receptores. Na realidade, a atividade da retina é
tão complexa que pode ser considerada um “minicérebro”
Depois de tomar conhecimento de um conjunto tão complexo e elaborado de estruturas,
talvez você se surpreenda com o fato de existir um ponto cego na retina, isto é, uma
região que não dispõe de receptores. Trata- se do local em que o nervo óptico e os vasos
sangüíneos chegam à retina. E conhecido como papua ou ponto cego. Com o auxílio do
desenho da figura 1.18 você poderá convencer-se da existência de seu ponto cego e
demonstrar a si mesmo que, em determinadas circunstâncias, uma pequena parte dos
estímulos que nos cercam não pode ser vista.
Um exame microscópico da retina mostra dois tipos de receptores:
cones (6 milhões) e bastonetes (120 milhões), devido à sua forma aproximadamente
cônica e cilíndrica, respectivamente. Os bastonetes localizam- se na periferia da retina e
são excelentes detectores de luz graças à rodop Olh

miope

Olho hipermetrope

Aproximando-se do objeto

28

29

Célula horizontal

i— Células bipolares

Células ganglionares

Fibras nervosas
Para o cérebro

Figura 1.17. A retina é formada de diversas camadas de células nervosas. Na primeira


camada a ser atravessada pela luz, encontram-se as fibras nervosas que formarão o
nervo óptico. Na segunda camada, organizam-se as células ganglionares que dão origem
a estas fibras nervosas. A seguir encontra-se um conjunto de neurônios, as células
amácrinas, que através de sinapses múltiplas entre as células ganglionares permitem
uma ampla difusão da informação recebida por cada uma delas, transmitindo o impulso
nervoso a numerosas células vizinhas. A camada das células bipolares é formada de
neurônios que recebem a excitação de diversos fotorreceptores e transmitem esta
informação para as ganglionares. Entre a camada de células fotorreceptoras e as
bipolares há uma camada de células horizontais que é responsável pela difusão da
informação entre receptores vizinhos. Finalmente, a luz atinge a última camada de
células nervosas, os fotorreceptores, onde é absorvida pelos cones e bastonetes para,
após a sua transdução, dar origem ao impulso nervoso que se propagará para as demais
células da retina. No seu trajeto para o cérebro, o impulso nervoso é transmitido das
células bipolares para as ganglionares e finalmente através do nervo óptico deixa a
retina e segue em direção ao cérebro. Por Outro lado, as camadas de células horizontais
e amácrinas são responsáveis pela difusão de informação dentro de uma mesma camada.
(Ilustração adaptada de Boycott e Dowling, no livro de Schmidt, 1980.)

Figura 1.18. Para você se convencer de que existe um ponto cego na retina do olho
direito, proceda da seguinte maneira: segure o livro com o seu braço estirado, feche seu
olho esquerdo e olhe fixamente para o ponto da figura. A seguir, aproxime lentamente o
livro de seus olhos. Você notará que, em dado momento, o passarinho desaparecerá
permanecendo, no entanto, as grades da gaiola. Isto ocorre porque o ponto cego
corresponde a uma pequena área da retina, sobre a qual agora incide a imagem do
passarinho, que não é percebido.

sina, substância fotossensível neles encontrada. Muito sensíveis à luz, são responsáveis
pela visão na penumbra (visão escotópica), onde a detecção de pequenas modificações
no nível de iluminação se torna importante. Se

quisermos saber a cor ou detalhes de um objeto que surge na periferia do nosso campo
visual, e cuja luz foi captada pelos bastonetes da periferia da retina, teremos que
movimentar os olhos de tal maneira que sua imagem seja focalizada, com precisão,
sobre a região central dos cones da fávea. Os receptores desta região, no entanto,
somente reagem quando a luz

é mais intensa (visão fotópica).

A fóvea é a região de maior acuidade visual da retina, dotada exclusivamente de cones.


Quando observados ao microscópio, anatomicamente parecem semelhantes. Sabe-se, no
entanto, que de acordo com o seu funcionamento existem três tipos de fotorreceptores
nesta região.
Os três tipos de cones diferem quanto ao tipo de substância fotossensível neles contida.
Um tipo de cone capta principalmente a luz de comprimento de onda curta,
proporcionando-nos a sensação do azul. A substância química fotossensível que reage a
estes comprimentos de ondas foi denominada cianolábio (do grego: ciano azul; lábio,
do verbo lambdno = captador).
O segundo tipo de cone reage, sobretudo, a comprimentos de onda intermediários,
dando-nos a sensação do verde. A substância química nele encontrada foi denominada
clorolábio (do grego: cloro verde; lábio, do verbo lambdno captador).

Epitélio pigmentado
Bastonete
Fotorre Con ceptores
retiniano

Célula amácrina

Incidência da luz

30

31
Finalmente, o terceiro tipo de cone responde, principalmente, aos comprimentos longos
de onda, e a substância fotossensível nele encontrada foi denominada eritrolábio (do
grego: entro = vermelho; lábio, do verbo lambáno captador). Como o ser humano
possui três tipos de receptores para a visão de cores, seu sistema visual é denominado
tricomático. Já vimos que nos bastonetes apenas uma substância fotossensível é
encontrada (a rodopsina). Trata-se portanto de um sistema visual monocromático que
não participa da visão de cores. Conclui-se, portanto, que a retina do ser humano é
dotada de quatro tipos de receptores: os bastonetes e três tipos de cones.
Você certamente se recorda de ocasiões em que, depois de andar por uma rua ensolarada
e entrar em um cinema, a princípio você não consegue ver nada além da imagem
projetada na tela. Lentamente, é possível vislumbrar uma poltrona vazia. Somente muito
tempo depois, é possível ver outros objetos e pessoas a seu redor com maior clareza.
Passada uma hora, com os olhos completamente adaptados ao escuro, para grande
surpresa sua, você consegue ver com nitidez até mesmo pessoas distantes. Em
condições controladas de laboratório, é possível mostrar que os bastonetes precisam de
mais tempo do que os cones para atingir a sua sensibilidade máxima. Mas, uma vez
completamente adaptados ao escuro, sua sensibilidade à luz é mais pronunciada que a
dos cones. Isto quer dizer que os bastonetes reagirão diante de estímulos luminosos bem
mais fracos (de menor intensidade).
Na figura 1.19 encontram-se os resultados obtidos em uma situação experimental deste
tipo. Foram reunidas medidas obtidas em três situações distintas: projetando-se um
diminuto feixe de luz numa região do olho dotada tanto de cones como de bastonetes,
foi obtido o traço contínuo. Na realidade, este consiste em dois “degraus”: o superior
corresponde à adaptação ao escuro dos cones e o inferior à dos bastonetes. A linha
tracejada superior foi obtida projetando-se um feixe de luz sobre a fóvea. E a linha
tracejada inferior foi obtida projetando-se um feixe de luz sobre os bastonetes de uma
pessoa que não possuía cones; portanto, completamente cega a cores. Como se pode
verificar, a curva de dois “degraus” corresponde à adaptação ao escuro de uma região
mediana da retina, onde são encontrados tanto cones quanto bastonetes. Estes resultados
mostram que os dois tipos de receptores se comportam de forma bem distinta

no escuro.

1.11. A interação dos diversos tipos de receptores


A descrição das diversas modalidades sensoriais vista nas páginas anteriores deixa claro
que os mecanismos de captação de energia do ambiente e a fisiologia da transdução são
os mesmos em todos os seres humanos.

1
O 5 10 15 20 25 30min
Período de adaptação ao escuro
Figura 1.19. Curvas de adaptação ao escuro. A linha contínua (a) corresponde ao curso
da adaptação ao escuro, numa região nas vizinhanças da fóvea de um indivíduo
possuidor de visão normal, em que são encontrados tanto cones como bastonentes.
Verifica-se que a curva é composta por duas partes bem distintas. A curva pontilhada (b)
corresponde à adaptação ao escuro da fóvea, região em que existem apenas cones.
Verifica-se que a curva corresponde perfeitamente ao primeiro degrau da curva anterior,
mostrando que a adaptação ao escuro inicial do olho humano é devida ao aumento de
sensibilidade dos cones, o que ocorre durante os primeiros 7 ou 8 minutos no escuro. A
linha tracejada (c) foi obtida com uma pessoa cuja retina era dotada apenas de
bastonetes. Isto é, desprovida de cones, era totalmente cega a cores (visão
monocromática). Verifica-se que esta curva corresponde perfeitamente à segunda parte
da primeira curva (a), demonstrando que a sensibilidade máxima do olho humano só é
atingida após 25 ou 30 minutos de adaptação ao escuro, ocasião em que estímulos de
pouquíssima intensidade podem ser vistos. Esta sensibilidade acentuada é devida à
adaptação dos bastonetes e ocorre muito tempo depois da adaptação inicial dos cones.
(Ilustração adaptada de Schmidt, 1980).
O que difere de uma pessoa para outra, diante de uma mesma situação de estímulos, é a
percepção. Ou seja, a seleção e interpretação dos dados sensoriais. Todo conhecimento
que temos de nosso próprio corpo e do ambiente, constituído tanto de nossos
semelhantes quanto de objetos inanimados, é fornecido por nossos órgãos dos sentidos.
Eles transformam diferentes tipos de energia (mecânica, térmica, eletromagnética etc...)
em energia eletroquímica, que chega ao nosso cérebro na forma de impulsos nervosos.
No cérebro, serão integradas as informações provenientes dos diversos órgãos
sensoriais. Isto, porém, não basta para nossa percepção do ambiente. Ela dependerá
também de nossa experiência passada, de nosso estado emocional e motivacional, bem
como de nossas atitudes, preconceitos e de nossas expectativas a respeito do futuro. O
filósofo Immanuel
6-
5-
4-
3-
2-
1—
0-

co
>
co
5)
5)
0
co
0
c
5)
c

32

33

Kant, pensando neste assunto, chegou à conclusão de que “nós não vemos as coisas
como elas são, porém como nós somos”.
E graças à integração de todas as informações provenientes de um dado estímulo que
pessoas portadoras de deficiências sensoriais, como, por exemplo, daltonismo ou
surdez, vivem ajustadas em seu ambiente. Uma pessoa daltônica, cujos cones estão
desfalcados de uma das substâncias fotorreceptoras, poderá, ocasionalmente, mostrar
dificuldades para discriminar dois objetos pela cor. Porém, raramente terá transtornos
maiores, uma vez que os objetos também diferem quanto ao brilho, forma, tamanho,
aspereza, temperatura e outras características. O mesmo ocorre com uma pessoa parcial
ou totalmente cega. Ela poderá perceber o espaço através da informação fornecida por
outras modalidades sensoriais como, por exemplo, a audição e o tato.
34

2
Psicofísica Medidas em percepção
A Percepção é uma disciplina da Psicologia com ênfase muito grande em investigações
científicas e em experimentos de laboratório e pesquisas de campo. Precisa, portanto, de
alguma forma, preocupar-se com as medidas e a quantificação de seus resultados. Em
geral, toda disciplina desenvolve técnicas específicas e especializadas para lidar com
seus problemas particulares de medida. Assim, também o campo da percepção tem suas
técnicas especiais de medida, geralmente estudadas sob a denominação de métodos
psicofi’sicos.
Inicialmente, os métodos psicofísicos foram desenvolvidos para uma disciplina
chamada Psicofísica. Como o próprio nome sugere, a Psicofísica procura relacionar
funcionalmente os estímulos ou eventos físicos e as sensações ou perceptos. De maneira
ampla, é este o objetivo da disciplina Percepção. Originou-se com Gustav Fechner
(1801-1887), um estudioso de Medicina, Física e Filosofia. Sua primeira preocupação
em Psicologia Experimental foi medir as sensações (os perceptos), de forma acurada,
em termos do referencial dos estímulos físicos. Mesmo que a Filosofia e a teoria
psicológica que fundamentaram os estudos de Fechner hoje somente possuam valor
histórico, os métodos psicofísicos desenvolvidos por ele são ainda amplamente
utilizados. Na verdade, transcendem o campo da Percepção (e da Psicologia
Experimental) inicialmente procurado: também são empregados em pesquisas de outras
ciências, como a Sociologia ou a Fisiologia.
De maneira mais abrangente, a Psicofísica busca a relação funcional entre as sensações
provocadas por estímulos de diferentes magnitudes ou valores. Se houvesse uma relação
simples e constante entre os valores físicos de um estímulo e as sensações provocadas, a
questão não apresentaria maiores problemas. Não é assim. Isto pode ser facilmente
intuído: em pri35

meiro lugar, as escalas físicas utilizadas para medir os estímulos são, em sua maioria,
até certo ponto arbitrárias. Podemos medir uma distância em centímetros ou polegadas
ou anos-luz; o brilho de uma lâmpada pode ser expresso em watts ou candeias ou
Lamberts, e assim por diante. A maioria das escalas utilizadas para medir um estímulo
físico é independente do observador humano. Mas há algumas notáveis exceções, como
o brilho de uma luz expressa em lumens ou o volume de um som expresso em decibéis
relativos à sensibilidade auditiva humana. Em segundo lugar, a sensação não
corresponde sempre ao estímulo físico de uma forma simples, a ponto de o observador
se dar conta disto: o mesmo observador olha o comprimento de uma escada deitada no
chão e a altura do telhado; tem a nítida sensação de que a distância é a mesma. Mas ao
encostar a escada à parede percebe que faltam alguns centímetros. Evidentemente, o
relógio não deixa de fazer tique-taque quando o afastamos do ouvido:
o estímulo físico continua presente, mas não há mais uma sensação correspondente. A
Psicofísica, em sua busca da relação entre o valor do estímulo físico e a sensação,
defronta-se, basicamente, com quatro questões. Estas podem ser distinguidas apenas
artificialmente, uma vez que em nosso comportamento habitual nos deparamos,
constantemente, com os quatro aspectos e os solucionamos de uma forma conjunta.
A primeira questão é: qual é a energia mínima (ou grandeza) que um estímulo deve ter
para provocar em nós uma sensação (ser percebido)? Isto é normalmente considerado
como um problema de sensibilidade absoluta, e o valor físico desta magnitude de
estímulo é chamado de limiar absoluto. Para que um médico possa detectar uma
mancha na radiografia dos pulmões de seu paciente, que tamanho ela precisa ter? Se o
filme estiver embaçado, será ainda mais difícil detectar a mancha: haverá elementos
perturbadores. Para o observador, o limiar absoluto apresenta, portanto, uma questão de
detecção.
A segunda questão diz respeito à sensibilidade diferencial, ou seja, quanto dois
estímulos precisam diferir entre si, para que provoquem sensações diferentes? A menor
diferença entre os valores físicos de dois estímulos, que provocam sensações diferentes
e que, portanto, podem ser discriminados, é chamada de limiar diferencial. Por
exemplo, o médico tem diante de si a radiografia dos pulmões. Ambos os pulmões estão
com uma mancha. Quanto uma mancha tem de ser maior que a outra para o médico
decidir qual dos dois pulmões está mais afetado? Para o observador, trata-se de uma
tarefa de discriminação. Ele precisa distinguir, isto é, discriminar, vários estímulos que
variam entre si quanto a um mesmo aspecto físico.
A terceira questão refere-se ao que representa, para o observador, uma tarefa de
reconhecimento. O estímulo, depois de detectado, precisa ser reconhecido ou
identificado. O médico detectou uma mancha na radiografia. Agora precisa identificar a
mancha. Trata-se de um tumor, uma infec ção

corpo estranho? O reconhecimento implica a comparação do estímulo detectado com


outros perfeitamente definidos. Estes podem estar presentes (o médico pega um manual
e compara os vários tipos de manchas). Mas, na maioria das vezes, o observador faz o
reconhecimento em função de imagens que possui na memória. Quando reconhecemos
que a pessoa que se aproxima é nosso irmão ou que a fruta sobre a mesa é uma maçã,
valemo-nos de imagens de nossa memória.
Por fim, a quarta questão nos transforma num instrumento de medida. Agora queremos,
a partir da magnitude de nossa sensação, chegar ao valor físico de estímulo. A tarefa
com a qual o observador se defronta é a da construção de uma escala. O médico que
encontrou uma mancha nos raios X e a reconheceu como sendo um tumor, vai avaliar a
profundidade deste baseando-se na densidade da mancha (que ele pode medir).
Constantemente, estamos nos valendo de escalas de sensação. Por exemplo, quando
estimamos a distância até uma árvore ou o tempo que passou desde que o filme
começou.
Estas quatro tarefas perceptivas, detecção, discriminação, reconhecimento e formação
de escalas, são os temas principais da Psico física. Relacionam sensações com valores
físicos do estímulo. Para o estudo científico destas tarefas, foram desenvolvidos os
métodos de medição — métodos psicofísicos — que são utilizados na quantificação na
maioria dos estudos de percepção.
2.1. Detecção
O problema básico de qualquer sistema sensorial é detectar a presença de alterações de
energia no ambiente, ou seja, a presença de estímulos, sejam estes olfativos, gustativos,
visuais, auditivos etc. Para que ocorra a detecção da energia por algum de nossos
sistemas sensoriais, é preciso haver um mínimo de energia presente, que corresponde ao
limiar absoluto.
O conceito de limiar absoluto foi introduzido, em Psicologia, por Johann Herbart, em
1824, ao escrever a respeito de limiar de consciência. Ou seja, uma “idéia” somente se
tornaria consciente para o observador se tivesse uma certa “força”, do contrário
permaneceria no inconsciente. Gustav Fechner retomou este conceito e o aplicou
diretamente ao conceito de sensação, tal como é empregado ainda hoje. Portanto, um
estímulo de energia inferior ao limiar absoluto nunca é percebido. E acima do valor de
limiar sempre seria percebido. Observa-se, no entanto, que o valor do limiar não pode
ser fixado tão precisamente. E impossível estabelecer um limite exato entre estímulos
supra e subliminares. Valores de estímulo próximos ao limiar absoluto ora são
percebidos ora não, o que implica dizer que o limiar absoluto flutua em torno de um
valor, o que pode tanto ser devido a flutuações intrínsecas do limiar decorrentes de
modificações na sensibilidade, como a lapsos de atenção por parte do sujeito que se sub-

36

37

mete ao experimento, fadiga e outras variações de cunho psicológico ou fisiológico.


Devido a esta flutuação do valor de limiar, foi necessário para sua determinação
desenvolver métodos específicos que envolvessem um critério estatístico.
Os principais métodos psicofisicos são: método dos limites e método dos estímulos
constantes.
2.1.1. Método dos limites
A forma mais intuitiva para a determinação de um limiar absoluto seria apresentar a um
sujeito, sob condições bem controladas, um valor de estímulo imperceptível
(subliminar) e aumentá-lo, gradativamente, até que fosse percebido. O valor de
transição seria o limiar absoluto. Pelo método dos limites, o limiar é determinado
exatamente assim. Mas, devido à flutuação do limiar, não é suficiente se fazer apenas
uma determinação, mas várias, obtendo-se, finalmente, a média de todas as
determinações. Ainda como um controle adicional, também seriam apresentadas séries
de estímulos iniciadas com valores bem acima do limiar e diminuídos gradativamente,
até que o sujeito deixasse de perceber o estímulo. Como o valor do estímulo diminui
nestas apresentações, elas são chamadas de séries descendentes. As primeiras são
chamadas de séries ascendentes. Costuma-se alternar os dois tipos de séries, procurando
apresentar pelo menos umas dez séries ao todo. Esta alternação de séries visa compensar
os erros de habituação de série que podem ocorrer na determinação de um limiar pelo
método dos limites.
Há dois tipos de erros de habituação: 1) erro de antecipação, quando o sujeito sente uma
pressão psicológica muito grande para inverter seu julgamento, pelo simples fato de já
ter emitido um mesmo julgamento repetidas vezes (por exemplo, o sujeito não percebe o
estímulo numa série ascendente — pois está subliminar —, então, sabendo que a
intensidade do estímulo está aumentando gradativamente, acredita que já deve ter
chegado o momento de perceber o estímulo e, por isto, inverte seu julgamento; o
inverso ocorreria numa série descendente). 2) Erros de persistência: o sujeito mantém o
julgamento anterior por muito tempo, e só quando o estímulo, numa série ascendente, já
está bem perceptível, se dá conta de que já o percebe; ou, numa série descendente, que
deixou de percebê-lo. O fato de o sujeito apresentar erros de antecipação ou persistência
tem relação com sua personalidade, o que pode ser controlado em parte pelas instruções
fornecidas pelo experimentador. A alternância de séries ascendentes e descendentes
compensa os dois erros, uma vez que o sujeito apresente sempre um só tipo de erro. Na
figura 2.1 estão apresentados os dados de um experimento de determinação de um
limiar auditivo, com os respectivos cálculos estatísticos e a maneira prática de dispor a
folha de registro para um experimento deste tipo.

Séries de apresentação

Figura 2.1. Folha de registro, com dados, para a determinação de um limiar auditivo
pelo método por limites. Como valores de estímulos a serem apresentados, foram
escolhidos 10 valores, de modo que se tivesse certeza de que a menor intensidade (10
dB) nunca poderia ser ouvida, e a maior intensidade (100 dB), sempre. Desta forma, o
limiar auditivo absoluto necessariamente cai entre estes valores. As séries de
apresentação dos estímulos são alternadamente ascendentes e descendentes. As setas
indicam a direção de apresentação dos estímulos. Dez séries correspondem a um
número mínimo de séries, sendo que 10 a 12 valores discretos de estímulos devem ser
utilizados. As séries de apresentação são interrompidas na primeira inversão de
julgamento. Assim, numa série ascendente, os primeiros julgamentos serão “não ouço”
(—), até atingir-se um valor no qual o sujeito dirá “ouço” (+). Neste momento, a série
de apresentação pode ser interrompida, para se passar à próxima série. As séries não
devem ser iniciadas todas nos mesmos valores, para evitar que o sujeito simplesmente
inverta seu julgamento após um número fixo de apresentações. O limite de série
corresponde ao ponto médio numa inversão. O limiar é calculado pela média aritmética
dos limites de série. Pode-se, a fim de analisar o padrão de respostas do sujeito, obter
separada- mente o limiar para as séries ascendentes e descendentes, ou para a primeira e
segunda parte do experimento. A vantagem deste método está em sua simplicidade.
Talvez o maior inconveniente do método dos limites, tal como foi apresentado aqui, seja
o fato de que inúmeros estímulos apresentados na verdade não entram no cálculo do
limiar, prolongando desnecessariamente um experimento. Por esse motivo, Cornsweet
(1962) criou uma variante do método dos limites, denominada método da escada dupla.
Neste mé Valore

do estimulo (intensidade sonora em dB)

limites de série (45+55+65+55+55+65+45+45+65+55)


Limiar = = =
n 10
Limiar = = 55 dB
lo

38

39

lo - -

20 - - - -

30 - - - - -

40 - - - - - -

50 + - - - - ÷ + - -

60 + - i- + - + - +

70 + + + + + + +

80 + + + + +

90 + + + +

100 + +

Limites da série (dB) 45 55 65 55 55 65 45 45 65 55


todo, também se utiliza uma série ascendente e uma descendente, alternadamente. Mas,
de cada série, é apresentado um só valor de estímulo, alterando-se a direção da série
após cada mudança de julgamento do sujeito (mudança de “perceber” para “não-
perceber” ou vice-versa). O limiar é calculado simplesmente pela média aritmética de
todos os valores apresentados após a primeira inversão de cada série. A figura 2.2
mostra um exemplo de aplicação deste método simples e rápido para a determinação de
limiares.

