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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS

AS IMAGENS DA PAIXÃO DE CRISTO DA PROCISSÃO DO TRIUNFO,


das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo no Brasil e seus
antecedentes portugueses.

Fátima Auxiliadora de Souza Justiniano

Orientador: Professor Doutor Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão


Coorientadora: Professora Doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na especialidade de


Arte, Patrimônio e Restauro

2016
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS

AS IMAGENS DA PAIXÃO DE CRISTO DA PROCISSÃO DO TRIUNFO,


das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo no Brasil e seus
antecedentes portugueses.

Fátima Auxiliadora de Souza Justiniano

Orientador: Professor Doutor Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em História, na


especialidade de Arte, Patrimônio e Restauro

Júri: Presidente: Doutora Maria Cristina de Castro Maia de Sousa Pimentel, Professora
Catedrática e Membro do Conselho Científico, da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa

Professora Doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Professora Titular Jubilada,


Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coorientadora;

Doutor Francisco Ildefonso da Claudina Lameira, Professor Auxiliar com Agregação,


Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve;

Doutor Miguel Filipe Ferreira Figueira de Faria, Professor Associado, Departamento de


História, Artes e Humanidades da Universidade Autónoma de Lisboa;

Doutor Eduardo Alberto Pires de Oliveira, Investigador de História da Arte, na


qualidade de Especialista de Reconhecido Mérito;

Doutora Maria João Quintas Lopes Baptista Neto, Professora Associada com
Agregação, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

Doutora Teresa Leonor Magalhães do Vale, Professora Auxiliar, Faculdade de Letras da


Universidade de Lisboa

2016
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“Para concedermos a licença, que conforme o Sagrado Concilio Tridentino é


necessaria para se fundar, ou instituir de novo algum Mosteiro de Religiosos, ou
Religiosas em nosso Arcebispado, posto que sejam isentos, primeiro ver o lugar, e sitio
em que se quer fundar, e tomaremos informação das rendas e bens que se lhe aplicão, e
se a fundação é necessaria, e proveitosa: e ouviremos os superiores dos outros
Mosteiros, se os houver no mesmo lugar, sobre o prejuizo, que da nova fundação pode
resultar, e bem assim quaisquer outras pessoas, que nisso forem interessadas.
E achando que se lhes não segue prejuizo consideravel, e que com as rendas, ou
esmolas (sendo Religião que não possue bens em comum) se poderão sustentar sem
prejuizo dos outros Mosteiros já fundados, lhe concederemos licença taxando-lhes o
número de religiosos ou Religiosas, fazendo-se de tudo autos, que se guardarão no
nosso cartório, e no dos mesmos Mosteiros, por estar assim disposto pelo Sagrado
Concilio Tridentino, e motus proprios dos Papas Clemente VIII, e Urbano VIII
passados sobre esta materia.” (VIDE Dom Sebastião Monteiro da, Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, feitas, e ordenadas pelo illustrissimo, e reverendissimo Senhor 5º Arcebispo do
dito Arcebispado, e do Conselho de sua Magestade, poposta e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito
Senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707, Impressas em Lisboa no ano de 1719, e em Coimbra
em 1720 com todas as licenças necessarias, e ora reimpressas nesta capital. São Paulo, Na Typographia 2
de dezembro de Antonio Louzada Antunes, 1853, p. 254)
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AGRADECIMENTOS

Começo fazendo um agradecimento especial ao professor Doutor Vítor Serrão,


devotado amante e estudioso da Arte Portuguesa e Brasileira, que aceitou dedicar seu
tempo as esculturas devocionais das Ordens Terceiras do Carmo, pelas sugestões e o
acompanhamento geral. E a professora Doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira,
vai um caloroso obrigado pelas sempre oportunas interferências e o compartilhamento
de conhecimento.
Não posso deixar de demonstrar gratidão a cada membro desta banca pela boa
vontade de ler, estar presente e pela paciência de me ouvir. Aos professores, colegas e
funcionários da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela companhia, pelas
aulas, pelos questionamentos, pela atenção, muito obrigada. Da mesma maneira, não
posso me esquecer de agradecer aos professores do Departamento de Ciência da
Informação da Universidade Federal Fluminense e aos meus alunos, que tanto me
alegram a vida.
Agradeço com imenso gosto aos responsáveis diretos e indiretos, religiosos e
leigos, que, ao longo dos anos, zelaram pelos monumentos históricos de Portugal e do
Brasil aqui citados, remando, muitas vezes, contra a maré, desafiando as crises e as
irresponsabilidades. Sem eles, esta tese também não existiria.
Um agradecimento especial a todos os pesquisadores que abriram o caminho,
que o percorreram, possibilitando nossa pesquisa, seja através de obras gerais, lidas e
citadas nesta tese seja por meio de estudos específicos sobre os Carmelitas.
E ainda, as minhas amigas, Jô Frazão, Márcia Cavalcanti e Chang Chi Chai, pela
companhia nas andanças, pelas discussões, pelas correções, pelas festas, pelos vinhos,
pelas alegrias, tristezas, enfim pela vida. Não posso me esquecer ainda dos meus
irmãos, ‘Márcia’ e ‘Luiz’, pelos 50 anos de vida em comum, assim como das minhas
lindíssimas sobrinhas (Luisa, Marina, Renata, Júlia e Helena) e sobrinhos (Rodrigo e
Filipe). Agradeço aos inúmeros amigos, que me acompanharam ao longo da vida, sem
deixar de citar alguns poucos que tiveram, de alguma maneira, um envolvimento
particular com esta tese: Victor Carvalho (Lisboa), Charles Cosac (São Paulo), José
Vieira (Braga), Teresa Alves (Lisboa), Regina Quites (Minas Gerais), Ana Lima (Rio de
Janeiro), Júlio Dantas (Paraty), Lia Brusadin (Minas Gerais), entre outros.
E, finalmente, devo expressar gratidão ao governo brasileiro, na forma da
instituição CAPES, pela bolsa, que, durante três anos, facilitou-me a vida, permitindo
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que esta tese se concretizasse. Mas também de uma forma geral agradeço à República
Federativa do Brasil, que vem incentivando indiscriminadamente estudantes e
pesquisadores a fazerem intercâmbios de conhecimento e de cultura, tão importante,
para que o país cresça e se transforme em uma nação socialmente mais igualitária.
Obrigada aos dois melhores Presidentes da República: Dilma Roussef e Lula da Silva.
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RESUMO
A presente pesquisa busca entender o programa iconográfico desenvolvido nas
igrejas das Veneráveis Ordens Terceiras do Carmo, do Brasil, a partir dos sete Passos da
Paixão de Cristo: Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo da Flagelação, Cristo da
Coroação de espinhos, Ecce Homo, Senhor dos Passos e Cristo Crucificado. Trata-se,
portanto, de estudar as sete esculturas devocionais dos diferentes momentos da Paixão
de Cristo, que cumpriam uma dupla função: participar do programa iconográfico das
igrejas brasileiras e da Procissão do Triunfo, realizada pelos irmãos terceiros carmelitas,
nos séculos XVII e XVIII. Essa procissão fechava o tempo da Quaresma, aberto pelos
irmãos leigos franciscanos, com a Procissão das Cinzas.
Tem ainda como objetivo tecer considerações sobre a Ordem de Nossa Senhora
do Carmo, Antiga Observância e Descalços, partindo da origem no Monte Carmelo, na
Palestina, a sua introdução no território português e, a partir do século XVI, a sua
instalação no Brasil. A seguir, determinar a origem das Ordens Terceiras do Carmo,
como reflexo da sociedade da Península Ibérica, e o envolvimento dos leigos na
encomenda e confecção dos seus altares e na própria construção das suas Igrejas.
Buscou-se também valorar a importância das procissões na religiosidade popular e, em
particular, da Procissão do Triunfo, com a devoção aos Passos da Paixão de Cristo,
pelos irmãos leigos carmelitas, principal festividade da Ordem Terceira.
O tema da Paixão de Cristo ganhou importância no final da Idade Média, a
partir da espiritualidade desenvolvida pelas ordens mendicantes e pela Devotio
Moderna, que certamente favoreceu o desenvolvimento de um forte caráter narrativo
nas cenas retratadas nas igrejas carmelitas. Procurou-se, então, relacionar as esculturas
às respectivas fontes textuais e imagéticas que pudessem ter servido de fonte de
inspiração, principalmente a partir do século XV, com as novas tecnologias de
reprodução gráfica.
Por fim, pretendeu-se estudar as esculturas a partir das leituras cabíveis à
História da Arte: técnica, iconográfica e estilística. O acervo foi inventariado e
fotografado em fichas de inventário, tornando-se o volume II desta tese. A partir da
inventariação, as esculturas foram agrupadas e estudadas entre si e comparativamente a
similares de outras igrejas, a partir das características que apresentavam, tentando
enquadrá-las nos estilos de época: barroco e rococó, com alguns exemplares alcançando
o neoclassicismo, de princípios do século XIX.
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ABSTRACT
The present research seeks to understand the iconographic program developed at
the churches of the Venerable Third Orders of Carmo in Brazil, focused on the seven
Steps of Christ’s Passion: Christ at the Garden of Olives, Christ Imprisioned, Christ
Whipped, Christ Crowned with Thorns, Ecce Homo, Lord of Steps and Crucified.
Therefore, the work deals with studying the seven liturgical sculptures of the different
moments of Christ’s Passion, which bore a double role: participating in the
iconographic program of Brazilian churches and in the Procession of Thriumph,
developed by the Third Order of Carmelite brothers in the 17th and 18th centuries. That
Procession closed the Lent season, opened by the lay Franciscan brothers with the
Procession of Ashes.
This study also aims at establishing insights on the Order of Our Lady of Carmo,
formely Observance and Barefeet, starting from its origin in Mount Carmel, in
Palestine, through its introduction into the Portuguese territory and, as the 16th century,
its setting up in Brazil. Then it seeks to determine the origin of the Third Orders of
Carmo as a reflex of the society in the Iberic Peninsula and the laymen’s envolvement
in ordering and erecting their altars and in the construction of their churches itself. The
research also seeks to value the importance of the processions in popular religiousness
and, in particular, of the Procession of Triumph, with the devotion of the lay Carmelite
brothers to the Steps of the Passion of Christ, the main festivity of the Third Order.
The Passion of Christ theme became important at the end of the Middle Ages,
from the spirituality developed by the Begging Orders and by Devotio Moderna, which
certainly favored the development of strong narrative character in the scenes portrayed
in the Carmelite churches. It seeks then to relate the sculptures to the corresponding
textual and imagery sources tha could have served as inspiration, mainly from the 15th
century, with the new graphic reproduction technologies.
The final purpose is studying the sculptures based on applicable readings to Art
History: technical, iconographic and stylistic. The colection was surveyed and
photographed in very simple inventory cards, becoming the second volume of this
thesis. As from inventory, the cards were grouped and studied among themselves, and
comparatively, with similar ones from other churches, based on their features,
attempting to fit them into the styles of the period: Baroque and Rococo, with some
instances reaching the neoclassical period of the beginning of the 19th century.
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ÍNDICE

VOLUME I
Lista de abreviaturas………………………………………………………………….14
Lista de ilustrações …………………………………………………………………...15

1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………………....23

PARTE I

A ORDEM DE NOSSA SENHORA DO CARMO: origens e desenvolvimento em


Portugal e no Brasil

2. AS ORIGENS DA ORDEM DE NOSSA SENHORA DO CARMO ………...…35

2.1 A Ordem de Nossa Senhora do Carmo em Portugal …………………………..45


2.1.1 A Ordem primeira dos Carmelitas da Antiga Observância ……………...46
2.1.2 A Ordem Primeira dos Carmelitas Descalços ……………………………58

2.2 As Ordens Segunda e Terceira do Carmo (Antiga Observância e Descalços)..64


2.2.1 A Ordem Segunda ……………………………………………………….65
2.2.2 A Ordem Terceira ………………………………………………………..74

3. A ORDEM DE NOSSA SENHORA DO CARMO NO BRASIL ……………….97

3.1 A Ordem de Nossa Senhora do Carmo no Brasil: as primeiras fundações …. 99


3.1.1 Pernambuco, Olinda (1580) …………………………………………….107
3.1.2 Bahia, Salvador (1586) ………………………………………………....110
3.1.3 São Paulo, Santos (1589) ……………………………………………….115
3.1.4 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (1590) …………………………………..120

3.2 As fundações da Região Norte …………………………………………………129


3.2.1 Maranhão, São Luís, Convento de Santa Ana das Cruzes (1616) ……..131
3.2.2 Pará, Belém, Convento de Santa Maria (1624) ………………………..132
3.2.3 Maranhão, Alcântara, Convento e Igreja do Carmo (1647) …………...135

3.3 As fundações da Região Nordeste ……………………………………………...138


3.3.1. Paraíba ………………………………………………………………....139
3.3.1.1 João Pessoa (c. 1591)…………………………………………………139
3.3.1.2 Lucena (século XVIII)…………………………………………………143
3.3.2 Pernambuco …………………………………………………………….145
3.3.2.1 Goiana (1666) ………………………………………………………...145
3.3.2.2 Recife (1665) ………………………………………………………….149
3.3.3 Alagoas, Marechal Deodoro (século XVII) …………………………….155
3.3.4 Sergipe, São Cristóvão (1618) ………………………………………….157
3.3.5 Bahia ……………………………………………………………………161
3.3.5.1 Cachoeira (1688)…………………………………………………...…162

3.4 As fundações da Região Sudeste ………………………………………………168


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3.4.1 Espírito Santo …………………………………………………………..168


3.4.1.1 Vitória, Convento de Nossa Senhora do Carmo (1682)………………169
3.4.2 Rio de Janeiro …………………………………………………………..170
3.4.2.1 Angra dos Reis, Convento e Igreja de Nossa Senhora da Assunção
(1623)………………………………………………………….171
3.4.2.2 Campos dos Goytacazes, Igreja da Ordem Terceira do Carmo
(c.1750) ……………………………………………………….174
3.4.3 São Paulo ……………………………………………………………….178
3.4.3.1 São Paulo (c. 1598)…………………………………………………...178
3.4.3.2 Mogi das Cruzes (1627)………………………………………………182
3.4.3.3 Itu (a. 1716) …………………………………………………………..186

3.5 As fundações dos Carmelitas Descalços ……………………………………….189


3.5.1 Bahia, Salvador (1665/1686) …………………………………………...190
3.5.2 Pernambuco, Olinda (1686)……………………………………………..194

3.6 As fundações da Ordem Segunda dos Carmelitas Descalços ………………...198


3.6.1 Rio de Janeiro, Convento de Santa Teresa (1750) ……………………...199

3.7 As fundações dos Terceiros Carmelitas em Minas Gerais ……………………202


3.7.1 Ouro Preto (1752) ………………………………………………………203
3.7.2 Mariana (a.1751) ……………………………………………………….207
3.7.3 São João del Rei (1740) ………………………………………………...210
3.7.4 Sabará (1761) …………………………………………………………...212
3.7.5 Diamantina (1758) e Serro (1760) ……………………………………...214

3.8 Concluindo ………………………………………………………………………217

PARTE II
AS IMAGENS DE CRISTO DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO:
iconografia e função

4. AS REPRESENTAÇÕES DA PAIXÃO DE CRISTO …………………………231

4.1 Fontes iconográficas: livros ilustrados e estampas ……………………237


4.1.1 Os livros ilustrados ……………………………………………………..244
4.1.2 Registros de santos ……………………………………………………..259

4.2 A Paixão de Cristo: via-sacra ou via dolorosa, sacros montes e


Passos de rua ……………………………………..…………………..266
4.2.1 Os Sacros Montes ………………………………………………………268
4.2.2 Passos de rua ……………………………………………………………274

4.3 A iconografia de Cristo na arte portuguesa ………………………...…276

4.4 O programa iconográfico da Ordem Carmelita ………………………283


4.4.1 O programa iconográfico das Igrejas da Ordem Carmelita ……………286
4.4.2 O programa iconográfico das Igrejas de Ordem Terceira Carmelita …..294
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4.5 A Paixão de Cristo e as Veneráveis Ordens Terceiras de


Nossa Senhorado Carmo…………………………………….298
4.5.1 Cristo no Horto (Oração no Monte das Oliveiras) ……………………..299
4.5.2 Cristo da Prisão (Senhor preso) ………………………………………...302
4.5.3 Cristo da Flagelação (Senhor da Coluna) ………………………………305
4.5.4 Cristo da Coroação de Espinhos (Senhor da Pedra Fria) ……………….310
4.5.5 Ecce Homo ……………………………………………………………...312
4.5.6 Cristo com a cruz às costas (Senhor dos Passos) ……………………….313
4.5.7 Cristo Crucificado ………………………………………………………315
4.5.8 Concluindo ……………………………………………………………...320

4.6 A Procissão do Triunfo das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa


Senhora do Carmo …………………………………………..321
4.6.1 Procissões – origens …………………………………………………….323
4.6.2 A Procissão do Triunfo …………………………………………………327
4.6.3 Narrativas da Procissão do Triunfo em Portugal ………………………333
4.6.4 Narrativas da Procissão do Triunfo no Brasil ………………………….338

4.7 Narrativa da Procissão do Triunfo, em Tavira, no século XXI ……….346

PARTE III
AS IMAGENS DO CRISTO DAS VENERÁVEIS ORDENS TERCEIRAS DO
CARMO: técnica, forma e estilo

5. ESCULTURA …………………………………………………………………….355

5.1 Escultura devocional nos séculos XVII e XVIII em Portugal ……….358

5.2 Escultura devocional nos séculos XVII e XVIII no Brasil ……………388

5.3 As esculturas dos Cristos da Paixão: técnica …………………………..408


5.3.1 Fonte e disseminação dos conhecimentos / Tratados técnicos …………410
5.3.2 As esculturas devocionais no Brasil – técnica e materiais …………..….415
5.3.2.1 Os artífices da madeira ……………………………………………….416
5.3.2.2 As técnicas adaptadas ao território brasileiro ……………………….432
5.3.3 Classificação das esculturas devocionais ……………………………….439
5.3.4 Os Cristos da Paixão da Ordem Terceira do Carmo ……………………443
5.3.4.1 Particularidades técnicas ……………………………………………...448

5.4 Forma e estilo. Do Barroco ao Rococó …………………………………455


5.4.1 Os Cristos do acervo das Igrejas dos Terceiros Carmelitas do Brasil ….468
5.4.2 Cristo no Horto, Cristo da Prisão e Cristo com a cruz às costas ……….487
5.4.3 Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo ….490
5.4.4 Crucificados ……………………………………………………………498

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………………508


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ………………………………………….…516

VOLUME II – FICHAS TÉCNICAS


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LISTA DE ABREVIATURAS

ABRACOR – Associação Brasileira de Conservação e Restauração


CBHA – Comitê Brasileiro História da Arte
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CECOR – Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis
CEIB – Centro de Estudos da Imaginária Brasileira
IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico – Estado de Minas
Gerais
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IPHAN – Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SPHAN – Serviço Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural – Estado do Rio de
Janeiro
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UNESP – Universidade Estadual de São Paulo
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 01 – Púlpito, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Viseu, Portugal.

Fig. 02 – Profeta Elias, portada quinhentista, Igreja do Carmo, Moura, Portugal.

Fig. 03 – Detalhe arquitetônico, Igreja do Carmo, Aveiro, Portugal.

Fig. 04 – Tarja do arco cruzeiro, Igreja do Carmo, Viana do Castelo.

Fig. 05 – Igreja conventual, dos Cardaes, Lisboa, Portugal.

Fig. 06 – Tarja, arco-cruzeiro, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Faro.

