Capítulo 21 (seção 21.1) do livro M. , COX, Michael, DOUDNA, Jennifer A.
, O'DONNELL, Michael. Biologia Molecular: Princípios e Técnicas. ArtMed, 2012- 01-01, com modificações.
A Regulação Transcricional da Expressão Gênica em Eucariotos
As células eucarióticas, assim como as bactérias, expressam apenas um
subconjunto dos seus genes a qualquer momento dado. Aprendemos no Capítulo 20 que, por meio da regulação gênica, as bactérias são capazes de se adaptar a mudanças ambientais e responder a moléculas sinalizadoras e ataques virais. Os eucariotos também devem responder ao seu ambiente e a estímulos externos. Além disso, os eucariotos multicelulares devem gerenciar vias complexas de divisão celular e diferenciação que dão origem a uma grande variedade de tipos celulares necessários ao desenvolvimento do organismo. Programas de desenvolvimento são extremamente precisos – é crítico que cada proteína que influencia a diferenciação celular esteja ativa no momento e no lugar certos –, e qualquer desvio desse programa pode ter consequências drásticas. Muitos dos genes necessários para o desenvolvimento são tão críticos que, se uma mutação os converte em não funcionais, o embrião morre antes que o organismo esteja todo formado. Ainda assim, apesar de as necessidades de um eucarioto serem mais complexas do que as de uma bactéria, os princípios básicos de regulação gênica continuam sendo a chave para todos esses processos.
Lembre-se de que muitos genes bacterianos e óperons são regulados no nível
de início de transcrição. Isso também é verdadeiro no caso de eucariotos, e, como veremos, muitos mecanismos de regulação eucarióticos estão construídos sobre aqueles utilizados em bactérias. Entretanto, existe uma diferença fundamental entre a regulação da transcrição eucariótica e a bacteriana. O estado transcrição basal, de atividade inerente de promotores e maquinaria de transcrição in vivo na ausência de mecanismos reguladores, não é o mesmo em bactérias e eucariotos. Em bactérias, o estado de transcrição basal não é limitado. Em outras palavras, a RNA-polimerase costuma ter acesso a qualquer promotor e pode se ligar e iniciar a transcrição com algum nível de eficiência na ausência de ativadores ou repressores. Ao contrário, genes eucarióticos contêm promotores fortes que são geralmente inativos na ausência de proteínas reguladoras; ou seja, a transcrição basal em eucariotos é limitada.
Diferenças cruciais no empacotamento do DNA e na estrutura celular dão
origem a pelo menos quatro características distintivas importantes da regulação da expressão gênica em eucariotos. Primeiro, o acesso aos promotores eucarióticos é restringido pela estrutura da cromatina, e a ativação transcricional está associada a várias mudanças na estrutura da cromatina na região transcrita. Segundo, ainda que as células eucarióticas possuam mecanismos de regulação tanto positivos quanto negativos, os mecanismos positivos predominam em todos os sistemas investigados até o momento; dado que a transcrição basal é limitada, praticamente qualquer gene eucariótico exige ativação. Terceiro, as células eucarióticas possuem redes de regulação multiproteicas mais complexas e maiores do que as bactérias. Quarto, a transcrição no núcleo é separada da tradução no citoplasma, tanto no espaço quanto no tempo. Como resultado, o controle pós-transcricional desempenha um papel mais importante no controle da expressão gênica em eucariotos.
A complexidade dos circuitos reguladores em células eucarióticas é
extraordinária, e não tentaremos cobrir de forma abrangente todos os aspectos. Este capítulo e o próximo tratam de alguns dos princípios que guiam a regulação gênica eucariótica, estabelecendo paralelos com os mecanismos discutidos sobre bactérias no Capítulo 20 sempre que aplicável. A necessidade de controlar uma grande variedade de genes em um eucarioto superior exige uma série de proteínas reguladoras. Explicaremos a lógica básica da ativação gênica como utilizada em essencialmente todos os eucariotos. Também consideraremos de maneira resumida os experimentos que pela primeira vez revelaram a arquitetura modular dos ativadores gênicos e destacaremos algumas das redes reguladoras que governam a expressão gênica, desde um sistema simples em levedura até os controles de desenvolvimento complexos típicos de um eucarioto multicelular. O capítulo conclui com uma discussão dos processos de controle transcricional exclusivos da expressão gênica eucariótica, alguns dos quais ainda estão muito longe de serem compreendidos.