• 70÷70+80+60+70+80+60+90+70+80÷80+90÷70÷8O+80+90+70+80+60÷70
Limiar =

1.500
Limiar = 75 dB 20

Figura 2.2. Folha de registro com dados, para a determinação de um limiar absoluto
pelo método da “escada dupla”. Este método, derivado do método dos estímulos
constantes, também se vale de duas séries (a e b) em alternação simples (pode ser
também alternação aleatória). De cada série é apresentado um só valor. Se a resposta a
uma apresentação numa série a for “não”, a próxima apresentação para esta mesma série
a será de um valor imediatamente maior (mais intenso). Por outro lado, se a resposta for
“sim”, a próxima apresentação será de um valor imediatamente menor. Esta é a única
regra que governa os valores apresentados. E preciso lembrar ainda que as duas séries, a
e b, são totalmente independentes durante a apresentação. De forma análoga no método
dos limites, deve-se partir de 10-12 valores de estímulos, O número de séries deverá ser
acima de 30. O limiar é calculado pela média aritmética de todos os valores
apresentados, sem levar em conta se são de séries a ou b, ou se tiveram resposta “sim”
ou “não”, após o primeiro “contato” das duas séries. A vantagem deste método está no
número bem menor de apresentações do estímulo para determinação do limiar.

2.1.2. Método dos estímulos constantes

Consiste no segundo método clássico, ainda desenvolvido por Fechner. Neste método,
apresentam-se, repetidas vezes, valores de estímulos muito próximos ao suposto limiar
(que deve ser estimado previamente por algumas séries do método dos limites). Em
geral, escolhem-se por volta de 10 valores próximos ao limiar. Num experimento ideal,
os valores de menor magnitude serão subliminares (nunca serão percebidos no
experimento) e os de maior magnitude serão supraliminares (e serão percebidos em cada
tentativa em que forem apresentados). Cada valor de estímulo deve ser apresentado o
maior número de vezes possível (nunca menos de 10), de maneira aleatória. Determina-
se, então, a freqüência de percepção para cada valor. O limiar absoluto corresponderá ao
valor de estímulo que foi percebido 50% das vezes. Este valor pode ser estimado
estatistícamente ou determinado de forma gráfica, como mostra a figura 2.3, na qual se
apresenta a determinação de um limiar pelo método dos estímulos constantes.
O limiar determinado pelo método dos estímulos constantes seria muito preciso se a
resposta do sujeito dependesse unicamente do valor de estímulo apresentado. Mas isto,
infelizmente, não ocorre. Há outros fatores que influenciam a resposta do sujeito e nada
têm a ver com a intensidade do estímulo. O que mostra que um limiar absoluto não é tão
“absoluto” assim: é sempre “relativo” às outras condições que atuam sobre a resposta do
sujeito. Os outros fatores que influenciam a resposta do sujeito, e, portanto,
indiretamente, o limiar medido, são estudados pelo que se convencionou de teoria de
detecção de sinais.
O primeiro fator que influencia as respostas do sujeito é a sua motivação em dizer sim
(percebo o estímulo) ou não (não percebo o estímulo). Num experimento de detecção, o
sujeito, sabendo que o estímulo às vezes sub e às vezes supraliminar é apresentado em
cada tentativa, pode dizer sempre “sim”, simplesmente por se sentir motivado,
apresentando um limiar muito baixo e, assim, gabando-se de uma “supervisão” ou
“superaudição”. E claro que o experimentador perceberia imediatamente a artimanha do
sujeito e o repreenderia por sua falta de colaboração com o experimento. Uma maneira
de “pegar” o sujeito mais facilmente nesse comportamento pouco simpático, é
introduzir tentativas-armadilha, nas quais nenhum estímulo é apresentado. Se o sujeito
disser um “sim” numa tentativaarmadilha, estará desmascarado, e o experimentador
poderá “puni-lo” para extinguir este comportamento, pois, sem a punição, o sujeito
poderá continuar neste padrão de respostas. Por outro lado, se o experimentador resolver
punir somente as respostas “sim” às tentativas-armadilha, o sujeito poderá passar a
responder sempre “não”, só para esquivar-se de todas as punições. Assim, novamente, o
limiar medido não corresponderá ao real. O que o experimentador precisa fazer é punir
as respostas “sim” em tenta-

Séries
valores após cruzamento = Limiar =

Cruzamento das duas séries

40

41

Intensidade luminosa (unidades arbitrárias)

b 100
90
80
70
60

E
a
a
o
o.
a
e

Figura 2.3. a) Tabela de dados obtidos num experimento de determinação de limiar


absoluto de intensidade luminosa. A intensidade luminosa está expressa em unidades
arbitrárias, sendo que previamente foi determinado “a grosso modo” (fazendo-se
algumas séries pelo método dos limites) que o limiar absoluto realmente se situa, para o
sujeito estudado, entre as intensidades 10 e 90. Em seguida, os 9 valores de intensidade
(10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, 90) foram apresentados ao sujeito numa seqüência
aleatória, até que cada um dos valores tivesse sido apresentado por 10 vezes. Portanto,
ao todo foram apresentados 90 estímulos. Para cada valor de intensidade luminosa foi
então determinada a proporção (porcentagem) de respostas “sim, vejo a luz”. b) Os
resultados do protocolo a foram apresentados graficamente, a fim de que pudesse ser
determinado o limiar absoluto. A curva contínua corresponde a uma ogiva interpolada
“a olho” (naturalmente também é possível fazer-se uma determinação matemática
utilizando-se o método dos quadrados mínimos para determinação da interpolatriz). O
limiar corresponde ao valor de intensidade que é percebido em 50% (metade) das
apresentações. Portanto, traçando-se uma linha na altura de 50% de respostas “sim” até
a interpolatriz e verificando-se a que valor de intensidade corresponde, obtém-se o
limiar absoluto. Este valor, determinado graficamente, pode também ser determinado
matematicamente, bastando lembrar que corresponde à determinação da mediana.

Sim

a
a
a
o
o.
a
a
Não

Figura 2.4. Resultados possíveis num experimento no qual o sujeito se depara com duas
situações: presença de um sinal (s) ou ausência deste sinal (ruído-n). Em cada tentativa
o sujeito deve dizer se o sinal foi apresentado ou não. A ausência de sinal é chamada de
ruído, uma vez que sempre ocorre alguma estimulação ou ruído de fundo que pode
provir da aparelhagem que produz o sinal, do ambiente externo ou do próprio sujeito
com suas expectativas. Há dois resultados desejáveis - o acerto e a rejeição correta - e
dois resultados indesejáveis - a omissão e o alarme falso. Observe e avalie se cada
resultado tem seu valor intrínseco, pois em determinadas situações os acertos podem ser
muito importantes, e as rejeições corretas-menos importantes, ou vice-versa. Ou, então,
os resultados são indesejáveis se possuem valores diferentes. Além dos valores
intrínsecos que os diferentes resultados possuem, pode- se criar valores artificialmente,
através de uma matriz de pagamento que pune e reforça diferencialmente os resultados.
As respostas do sujeito vão depender da matriz de pagamento.

a
a
a
‘o
c
a
a
a
a
a.
a
a
z

tivas-armadilha (chamadas de alarmes falsos) e reforçar as respostas “sim” quando


efetivamente esteve presente um estímulo (chamadas de acerto). E preciso também
estabelecer uma matriz de pagamento, pois, havendo tentativas com e sem estímulo
(chamadas de sinal e ruído) e respostas “sim” e “não”, temos, ao todo, quatro situações
possíveis, como na figura 2.4. Precisamos recompensar o acerto e a rejeição correta, e
punir o erro e o alarme falso. Num experimento de laboratório, a matriz de pagamento é
representada por fichas, dinheiro, pontos ou algo semelhante. Na vida real, é dada por
outras motivações. Por exemplo, o custo de um alarme falso para um operador de radar
na fronteira de um país é muito grande, pois, se o ponto luminoso observado na tela do
radar não for um avião inimigo, milhões serão gastos no disparo de foguetes, pode
ocorrer um incidente diplomático ou a destruição de um avião nacional. Por outro lado,
o custo da omissão de um médico em detectar câncer numa radiografia é muito alto,
conquanto o custo de um alarme falso seja relativamente baixo (levaria o paciente a
fazer alguns exames a mais). Portanto, em nossa vida diária, as inúmeras “detecções”
são controladas por matrizes de pagamento inconscientes, na maioria das vezes. E
bastante óbvio como a ma 40

30
20
10

Limiar
10 20 30 40 50 60 70 80 90

Estimulação

Sinal lsl

Ruído ln)

42

43

10 20 30 40 50 60 70 80 90

1 n n n s 5 n s s s

2 n n s n s s s s s

3 n n n s n s s n s

4 n s n s n ri n s s

5 n n n ri s n s s s

6 ri n s n n n s s s

7 ri n n n s s s s s

8 n ri n n s s ri s s

9 n n n s s s s n s

10 n n ri n n s ri s 5

% Sim O 10 20 40 60 60 80 100 100

Acerto Alarme falso

Omissão Rejeição
correta

triz de pagamento influencia o limiar de detecção: o sujeito procurará otimizar seu


ganho, adotando um critério de respostas mais ou menos rígido. Há formulações
matemáticas que relacionam os diversos valores da matriz de pagamento para estimar o
critério do sujeito.
Não é somente a matriz de pagamento que influencia as respostas do sujeito num
experimento de detecção, mas também o número de vezes que o estímulo é apresentado
em relação às apresentações-armadilha, além, é claro, do limiar absoluto propriamente
dito, que o sujeito tem para o estímulo em causa, ou seja, a intensidade real do estímulo.
Em teoria de detecção de sinais, as tentativas-armadilha são denominadas ruído, isto é,
há apenas estimulação aleatória, e não aquela que nós queremos detectar. Imagine que
se queira detectar as luzes de um avião num céu estrelado. As estrelas serão o ruído e a
luz do avião, o estímulo. Se num experimento, na maioria das vezes, for apresentado
apenas o ruído, sem estímulo, o sujeito dirá “não” com freqüência cada vez maior,
diminuindo desta forma a possibilidade de alarmes falsos. Ao contrário, se o estímulo
quase sempre for apresentado, o sujeito tenderá a dizer sempre “sim” para evitar as
omissões. Esta tendência é óbvia: se, sempre que ouvimos um som, também vemos uma
luz, depois de algum tempo nem vamos olhar mais, pois iremos supor que a luz está
presente, mesmo que não esteja mais.
Portanto, a resposta do sujeito será determinada pela matriz de pagamento, pela
probabilidade de, em uma tentativa, haver apenas o ruído ou o sinal e, obviamente, pela
intensidade do estímulo. E possível relacionar estes três fatores matematicamente entre
si, e a partir disto conhecer muito sobre o limiar absoluto e o próprio critério de
respostas do sujeito. Na figura 2.5, apresenta-se um exemplo que elucida um pouco
mais a teoria de detecção de sinais aplicada à Psicologia da Percepção.

2.2. Discriminação

A questão colocada pela discriminação é saber quanto dois estímulos devem diferir para
que sejam percebidos como diferentes. E preciso definir em que dimensão se dá a
diferença, pois duas luzes, apesar de terem a mesma cor, podem ter brilhos diferentes
ou, ao contrário, podem ter cores diferentes e brilhos iguais. E preciso fixar todas as
dimensões e variar apenas uma, como é feito nos experimentos de laboratório que
estudam problemas de discriminação. Nestes experimentos de discriminação, o
propósito geral é determinar o limiar diferencial, isto é, a mínima diferença, perceptível
pelo sujeito entre dois estímulos. Para tanto, utilizam- se um estímulo padrão e vários
estímulos de comparação, que são julgados como sendo mais intensos (maiores, mais
brilhantes, mais pesados etc.), iguais, ou menos intensos. Alguns estudos mostram que é
conveniente eliminar o julgamento de igualdade, pois este é muito susceptível às
instruções dadas aos sujeitos. Pelas instruções, o sujeito pode ser compelido a

Figura 2.5. Na teoria de detecção, considera-se que a situação normal, isto é, ausência
do estimulo, corresponde a uma situação de ruído n (noise em inglês). A presença de um
estímulo corresponde à situação de sinal (na verdade a soma de ruído + sinal). Cada
uma das situações provoca com certa probabilidade sensações ao longo do contínuo
sensorial, o que é representado em a. A tarefa do sujeito é diferenciar em cada tentativa
se se tratou de ruído (n) ou sinal (s). Esta diferenciação não é imediata, pois as duas
curvas têm uma zona de sobreposição, isto é, onde a mesma sensação poderia ser
interpretada tanto como n ou s. Nas figuras b e c estas zonas estão marcadas. Em b esta
zona é grande, pois a curva de n sobrepõe em grande parte a curva de s, ou seja, o sinal
pode ser diferenciado do ruído apenas com grande dificuldade. A distância entre as duas
curvas é chamada de d’. Na figura e, sinal e ruído são muito diferentes, isto é, provocam
sensações bem distintas. O valor de d’ conseqüentemente é grande. Do valor de d’
dependerá a facilidade com a qual o sujeito consegue distinguir o sinal do ruído. Mas
como em todos os casos existe uma zona de sobreposição onde os estímulos podem ser
confundidos, o sujeito procura estabelecer um critério (B) que fixa um valor de sensação
a partir do qual emitirá o julgamento “sim” (isto é, “sim, percebi o sinal”) e abaixo deste
valor emitirá o julgamento “não” (isto é, “não percebi o sinal’ trata-se portanto de um
ruído). As figuras d e e ilustram isto, mostrando uma situação de critério relaxado ( na
qual o sujeito julga muitos valores de sensação como provenientes do sinal, e portanto
comete muitos alarmes falsos. Ao contrário, numa situação de critério estrito (e), o
sujeito cometerá muitas omissões. Onde o sujeito vai posicionar seu critério depende de
uma série de fatores, como a proporção de situações de sinal/ruído, a valorização de
cada tipo de erro (omissão em alarme falso), as instruções que o sujeito recebe e sua
própria atitude com o experimento.
b

Distribuição do ruído
a
Distribuição de
1 + ruído
b Contínuo sensorial
e

Não...— —-Sim
— critério relaxado

= critério estrito

44

45

Séries de apresentação

dizer “igual” sempre que não puder definir exatamente se um estímulo é mais intenso
que o outro ou não (haverá muitas respostas “igual’ sempre que o sujeito estiver em
dúvida). Ou, então, poderá, dizer “igual” apenas quando tiver certeza de que os dois
estímulos são realmente iguais (haverá poucas respostas “igual”). Prefere-se, portanto,
fazer um experimento de “escolha forçada”, obrigando o sujeito a optar por “mais” ou
“menos” em cada tentativa. Os resultados de experimentos com escolha forçada se
mostram mais precisos e facilitam o cálculo do limiar diferencial.
Para a determinação do limiar diferencial podem ser utilizados os mesmos métodos
empregados na determinação de um limiar absoluto. Na figura 2.6, há um exemplo de
determinação de limiar diferencial pelo método dos limites, e na figura 2.7, um exemplo
de limiar diferencial calculado pelo método dos estímulos constantes, deixando claro
que o limiar diferencial é uma medida de variabilidade.
O ponto onde a probabilidade de julgamento “maior” ou “menor” é igual, isto é, 50%, é
denominado ponto de igualdade subjetiva (PIS). Corresponde ao valor que,
subjetivamente, parece ao sujeito ser igual ao estímulo padrão. A diferença entre o ponto
de igualdade subjetiva e o estímulo padrão é denominada erro constante. Admitia-se que
o erro constante surge porque o estímulo padrão e o estímulo de comparação não eram
julgados simultaneamente, mas sim, em geral, um após o outro. Quando um estímulo de
comparação é julgado, a “imagem mental” do estímulo padrão já se esvaneceu um
pouco. Por isto, o erro constante era chamado de erro de tempo. No entanto, a
explicação do esvanecimento da imagem do estímulo padrão se mostrou falsa: o erro de
tempo, ou erro constante depende, simplesmente, de fatores de configuração do
estímulo padrão e de comparação que não são controláveis pelo experimentador.
Os pontos onde a probabilidade de resposta “mais intenso” (ou “menos intenso”) é 25%
e 75% correspondem a valores que são discriminados com 50% de probabilidade, ou
seja, que são discriminados do estímulo padrão em 50% das apresentações, como pode
ser visto na figura 2.6. A distância entre estes dois pontos corresponde ao intervalo de
incerteza, cuja metade é o limiar diferencial, também denominado diferença apenas
perceptível (DAP). Portanto, o sujeito é capaz de discriminar dois estímulos que distam
entre si pelo menos uma DAP. A figura 2.8 apresenta duas curvas de discriminação, uma
de discriminação precária (limiar elevado) e outra de boa discriminação, mostrando que
a inclinação da curva de discriminação é um indicador do limiar de discriminação.
Vimos que o limiar diferencial é determinado em função de um estímulo padrão, que é
mantido constante no decorrer de um experimento. Parece óbvio que o valor do limiar
diferencial varia em função do estímulo padrão. Se, por exemplo, conseguimos
discriminar um peso de 1.000 g de outro de 1.100 g (limiar diferencial DAP = A 1 = 100
g), é óbvio que não conseguiremos discriminar 10.000 g de 10.100 g (A 1 = 100 g). Tal-

lx — x)2
LD desvio padrão dos limites de série = a = ‘4I 1 4,83
Figura 2.6. Determinação do limiar diferencial de intensidade luminosa pelo método
dos estímulos constantes. A intensidade luminosa está indicada em unidades arbitrárias,
O estímulo padrão (Sp) tem intensidade 25. Em cada apresentação os estímulos de
comparação (Sc) são comparados ao Sp e julgados como menos intensos (m) ou mais
intensos (M). No demais, o método é igual ao apresentado na figura 2.1 para a
determinação de um limiar absoluto. A média aritmética dos limites de série
corresponde agora ao ponto de igualdade subjetiva (PIS), que é o valor de estímulo que
em média parece para o sujeito ter a mesma intensidade que o Sp. A diferença entre PIS
e Sp dá o erro constante (EC). Neste exemplo em particular o EC é extremamente
grande, mostrando que possivelmente houve um erro entre o Sp e os Sc, provavelmente
decorrente da calibração do aparelho, ou, então, que o método de comparação deixava
os Se parecerem muito mais escuros. O limiar diferencial (LD) corresponde a alguma
medida de variabilidade dos limites de série. Para tanto há várias possibilidades, mas as
mais comuns são a semi-amplitude de variabilidade e o desvjo padrão dos limites de
série. Ambos os valores estão calculados acima. A semi-amplitude de variabilidade
corresponde à metade da diferença entre o maior e o menor valor dos limites de série, O
desvio padrão é calculado da maneira habitual.
vez precisemos de 11.000 g (A 1 = 1.000 g) para notar uma diferença de peso. Ernst
Heinrich Weber (1834) mostrou que havia uma relação constante entre o limiar
diferencial (A 1) e o valor de estímulo padrão (ou intensidade do estímulo 1), ou seja, A
1 = KI (K constante de proporcionalidade). Fechner denominou a relação K = A 1/1
fração ou constante de Weber. Ela corresponderia a uma função constante, ou seja, para
discriminar dois estímulos entre si, é preciso diferenciá-los por uma proporção
constante.

Intensidade luminosa (Sc)

Intensidade padrão (Sp)—’-25

m
m

Limites de série 32,5 37,5 27,5 32,5 37,5 42,5 32,5 37,5 32,5 42,5
Ponto de Igualdade Subjetiva = limites de séries
n 10
Erro Constante = EC = PIS — Sp = 35,5 — 25,0 = 10,5 42,5 — 32,5
Limiar Diferencial = LD semiamplitude de variabilidade = = 5,0
2

46

47

5 m

10 m m m

m
15 m m m m

30 m M m m m m

35 M m M m M m M

40 M M M m M m

45 M M M M M

50 M M M M
Intensidade luminosa Sp

‘1
a,
‘o
a,
ai
‘1
a,
a,
ai
z

b%

100

80

60

40

20

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Figura 2.8. Resultados de um experimento de discriminação (limiar diferencial) para


unidades arbitrárias de um estímulo. A curva A corresponde aos resultados de um sujeito
de pequena capacidade de discriminação uma vez que o LD, que seria a metade do
intervalo de abscissa correspondente a 25¾ e 75¾ de respostas “maior”, é de mais de 2
unidades de abscissa. Já a curva B corresponde aos resultados de um sujeito de ótima
capacidade discriminativa. O LD corresponde a 0,5 de unidade da abscissa. Os
exemplos mostram claramente que a inclinação das curvas de discriminação indica a
sensibilidade do sujeito em diferenciar os estímulos.
A figura 2.9 mostra o gráfico da fração de Weber, tal como assumida por ele e por
Fechner, bem como os dados reais de um experimento. Fica evidente que a lei de Weber
é válida para uma ampla gama média dos estímulos. Mas há desvios grandes da relação
nos extremos da faixa de variação do estímulo padrão. Este resultado é esperado, pois,
quando o padrão se aproxima do limiar absoluto, o aparelho sensorial em causa está
operando no limite de sua sensibilidade. Por isto, para diferenciar dois estí Figur

2.7. Exemplo dc um e\perirnento no qual foi determinado o limiar diferencial de


intensidade luminosa pelo método dos estímulos constantes, a) A intensidade luminosa
é indicada em unidades arbitrárias de 5 a 50. O estímulo padrão (Sp), em relação ao qual
foi determinado o limiar diferencial, tinha uma intensidade igual a 25. Cada um dos 10
valores de intensidade (5, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 40, 45 e 50) foi apresentado por 10
vezes, sempre pareado com o Sp (25) em ordem completamente casual. O sujeito foi
instruído a julgar o estímulo de comparação (Sc) em relação ao Sp, sendo que lhe eram
permitidos três julgamentos: 1) Se tem menor intensidade que Sp (—); 2) Se tem
intensidade igual a Sp(=), e 3) Se tem intensidade maior que Sp (+). Para cada valor de
Se calculou-se a porcentagem de cada um dos três tipos de resposta, que aparecem nas
três últimas linhas da figura a. b) Representação gráfica dos resultados. A determinação
do limiar diferencial (LD), ponto de igual-

dade subjetiva (PIS) e erro constante (EC) pode ser feita matematicamente ou
simplesmente de forma gráfica. O PIS pode ser considerado o valor de abscissa no qual
as curvas (—) e (+) se cruzam, ou então o ponto máximo da curva (=). No caso, ambos
os valores são coincidentes e iguais a 25, o que resulta num EC = O (EC PIS - Sp). O
limiar diferencial pode ser tomado como o valor no qual o julgamento (=) seja
igualmente frequente aos julgamentos (+) e (—). No exemplo teremos LD = 25 - 14 =
11 ou LD = 36-25 11. No caso os valores são coincidentes, mas poderiam não ser se os
resultados não fossem simétricos. Neste caso pode-se tomar a média dos dois LDs
calculados. O experimento também pode ser feito permitindo-se ao sujeito apenas
julgamentos (+) e (—). Os cálculos e resultados são semelhantes. Neste caso, o LD é
determinado em função dos valores da abscissa que correspondem respectivamente a
25% e 75% de respostas (+) ou (—). Estas percentagens são arbitrárias, mas comumente
empregadas neste tipo de cálculo.

a
5 10 15 20 30

35 40 45 50

2
3
4
5
6
7
8
9

100
90
80
.2 70
E
60
a
a,
50
o
• 40

ri

Intensidade do estímulo

Intensidade

48
49

1 — — = = = = + + +


— = = = = = + + +

— — = — = + = + + +


— = = = = = = + +

— — = = = = + = + +


— — = = = = + + +


— — = = + = + = +

— — = = + = = + + +


— — = = = + + + +


10 — = = — = + = = +

— 100 90 40 20 10 O O O O O

%= O 10 60 80 80 80 70 30 20 O

%+ O O O O 10 20 30 70 80 100

Figura 29. A curva A (no caso uma reta) representa a fração de Weber ±j ideal, ou seja,

trata-se de uma curva de um valor constante para todos os valores de intensidade 1. A


curva
B representa a curva da fração de Weber usualmente obtida para a maioria dos
contínuos
físicos (estímulos): para valores de intensidade (1) baixos, próximos ao limiar absoluto
(LA),
a fração de Weber torna-se muito grande, sendo que são necessárias diferenças grandes
entre
estímulos para que possam ser discriminados. Na região central do contínuo de
estimulação
a fração de Weber é aproximadamente constante. Próximo ao limiar terminal (LT) a
fração
de Weber assume novamente valores maiores.