Fig. 07 – Tarja, Igreja conventual de Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro.

Fig. 08 – Igreja dos Carmelitas da Antiga Observância de Olinda, Pernambuco. Foto de 1859,
do fotógrafo austríaco Augusto Stahl, ainda com o convento e a igreja da Ordem Terceira,
demolidos em princípios do século XX.

Fig. 09 – Convento e Igreja conventual, e, Igreja dos Terceiros de Nossa Senhora do Carmo,
Salvador, Bahia.

Fig. 10 – Complexo arquitetônico dos Carmelitas da Antiga Observância de Santos, São Paulo.
‘Porto de Santos em 1822’, Benedito Calixto (óleo sobre tela, 1922) e postal do começo do
século XX.

Fig. 11 – Antiga igreja conventual do Carmo e igreja da Ordem Terceira do Carmo, do Rio de
Janeiro. Gravura de Debret, primeira metade do século XIX.

Fig. 12 – Fig. 12 – Antigo convento e Igreja do Carmo, São Luís, Maranhão. Postal do começo
do século XX.

Fig. 13 – Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Belém, Pará. Desenho de J.L Righini.

Fig. 14 – Igreja do Carmo, Alcântara, Maranhão.

Fig. 15 – Antigo convento e Igreja conventual dos Carmelitas da Antiga Observância, e, Igreja
da Ordem Terceira, João Pessoa, Paraíba.

Fig. 16 – Igreja de Nossa Senhora da Guia, Lucena, Paraíba.

Fig. 17 – Capela de Nossa Senhora de Nazaré, Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.

Fig. 18 – Convento de Santo Alberto, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja de Santa
Teresa, Goiana, Pernambuco. Foto de Augusto Stahl, c. 1859.

Fig. 19 – Tarjas, cruzeiro, Goiana, Pernambuco.

Fig. 20 – Cristos, Convento de Goiana, Pernambuco.

Fig. 21 – Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo, e Igreja de Santa Teresa da Ordem
Terceira do Carmo, Recife, Pernambuco.
16

Fig. 22 – Santo Eduardo M., Igreja da Ordem Terceira, Recife, Pernambuco.

Fig. 23 – Capela de Nossa Senhora do Ó e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Marechal


Deodoro, Alagoas.

Fig. 24 – Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e, Igreja do Senhor dos Passos, São
Cristóvão, Sergipe.

Fig. 25 – Igreja conventual, convento e Igreja de Ordem Terceira de Santa Teresa, Cachoeira,
Bahia.

Fig. 26 – Altar de Santa Joana de Portugal, Cachoeira, Bahia.

Fig. 27 – Complexo arquitetônico dos Carmelitas da Antiga Observância, Vitória, Espírito


Santo.

Fig. 28 – Convento de Nossa Senhora da Assunção e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e,


Igreja da Ordem Terceira de Santa Teresa, Angra dos Reis, Rio de Janeiro.

Fig. 29 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira, Campos dos Goytacazes, Rio
de Janeiro.

Fig. 30 – Portada, Igreja do Carmo, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.

Fig. 31 – Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo, São Paulo. Foto de Militão Augusto de
Azevedo, do século XIX, com o aspecto original, incluindo o convento e a sua igreja.

Fig. 32 – Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes,
São Paulo. Aspecto atual e foto do começo do século XIX.

Fig. 33 – Complexo arquitetônico do ‘Hospício’ e Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Itu, São
Paulo.

Fig. 34 – Convento e Igreja dos Carmelitas Descalços, atual Museu de Arte Sacra, Salvador,
Bahia.

Fig. 35 – Convento e Igreja dos Carmelitas Descalços, Olinda, Pernambuco.

Fig. 36 – Convento e Igreja de Santa Teresa, Ordem Segunda, dos Carmelitas Descalços, Rio de
Janeiro.

Fig. 37 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais.

Fig. 38 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mariana, Minas Gerais.

Fig. 39 – Portada da Igreja do Carmo, Mariana, Minas Gerais

Fig. 40 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São João del Rei, Minas Gerais.

Fig. 41 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Sabará, Minas Gerais.

Fig. 42 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Diamantina, Minas Gerais.

Fig. 43 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Serro, Minas Gerais.


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Fig. 44 – Largo da Praça XV, antigo Largo do Paço, com o convento e as duas igrejas,
conventual e dos Terceiros, ao fundo, e na esquerda o Palácio dos Vice-reis.

Fig. 45 – Tratado em que se contem a Paixam de Christo… Bbilioteca Nacional, Portugal.

Fig. 46 – Grande Paixão, de Dürer: Oração no Horto; Prisão; Flagelação; Ecce Homo; Cristo
com a cruz às costas; e, Crucificação.

Fig. 47 – Pequena Paixão, de Dürer: Oração no Horto; Prisão; Flagelação; Coroação de


espinhos; Ecce Homo; Cristo com a cruz às costas; e, Crucificação.

Fig. 48 – Cristo, Grande e Pequena Paixão, de Dürer.

Fig. 49 – Folha de rosto da obra de Hieronymo Natali (Societatis IESV, Theologo),


Evangelicae.

Fig. 50 – Flagelação: duas primeiras de Dürer e Wierix.

Fig. 51 – Colunas da Flagelação: Igreja do Santo Sepulcro, Jerusalém; e, Igreja de Santa


Prassede, Roma.

Fig. 52 – Cristo da Flagelação, Hieronymus Wierix (1548-1624); Lucas Vorsterman I (1595-


1651) e artista anônimo flamengo.

Fig. 53 – Coroação de espinhos e Caminho do Calvário, Klauber sc. et exec.

Fig. 54 – Gravura Klauber (Acervo Biblioteca Nacional, Portugal) e Cristo, Passo da Prisão,
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas Gerais.

Fig. 55 – Senhor Jesus dos Prodígios, estampa e obra escultórica. A estampa foi desenhada por
M. de Mattos e esculpida (gravada) por João Cardini. A escultura é provavelmente da primeira
metade do século XVIII, em madeira policromada.

Fig. 56 – Tarja, portada da Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais. Observar o elemento
distintivo entre os Calçados e os Descalços: a cruz no cume do Monte do Carmelo.

Fig. 57 – Monte da Perfeição, ilustração utilizada por São João da Cruz.

Fig. 58 – Cristo da Flagelação, da Pedra Fria e Ecce Homo, atualmente na Igreja dos Terceiros
de São Francisco, Ouro Preto.

Fig. 59 – Cordeiro, porta lateral, Igreja de São Pedro de Rates, Póvoa do Varzim, Porto.

Fig. 60 – Crucificados: túmulo Inês de Castro, Alcobaça e túmulo Bispo D. Pedro, Catedral de
Évora.

Fig. 61 – Cristo da Coroação de espinhos, Tomar, Portugal.

Fig. 62 – Programa iconográfico do altar-mor da Igreja dos Terceiros do Carmo de Faro: Nossa
Senhora do Carmo, ladeada pelos papas São Telésforo e São Dionísio, no andar superior; e
Santo Elias e Santo Eliseu, no andar inferior. Ao centro, ladeando o sacrário, São José e São
João Batista Menino.
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Fig. 63 – Programa iconográfico do altar-mor da Igreja dos Terceiros de Cachoeira, no Estado


da Bahia, Brasil: Crucificado ladeado por Santo Eduardo, rei da Inglaterra e São José e, sob o
sacrário Nossa Senhora do Carmo.
Fig. 64 – Passo Cristo no Horto, Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais.

Fig. 65 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Porto, Portugal, e, Itu, São Paulo, Brasil.

Fig. 66 – Cristo da Prisão, Igreja do Carmo, Campos, Rio de Janeiro e, Salvador, Bahia. E
Cristo Preso, pintura do Padre Jesuíno do Monte Carmelo, São Paulo, Museu Afro, São Paulo.

Fig. 67 – Cristo da Flagelação, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas


Gerais, Brasil; da Igreja dos Terceiros do Porto, Portugal e da Igreja dos Terceiros de Recife,
Pernambuco, Brasil.

Fig. 68 – Cristo da Coroação de espinhos, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho,


Congonhas, Minas Gerais, Brasil; e, da Igreja de São Cristóvão, Sergipe, Brasil.

Fig. 69 - Senhor dos Martírios, Museu Nacional Arte Antiga, Oficina de Nuno Gonçalves (?)

Fig. 70 – Ecce Homo, Capela da Ordem Terceira, Belém, Pará.

Fig. 71 – Senhor dos Passos, túmulo de D. Inês de Castro, Mosteiro de Alcobaça, Portugal.

Fig. 72 – Senhor dos Passos, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais, Brasil, e, Manuel Inácio da Costa, Igreja dos Terceiros, Salvador, Bahia.

Fig. 73 – Soldados tirando a sorte, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais, Brasil.

Fig. 74 – Senhor da Paciência, Museu Municipal de Portalegre.

Fig. 75 – Santo Vulto, Lucca, Itália.

Fig. 76 – Cristo Crucificado, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos, São Paulo.

Fig. 77 – Cristo Crucificado, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Itu, São Paulo.

Fig. 78 – Oito passos da Procissão do Triunfo, início do século XX (?).

Fig. 79 – Senhor das Nuvens (Cristo no Horto), Tavira, Portugal.

Fig. 80 – Senhor das Nuvens, detalhe.

Fig. 81 – Andor do Ecce Homo.

Fig. 82 – Andor de Nossa Senhora da Soledade.

Fig. 83 – Crucificados, Igrejas do Carmo, Mogi das Cruzes (SP), Recife (PE), Belém (PA), São
Paulo (SP), Campos dos Goytacazes (RJ), Itu (SP), Cachoeira (BA) e Ouro Preto (MG)

Fig. 84 – São Miguel Arcanjo, Frei Cipriano da Cruz, Museu Nacional Machado de Castro.

Fig. 85 – Retábulo de Nossa Senhora da Conceição e de Santa Teresa, Igreja do Carmo, Évora e
Igreja dos Terceiros, Faro, Portugal.
19

Fig. 86 – Retábulo dos Terceiros, Igreja do Carmo, Évora. No nicho central foi instalada uma
imagem de gesso do Sagrado Coração de Jesus, do século XX.

Fig. 87 – Anjo, Mosteiro de Alcobaça, Portugal.

Fig. 88 – Santo Amaro e Virtude: Temperança, Igreja e Sacristia do Mosteiro Tibães, Braga.

Fig. 89 – Retábulo de Santo Elias, Igreja do Carmo, Braga.

Fig. 90 – Retábulos laterais, Igreja do Carmo, Braga.

Fig. 91 – São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora do Rosário, Igreja de Nossa Senhora da Pena,
Lisboa.

Fig. 92 – Santo Onofre, José de Almeida, Museu Nacional de Arte Antiga.

Fig. 93 – Santana Mestra, Museu Nacional de Arte Antiga e Nossa Senhora do Carmo,
Machado de Castro (?), Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Faro.

Fig. 94 – Triunfo das Artes, Joaquim José de Barros Laborão, Museu Nacional de Arte Antiga.

Fig. 95 – Santana, Virgem, São Joaquim, Frei José de Santo Antônio Vilaça Mosteiro Tibães,
Braga.

Fig. 96 – Apostolo, Ceia de Cristo, Hodart, 1530, barro, Museu Nacional Machado de Castro.

Fig. 97 – Altar da Virgem, entre Nossa Senhora da Apresentação e Nossa Senhora da


Conceição, Manuel da Rocha, 1530, Museu Nacional Machado de Castro. Nossa Senhora da
Conceição, Gregório Fernández, Mosteiro da Encarnação, Madrid.

Fig. 98 – Santana Mestra, Claude Laprade, 1723, Museu Grão Vasco.

Fig. 99 – Calvário, detalhe do Senhor Morto, Igreja do Carmo, Évora.

Fig. 100 – Cristo Crucificado, da atual capela de Nossa Senhora da Boa Morte (Senhor Jesus
dos Aflitos) e Crucificado do Museu da Sé, Évora.

Fig. 101 – Senhor Morto, Igreja do Carmo, Tavira.

Fig. 102 – Nossa Senhora da Conceição, João Gonçalo Fernandes, originaria da Matriz de São
Vicente, hoje no Museu de Arte Sacra, Santos, São Paulo; e, Nossa Senhora das Maravilhas,
Museu de Arte Sacra, Salvador, Bahia.

Fig. 103 – São Lourenço, Capela de São Lourenço dos Índios, Niterói, Rio de Janeiro.

Fig. 104 – São José, Museu das Missões, São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil.

Fig. 105 – Nossa Senhora de Monserrate, detalhe, Frei Agostinho da Piedade, Museu de Arte
Sacra, Salvador, Bahia.

Fig. 106 – Bustos relicários, Museu de Arte Sacra, Salvador, Bahia.


20

Fig. 107 – Nossa Senhora de Monserrate, Frei Domingos da Conceição, Mosteiro de São Bento,
Rio de Janeiro.

Fig. 108 – Anjo Tocheiro, Simão da Cunha, Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro.

Fig. 109 – Nossa Senhora de Macunaíba, Convento franciscano, Angra dos Reis, Rio de
Janeiro.

Fig. 110 – Nossa Senhora da Vitória, Matriz de São Cristóvão, Sergipe.

Fig. 111 – São João da Cruz e São Simão Stock, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
Igreja do Carmo, Sabará, Minas Gerais.

Fig. 112 – Anjo sorridente, púlpito, Igreja do Carmo, São João del Rei, Minas Gerais.

Fig. 113 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Ouro Preto.

Fig. 114 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Ouro Preto.

Fig. 115 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Pará. Observar
os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo, Coroação de
espinhos, Ecce Homo e Crucificado).

Fig. 116 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Faro, Portugal.
Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado).

Fig. 117 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Itu, São Paulo,
Brasil. Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado).

Fig. 118 – Anjo do Passo do Cristo no Horto, Ouro Preto, Minas Gerais.

Fig. 119 – Cristo Preso e Cristo da flagelação, Manuel Martins, 1731, Igreja da Ordem Terceira
do Carmo, Faro

Fig. 120 – Senhor e o burro, Igreja do Carmo (Museu), Faro.

Fig. 121 – Rostos do Senhor Preso e Ecce Homo, detalhe das mãos do Ecce Homo, José de
Almeida, 1758, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Lisboa.

Fig. 122 – Senhor do Horto e da Coroação de espinhos, primeira metade do século XVIII,
Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Horta, Ilha do Faial.

Fig. 123 –Cristo da Prisão e da Flagelação, segunda metade do século XVIII (?), Igreja da
Ordem Terceira do Carmo, Porto, Portugal.

Fig. 124 – Senhor da Flagelação e Ecce Homo, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Tavira e
Ecce Homo, de Manuel Martins, da Igreja dos Terceiros de Faro.

Fig. 125 – Nossa Senhora do Carmo, foto inventário de Tavira, Lameira e foto da visita à igreja
em 2016.

Fig. 126 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos, Ecce Homo e Nossa Senhora
da Piedade, Igreja conventual de Moura, Portugal.
21

Fig. 127 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo, Igreja dos
carmelitas da Antiga Observância, Évora.

Fig. 128 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo, Igreja dos
Terceiros do Carmo, de Beja.

Fig. 129 – Cristos da Paixão, Museu de Arte Sacra, Salvador, Bahia.

Fig. 130 – Ecce Homo, Manuel Inácio da Costa, Igreja dos Terceiros de Salvador.

Fig. 131 – Senhor Morto, Manuel Inácio da Costa, Museu da Ordem Terceira do Carmo,
Salvador.

Fig. 132 – Cristo Crucificado, Simão da Cunha, 1763, altar-mor da Igreja dos Terceiros do
Carmo, Rio de Janeiro.

Fig. 133 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Pedro da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira
do Carmo, do Rio de Janeiro e de Itu.

Fig. 134 – Cristos da Coroação de Espinhos, Pedro da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira do
Carmo, do Rio de Janeiro e de Itu.

Fig. 135 – Cristos da Flagelação, detalhe do rosto, Pedro da Cunha, Igrejas da Ordem Terceira
do Carmo, Itu e Rio de Janeiro.

Fig. 136 – Cristo da Prisão, detalhe, Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais.

Fig. 137 – Cristo Crucificado, Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais.

Fig. 138 – Cristo Crucificado, altar-mor, Igreja dos Terceiros de Cachoeira, Bahia.

Fig. 139 – Cristo da Flagelação, de Goiana; do Cristo da Prisão, do Aleijadinho, de


Congonhas, Minas Gerais.

Fig. 140 – Ecce Homo, da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Cachoeira, Bahia.

Fig. 141 – Cristos da Flagelação, Rio de Janeiro, Itu e Mogi da Cruzes.

Fig. 142 – Cristo da Flagelação, Mogi das Cruzes, São Paulo.

Fig. 143 – Crucificados, sob o coro e do altar-mor (Senhor Morto), Igreja da Ordem Terceira do
Carmo de Mogi das Cruzes, São Paulo.

Fig. 144 – Cristo do Horto, Igreja dos Terceiros de Recife, Pernambuco.

Fig. 145 – Cristo da Prisão, Igreja do Carmo, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.

Fig. 146 – Cristos da Prisão das Igrejas de Itu, São Paulo e Santos. Observar a finalização dos
bigodes em voluta (caracol) e o desenho da boca.

Fig. 147 – Cristo com a cruz às costas, e o pé direito, Igreja dos Terceiros do Carmo, Cacheira,
Bahia.
22

Fig. 148 – Cristos da Flagelação, da Igreja dos Terceiros Franciscanos, dos Terceiros
Carmelitas e da Igreja conventual Carmelita, de Recife, Pernambuco.

Fig. 149 – Cristos da Flagelação, Igreja dos Terceiros Carmelitas, João Pessoa, Paraíba, de
Horta, na ilha do Faial e de Goiana, Pernambuco. E, por último, do Acervo do Museu de Arte
Sacra de Paraty, Rio de Janeiro.

Fig. 150 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Igrejas da Ordem Terceira de Goiana e João
Pessoa.

Fig. 151 – Cristo da Flagelação, gravura Klauber cth., sc. Et exc., e Igreja dos Terceiros de
Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro e de Mogi das Cruzes, São Paulo.

Fig. 152 – Cristos da Flagelação, detalhe perizônios, Igrejas de Recife, Itu e Santos.

Fig. 153 – Cristos da Flagelação, perizônios, Igrejas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

Fig. 154 – Cristo da Flagelação, evolução do movimento e da forma.

Fig.155 – Crucificado, Manuel Dias (1736), Sé, Évora.

Fig. 156 – Crucificados, altar-mor dos Carmelitas Calçados e dos Descalços, e, altar lateral da
igreja dos Calçados, Évora.

Fig. 157 – Crucificados, Igrejas da Ordem Terceira do Carmo, Faro e Lisboa.

Fig. 158 – Crucificados, igrejas dos Terceiros do Carmo, Porto e Tavira.

Fig. 159 – Perizônios: A – Aveiro; B e C - Évora, altar-mor e altar lateral; D – Évora,


Descalços; E – Frei Cipriano da Cruz, Tibães; F - Manuel Martins, Faro; G – Manuel Dias,
1736, Sé, Évora; H – José de Almeida, Lisboa; I – Recife, BR; J - Ilha de Faial; L – Frei José
António, Sacristia, Tibães; e, M – Lisboa, altar colateral, Lisboa.

Fig. 160 – Cristo Crucificado, Igreja dos Terceiros, Recife, Pernambuco.

Fig. 161 – Crucificados, Igreja dos Terceiros, Recife, provável origem portuguesa, e, o de
Simão da Cunha, do Rio de Janeiro.

Fig. 162 – Cristo Crucificado, Belém do Pará.