21.1 Mecanismos básicos de ativação transcricional eucariótica
Como em bactérias, o nível basal de transcrição eucariótica é determinado pelo
efeito de sequências reguladoras na função da RNA-polimerase e dos seus fatores de transcrição associados. Como aprendemos no Capítulo 19, a natureza do genoma eucariótico se presta a estratégias de regulação diferentes daquelas empregadas pelas bactérias. O genoma eucariótico se encontra empacotado em uma cromatina, que se apresenta como um bloco físico para as RNA-polimerases, e portanto a maioria dos genes eucarióticos está reprimida no seu estado-padrão (basal) e requer proteínas ativadoras para estimular a expressão. Devido ao grande tamanho dos genomas eucarióticos e à necessidade de se proteger de interações proteína-DNA inespecíficas, a ligação de reguladores proteicos múltiplos é necessária para ativar cada gene. Como resultado, promotores eucarióticos são mais complexos do que suas contrapartidas bacterianas e contêm muito mais sítios de ligação a proteínas reguladoras. Na realidade, entretanto, a complexidade adicional nos eucariotos é gerenciada de formas estratégicas que não são tão complicadas como poderíamos esperar, dada a diferença brutal existente entre uma bactéria e um animal.
A transcrição eucariótica é regulada pela estrutura da cromatina
O DNA genômico dos eucariotos se enrola sobre pequenas proteínas básicas
denominadas histonas para formar os nucleossomos, os blocos de construção da cromatina (Figura 10-4). A maquinaria de transcrição deve necessariamente lidar com a estrutura da cromatina a fim de acessar genes particulares. Como resultado, os genes eucarióticos em geral são expressos em níveis baixos – ou não o são – na ausência de proteínas reguladoras.
A estrutura da cromatina é controlada e alterada por pelo menos três
mecanismos inter-relacionados: mudanças dependentes de ATP no posicionamento do nucleossomo no DNA, modificações químicas pós-traducionais de histonas e substituição de variantes especializadas de histonas na cromatina. Complexos de remodelamento de nucleossomos utilizam ATP para mudar a posição dos nucleossomos ao longo do DNA. Promotores ativos contêm regiões abertas, com nucleossomos posicionados fora da região promotora, possibilitando o acesso dos fatores de transcrição. Algumas modificações pós-traducionais das histonas, inclusive a acetilação pelas histonas acetiltransferases (HATs), resultam em um “descondensamento” da cromatina e possibilitam o acesso dos fatores de ligação ao DNA; proteínas contendo um bromodomínio se ligam às histonas acetiladas e facilitam a abertura da estrutura da cromatina. De forma alternativa, modificações das histonas fazem com que a cromatina se torne indisponível para a transcrição. Por exemplo, histonas metiladas são ligadas por proteínas contendo cromodomínios, e tais proteínas auxiliam na condensação da cromatina. A estrutura da cromatina é também modulada por uma série de variantes de histonas. Essas proteínas são homólogas às histonas comuns e podem substituí-las nos nucleossomos, mas também apresentam extensões de aminoácidos que resultam em uma variedade de consequências funcionais.
No ciclo celular eucariótico, cromossomos interfásicos parecem dispersos e
amorfos. Contudo, os cromossomos não são estruturas uniformes, e várias formas diferentes de cromatina podem ser encontradas ao longo de cada cromossomo. Cerca de 10% da cromatina de uma célula eucariótica típica está em uma forma muito mais condensada do que o restante da cromatina. Essa forma, a heterocromatina, é inativa do ponto de vista transcricional. A heterocromatina está frequentemente associada a estruturas cromossômicas particulares, incluindo centrômeros e telômeros. A cromatina restante, menos condensada, é denominada eucromatina (Figura 21-1).
A transcrição de um gene eucariótico é fortemente reprimida quando o seu
DNA está condensado na forma de heterocromatina, mas, na eucromatina, parte do DNA se encontra ativa do ponto de vista transcricional. Regiões de DNA transcricionalmente ativas podem ser detectadas com base na sua sensibilidade aumentada à degradação mediada por nuclease. Nucleases como a Dnase I tendem a clivar o DNA de cromatina cuidadosamente isolada em fragmentos que correspondem a múltiplos de cerca de 200 pb, refletindo a estrutura repetitiva regular do nucleossomo (ver Figura 10-1). Todavia, em regiões ativamente transcritas, os fragmentos produzidos pela atividade nucleásica são ainda menores e mais heterogêneos em tamanho. Regiões ativamente transcritas contêm sítios hipersensitivos, sequências sensíveis sobretudo à Dnase I, que são, às vezes, encontrados em regiões não codificadoras dentro de 1.000 pb das extremidades 5' dos genes transcritos. Em alguns genes, sítios hipersensitivos estão mais distantes da extremidade 5', ou próximos da extremidade 3', ou até mesmo dentro do próprio gene. A presença de sítios hipersensitivos sugere que o DNA desta região não se encontra empacotado em uma estrutura nucleossômica repetitiva regular. Muitos sítios hipersensitivos correspondem a sítios de ligação a proteínas reguladoras conhecidas, e a ausência relativa de nucleossomos nessas regiões pode permitir a ligação de tais proteínas. Os nucleossomos estão inteiramente ausentes em algumas regiões que são muito ativas em transcrição, como os genes de rRNA. A cromatina transcricionalmente ativa também tende a ser deficiente em histona H1, que se liga ao DNA conector entre partículas nucleossômicas.