Figura 2.10. O limiar diferencial para um contínuo sensorial qualquer pode ser
determinado pela utilização de uma técnica da teoria de detecção de sinais,
apresentando-se o estímulo padrão (que corresponde ao ruído n) e o estímulo de
comparação (que se diferencia muito pouco do primeiro e corresponde ao sinal s). Em
seguida, o sujeito em cada tentativa deve dizer qual é o estímulo menor ou maior,
assumindo, por exemplo, 5 níveis de certeza: 1) se ele estiver absolutamente certo que é
menor; 2) se tem alguma certeza que é menor; 3) se não sabe; 4) se tem alguma certeza
que é maior e 5) se tem absoluta certeza que é maior. Cada um destes tipos e respostas
corresponde a um critério B (veja fig. 2.5). Em seguida, com estes dados traça-se
graficamente a relação entre a probabilidade dos alarmes falsos e acertos. Supondo-se
que o número de tentativas de sinal e ruído seja idêntico, e que o sujeito não consiga
discriminar os estímulos, a probabilidade de alarme falso é igual à probabilidade de
acertos p (alarme falso) p (acerto), e disto resultará a curva d’ = O da figura. Quanto
mais o sujeito conseguir discriminar os estímulos, tanto maior será o valor de d’ obtido.
O valor de d’ corresponde ao limiar diferencial.

tempo de reação de escolha, quando há, por exemplo, vários botões, e o sujeito deve
pressionar aquele que corresponde a determinado estímulo que, ao ocorrer, foi
discriminado de todos os outros. Seja qual for o paradigma experimental utilizado,
mostra-se que o tempo de reação diminui quanto mais diferenciáveis forem os estímulos
entre si. O leitor mesmo pode comprovar isto, medindo o tempo que leva para separar
um baralho, uma vez em naipes pretos e vermelhos e, na outra, em copas mais paus e
em ouros mais espadas. Na figura 2.11, são apresentados dados de discriminação de
comprimento de retas a partir do tempo de reação.

mulos, é preciso uma diferença muito maior que a prevista pela fração de Weber para
um sistema sensorial em particular. A situação é idêntica quando o estímulo padrão
atinge valores próximos ao limiar terminal (intensidade máxima à qual o aparelho
sensorial responde normalmente — com valores maiores de estímulo pode haver lesão
dos órgãos sensoriais, como na visão, ou dor, como na audição).
A discriminação também pode ser encarada do ponto de vista da teoria de detecção de
sinais, assim como o limiar absoluto (detecção), considerando que há tentativas nas
quais é apresentado apenas o estímulo padrão (ruído) ou o estímulo de comparação
(sinal). A figura 2.10 mostra um exempio com a devida explicação e as decorrêncías de
um experimento deste tipo.
Um outro modo de estudar a discriminação de estímulos é pelo tempo de reação. Esta é
uma das formas mais antigas de medição em Psicologia da Percepção. Foi amplamente
empregada por Herinann Helmholtz (1850) e por Wundt (1879). Pode-se diferenciar
dois tipos de tempo de reação: tempo de reação simples, quando há, por exemplo, um
botão que o sujeito deve pressionar sempre que discriminar um estímulo diferente, e

1,0

0,75

E
0
o
t
e
o
e
0
0
e
e
o
o.

Fração de Weber

0,50

0,25

o 0,25 0,5 0,75


Probabilidade de alarme falso p(sim/n)

1,0

LA LT

1 (intensidade do estímulo padrão)

50

51

-.--_
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Diferença no comprimento (milímetros)
Figura 2.11. Neste experimento os sujeitos tinham que separar cartões em pilhas, de
acordo com o comprimento de duas linhas traçadas nos cartões. Uma das linhas sempre
media 45 mm, e a outra, sempre mais longa, media de 1 a 11 mm a mais. Mediu-se o
tempo total que o sujeito levava para fazer a separação de acordo com as diferenças de
comprimento. O tempo total corresponde à soma dos tempos de reação frente a cada um
dos cartões. Nitidamente se observa que quanto maior a diferença de comprimento, mais
rapidamente o sujeito consegue formar as pilhas, pois o tempo de reação frente a cada
cartão é menor.
2.3. Reconhecimento
O observador constantemente se depara com a tarefa de reconhecer, isto é, identificar
estímulos, saber do que se trata além de simplesmente detectar sua presença. O
interessante é que, muitas vezes, antes de reconhecer um estímulo, detecta-se sua
presença. Isto mostra que se trata, realmente, de dois processos distintos. Muitas vezes é
preciso, por exemplo, olhar por mais algum tempo antes de reconhecer o estímulo
detectado. Existe uma hierarquia da percepção. Há, inicialmente, a detecção do estímulo
e depois seu reconhecimento, sendo que mais energia é necessária para que se atinja o
estágio do reconhecimento.
Intuitivamente, pode-se concluir que o número de alternativas, isto é, o número de
diferentes estímulos possíveis determina a dificuldade de reconhecimento. Se o sujeito
sabe que apenas um tipo de estímulo pode ocorrer, e ele observa (detecta) algo, saberá
imediatamente que se trata daquele único estímulo que pode ocorrer. Mas, se existem
duas alternativas, há 50% de probabilidade de acertar ao acaso qual estímulo foi
detectado. Portanto, o reconhecimento é fácil. Se existem 100 alternativas, a pos-

sibilidade de acertar ao acaso se reduz para 1/100. Se o estímulo for corretamente


reconhecido, pode-se ter quase certeza de que o sujeito não adivinhou, mas que extraiu
do estímulo aquela porção de energia (ou informação) a mais que é necessária para
passar da simples detecção ao reconhecimento. Portanto, se, num experimento, se quiser
determinar o limiar para o reconhecimento, por exemplo, de uma letra, é preciso levar
em consideração que existem 26 letras diferentes; se forem algarismos, são apenas 10.
Por isto, o limiar de reconhecimento de algarismos será mais baixo, isto é, serão
reconhecidos mais prontamente desde que mantidos constantes todos os outros
parâmetros.
Para lidar com este aspecto do reconhecimento, os psicólogos da percepção tomaram
emprestada a teoria da informação desenvolvida por Shannon e Weaver (1940) e por
Wiener (1948), que na realidade é um sistema da mensuração. Este sistema pode ser
aplicado à percepção na medida em que perceber é extrair informação dos estímulos,
isto é, quanto mais informação o observador obtiver do estímulo (observando por mais
tempo ou com maior atenção; o estímulo sendo mais intenso etc.), maior número de
detalhes será apreendido por ele. Portanto, cada estímulo possui dentro de si uma certa
quantidade de informação que o diferencia de outros estímulos, e que não chega,
necessariamente, ao observador em sua totalidade. E preciso, pois, quantificar a
informação contida num estímulo e também a quantidade de informação transmitida ao
sujeito (ou recebida). A teoria da informação utiliza, para esta quantificação, exatamente
o número de alternativas, como já foi apontado acima. No conjunto de letras A B, cada
letra contém apenas pouca informação, pois são apenas duas alternativas. Já dentro do
alfabeto completo, cada letra contará muito mais informação. No primeiro caso, a letra
A precisa ser diferenciada apenas da letra B. No caso de todo o alfabeto, no entanto, a
letra A precisa ser diferenciada de B, de C, de D e de todas as outras letras. A teoria da
informação utiliza um sistema binário para medir a quantidade de informação. Ou seja,
o número de questões que podem ser respondidas apenas por sim ou não, necessárias
para especificar completamente determinado estímulo no conj unto das alternativas. Se
existem apenas duas alternativas, A e B, uma só questão basta: E A? Se a resposta for
“sim”, trata- se do estímulo A, e se a resposta for “não”, obviamente será o estímulo B.
Se existirem quatro alternativas, A, B, C ou D, duas perguntas serão necessárias para
identificar uma das alternativas: E A ou B em, oposição a C ou D? Se a resposta for
“sim”, a próxima questão será: E A? Se a resposta tiver sido não, a próxima questão
será: E C? Cada questão sempre deverá ser formulada de modo a eliminar exatamente a
metade das alternativas. Cada questão define um “bit” de informação (bit = binary
digit). Portanto, com duas alternativas temos um bit de informação. Com quatro
alternativas há dois bits de informação. A quantidade de informação em bits
corresponde ao logaritmo de base 2 (log2n) do número de al a

e
52
g’ 50 a
o 48
ia
o.
a 46
a
e.
a
a
42
e
e. 40 E
52

53

ternativas: 1og22 1, log4 2 etc. A quantidade de informação pode ser também um


número fracionário, por exemplo, em 11 alternativas, cada estímulo possui 3,46 bits de
informação.
Uma vez conhecida a maneira de medir a informação contida num estímulo, pergunta-se
qual a informação recebida quando o observador percebe o estímulo. Imaginemos que,
num experimento a respeito de percepção auditiva, o sujeito deva identificar letras
ditadas pelo experimentador, mas numa intensidade quase inaudível. O sujeito sabe que
o experimentador pode dizer 8 letras diferentes: A, B, C, D, E, F, G, H. Cada estímulo
contém, portanto, 3 bits de informação (log2 8 3). O sujeito, numa tentativa, ouve um
som “...eeeeeeee. . . ‘. Conclui que a letra dita pelo experimentador foi 8 ou C ou D ou
E, reduzindo as alternativas de 8 para 4; ou seja, foi recebido apenas um bit de
informação e restam ainda 2 bits a serem transmitidos. Existe transmissão perfeita
quando, em cada tentativa, o sujeito reconhece o estímulo, Nenhuma informação é
transmitida quando as respostas do sujeito são totalmente aleatórias. Havendo um
número de acertos (reconhecimentos) maior que o esperado pelo acaso, existe
transmissão de alguma informação, que pode ser estimada a partir da proporção de
acertos.
No entanto, o observador nem sempre pode receber toda a informação transmitida ou
contida num estímulo. Verificou-se, por exemplo, que observadores humanos
conseguem receber apenas 2,3 a 3,0 bits de informação, ou seja, podem lidar,
simultaneamente, com aproximadamente 7 estímulos diferentes. Esta é a capacidade de
canal do observador. Foi determinada em experimentos nos quais o sujeito tinha de
diferenciar um certo número de estímulos entre si. Estes variavam num determinado
contínuo, isto é, numa única dimensão verificando-se que a capacidade de canal era
aproximadamente a mesma para brilho, cor, som, forma etc. No entanto, todos sabem
que qualquer observador pode diferenciar em sua vida normal mais do que 7 estímulos
entre si. Isto ocorre porque os objetos variam em mais de uma dimensão,
simultaneamente (brilho e cor e tamanho e forma etc.). As pesquisas mostram que,
nestes casos, o limite de canal para cada dimensão combina-se com as outras
dimensões. A combinação resulta num valor um pouco inferior à soma simples da
capacidade de canal, para cada dimensão em separado. Um experimento mostrou que
para estímulos variando em forma, cor e posição espacial há uma transmissão de 17 bits,
o que corresponde a 131.072 alternativas.
A medida de quantidade é apenas o aspecto mais simples da teoria de informação.
Outros conceitos desta teoria também se aplicam, de forma bastante prática, ao
problema da percepção. O importante é compreender que o reconhecimento de um
estímulo depende do número de alternativas existentes, da capacidade de canal, do
número de dimensões envolvidas e, por fim, de características próprias do sujeito, que
constituem seu limiar de reconhecimento específico.

2.4. Formação de escalas


Por fim, o observador não está apenas interessado em detectar o estímulo, discriminá-lo
de outros e reconhecê-lo. Ele está interessado em fazer também um julgamento de
magnitude ou intensidade do estímulo. Neste caso, ele enfrenta o problema de formação
de escalas de sensação, pois o julgamento não será do estímulo propriamente dito, mas
da sensação provocada pelo estímulo no sujeito. Há duas maneiras de abordar a
formação de escalas sensoriais. Uma delas baseia-se na afirmação de Gustavo Fechner
(1860) de que não é possível medir uma sensação diretamente, mas apenas de forma
indireta, através de sucessivos limiares diferenciais ou diferenças apenas perceptíveis
(DAP). A idéia de Fechner era determinar o limiar diferencial para cada valor do
estímulo, desde o limiar absoluto até o limiar terminal, cobrindo toda a gama de
variação do estímulo à qual o aparelho sensorial em causa é sensível. Uma escala de
sensação assim construída incorpora três pressupostos básicos: que a DAP é a unidade
de sensação; que diferentes DAPs correspondem a uma mesma sensação e que as DAPs
podem ser somadas para formarem uma escala. E facilmente demonstrável que uma
escala assim construída (o que é bastante trabalhoso) corresponde a uma função
logarítmica do tipo R = K log S, onde R é a sensação, S o valor do estímulo e K uma
constante de proporcionalidade. O interessante é que esta função pode ser deduzida
matematicamente, partindo da lei de Weber ( 1/1 K) e dos três pressupostos citados, e
constitui uma das poucas deduções matemáticas encontradas em Psicologia (veja fig.
2.9).
Em muitos experimentos de determinação de escalas sensoriais, realmente foi
encontrada uma função logarítmica esperada pela lei de WeberFechner (R = K log S).
Mas algumas críticas podem ser feitas a esta formulação. Em primeiro lugar, a função
logarítmica deste tipo prevê sensações negativas (seriam sensações subliminares?; veja
fig. 2.9). Além disto, as DAPs não são verdadeiras unidades de sensação, pois as
sensações parecem ser contínuas. Por fim, as escalas construídas sob os pressupostos
desta teoria são influenciáveis pelas condições do experimento, em especial pelos
valores particulares de estímulo utilizados dentro da gama de variação. Uma escala de
sensação deveria ser independente da situação, por ser intrínseca ao observador.
Em contraposição, S. S. Stevens (1951) mostrou que é possível ao observador construir
escalas diretamente a partir de julgamentos de magnitude. As escalas assim construídas
não são susceptíveis às criticas feitas às de Fechner. Stevens mostra que, fazendo-se um
julgamento direto de magnitude (pede-se ao sujeito que dê medidas em números aos
diferentes estímulos, com ou sem unidades, baseando-se unicamente no princípio de que
estímulos que parecem iguais devem receber números iguais, o que parece ser o dobro
do outro, deve receber um número (magnitude) que

54

55

seja o dobro, e assim por diante — veja fig. 2.12), obtêm-se funções do tipo R KS, onde
R é a sensação, S o estímulo julgado, K uma constante de proporcionalidade e n um
expoente constante para uma determinada dimensão sensorial, mas que assume valores
diversos para cada dimensão sensorial. A figura 2.13 mostra que a forma da função R =
KS pode variar bastante, conforme n < 1, n = 1 ou n > 1. A tabela 2.1 fornece uma
relação de sensações e valores de n correspondentes.
A diferença entre a escala de Fechner e a escala de Stevens pode ser definida no
seguinte sentido: a primeira diz que a razões (proporções) iguais de estímulos
correspondem djferenças iguais de sensações; a segunda afirma que a razões iguais de
estímulos correspondem iguais razões de sensação.
Na prática, podem-se obter escalas de razão (como também são chamadas as escalas de
Stevens) pela estimação direta de magnitude, como
foi explicado na figura 2.12, ou pelo método do fracionamento ou da mul 20

0
a
•0
4-
16
e
E
a
a
E
a
uJ

10

10

12

e,

14

/
/

S = 0,75 1 1,11

16

Magnitude física (II cm

18 20

18

14

12

0
a
c
a
E
a
a
e
E
a
ul

ti)
o
a
a
E
a
a
E
a
a
.3

b
n=1

c
n< 1

Figura 2.12. Em a apresenta-se uma tabela dos resultados de um experimento, no qual o


sujeito deveria julgar o comprimento de 6 linhas (1). A linha mais curta tinha 10 cm e a
mais longa 20 cm. A diferença de comprimento entre elas era de 2 cm. O sujeito julgou
os comprimentos diretamente em centímetros, sendo que cada linha foi julgada dez
vezes. Os resultados que aparecem na tabela são as médias dos 10 julgamentos (S). Na
figura b encontra-se a representação gráfica destes dados. A linha tracejada corresponde
à curva (função de potência) interpolada aos dados pelo método dos quadrados
mínimos. A expressão numérica correspondente é S = 0,75 1.11, mostrando que, para o
julgamento de comprimento de linhas, o valor de n na função de S. S. Stevens (S = KIfl)
é próximo à unidade.

Figura 2.13. a) Representação gráfica das 3 formas muito diferentes que a função de
potência de Stevens, S Kl1, pode assumir para diferentes contínuos físicos e diferentes
valores de n. Na curva A, n > 1, encontra-se o que ocorre, por exemplo, para o
julgamento de magnitude de choques elétricos. Na curva B, n = 1, encontra-se o que
ocorre, por exemplo, para o julgamento de compilmentos de linhas; na curva C, n < 1, o
que ocorre para o julgamento de brilho. b) Apresentação gráfica da função de Stevens
para quatro contínuos físicos diferentes que geram valores de n entre 3,6 (choque
elétrico) e 0,3 (brilho). Observe que agora ambas as escalas (escala física de magnitude
dos estímulos e escala das magnitudes julgadas) estão expressas em unidades
logarítmicas, de modo que as curvas de potência da forma S = Kl geram retas para
qualquer valor de n.

10
12
14
16
18
20

9,7
11,8
14,0
16,2
18,6
20,9

Magnitude do estímulo (1)

Log magnitude do estímulo (Iog 1)

56

57

Tabela 2.1. Expoente da função de Stevens para diferentes Contínuos sensoriais.

E
E
o
E
a.
E
o
Figura 2.14. O gráfico mostra os resultados de um experimento no qual o sujeito devia
estimar a pressão exercida por um peso sobre sua palma da mão através do
comprimento de linhas traçadas numa folha de papel. O procedimento era o seguinte: o
experimentador aplicava um dos pesos sobre a palma da mão do sujeito e lhe pedia para
traçar uma linha correspondente de qualquer comprimento. Em seguida, aplicava-lhe
um segundo peso sobre a palma da mão, e o sujeito traçava uma outra linha
correspondente ao peso, seguindo a regra de que ao dobro da pressão a linha deveria ter
o dobro de comprimento; se a sensação de pressão fosse apenas 1/3 da pressão da
primeira aplicação do peso, a linha também deveria ter apenas 1/3 do comprimento. Os
resultados do gráfico mostram que a curva correspondente é quase linear, pois tanto a
estimação de pressão como de comprimento de linhas resulta em funções de Stevens
com o expoente n próximo da unidade. Como foi explicada no texto, a estimativa da
magnitude entre modalidades sensoriais distintas resulta num coeficiente que
corresponde à relação entre os coeficientes das duas modalidades sensoriais.

80

70

60

50

40

30

tiplicação, no qual o sujeito é convidado a escolher ou formar estímulos que


correspondem a uma fração (1/2, 1/3, 1/4 etc.) ou, respectivamente, a múltiplos (x2, x3,
x4 etc.) de um estímulo padrão.
Outra variação interessante na consrrução de escalas de Stevens é não utilizar
julgamentos em números, mas sim sob forma de outras estimações de magnitude.
Assim, o sujeito pode ser instruído a fazer corresponder, a diferentes intensidades de um
som, diferentes intensidades de luz. O interessante é que se obtêm novas escalas de
razão, nas quais a curvatura (n) corresponde à relação das curvaturas (n1/n2) de cada
uma das dimensões dos estímulos (som e luz). A figura 2.14 mostra um exemplo de um
experimento deste tipo.