Fig. 163 – Crucificados, Igrejas de Belém, Itu, São Paulo e Campos dos Goytacazes.

Fig. 164 – Perizônios, Crucificados de Itu e Campos dos Goytacazes.

Fig. 165 – Cristo Crucificado, Igreja dos Terceiros, Santos, São Paulo.

Fig. 166 – Cristo Crucificado, Igreja dos Terceiros, João Pessoa, Paraíba.

Fig. 167 - Crucificados das igrejas dos Terceiros do Brasil: A – Santos, SP; B – Cachoeira,
Bahia; C – Itu, São Paulo; D – Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro; E – Recife,
Pernambuco; F – Rio de Janeiro, Capital; G – São Paulo, Capital; H – João Pessoa, Paraíba; I –
Belém, Pará; J – Mogi das Cruzes, São Paulo; L – Ouro Preto, Minas Gerais; e M – Salvador,
Bahia.

Fig. 168 – Cristo da Flagelação, Igreja de Nossa Senhora das Dores, Porto Alegre, RS.
23

1. INTRODUÇÃO

“As imagens não foram introduzidas na Igreja sem causa razoável. Elas derivam de três
causas: a incultura dos simples, a frouxidão dos afetos e a impermanência da memória. Elas
foram inventadas em razão da incultura dos simples, que não podendo ler o texto escrito
utilizam as esculturas e pinturas como se fossem livros para se instruir nos mistérios de nossa
fé. Da mesma forma, elas foram introduzidas em função da frouxidão dos afetos para que
aqueles cuja devoção não é estimulada pelos gestos do Cristo recebidos por intermédio dos
ouvidos sejam provocados pela contemplação dos olhos do corpo em sua presença nas
esculturas e pinturas, já que na realidade o que se vê estimula mais os afetos do que o que se
ouve [...] Finalmente por causa da impermanência da memória, já que o que se ouve é mais
facilmente esquecido do que o que se vê [...]. Assim, por um dom divino, as imagens foram
executadas nas igrejas para que as vendo nos lembremos das graças que recebemos e das
obras virtuosas dos santos”.1

Pensando na principal motivação para esta tese, os Cristos dos Passos da Paixão
das Veneráveis Ordens Terceiras do Carmo do Brasil, ocorre-me uma lembrança
longínqua, quando menina, era levada pela mãe à missa dos domingos na Igreja dos
Terceiros do Carmo de minha cidade natal (Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro).
Lembro que não me sentia atraída pelo conteúdo da cerimônia, que, naquela igreja, em
particular, continuava a ser realizada em latim. No entanto, algo me perturbava naquele
ambiente, me impressionava. Hoje, não tenho dúvidas de que era a visão dos Cristos nos
altares em suas roupas de tecido ou quase nus, com cabeleiras postiças.

Feita a primeira confissão, passemos aos motivos acadêmicos para a escolha do


tema. O primeiro foi a busca por um assunto que fosse relevante e inédito, ou a respeito
do qual, os estudos, estivessem incipientes. A Ordem do Carmo, no Brasil, é, dentre as
Instituições que se instalaram em nosso território (Jesuítas, Beneditinos e Franciscanos),
a menos estudada. Depois, vieram lembranças das andanças com a Dra. Myriam
Andrade Ribeiro de Oliveira visitando Igrejas e Museus pelo Brasil para a curadoria da
exposição 500 anos do Descobrimento do Brasil. Mais uma vez, lá estavam os Cristos
nos altares das Ordens Terceiras do Carmo. Por que a constância dos Cristos nas igrejas
dos leigos de norte a sul do Brasil? E por que os carmelitas, no Brasil, adotaram os

1
MENOZZI, Daniele apud OLIVEIRA, Myriam A. R. de, ‘A escultura devocional na época barroca,
aspectos teóricos e funções’, publicado em Revista BARROCO, nº 18, Ouro Preto, 2000, p. 247.
24

Passos da Paixão de Cristo como programa iconográfico de seus templos, sabendo


tratar-se de assunto particular aos franciscanos, os quais nutriam devoção especial à
Via-sacra, guardiões que eram do Santo Sepulcro em Jerusalém.

Com o tempo, mesmo não nos dedicando especificamente ao assunto,


começamos a perceber e a responder essas questões. Parte delas foi esclarecida pelas
pesquisas da Dra. Adalgisa Arantes Campos, historiadora e especialista em cultura
religiosa de Minas Gerais. Mostrou a importância dos Cristos como os atores da
principal manifestação dos terceiros do Carmo: a Procissão do Triunfo. As procissões,
nesse período, eram uma demonstração da fé e do poder da igreja e das elites em Minas
Gerais representadas pelas ordens terceiras. Os franciscanos, com a Procissão das
Cinzas e seus inumeráveis andores, abriam o tempo da Quaresma, enquanto os
carmelitas, com os oito andores dos Passos da Paixão, tão caros aos franciscanos,
fechavam o tempo da Quaresma.

Ao procurar um assunto para desenvolver na tese, cujo estudo me agradasse e


merecesse certa atenção, juntaram-se, portanto, inconsciente e consciente, a fim de
delinear o caminho a ser seguido: desenvolver o tema dos Cristos presentes nas igrejas
dos Terceiros Carmelitas. Surgiu, então, a pesquisa As imagens da Paixão de Cristo
da Procissão do Triunfo das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do
Carmo no Brasil.

Isso posto, vamos aos objetivos. O principal deles é estudar as esculturas


devocionais dos Passos da Paixão representados maioritariamente nas igrejas dos
terceiros carmelitas do Brasil. Trata-se, portanto, dos sete Cristos da Paixão, que
cumpriam dupla função: servir ao programa iconográfico das igrejas e atuarem, nos
séculos XVII e XVIII, nos andores da Procissão do Triunfo. São esculturas que se
integravam estilisticamente às decorações internas das igrejas, seguindo os vocabulários
da época, do barroco e do rococó, chegando ao neoclássico incipiente do século XIX em
algumas regiões.

Como objetivo secundário, era necessário, para entender o objeto de estudo, que
se conhecessem os encomendantes destas esculturas. Portanto, foi primordial fazer um
resumo da história da Ordem do Carmo no Brasil, desde as primeiras fundações até o
fim do século XVIII e princípio do XIX. Como datas limites, fixamos o ano de 1580,
com a primeira fundação carmelita em Olinda, e o de 1808, data da chegada da Família
25

Real ao Brasil. Com isso, intentou-se demostrar o papel desempenhado pela Ordem
Carmelita na missionação das populações e a importância dos irmãos terceiros na
sociedade do século XVIII no território brasileiro.

Ainda como objetivo secundário, tentou-se evidenciar a influência das fontes


imagéticas na inspiração das obras de arte do período, com foco nas esculturas
devocionais, através de publicações de gravuras e estampas nos livros ilustrados, nas
estampas soltas e nos registros de santos. Esses impressos tinham um papel importante
na vida religiosa e cultural da sociedade da época. Muitos são os estudos dedicados as
gravuras como fonte de inspiração na composição de pinturas, porém, quando o
interesse passa para as esculturas devocionais, o tema se torna um tanto ‘nebuloso’.

Finalizando, chegou-se ao objeto de estudo: inventariar, analisar e comparar


entre si e entre seus pares os conjuntos escultóricos litúrgicos das igrejas de Ordens
Terceiras do Carmo do Brasil. Trata-se de um total de treze (13) conjuntos escultóricos,
compostos com os sete Cristos (Belém – PA, João Pessoa – PB, Goiana e Recife – PE,
Cachoeira e Salvador – BA, Campos dos Goytacazes e Rio de Janeiro – RJ, Santos, São
Paulo, Itu e Mogi das Cruzes – SP, e Ouro Preto – MG). Em dois conjuntos a
quantidade de esculturas é menor, como em São João del Rei (MG) e em Marechal
Deodoro (AL). Em Portugal, conseguimos computar cinco conjuntos completos e
alguns resquícios de outros. Trata-se, portanto, de um total de cerca de cem (100) peças
inventariadas do Brasil, que fazem parte do segundo volume desta tese.

A metodologia empregada, começou pela pesquisa bibliográfica e pela


atualização da literatura sobre os carmelitas, e, em particular, sobre os Terceiros. A
seguir, procedeu-se à inventariação do acervo, pois ainda pairava certa imprecisão
quantitativa. No começo, não se sabia a real quantidade de peças a serem estudadas na
tese de doutoramento. Visitamos todas as igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, ou
quase todas, fundadas nos séculos XVII e XVIII, de norte a sul do Brasil. Foram
viagens de estudo, de exploração, de inter-relação, nas quais foram buscados, além do
acervo a ser inventariado, outros exemplares de mesmo tema iconográfico nos
monumentos religiosos e culturais da cidade, preferencialmente nas igrejas e nos
museus de arte sacra. Efetuamos também a atualização das fontes bibliográficas in loco,
publicações de historiadores locais sobre os monumentos, nas universidades e nos
escritórios técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Boa parte
da documentação relativa aos monumentos já não existe, porém, pelo volume e pela
26

diversidade de objetos de estudo, previa-se a impossibilidade de fazê-lo


individualmente. Pesquisamos, então, de uma forma indireta, isto é, nas publicações de
historiadores locais, pois, dessa maneira, a tarefa estaria sendo realizada por
especialistas das próprias cidades ou por instituições religiosas, com melhores
resultados.

Para além da pesquisa local, fez parte do projeto a utilização de fontes textuais e
iconográficas, presentes nas principais bibliotecas do Brasil e de Portugal. Portanto, por
um longo período, foram lidas as crônicas dos carmelitas e todas as publicações
dedicadas ao assunto nas bibliotecas do Rio de Janeiro e de Lisboa. Visitamos ainda o
Arquivo Central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil, na
cidade do Rio de Janeiro, compilando toda a documentação das pastas arquivísticas dos
monumentos estudados. E, por último, o Arquivo da Província Carmelitana de Santo
Elias, na cidade de Belo Horizonte (MG). Boa parte da documentação ali existente,
pertence a fase mais recente da Ordem do Carmo, dos séculos XIX e do XX.

Não se poderia omitir desta introdução, uma pequena parcela das muitas obras
de referência utilizadas nesta tese, para lembrar os que tiveram a capacidade de atrair
novos pesquisadores para a continuidade a seus trabalhos. Para elaborar a parte I,
referente à Ordem Carmelita, foi consultada a obra do cronista da Ordem do século
XVIII, frei Manuel de Sá. Embora se restrinja a poucos monumentos, traz descrições
bastante detalhadas dos primeiros complexos carmelitas de Portugal. A seguir, de frei
Balbino Velasco Bayón, o recente livro A história da Ordem do Carmo em Portugal,
publicada em 2001. Ambos frades da Antiga Observância, portanto, dedicados à história
dos Carmelitas Calçados. Para o estudo dos Descalços, o autor consultado foi frei
Belchior de S. Anna, responsável pelo tomo I da obra Chronica de carmelitas
descalços, particular do reyno de Portugal, e provincia de Sam Felippe. Apesar de os
Carmelitas Descalços só possuírem quatro conventos no Brasil, dois dos quais
femininos, acredita-se que as Ordens Terceiras sofreram grande influência dos textos de
Santa Teresa.

Quanto ao estudo da escultura devocional em Portugal, a figura principal, sem


nenhuma dúvida, é o professor Reynaldo dos Santos com a obra fundamental História
da escultura portuguesa. De grande relevância é também o trabalho do mesmo autor,
História da arte portuguesa. É importante lembrar ainda os excelentes textos dos
volumes das coleções sobre a arte portuguesa, publicadas a partir dos anos 80 do século
27

passado, dentre eles o texto do Dr. Carlos Moura. As coleções apresentam textos
didáticos, de fácil acesso ao público em geral, representativos da herança deixada pelo
Dr. Reynaldo dos Santos.

Para o estudo a respeito da escultura no Brasil, foi imprescindível a contribuição


do francês Germain Bazin, com a obra A arquitetura religiosa barroca no Brasil, e,
particularmente para essa tese, o inestimável O Aleijadinho e a escultura barroca no
Brasil. Assim como se fez na análise da história da Ordem do Carmo e da escultura
portuguesa, ao examinar a escultura no Brasil, não se pode esquecer o nome do Dr.
Eduardo Etzel, e mais recentemente, o texto A imagem religiosa no Brasil da Dra.
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, com quem tive a oportunidade de dividir
momentos de aprendizado. Portanto, o texto e o modulo da arte Barroca da exposição
em homenagem aos 500 anos do descobrimento do Brasil, trouxe à tona o tema das
esculturas devocionais, esquecido por longos anos.

A leitura iconográfica dos Passos da Paixão de Cristo baseou-se nas obras de


referência de dois grandes especialistas em iconografia cristã, os franceses Émile Mâle
(L’art religieux du XIIIe siècle en France: étude sur l’iconographie du moyen âge et sur
ses sources d’inspiration) e Louis Réau (Iconografia del arte cristiano: iconografía de
la Biblia. Nuevo Testamento), como não poderia deixar de ser. A pesquisa sobre as
fontes imagéticas se deu basicamente nos acervos on-line de museus e nos arquivos de
registos de santos, das Bibliotecas Nacionais de Lisboa e do Rio de Janeiro. Foram
basicamente dois anos de visitas cotidianas às bibliotecas em Lisboa, tanto à Nacional
quanto à da Fundação Calouste Gulbenkian, com uma listagem infindável de
referências. As principais foram fichadas e estão relacionadas ao fim desta tese.

Nestes três anos e meio de pesquisa e redação da tese, dois momentos merecem
referência especial. O primeiro, foi a visita à cidade de Goiana, interior de Pernambuco,
no Brasil e o segundo, a oportunidade de presenciar, na Semana Santa de 2016, a
Procissão do Triunfo, extinta nas igrejas estudadas e reativada na bucólica cidade de
Tavira, em Portugal. Em Goiana, a emoção ocorreu pela possibilidade de ter, ao alcance
das mãos, os objetos deste estudo, pois, na maioria das vezes, a aproximação, tão
necessária, só é possível através de binóculos ou da lente fotográfica. A cidade fica
entre duas importantes capitais, João Pessoa e Recife. A visita ao Convento de Santo
Alberto e sua igreja, a princípio, pareceu infrutífera, pois a igreja dos terceiros estava
fechada (para obras e férias). No entanto, aos poucos, ela se transformou na
28

agradabilíssima surpresa de descobrir, em uma das salas do convento, os nossos objetos


de estudo, guardados em ‘péssimas condições’ (as peças estavam depositadas no chão,
sobre um piso frio e úmido), mas ao alcance da mão. Foi uma emoção poder desvendar
aquelas peças e poder apreciá-las de tão perto, observando a singularidade dos Cristos
de vulto pleno, nos seus feitios regionais e ímpares. Foi, com certeza, a visita que
deixou mais saudade e, por esse motivo, aparecem transcritas aqui as anotações daquele
dia:

“Goiana é uma cidade encantadora. O convento uma grande surpresa. A arquitetura


repete a fórmula já tanto vista em outros conventos e em Portugal. Então por que a surpresa?
Não sei dizer, foi mais do que a arquitetura, foi o ambiente, a localização em uma praça
arborizada, com um cruzeiro imponente à frente. Hoje ele se acha escondido pela vegetação,
mas, em fotos do século XIX, sua imponência, era tanta a ponto de marcar o francês Germain
Bazin. A igreja da ordem terceira também não tem nada de original, repete uma tipologia
constantemente vista no Brasil: de menor dimensão, localiza-se à esquerda da igreja
conventual, independente e recuada. Acredito que a emoção tenha vindo de poder ver e
literalmente tocar os Cristos, em sua beleza um tanto exótica e um tanto regional, e ainda de
apreciar a criatividade do artífice, no jogo corporal e no movimento suave dos perizônios. Vi
beleza onde não esperava. Goiana vai ficar na lembrança. Valeu a viagem”.

A segunda grande surpresa foi ter a oportunidade de participar da manifestação


religiosa objeto desta tese, e que ganhou novos ares, tornando-se importante
acontecimento cultural. Uma emoção ver a recondução a uma nova vida de objetos cuja
função havia se perdido ao longo dos anos. Em Portugal, as esculturas dos Cristos da
Paixão cumpriam, em sua maioria, apenas a função processional. Com a extinção das
ordens e das principais manifestações religiosas, as peças acabaram nos acervos das
igrejas, sem uma função determinada. Algumas, pelas qualidades técnicas e formais,
ainda eram apreciadas pelos fieis e pelos turistas, como as de Faro e de Lisboa. Ver a
Procissão do Triunfo no Domingo de Ramos fechando o tempo Quaresmal na cidade de
Tavira, acompanhar o arranjo dos andores um dia antes, assim como ver cada andor sair
da igreja aclamado pelo celebrante e passar pelas ruas da cidade, foi sem dúvida a
segunda grande surpresa, de não se esquecer. Como a fénix, a procissão do Triunfo
ressurgiu das cinzas, em nova embalagem e_, por que não?_ com novos atores (Ver os
detalhes no subitem específico)
29

Essa tese divide-se em três partes, a primeira, dedicada à Ordem Carmelita, a


segunda, às fontes impressas e imagéticas e a terceira, às esculturas devocionais. A
primeira parte comporta dois capítulos e diversos subitens. No primeiro, elaborou-se um
resumo histórico da Ordem Carmelita, desde sua tradicional e mítica fundação no
Monte Carmelo pelo próprio profeta Elias até a transferência e refundação como
mendicantes, já na Europa, pela bula Ex officii nostri aprovada pelo Papa Gregório IX,
em 1229. Como consequência da expansão pela Europa, chega a Portugal, instala-se em
Moura, depois Lisboa, casa-mãe da ordem, e lentamente vai se espalhando. Para
facilitar o estudo, separam-se os ramos dos Carmelitas da Antiga Observância do dos
Descalços, que fundado no século XVI, a partir do convento feminino, por Santa
Teresa, não teve vida muito frutífera no Brasil. Com relação aos terceiros, tentou-se
entender o fato de no Brasil, só existirem igrejas terceiras relacionadas aos Calçados,
além das independentes do Estado de Minas Gerais, explicadas pela proibição da
instalação de ordens religiosas na região.

O terceiro capítulo foi totalmente dedicado à instalação da Ordem no Brasil,


desde a primeira fundação em 1580 na cidade de Olinda até a última do século XVIII,
na cidade de Itu.2 Procurou-se compreender a tipologia trazida pelos frades para suas
construções, as adaptações realizadas e o tipo de arquitetura que os terceiros carmelitas
realizaram em território brasileiro. A partir da arquitetura e da história de cada
fundação, analisou-se o programa iconográfico utilizado, e o porquê da presença dos
Cristos da Paixão nos retábulos das igrejas. Diferentemente de Portugal, esse foi o
programa iconográfico escolhido para o Brasil, enquanto, em Portugal, ele só aparece na
Igreja dos Terceiros dos Descalços do Porto, obra da segunda metade do século XVIII e
em Beja, incompleto.