As histonas contidas em cromatina e heterocromatina transcricionalmente
ativas também diferem nos seus padrões de modificações covalentes. As caudas C- terminais das histonas centrais são modificadas pela acetilação e metilação de resíduos de Lys e Arg, fosforilação de resíduos de Ser ou Thr, e ubiquitinação ou sumoilação. Em particular, a acetilação-desacetilação de histonas predomina nos processos que ativam a cromatina para transcrição. A acetilação mediada por HAT de múltiplos resíduos de Lys nos domínios N-terminais das histonas H3 e H4 pode reduzir a afinidade de todo o nucleossomo por DNA. A acetilação também pode impedir ou promover interações com outras proteínas envolvidas na regulação da transcrição. Quando a transcrição de um gene não é mais necessária, a acetilação dos nucleossomos nesta vizinhança é reduzida pela atividade de histonas desacetilases (HDACs), resultando na condensação da cromatina que reduz ou inativa a transcrição gênica. HDACs com frequência funcionam por meio de interações proteína-proteína, como ligação a correpressores ou como componentes de complexos de remodelamento da cromatina.
Um modelo geral para a desacetilação e inativação de um gene é mostrado na
Figura 21-2. Além da remoção de certos grupamentos acetila, novas modificações das histonas marcam a cromatina como transcricionalmente inativa. Por exemplo, o resíduo de Lys na posição 9 na histona H3 costuma ser metilado na heterocromatina.
A regulação gênica por meio de modificações nas histonas é, em geral,
conseguida mediante ativação ou inibição da iniciação da transcrição. No entanto, uma descoberta estimulante demonstrou que a estrutura da cromatina também está envolvida no controle do mecanismo de corte e junção de mRNAs para alguns genes. Isso pode parecer surpreendente, dado que as histonas não se ligam ao RNA. Ainda assim, sabemos agora que Gcn5, um fator de transcrição bem estudado com atividade HAT, também afeta o processamento de RNA: a perda da atividade Gcn5 HAT impede que o mecanismo de corte e junção apropriado de pré-mRNAs ocorra em leveduras, porque componentes da maquinaria de corte e junção do RNA deixam de ser capazes de se ligar de forma apropriada aos sítios de corte e junção dos pré-mRNAs. Este exemplo ilustra como diferentes níveis de regulação (neste caso, transcrição e pro- cessamento de mRNA) podem estar inter-relacionados. Parece provável que processos antes considerados eventos isolados e separáveis possam estar interconectados em redes reguladoras complexas nas células vivas. A regulação positiva de promotores eucarióticos envolve múltiplos ativadores proteicos
Cada uma das três RNA-polimerases eucarióticas tem pouca ou nenhuma
afinidade intrínseca por seus promotores. Em vez disso, o início da transcrição exige quase sempre proteínas ativadoras. Uma razão importante para a aparente predominância da regulação positiva fica clara a partir da discussão anterior: a estrutura da cromatina faz a maior parte dos promotores se encontrar efetivamente inacessível, de tal forma que os genes estão em geral silenciados na ausência de outra regulação. A estrutura da cromatina afeta mais o acesso a alguns promotores do que a outros, mas a ligação de um repressor ao DNA para bloquear o acesso da RNA polimerase (regulação negativa) iria muitas vezes ser redundante. Entretanto, outros fatores também estão em jogo no uso da regulação positiva, e as especulações costumam se centrar ao redor de dois: o grande tamanho dos genomas eucarióticos e a maior eficiência da regulação positiva.