20

10

100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Pressão (g*)

58

59

Brilho 0,3

Gosto para sal (NaC1) 0,4

Cheiro para café 0,5

Volume sonoro 0,6

Gosto para açúcar (sacarina) 0,8

Vibração (60 Hz) 0,9

Comprimento linear 1,0

Temperatura (frio) 1,0

Abertura entre dedos 1,3

Gosto para açúcar (sucrose) 1,3

Peso 1,4

Temperatura (calor) 1,6


Saturação da cor vermelha 1,7

Choque elétrico (corrente contínua) 2,5

Choque elétrico (corrente alternada) 3,5

3
Atenção
Todos sabem o que vem a ser “prestar atenção”. Ao receber esta ordem, o interlocutor
saberá o que deve fazer para “prestar atenção” e também que perceberá melhor os
estímulos aos quais estiver “prestando atenção”. Com isto talvez deixe de perceber
alguns outros estímulos presentes (aos quais não estará “prestando atenção”). Mas,
afinal, o que, exatamente, é esta “atenção”, que parece atuar tão diretamente sobre nossa
capacidade de perceber?
Nos primórdios da Psicologia científica, na mudança do século, os manuais de
Psicologia sempre traziam capítulos dedicados ao estudo da atenção. Mas, com a
difusão do “behaviorismo’ a atenção deixou de ter a antiga importância. Segundo os
behavioristas, atenção não é um comportamento, podendo ser inferida do
comportamento global apresentado pelo animal. Se um animal respondeu a um
estímulo, conclui-se que esteve atento a ele. Mas a atenção não pode ser definida,
simplesmente, como a capacidade de responder a um estímulo, ou percebê-lo. Vejamos,
por exemplo, o caso do estudante que está lendo um livro e liga o rádio. micialmente,
ele está lendo o texto e compreendendo o que lê. De repente, o rádio toca uma música
da qual gosta muito. Ele começa a acompanhar mentalmente a letra. A despeito disto,
continua lendo. Os estímulos que o estudante percebe continuam sendo os mesmos: de
um lado, as palavras do texto; do outro, a música. Mas algo mudou completamente: o
texto lido deixou de ser compreendido, pois sua atenção se deslocou do texto para a
música. Não é possível prestar atenção a um grande número de estímulos ao mesmo
tempo. Por isto, em geral não o fazemos. Quando estamos lendo, o estímulo principal
deve ser a informação visual; a informação auditiva do rádio deve ser, no máximo, um
“fundo musical”, como o avião que passa, as crianças que gritam na rua, o peso do
relógio de pul so

nosso próprio peso sobre a cadeira e a mordida do mosquito. Isto nos faz voltar ao que
foi dito no capítulo 1, onde mencionamos que há um limite na quantidade de
informação que pode ser processada ao mesmo tempo pelo nosso cérebro, o que
corresponde ao limite do canal de transmissão de informação.
3.1. Vigilância
Chamamos de vigilância ao estado de atenção mantida. Experimentalmente, isto é, em
laboratório, costuma-se estudar a vigilância, dando ao sujeito a tarefa de detectar um
sinal que ocorre de tempos em tempos. Os experimentos clássicos utilizam o “teste do
relógio de Mackworth”, onde o sujeito observa o movimento do ponteiro de um relógio
que avança aos saltos. Os saltos são iguais, mas, de tempos em tempos, ocorre um salto
duplo ao qual o sujeito deve responder apertando uma tecla. Este estímulo é muito
óbvio, de modo que qualquer falha de reconhecimento é uma questão de “atenção” e
não de “detecção”. Observa-se que, após aproximadamente 20 minutos, o desempenho
do sujeito passa por um máximo, estabilizando-se logo em seguida num valor
ligeiramente inferior. Quanto mais simples é a tarefa, mais rapidamente é atingido o
máximo, e menor será o nível de desempenho médio estabilizado que ocorre em
seguida. No entanto, este resultado não pode ser generalizado para todas as tarefas que
envolvem vigilância. Pois, quando estão envolvidos vários estímulos e respostas
diferentes, a queda de desempenho não ocorre após ter sido atingido um desempenho
máximo.
Outros estudos mostram que a vigilância muda com o estado de excitação do sujeito. Se
o sujeito ouve, por exemplo, um sinal acústico, um pouco antes do estímulo visual que
deve detectar, seu desempenho será significativamente melhor. O desempenho atingirá o
máximo se o estímulo de “aviso” ou de excitação for apresentado entre 200 a 500 m
antes do estímulo a ser detectado. Isto demonstra que a atenção é máxima dado um certo
grau de excitação do organismo. Este fato levou à formulação da lei de Yerkes-Dodson,
que estipula que o desempenho tem uma relação de Uinvertido com o nível de excitação
do sujeito, conforme é esquematizado na figura 3.1.
3.2. Atenção seletiva
Como já foi dito no item anterior, é difícil prestar atenção a um grande número de
estímulos simultaneamente. Apesar disto, podemos, na maioria das vezes, escolher
prontamente a que nós queremos prestar atenção. A isto chamamos de atenção seletiva.
Na visão, a seleção se dá, basicamente, através do posicionamento de nossos olhos, quer
pela orientação de nosso corpo ou cabeça, quer pelo direcionamento direto de nossos
olhos. Em geral, prestamos atenção àque 60

61

Nivel de excitação

Figura 3.1. O desempenho numa tarefa perceptiva aumenta com o nível de excitação
geral até atingir um máximo. Com níveis de excitação ainda maiores, o desempenho
decresce. Esta relação é conhecida como Lei de Yerkes-Dodson.

les estímulos visuais focalizados na região central de nossas retinas, a fóvea. Na


verdade, é muito difícil prestar atenção a estímulos que se encontram na periferia de
nosso campo visual. Olhe para a figura 3.2, mantendo o olho direito tapado com a mão
direita, fixe o X e tente contar o número de pontos existentes em cada um dos
agrupamentos à esquerda. Você notará que esta tarefa se torna mais difícil à medida que
os agrupamentos de pontos estão mais à esquerda. Além disso, será difícil manter seu
olhar fixo no X, pois o seu olho escapará repetida e involuntariamente para a esquerda.
Empenhado na tarefa de contar os pontos, seu cérebro sinalizará que os agrupamentos
de pontos são o foco de atenção e fará com que seu olho se volte diretamente para eles.
A tendência de voltar o olho para aquilo a que se deseja prestar atenção corresponde ao
reflexo de orientação visual. Ele não se limita ao movimento do olho, como neste
exemplo, mas também leva a uma reorientação de toda a cabeça ou corpo.
Os experimentos clássicos de atenção seletiva visual são feitos instruindo sujeitos para
procurarem determinadas letras em listas extensas, nas quais as letras aparecem em
ordem casual. Observa-se, então, o movimento de rastreio dos olhos, cobrindo todo o
conjunto de letras apresentadas. Com treino, a velocidade com que a tarefa é executada
pode aumentar de 6 a 10 vezes. Numa tarefa destas fica comprovado que a atenção é
seletiva, pelo fato de o sujeito saber relatar unicamente as letras que foi instruído a
procurar, e nada sobre as outras letras existentes (às quais não prestou
Figura 3.2. Mantendo o olho direito coberto, fixe o X com o olho esquerdo e procure
discriminar o número de pontos em cada uma das distâncias, a, b,...f, sem desviar seu
olhar do X. Sem dúvida, não é uma tarefa fácil!

atenção). As outras letras parecem ao sujeito apenas uma espécie de fundo


desfocalizado. Desfocalizado não visualmente, mas cerebralmente.
Outros pesquisadores, para estudar a seletividade da atenção, empregaram um
taquistoscópio, aparelho que permite apresentar, controlada- mente, estímulos visuais
por frações de segundos. Nestes estudos, o sujeito é convidado a reconhecer letras
apresentadâs taquistoscopicamente, assinalando-as numa folha de respostas. Em geral,
os sujeitos não marcam mais que 3 ou 4 letras com acerto, independentemente de
quantas foram apresentadas (3 a 12 letras). Parece, pois, que num experimento destes a
gama de apreensão dos sujeitos não ultrapassa 4 letras. Estes dados experimentais não
nos permitem saber se é a atenção do sujeito que é limitada à percepção de 4 letras ou se
a capacidade de sua memória é que não lhe permite lembrar-se de maior quantidade.
Para responder a esta questão, aliás fundamental, pode-se fazer o seguinte: após
apresentar, por 50 m, um conjunto de 12 letras, dispostas em três fileiras de quatro
letras, faz-se soar um som. Conforme seu tom mais agudo ou mais grave, o sujeito deve
relatar a primeira, segunda ou terceira fileira de letras. O interessante é que, neste caso,
os sujeitos continuam acertando quase sempre três ou quatro letras. Como o sujeito,
antes de ouvir o som indicativo, não sabe qual fileira deverá relatar em seguida, tudo
indica que ele viu (percebeu) três ou quatro letras de cada fileira. Isto é, o sujeito terá
percebido praticamente o conjunto total de letras. A limitação é, portanto, não só da
atenção (apreensão dos estímulos), mas também da capacidade de relembrálos logo em
seguida.
Este tipo de resultado experimental parece sugerir que a percepção em si não é seletiva,
mas sim o processo de memória (os processos de “ar o

c
e
o.
E
e
e
e

• • • •
• • • .
• • • •
• • • •
• • •
• • •

• •
• •
• •

f e d c b a.

62

63

quivar” o percebido no cérebro ou de chamar o percebido de volta). Segundo esta visão,


o sistema perceptivo processa sempre toda a informação. Mas nem toda informação
pode ser “arquivada” no cérebro. Deste modo, fica impossível ao observador relembrar
todos os estímulos percebidos. A instrução de “prestar atenção” parece, então, atuar
muito mais sobre a memorização do que sobre a percepção.
3.3. Atenção dividida
Atenção dividida refere-se a certas situações nas quais o observador presta atenção,
simultaneamente, a dois ou mais estímulos. Para poder dividir a atenção entre os
estímulos, é preciso que estes tenham algo que os diferencie. Quanto maior a diferença,
mais fácil será dividir a atenção entre eles. Se forem estímulos visuais, poderão ter
brilho e cores diferentes, localizações diversas e, o que é mais importante e freqüente,
conteúdos, isto é, significados diferentes. Estímulos auditivos podem originar-se de
lugares diferentes, ter diferentes intensidades, alturas ou timbres. Também podem ter
conteúdos distintos. Naturalmente, também existe divisão da atenção entre estímulos de
modalidades diferentes, como, por exemplo, auditivos e visuais, o que constitui uma
tarefa bem mais simples para o sujeito.
Como já foi dito, na visão a atenção a um estímulo é geralmente indicada pela direção
do olhar. Isto faz com que o estímulo a que se presta atenção caia sobre a fóvea dos dois
olhos, o que constitui um reflexo. Fica difícil, portanto, prestar atenção a estímulos
visuais que distam muito entre si. O interessante é que, na visão, os dois olhos
funcionam conjunta- mente e a integração de suas imagens proporciona a percepção em
terceira dimensão. O observador é quase sempre incapaz de dizer qual olho está
recebendo a imagem (se forem imagens diferentes). A não ser que feche alternadamente
um dos olhos, para se certificar das diferenças nas imagens.
Em situações específicas de laboratório, é possível fazer com que os dois olhos
funcionem individualmente. Estas situações são conhecidas como situações de
rivalidade binocular. Apresenta-se a cada olho uma imagem completamente diferente,
como, por exemplo, cores diferentes ou padrões de listras horizontais e verticais,
semelhantes àqueles ilustrados na figura 3.3. Como o sistema visual não conseguirá
integrar as duas imagens diferentes, para daí extrair informação de profundidade, o
observador tomará consciência, alternadamente, de cada uma das imagens. A alternação
é automática e prosseguirá enquanto o observador olhar para as imagens. Pelo menos
para o ser humano, esta é uma situação completamente artificial (receber imagens
diversas nos dois olhos), de laboratório. Por isso, esta situação não é relevante para a
sobrevivência da espécie humana. Conseqüentemente, seu sistema visual não está
programado para analisá-la. No entanto, em animais, como as aves, cujos olhos não
estão dis Figur

3.3. Tente sobrepor as duas partes da figura forçando seus olhos. Provavelmente você
não verá uma imagem fundida formada pela sobreposição das linhas horizontais e
verticais, mas sim a alternância entre os dois padrões. Isto ocorre pelo fato de os dois
padrões serem incompatíveis para uma fusão binocular.
postos frontalmente como nos seres humanos, a percepção de imagens completamente
diversas é constante. Certamente, seu sistema visual está programado para extrair
informações desta situação.
Já na audição, a situação é totalmente outra: apesar de igual integração entre os
estímulos recebidos em cada um dos ouvidos, essa integração é importante para indicar
a direção da origem do estímulo acústico. Assim, numa situação de estimulação
dicótica, isto é, estímulos diferentes em cada ouvido, o sujeito saberá relatar a
informação fornecida a cada ouvido separadamente. Além disso, poderá concentrar-se,
isto é, prestar atenção à estimulação recebida em cada ouvido separadamente. Uma
função primordial do sistema auditivo é separar a informação que atinge os dois
ouvidos. Isto ocorre graças a um processo de inibição de um ouvido sobre o outro,
processo que é hoje amplamente conhecido.
Uma série de experimentos empregando estimulação dicótica mostrou ser mais difícil
prestar atenção a uma seqüência de estímulos apresentada, alternadamente, a cada um
dos ouvidos, do que se toda ela fosse apresentada a um só. A função biológica desta
nossa capacidade de prestar atenção à informação proveniente de um só ouvido é
exatamente proporcionar-nos a opção de prestar atenção a estímulos provenientes de
uma fonte localizada, em detrimento de outros estímulos. Este é o conhecido fenômeno
da “reunião social” (cocktail-party problem). Numa reunião

64

65

social, podemos estar atentos à conversa de uma pessoa, apesar de inúmeras outras
falarem ao mesmo tempo, inclusive gritando ou falando muito mais próximas de nós.
Podemos também alterar nosso foco de atenção quantas vezes quisermos, apesar da
diversa localização da fonte, onde os estímulos tiveram origem. Este é o fator principal.
Outros, porém, também influenciam nosso comportamento de prestar atenção a estes
estímulos. Dentre eles, podemos destacar: o timbre (se é uma voz feminina ou
masculina) e o conteúdo (acompanhamos o conteúdo lógico do que está sendo dito).
O fato de o timbre influenciar a focalização da nossa atenção auditiva é claramente
demonstrado quando ouvimos uma orquestra ou uma banda de “rock”: podemos prestar
atenção, por exemplo, somente ao som do piano ou da guitarra elétrica, apesar da
execução dos instrumentos de corda ou da marcação da bateria. Numa orquestra, todos
os sons vêm aproximadamente do mesmo lugar; isto se torna mais evidente ainda num
toca- discos: todos os sons saem de um único alto-falante. Mesmo assim, podemos
prestar atenção unicamente ao piano ou à guitarra, guiados pelo seu timbre. De todos os
experimentos que utilizam a situação da “reunião social”, fica claro que o participante
consegue prestar atenção a uma “conversa” definida. Ao mesmo tempo, perde quase
toda informação das conversas paralelas. O curioso é que, no entanto, nem toda
informação das conversas paralelas é perdida: se, repentinamente, for dito o nome do
participante ou alguma outra palavra “especial” (o nome de uma pessoa que ele conheça
e na qual esteja especialmente interessado, um “palavrão” ou então um termo de seu
esporte preferido), ele toma consciência disto. Eventualmente, pode alterar seu foco de
atenção. Portanto, alguma informação das outras conversas é captada, mas não levada à
consciência, a menos que tenha um conteúdo especial (“interessante”).
Todo este sistema de atenção parece ter um significado muito grande para a
sobrevivência. Consideramos, por exemplo, um animal selvagem na floresta, à escuta:
ele precisa ter a capacidade de dirigir sua atenção auditiva aos ruídos do predador que se
aproxima, localizá-los espacialmente e acompanhar cada um destes ruídos. Mas, ao
mesmo tempo, precisa “desligar-se” dos inúmeros ruídos “normais” de uma floresta,
como aqueles provocados pelo vento nos galhos das árvores ou pelas águas do riacho. A
não ser que, repentinamente, outro ruído “especial” denote a presença de outro
predador, que agora deverá tornar-se o centro da sua atenção.
66

Percepção de brilho ou luminosidade

Neste capítulo e nos seguintes estudaremos as principais capacidades perceptivas do ser


humano, destacando-se entre elas a nossa capacidade de perceber o brilho e as cores dos
objetos que nos cercam, seu tamanho e a distância ou profundidade a que se encontram,
bem como a capacidade de perceber a sua forma e o movimento. Iniciaremos o estudo
com a percepção de brilho ou luminosidade porque, aparentemente, depende em menor
grau de aprendizagem e maturação do que a percepção visual de outras características
dos objetos, como seu tamanho ou sua forma, e por isto pode ser considerada mais
simples.
Textos mais recentes empregam o termo percepção de luminosidade, ao passo que nos
mais antigos emprega-se apenas o termo percepção de brilho. Alguns autores mais
cautelosos, refletindo este período de transição na nomenclatura, preferem manter os
dois termos. Como o presente texto tem por objetivo uma introdução ao estudo da
percepção, é conveniente que se mantenham os dois termos, percepção de brilho e
percepção de luminosidade, a fim de alertar o leitor para a existência de ambos na
literatura especializada. De uma forma muito simplificada e resumida, podemos afirmar
que a percepção de brilho ou luminosidade refere-se à nossa capacidade de perceber a
luz (daí a preferência pelo termo “luminosidade”) que emana ou se reflete dos objetos
de nosso ambiente. Como estes objetos fornecem luz, são denominados fontes
luminosas e podem ser de dois tipos: fontes emissoras e fontes refletoras. As fontes
emissoras, como lâmpadas, velas, vaga-lumes e o Sol, emitem luz própria. As fontes
refletoras são todos os objetos capazes de refletir parte, ou a totalidade, da luz que
incide sobre eles. A intensidade da luz de fontes emissoras é medida em termos de
iluminância, enquanto que no caso de fontes refletoras falamos de medidas de
luminância (fig. 4.1).

67

Figura 4.1. Existem dois tipos de fontes luminosas: fontes emissoras e fontes refletoras.
Fontes emissoras como o Sol, lâmpadas, fogo e vaga-lumes emitem sua própria luz. Sua
intensidade é medida em termos de iluminância. Fontes refletoras são todas as
superfícies capazes de refletir total Ou parcialmente a luz que sobre elas incide. Sua
intensidade é medida em termos de luminância. Esta depende tanto da intensidade da
luz incidente quanto da proporção de luz que é refletida pelo objeto.

A luminância de um objeto depende de duas variáveis: em primeiro lugar da


intensidade da luz incidente e, em segundo lugar, da proporção de luz refletida pelo
objeto. A proporção de luz incidente que é refletida é sempre a mesma, e este índice de
reflexão é denominado albedo. Albedo (do latim albus, que quer dizer alvo ou branco) é
um termo freqüentemente empregado pelos astrônomos para designar o poder de
reflexão de planetas e satélites. Trata-se, portanto, de uma medida que nos informa a
respeito da proporção de luz incidente que a superfície de um objeto é capaz de refletir.
O albedo (A) de um objeto pode ser calculado facilmente dividindo- se a intensidade da
luz refletida por este objeto (R) pela intensidade da luz que sobre ele inside (1), isto é,
aplicando a fórmula A = R/I.
Uma superfície muito branca é capaz de refletir 80 por cento da luz que incide sobre ela,
ao passo que uma superfície preta reflete apenas cinco por cento desta luz. Cada objeto
tem seu albedo característico, que é, portanto, uma propriedade deste objeto. No período
de 24 horas, as condições de iluminação do ambiente variam consideravelmente, como
porém o albedo de todos os objetos permanece o mesmo, nossa percepção

da sua luminosidade, ou do seu brilho, permanecerá inalterada. Isto é, o meu tênis


branco e o seu sapato preto sempre serão percebidos como branco e preto,
respectivamente, não importa se caminhamos numa praia ensolarada, à sombra dos
coqueirais ou sob o luar.
Para avaliar melhor a magnitude da diferença de iluminação existente durante o passeio
ao sol e o passeio ao luar, convém lembrar que a luz solar é 800.000 vezes mais intensa
que a luz da lua cheia. No entanto, a variação da luz incidente não dificultará a
percepção da luminosidade, ou brilho, dos nossos calçados, pois o seu albedo
permanecerá constante, como permanecerão constantes os albedos da areia da praia, das
folhas dos coqueiros e da pele. Cabe dizer que o sapato preto reflete mais luz de dia que
o tênis branco de noite (isto é, tem iluminância maior), o que mostra claramente que nós
reagimos à proporção e não à quantidade de luz refletida que atinge nossos olhos.
Dissemos no princípio do capítulo que a percepção de luminosidade ou brilho pode ser
considerada simples. Vejamos se você concorda. Tente fazer a seguinte experiência:
procure um material transparente, que filtre uma parte da luz ambiental, como, por
exemplo, óculos escuros. Cubra um de seus olhos com a lente dos óculos escuros e
continue a leitura desta página com os dois olhos bem abertos (fig. 4.2 a e b). Em
seguida, tire rapidamente a lente escura da frente do olho coberto e note que a página
ficou muito mais clara, isto é, aumentou sua luminosidade (fig. 4.2 c). Isto é óbvio
porque, quando você retirou a lente que filtrava uma parte desta luz, realmente
aumentou a intensidade de luz que penetrava em seus olhos. Agora recoloque a lente no
lugar em que estava, cobrindo novamente um dos olhos (fig. 4.2 d). Você notará que a
página ficou mais escura. A seguir, com uma de suas mãos, cubra completamente o olho
diante do qual se encontra a lente escura (fig. 4.2 e) e você perceberá uma coisa
surpreendente: apesar da diminuição na intensidade de luz que chega a seus olhos, a
página parecerá bem mais clara, isto é, você percebe um aumento de brilho ou
luminosidade. Deixe a lente escura diante do olho e afaste a mão (fig. 4.2 O a página do
livro parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz que penetra em
seus olhos. Este é o conhecido Paradoxo de Fechner e nos alerta para o fato de que a
relação entre a intensidade da luz que atinge nossos olhos e a percepção de
luminosidade ou brilho não é tão simples como a princípio poderia nos parecer.

Para estudar esta relação, geralmente são necessários experimentos que permitam um
controle rigoroso de todas as variáveis que participam desta capacidade perceptual. A
maioria dos experimentos feitos para estudar a percepção de brilho ou luminosidade ou
a constância de brilho ou luminosidade (esta e outras constâncias serão estudadas no
capítulo 8) obedece a um esquema básico que consiste em apresentar ao sujeito um
estímulo visual padrão de um determinado tom de cinza, isto é, deter-

Fonte emissora

Fonte refletora

68

69

Figura 4.2. Mudanças na percepção de brilho. Olhe para a página deste livro (a). Cubra
um olho com a lente de uns óculos escuros (b) e continue a leitura da página com os
dois olhos abertos. Você notará que a página parece mais escura. Agora retire os óculos
(e) e continue a leitura; você notará que a página parece mais clara ou mais brilhante.
Cubra novamente um olho com a lente dos óculos (d) e você verificará que novamente a
página parece mais escura. Deixe os óculos onde estão, e a seguir, com auxílio da sua
mão, cubra completamente o olho diante do qual se encontram os óculos escuros (e).
Apesar da menor quantidade de luz que chega a seus olhos (um está coberto), a página
parecerá mais clara. Retirando a sua (f) mão, você verificará que esta página do livro
parecerá mais escura apesar do aumento na quantidade total de luz que penetra seus
olhos.
minada luminosidade, e pedir que o compare com um conjunto de outros estímulos
visuais de comparação, que podem variar desde o branco até o preto, passando por todos
os tons de cinza intermediários da escala acromática. Trata-se de uma tarefa
relativamente simples quando a iluminação é a mesma para os dois tipos de estímulos
visuais, pois todos os sujei-

tos encontram pouca dificuldade para localizar, dentre os estímulos de comparação,


aquele que é igual ao estímulo padrão. No entanto, quando é modificada a iluminação
de apenas um dos estímulos visuais, o sujeito é confundido pelas diferentes quantidades
de energia luminosa refletidas das duas superfícies, pois ele faz seus julgamentos
supondo que todos os estímulos recebem a mesma quantidade de luz.
Antes porém de analisar alguns trabalhos experimentais, façamos uma rápida
recapitulação do que foi visto até agora. Na tabela 4.1 foram resumidos os principais
conceitos mencionados até o presente momento.

Tabela 4.]. Principais conceitos empregados no estudo da percepção de luminosidade


(ou brilho).

Vejamos agora como se procede para executar um experimento cujo principal objetivo é
estudar a percepção de luminosidade ou brilho.