Como de praxe, no Brasil, os monumentos das grandes cidades são os mais bem
estudados, existindo maior número de publicações sobre os complexos carmelitas do
Rio de Janeiro, de Salvador e Recife do que a respeito das demais cidades. Outros
conjuntos chegaram a ser sinalizados por especialistas, como Germain Bazin, que teve
um olhar voltado para os complexos de Cachoeira, na Bahia, de São Paulo (via Angra

2
Nas cidades de Itu e Lucena, são consideradas as últimas fundações (Hospícios) da era colonial (séculos
XVI, XVII e XVIII), pois o século XIX foi um período estagnado. Em princípios do século XX, houve
um revival com a vinda de frades europeus, e, com as novas fundações conventuais. Atualmente, a
Província Carmelitana de Santo Elias. ligada a Antiga Observância, possui 17 conventos, e os da
Província dos Carmelitas Descalços de São José, outros tantos.
30

dos Reis) e para as igrejas dos terceiros de Minas Gerais. Foi surpreendente e
gratificante a constatação de que os monumentos carmelitas de regiões e cidades, tais
como João Pessoa (PB) e Marechal Deodoro (AL), começam a ser tornar assunto de
pesquisa para historiadores locais, interessados em recuperar e valorizar a história de
sua região. Em contrapartida, Goiana, que nos causou tão boa impressão, continua
aguardando a dedicação dos historiadores da região, assim como São Cristóvão (SE).

Portanto, o terceiro capítulo versou sobre o caminho percorrido pelos carmelitas


no território brasileiro. Procurou-se, mesmo que de maneira incipiente, abarcar todas as
fundações da ordem, incluindo os poucos hospícios ainda existentes e alguns conjuntos
dos quais só restaram as igrejas conventuais, como Alcântara, no Maranhão, e Olinda e
Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco.

A segunda parte da tese, é dedicada à leitura iconográfica e às fontes imagéticas.


Tentamos abarcar todas as obras que pudessem ter influenciado a definição dos tipos
iconográficos de cada Passo da Paixão de Cristo representado nas igrejas das
Veneráveis Ordens Terceiras do Carmo. Buscamos demonstrar as mudanças de
mentalidade ocorridas no fim da Idade Média, a partir da fundação das Ordens
mendicantes, com o surgimento de um novo tipo de espiritualidade, que enfatizava a dor
de Cristo. Espiritualidade desenvolvida na Devotio Moderna e nos Exercícios
Espirituais de Santo Inácio, e, mistificada pelos carmelitas, com os escritos de Santa
Teresa e São João da Cruz. Abordou-se cada passo, em particular, e as sutis diferenças
dentro do mesmo tema, relacionados aos Cristos da arte portuguesa e da luso-brasileira.

A terceira parte foi dedicada exclusivamente ao estudo das esculturas


devocionais, salientando a sua leitura técnica, formal e estilística. O destaque são os
Cristos da Paixão, inventariados nesta tese, pertencentes às igrejas das Ordens Terceiras
do Carmo do Brasil. Iniciou-se o exame com um resumo da história das esculturas
devocionais de Portugal e do Brasil, para em seguida, observar os Cristos a partir de sua
tecnologia de construção e da sua leitura formal e estilística. Das peças inventariadas,
analisaram-se as que tinham atribuições e datações definidas, organizando-as em
tipologias, adaptáveis ou não aos grandes estilos de época.

Para finalizar, caberia esclarecer que não era nossa intenção fazer a história da
Ordem do Carmo de Portugal. O interesse se restringia à Ordem Carmelita no Brasil,
porém, como uma é consequência da outra, fez-se necessário voltar o olhar para
31

Portugal e suas igrejas carmelitas. Também por esse motivo vem a escolha do
doutoramento na Universidade de Lisboa, sob o generoso auspício do professor Vítor
Serrão, e as inúmeras e prazerosas andanças pelo território português à procura de
igrejas carmelitas.

Ainda esclarecendo, todas as imagens sem identificação de fonte fazem parte do


acervo particular da pesquisadora. A grafia foi modernizada, segundo o Novo Acordo
Ortográfico da língua portuguesa, para facilitar a leitura. No entanto, tentou-se respeitar
as citações do século XX, conforme as normas portuguesas. Tomou-se esta decisão em
virtude da dificuldade de se trabalhar com ortografias de uma mesma língua, com
padrões diferentes. Desde já nos desculpamos pelos erros cometidos.
32
33

Fig. 01 – Púlpito, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Viseu, Portugal.

PARTE I

A ORDEM DE NOSSA SENHORA DO CARMO: origens e


desenvolvimento em Portugal e no Brasil
34
35

2. AS ORIGENS DA ORDEM DE NOSSA SENHORA DO CARMO

Tradicionalmente, considera-se o Profeta Elias o fundador da Ordem Carmelita


pelo fato de ter vivido no Monte Carmelo, na Palestina, no século IX antes de Cristo,
momentos marcantes de sua vida, contados nos três últimos livros dos Reis do Antigo
Testamento. Foi nesse local, no Monte Carmelo, que Elias desafiou os sacerdotes do
deus Baal, introduzidos em Israel, pelo rei Acab, sob a influência de sua esposa Jezebel.
Elias intimou o rei Acab para que construísse dois altares, um para o seu Deus e outro
para Baal. O deus que respondesse ao sacrifício seria o verdadeiro. Respondeu o Deus
de Elias fazendo cair fogo do céu e derrotando, assim, os 850 falsos profetas (1 Reis
18:20-40).
Posteriormente, no tempo em que Israel passava por uma longa seca e por um
terrível período de fome, que matou muitos homens e animais, impondo ao próprio rei
Acab uma fuga da região, Elias pediu a Deus para cessar a estiagem. Pouco depois,
ergueu-se do mar uma pequena nuvem, que foi crescendo até escurecer o céu e inundar
a terra com abundante chuva (1 Reis 18: 42-46). Essa nuvem encobriu o Monte como
um véu, e, séculos mais tarde, seria associada, pelos Padres da Igreja, ao manto de
Maria. A partir de então, a Purissimae Virginis Filii foi tomada pelos Carmelitas como
protetora da ordem e é a ela que consagram um culto especial.
Elias e Eliseu, seu discípulo, são dois personagens do Antigo Testamento
considerados Profetas de ação, em oposição aos da escrita, isto é, aqueles que deixaram
textos. Momentos da história de Elias foram relacionados como prefiguração da vinda
do Messias. O principal deles foi aquele em que Elias esteve no deserto, tendo a morte
como parceira e, desesperado, recebeu o conforto de um Anjo (1 Reis, 19: 4-7). Esse
momento se assemelha à Agonia de Jesus no Monte das Oliveiras. E talvez, por esse
motivo, seja a cena escolhida para introduzir a série de Cristos dos Passos das Igrejas da
Ordem Terceira do Carmo.
Os carmelitas foram os grandes divulgadores do culto de Elias no Ocidente,
assim como o de seu discípulo Eliseu. Porém, antes de ser adotado pela Ordem, também
foi acolhido no Oriente. A Igreja Grega o associou a Hélios, o deus sol, pela semelhança
entre os nomes. Em Bizâncio, existe uma lenda que o compara ao deus do trono de
36

Perún, ‘aquele que toca o tambor dos céus’. Por isso, alguns mosteiros lhe são
dedicados nessa região3.
A questão do Profeta Elias e a Ordem do Carmo foi polêmica no cerne da Ordem
Carmelita e contestada pelas outras Ordens4 porém, para os religiosos carmelitas foi
vista como tradição que deveria ser mantida. Frei Belchior de S. Anna, na obra
Chronica dos carmelitas descalços afirma que, tradicionalmente, a origem da ordem
está associada ao Profeta Elias, mas, fisicamente, a Ordem começou com os eremitas
que viviam no Monte Carmelo, na Palestina, e não no tempo de Elias5.
Porém, a verdade é que apenas encontraremos referência documental sobre os
monges que viviam no Monte Carmelo no começo do século XII depois de Cristo, na
Palestina, e, pouco depois na Europa. Da mesma forma, o Profeta Elias só aparecerá na
Regra da Ordem de 12816. Segundo o historiador da Ordem em Portugal, Manuel Maria
Wermers, “a Regra, com a data tradicional de 1209, nem sequer menciona Elias e tão
somente fala de uma Fonte (mais tarde acrescentaram ‘de Elias’), junto da qual viviam
os eremitas do Carmelo. A regra transformada em 1247 tão pouco. A ‘Ignea Sagitta’,
uma apologia virulenta da vida eremítica, escrita em 1270, pelo Geral Nicolau, o
Francês, parece ignorar qualquer ligação entre santo Elias e a Ordem do Carmo”.

3
RÉAU, Louis, Iconografía del arte Cristiano. Iconografía de la Biblia. Antigo Testamento, Tomo I,
volume I, Barcelona, Ediciones del Serbal, 2007, p. 400 e 401. (primeira edição 1960 ?)
4
Tudo teve início quando Jean Bolland preparava a publicação da Acta Santorum, uma série de volumes
nos quais os testemunhos relacionados à vida de cada santo seriam avaliados, com o objetivo de separar o
que era fato do que era lenda. Um dos seus colaboradores foi o jesuíta belga Daniel van Papenbroeck
(1628-1714), que era contra a origem da Ordem do Carmo ser associada ao Profeta Elias, atitude
contestada pelos carmelitas de Flandres. A querela só foi resolvida quando o Papa Bento XIII, em 1727,
permitiu a veneração do profeta Elias nas igrejas carmelitas, dando assim, razão à Ordem. Foi permitido
inclusive à Ordem Carmelita colocar uma estátua do Profeta Elias, como seu fundador na Igreja de São
Pedro no Vaticano. Ver: SEBASTIAN, Santiago, Contrareforma y barroco, Madrid, Alianza editorial,
1989, p. 240.
5
S. ANNA, P. Fr. Belchior de, Chronica de carmelitas descalços, particular do reyno de Portugal, e
provincia de Sam Felippe, Tomo I, pelo P. Fr. Belchior de S. Anna, leitor de Theologia no seu collegio de
Coimbra. Chronista e indigno Filho da mesma província e natural do lugar do Grajal, Lisboa, com licença
da Inquisição, Ordinário, e Paço, Na officina de Henrique Valente de Oliveira, anno 1657. No mesmo
volume, encontramos os tomo II e III. Segundo referência da Biblioteca Nacional de Portugal, também
foram escritos: Tomo II: SACRAMENTO, João Frei. [...]. Lisboa Occidental: na Officina Ferreyrenciana,
1721. Tomo III: JESUS MARIA, Joseph Frei. [...]. Lisboa: na Officina de Bernardo Antonio de Oliveira,
1753.
6
Ver: ZIMMERMAN, Benedict, ‘The Carmelite Order’ publicado em The Catholic Encyclopedia, Vol.
3, New York, Robert Appleton Company, 1908, Disponível em:
http://www.newadvent.org/cathen/03354a.htm
37

“É apenas nas Constituições de 1281 que encontraremos a primeira


manifestação da tendência dos carmelitas de unirem-se directamente ao profeta Elias,
através dos Padres do Antigo Testamento e do Novo, numa sucessão ininterrupta”7.
Portanto, acredita-se que a fundação da Ordem Carmelita tenha tido inspiração
na comunidade de eremitas que viviam no Monte Carmelo, na Palestina, em fins do
século XII, sob a liderança de uma figura lendária conhecida com a inicial B
(Brocardo), a quem sucedeu um monge italiano chamado Bertoldo. Este último teria
pedido ao então Patriarca de Jerusalém, Santo Alberto (1205-1214)8, normas que
regularizassem a vida desses eremitas9.
Comunidade composta basicamente de antigos cruzados e peregrinos de origem
ocidental, que se dirigiam à Jerusalém, para testemunharem a sua fé ou para tentarem
libertar a cidade do domínio muçulmano e acabavam ficando na região. Jerusalém foi e
ainda é uma cidade emblemática para as religiões do Livro e essencial à fé cristã. A
comunidade que vivia no Monte Carmelo era, portanto, composta de “pessoas que,
individualmente, viviam um mesmo ideal. Por conseguinte, é preciso recusar qualquer
tipo de organização canônica, anterior à intervenção de santo Alberto”10.
Estas normas estabeleciam que “cada eremita devia ter a sua própria cela,
separada dos outros, onde devia permanecer dia e noite a meditar na lei do Senhor e
vigiando em oração. Os eremitas juntavam-se diariamente para assistir à missa no
oratório que se erguia no meio das celas”11.
Além da oração, eles se dedicavam ao trabalho manual e não podiam ter
qualquer tipo de bens materiais. No capítulo 14, das normas instituídas por Santo
Alberto, ficava definido que o eremita deveria se preparar para a milícia cristã, com uma
armadura espiritual, para o confronto, cara a cara, com o demônio (tentação) na solidão
do deserto12, tal qual Elias.
Quando Jerusalém foi tomada pelos turcos, os peregrinos e eremitas cristãos que
viviam na região procuraram outro sítio para estarem em segurança. É por isso que

7
WERMERS, Manuel Maria, A Ordem Carmelita e o Carmo em Portugal, Lisboa/ Fátima, União
Gráfica / Casa Beato Nuno, 1963, p. 16.
8
Santo Alberto Vercelli, conhecido como patriarca de Jerusalém, nasceu na Cidade de Parma, Itália, em
1149 e morreu em São João do Acre, Jerusalém, em 1214. Escreveu a primeira regra para a comunidade
de eremitas que vivia no Monte Carmelo, em Haifa, Jerusalém, por volta de 1205-1214. Regra que foi
aceita pelo Papa Honório III em 1226, pela carta Ut vivendi normam.
9
BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., A história da Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa,
Paulinas, 2001, p. 21.
10
Idem, ibidem, p. 19.
11
Idem, ibidem, p. 21.
12
Idem, ibidem, p. 21.
38

vamos encontrar resquícios dessa comunidade do Monte Carmelo, originária da


Palestina, a espalhar-se pelo território europeu13. Foi também o começo da mudança de
eremitas solitários para uma ordem de mendicantes, a exemplo dos Franciscanos e
Dominicanos14. O Papa Gregório IX aprovou na Bula Ex officii nostri, em 1229, a
existência da Ordem Primeira Carmelita. Já a oficialização dos ramos feminino e leigo,
conhecidos como Ordem Segunda e Terceira, ocorreu com a promulgação da Bula Cum
Nulla, pelo Papa Nicolau V, em 145215.
Portanto, a incorporação do Profeta Elias, como fundador espiritual do Carmo,
se dá já quando os eremitas estavam em território europeu, e já oficialmente eram uma
ordem mendicante. Tal fato pode ter sido fruto de uma necessidade oportunista. O
Concílio de Latrão, de 1215, havia proibido a criação de novas ordens religiosas, o que
deixava a comunidade de eremitas vinda do Monte Carmelo sem a legitimação
necessária perante Roma. Dessa maneira, a ordem, num empréstimo poético, buscou
incorporar a figura do Profeta Elias, como o seu fundador espiritual, alcançando, assim,
a longevidade de que necessitava16.
No princípio a Ordem teve grande desenvolvimento na Inglaterra, de onde
surgiu seu primeiro grande líder espiritual, Simão Stock17. Será ele quem, em 1247,

13
As primeiras fundações foram no deserto de Frontaine, na Ilha de Chipre e na Sicilia. A seguir,
chegaram à Inglaterra, nas cidades de Aylesford e Hulne, à França em Aygalades, e à Itália.
14
[...] o II Concílio de Lião [Lyon] estabeleceu e aceitou um grupo de quatro [ordens], às quais esta
designação [mendicantes] pode ser aplicada: a ordem dos Frades Pregadores, a dos Menores, a dos
Carmelitas e a dos Eremitas de Santo Agostinho. Ver: VILAR, Hermínia Vasconcelos, ‘Os frades
mendicantes’, publicado em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.), História religiosa de Portugal, Rio de
Moura, Círculo de Leitores, 2000, p. 228.
15
AZEVEDO, Fr. Miguel de, Regra da Ordem Terceira da mai santíssima, e soberana senhora do monte
do Carmo, (extraída da regra, que Santo Alberto patriarca XII, de Jerusalém escreveo para Brocardo, e
os mais eremitas, que ao pé da Fonte de Elias moravão no monte Carmelo. Aprovada pelo santíssimo
Padre Sixto IV.), Lisboa, Regia Officina Typografica, 1790. (MDCCXC)
16
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 23. Outros autores afirmam que o Concílio de Latrão
tentou por ordem na proliferação das instituiçõess religiosas. Os futuros fundadores deviam adoptar uma
das regras já existentes, canonicamente aprovadas, por esse motivo os carmelitas tiveram dificuldade de
ver a sua regra aprovada. LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João e VECHINA, Frei José Carlos,
Retábulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, Faro, Universidade do Algarve, 2015, p. 9.
17
Simão Stock foi o sexto Geral da Ordem. Nasceu na cidade de Kent, na Inglaterra, em 1175, e morreu
em 1285 (segundo RÉAU, Louis. Iconografía del arte Cristiano... p. 229, São Simão teria vivido,
portanto, 110 anos). Uma das lendas de sua vida conta que esteve a viver por um tempo num tronco de
uma árvore (como eremita) e por isso foi-lhe acrescentado o sobrenome stock (tronco). Porém, o principal
episódio que será representado iconograficamente, foi quando recebeu o escapulário da própria Virgem,
descrito da seguinte forma pelo Padre Manoel de Sá, nas Memórias históricas sobre a Ordem Carmelita, a
partir de uma pintura: ‘[...] nosso glorioso Padre, e ilustre confessor são Simão Stock, que no painel se vê
copiado aquele singular favor, que Maria Santíssima Senhora Nossa lhe fez, descendo do céu, para lhe dar
a preciosa joia do Sagrado Escapulário: o que sucedeu na forma seguinte: sendo este prodigioso santo o
sexto Geral da Ordem, no governo Latino, se levantou contra ele uma terrível perseguição, recorreu a
Senhora com copiosas lágrimas e repetidos suspiros, rogando-lhe quisesse honrar esta religião com algum
favor especial, pelo qual fosse conhecida por sua; e fazia a súplica nesta forma: “Ó flos carmeli, vitis
florigera, splendor Coeli, virgo puerpura, singularis, Mater mitis, sed viri nescia, Carmelitis da
39

alterará a regra, que será, então, aprovada pela Bula Quae ad honorem conditoris de
Inocêncio IV. Nesta nova regra, a vida solitária, que se tentava manter na Europa, sofreu
mudanças. Permitiu-se que os religiosos se encontrassem à hora das refeições, assim
como nas Horas Canônicas para rezarem em conjunto. O silêncio foi imposto de forma
mais atenuada, sendo necessário respeitá-lo durante a noite. Os dias deveriam ser
dedicados à formação dos noviços e ao apostolado. De Superior Geral ao Santo oficial
da Ordem foi um passo. A partir dessa mudança, Simão Stock ficou para sempre ligado
à Ordem e à importância do Escapulário do Carmo18.
A Ordem espalhou-se pela Inglaterra e pela Europa, ainda no século XIII.
Fundaram-se novas comunidades em Cambridge (1247), Oxford (1253), Paris (1259) e
Bolonha (1260). Seguiram-se as fundações no Norte da Europa e ainda no Capítulo
Geral de Londres, em 1254, determinou-se que se fizessem fundações em Yspania (que
compreendia os diferentes reinos na península Ibérica, incluindo Portugal)19. Como
veremos mais adiante, a primeira fundação da ordem carmelita em Portugal ocorreu na
vila de Moura, um pouco antes disto, em 1251, e deveu-se aos Cavaleiros da Ordem de
Malta, que, segundo contam, trouxeram diretamente de Jerusalém alguns monges que
viviam no Monte Carmelo.
Os séculos XIV e XV foram de expansão para a Ordem Carmelita na Europa,
incluindo a instituição dos ramos feminino e leigo. O primeiro convento feminino dos
carmelitas na Europa foi fundado em 1452, e teve papel preponderante nesta empreitada
o geral da Ordem, Padre João de Soreth20, que com a colaboração da Beata Francisca de
Ambrósio, conseguiu a fundação do Convento de Vannes, aprovado no Capítulo
Provincial, em Colônia. A este primeiro convento, seguiram-se outras fundações,