Como os eucariotos possuem genomas muito maiores do que as bactérias,
existe a probabilidade aumentada de que uma sequência específica de ligação para uma proteína reguladora ocorra de modo aleatório em outras regiões do DNA. Lembre-se de que uma sequência de n nucleotídeos ocorrerá aleatoriamente a cada 4n pb. Portanto, é provável que qualquer proteína reguladora em particular com um pequeno sítio de ligação irá se ligar de forma não específica em múltiplos sítios em um genoma eucariótico. A ativação transcricional específica de um gene por meio da ligação de uma proteína reguladora a um pequeno sítio de ligação, como costuma ocorrer em bactérias, resultaria em uma estratégia ineficaz em eucariotos. Em teoria, a especificidade de ligação de um regulador seria aumentada se as sequências reconhecidas pelas proteínas fossem maiores. Ainda assim, os eucariotos não evoluíram dessa forma: reguladores eucarióticos não se ligam a sequências de DNA mais longas do que suas contrapartidas bacterianas. Em vez disso, para obter ativação transcricional específica de um gene, os eucariotos empregam múltiplas proteínas reguladoras, ou fatores de transcrição, cada um dos quais se liga a uma sequência curta; só ocorre ativação gênica bem-sucedida quando todos os fatores estão ligados nos seus sítios individuais. Essa combinação de fatores para a ativação de um gene é utilizada em controle combinatório.
Para acomodar a ligação de múltiplos fatores de transcrição, os promotores
eucarióticos são necessariamente mais complicados do que as suas contrapartidas bacterianas (Figura 21-3). Tomemos, por exemplo, um promotor típico reconhecido pela RNA-polimerase II (Pol II), a enzima responsável pela síntese de mRNA. Muitos promotores de Pol II (mas nem todos) incluem as sequências de um TATA box e um Inr (iniciador), com seus espaçamentos-padrão. Essas sequências compreendem o promotor central.
Os genes eucarióticos também incluem sequências reguladoras denominadas
estimuladores em eucariotos superiores e sequências ativadoras a montante (UASs) em levedura, nas quais ativadores transcricionais se ligam. Essas sequências não podem estar todas posicionadas de forma adjacente ao promotor – simplesmente não existe espaço para acomodar a ligação de tantas proteínas reguladoras. Os sítios de ligação para múltiplos fatores de transcrição devem ser capazes de agir a distância. De fato, talvez estejam surpreendentemente distantes do promotor. Um estimulador típico pode estar a centenas ou até mesmo milhares de pares de bases a montante do sítio de início de transcrição, ou a jusante do gene, ou mesmo dentro do próprio gene. Quando ligado pelas proteínas reguladoras apropriadas, um estimulador aumenta a transcrição de promotores próximos independentemente de sua orientação no DNA. UASs de levedura funcionam de forma similar, ainda que em geral devam estar posicionados a montante e dentro de poucas centenas de pares de bases do sítio de início de transcrição. Um promotor de Pol II médio pode ser afetado por meia dúzia de sequências reguladoras deste tipo, e mesmo promotores mais complexos são comuns. Em contraste, as bactérias possuem poucos genes que utilizam ativadores transcricionais ligados distantemente, e, quando o fazem, a distância em relação ao promotor costuma ser bastante curta.
Quanto mais complexo for o organismo eucariótico, provavelmente mais
complexos serão seus promotores. Por exemplo, promotores de levedura costumam ser muito mais simples do que aqueles de mamíferos (Figura 21-4).
A necessidade de ligação de vários ativadores de transcrição a várias
sequências de DNA específicas reduz muito a probabilidade de ocorrência aleatória de uma justaposição funcional de todos os sítios de ligação necessários. Em princípio, uma estratégia similar poderia ser utilizada para múltiplos elementos reguladores negativos. Contudo, a regulação positiva é simplesmente mais eficiente. Do ponto de vista energético, faz mais sentido para a célula sintetizar vários ativadores a fim de promover a transcrição de um subconjunto de genes necessários em um dado momento do que sintetizar constantemente um ou mais repressores para cada gene do genoma a fim de mantê-los desligados até o momento em que serão necessários. A regulação positiva da transcrição predomina em eucariotos, ainda que, como veremos, existam alguns exemplos de regulação negativa.
Para aumentar a conservação de recursos, promotores eucarióticos regulados
diferentemente com frequência utilizam alguns dos mesmos reguladores proteicos, de tal forma que promotores diversos podem conter alguns dos mesmos sítios de ligação. Entretanto, apenas uma combinação específica de fatores reguladores pode destravar um dado promotor e ativar a transcrição do respectivo gene. Com esse mecanismo, a célula pode obter especificidade de regulação gênica com um menor número de ativadores transcricionais do que se cada gene fosse regulado por um conjunto de proteínas em particular. Algumas proteínas reguladoras facilitam a transcrição em centenas de promotores, enquanto outras são específicas para somente poucos promotores. Além disso, muitos ativadores transcricionais são sensíveis à ligação de moléculas efetoras de sinalização, fornecendo a capacidade de ativar e desativar a transcrição em resposta a um ambiente celular em mudança.