No nosso ambiente normal, a mesma iluminação que atinge o objeto também incide
sobre o ambiente no qual este objeto se encontra inserido. Da comparação entre a
quantidade de luz refletida de cada objeto (“figura”) e aquela refletida pelo ambiente
(“fundo”) no qual se encontram, o sujeito pode extrair informações adicionais sobre o
objeto, isto é, seu albedo. O fundo desempenha o importante papel de referência, e isto
foi demonstrado em experimentos nos quais os sujeitos eram convidados a comparar o
estímulo padrão com os diversos estímulos de comparação sem que pudessem ver o
fundo, isto é, o ambiente no qual os estímulos se encontravam. Isto foi possível,
colocando entre o sujeito e a situação de estímulos um anteparo, ou tela de redução, que
obriga o sujeito a olhar para os estímulos através de um minúsculo orifício por onde
podia avistar apenas os estímulos (fig. 4.3). Nesta situação experimental, o julgamento
das pessoas foi feito levando em consideração a quantidade de luz refletida dos
estímulos e não seu albedo. Quando a tela era retirada, a percepção de brilho era
novamente quase perfeita.
Diante destes resultados experimentais surge a pergunta a respeito do papel da
aprendizagem nesta capacidade perceptiva. Um levantamento criterioso dos principais
experimentos realizados com o objetivo de verificar a influência da aprendizagem sobre
a percepção de luminosidade mostra que, aparentemente, trata-se de uma capacidade
perceptiva inata, que pouco

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70

71

Conceitos Comentários

Luminosidade ou Fator psicológico. Refere-se á percepção que se tem do


brilho estímulo.

Albedo OU Propriedade da superfície do estímulo (razão entre luz refletida


reflectância e incidente)

Iluminância Refere-se à luz emitida.

Luminância Refere-se á luz refletida

Figura 4.3. Ilustração esquemática de uma situação experimental, vista de cima, a) Sem
tela de redução (anteparo). b) Com tela de redução (anteparo). A: disco giratório branco;
B: discos giratórios branco e preto superpostos que permitem obtenção de diversos tons
de cinza para escolha daquele que parece igual ao disco A; TR: tela de redução; O:
observador; J:
janela.
depende da aprendizagem para ser aprimorada. De um ponto de vista ontogenético,
verifica-se que a percepção de luminosidade em crianças é muito semelhante à dos
adultos. Filogeneticamente, experimentos feitos com peixes, pintainhos e macacos
mostraram que a percepção de luminosidade nestes animais, como no ser humano,
também depende do albedo dos objetos. Estes resultados são muito convincentes nos
estudos feitos com pintainhos, animais que logo após a eclosão já possuem
comportamentos muito elaborados, como, por exemplo, sair em busca de alimento e
preferir bicar grãos claros. Estes animais foram criados em completa escuridão até
atingirem uma determinada idade e, em seguida, foram testados com grãos claros em
ambientes de pouca luminosidade e grãos escuros em ambientes fortemente iluminados.
Em todos os testes a que foram submetidos preferiram sempre os grãos claros,
demonstrando que possuíam uma capacidade inata de perceber a luminosidade do seu
alimento preferido.
Para evitar a interferência de pequenas manchas e marcas que porventura possam existir
sobre as superfícies dos papéis de várias tonalidades de cinza utilizados nos
experimentos a respeito de percepção de brilho, alguns pesci’i.,adores preferem
empregar um disco giratório que pode ser submetido a altas rotações e assim
proporcionar um estímulo visualmente homogêneo. Em 1929, Gelb fez um experimento
empregando este tipo de equipamento. Utilizou um disco completamente preto, sub-

metido a alta rotação, e iluminado por uma lâmpada, de tal forma que nenhuma outra
parte do ambiente, ou do fundo, pudesse beneficiar-se da iluminação proporcionada por
esta fonte luminosa. Os sujeitos eram convidados a se sentar bem em frente ao disco e a
responder a uma única pergunta: “Qual é a cor do disco?” Os sujeitos foram unânimes.
Todos responderam que sem sombra de dúvida o disco era branco. No entanto, quando
Gelb pegava um pequeno pedaço de papel branco e o segurava por alguns segundos na
frente do disco, os sujeitos, muito surpreendidos com o que viam, corrigiam-se
imediatamente afirmando que haviam se enganado; tinham absoluta certeza de que o
disco era preto. Quando Gelb retirava o pedaço de papel branco, afirmavam que não
sabiam muito bem o que estava acontecendo, mas estavam certos de que o disco voltara
à sua cor branca inicial. Todos os sujeitos foram incapazes de perceber a verdadeira cor
do disco, isto é, preta, na ausência do papel branco, ou seja sem um estímulo de
comparação. Não importa quantas vezes GeIb repetisse as duas situações experimentais,
os sujeitos não conseguiram aprender a perceber a luminosidade do disco preto
corretamente.
Outros estudos, feitos com crianças de diferentes idades e adultos, mostram que, se
houver alguma aprendizagem de percepção de luminosidade durante o desenvolvimento
do ser humano, ela está completa aos sete anos de idade. E importante ressaltar que o
mesmo não acontece com outras capacidades perceptivas, como, por exemplo, a
percepção de tamanho e sobretudo a percepção de forma, na qual a aprendizagem
desempenha um papel importantíssimo como veremos nos capítulos seguintes.

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73

5
Percepção da cor
Antigamente, na época em que nossas bisavós criaram nossas avós, acreditava-se que o
bebê, ao nascer, era quase incapaz de ver. Supunha-se que o recém-nascido não
reconhecia fisionomias, tampouco distinguia formas e cores. Hoje em dia, em
conseqüência das pesquisas realizadas na área da psicologia do desenvolvimento
infantil, os conhecimentos a respeito das capacidades perceptivas do ser humano por
ocasião do seu nascimento estão mudando.
O trabalho realizado por inúmeros cientistas interessados no assunto mostra que, apesar
da acentuada imaturidade e do prolongado período de dependência pós-natal, o bebê
vem ao mundo bem mais preparado para perceber o que acontece ao seu redor do que
nossas bisavós, provavelmente, estariam propensas a acreditar. No capítulo 15 o
desenvolvimento perceptivo será discutido detalhadamente, mas podemos adiantar que
dentre os principais resultados experimentais encontram-se as demonstrações de que
nossa capacidade de perceber distância, profundidade, fisionomia e cor pode ser
verificada logo após o nascimento.
No princípio do século passado, Purkinje mostrou que nossa sensibilidade às cores se
modifica quando passamos do escuro para a claridade ou vice-versa. Na lâmina 5.1,
encontram-se as curvas obtidas nestas duas situações. Elas mostram que, no escuro
(visão escotópica), o olho é mais sensível aos verdes (devido à maior sensibilidade dos
bastonetes) e, no claro (visão fotópica), o olho é mais sensível ao amarelo (devido à
maior sensibilidade dos cones). Esta sensibilidade é conhecida como Efeito de Purkinje.

A percepção das cores foi alvo da atenção e curiosidade de numerosos estudiosos, que
em diferentes épocas da história da humanidade tentaram explicá-la. Seus esforços
resultaram na elaboração de teorias, algumas

das quais nos acompanham até hoje. Poetas, como Goethe, e físicos, como Newton,
emitiram suas opiniões a respeito da visão de cores. Após a descoberta, em 1666, de que
a luz solar, que é branca, na realidade é composta por todas as cores do espectro visível,
o próprio Isaac Newton formulou algumas das primeiras hipóteses segundo as quais
haveria no olho humano um receptor para cada cor. As contribuições mais valiosas
partiram, no entanto, de fisiólogos como Thomas Young, Hermann von Helmholtz e
Ewald Hering, autores das duas principais teorias sobre visão de cores.
A primeira, teoria de Young-Helmholtz, também conhecida como teoria tricromática ou
teoria componente, explica de forma satisfatória os resultados experimentais obtidos em
pesquisas que tinham como principal objetivo desvendar o papel dos receptores do olho.
A segunda teoria, de Hering, denominada teoria oponente, explica muito bem os
resultados experimentais obtidos em pesquisas que tomam como indicadores respostas
envolvendo atividade neural além do nível dos receptores propriamente ditos.
5.1. Teoria tricromática, componente ou de Young-Helmholtz
Segundo a teoria tricromática (Young-Helmholtz), não precisaríamos de um receptor
para cada cor, como havia sugerido Newton; apenas três tipos de receptores seriam
suficientes para o ser humano perceber todas as cores do espectro visível, desde o
violeta até o vermelho. Thomaz Young e Hermann von Helmholtz chegaram a esta
conclusão a partir de um conjunto de experimentos de percepção visual criteriosamente
controlados, com os quais conseguiram demonstrar que, misturando luzes de apenas três
cores (azul, verde e vermelho), as pessoas relatavam ver todas as cores do espectro.
Diante disto, desenvolveram a teoria segundo a qual o ser humanos deveria possuir três
tipos diferentes de fotorreceptores: especializados em luzes de comprimentos de onda
curtos, como o azul, intermediários, como o verde, e especializados em luzes de
comprimentos de onda longos, como o vermelho.
Somente um século e meio depois, em 1964, foram publicados os primeiros resultados
experimentais obtidos com receptores da fóvea (cones) de retinas humanas, por duas
equipes de pesquisadores norte-americanos:
a primeira formada por MacNichol, Marks e Dobelle (fig. 5.1), a segunda, por Brown e
Wald. De acordo com estes autores, os cones sensíveis ao azul possuem uma substância
fotossensível denominada cianolábio (ciano em grego quer dizer azul), nos cones
sensíveis ao verde há uma substância denominada clorolábio e nos cones sensíveis ao
vermelho encontra-se uma substância denominada eritrolábio (“cloro” e “entro” são
prefixos de origem grega que significam verde e vermelho, respectivamente). Estas

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75

pesquisas relatam apenas três tipos de cone, não sendo encontrados cones sensíveis às
cores intermediárias, como cor de jerimum (cor de laranja) ou azul-piscina. Como então
somos capazes de perceber todas as demais cores?
Se você observar atentamente os resultados reproduzidos na figura 5.1 e na lâmina 5.2,
verificará que na realidade existem três tipos de cones que absorvem
“preferencialmente” luzes de uma determinada cor (comprimento de onda). Por
exemplo, o cone especializado em azul absorve preferencialmente luzes de 450 nm, e
absorve com eficiência cada vez menor luzes cujos comprimentos de onda se afastam
deste valor, isto é, luzes cada vez mais violáceas (comprimentos de onda mais curtos)
ou mais esverdeadas (comprimentos de onda mais longos). Isto quer dizer que os
comprimentos de onda intermediários também são absorvidos por estes três tipos de
receptores, só que menos prontamente, pois precisam de intensidades maiores para
produzir o mesmo efeito neural.
Figura 5.]. Absorção espectral (ou sensibilidade espectral) de cones em retinas de seres
humanos (parênteses abertos) e macacos (números). Os resultados foram obtidos através
da microespectrofotometria e mostram que, apesar de serem projetadosf!ashes de luz de
quase todas as cores (comprimentos de onda) do espectro visível, os cones absorvem
preferencial- mente três cores (Azul - 445 nm; Verde - 535 nm; Vermelho - 570 nm).
Verificou-se também que cada um dos cones estudados absorvia preferencialmente
apenas uma destas três cores (comprimentos de onda), o que prova a existência de
apenas três tipos de cores na retina. Luzes de cores intermediárias são absorvidas menos
prontamente por um (ou mais) destes três receptores. Isto pode ser visto pela forma
característica das curvas e pela considerável superposição de algumas delas. Baseado
em dados de Marks ei ah, 1964 (no livro de Alpern, 1971) e MacNichol, 1964 (no livro
de Robinson, 1977).

Se ao invés de analisar o comportamento de um determinado tipo de cone, como


acabamos de fazer, analisarmos o que acontece com uma luz de um determinado
comprimento de onda quando ela atinge nossa retina, talvez fique mais fácil ainda
compreender a percepção das cores intermediárias. Tomemos, por exemplo, um verde-
azulado cujo comprimento de onda é de aproximadamente 490 nm. Um estímulo
luminoso com esta característica qualitativa será absorvido tanto pelos cones
especializados em azul quanto pelos cones especializados em verde. Pelos resultados da
figura 5.1, é possível verificar, no entanto, que esta cor, verde-azulado (490 nm), não é a
mais eficiente para nenhum destes dois tipos de cones. Porém, ambos transduzirão este
tipo de energia e enviarão ao cérebro impulsos nervosos. São precisamente as
informações enviadas em conjunto pelos dois tipos de cones conjuntamente que serão
processadas pelo cérebro e permitirão a percepção de uma cor intermediária entre o azul
e o verde. As diferenças entre as informações provenientes dos dois tipos de cones deste
exemplo seriam muito mais acentuadas se o olho fosse estimulado com um azul muito
esverdeado ou então com um verde extremamente azulado. O mesmo tipo de
mecanismo é empregado para a percepção do amarelo, uma cor intermediária entre o
verde e o vermelho, sendo portanto sinalizada a sua presença pela reação, mais ou
menos acentuada, dos cones que têm sensibilidade máxima no verde e no vermelho. A
percepção das cores que ficam nos extremos do espectro visível, como o violeta, por
exemplo, depende da reação mais acentuada de um tipo de cone. No caso, depende dos
cones especializados em azul, que também reagem a comprimentos de onda menores,
mas com uma eficiência cada vez mais reduzida.
Para comprimentos de onda mais curtos ainda, que correspondem ao ultravioleta (que
não é visível para o ser humano), nenhum dos três tipos de receptores fará a transdução,
portanto não serão enviados impulsos nervosos ao cérebro. De modo análogo, o
infravermelho, correspondente aos comprimentos de onda muito longos, não será
transduzido.
Como você percebe estes tipos de energia? Como escuro, ou seja, como ausência de luz,
não é? No entanto, se você tivesse olhos iguais aos das abelhas, veria o ultravioleta
como uma cor, porém seria cego. Não somente ao infravermelho, mas também ao
vermelho. No caso do olho ser estimulado com uma mistura da luz de três cores — azul,
verde e vermelho — em determinadas proporções, os três tipos de cones reagirão, e os
impulsos nervosos resultantes levarão o ser humano a perceber a luz como branca,
semelhante à luz solar. Na lâmina 5.3a se encontra uma ilustração das conseqüências da
mistura de luzes com estas três cores.
Até aqui analisamos a percepção de cores a nível de receptores, porque estivemos
destacando dados que podem ser explicados pela teoria tricromática. Há, no entanto, um
outro conjunto de dados, perceptivos e neurofisiológicos, que não podem ser explicados
por esta teoria.

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E
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E
o
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o
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Azul 445 Verde 535 Vermelho 570


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400 500 600
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76

77

5.2. Teoria oponente ou de Hering


Tente fazer a seguinte experiência: procure uma figura relativamente simples, como um
pequeno círculo, triângulo ou coração, que seja de cor vermelha bem intensa; procure
também uma folha de papel bem branco. Agora sente-se em um lugar bem iluminado,
com o seu material. Olhe para a figura fixamente, sem se mover, durante meio minuto
(tente contar lentamente até trinta). A seguir, substitua rapidamente a figura pela folha
de papel branco. O que aconteceu? Olhando para o papel completamente branco você
continua vendo a figura que acabou de tirar, só que agora não mais em vermelho e sim
em verde, a sua cor oponente (complementar). Se você quiser proceder como Hering,
procure outras figuras e você verificará que, se a figura fixada for verde, a sua pós-
imagem será vermelha; se for azul, deixará uma pós-imagem amarela; e vice-versa, se
for amarela, sua pós-imagem será azul. Foi por meio de experimentos como estes,
criteriosamente controlados, que Hering formulou a sua teoria oponente, na qual afirma
que a visão de cores ocorre graças a processos oponentes de três sistemas de cores que
se opõem aos pares: vermelho-verde, azul- amarelo e preto-branco. Isto quer dizer que,
quando ocorre a sensação de uma cor como o vermelho, concomitantemente ocorre uma
alteração na sensação do verde. Por este motivo, nas experiências aqui sugeridas,
quando se olha demoradamente para uma determinada cor, há uma diminuição da
sensibilidade do receptor para esta cor. Assim, quando se olha para um campo neutro
(branco ou cinza), que reflete todos os comprimentos de onda por igual, apenas os
oponentes de cada cor seriam ativados, uma vez que o receptor que captou a luz
refletida da figura vermelha encontra- se insensível.
Após 1950, a neurofisiologia vive um grande avanço, fruto do desenvolvimento de
microeletrodos que podem ser inseridos em uma única célula do sistema nervoso,
permitindo registros incrivelmente detalhados e específicos. Em 1965, De Valois
publicou um trabalho interessantíssimo, no qual relata ter encontrado no cérebro do
macaco (núcleo geniculado lateral) neurônios cuja atividade correspondia ao processo
de pares oponentes da teoria de visão de cores elaborada por Hering, no século passado.
Na figura 5.2 você encontra a reprodução de um registro obtido por De Valois,
correspondente à atividade de uma única célula no cérebro de um macaco anestesiado,
cujos olhos eram mantidos abertos e estimulados com luzes de diversas cores. A célula
mostrada da figura 5.2 é um neurônio do sistema vermelho-verde. Observe que na
coluna “escuro” temos a atividade espontânea desta célula no escuro, o que corresponde
a aproximadamente 6 ou 7 impulsos em um determinado intervalo de tempo. Quando o
olho do animal é iluminado com uma luz vermelha (633 nm), a atividade desta célula
aumenta consideravelmente, dobrando o número de impulsos nervosos durante o
mesmo intervalo de tempo. No entanto,

Figura .5.2. Respostas de uma única célula nervosa do cérebro (núcleo geniculado
lateral) de um macaco. Estas respostas foram obtidas inserindo-se um minúsculo
microeletrodo no neurônio, enquanto o animal anestesiado recebia, através dos olhos
mantidos abertos, os estímulos visuais de diferentes cores. E fácil observar que os
registros correspondem a uma célula de atividade oponente do sistema vermelho-verde.
Trata-se de um neurônio cuja atividade espontânea (no escuro) é de aproximadamente 6
ou 7 impulsos. No entanto, quando o olho é estimulado com luz vermelha (633 nm) sua
atividade aumenta, chegando a dobrar o número de impulsos nervosos. Por outro lado,
diante de estimulação com luz verde (533 nm), sua atividade diminui drasticamente,
chegando a uma inibição quase total.
quando, uma luz verde (533 nm) incide sobre o olho do macaco, acontece exatamente o
contrário: as descargas do neurônio cessam quase que completamente, isto é, ocorre
uma inibição da atividade eletro fisiológica da célula nervosa, O mesmo tipo de registro
foi encontrado para células com atividade oponente para azul-amarelo.

Comprimento
Cor de onda nm Luz acesa Escuro
1 III Ii

465
480
Verde 533
563
586
603
Vermelho 633
667
706

78

79

tilili II 1 1

a 1 liiIL

a II 1 11111

1111 1 ii ali =1

1 1 III 1 liii ‘li 1 II l)

1 1 II 1111111 II J II a
1 III iii 1111 a 1 III L_

ii - ii iii 1 ii__i__I_.

11 —-

Fundamentado nos resultados de pesquisas psicológicas e fisiológicas a respeito da


visão de cores, pode-se afirmar, portanto, que na retina existem três tipos de cones, o
que está de acordo com a teoria tricromática (componente), e que nos elos de integração
seguintes (células ganglionares na retina, núcleo geniculado lateral e córtex visual no
cérebro) encontram-se neurônios visuais que têm respostas antagônicas (excitação-
inibição) às cores oponentes (vermelho-verde; azul-amarelo), o que está de acordo com
a teoria oponente. A combinação das duas teorias (tri cromática ou componentes e
oponente) não explica todo o processo da visão de cores, uma vez que apenas mostra
como a partir das três cores primárias (verde, vermelho e azul) chega-se a quatro cores
psicologicamente primárias (verde, vermelho, azul e amarelo). Sabemos, porém, que o
ser humano é capaz de distinguir 128 cores espectrais (matizes). Como isto é possível?
Os resultados experimentais mostram que a oponência dos neurônios visuais é cada vez
menos acentuada. Isto significa que, a nível do olho, uma célula ganglionar responde
com excitação quando os receptores são estimulados com uma luz de 630 nm
(vermelho) e, com inibição, quando a estimulação corresponde a uma luz de 530 nm
(verde), portanto é preciso que haja uma diferença de 100 nm para que esta célula passe
do seu estado de excitação máxima para o estado de maior inibição. No cérebro estas
diferenças são gradativamente menores à medida que se registra a atividade de células
nervosas pertencentes a níveis progressivamente mais elevados do sistema nervoso
central. No núcleo geniculado lateral — que corresponde a um elo intermediário do
sistema visual — uma célula que responde com excitação quando o olho do animal é
iluminado com 630 nm (vermelho) passa ao estado de inibição máxima quando sobre o
olho incide uma luz de, por exemplo, 580 nm (amarelo). Neste caso a oponência
corresponde a uma diferença de apenas 50 nm. Em um nível mais elevado ainda, como
no córtex visual, a oponência ocorre entre, por exemplo, 630 nm (vermelho) e 610 nm
(laranja), o que corresponde a uma diferença de apenas 20 nm entre as cores. Com
oponências cada vez mais afinadas, o ser humano finalmente atinge a capacidade de
discriminar 128 cores espectrais (matizes).
5.3. Cegueira para cores
Agora você certamente já tem condições de saber o que é a cegueira para cores ou
daltonismo. A que se deve esta anomalia que leva pessoas a confundir o verde com o
vermelho e o azul com o amarelo? Anomalias no tricromatismo ocorrem,
provavelmente, devido a proporções anormais dos três tipos de cones. Entre os
tricromatas anormais, a grande maioria tem deficiência de clorolábio, pois para obter o
amarelo no anomaloscópio precisam acrescentar muito mais verde a uma mistura de
luzes vermelhas

e verdes do que as pessoas com visão de cores normal. O anomaloscópio


é um aparelho empregado para diagnosticar a cegueira de cores. Consiste
em um círculo, cuja metade é iluminada com um amarelo espectral específico. A outra
metade do círculo é iluminada com duas luzes, uma vermelha e outra verde, que podem
ser misturadas em diferentes proporções.
A mistura do verde com o vermelho resulta na percepção de um amarelo.
Comparando o amarelo espectral específico com o amarelo resultante da
mistura de verde com vermelho, a pessoa pode produzir um amarelo que
é percebido como igual ao primeiro.
São poucos os casos de tricromatismo anômalo devido a deficiência de eritrolábio.
Extremamente raros são os casos de deficiência de cianolábio. No caso de uma
completa ausência de um destes tipos de cones, fala- se de dicromatismo, pois nestas
circunstâncias o indivíduo fará discriminações entre cores com apenas dois tipos de
cones. Estudos meticulosos, feitos tanto com tricromatas anômalos como com
dicromatas, revelaram que, além da cegueira para cores, não apresentavam nenhuma
outra anomalia, o que nos leva à conclusão de que os dicromatas desprovidos de cones
sensíveis ao verde possuem um número proporcionalmente maior de cones sensíveis ao
vermelho e ao azul.
No caso de tricromatas anômalos, provavelmente há uma proporção diferente da normal
dos três tipos de cones.
Se a pessoa não tiver um dos três tipos de cones, ela será cega a uma das cores, mas
também terá outras deficiências visuais resultantes do menor número de receptores.
Quando apenas um tipo de cone é encontrado, falamos em monocromatas. Da próxima
vez que você fizer uma visita a um oftalmologista, peça para ele lhe mostrar alguns dos
testes para cegueira de cores. Um dos mais conhecidos é o teste de Ishihara e consiste
em diversas figuras contendo pequenos círculos coloridos formando números. Trata-se
de um teste muito prático e de fácil aplicação, pois, se a pessoa tiver visão tricromática
normal, reconhecerá determinados algarismos, se tiver anomalia em um dos tipos de
cones, por exemplo se for cega ao vermelho, reconhecerá outros algarismos.
Evidentemente este teste só pode ser utilizado com pessoas alfabetizadas que saibam ler
números. Existem, no entanto, outros testes que podem ser utilizados com crianças
muito jovens e analfabetos. Dentre estes, um dos mais antigos foi desenvolvido por
Alarik Holmgren, na Suécia, e consiste em uma coleção de fios de lã de diversas cores
que deverão ser separados de acordo com a sua cor.
5.4. Visão de cores — Uma capacidade inata ou aprendida?
A suposição de que somos capazes de perceber cores ao nascer fortaleceu-se com dados
obtidos em pesquisas psicológicas e neurofisiológicas. Observando a preferência de
bebês colocados diante de dois estímu 80