privilegia Stella Maris”. Ouviu a Senhora os seus gemidos e despachou a sua petição na madrugada do
dia décimo sexto do mês de julho do ano do nascimento de seu sacratíssimo filho, de 1251, aparecendo-
lhe na cidade de Cantabrigia no Reino da Inglaterra, assistida dos coros angélicos, e cercada de um divino
resplendor, com o sagrado escapulário nas mãos, o qual lhe entregou, dizendo: “Hoc erit signum tibi, &
cunctis Carmelitis privilegium, quod in pie moriens eternum nom patietur incendium”. SÁ, Manoel de,
Fr., Memorias historicas da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Provincia de Portugal... Lisboa
Occidental, na officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia Real, MDCCXXVII (1727),
p. 140.
18
O escapulário é um sacramental, instituído por via eclesiástica e oferecido unicamente a quem dava
provas de merecê-lo. Porém, como não se conhece o momento da morte, dever-se-ia usá-lo sempre. Foi
definido na Bula Sabatina, concedida pelo Papa João XXII, em 1322, e confirmada em 1409, pelo Papa
Alexandre V. O seu culto acentuou-se após a confirmação dos privilégios, em 1530, pelo Papa Clemente
VII, organizando-se, então, a Confraria do Escapulário.
19
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., Op. cit., p. 31.
20
Carmelita francês, Jean Soreth (João Soreth), foi Prior Geral da Ordem (1451-1471), quando restaurou
e promoveu a observância regular. Principal responsável pela instalação da Ordem Segunda, com a ajuda
da Beata Francisca de Ambrosio, fundaram o convento de Vannes na França.
40

espalhando-se pela Europa, o Convento da Encarnação, em Ávila, na Espanha, onde


esteve Santa Teresa é de 1479.
Os séculos XVI e XVII foram marcados por importantes mudanças sociais e
culturais na Europa que influenciaram as reformas das instituições religiosas ligadas à
Santa Sé. Em princípios do século XVI, despontou o movimento que ficou conhecido
com o nome de Reforma Protestante e, a seguir, a reação oficial da Igreja Católica,
conhecida como Contrarreforma, a partir de determinações tiradas das reuniões e
decisões do Concílio de Trento21. Reações que testemunharam as incertezas em relação
à fé, influenciadas pelas mudanças no contexto social, cultural e econômico do
continente europeu.
Essas reformas também atingiram as ordens religiosas. Muitas viram surgir alas
reformadas, com ou sem cisão da facção original. Na Ordem Carmelita, houve a
separação e a criação do ramo conhecido como Descalços, encabeçado por Teresa de
Ávila. E, em princípios do século XVII, também na Ordem Carmelita ocorreu à reforma
Turônica, em alguns conventos da Antiga Observância, iniciada no Convento francês de
Rennes, na província de Tourain.
A primeira, como vimos, teve à frente Teresa de Ávila22, que intencionava
retomar a observância de certos votos (silêncio, pobreza e presteza) dos tempos iniciais
da ordem. Ao longo dos seus vinte anos de atividade, entre 1562 e 1582, Teresa fundou
pessoalmente 15 conventos, o primeiro dos quais foi o de São José, em Ávila, (24 de
agosto de 1562), do qual chegou a ser prioresa. Ressaltamos que a instituição dos
Descalços começa com a fundação justamente de conventos femininos.

21
O Concílio de Trento constituiu o 19º Concílio da Igreja. Realizou-se na cidade de Trento, na Itália, de
1545 a 1563. Concílios são reuniões eclesiásticas compostas basicamente de autoridades e estudiosos em
teologia, com o intento de discutir e regulamentar as doutrinas da Igreja. O principal objetivo do de
Trento foi discutir e determinar como seria a resposta da Igreja aos reformadores. Foi convocado pelo
Papa Paulo III e interrompido três vezes, mas as suas decisões tiveram vida longa, pois permaneceram
válidas até o Concílio Vaticano II, em 1966. Coube também ao concílio o papel de emitir o maior número
de decretos dogmáticos e reformas, as quais produziram resultados sobre a fé e a disciplina da Igreja. No
primeiro período, participaram, de Portugal, o bispo do Porto, Frei Baltazar Limpo, carmelita e os
teólogos dominicanos Frei Jerónimo de Azambuja e Frei Jorge de Santiago, e ainda o franciscano Frei
Francisco da Conceição. Acérrimo executor do Concílio, o arcebispo de Braga, Frei Bartolomeu dos
Mártires, promulgou-o para Braga no sínodo bracarense e adaptou-o a toda a metrópole no IV Concílio
Provincial Bracarense de 1566.
22
Teresa nasceu em Ávila, Espanha, como Teresa de Cepeda y Ahumada (1515-1582). Professou-se aos
22 anos de idade, no Convento da Encarnação, em Ávila. Viveu durante anos em estado doentio, com
sensações estranhas, que a faziam perder os sentidos, ter visões, ouvir vozes e que acabavam culminando
nos seus famosos êxtases. Escreveu a sua autobiografia em 1562, na qual relatou suas visões e seus
êxtases. Quando passou desta fase de extrema espiritualidade, começou a fase de extremo trabalho,
criando o novo ramo da Ordem Carmelita, os Descalços e fundando 17 conventos.
41

Quatro anos depois de sua fundação, o Convento de São José recebeu a visita do
Geral da Ordem, Frei João Batista Rubeo23, que não só aprovou as mudanças, mas
também, garantiu a possibilidade de novas fundações femininas e masculinas. Numa
propagação rápida, foram fundados os Conventos de Medina do Campo, Convento de
São José (1567); Malagón, Convento de São José, e, Valladolid, Convento de Nossa
Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Carmo (1568); Toledo, Convento de São
José; e, Pastrana, Convento de Nossa Senhora da Conceição (1569); Salamanca,
Convento de São José (1570); Alba de Tormes, Convento de Nossa Senhora da
Anunciação (1571); Segóvia, Convento de São José do Carmo (1574), Beas de Segura,
Convento de São José do Salvador; e, Sevilla, Convento de São José (1575); Caravaca
da Cruz, Convento de São José (1576); Villanueva de la Jara, Convento de Santana
(1580); Palência, Convento de São José de Nossa Senhora da Rua (1580); Sória,
Convento da Santíssima Trindade (1581) e Burgos, Convento de São José de Santana
(1582). Fundou-se ainda, em 1582, na cidade de Granada, o Convento de São José, por
Ana de Jesus.
No Livro das fundações, a Santa descreve os anos de intensa atividade
fundacional. Narra ainda como levou a reforma para o ramo masculina da Ordem, com a
ajuda de João da Cruz24, seu grande companheiro espiritual, fundando então, em 1568, o
primeiro convento masculino dos Descalços em Duruelo (1568), ao qual se seguiram os
de Pastrana (1569), Mancera e Alcalá de Henares (1570). E, por fim, relata de que
modo, em 1581, no Capítulo Geral da Ordem em Alcalá, foi criada a Província de São
José, por breve Pia consideratione, do Papa Gregório XIII, sendo o primeiro Prior o
Padre Gracián25.

23
João Batista Rubeo foi Geral da Ordem do Carmo, muito próximo de Santa Teresa de Jesus. Italiano de
nascimento, ele se responsabilizou pela Visita Canônica às Terras Lusas, que, segundo a documentação,
se restringiu à cidade de Lisboa, onde se encontrava em 1556. Inaugurou o Capítulo Provincial em 13 de
dezembro desse mesmo ano, regressando, em seguida, a Salamanca, pois se sabe que, em fevereiro do ano
seguinte, já lá estava. Nas palavras de Bayón ‘a satisfação que o geral da ordem experimentou no Carmo
de Lisboa foi indescritível. [...].’ BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 118-120.
24
João de Yepes y Alvarez nasceu em Fontiveros (1542) e morreu em Úbeda (1591). Ficou conhecido
com o nome de João da Cruz, por ser esse objeto o único que possuía em sua cela no convento Carmelita
para o qual entrou em 1563. Estudou na Universidade de Salamanca e junto a Teresa de Ávila reformou a
Ordem Masculina Carmelita, sendo considerado o primeiro carmelita descalço do ramo masculino
(Excalceatorum primus parens).
25
O Livro das Fundações nasceu como fruto da obediência ao Padre Jerónimo Ripalda, S.J., reitor de
Salamanca, que no ano de 1573, lhe aconselha a descrever por escrito as suas fundações, quase como um
relato de confissão. Neste mesmo ano escreveu os nove primeiros capítulos. Os capítulos 10 e 11 foram
escritos em Segóvia. Os próximos capítulos (12-19) foram escritos em locais e datas impossíveis de fixar.
Em outubro e novembro de 1576, no Carmelo de Toledo, concluirá a sua obra escrevendo os capítulos 20
a 27. No entanto, ao retomar a sua atividade descreveria ainda os quatro últimos conventos fundados, nos
42

As Bulas com os privilégios conseguidos pelos Carmelitas Descalços foram


então, a Pia Consideratione, de 1580, do Papa Gregório XIII; Cum Dudum, de 1594 e
da Romanum Pontificem, de 1603, as duas últimas do Papa Clemente VIII. Uma
observação é importante que se faça. O ramo dos Descalços, desde a sua primeira
Constituição de Alcalá (1581), confirmada em Madrid, em 1592, estabelecia a
existência de apenas dois ramos feminino e masculino. O dos terceiros nunca foi
idealizado por Teresa, desta maneira, tornar-se-ia quase que exclusivo aos Carmelitas da
Antiga Observância26. Este fato é importante, pois esclarece o que na prática
testemunhamos: os pouquíssimos conventos dos Descalços com Ordem Terceira
instituída em Portugal, Espanha e na América. Em Portugal serão três Ordens Terceiras
fundadas pelos irmãos leigos dos descalços, na cidade de Tavira, Porto e Vila Real 27, e
todos já do século XVIII. No Brasil teremos apenas dois Conventos masculinos, em
Salvador e Olinda e dois conventos femininos, no Rio de Janeiro e São Paulo, e,
nenhuma Ordem Terceira.
Em 1600 existiam duas Congregações dos Carmelitas Terésios na Europa. A
espanhola, sob o título de São José, na qual Portugal estava incluído, e, a italiana, sob o
padroado do Profeta Elias. Na Espanha, só existirá instituição de Ordens Terceiras dos
Descalços, após a Constituição de 1786, mas também é verdade que apesar de não
existir oficialmente, em 1742, Frei Manuel de Santa Teresa aprovou o ‘Instructorio
espiritual de los Terceros, Terceras y Beatas de Nossa Señora del Carmen’ e que
poucos anos mais tarde o Geral, Frei Francisco da Apresentação, aprovou as
‘Ordenaciones’ para a instituição da primeira Ordem Terceira espanhola (1776). Porém,
nestes dois casos as normas seguiram as orientações dadas pelo Geral dos Carmelitas da
Antiga Observância, Frei Theodore Straccio, de 1637, esta sim, é considerada a primeira
Regra oficial da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo28.
No Instructorio espiritual do Frei Manuel de Santa Teresa, citado acima, no
capítulo II, sobre os princípios e progressos da ordem terceira dos carmelitas descalços,
ele esclarece a questão das fundações dos terceiros: “Y aunque nosotros los descalzos,
por conducir à nuestra quietud, tenemos ley en la primeira parte de nuestras

capítulos 28 a 41. SANTA TERESA de Jesus. Obras completas, Marco de Canaveses, Edições Carmelo,
2015, p. 593-595.
26
RODRIQUEZ, Fr. O., The Third Order of the Teresian Carmel, its origin and history, Roma,
Teresianum, 1980. Disponível em: http://helpfellowship.org/OCDS%20Lessons/Lesson%2011.htm
27
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos, Retábulos da Ordem
dos… op. cit., p. 14-29.
28
RODRIQUEZ, Fr. O., The Third Order … op. cit.
43

constituciones, cap. 3., que nos prohibe admitir baxo nuestra proteccion y gobierno à
lós dichos Terceros y Terceras; para esta santa província de Indias donde no hay
Carmelitas calzados, há dispensado la religion, y El M. R. P. General de la reforma de
Santa Teresa, que goza y obtiene la misma autoridad que el de la Observância, com
acuerdo de su Venerable difinitorio, tiene concedida facultad à los RR. PP.
Provinciales de Ella para que puedan fundar dicha Orden Tercera donde convenga
[...]”.29
A segunda reforma da Ordem carmelita ocorreu por volta do ano de 1600,
quando Frei Pierre Thibault tentou restabelecer a Observância dos primeiros tempos aos
frades da cidade francesa de Rennes, na província de Tourain. O objetivo principal,
como na reforma Teresiana, foi resgatar o espírito de vida em comum, baseado no
princípio da oração e contemplação, porém, sem a criação de um novo ramo. A eclosão
desse movimento ocasionou vários conflitos, visto que parte dos regulares não
concordava com os preceitos difundidos pelos reformados, desencadeando novas
divisões na Ordem. Os Observantes de Rennes conseguiram se fixar em outros locais da
Europa, chegando até o Brasil, nos Conventos de Goiana, Recife e João Pessoa, no
nordeste30, graças, em boa parte, aos esforços do programa reformador do Frei João
Baptista Rossini, Prior Geral da Ordem.
Outra importante manifestação que testemunha a mudança espiritual da Igreja
como reflexo dos acontecimentos dos séculos XVI e XVII, fruto, sem dúvida, também
das resoluções de Trento, foram as canonizações de santos Modernos, originários das
novas congregações e ordens religiosas, em particular, dos carmelitas. O caso mais
espetacular para a Ordem Carmelita foi o processo de beatificação, que se deu em 1614
(24 de abril) e, a seguir, a canonização, em 1622, da Santa Teresa de Ávila.
Acrescentamos ainda as canonizações de Santa Maria Madalena de Pazzi (1669) e de
São João da Cruz (1726), formando a tríade de santos carmelitas da era Moderna. Da
mesma época, são as canonizações da dupla de fundadores dos Jesuítas: Santo Inácio de
Loiola e São Francisco Xavier, ambos em 1622.

29
SANTA TERESA, Fr. Manuel de, Instructorio espiritual de lós terceros, terceras, y beatas de nuestra
señora del Carmen. De la venerable tercera orden de nuestra Senõra del Carmen de San Sebastian de la
ciudade de México, Reimpreso en la imprenta de la calle de Santo Domingo, año de 1816, p. 27-28.
(primeira edição 1741)
30
PIO, Fernando, O convento do Carmo de Goiana e a reforma Turônica no Brasil, Recife, Comissão
organizadora e executiva das comemorações do IV centenário do Povoamento de Goiana, 1970.
44
45

Fig. 02 – Profeta Elias, portada quinhentista, Igreja do Carmo, Moura, Portugal.

2.1 A Ordem de Nossa Senhora do Carmo em Portugal

As principais fontes para o estudo da Ordem do Carmo em Portugal, sem dúvida,


são os textos deixados por importantes personalidades da Ordem, nos séculos XVII e
XVIII, a saber, para a Antiga observância: Frei Manuel de Sá (1673-1735) e Frei Joseph
Pereira de S. Anna (1602-1664), e, para os Descalços, Frei Belchior de S. Anna e
outros. De Frei Manuel de Sá ficou o livro Memórias históricas da Ordem de Nossa
Senhora do Carmo da província de Portugal, que trata das primeiras fundações dos
carmelitas da Antiga Observância: Moura, Lisboa, Colares, Vidigueira, Beja e Évora.
Do mesmo autor, existe ainda o manuscrito, Noticias do real convento do Carmo de
Lixboa ocidental extrahida de vários livros impressos, e manuscritos31, de valor para o

31
SÁ, Fr. Manoel, Memorias historicas da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Provincia de
Portugal. Parte Primeira que entregou na Academia Real de Historia Portugueza, e ao Reverendissimo
Padre Mestre Fr. Gaspar Pizolante, Doutor na Sagrada Theologia, Geral, Visitador, e Commissario
Apostolico de toda a dita Ordem da antiga Observancia, e Grande de Hespanha da primeira classe,
offerece, e dedica o Mestre Fr. Manoel de Sá, Filho, Ex-provincial, e Definidor da mesma Provincia,
46

estudo do Convento de Lisboa. De Frei Joseph Pereira de S Anna, restaram, dos quatro
volumes das suas Chronicas dos carmelitas da antiga e regular observancia nos reynos
de Portugal, Algarves e seus domínios32, somente os dois volumes impressos nos anos
de 1745 e de 1751. Consta que o terceiro e o quarto, ainda manuscritos, foram
consumidos pelo fogo que se seguiu ao terremoto de 1755. Para os Carmelitas
Descalços, reformados por Santa Teresa, ver principalmente do Frei Belchior de S.
Anna e outros que continuaram a obra Chronica de carmelitas descalços, particular do
reyno de Portugal, e provincia de Sam Felippe33.
Estudos mais recentes sobre a Ordem do Carmo, tanto da ala dos Calçados
quanto dos Descalços, são encontrados em obras gerais sobre a História da Ordem do
Carmo. Para os Carmelitas da Antiga Observância, é significativo o livro do religioso da
comunidade, Frei Balbino Velasco Bayón34, e concernente aos Descalços em Portugal, a
referência é a obra de Frei David do Coração de Jesus35. Podemos ainda citar as obras
dos historiadores Manuel Wermers36 e Pinharanda Gomes37.