81

los de cores diferentes, foi possível determinar que distinguem as diferentes cores e têm
preferências bem determinadas, pois passam mais tempo olhando para as cores de
comprimento de onda longo, isto é, as chamadas cores quentes. Por meio da
eletroencefalografia (potenciais evocados), é possível registrar a atividade de uma dada
região do cérebro. Assim, quando o olho de um ser humano adulto é estimulado
sucessivamente com numerosos estímulos visuais, cada um de uma cor, observa-se uma
resposta característica na região do córtex occipital (área sensorial primária da visão).
Quando se faz o mesmo tipo de registro com bebês recém-nascidos, obtém-se,
aproximadamente, o mesmo tipo de resultado, indicando que a estrutura neural da visão
de cores, aparentemente, já está pronta quando nascemos. Significa que não precisamos
aprender a discriminar as cores. O que aprendemos, mais tarde, é denominar as cores de
acordo com os padrões da nossa cultura. Desta forma, um esquimó tem cerca de 10
nomes distintos para diferentes tonalidades de branco, que nós brasileiros aglomeramos
entre o “branco” e o “gelo”. Para descrever tonalidades intermediárias, recorremos a
adjetivos, sufixos e outros artifícios de linguagem, a fim de poder transmitir a nossa
percepção: falamos de um branco “sujinho” ou de um gelo “claro” ou “muito clarínho”.
Para o ouvinte, obviamente, estas explicações .nem sempre serão muito úteis.
Pense, por um momento, na seguinte afirmação: “ a arara é azul”. Quando fazemos
declarações deste gênero a respeito das cores dos objetos que se encontram em nosso
ambiente, não temos consciência de que na realidade ocorre uma série de coisas muito
interessantes entre a luz do Sol (que é branca, portanto, composta de todos os
comprimentos de onda do espectro visível) que incide sobre as penas da arara, a luz que
é refletida da superfície do corpo da ave e a minha afirmação de que o animal “é azul”.
Na realidade, o que se verifica é que, de todos os comprimentos de onda que incidem
sobre as penas da arara, todas as cores são absorvidas pelas penas, exceto a cor azul, que
é refletida e atinge minha retina quando observo o animal. Quando misturamos nossas
tintas para pintar, estamos misturando diversos pigmentos que têm a capacidade de
absorver uma parte das luzes do espectro e refletir outras. Já vimos que misturando três
cores de luzes — azul, verde e vermelha — obtém-se uma luz branca (lâmina 5.3a). O
mesmo não acontece, porém, se misturarmos nossas tintas azul, amarela e vermelha,
porque desta vez estamos misturando substâncias químicas (pigmentos) que têm
propriedades próprias, e o resultado será uma tinta de cor preta. Estas três (azul, amarelo
e vermelho) são as cores primárias (lâmina 5.3b). Para obter uma tinta de cor branca,
precisamos de um pigmento que tenha a capacidade de refletir todos (ou quase todos) os
comprimentos de onda da luz solar. A cor que percebemos como preta é precisamente a
quase ausência de luz refletida da superfície de um objeto.

Vamos refletir a respeito dos termos empregados para designar as cores. Percebemos de
imediato que temos apenas quatro termos básicos: vermelho, amarelo, verde e azul.
Temos ainda dois termos relativamente distintos: marrom e violeta. Existem algumas
cores que são designadas pela combinação dos termos acima mencionados, como, por
exemplo, azul-esverdeado, verde-azulado, amarelo-esverdeado e assim por diante. Um
grande número de matizes são descritos através da comparação com objetos
característicos, como, por exemplo: azul-celeste, verde-garrafa, amarelo-ouro,
vermelho-tijolo e cor de areia. Deve-se ter em mente, porém, que este tipo de
designação não está completamente livre de ambigüidades, pois os “objetos
característicos” podem ser incomuns, não existir ou apresentar coloração diferente em
diferentes regiões geográficas. A designação “cor de laranja”, usual nos Estados do sul
do Brasil é freqüentemente substituída por “cor de jerimum” no nordeste, pois nesta
região as laranjas, além de menos freqüentes, têm usualmente uma coloração amarelo-
esverdeada.
Por outro lado, dar nomes cientificamente corretos às cores sempre foi um problema
difícil, e dentre as propostas mais importantes para uma solução encontra-se a sugestão
dada em 1915 por um retratista americano de nome Albert Munseli. Ele criou um
sistema de representação tridimensional de cores que permite incorporar as variáveis
brilho, matiz e saturação. O brilho refere-se à intensidade de cor. O matiz refere-se ao
comprimento de onda e é a característica do estímulo que percebemos como cor; a
saturação refere-se à pureza da cor. Tomemos o cor-de-rosa como exemplo: vermelho e
cor-de-rosa têm o mesmo matiz, isto é, a mesma cor, o que os distingue é sua saturação,
pois o cor-de-rosa é um vermelho diluído. O sólido elaborado por Munsell assemelha-se
a uma laranja de 20 gomos, na qual cada gomo é reservado para uma determinada cor
que pode variar de saturação, dependendo da distância a que ela se encontra do eixo
central onde se concentram os tons mais acinzentados (menos saturados). Variações no
brilho, que é outra variável das cores, são ordenadas de baixo para cima em cada gomo
e dependem da quantidade de branco ou preto que foi adicionado à cor.
Aproximadamente a mesma representação foi adotada por Geldard quando elaborou o
fuso de cor mostrado na figura 5.3. Na lâmina 5.4, encontra-se um círculo de cores, ou
círculo cromático, contendo as cores do espectro solar e a púrpura, que não faz parte
deste espectro.
5.5. “Ver cores com as mãos” — Uma capacidade extra-sensorial?
Depois que duas repórteres americanas divulgaram o caso de uma camponesa russa que
era capaz de discriminar cores com as mãos, verificou- se que muitas pessoas possuíam
esta mesma capacidade, para a qual não

82

83

Verde

Figura 5.3. Uma forma simples do fuso de cor. A dimensão de brilho é representada
pelo eixo vertical, que vai do branco ao preto, passado por todos os cinzas
discrimináveis. A saturação da cor é representada pelo raio do círculo central e seu
perímetro representa o matiz. E no perímetro do fuso que se encontram todos os
comprimentos de onda do espectro visível (cores), bem como as púrpuras que são cores
não espectrais resultantes da mistura de cores das extremidades do espectro (violeta e
vermelho). Trata-se, portanto, de cores que não são monocromáticas.

teloso conseguiu demonstrar que não se tratava de poderes misteriosos que estas pessoas
possuíam. Seu primeiro cuidado foi medir a quantidade de calor que era absorvida ou
refletida de superfícies de diferentes cores. A seguir, comparou estas medidas com os
limiares diferenciais para temperatura e descobriu que a diferença entre a quantidade de
calor refletida por uma superfície vermelha e uma superfície azul é muito maior que o
limiar diferencial médio para temperatura do ser humano. Isto é, os receptores de
temperatura da palma da mão têm sensibilidade suficiente para perceber o calor
refletido pelos objetos. Depois que foram demonstradas as propriedades do sistema
sensorial envolvido, o assunto passou da percepção extra-sensorial para a percepção
sensorial.

havia uma explicação. Não se encontrava na pele destas pessoas nada que

se assemelhasse a um fotorreceptor. Alguns autores chegaram a afirmar que


aproximadamente trinta por cento das pessoas teriam esta capacidade, e publicaram-se
manuais ensinando as principais etapas para a aquisição desta discriminação. Após
muita controvérsia, um cientista mais cau o

Branco

Preto
.

84

85

6
Percepção de espaço, distância, profundidade e tamanho
O espaço que nos cerca e os objetos nele contidos podem ser percebidos através de
várias modalidades sensoriais. Por exemplo, você está lendo uma revista em seu quarto.
De repente, ouve o choro de um bebê. O choro persiste. Você resolve ir até o berço
instalado em outro quarto para ver o que aconteceu. Lá, você se depara com uma
pequena criatura muito infeliz, que rapidamente se aloja em seus braços. Por meio da
visão você pode comparar o bebê com o tamanho do berço e o comprimento de seus
braços. Desta forma, avalia corretamente o tamanho do rebento. O corpo do bebê exerce
pressão sobre a pele de seus braços e, para mantê-lo aconchegado em seu colo, os
músculos dos seus braços se contraem. Esta pressão e contração fornecem informações
adicionais a respeito do peso e tamanho do pequeno chorão. Ao afagá-lo, você sente a
maciez da sua pele e verifica que sua temperatura está normal. Ao beijar-lhe a cabeça,
sente aquele cheirinho característico de bebê novo.
Neste exemplo, as informações foram captadas e transduzidas por, pelo menos, quatro
modalidades sensoriais: audição, visão, tato e olfato. Pela audição você tomou
conhecimento da presença do bebê chorão. A intensidade do som permitiu avaliar a
distância a que se encontrava, isto é, se estava dentro da casa, no quintal ou no vízinho.
A direção do som, por sua vez, forneceu informações sobre o local da residência em que
o bebê se encontrava. Através destas informações auditivas, você foi capaz de
identificar, com precjsão, uma parte do espaço ao seu redor. Avaliou alguns dos
elementos nele contidos como, por exemplo, o local e a distância a que se encontrava a
fonte sonora, e então deu início a uma seqüência de comportamentos que culminaram
com a sua presença diante do berço. Através da visão, olfato e tato você pôde coletar
mais informações a respeito do estado físico e emocional do bebê: não estava ferido
(visão), não

havia vomitado (visão e olfato), não estava molhado (visão, tato e olfato)
e não estava com febre (tato). Suas conclusões seriam bem diferentes se
o bebê fosse membro da família dos seus vizinhos e estivesse acomodado
na casa adjacente à sua. Nestas circunstâncias, as informações seriam, provavelmente,
apenas auditivas.
Freqüentemente, procuramos enriquecer nossas informações a respeito de objetos que
nos cercam estimulando, adequadamente, o maior número possível de orgãos sensoriais.
Há pessoas que, ao comprar arroz e feijão, no mercado ou na feira, não se contentam em
olhar o produto. Antes de escolher o “melhor”, pegam os grãos na mão e os examinam
com o tato, para verificar a sua consistência. Muitos dão uma cheiradinha; outros, no
entanto, só conseguem decidir-se depois de morder um grão. Neste capítulo,
analisaremos separadamente a percepção visual, auditiva, tátil e olfativa do espaço. E
preciso lembrar, no entanto que, em nosso dia-a-dia, todos os órgãos dos sentidos estão
simultânea e constantemente fornecendo um rico e complexo conjunto de informações a
respeito do espaço que nos cerca, bem como do tamanho e distância das coisas nele
contidas e, obviamente, de seu significado.
6.1. Percepção visual do espaço
Para compreender melhor os aspectos visuais da percepção espacial, podemos iniciar
nosso estudo com situações mais simples. Dediquemos nossa atenção a apenas duas
dimensões do espaço: a verticalidade (para cima — para baixo) e a horizontalidade
(esquerda — direita). O exame destes aspectos bídimensionais do espaço permite
avaliar a largura, altura, forma e tamanho de figuras e objetos. O ser humano, no
entanto, vive em um mundo tridimensional, onde a percepção da espessura ou
profundidade dos objetos e a distância que deles nos separa também é fundamental.
Veremos mais adiante a delicada relação entre a percepção visual do espaço bi e
tridimensal, a percepção da contração e relaxamento de nossos músculos e a percepção
do equilíbrio de nosso corpo.
6.1.1. Percepção do espaço bidimensional
De 1930 a 1960, Witkin e outros pesquisadores realizaram uma série de experimentos
que consistiam, basicamente, em pedir às pessoas que colocassem uma haste na posição
vertical. A princípio, isto parecia muito simples. Mas começou a ganhar complexidade à
medida que novas condições experimentais foram sendo investigadas. Por exemplo: a
presença ou

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ausência de outros estímulos visuais além da haste vertical; a orientação espacial destes,
como paredes e molduras verticais ou inclinadas; a variação das condições posturais,
acomodando os sujeitos em cadeiras inclinadas; a alteração da estimulação
proprioceptiva, pela força centrífuga e gravitacional resultante da rotação do cubículo
em que o sujeito se encontrava. Estes experimentos mostraram que nossa percepção de
verticalidade e horizontalidade (espaço bidimensional) é resultante da interação entre
fatores visuais e proprioceptivos.
Os indícios visuais são predominantes. Porém, à medida que são removidos, a
percepção do espaço bidimensional passa a depender, cada vez mais, da estimulação
proprioceptiva resultante da contração dos músculos e do equilíbrio ou desequilíbrio do
corpo. E mais ou menos como diz o velho ditado “quem não tem cão, caça com gato”.
Um resultado adicional, encontrado nestas pesquisas sobre percepção do espaço,
mostrou uma relação entre características de personalidade e a maior ou menor
dependência de indícios visuais ou proprioceptivos. Pessoas extrovertidas tendem a
basear-se mais em indícios externos fornecidos pela visão, para colocar a haste na
posição vertical. Pessoas introvertidas utilizam, predominantemente, indícios fornecidos
pelo próprio corpo, através das sensações proprioceptivas.
A contribuição dos indícios proprioceptivos torna-se evidente quando tentamos nos
locomover num recinto completamente escuro. Apalpando aqui e ali, conseguimos
recolocar em sua posição vertical correta móveis e objetos derrubados, tendo como
único ponto de referência nossa própria postura e sensação de equilíbrio. Se você quiser
testar sua capacidade de perceber a verticalidade de objetos, experimente, com os olhos
venda- dos, recolocar na posição vertical um quadro anteriormente desalinhado na
parede. A incrível interação entre indícios visuais e proprioceptivos pode ser avaliada
nos relatos de pessoas que foram submetidas à gravidade próxima de zero, isto é,
ficaram sem peso como os astronautas no espaço. A princípio, elas têm dificuldades de
orientar-se, mas acabam se adaptando a um ambiente no qual tudo flutua.
Documentários filmados durante os vôos espaciais e a caminhada dos astronautas na
Lua mostram claramente esta capacidade de adaptação.

6.1.2. Percepção do espaço tridimensional

Além da verticalidade (altura) e horizontalidade (largura), percebemos uma terceira


dimensão: a espessura (ou profundidade) dos objetos e a que distância se encontram uns
dos Outros ou de nós. Há um fato interessante a respeito da percepção desta terceira
dimensão: as imagens do mundo tridimensional são projetadas sobre a retina, que é uma
estrutura bidimensional. Nosso comportamento, porém, mostra que percebemos cor-

retamente a terceira dimensão (distância e profundidade). Como esta informação é


preservada? Resultados experimentais, obtidos de estudos diversos, permitiram reunir
três tipos de indícios de profundidade responsáveis pela nossa percepção de distância:
musculares, binoculares e monoculares.

6.1.2.1. Indícios musculares


Dois conjuntos distintos de músculos proporcionam informações sobre a distância.
— Primeiro, os músculos que controlam a posição dos nossos olhos quando fitamos
objetos próximos e distantes (fig. 6.1). Se você quiser sentir estes músculos,
experimente a seguinte ginástica. Segure um lápis com o braço estirado à sua frente (fig.
6.2). Olhe para o lápis, prestando atenção ao tamanho e visibilidade dos objetos atrás
dele. A seguir, olhando fixamente para o lápis, aproxime-o de seu nariz. Seus olhos
estarão convergindo para uma posição gradativamente mais desconfortável. Quando
estiver com o lápis bem próximo de seu nariz, preste atenção novamente ao tamanho
dos objetos atrás do lápis. Você notará que parecem consideravelmente menores. Isto é,
à medida que aumenta a distância entre o lápis

Músculo reto superior

Músculo elevador da pálpebra superior

Músculo reto interno

Músculo reto externo

Nervo óptico

Músculo reto inferior

Músculo oblíquo inferior

Figura 6.1. Músculos do olho.

Músculo oblíquo superior

Tróclea

88

89

1
b

e os objetos do fundo, estes parecem menores. Portanto, a convergência


dos olhos proporciona informações tanto sobre a que distância se encontra o objeto que
estamos observando, quanto sobre a distância entre ele
e outros objetos do ambiente. Os indícios fornecidos por estes músculos
proporcionam informações sobre objetos próximos (a menos de 25 metros).
— Segundo, os músculos ciliares (fig. 6.3), responsáveis pela curvatura e espessura do
cristalino, que, por sua vez, tem a finalidade de acomodar a imagem do objeto com
nitidez sobre a retina. Para objetos que se encontram a distâncias superiores a 8 metros,
estes músculos não fornecem indícios de profundidade. A esta distância, o cristalino já
tem sua curvatura mínima.
Os indícios provenientes destes dois conjuntos de músculos proporcionam informações
a respeito da distância de objetos muito próximos de nós. São, portanto, indícios não
mediados pelos fotorreceptores da retina, e sim pelos mecanorreceptores que se
encontram nesses músculos.

6.1.2.2. Indícios binoculares

Você já pensou como deve ser o mundo visual das galinhas? Cavalos e algumas espécies
de aves e peixes possuem olhos voltados para duas regiões completamente diferentes do
ambiente. Disto resultam duas imagens retinianas bem distintas. Elas têm em comum
apenas uma pequena parte do campo visual situada bem à sua frente. No ser humano, no
entanto,

Figura 6.3. Músculos ciliares, responsáveis pela espessura do cristalino, a) Músculo


relaxado
- cristalino achatado (acomodação para longe). b) Músculo contraído - cristalino de
curvatura aumentada (acomodação para perto).

os olhos estão na frente da cabeça, ambos voltados para o mesmo campo visual. A
distância relativamente pequena (aproximadamente 6,5 cm) entre as duas pupilas dá
origem a duas imagens retinianas levemente discrepantes. Para avaliar a magnitude das
diferenças, faça a seguinte tentativa:
pegue um lápis, feche um olho, e com o outro olhe para um objeto a uma certa distância,
como um quadro na parede, por exemplo. A seguir estenda seu braço. Tente alinhar o
lápis, de tal forma que ele cubra uma parte específica do quadro. Permaneça imóvel
nesta posição. Agora, feche o olho que estava aberto e abra aquele que estava fechado.
O que acontece? Parece que o lápis mudou de posição em relação ao quadro, o que não
é verdade, pois o seu braço permanece firme e imóvel no mesmo lugar. Comece a
piscar, fechando e abrindo os olhos alternadamente. Você verá o lápis “pulando” de um
lado para o outro. Isto ocorre porque cada olho recebe uma imagem um pouco diferente
dos mesmos objetos, isto é, há uma discrepância entre as duas imagens. Esta
discrepância é conhecida como disparidade bin ocular, disparidade retiniana ou
estereopsia. E precisamente da desigualdade das imagens projetadas nos dois olhos que
o cérebro extrai a informação sobre a que distância o objeto se encontra do obser
Acomodaçã

para longe

Acomodação para perto

Figura 6.2. A convergència dos olhos, a) Diante de objetos distantes. b) Diante de


objetos muito próximos.

ciliar

90

91

(‘/:
dq,o

vador. Isto pode ser comprovado com o auxílio de aparelhos conhecidos como
estereoscópios. O efeito é obtido tirando-se duas fotos do mesmo objeto, no mesmo
momento, com duas máquinas fotográficas colocadas a 6,5 cm uma da outra, ou seja, à
mesma distância de um olho para o outro. As duas fotos levemente desiguais são
colocadas no estereoscópio, que projeta imagens separadas e diferentes em cada olho.
Portanto, o observador encontra-se numa situação semelhante àquela verificada durante
a visão normal. Da diferença entre a estimulação, resulta a impressão de profundidade.
6.1.2.3. Indícios monoculares
Além dos indícios musculares e binoculares, há uma série de outros que permitem a
percepção de espaço quando a observação é feita com um olho apenas. Os denominados
indícios monoculares são comumente utilizados quando se deseja criar a percepção de
espaço em fotografias, desenhos e pinturas. O cinema e a televisão, que nada mais são
do que a projeção de imagens em telas, recorrem a estes recursos com muita freqüência.
E difícil imaginar que, em outras eras da civilização ocidental, os artistas não tivessem
conhecimento de muitas normas hoje consideradas elementares. L.eonardo Da Vinci
(1452-1519), durante o Renascimento, foi responsável pela primeira descrição detalhada
da perspectiva, um dos indícios monoculares de distância. Dentre os vários indícios
monoculares, destacaremos alguns, como: tamanho relativo dos objetos, perspectiva
linear, gradiente de textura e densidade, superposição ou interposição, luz e sombra,
perspectiva aérea e paralaxe de movimento (fig. 6.4).
Figura 6.4. Alguns dos principais indícios monoculares de distâncias. Tamanho
relativo: objetos de mesmo tamanho colocados a diferentes distâncias projetam imagens
de diferentes tamanhos sobre a retina - os próximos produzem imagens grandes e os
distantes, imagens pequenas. Isto é, o tamanho relativo da imagem retiniana pode
proporcionar informações sobre a distância a que o objeto se encontra. Uma imagem
pequena pode significar um objeto grande distante ou um objeto pequeno próximo.
Perspectiva linear: paralelas sâo retas que nâo se encontram. Porém, os trilhos da
ferrovia e as marcas dos pneus na auto-estrada parecem convergir à distância no
horizonte. Esta convergência aparente de paralelas é um dos sinais dos quais nosso
cérebro extrai informações a respeito da distância. Gradiente de textura: sempre que
nos deparamos com numerosos elementos semelhantes formando uma superfície como
ladrilhos, tacos ou pedras no chão, aqueles que estão próximos projetam imagens
retinianas maiores que os distantes. Esta diferença progressiva das imagens retinha- nas
proporciona um gradiente de textura no qual os elementos distantes parecem
gradativamente menores e mais numerosos. Superposição: dados dois objetos, se um
oculta parcial- mente o outro, este é percebido como estando mais próximo. Luz e
sombra: a maioria das fontes luminosas encontra-se no alto conferindo um conjunto
característico de luz e sombras ao ambiente. Em geral a parte superior dos objetos é
mais brilhante, havendo sombra na parte inferior. Se você virar o livro de cabeça para
baixo, provavelmente a “bola” sobre a caixa parecerá uma cavidade, e a cavidade
parecerá uma bola pendurada no teto. Perspectiva aérea: objetos muito distantes
parecem embaçados e azulados.

Tamanho relativo Perspectiva linear

Gradiente de textura Superposição

Luz e sombra Perspectiva aérea

92

93

• Tamanho relativo dos objetos


Como vimos, quando um objeto se afasta do observador, sua imagem projetada na retina
diminui gradativamente de tamanho. Portanto, dois objetos conhecidos e de igual
tamanho, um próximo e outro distante, projetarão imagens de tamanhos diferentes na
retina. E precisamente desta diferença de tamanho que o cérebro extrai informação
sobre a distância a que se encontram os objetos. Como se vê, a percepção de tamanho e
a percepção de distância estão vinculadas. A importância desta relação torna-se óbvia
nas discrepâncias encontradas em descrições de objetos desconhecidos encontrados em
lugares ermos ou mal iluminados, desprovidos de pontos de referência para o
julgamento do tamanho ou da distância.
• Perspectiva linear
Você certamente já notou que os trilhos de uma estrada de ferro, apesar de paralelos,
parecem convergir em algum ponto no horizonte distante. O mesmo acontece com os
acostamentos das estradas de rodagem e com as árvores que ladeiam longas alamedas. A
esta convergência aparente de linhas paralelas no horizonte damos o nome de
perspectiva linear. Na representação bidimensional em desenhos e fotografias, os trilhos
sempre aparecem como convergentes. Disto resulta a impressão de profundidade e
distância.
• Gradiente de textura e densidade
Superfícies inteiramente lisas são raras. De um modo geral, a superfície dos objetos é
irregular, possuindo estruturas que se distribuem de forma mais ou menos uniforme por
toda a sua extensão, dando-lhe uma textura particular. E o que ocorre com a pele, a areia
da praia, as pedras do chão, o veludo, um gramado ou uma parede de tijolos. Da
próxima vez que você estiver no corredor da sua Faculdade, preste atenção ao chão, em
particular ao piso de taco, ladrilho ou pedra. Verifique como, à medida que seu olhar se
fixa mais longe, as pedras parecem menores e mais numerosas. Sua textura adquire um
aspecto gradativamente mais fino ou mais denso. Portanto, a textura da superfície
fornece informações importantes a respeito da distância a que se encontram as pessoas e
objetos do nosso ambiente. Por exemplo, observe dois amigos jogando bola em um
campo de futebol. Aquele que estiver sobre a região do gramado que se assemelha a um
denso tapete de veludo parecerá mais distante do que o outro, que joga na região do
campo mais próxima de você, onde ainda é possível discriminar folhas e falhas na
grama. Estas modificações gra duai

formam um gradiente de textura em que objetos distantes são encontrados nas regiões
do solo cujas projeções retinianas são pequenas. Nas regiões do solo que projetam
imagens maiores, estarão os objetos mais próximos.
Além das modificações na textura, é preciso lembrar que, na forma dos elementos da
superfície, também ocorrem modificações aparentes, conforme as regras da perspectiva
descritas anteriormente. Voltemos ao chão do corredor da sua Faculdade: além de
parecerem menores e mais numerosos à distância, os ladrilhos (tacos ou pedras) que são
quadrados (ou retangulares) parecem possuir uma forma trapezóide. Ou seja, o lado
mais distante do ladrilho projeta uma imagem menor na retina do que o lado mais
próximo de você.
O gradiente de textura da superfície varia de acordo com a sua inclinação, fornecendo
informações importantes sobre subidas e descidas de ruas, rampas e estradas e a
presença de despenhadeiros ou degraus. Quando a superfície do chão é muito lisa,
uniforme e mal iluminada, é difícil perceber degraus. Por esta razão, é prudente
acrescentar faixas coloridas ou de material contrastante, para criar um gradiente de
textura e assim evitar acidentes.
E preciso não esquecer que estamos estudando cada um destes indícios, separadamente,
com o intuito de conhecê-los melhor. Porém, quando nos movimentamos em nosso dia-
a-dia, todos eles operam em conjunto, proporcionando-nos meios de julgar o ambiente
pronta e precisamente.
• Superposição, interposição ou oclusão
Há uma lei da Física que afirma, muito acertadamente, que dois objetos não podem
ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Na retina, as imagens dos objetos de um
mundo de três dimensões são projetadas sobre uma superfície de apenas duas
dimensões, na qual não existe a dimensão da profundidade. A informação sobre a
distância e a profundidade é preservada por meio da oclusão parcial de uma imagem
pela outra. Se estivermos observando três ou quatro objetos enfileirados à nossa frente,
o primeiro projetará sobre nossa retina uma imagem que encobrirá parcialmente o
segundo. Este, por sua vez, ocultará uma parte do seguinte, e assim sucessivamente.
Esta interposição, superposição ou oclusão proporciona um forte indício para a
percepção da distância relativa entre objetos.
• Luz e sombra
No mundo em que vivemos, a iluminação vem quase sempre de cima, do Sol, da Lua ou
das luminárias do teto. Iluminação colocada em outras regiões do ambiente proporciona
efeitos surpreendentes e por ve 94

95

zes assustadores. Decoradores e diretores de filmes de terror utilizam-se deste recurso


com freqüência. Experimente olhar-se no espelho, num recinto completamente escuro,
tendo como única fonte de iluminação uma lanterna, colocada um pouco abaixo do seu
queixo, iluminando seu rosto de baixo para cima. Que tipo de emoção você sentiu ao
contemplar-se assim no espelho? Peça a participação de familiares e amigos. Verifique
como a sua reação muda à medida que uma outra pessoa movimenta lenta- mente a
posição da lanterna do queixo para a testa, onde a luz deverá ser apresentada de cima
para baixo.
Em parte, a beleza surpreendente do nascer e pôr do Sol é devida aos efeitos de luz e
sombra criados nos objetos e paisagens, alterando seu tamanho e forma. Proprietários de
casas noturnas de espetáculos aproveitam-se deste indício para criar climas especiais de
entretenimento, instalando a iluminação no chão. Diretores de filmes de terror e técnicos
de efeitos especiais, no cinema e na televisão, lançam mão deste indício para nos
proporcionar espetáculos convincentes. Técnicas modernas de maquilagem oferecem à
mulher a oportunidade de alterar o rosto, através dos efeitos de luz e sombra, permitindo
ressaltar alguns aspectos de sua fisionomia e atenuar outros. E fácil entender que
cosméticos mal empregados podem produzir drásticos efeitos, contrários aos desejados.
Já vimos, no item anterior, que a oclusão parcial de imagens na retina é um indício da
distância relativa entre objetos.
Perspectiva aérea
Eis aí um indício de distância muito conhecido de todos que vivem na zona rural e em
cidades poluídas. Quanto maior a distância maior o número de partículas de água, pó e
poluentes existentes no ar, entre observador e objeto observado. Disto resultam objetos
que parecem progressivamente menos nítidos, mais azulados, violáceos ou
acinzentados. Cor seqüentemente, menos detalhes poderão ser discriminados. O recurso
c empregar figuras pouco nítidas e azuladas é freqüentemente utilizado por artistas que
desejam criar a percepção de profundidade em seus desenhos, pinturas e filmes, O
emprego de fumaça e vapor nos modernos shows de música alteram a percepção de
distância nos palcos de pouca profundidade.
• Paralaxe de movimento
Este é o último dos indícios de profundidade que descreveremos, lembrando que ainda
existem outros. Trata-se de um indício cinético, pois é produto da movimentação do
próprio observador ou dos objetos observados. Da próxima vez que você estiver em um
veículo em movimento,

preste atenção ao seguinte detalhe: objetos próximos, como postes, árvores, portões e
porteiras, parecem movimentar-se rapidamente no sentido contrário ao seu. Ao passo
que edifícios, casas e colinas distantes, além do seu ponto de fixação visual, parecem
deslocar-se lentamente com você, isto é, no mesmo sentido. Esta aparente discrepância
entre o movimento de objetos próximos e distantes fornece importantes indícios sobre a
profundidade do espaço em que você se encontra. E denominada de paralaxe de
movimento. Se, por outro lado, você não quiser esperar até seu embarque em um
veículo, tente a seguinte experiência imediatamente: pegue dois lápis; segure um com a
mão esquerda, próximo de seu rosto; o outro com a mão direita e com o braço bem
esticado à sua frente. Olhe fixamente para o lápis próximo e mova a sua cabeça de um
lado para o outro, sem perder o lápis de vista. Observe o que acontece com o lápis
distante: ele parece mover-se na mesma direção que a sua cabeça. Agora faça o mesmo,
olhando fixamente para o lápis distante. Mova novamente a cabeça de um lado para o
outro. Você verá que, desta vez, o lápis próximo, para o qual você não estava olhando,
desloca-se na direção contrária ao movimento lateral da sua cabeça.
A paralaxe de movimento pode ser considerada o principal indício de profundidade,
pois está presente em recém-nascidos mesmo antes que estes possam coordenar os
movimentos de seus olhos. Adultos que possuem apenas uma vista funcional valem-se
do mesmo indício, como é possível verificar pela movimentação característica de sua
cabeça quando querem julgar a distância. E utilizada também por animais, como, por
exempio, galinhas e cavalos, dotados de olhos cujos campos visuais são separados ou
têm pouca ou nenhuma sobreposição.
No transcorrer deste capítulo, analísamos a percepção do espaço bi e tridimensional
separadamente. E óbvio, no entanto, que a percepção do espaço que nos circunda
depende da interação de todos os indícios. Seguramente, esta riqueza tão grande de
indícios visuais contribui para a sobrevivência e formidável adaptação do ser humano
sobre o planeta.
6.2. Percepção auditiva do espaço
Já vimos, no exemplo de nosso bebê chorão do princípio do capítulo, que a percepção
do espaço é proporcionada por diversas modalidades sensoriais. Vimos o importante e
complexo papel desempenhado pela percepção visual. Vale a pena acrescentar mais
alguns detalhes úteis sobre a percepção auditiva do espaço.
Por meio do sistema auditivo, muitos objetos e elementos do ambiente podem ser
detectados, localizados e identificados, permitindo que sua natureza e trajetória no
espaço sejam prontamente percebidas. Você, certamente, ainda se recorda da
importância de possuirmos dois olhos e do fa 96

97

to de que o cérebro extrai informação sobre a localização no espaço tridimensional da


discrepância entre as duas imagens retinianas, parcialmente diferentes. Também
possuímos dois ouvidos, e as diferenças temporais na estimulação de suas respectivas
células receptoras fornecem informações sobre a localização da fonte sonora.
Raramente as fontes sonoras em nosso ambiente se encontram à nossa frente.
Freqüentemente, os sons são emitidos por objetos, animais ou pessoas que, como nós,
movimentam-se pelo espaço. Assim sendo, atingem primeiramente um ouvido e a seguir
o outro. Se você encostar um despertador a seu ouvido direito, você ouvirá o seu tique-
taque primeiramente com este ouvido e, apenas meio milionésimo de segundo depois,
poderá ouvi-lo também com o ouvido esquerdo. Não é apenas quanto ao tempo de
chegada que o estímulo sonoro difere; quanto à intensidade também. O som que atinge
o segundo ouvido é sempre menos intenso: é atenuado pela barreira do crânio.
Destas diferenças temporais e de intensidade, o cérebro extrai informações sobre a
localização da fonte sonora no espaço. A informação visual e auditiva do ambiente é
captada por dois órgãos sensoriais simetricamente localizados na cabeça. Os impulsos
nervosos oriundos de um olho (ou ouvido) diferem ligeiramente daqueles oriundos do
outro. Desta diferença não resulta nenhuma confusão na percepção, como poderíamos
esperar. Muito pelo contrário, a discrepância fornece ao cérebro elementos para uma
correta percepção do espaço visual (distância e profundidade) e auditivo (localização).
Quando, por exemplo, olhamos para uma pessoa que está falando conosco bem na nossa
frente, a discrepância de vermos com os dois olhos e ouvirmos com os dois ouvidos é
mínima. Disto resultará um julgamento correto a respeito do local e da distância em que
se encontra nosso interlocutor. A intensidade do som também nos fornece informação
sobre a distância em que se encontra uma fonte sonora conhecida. A experiência nos
ensina que os sons diminuem de intensidade à medida que se distanciam as suas fontes
sonoras. Em recintos grandes, como cinemas, teatros, igrejas e salas de conferência, é
preciso tomar providências para que a platéia possa ouvir bem em qualquer lugar.
Atualmente, é possível superar muitas dificuldades com o auxílio das modernas
soluções eletrônicas, empregando amplificadores e alto-falantes. No passado, uma parte
do sucesso dos cantores de ópera, corais e das grandes orquestras e bandas era devida à
grande intensidade dos sons emitidos nestes espetáculos. Durante muitos séculos,
arquitetos de todo o mundo vêm desenvolvendo normas para construção de grandes
espaços que favoreçam a propagação do som, evitando, porém, a formação de ecos. De
um modo geral, estes recintos têm um teto muito elevado que não é paralelo ao chão. As
velhas e famosas catedrais européias e nossas igrejas coloniais fornecem exemplos de
soluções arquitetônicas bem-sucedidas.
Há situações em que o eco é propositadamente criado e empregado para a percepção de
objetos no espaço. Este procedimento é freqüente por

parte das pessoas portadoras de deficiências visuais. Elas se utilizam do eco de seus
próprios passos para obter informação sobre a presença de objetos próximos. Neste
caso, os ecos desempenham um papel importante em sua locomoção. Um mecanismo de
orientação espacial semelhante é utilizado pelos morcegos enquanto voam. Através do
eco de sons gerados por eles mesmos, caçam mjnúsculos insetos. Evitam colisões com
objetos do ambiente, voando com espantosa agilidade e precisão. O “sonar” provoca eco
no meio líquido e permite detectar, com auxílio de aparelhos especiais, cardumes e
objetos submersos. Na Medicina, sua aplicação oferece a oportunidade de obter
informações sobre as características e funcionamento de estruturas anatômicas, como o
coração e os órgãos genitais do feto, muito antes de seu nascimento. Desta forma, o
médico avalia o desenvolvimento do feto e, também, os pais são auxiliados na escolha
do nome e da cor do enxoval do bebê. A ecografia é uma descrição muito útil da forma e
funcionamento do coração. O ser humano não tem receptores adequados para captar os
sons empregados no sonar. Estes são emitidos e captados por aparelhos especiais que os
transformam em estímulos visuais.
A percepção auditiva é apenas um aspecto da complexa percepção
espacial do ser humano. Informações audiovisuais a respeito de objetos
e pessoas são comparadas com informações táteis, cinestésicas, olfativas
e gustativas. Portanto, quanto mais abundantes forem as informações,
maior a probabilidade de um julgamento correto do espaço e dos objetos
nele contidos.
6.3. Percepção espacial tátil
Dizem que “tamanho não é documento”. Convém lembrar, no entanto, que a pele é o
maior de nossos órgãos sensoriais. E prontamente empregada pelo bebê recém-nascido,
ao iniciar sua interação com o ambiente. De certa forma, a pele se assemelha à retina do
olho e à cóclea do ouvido. Nos três órgãos sensoriais, os receptores encontram-se
agregados, um ao lado do outro, em uma superfície sobre a qual incide a energia
existente no ambiente. Por meio da visão e da audição, freqüentemente tomamos
conhecimento de objetos muito distantes, como, por exemplo, um avião a grande
altitude. As vezes, o tato também nos auxilia a perceber melhor objetos distantes. E o
que ocorre quando passamos em frente de uma geladeira cuja porta está entreaberta. O
ar frio que sai da fresta é prontamente percebido pelos receptores térmicos da pele. A
intensidade da temperatura permitirá avaliar se estamos próximos ou distantes do
aparelho. Quando adormecemos sobre a esteira, na praia ou na beira da piscina, os
receptores térmicos não permitirão que o sol seja esquecido. De um mo 98

99

6.5. Interação multi-sensoríal

do geral, no entanto, o tato fornece informações sobre objetos que já estão em contato
com nossa pele. Um exame mais detalhado pode fornecer informações importantes a
respeito da temperatura, forma e tamanho do objeto. O tato contribui para tomarmos
consciência de nosso próprio corpo, auxiliando-nos a discriminar o “Eu” do “Não Eu”,
isto é, diferenciar nosso corpo dos demais objetos do ambiente.
A interação entre tato e cinestesia permite a obtenção de informações importantes e
detalhadas sobre objetos próximos, ao alcance da mão. Percebendo a temperatura, a
textura dos tecidos que nos envolvem e a posição de nossos braços, mãos e dedos,
somos capazes de puxar o lençol e descartar o cobertor, sem precisar acender a luz do
quarto nas noites quentes de verão. O tato permite discriminar um do outro. Através da
cinestesia, afastamos o cobertor indesejável a uma distância adequada de nosso corpo. A
percepção do espaço imediato e distante é perfeita, graças à sofisticada interação
múltipla das modalidades sensoriais.
6.4. Percepção olfativa do espaço
Enquanto escrevíamos estas linhas, sentimos o cheirinho da carne assando sobre a brasa
da churrasqueira de um de nossos vizinhos. Com um leve movimento de cabeça, foi
fácil localizar a fonte do conhecido odor:
estava na direção do quintal. Portanto, sem sair do gabinete, foi possível tomar
conhecimento de objetos relativamente distantes, como a churrasqueira, carvão e carne
de casas vizinhas. A intensidade do cheiro permitiu avaliar a distância do churrasco.
Para maiores informações sobre a localização exata, forma, cor e tamanho do churrasco,
precisamos da visão. Para saber se o tempero estava bom, bastou felicitar o vizinho
aniversariante e aceitar o prato que nos ofereceram. Estava delicioso! Temos duas
narinas pelas quais o odor das substâncias penetram. Portanto, se o odor está sendo
propagado por uma brisa que vem da direita para a esquerda, atingirá primeiramente
uma narina e, depois de fração de segundos, a outra. Como na audição, o resultado é
uma diferença temporal entre a estimulação olfativa proveniente dos receptores. Porém
nós não percebemos dois cheiros; percebemos um odor que vem de um lado. Isto é, a
discrepância temporal entre os estímulos permite perceber a localização da fonte de
estimulação. Através do olfato, recebemos informações sobre determinadas
características qualitativas do espaço, imediato e distante. Por exemplo, podemos
avaliar se o local em que nos encontramos é arejado ou se está abafado, se a água da
piscina contém cloro, se há ou não vazamento de gás no fogão. Estas informações a
respeito do espaço e dos objetos nele existentes são fundamentais para a nossa
sobrevivência. Não poderiam ser fornecidas pela visão e audição. ,.--
/ 3_’ ‘.
/ \‘
100

Graças à riqueza de informações existentes a respeito do espaço e à extraordinária


interação entre todas as modalidades sensoriais, somos capazes de perceber e viver
adequadamente, mesmo quando ocorrem deficiências temporárias ou permanentes em
uma destas modalidades, como por exemplo, na cegueira e surdez.
6.6. Percepção do tamanho
Nossa percepção de tamanho é excepcional. Vejamos se você concorda: coloque sobre
uma mesa um objeto qualquer, como um copo ou este livro. A seguir, dê um passo para
trás. Olhe bem para o objeto e diga, em voz alta, quantos centímetros você acha que ele
tem de altura (ou comprimento). A seguir, dê mais um passo para trás e faça um novo
julgamento de seu tamanho que seja independente do julgamento anterior. Continue
procedendo da mesma maneira por mais uns cinco ou seis passos, sempre observando
atentamente o objeto. Você verificará que, à medida que você se afasta do objeto, sua
percepção de tamanho permanece inalterada. Esta singela experiência pode parecer uma
tolice. Mas é justamente a constância de seu julgamento sobre o tamanho do objeto que
é intrigante.
Tente repetir a mesma experiência. Porém, desta vez, sejamos mais cautelosos. Afaste-
se mais ou menos um ou dois passos do objeto e feche um olho; com um lápis na mão,
estenda o braço bem à sua frente. Tente marcar a altura do copo ou do livro com o
polegar sobre o lápis, como fazem os desenhistas e pintores quando querem medir o
tamanho de objetos. A seguir, dê um passo para trás e torne a medir o tamanho do copo
com o seu lápis; proceda desta maneira a cada passo que se distanciar. E agora, o que
você verificou? Quanto maior a distância entre você e o copo, menor o tamanho
assinalado com o seu polegar no lápis. A imagem projetada na retina sofre modificações
semelhantes. Com o aumento gradual da distância, verifica-se a correspondente
diminuição do tamanho da imagem. E é desta imagem na retina que resultarão os
impulsos nervosos que serão enviados para o cérebro. O que intriga, no entanto, é que
seu julgamento a respeito do tamanho do objeto corresponde ao tamanho real e
imutável. Isto é, apesar da redução do tamanho da imagem na retina você não percebe o
objeto como se estivesse encolhendo. Como explicar esta excepcional capacidade de
perceber corretamente o tamanho dos objetos?
Movidos por esta curiosidade, vários pesquisadores dedicaram seu tempo e interesse ao
estudo da percepção de tamanho. Verificaram que ela depende da percepção da distância
(ou profundidade) e dos demais objetos próximos. Tudo indica que a correta percepção
de tamanho só é pos101

sível porque respondemos a uma relação entre objetos. Isto é, objetos e demais
elementos do ambiente, próximos do objeto observado, determinam a nossa percepção
de seu tamanho. Disto se aproveitam diretores de cinema, televisão, teatro e companhias
de propaganda, confeccionando mobília e outros objetos de grandes dimensões, para dar
a impressão de que o personagem da história é muito pequeno. Quando o efeito
contrário é desejado, ou seja, proporcionar-nos a impressão de que determinado modelo
de automóvel ou poltrona é grande e espaçoso, esses objetos são inseridos entre outros
objetos pequenos, ou, então, são contratados apresentadores muito charmosos, porém de
baixa estatura. Já vimos que um dos indícios de tridimensionalidade do espaço, o
gradiente de textura, informa sobre a que distância se encontram partes diferentes de
grandes superfícies, como o solo e as paredes, uma vez que os seus elementos, como
pedras e tijolos, localizados a grandes distâncias, projetam imagens retinianas muito
pequenas.
A conhecida ilusão visual de Ebbinghaus, apresentada na figura 6.5, ilustra claramente a
importância da relação entre elementos diversos do ambiente. Consiste de dois círculos
de igual tamanho; um circundado por círculos pequenos e outro por círculos grandes. Os
círculos pequenos e suas respectivas imagens retinianas proporcionam indícios de
objetos distantes; as imagens retinianas dos círculos grandes proporcionam indícios de
objetos próximos. Conseqüentemente, os dois círculos centrais iguais são percebidos
como sendo de tamanhos diferentes, pois este julgamento é produto da interação entre
todos os elementos presentes na figura.

Figura 6.5. Ilusão de Ebbinghaus.