2.1.1 A Ordem primeira dos Carmelitas da Antiga Observância

Quanto à fixação dos carmelitas no atual território português, existem duas


versões que narram como ocorreu a introdução dos religiosos na Vila de Moura. A
primeira é a de que o Convento de Moura foi fundado em 1251 por cavaleiros da Ordem
de Malta, que se faziam acompanhar de padres carmelitas. Segundo Fernandes
Mascarenhas, os hospitaleiros da Ordem de São João de Jerusalém mantinham com os

Chronista Geral da dita Ordem, nestes Reynos, e seus Domínios, Qualificador e Revedor do Santo
Officio, Acadêmico Supranumerário da Academia Real da Historia Portugueza, Examinador das três
Ordem Militares, e Consultor da Bulla da Cruzada, Lisboa Occidental, na officina de Joseph Antonio da
Sylva, Impressor da Academia Real, MDCCXXVII (1727). Primeira edição 1702. (Exemplar da
Biblioteca Nacional de Lisboa, originário à Livraria d’Alcobaça) e Noticias do real convento do Carmo
de Lisboa ocidental [manuscrito]/ extraídas de vários livros impressos e manuscritos, reduzida a forma
histórica pelo prezentado Frei Manoel de Sá, do ano de 1721 Manuscrito adquirido pela Biblioteca
Nacional de Lisboa em 2001. E ainda do mesmo autor Memorias históricas dos illustrissimos arcebispos
e bispos e escritores portugueses da ordem de nossa senhora do Carmo, reduzidas a ordem alfabética,
1724.
32
S. ANNA, Frei Joseph Pereira de, Chronica dos carmelitas da antiga e regular observancia nos reynos
de Portugal, Algarves e seus domínios, Lisboa, Antonio Pedroso Galram, tomo I, 1745. E tomo II, 1751.
33
S. ANNA, P. Fr. Belchior de, Chronica de carmelitas descalços,… op. cit.
34
BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., op. cit.
35
CORAÇÃO DE JESUS, David do. OCD, A reforma teresiana em Portugal, Lisboa, 1962.
36
WERMERS, Manuel Maria, A Ordem carmelita… op. cit.
37
PINHARANDA GOMES, J., Imagens do Carmelo Lusitano. Estudos sobre história e espiritualidade
Carmelita, Lisboa, Paulinas, 2000, e O Carmo em Loures, Loures, Comunidade Paroquial de Santo
António dos Cavaleiros, 1979, entre outras.
47

ermitãos do Monte Carmelo estreita confraternização na Terra Santa e o seu Padroeiro,


São João, é incluído entre os adeptos dos eremitas fundadores da Ordem do Carmo38.
A segunda versão estabelece que os carmelitas vieram por intercessão do Infante
D. Afonso de La Cerda (junto com os de Requena, na Valencia, e Gilbraleón, em
Huelva)39. O certo é que os primeiros religiosos instalaram-se na vila de Moura e a
construção do Convento teve início em 1251, ou cerca deste ano.
O Convento de Moura esteve sob a jurisdição da província de Castela, até o
século XV, quando os conflitos entre Portugal e Castela intensificaram-se. Por isso,
aprovou-se a autorização de um Vigário Geral exclusivo para o território português.
Logo, por tradição, costuma-se dizer que a província portuguesa da Ordem do Carmo
foi fundada com a celebração do primeiro Capítulo, em 1423, e com a eleição de Frei
Afonso de Alfama40. A partir de Moura, os carmelitas se irradiaram para todo o país, e,
posteriormente, para o Brasil.
No século XIX, pelo Decreto de 30 de maio de 1834, foi deliberada a extinção
das ordens religiosas e de seus principais conventos em Portugal. Esse decreto extinguiu
todos os conventos religiosos masculinos, mas permitiu que os femininos se
mantivessem ‘abertos’ até que a última religiosa morresse. Este é um episódio da
história das Ordens religiosas em Portugal, que terá reflexos importantes para o estudo
dos objetos artísticos pertencentes aos conventos, pois, com o desmantelamento dos
edifícios, os seus recheios também foram dispersos. Muitas obras de arte perderam-se
para sempre e outras ganharam novas funções e novos endereços.
Seguindo-se ao convento de Moura, terá início em 1389, a construção da futura
casa-mãe da Ordem, na cidade de Lisboa, graças à intervenção e ao patrocínio do Santo
condestável, D. Nuno Álvares Pereira41. Ainda no decorrer das obras, em 1397,
chegaram a Lisboa padres carmelitas vindos de Moura, a quem o Condestável confiou o

38
MASCARENHAS, J. Fernandes, A origem da Ordem do Carmo em Portugal, nas suas relações com a
Ordem da Malta, Separata do Jornal de Moura, 1954, p. 3.
39
Esta é uma tese defendida pela literatura carmelitana espanhola, entre eles, a de Frei Balbino Velasco
Bayón no seu livro dedicado ao Carmelo Português.
40
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 25.
41
D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431), o Santo Condestável, hoje, São Nuno de Santa Maria,
canonizado pelo Papa Bento XVI, em 26 de abril de 2009. Terá nascido em Flor de Rosa, localidade perto
de Crato, área central de Portugal. Teve vida civil normal, casou-se e teve três filhos e chegou a general
com sucessos na luta pela independência contra Castela. Depois da morte da esposa, tornou-se frade
carmelita e viveu até a morte no Convento de Lisboa, que ajudou a fundar. É de sua linhagem, feminina,
pois só a filha sobreviveu, e casou-se com Afonso, o primeiro Duque de Bragança, começando a
linhagem dos Bragança, que se tornariam reis de Portugal (1640-1910), Reis do Brasil (1815-1822), com
D. Pedro I e Império do Brasil (1822-1889), com D. Pedro II.
48

novo convento. No entanto, este só viria a ser doado à Ordem do Carmo, em 1423, por
ocasião da celebração do primeiro Capítulo, quando se elegeu Afonso de Alfama42.
Nesse Capítulo, também se elaborou o primeiro estatuto da Ordem Carmelita
portuguesa, confirmado em 1424 por D. João I. Tal estatuto definiu que os irmãos da
ordem deviam seguir o culto adotado em Jerusalém. Dispôs também sobre outras
questões do dia a dia da comunidade, como: tocar o órgão em todos os dias de festa e no
dia da Virgem o sermão deveria ser comemorativo à Mãe de Deus. Estabeleceu ainda
que os frades em boas condições de saúde deveriam se reunir duas vezes por dia, de
manhã e ao fim da tarde, para a oração, além da obrigatoriedade de se cantar
diariamente, nas completas, a Salve-Rainha, entre outras normas.
Cronologicamente as fundações Carmelitas da Antiga Observância masculinas,
em Portugal, seguiram a seguinte ordem: Moura (c. 1251), Lisboa (1389), Colares
(1450), Vidigueira (1496), Tapada de Beja (1526), Évora (1531), Coimbra (c.1536),
Lagoa (1550), Torres Novas (1558), Setúbal (1598), Alverca (c. 1600), Camarate
(1602), Faial, Horta (1649) e Lordelo (?)43.
Dos primeiros conventos, pouco restou para testemunhar a época da fundação.
Do cenóbio de Moura, reedificado no século XVI, ainda se conserva na atual igreja
alguma lembrança da arquitetura do seu princípio, na área entre a capela mor e a
sacristia44. O plano arquitetônico é de nave única com capelas laterais profundas, onde
estão posicionados alguns retábulos de épocas e estilos diversos.
Sílvia Ferreira, na sua tese de doutoramento, apurou que para a execução do
altar-mor da igreja de Moura foi o contrato firmado com “Manuel Rodrigues Pedroso,
morador da cidade de Lisboa. [...] estão contratados em ele Manoel Machado fazer
toda a obra do retábulo da capela mor do convento do Carmo da Villa de Moura [...]
tudo revestido de entalhado e as ilhargas da capela mor [...] que ele Manoel Machado
tem assinado [...] e toda a dita obra posta e assentada em seu lugar por conta e risco e
despesa dele Manoel Machado por todo o mês de novembro próximo que vem neste
presente ano e por preço toda a dita obra de setecentos mil reis [...]”45.

42
Pedro DIAS, A arquitetura gótica portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.
43
A datação ora discriminada foi baseada na pesquisa de Frei Balbino Velasco Bayón.
44
Igreja e claustro do Convento do Carmo, ficha de inventário da antiga DGMEN, atual IHRU, nº IPA
PT 40210070005, em www.monumentos.pt, em maio 2013.
45
ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, nº 12A (actual nº 1), cx. 76, L° 328, fls. 52 v°-53, publicado por
Ayres de CARVALHO, ‘Documentos Artísticos (...)’, p. 20, Apud FERREIRA, Sílvia Maria Cabrita
Nogueira Amaral da Silva, A talha barroca de Lisboa (1670-1720). Os artistas e as obras, 3 Volumes,
Tese de Doutoramento em História, especialidade Arte, Património e Restauro, Universidade de Lisboa,
49

O retábulo mor permanece no seu local de origem, e segundo a mesma


especialista, apresenta-se, no entanto, “bastante alterado por posteriores intervenções.
A sua estrutura insere-se na tipologia que articula duplas colunas torsas com abertura
de espaço central, reservado para a apresentação de imaginária e remata em arco de
volta perfeita. Várias são as intervenções que este altar terá sofrido, começando desde
logo pela introdução de composição contracurvada no registo inferior da tribuna,
estrutura essa que alberga uma imagem de vulto da Virgem com Menino (vitrine).
Igualmente no remate (...) de fundo de cor azul, ao qual parecem ter sido adossadas
figuras de meninos e elementos decorativos. De resto, todo o retábulo deverá ter sido
intervencionado no sentido de introduzir policromia, que neste caso se joga entre o azul
e o vermelho”46.
Da mesma forma, Vítor Serrão cita exemplos de interessantes pinturas que
sobreviveram na Igreja do Carmo de Moura: a obra de Nossa Senhora do Socorro, “[...]
peça interessante de pintura da segunda metade do século XVI: o painel que coroa o
retábulo da antiga capela desta invocação, colateral da banda da Epístola. Trata-se de
boa peça de pintura portuguesa, dentro da tradição renascentista declinante”. E ainda,
que a Capela dos Alvarinhos, “[...] ostenta um soberbo retábulo dos finais do século
XVI, com a sua estrutura de entalhe maneirista de derivação serliana, enquadrando
pinturas sobre madeira e uma peça de escultura com Nossa Senhora da Piedade, ao
centro. As tábuas representam Cristo Ressuscitado, Calvário, Cristo com a cruz às
costas, Ecce Homo e Flagelação”47.
Neste último altar estão localizados dois Cristos da Paixão: Flagelação e Ecce
Homo, assim como no altar fronteiriço está um Senhor da Coroação de espinho. Três
peças que podem ser remanescentes de um conjunto de Passos da Paixão de Cristo que

Faculdade de Letras, Departamento de História, orientada pelo Professor Doutor Vítor Serrão, 2009, p.
397-398.
46
Idem, ibidem, p. 398.
47
SERRÃO, Vítor e CAETANO, Joaquim Oliveira, Pintura em Moura, séculos XVI, XVII e XVIII,
Moura, Câmara Municipal de Moura, 1999, p. 35 e 38. “Ocupa a totalidade da parede testeira de uma
capela localizada na nave, do lado da Epístola. Foi mandado executar, ao redor de 1596, pelos
instituidores desta capela, o fidalgo João Lopes Alvarinho e sua mulher Maria Gonçalves, segundo
consta de uma inscrição existente numa parede lateral. Atribui-se o entalhe a António Vaz, mestre
imaginário mourense, que executou um outro retábulo neste templo. […]”. Ver também LAMEIRA,
Francisco e FALCÃO, José António, Retábulos da Diocese de Beja, [Faro], Departamento de Arte e
Humanidades da Universidade do Algarve/ Beja, Departamento Património Histórico e Artístico da
Diocese, 2013, p. 47. (Promontoria Monográfica História da Arte 05).
50

figuravam na Procissão do Triunfo da cidade de Moura, conforme atesta Frei Balbino


Bayón na citada obra sobre a ordem em Portugal48.

Sobre o Convento e Igreja do Carmo de Lisboa, temos uma belíssima descrição


do Padre Manoel de Sá, incluindo os retábulos com suas invocações. Deste primeiro
momento, restam, em decorrência do terremoto de 1755, apenas as imponentes ruínas
da grande fundação da igreja e do convento do século XIV, a lembrar-nos
constantemente do seu fundador, o santo Condestável, hoje, São Nuno de Santa Maria.
Atualmente, o espaço abriga o Museu arqueológico, que, além de objetos estranhos à
ordem, guarda outros pertencentes ao período de glória do convento.
Das demais construções carmelitas, sobreviventes aos terremotos e à lei de
extinção das ordens religiosas, sobraram ruínas e resquícios, ou ainda construções que
assumiram novas funções, maioritariamente de caráter administrativo governamental. A
seguir, um resumo do que foi possível apurar a respeito dessas construções, comparando
as Memórias do Padre Manoel de Sá, do século XVIII, com a pesquisa histórica
efetuada por Frei Balbino Velasco Bayón, neste milênio, e ainda com o material reunido
das visitas de campo aos monumentos.

O Padre Manoel de Sá na sua descrição da região de Colares (atual Concelho de


Sintra), lembra-nos que, apesar de mendicantes, a ordem tinha e tem uma forte raiz
contemplativa: “em um ameno e delicioso Valle, ao pé da Serra de Cintra, tem seu
assento a vila de Colares, tão abundante de frutíferos pomares, que o Padre Antonio de
Vasconcelos na Descrição do Reino dá a entender, que a sua fertilidade é um colar,
com que a natureza ornou aquele vale [...]”49
O Convento de Santa Ana de Colares foi fundado em 1450, por iniciativa de
Mestre Henrique, físico mor do rei d. Duarte, que doou as terras. Teve como primeiros
habitantes, os religiosos, Frei Constantino Pereira, sobrinho do Santo Condestável e Frei
João de Santana. No Capítulo provincial de 1617, presidido pelo Procurador Geral,
Teodoro Straccio, decidiu-se transformá-lo em convento eremítico, atribuindo-lhe

48
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 516. ‘[...] para além da assistência a outras
cerimônias nas igrejas da vila, celebrar-se-ia com a maior solenidade possível a procissão chamada do
Triunfo, com imagens da paixão, na sexta-feira anterior ao Domingo de Ramos. Era soleníssima, tal
qual, segundo vimos, a de Lisboa’.
49
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 214.
51

estatutos especiais50. O convento e sua igreja foram vendidos, restando apenas a igreja,
que hoje está numa propriedade particular.

O Convento de Vidigueira foi fundado em 1496, no local da aparição milagrosa


da Virgem, conhecida como das Relíquias, cuja invocação deu nome ao convento,
Nossa Senhora das Relíquias. A imagem dessa Virgem adornava o centro do altar-mor
da igreja do convento “[...] sobre o tronco do mesmo zambujeiro, em que apareceu
[...]”51. Encontrava-se, ladeada pela Senhora do Carmo dando o escapulário a São
Simão Stock e pelo Patriarca Elias. “As origens da casa religiosa remontam ao
aparecimento, na Várzea (onde atualmente se situa o convento), sobre o tronco de um
frondoso zambujeiro, uma imagem da Virgem, a uma jovem pastora, correndo os anos
de 1480-81, imagem que os habitantes do Monte dos Alfaiates conduziram
processionalmente para a igreja de Santa Clara dos Olivais, da Vidigueira. Todavia,
respeitando a tradição, a Senhora reapareceu três vezes no mesmo local, até que os
povos se resolveram fundar, no sítio, uma ermida aumentada pouco depois por um
pequeno eremitério, que entregaram à conservação dos monges carmelitas de Moura,
na altura dirigidos pelo provincial e bacharel formado em Teologia, Fr. Rodrigo de
Beja [...]”52.
O Padre Manuel de Sá descreve todos os altares que existiam nessa igreja, além
de mencionar especialmente a pintura da Transfiguração de Cristo, que considerava
doada pelo excelentíssimo Vasco da Gama, quinto Conde de Vidigueira e primeiro
Marquês de Niza, mas que na realidade pertence a um conjunto de tábuas pintadas por
Simão Rodrigues em 1605. “No presbitério desta capela estão dois nichos, no do
evangelho encontra-se o caixão do famoso argonauta (Vasco da Gama) [...]”53 . Sabe-
se que foi em fins do século XVI, que um de seus descendentes, d. Miguel da Gama, ao
regressar rico do Oriente, determinou construir uma nova e grandiosa igreja, para aí
colocar as ossadas dos seus antepassados, obra que sacrificou a primitiva capela. As
ossadas depois da extinção das Ordens religiosas sofreram diversas profanações até

50
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 374.
51
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 235.
52
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Beja, vol. XII, Lisboa, Academia
Nacional de Belas Artes, 1992, p. 377.
53
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 235.
52

serem transferidas definitivamente, em fins do século XIX, para o Convento dos


Jerônimos54.
Atualmente o espaço do convento de Vidigueira é uma propriedade particular,
cuja igreja conventual mantém a nave única e capela mor profunda. O convento foi
totalmente adaptado à residência, não obstante poderem ser identificadas algumas das
dependências originais55. Da Nossa Senhora das Relíquias, “imagem de roca e
vestimentas de primavera, tecidas e bordadas a oiro e matiz, repousando no célebre
tronco de zambujeiro das crônicas monásticas e milagreiras”, passou então, juntamente
com o Senhor do Bonfim e Nossa Senhora do Carmo, como nos informa Túlio Espanca,
para a igreja paroquial da Vila56.
O Vítor Serrão identifica três tábuas maneiristas remanescentes na Quinta do
Carmo de Vidigueira cuja execução se deve a mão exclusiva de Simão Rodrigues, são
elas a Adoração dos pastores, Adoração dos magos e Apresentação no Templo, desta
maneira servindo como uma boa fonte para a identificação estética da obra do artista57.

O Covento de Beja, segundo o Padre Manuel de Sá, teve seu início na capela de
São Miguel, fundada em um “[...] monte junto à cidade de Beja [...] no ano de 1495,
[...] por um virtuoso ermitão daqueles, que então intitulavam da pobre vida, o qual,
sendo natural da mesma cidade, se chamava Pedro Alfonso, [...]”58. Em 1526, a capela
se transformou na do Convento de Nossa Senhora do Carmo da Tapada de Beja.
Quando o culto à Virgem do Carmo se espalhou pelo Alentejo, monges vindos do
Convento da Vidigueira se instalaram no lugar. Mudaram algumas vezes de local, e
retornaram à capela de São Miguel, em 163059.

54
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 377- 386.
55
CARRUSCA, Suzana Andreia do Carmo, A azulejaria barroca nos conventos da ordem do Carmo e da
ordem dos Carmelitas Descalços em Portugal, Tese de doutoramento apresentada na Universidade de
Évora, 2014, p. 123.
56
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 377- 386.
57
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, Imprensa
Nacional, Casa da moeda, 1983, p. 217.
58
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 256.
59
Altar-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora do Carmo, entalhado entre 1743-47 : “Foi mandado
executar pela comunidade conventual ao redor de 1743. Em 1747, por ocasião da tomada de posse do
padroado deste cenóbio, o morgado Martinho Janeiro Cebolinho comprometeu-se a mandar dourar o
retábulo e a pintar a cobertura da capela, o que ocorreu segundo o previsto. A maquineta com a imagem
“de vestir” do orago resulta de uma intervenção posterior.” LAMEIRA, Francisco e FALCÃO, José
António, Retábulos da Diocese de Beja, [Faro], Departamento de Arte e Humanidades da Universidade
do Algarve/ Beja, Departamento Património Histórico e Artístico da Diocese, 2013, p. 105. (Promontoria
Monográfica História da Arte 05)
53

Parece-nos que o conjunto mais completo, seguindo a ordem cronológica das


fundações carmelitas da Antiga Observância em Portugal, foi o de Évora. O Convento
de Nossa Senhora do Carmo foi fundado por Frei Baltazar Limpo, reformador da ordem
em Portugal, em 1531. Porém, a pedra fundamental da atual igreja só foi lançada em
1670 e a sagração ocorreu em 1691, pois com as campanhas militares de 1663 o antigo
edifício, sujeito ao fogo cruzado, ficou completamente destruído60.
O cronista Manoel de Sá diz que os religiosos escolheram como primeiro local a
Ermida do Apostolo São Tomé, porém, era muito pequena, e, por isso, “se resolveram a
mandar fazer nova igreja, o que puseram por obra mandando-a fazer muito majestosa
[...]; era de abobada de uma só nave, tinha seis capelas, e duas no cruzeiro [...]”61.
“A entrada principal do templo, voltada sensivelmente ao nascente, faz-se por
severo portado de arco redondo, apilastrado, com empena de enrolamento e pináculos
redondo nos acrotérios [...] em rectângulo de mármore conserva o escudo da Ordem
Carmelitana, sobrepujado por simbólica cruz. Peça de arquitectura barroca, de granito
escuro, está datada de 1716. [...] Descendo aparatosa escadaria de granito, atinge-se o
espaçoso e lajeado adro da igreja, cuja frontaria, incompleta, sem torres ou frontão, se
desenha em linhas sóbrias do estilo barroco, [...] Este corpo cai sobre simples arco
abatido, de grandes dimensões, apoiado em pilastras e formando alpendre recuado,
[...], constituindo o primeiro tramo do coro. [...] Alterosa e imponente, nas linhas do
manuelino seco e brutal peculiar da região, desenha-se a famosa Porta dos nós,
interessante trabalho de granito que a escritura de doação do edifício feita pelo rei D.
Afonso VI, em 1665, salvaguardou exigindo a sua reconstituição na fachada principal
por ser timbre da sereníssima Casa de Bragança”62.
Ainda hoje, a Igreja conserva-se íntegra, composta de uma só nave, em planta
retangular com o teto em abóbada de berço, cruzeiro, coberto por cúpula de
excepcionais proporções e capela mor, pouco profunda, cujo altar-mor foi custeado em
1690, pelo Conde de Alcáçovas, podendo ter sido projetado pelo arquiteto régio João
Antunes63. No seu interior, existe um altar pertencente à Venerável Ordem Terceira do
Carmo e três exemplares escultóricos dos Passos da Paixão de Cristo.