Quando somos convidados a julgar o tamanho de objetos, em circunstâncias nas quais


não é possível compará-los com outros objetos, nem julgar a distância, verifica-se que,
se o objeto é conhecido, nossa percepção do seu tamanho é correta porque o julgamos
de memória. Se, porém, o objeto é desconhecido, cometemos erros perceptivos. Esta é
uma das causas prováveis das discrepâncias entre os relatos de pessoas que alegam
terem visto discos voadores. Os erros perceptivos serão obviamente maiores quando as
circunstâncias forem pouco propícias para o julgamento da profundidade, isto é, quando
forem vistos em céu aberto, em praias ou campos desertos, ou na penumbra. Quando a
distância entre observador e objeto for muito grande, a percepção de tamanho pode ficar
comprometida. Por isto nos surpreendemos que automóveis vistos do alto de arranha-
céus pareçam brinquedos e pessoas se assemelhem a formiguinhas. Existem, no entanto,
relatos de pedreiros e limpadores de janelas, acostumados a trabalhar a grandes alturas,
mostrando que a experiência desenvolve uma correta percepção do tamanho dos objetos
e pessoas observadas no solo. Estes profissionais não relatam a sensação de ver
miniaturas.
O tamanho dos objetos também pode ser percebido pela interação entre tato e cinestesia.
Para pegar uma chave escondida sobre um guarda-roupa, em um quarto completamente
escuro, dependeremos do tato e da cinestesia para encontrar o guarda-roupa.
Levantando os braços a fim de alcançar o alto do móvel, os receptores cinestésicos nos
informam se ele é mais ou menos da nossa altura. Se precisarmos ficar na pontinha dos
pés, os receptores cinestésicos das pernas permitirão um julgamento mais seguro de que
se trata de um objeto bem mais alto que nós. Ao esbarrar com a mão na chave, tato e
audição fornecerão informações conjuntas sobre as suas características.
Resumindo, podemos afirmar que nossa percepção de espaço, distância, profundidade e
tamanho depende da interação de muitos indícios captados por várias modalidades
sensoriais, principalmente visuais e cinesté o

oQo
o

sicas.

102

103
7
Percepção da forma
Em todos os objetos que percebemos visualmente, o que mais nos chama a atenção e o
que nos parece mais importante é a sua forma. Em geral, quando solicitados a descrever
um objeto, definimos em primeiro lugar sua forma, só depois descrevemos sua cor, seu
brilho e, talvez, por último vamos nos referir a um seu possível movimento. Por ordem
de importância, esta é a seqüência que as qualidades de um objeto têm para nós. Mas de
modo algum corresponde à seqüência da percepção mais elementar à mais complexa.
Como veremos no capítulo 11, referente à percepção de movimento, é este o percepto
mais primitivo. Muitos animais apenas vêem um objeto quando está em movimento. A
habilidade que os seres humanos têm em olhar para um objeto estacionário e perceber
até os mínimos detalhes de sua forma é reservada apenas aos animais que se encontram
nas posições mais elevadas na escala filogenética. A habilidade de ver formas
estacionárias envolve um alto grau de atividade e desenvolvimento cortical. Certamente,
envolve algumas das funções mais complexas do sistema visual.
Ao estudar percepção de forma, o pesquisador de comportamento se preocupa
basicamente com um problema: como é que um objeto em nosso campo visual — com
seus inúmeros elementos constituintes (ângulos, contornos, áreas contínuas, padrões
repetitivos, curvas etc.) projetados pelo sistema ótico sobre a retina — passa a ser visto
como um objeto integrado, dotado de significado? Em outras palavras, como emerge a
forma (no sentido mais amplo possível), a partir dos elementos constituintes do objeto?
Este problema único pode receber explicações em várias abordagens, num primeiro
instante completamente diferentes, mas que talvez se unam, um dia, sob uma teoria
única. Aqui abordaremos apenas duas linhas de ataque ao problema de percepção
(visão) de forma: uma tomando

como ponto de partida recentes descobertas fisiológicas a respeito do sistema visual, e


outra, uma teoria clássica, a teoria da Gestalt. Esta última é tradicionalmente
considerada a psicologia da forma por excelência, tendo constituído uma escola.
Nascida na Alemanha no início do século XX, com Max Wertheimer, Kurt Koffka e
Wolfgang Kõhler, em oposição ao behaviorismo dos Estados Unidos, mantém adeptos
até os dias de hoje.
7.1. Neurofisiologia da percepção de forma
A imagem luminosa projetada pela córnea e cristalino sobre a camada de receptores —
primeiro elo neural do sistema visual — apenas representa um padrão claro-escuro sem
significado algum. Vamos neste momento deixar de considerar os matizes (cores), uma
vez que a percepção de forma pode ser entendida totalmente desvinculada da percepção
de cores. (Aliás, o próprio sistema visual faz esta separação.)
O padrão claro-escuro (a imagem) estimula diferencialmente os receptores, de acordo
com a iluminação que cai sobre cada receptor “e seus vizinhos”. Esta última expressão
— “e seus vizinhos” — é extremamente importante. Na verdade, é a chave da percepção
de forma: se cada receptor reagisse somente à intensidade da luz que cai sobre ele
mesmo, jamais poderia ser extraída alguma informação a respeito do conjunto de
elementos do objeto. O objeto como um todo nunca poderia ser percebido. Mas se a
resposta de cada receptor depende também da iluminação incidente sobre os receptores
vizinhos, obtém-se informação da parte e do todo, pois a resposta neural do receptor
será diferente se a iluminação a seu lado for totalmente diversa (mais brilhante ou mais
escura), determinando um contorno, ou se a iluminação é exatamente igual,
determinando, portanto, uma área homogênea.
Esta atuação recíproca entre neurônios no sistema visual não se limita aos receptores e
outros neurônios da retina, mas se verifica também entre os neurônios de todos os elos
de integração do sistema visual. Já no segundo neurônio após os receptores — as células
ganglionares —, mas ainda na retina, pode-se verificar nitidamente o início da
percepção de forma. Foi demonstrado que, em retina de gatos, as células ganglionares já
diferenciam linhas retas de diferentes inclinações. O mesmo ocorre ao nível do corpo
geniculado lateral, onde existem neurônios que respondem, de forma muito nítida, a
linhas em diferentes orientações.
Investigando os neurônios do sistema visual do córtex visual de gatos (córtex estriado,
área 17), Hubel e Wiesel encontraram neurônios que respondem a características cada
vez mais específicas de forma. Chamaram a estes neurônios de “simples” ou
“complexos”, de acordo com a especificidade a que respondiam. Ao nível das áreas do
córtex pré-estriado (áreas 18 e 19), que são elos na integração da informação visual,
foram encon 104

105

tradas células, muitas vezes denominadas de “super e hipercomplexas”. Respondiam a


estímulos mais específicos ainda, isto é, não só a linhas e bordas, mas já impondo
restrições ao comprimento máximo das linhas. E claro que uma linha com um
comprimento limitado ainda não é uma forma ou um objeto, como o vemos no dia-a-
dia. No entanto, um segmento de linha já constitui um elemento que compõe uma
forma. Sem dúvida, aponta para a maneira como o sistema visual consegue extrair, de
um estímulo visual dotado de forma complexa, os elementos constituintes para proceder
à análise do percepto. E importante notar também que, quanto mais “complexas” as
células neurais do sistema visual, isto é, quanto mais específicos devam ser os estímulos
visuais para que ocorra uma reação máxima da célula, maior é seu campo receptivo na
retina.
Por campo receptivo, entendemos o conjunto de receptores que se conectam a um
neurônio do sistema visual, em qualquer um dos níveis de integração da informação
visual, O campo receptivo corresponde a uma área da retina, sobre a qual se projeta a
imagem de uma região específica do campo visual. Deste modo, se os campos
receptivos se tornam maiores para os neurônios visuais mais complexos, estes
responderão a partes maiores do campo visual. Isto significa que, para “perceber a
forma” em causa, há uma dependência cada vez menor de localizar o objeto no campo
visual. O significado é realmente adaptativo, pois uma árvore deve ser reconhecida
como tal, independentemente de onde esteja no campo visual, isto é, da área específica
da retina sobre a qual é projetada a imagem desta árvore.
Outros pesquisadores, dentre os quais o brasileiro Rocha Miranda, estudando o sistema
visual de macacos, procuraram neurônios visuais num nível de integração ainda mais
elevado que o córtex estriado e pré-estriado, ou seja, no córtex ínfero-temporal.
Enquanto os córtex estriado e pré- estriado ainda correspondem a áreas exclusivamente
visuais, isto é, todos os seus neurônios possuem função visual, o córtex ínfero-temporal
já é, nitidamente, uma área de integração poli-sensorial, na qual ainda podem ser
encontradas muitas células visuais. Nesta área foram encontradas células que emitiam
sua resposta máxima diante de estímulos visuais extremamente específicos e
complexos, como, por exemplo, uma pata de macaco. A pata de macaco podia ser
apresentada com igual efeito em qualquer parte do campo visual e em tamanhos
diversos, mostrando que a célula era responsável apenas pela visão da forma do objeto e
não de sua localização no espaço ou de seu tamanho. Já a posição dos dedos da pata e a
direção em que apontavam influenciavam a intensidade da resposta deste neurônio.
Estas alterações correspondiam a uma mudança da forma do estímulo.
Pode-se, pois, conjecturar que o circuito neural visual é arquitetado de maneira a,
inicialmente, desdobrar as imagens visuais em linhas de diferentes inclinações, depois
limitar o comprimento das linhas, combinan do-a

entre si, até que cheguem a combinações quase únicas, como uma pata de macaco ou,
até, a face específica do experimentador. Se, de um lado, já podemos entender como se
forma, da combinação de várias células simples, uma de campo complexo, por Outro
lado ainda nos são totalmente desconhecidos os circuitos neurais para obter as
combinações mais específicas. Entretanto, inúmeros trabalhos de pesquisa da atualidade
abordam o problema.
Vamos recordar: da simples projeção da imagem ótica (luminosa) sobre os receptores da
retina, é extraída a forma como um todo, pelas sucessivas convergências da informação,
gerando combinações (padrões) únicas. Sobreposta a esta convergência existe também
uma divergência do fluxo de informação visual. A convergência se evidencia pelo fato
de que o objeto, como um todo, estimula um grande número de neurônios da retina e, ao
nível do córtex ínfero-temporal, neurônios individuais são responsáveis pela percepção
da forma deste objeto. Por outro lado, devido à divergência, nos primeiros elos de
integração, o local de estimulação da retina é importante. No entanto, nos níveis
corticais superiores, a localização já não importa mais. Na verdade, a divergência é
muito maior que a convergência, pois o número de receptores na retina é bem inferior
ao número de neurônios visuais no córtex visual e no córtex de integração poli-
sensorial.
Na figura 7.1 estão representadas, esquematicamente, a convergência e a divergência
neural do sistema visual, que leva à análise e à percepção integral das formas.

106

107

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7.2. A percepção de forma pela teoria da Gestalt

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a eles.

Esta segunda abordagem, que procura explicar como ocorre a percepção de formas, é
totalmente oposta à primeira, pois não parte de dados fisiológicos do sistema visual mas
sim, partindo de perceptos de formas, procura, pela formulação de certas regras, mostrar
como se chegou

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A teoria da Gestalt é bastante conhecida daqueles que estudaram história da Psicologia.


Certamente, tomaram contato com as leis e princípios da Gestalt para a percepção de
forma. De imediato, parecem muito óbvios e explicativos. Mas, em geral, não é
explicitado o que realmente sigiiificam para o problema da percepção de formas, assim
como o formulamos no princípio deste capítulo.
O que preocupou os psicólogos da Gestalt foi: como, a partir de elementos isolados,
poderia ser percebido um todo que representava algo de novo, isto é, não a simples
soma das partes? Como, das partes, pode surgir um todo com um significado próprio?
Como este todo pode se impor mais ao sujeito que as partes? Foi para responder a estas
perguntas que foram formuladas as leis da Gestalt. São leis a posteriori, ou seja, sempre
que era possível se perceber um determinado todo, verificava-se que seus elementos
guardavam entre si uma certa relação. Os psicólogos da Gestalt acreditavam que havia,
nos organismos, algo (uma estrutura representativa das leis da Gestalt) que os levava a
organizar as partes de certo modo. Obviamente, as leis da Gestalt não podem, na
maioria das vezes, explicar a percepção dos elementos no percepto total. Seria como
que postular, para estes elementos, a existência de um mecanismo pré-programado de
percepção.
A lei básica que governa a percepção de uma forma, segundo a Gestalt, é a Lei da Boa
Forma ou Lei da Pregnância. Todo objeto é visto de modo a apresentar uma forma
“harmoniosa”, “boa”, “estável”, que se imponha, que seja mais regular, mais simétrica
ou mais simples. Para tanto, a Lei da Boa Forma pode ser dividida numa série de leis
secundárias que regulam o agrupamento dos elementos, a fim de que a forma total seja
“boa”. Na verdade, estas regras pouco ajudam o pesquisador. O que realmente dirá se
uma forma é “boa” ou não é seu efeito sobre o observador. As principais regras que
levam a uma “boa forma” são as seguintes:
1. agrupamento por proximidade — elementos próximos uns aos outros parecem fazer
parte de um mesmo todo;
2. agrupamento por similaridade — elementos semelhantes ou iguais parecem fazer
parte de um mesmo todo;
3. boa continuidade — elementos que estão na mesma direção de partes do padrão
regular são a ele integrados, dando continuidade a este padrão;
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a
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o
o
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o,
O
a
o
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O
O,
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o

108

109

4. fechamento — os elementos são agrupados de modo que o todo forme uma figura
fechada.
A figura 7.2 ilustra, através de exemplos clássicos, estes princípios da Gestalt. Sua
insuficiência para explicar a percepção de uma forma complexa, como a pata de um
macaco, parece óbvia. Para um estudo mais pormenorizado da percepção, sob o ponto
de vista da Gestalt, é interessante combinar estes vários princípios e observar a
rivalidade entre eles. A figura 7.3 ilustra a rivalidade entre o princípio de proximidade e
de similaridade: na medida em que os elementos semelhantes se afastam um do outro,
deixa-se de perceber colunas de elementos iguais para perceber fileiras de elementos
diferentes, mas próximos entre si. Este exemplo mostra como as leis atuam em
conjunto, proporcionando a percepção de um padrão global.
Há uma terceira maneira de analisar a percepção de formas, sem reduzir o sistema
visual ao nível fisiológico, nem enquadrar em princípios ou leis as maneiras que temos
para agrupar elementos de um percepto:
verificar como, de modo geral, ocorre a percepção de uma forma, quando um
observador olha para um objeto.
Um elemento básico necessário para a percepção de uma forma visual é a presença de
um contorno. Este poderia ser definido como uma variação, ou alteração abrupta de
luminância, em nosso campo visual. Uma área completamente envolta por um contorno,
em geral é vista como uma forma distinta (ou figura). Contornos, ou seja, variações
repentinas de luminância no campo visual, são necessários para que ocorra percepção de
qualquer forma. São bastante conhecidos os estudos feitos com campos homogêneos,
muitas vezes designados pela palavra alemã Ganzfeld, nos quais o sujeito não percebe
coisa alguma. Por exemplo, bolas de pinguepongue são ótimos difusores de luz.
Permitem que nossos olhos recebam uma iluminação homogênea, sem a possibilidade
de vermos formas ou contornos. Se cobrirmos nossos olhos com metades dessas bolas e
olharmos para uma luz vermelha, verificaremos que esta cor se esvanecerá, em poucos
minutos, tornando-se um campo incolor. Se sobre cada bola traçarmos uma linha escura,
introduzindo, portanto, um contorno em nosso campo visual, a cor se manterá por muito
mais tempo. Na verdade, somente desaparecerá quando a própria linha se dissolver no
campo homogêneo. A cegueira provocada por campos extensos de neve não é nada mais
que um exemplo natural deste fenômeno.

7.3. O contorno como elemento constituinte da forma

c d
Figura 7.2. Exemplos de princípios de “Boa Forma” da Gestalt. a) Por “agrupamento”,
os pontos são reunidos e separados em quatro grupos distintos. b) Por “similaridade”, o
quadrado de elementos (visto como um todo por “agrupamento”) é separado em quatro
quadrados menores, cujos elementos se juntam por “similaridade”. c) A “boa
continuidade” faz o observador ver uma figura fechada e uma linha curva. d) As três
figuras são vistas como um círculo, quadrado e triângulo pela lei do “fechamento’ que
faz o observador ignorar as interrupções nos lados destas figuras.
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ii•i••
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Figura 7.3. Pela lei da proximidade devemos ver colunas verticais de elementos. Pela
lei da sim ilaridade devemos ver carreiras horizontais. E possível construir esta figura
de tal maneira que as distâncias horizontais e verticais possam ser alteradas. Com uma
figura destas, torna-se possível determinar exatamente a distância entre os elementos,
para que as duas leis atuem com igual força. Neste caso o sujeito verá uma oscilação
entre os dois perceptos.

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Mas por que é necessário um contorno para que ocorra visão de formas? Já
respondemos no princípio deste capítulo. Dissemos que a função mais primitiva do
sistema visual é a percepção de movimento e que, na verdade, a percepção de formas
estáticas é uma conquista da evolução fi logenética
Quando há algum contorno em nosso campo visual, a movimentação contínua de nossos
olhos (nistagmo) transforma a variação de iluminação numa variação temporal para
cada sítio da retina. Isto ativa o sistema visual e permite a visão contínua do contorno, O
contorno é

visto como estando parado, devido a processos que veremos no capítulo dedicado à
visão de movimento. Se não houver variação de iluminação no campo visual (isto é, um
contorno), por mais que ocorra movimentação dos olhos, a estimulação visual não
adquire uma variação temporal, o que leva à desativação do sistema visual. E o que
ocorre no Ganzfeld.
Uma linha pode ser considerada a forma mais simples, isto é, um único contorno que
divide o campo visual em duas partes. Mas a maioria dos objetos com que nos
deparamos no nosso dia-a-dia são compostos por unidades integradas, que chamamos de
figuras. Figura é, portanto, um grupo integrado de contornos. Nossa experiência pessoal
mostra que a percepção de figuras é básica. Ou seja, a percepção de uma figura, na
maioria das vezes, impõe-se ao observador, destacando-se do restante a que chamamos
de fundo. O livro em cima de uma mesa é percebido como uma figura e o tampo da
mesa como o fundo; o tampo da mesa, por sua vez, é figura em relação ao chão. Estas
sensações se impõem de maneira inquestionável. Mas nem sempre o problema é tão
simples, como pode ser visto na figura 7.4, que mostra o clássico exemplo do vaso e dos
dois perfis de Rubin. Este tipo de figura é chamada de reversível. Olhando-a por algum
tempo, veremos alternadamente os dois perfis ou o vaso, isto é, alternadamente, partes
diferentes de nosso campo visual se tornam figura ou fundo. Em outras palavras, às
vezes será figura a região branca e o fundo será a região preta; e às vezes acontecerá o
inverso. Nunca veremos simultaneamente as duas regiões como figuras! O contorno,
que define a figura como dissemos acima, será visto sempre fazendo parte da região
que, naquele momento, vemos como figura.

Mesmo numa figura reversível, pois, o contorno continua sendo o determinante da


figura. Só que o que é visto como contorno não é determinado, unicamente, pelo arranjo
espacial das bordas, mas também por uma interpretação visual do estímulo. Existem
alguns parâmetros que tornam maior a probabilidade de uma parte ser vista como
figura: a forma se parece mais com alguma “coisa’ é mais fechada, é menor, tem um
significado, é mais brilhante, é simétrica, e assim por diante. Mas a percepção de uma
figura reversível também é influenciada por algumas variáveis, como a expectativa do
observador ou o treino que ele possa ter tido. A figura 7.5 mostra alguns contornos que
se impõem como figuras, indicando quais os parâmetros mais prováveis para que isto
ocorra.

Figura 7.4. a) O famoso vaso de Rubin, que pode ser visto como sendo um vaso sobre
um fundo branco ou como dois perfis sobre um fundo escuro. Os dois perceptos podem
flutuar entre si, se olharmos demoradamente. Mas também podemos “querer” ver um ou
outro. b) Figura modificada por Gombrich, enfatizando tanto o vaso através das flores
como as faces pelas orelhas. Se mantivéssemos apenas um destes indícios, o percepto
correspondente tornar- se-ia bem mais pronunciado e estável.

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Figura 7.5. Exemplos de princípios que determinam a percepção de formas, a) O


losango é visto como figura por ser menor, mais brilhante, simétrico e central. b) As
colunas escuras
são vistas como figuras por serem simétricas. e) O perfil escuro é visto como figura por
ser dotado de um significado. d) O coração é visto como figura por ser simétrico,
fechado e dotado de significado. e) O triângulo é visto como figura por ser menor. J) O
retângulo todo é visto como figura por adquirir o significado de um quadro pendurado
num prego.

112

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Recentemente, receberam muita atenção figuras que não possuem contornos reais, isto
é, são determinados por uma variação abrupta de luminância, assim como havíamos
definido contornos no princípio. São figuras que possuem contornos subjetivos, pois
seus contornos sobressaem de uma região totalmente homogênea. As figuras 7.6 e 7.7
mostram alguns exemplos. E fácil verificar que os contornos subjetivos podem ser retos,
curvos, podem aparecer numa região clara ou escura e delimitar uma figura com ou sem
significado. Na verdade, ainda não se conhece exatamente o mecanismo que faz
surgirem os contornos subjetivos. Supõe-se que, de alguma forma, o mecanismo de
percepção de contornos é ativado pelos elementos contidos no padrão da figura,
eliciando contornos subjetivos. Normalmente, são os contornos que determinam a
figura. Aqui, no entanto, é a figura que determina os contornos. Neste fato,
provavelmente, reside a explicação de sua origem: trata-se de figuras tão “óbvias”, que
se impõem ao sujeito. Este vê contornos inexistentes, mas que deveriam existir para
completar a figura. Os contornos subjetivos guardam muitas propriedades dos contornos
verdadeiros, como pode ser visto na figura 7.8.

Figura 7.6. As figuras a e b mostram respectivamente contornos subjetivos claros e


escuros. Observe que o triângulo formado pelos contornos subjetivos em ambos os
casos parece estar à frente, num outro plano. Ele parece mais branco em a e mais preto
em b. Até hoje não existe uma explicação convincente e definitiva sobre o mecanismo
que nos leva a ver contornos subjetivos.

Figura 7.7. Alguns exemplos curiosos de contornos subjetivos, a e b) Estes dois


exemplos de figuras formadas por contornos subjetivos mostram que estes também
podem ser curvos, isto é, são adequados ao contexto e não seguem uma regra de menor
distância. c) O fenômeno dos contornos subjetivos não está limitado a figuras
geométricas simples: no caso, é formado o contorno de uma pêra. d) Esta figura mostra
claramente que os contornos subjetivos não podem ser considerados um simples
prolongamento das linhas formadas pelos círculos interrompidos, e) Há também
contornos subjetivos que não formam uma figura fechada. J) Aqui ocorre a formação de
um contorno subjetivo circular, sem haver elementos circulares formadores. Observe
que o disco “branco” formado pelo contorno subjetivo parece mais “brilhante” que o
disco formado pelo contorno real.

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Figura Z8. Dois exemplos que mostram que os contornos subjetivos agem como linhas
reais. Em a, a ilusão de Poggendorff, que faz as linhas oblíquas parecerem
desencontradas, é provocada pelas duas linhas subjetivas paralelas induzidas pelos três
semicírculos negros. Em b, a ilusão de Ponzo, que faz a linha vertical direita (próxima
ao vértice) parecer mais longa que a esquerda, é produzida dentro de um triângulo de
contornos subjetivos.

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115

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A 1
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