60
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 46
61
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 276-277.
62
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 47.
63
LAMEIRA, Francisco e GOULART, Artur, Retábulos de Évora, [Faro], Departamento de Arte e
Humanidades da Universidade do Algarve, 2014, p. 103. (Promontoria Monográfica História da Arte 09).
54

O Colégio de Coimbra deve a sua ereção a dois importantes religiosos da


Ordem, Frei Baltazar Limpo, Bispo do Porto e Arcebispo de Braga, e, ao escritor
Amador Arrais, Bispo de Portalegre. Frei Amador Arrais conta nas suas memórias que:
“A cidade de Coimbra me sucedeu em lugar de pátria, onde gastei, a flor da minha
adolescência e idade varonil, e espero de passar os poucos anos que restam de vida
(pois em muita velhice não podem ser muitos), é passados eles ser sepultado no meio da
capela-mor da igreja do colégio de Nossa Senhora do Carmo, que erigi, e dotei o
melhor que pude, e pus na perfeição, que já está acabada, e crasta nova, que se vai
fazendo”64.
No Inventário Artístico da cidade de Coimbra, os autores esclarecem a
participação dos dois religiosos na fundação do Colégio do Carmo de Coimbra: “[...] a
parte do noviciado datada de 1548, é de D. Baltasar Limpo; a igreja, claustro e sala
dos actos grandes, reforma de d. Amador Arrais; a parte colegial propriamente dita,
que foi inteiramente transformada pela Ordem Terceira, da qual nenhum juízo se pode
fazer”65.
A igreja atual tem a datação de 1597 e o claustro é de um pouco mais tarde, c.
1600. O mestre de obras que trabalhou na sua construção foi Francisco Fernandes e os
pedreiros Manuel João, António Fernandes e Onofre Simões.
“A fachada da igreja, bem lançada, apresenta-se como conclusão das pesquisas
arquitectónicas citadinas do século XVI, [...]. Altas pilastras dóricas sobre pedestais
dividem-se em três secções, correspondendo as torres às extremas; estas pilastras e a
grande cornija arquitravada constituem os elementos coordenadores que estabelecem
as divisórias dos espaços da composição. [...]” A escada central foi rasgada em 1854,
desequilibrando a fachada. “[...] Sob a parte angular do remate da frontaria encontra-
se, num nicho rectangular, a escultura da titular da igreja, a Senhora da Conceição.
[...] no interior [...] o pavimento forma três planos: o da nave, e do transepto e capelas
da nave, e o da capela-mor. [...] os púlpitos, rectangulares e sobre mísulas, encontram-
se entre as capelas do transepto e as imediatas. A capela-mor tem a mesma largura e a
mesma altura da nave; o arco cruzeiro opera à maneira de saliente, como reforço e
para efeito litúrgico [...]”.

64
ALMEIDA, Lopes de, apud, BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 148.
65
VERGÍLIO CORREIA e NOGUEIRA GONÇALVES, Inventário artístico de Portugal, cidade de
Coimbra, vol. II, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1947, p. 132-138.
55

“O grande retábulo de madeira entalhada e dourada é dos irmãos Gaspar e


Domingos Coelho, atribuídos nomeadamente ao primeiro no seu assento de óbito. [...]
[o retábulo] é uma grande construção arquitetónica, coordenada com esculturas e
tábuas de pintura. Sobrepõe-se duas ordens de colunas coríntias; aos lados,
intercolúnios com esculturas; ao meio, três espaços com cinco quadros, sendo o espaço
inferior e médio cavado em nicho, lugar este no qual esteve a escultura da padroeira
(Senhora da Conceição) que se encontra agora ao cimo da escada do claustro. [...] as
grandes e regulares esculturas representam: Elias no alto, S. João Baptista e um santo
Bispo na parte baixa. As grandes tábuas seguem a orientação do final do século XVI:
no luneto a Transfiguração; na zona imediata, Senhora do Carmo ladeada pela
Apresentação no templo e Repouso no Egipto; na inferior, a Creche [Natividade] e a
Adoração dos Magos. Na predela veem-se pequenas tábuas: Santa Eugénia, Santa
Catarina discute com os doutores, dois anjos incensando, a Senhora dá o escapulário e
Santa Eufrásia [...]”66.
Foi neste retábulo que pela primeira vez, segundo Robert Smith, a partir da
observação de Reynaldo dos Santos, se mesclaram o uso de estátuas de corpo inteiro
com pinturas67. Para Vítor Serrão as pinturas deste grandioso retábulo maneirista foram
executadas por Simão Rodrigues, cerca 1597, “abrilhantado pela preciosa máquina de
marcenaria de Gaspar Coelho, que se preserva íntegro no lugar de origem. E ainda,
que a tela da Transfiguração, que coroa o retábulo [...], mas também o da Sé de
Portalegre, inspiram-se na composição de Rafael muito divulgada por estampas de
Marcoantonio Raimondi” 68.
Após a extinção das Ordens Religiosas, a igreja, depois de diversas aplicações
passou para a guarda da Ordem Terceira dos Franciscanos, assim como também o
edifício do colégio foi destinado para a instalação de um hospital, por esse motivo foi
totalmente reformado entre os anos de 1877-1884. A Igreja mantém-se integra, com
seus altares e parte da decoração interna.

Do Convento de Nossa Senhora do Socorro de Lagoa, fundado em 1550, durante


o provincialato de Frei Bento Bueno, atualmente só restam ruínas, que contam pouco de
seu passado e de sua história. O Padre Manoel de Sá faz apenas uma referência a este

66
Idem, ibdem, p. 132-138.
67
SMITH, Robert, A talha em Portugal, Lisboa, Livros Horizontes, 1962, p. 38.
68
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit., p. 217 e 223.
56

convento na sua Crônica. Quando menciona o flagelo da peste, admite que só o


convento da vila de Lagoa manteve o postigo aberto, para o povo recorrer à Senhora a
fim de que os livrasse daquela aflição69.

O Convento de Nossa Senhora do Carmo de Setúbal, segundo o cronista Fr.


Miguel de Azevedo, foi fundado em 159870. No entanto, por um alvará do rei Filipe,
autorizando a continuação das obras, sabe-se que, em 1605, a casa ainda estava a ser
construída. Em 1608, Frei Diogo da Anunciação foi nomeado primeiro prior do
convento de Setúbal. Com a extinção de 1834, teve partes destruídas. Hoje, no local,
ainda existe uma pequena capela, cuidada pela Ordem Terceira do Carmo e o convento
transformou-se em um asilo para idosos.

Do Convento de Alverca, diz Pinharanda Gomes que foi fundado em 1600,


porém, “faltam outros pormenores, mas que Baptista de Castro diz ser o Convento de
São Romão”71. Sobre o convento da vila de Lordelo e sobre o de Torres Novas,
encontramos escassas informações, quase todas a partir da extinção das ordens72.

O Convento de Nossa Senhora do Socorro de Camarate fundado em 1602, por


decisão do Provincial Frei Antonio do Espírito Santo, em terras da Quinta de Camarate,
pertencentes ao convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa, doadas por Nuno
Álvares Pereira. Terras estas que haviam pertencido ao judeu David Negro73. Em 1608,
elevou-se a Priorado e teve como primeiro Prior Frei Sebastião da Silva74.

69
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 280.
70
AZEVEDO, Miguel de, apud, AA.VV, Inventário das Ordens Monásticas e Conventuais. Ordem de
São Bento, Ordem do Carmo, Ordem dos Carmelitas Descalços, Ordem dos Frades Menores, Ordem da
Conceição de Maria, Lisboa, Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo Direcção de Serviços de
Arquivística, 2002, p. 135.
71
CASTRO, Baptista, apud PINHARANDA GOMES, J., ‘Camarate e ... op. cit., p. 32-33.
72
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 479-482. Ver: SERRÃO, Vítor, As Igrejas do
Salvador, São Tiago e São Pedro de Torres Novas. Arquitetura e equipamentos artísticos. Disponível em:
https://www.academia.edu/6596244/As_Igrejas_do_Salvador_S%C3%A3o_Tiago_e_S%C3%A3o_Pedro
_de_Torres_Novas._Arquitetura_e_Equipamentos_Art%C3%ADsticos.
73
Os bens do David Negro foram dados ao santo Condestável, por doação de D. João I, em 1422. David
Negro, na realidade era judeu (David Ibn Jachia Negro ou David bem Guedelha) nascido em Portugal e
falecido em 1385, foi almoxarife das Alfândegas de Lisboa, no reinado de D. Fernando. Posição que não
era vista com bons olhos pelos cristãos dado ser judeu, e, quando o rei faleceu, o seu sucessor D. João I,
acoima David Negro de traidor, e procede ao confisco dos seus bens, que então foram doados a título de
recompensa ao santo Condestável. Ver: ‘Os bens de David Negro’, publicado em PINHARANDA
GOMES, J.. O Carmo em Loures, Loures, Comunidade Paroquial de Santo António dos Cavaleiros, 1979,
p. 25-27.
74
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 279.
57

Pinharanda Gomes informa que no local da Quinta de Camarate, já havia uma


capela de Nossa Senhora do Socorro, onde, em 1554 foi estabelecido um eremitério,
pois o povo tinha grande veneração pela Virgem do Socorro. “A decisão foi tomada no
Capítulo da Ordem de 1554, em que os padres capitulares nomearam um eremitão para
a dita capela. Estavam lançadas as bases do convento. No Capítulo de 1602, a ordem
criou, na mesma capela, uma vigararia, e, noutro capítulo, o de 1608, celebrado em
Vidigueira, foi decidido elevar a [...] priorado, e criar o Convento de Nossa Senhora do
Socorro, para ele se tendo deslocado o P. Jerónimo de Sá, e o irmão leigo Frei
Francisco do Carmo. Após a elevação a priorado, em 1608, foi eleito, primeiro Prior, o
P. Frei Sebastião da Silva. Em meados do século XVIII, os habitantes do mosteiro
eram, só religiosos, em número de dezoito”. Depois da expulsão das ordens religiosas,
os bens da igreja foram vendidos pelo governo, a um particular, e, a quinta foi destruída
para dar lugar ao Aeroporto de Lisboa75.

Quanto ao convento da cidade de Horta, na ilha de Faial, conforme pesquisa de


Ágata Biga76, o Convento carmelita já era referenciado nas primeiras publicações sobre
a região77. Ficava no local onde inicialmente existia uma ermida dedicada a Nossa
Senhora da Boa Nova, que o capitão-mor Francisco Gil da Silveira e sua esposa, D.
Helena de Roim, mandaram construir. Porém, somente em 1678, o convento foi
ampliado e a Ordem Terceira instituída. Segundo o padre António Cordeiro da
Companhia de Jesus, citado por Biga, não havia até 1717 outra Igreja ou Convento do
Carmo nos Açores, para além do templo do Faial78.
Após a extinção da Ordem, a Igreja conventual ficou sob a guarda da Irmandade
dos terceiros que, na época, possuía uma pequena capela vizinha à igreja conventual.

75
PINHARANDA GOMES, J., ‘Camarate e .... op. cit., p. 31-32.
76
BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo. Património da Cidade da Horta, Dissertação de Mestrado em
estudos do Património apresentada ao Departamento de Ciências Sociais e Gestão da Universidade
Aberta, sob a orientação pelo Professor Doutor Pedro Flor, 2010.
77
História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta (1871) e nos Anais do Município da Horta
(1943) citados por Idem, ibidem, p. 33-35.
78
BIGA, Ágata, Idem, ibidem, p. 33-35.
58

Fig. 03 – Detalhe arquitetônico, Igreja do Carmo, Aveiro, Portugal.

2.1.2 A Ordem Primeira dos Carmelitas Descalços

“Não sentiu assim a seráfica nossa madre santa Thereza, a quem o amor de
Deus fazia apetecível e fácil o caminho da cruz, e inspirada por Deus no ano de 1562, a
24 de agosto fundou em Ávila o convento de São Joseph, em que renunciada a
mitigação, abraçou a mesma regra, mostrando que a graça em todo o tempo, e em toda
a circunstancia de acontecimentos é poderosíssima para seus efeitos e que a
capacidade da natureza para receber seus influxos, e não resistir a seus impulsos,
sempre é uma por mais que nosso amor próprio pretenda sem escusa escusarmos.”79

Os primeiros Carmelitas Descalços que aportaram em Portugal vieram


diretamente de Ávila, logo após a instituição da Província de São José (1581).
Instalaram-se em Lisboa, provisoriamente em algumas casas. Em seguida, construíram
convento próprio, cuja pedra foi lançada em 1606, com o nome de Nossa Senhora dos
Remédios, na região de Santos, e igreja dedicada a Santo Alberto, inaugurada em 1613.
Ao Convento de Lisboa, seguiram-se as fundações nas vilas de Évora (Nossa
Senhora dos Remédios, 1594), Cascais (Nossa Senhora da Piedade, 1594), Altér do

79
S. ANNA, P. Fr. Belchior de, op. cit., p. 5 e 6.
59

Chão (Divino Espírito Santo, 1595)80, Figueiró dos Vinhos (Nossa Senhora do Carmo,
1600) e Coimbra (São José, 1603).
Depois da criação da Província de São Filipe, em 27 de outubro de 1612,
instituíram-se os Conventos de Aveiro (Nossa Senhora do Carmo, 1613) e do Porto
(Nossa Senhora do Carmo, 1617), e ainda os de Viana do Castelo, também dedicado a
Nossa Senhora do Carmo (1618); Buçaco (Santa Cruz, 1628); Santarém (Santa Teresa
de Jesus, 1646)81; Olhalvo (Nossa Senhora da Encarnação, 1648); Braga (Nossa
Senhora do Carmo, 1653); Setúbal (Santa Teresa de Jesus, 1660) e novamente em
Lisboa (Corpus Christi, 1661), Carnide/ Lisboa (São João da Cruz, 1681); Tavira
(Nossa Senhora do Carmo, 1737/47); Vila do Conde (Nossa Senhora do Carmo, 1755)
e, finalmente, Faro (Nossa Senhora do Carmo, 1766).
A Ordem Carmelita reformada por Santa Teresa teve um início próspero em
Portugal, que foi mantido ao longo de todo o século XVII e XVIII. A hipótese que se
levanta para explicar tamanho sucesso foi a subordinação de Portugal ao domínio de
Espanha, no chamado período Filipino (1580-1640). E por outro lado, é notória a
devoção de Filipe II (I de Portugal) à Santa Teresa, patrocinando muitas fundações e
transformando a devoção em um próspero ‘empreendimento político’82. Foi através de
um intenso mecenato que a Ordem se expandiu de forma tão extraordinária. Porém,
mesmo após a Restauração de Portugal, em 1640 e dos 28 anos de guerras seguintes, as
fundações dos Carmelitas Descalços no território português não sofreram grandes
mudanças.
A arquitetura utilizada nos cenóbios dos Descalços portugueses, diferentemente
dos da Antiga Observância que não tiveram uma tipologia especifica, teve um modelo a
ser seguido, desenvolvido na Espanha, na tradição de Juan de Herrera e do Real

80
Os Carmelitas permaneceram aqui pouco tempo devido a febres malignas, que muito atacavam os
religiosos. O capitão A. da Fonseca, erudito investigador de assuntos regionais, chegou à conclusão de
que, muito perto do convento, existiu um pântano de águas infecciosas, o que causou a morte de alguns
religiosos.
81
Sobre a igreja de Santarém, existe o livro apologético de Frei Antonio de Santo Caetano (Da Ordem
dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, natural de Santarem). Apografia métrica, e triunfal
narraçam do plausível apparato, que a illustre família carmelitana majestosamente consagrou ao
Maximo dos Sacrametos na sua translação para o sumptuoso Templo, que à Senhor do Monte do armo
generosamente se erigio na muyto nobre, & sempre leal Villa de Santarem, a oyto de settembro de 1708.
Sendo Prior do ditto Mosteyro o M. R. P. M. Fr. Antonio da Assunpçam, offerecida o Senhor Luis
Alvares da Costa, fidalgo da casa de sua magestade, & cavalleyro professo da Ordem de Christo. Lisboa:
Na officina de Manoel, & Joseph Lopes Ferreyra, MDCCVIII.
82
ESQUIVIAS, Beatriz Blasco e, ‘Utilidad y belleza en la arquitectura carmelitana: las Iglesias de San
José y La Encarnación’, publicado em Anales de Historia del Arte, 2004, 14, p. 143-156, p. 152,
disponivel em http://web.archive.org/web/20111225230447/http://www.ucm.es/BUCM/revistas/ghi
/02146452/articulos/ANHA0404110143A.PDF.
60

Mosteiro de São Lourenço, dito El Escorial. Os conventos dos descalços tiveram desde
o início também o suporte dos arquitetos do rei, o primeiro convento feminino de Ávila,
cuja igreja é “considerada a primeira de carmelitas descalços feita de raiz”83, tem o
plano concebido pelo arquiteto régio Francisco de Mora (1552-1610)84, que se
empenhou pessoalmente na construção, pela devoção especial que tinha à Santa,
buscando no projeto abarcar os ideais ascéticos e espirituais de Teresa. Foi neste
convento que Santa Teresa teve a sua propria cela e onde começou a escrever, o seu
Livro das Fundações85.
Porém, o modelo conventual que permaneceu só seria definido com a construção
do Real Monastério de la Encarnacíon, em Madrid, “fundado por la reina Margarita de
Áustria en 1610, en un terreno cedido por ella misma en las inmediaciones del Alcázar
Real, estableció el modelo definitivo de fachada carmelitana sin ser cenóbio de
carmelitas, pues se edificó para las monjas augustinas recoletas que todavía lo
habitan”86.
Porém, de acordo com o pesquisador espanhol José Miguel Muñoz Jiménez, o
Convento da Encarnacíon, tinha como primeiro destinatário as freiras Carmelitas
Descalças, e por esse motivo, o arquiteto escolhido para a obra foi Frei Alberto da
Madre de Deus (1575-1635), arquiteto oficial dos Descalços. O que não chegou a
ocorrer devido a oposição dos padres gerais do Carmelo, que acharam difícil conciliar
os ditames de pobreza de sua ordem com uma obra patrocinada pela realeza “[...] del
trato continuo de Palacio, que de tanta vecindad se ha de seguir forzosamente en las
entradas en su clausura y visitas frecuentes de deudos y conocidos [...]”87. Porém, o
modelo desenvolvido pelo arquiteto dos Descalços foi mantido e o convento entregue as
agustinas recoletas.
Após a morte de Francisco de Mora em 1610, Frei Alberto da Madre de Deus e
também o sobrinho de Francisco de Mora, Juan Gomes de Mora (1586–1648) deram
continuidade ao estilo em um grande número de complexos de Carmelitas Descalços na
Espanha e em Portugal, cuja tipologia seguirá a da Encarnacíon de Madrid, chegando à
Lisboa (segundo Horta Correia, com modificações setecentistas), Évora, Aveiro,
83
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal e algumas
notas sobre arquitectura de igrejas de freiras’, publicado em 14,5 ensaios de história e arquitectura,
Coimbra, Almedina, 2007, p. 263. (edição original de 2001)
84
Francisco de Mora (1552-1610) acompanhou o Rei Filipe II, e I de Portugal, quando da sua visita a
Portugal, período que Portugal esteve subordinado ao estado espanhol.
85
ESQUIVIAS, Beatriz Blasco e, ‘Utilidad y belleza... , p. 152.
86
Idem, ibidem, p. 153.
87
Idem, ibidem, p. 154.
61

Cascais e outros. Esta influência poderá ser vista também nos dois conventos
masculinos do Brasil (Olinda e Salvador). Para o historiador Horta Correia constituíram
autênticas réplicas do protótipo inicial espanhol88. “Consiste o estereótipo numa igreja
em cruz latina abobadada, com cúpula no cruzeiro e nártex profundo. A fachada, de
severidade escorialesca, desenha-se com forma de retábulo encimado por frontão
triangular ladeado por esferas sobre plintos cúbicos. Três arcos, sendo o central mais
elevado, formam a galilé, sobre a qual se repete uma composição tripartida constituída
por uma grande janela central, acompanhada a um e outro lado pelas armas do reino e
da congregação”89.
Quanto ao programa decorativo deveriam seguir os ditames estabelecidos pela
própria Ordem através de Santa Teresa e pelo Concilio de Trento, sobriedade, decoro e
contenção decorativo. “Em el año de 1609 se hizo um decreto acerca de los retablos
mayor y colaterales, para los quales se mando hacer um modelo comum para toda la
Ordem, que sea moderado com solas dos pilastras o colunas llanas, al modo de algunos
que ya aí executado, quitadas las demasias de todo ló que es relieve y figuras de busto y
outro qualquera excesso”90.
Porém, na prática não é o que veremos, apesar de muitas dessas construções
conventuais não resistirem aos séculos vindouros, com percurso similar ao ocorrido
com os conventos da Antiga Observância e das demais construções monásticas e
conventuais portuguesas, devido a lei de extinção das Ordens e das catástrofes naturais.
Alguns sobreviveram, mas, completamente descaracterizados, tanto na arquitetura com
adaptações para novas funções, quanto nas áreas internas, com o desmantelamento da
decoração. A talha era removida e deslocada, objetos menores, como quadros e
esculturas, acabaram em acervos museológicos ou em posse de particulares.
Um exemplo interessante é o primeiro Convento dos Descalços de Lisboa
(Nossa Senhora dos Remédios) que teve a igreja vendida em 1890 à igreja evangélica
Lusitana e no convento hoje está instalada a rede hoteleira, York House. Portanto,
arquitetonicamente manteve boa parte do projeto original, no entanto, o recheio da

88
HORTA CORREIA, José Eduardo, ‘A arquitectura - maneirismo e 'estilo chão'’, publicado em
SERRÃO, Vítor (org.), História da arte em Portugal. O Maneirismo, Vol. VII, Lisboa, Publicações Alfa,
1986, p. 92-135.
89
Idem, ibidem, p. 126-127.
90
Decretos y actas y outras ordenaciones [...] de la religion de Descalços de Nuestra Señora del Carmen
[...], apud, LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da
Ordem ... op. cit., p. 47.
62

igreja desapareceu, talhas, pinturas e esculturas, exceção são alguns painéis azulejados
que permanecem fixados as paredes, em áreas pouco visíveis.
O conjunto arquitetônico de Figueiró dos Vinhos manteve certa integridade. Em
1642 foi destinado a Colégio de Artes e depois ao ensino da Filosofia. Em 1844 quando
da extinção das Ordens, residiam no convento 16 padres e 4 irmãos, que logo após
tiveram que abandonar o convento. Algumas dependências foram concedidas por carta
de lei de 20 de agosto de 1861 à Misericórdia da vila, para estabelecer um hospital.
Outra parte foi destinada aos serviços da Câmara Municipal, Tribunal, administração do
Concelho e Cadeia. Em 1951, a Câmara municipal restaurou a igreja91.
O Convento de Nossa Senhora do Carmo de Aveiro teve o padroado de d. Brites
de Lara e sua igreja estava pronta em 1623, sendo solenemente inaugurada no dia 24 de
abril. Como os demais conventos foi extinto em 1834, quando havia 6 sacerdotes, 2
leigos e 4 estudantes92.
O Convento do Porto teve a fundação decidida em 1617, e a obra teve início
dois anos mais tarde. Em 1622 já estava parcialmente ocupado e a igreja foi inaugurada
em 1628, no dia da Virgem do Carmo. Foi casa de professos, quando no Capítulo Geral,
celebrado no Convento dos Remédios de Lisboa em 1787 decidiu-se que servisse
também de noviciado para os estudantes destinados às casas do ultramar português. O
número seria de apenas vinte noviços. Sofreu alguns infortúnios, como o assalto das
tropas francesas em 1809 e finalmente foi extinto em 183493.
O Convento de Viana do Castelo teve a pedra fundamental lançada em 1621, em
1625 já tinha condições de receber os primeiros frades. A igreja foi inaugurada em
1647. Foi extinto em 1836 e aproximadamente cem anos depois os frades retomaram o
convento.
Uma das características da Ordem dos Carmelitas Descalços era a posse de um
deserto, para a vida contemplativa. Alocados em subidas, com capelas próprias à
meditação e ao voo místico, permitindo o retiro e a oração solitária dos religiosos. O
local escolhido para a Província de Portugal foi a Serra do Buçaco. Oferta [...] do
Bispo-Conde, D. João Manuel, em 1628. Eram terras da mitra conimbricense, cuja
doação à Ordem foi confirmada pelo Papa Urbano VIII, pelo Breve Apostólico de 8 de
fevereiro de 1629. Baseava-se numa construção de um só andar, sem artifício e pobre.

91
Idem, ibidem, p. 16.
92
Idem, ibidem, p. 15.
93
Idem, ibidem, p. 15.
63

No meio da serra estariam alojadas ermidas para que os religiosos pudessem passar
algum tempo como eremitas, em solidão e em oração. A lei de extinção manteve o
complexo sem permissão de venda, e em 1856 passou aos cuidados da Administração
das Florestas do Reino. No século XX recebeu a classificação de imóvel de interesse
publico pelo decreto 22.973 da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais94.
A história da reforma Teresiana em Portugal dos séculos XVII e XVIII foi de
sucesso. Dos antigos conventos alguns retornaram à direção da Ordem no século XX,
tais como os de Braga, Viana do Castelo e Aveiro, e, novos foram construídos, como o
magnífico complexo de Fátima. Nos dois primeiros séculos de existência os Carmelitas
Descalços contabilizaram cerca de trinta e três fundações masculinas e femininas, em
Portugal.
Não foi uma Ordem com papel decisivo no serviço missionário de além-mar,
mas deixaram boas construções por onde andaram. No Brasil, como já citado, estiveram
apenas em Olinda e Salvador, conventos masculinos, e no Rio de Janeiro e São Paulo,
femininos, que veremos em detalhe no próximo capítulo. Tentaram instalar-se também
na África, em particular em Angola onde ainda resta a igreja conventual, na cidade de
Luanda. Porém, quando da lei de extinção de 1834, Angola ainda era colônia
portuguesa, e com isso também sofreu a extinção das ordens religiosas. O convento dos
Carmelitas Descalços serviu de quartel e a Igreja foi cedida a Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência, atualmente é uma igreja paroquial sob a invocação de Nossa
Senhora do Carmo e foi declarada Monumento Nacional pelo decreto de 18 de julho de
194595. A igreja manter-se-á de pé, após a independência de Angola, com um valioso
recheio de azulejos, telas e pinturas da primeira metade do século XVIII.

94
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem...
op. cit., p. 19-20.
95
Idem, ibidem, p. 17-18.
64

Fig. 04 – Tarja do arco cruzeiro, Igreja do Carmo, Viana do Castelo.

2.2 As Ordens Segunda e Terceira do Carmo (Antiga Observância e


Descalços)

A oficialização dos dois ramos na Ordem Carmelita, mencionado anteriormente,


ocorreu na mesma data e na mesma Bula: Cum Nulla, pelo Papa Nicolau V, em 145296.
No entanto, a primeira ordem religiosa a ter oficialmente os ramos feminino (ordem
segunda) e leigo (ordem terceira) foi a Ordem Franciscana (1209). Segundo Jacques Le
Goff, o próprio Francisco convida Clara a participar emocionalmente do seu ideal de
vida, na simplicidade de Cristo, criando, assim, automaticamente a ordem segunda97. E,
logo a seguir, em 1221, redige a primeira regra para os terceiros franciscanos, que foi
aprovada pelo papa Honório III (Regula bullata)98. Dessa maneira, diz-se que a doutrina
franciscana assegurava a salvação para qualquer um, de qualquer sexo ou de qualquer
idade99.

96
AZEVEDO, Fr. Miguel de, Regra da Ordem Terceira da mai santíssima,... op. cit.
97
Em Portugal, o primeiro convento feminino foi dos franciscanos no Porto, em 1257, e as Dominicanas
estavam presentes em Vila Nova de Gaia, desde 1345. NOGUEIRA, Renato de Sá, ‘O espaço eclesiástico
em território português (1096-1415)’, História da Religião em Portugal, Vol. 1, Lisboa, p. 166.
98
LE GOFF, Jacques, São Francisco de Assis, Rio de Janeiro/ São Paulo, Record, 2010, p. 17-18.
99
SPIRA, Juliano de, apud LE GOFF, Jacques, op. cit., p.148.
65

As demais ordens religiosas seguiram o exemplo franciscano e tiveram as suas


ordens segundas e terceiras oficializadas. Os terceiros Agostinianos foram instituídos
em 1401 e os Dominicanos em 1405. Os Carmelitas, como vimos, tiveram as duas
Ordens aprovadas em 1452, e a primeira Regra para o ramo feminino foi escrita pelo
Frei e Geral da Ordem, Padre João Soreth, em 1455.
A Ordem Terceira apesar de aprovada no século XV, só será instituída nas
igrejas conventuais em Portugal em fins do século XVI; aceitavam irmãos de ambos os
sexos, casados ou não. Recebiam também como irmãos terceiros os próprios religiosos
da Ordem Primeira. Por esse motivo é comum lermos nas crônicas de época, como na
de 1606, a existência de irmãos terceiros leigos e conversos: “56 sacerdotes, 21
professos, 7 noviços, 7 irmãos conversos e 12 leigos; [...]”100.

Fig. 05 – Igreja conventual, dos Cardaes, Lisboa, Portugal.

2.2.1 A Ordem Segunda

Segundo Manuel Maria Wermers, a instituição da ordem segunda dos carmelitas


ocorreu lentamente, pois, extraoficialmente, existiam comunidades de mulheres devotas
à Virgem do Carmo reunindo-se e adotando o hábito carmelita, sem, no entanto,
seguirem os votos monásticos, de obediência, pobreza e castidade. Na Europa sempre
existiram comunidades mistas vivendo comunitariamente sem o aval oficial da Igreja.
“Sabe-se que os primeiros mosteiros europeus eram, em muitos casos, mistos. Criados
por comunidades de homens e mulheres que buscavam protecção mutua, estes

100
Roma, Arquivo Geral Ordem do Carmo, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 284.
66

mosteiros caracterizavam-se pelo trabalho, a oração e a habitação comuns e até pela


existência de crianças educadas colectivamente. O caráter misto destes cenóbios podia
assumir formas diversas: havia casos em que homens e mulheres partilhavam o mesmo
espaço de vida e culto, outros em que estavam rigorosamente separados dentro da
igreja, outros ainda onde as igrejas de mulheres não eram acessíveis aos leigos. Na
Península Ibérica, tais comunidades existiam desde pelo menos o século V e foram
severamente combatidos por reformadores como S. Isidoro de Sevilha (fal. 636) ou S.
Frutuoso de Braga (fal. Em 665 ou 667) que tentaram impor a separação rigorosa
entre homens e mulheres”101. Separação que tudo leva a crer foi oficializada com a
instituição da primeira ordem segunda pelos franciscanos.
Quanto ao ramo feminino dos carmelitas, apesar de ter sido instituído pela Bula
de 1452, foi só com a nova Bula Dum Attenta, do Papa Sixto IV, de 1476, que se
reconhece a real existência da Ordem Segunda de Nossa Senhora do Carmo, então,
organizada e aprovada102. E foi, no Capítulo Provincial dos Carmelitas, em Colônia, que
o então Geral da Ordem, Padre João Soreth, pediu ou mandou pedir a confirmação à
Santa Sé da primeira fundação feminina do ramo. Em novembro do mesmo ano, o
Geral, com a colaboração da Beata Francisca de Ambrosio103, funda o primeiro
convento feminino francês, na cidade de Vannes (1463). O mesmo João Soreth havia
fundado anteriormente outros dois conventos em Flandres, ao qual se seguiram outros
em Espanha e demais localidades da Europa.
A clausura, que até hoje é uma marca das ordens religiosas femininas, segundo
Paulo Varela Gomes foi ratificada, “desde pelo menos o Concílio de Latrão convocado
por Leão X em 1513-14, multiplicam-se as medidas de reforma completa e radical da
clausura cujo reflexo directo em Portugal foram as visitações e reformas impostas pelo
rei D. Manuel desde 1514 a todos os conventos femininos e masculinos do país. [...] as
monjas viram apertadas as regras da clausura. Foram impossibilitadas de sair do
convento fosse sob que pretexto fosse. Lá dentro, perderam o direito que às vezes
tinham de manter criadas e servidoras e até as celas luxuosas de que dispunham as de

101
Para maiores informações ver: ‘Arquitectura de mulheres, mundo de homens. Intervenções da
DGEMN em edifícios de Mosteiros femininos extintos (1930-1950)’, publicado em GOMES, Paulo
Varela, 14,5 ensaios de história e arquitectura, Coimbra, Almedina, 2007, p. 263. (edição original de
2001)
102
WERMERS, Frade Manuel Maria, op. cit., p. 76.
103
O Prior Geral da Ordem Carmelita, João Soreth, quando esteve de passagem pela Bretanha, visitando
os conventos masculinos da Ordem, encontrou-se com Francisca de Ambrosio, uma nobre de certa posse,
e a convence a fundar o primeiro convento feminino da França, em Vannes. Francisca foi viver no local,
cinco anos depois da sua fundação em 1468.
67

maior nascimento. Os conventos foram cercados de altos muros e janelas


gradeadas”104. Marca ainda presente nos dias atuais nos conventos carmelitas de
Coimbra em Portugal e do Rio de Janeiro, no Brasil.
Os primeiros conventos femininos de Portugal, ligados à Antiga Observância
foram os de Beja (1541), de Lagos (1557) e Tentúgal (1559), e ainda há menção de um
possível convento em Guimarães (1700)105. O Convento de Nossa Senhora da
Esperança, de Beja, fundou-se em terras doadas por Dona Colaça, em 1541. O de Nossa
Senhora da Natividade, de Tentúgal, foi fundado em 1559, por D. Francisco de Melo,
Senhor e Conde de Tentúgal, com o objetivo de criar uma casa para recolhimento das
filhas dos seus vassalos. Construiu-se o convento junto à ermida do hospital de
Tentúgal. As primeiras religiosas que o habitaram, em 1565, eram provenientes do
convento de Nossa Senhora da Esperança, de Beja. Ambos foram fechados em 1834 e a
extinção dos dois se deu, com a morte da última religiosa, o primeiro, em 1897 e o
segundo, um ano depois106.
O Convento de Nossa Senhora da Conceição de Lagos foi fundado em 1557 com
três freiras provenientes do Convento da Esperança, em Beja. “Para a instalação deste
convento contribuiu o Padre Cristóvão Dias que deu umas casas e quintais para o
efeito. A doação concretizou-se em 1558, sendo que em troca, as freiras carmelitas
teriam de admitir como noviças três das suas sobrinhas”. A capela-mor foi paga por
Diogo de Campos. Porém, as obras se alastraram por um longo tempo107. O Convento
sofreu muito com o terremoto de 1755 e foi praticamente extinto em 1834.
Nos volumes do Inventário Artístico de Portugal, Túlio Espanca relaciona ainda
o Recolhimento de Nossa Senhora do Carmo, na localidade de Cuba, Tapada de Beja,
cuja primeira pedra foi lançada em 1652, e, logo a seguir, se instalaram no imóvel,
embora provisoriamente, seis carmelitas calçadas, vindas de Lisboa. Após a extinção
das ordens religiosas, o imóvel, secularizado, foi transformado em Hospital civil e

104
‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal e algumas notas sobre arquitectura
de igrejas de freiras’, publicado em GOMES, Paulo Varela, 14,5 ensaios de história e arquitectura,
Coimbra, Almedina, 2007, p. 263. (edição original de 2001)
105
Em Portugal, do ramo feminino fundaram-se o Convento da Esperança de Beja (1542) que se iniciou
com duas castelhanas e o Convento da Conceição de Lagos (1557) cujas primeiras freiras vieram de Beja.
Posteriormente, fundaram-se o Mosteiro de Tentúgal (1560) e o Convento de São José de Guimarães
(1704). SIMÕES, João Miguel, Contributo para o estudo do Convento de Nossa Senhora da Conceição
de Lagos. Disponível em http://www.academia.edu/1787675/ Contributo_ para_o_ Estudo_do
Convento_de_Nossa_Senhora_da_Conceicao_de_Lagos. Acessado em 15 de janeiro 2014.
106
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 109-110.
107
Informações disponibilizadas em um códice guardado nos Reservados da Biblioteca Nacional. In:
SIMÕES, João Miguel, op. cit.
68

esteve sob a administração da Santa Casa de Misericórdia, que o geriu até 1975, ano em
que transitou para os serviços de saúde (Hospital Civil)108.
Não é possível detectar uma tipologia para os conventos femininos dos
carmelitas da Antiga Observância. Segundo Varela Gomes, os conventos femininos
tinham tradicionalmente que ser construídos “paralelos às ruas da cidade e com coros
aos pés – e, portanto, com acesso lateral –, tinha poderosas raízes culturais, muito
antigas em território português, que foram abruptamente reforçadas no século XVI”109.

Já as fundações femininas dos Carmelitas Descalços em Portugal foram mais


abundantes e seguiram a seguinte ordem de fundação: Convento de Santo Alberto, em
Lisboa (1585); Convento de Santa Teresa de Jesus, em Carnide (1642); Convento de
São João Evangelista, em Aveiro (1658); Convento de São José, em Évora (1681);
novamente em Lisboa, Convento de Nossa Senhora da Conceição, dos Cardaes (1681).
No Porto, o Convento de São José foi fundado em 1702; em Coimbra, o Convento de
Santa Teresa de Jesus (1739); em Braga, o Convento de Santa Teresa de Jesus (1767);
em Viana do Castelo, o Convento de Nossa Senhora do Desterro de Jesus, Maria e José
(1780) e, finalmente, de novo em Lisboa, o Convento do Sagrado Coração de Jesus
(1781), cuja igreja é conhecida como Basílica da Estrela110. Ainda consta ter havido o
Convento de Nossa Senhora da Encarnação, fundado em 1660, no Funchal, na Ilha da
Madeira, demolido em 1906.

O primeiro convento feminino de Portugal foi instalado em Lisboa, muito cerca


do masculino, teve como principal devoção Santo Alberto, em atenção ao vice-rei de
Portugal, o cardeal arquiduque Alberto de Áustria, que acabou por ter uma participação
ativa na construção deste convento111. Em 1890, com a morte da última freira o
convento foi extinto, sendo então instalado no local o Museu Nacional de Arte Antiga.
Restou do antigo convento dos Descalços a Igreja dita ‘de fora’, conhecida como Capela

108
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 267-272.
109
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras… op. cit., p. 263.
110
Para ver um pequeno histórico dessas instituições do ramo feminino dos Carmelitas Descalços,
recorrer à obra de CORAÇÃO DE JESUS, David do. OCD., op. cit., p. 111-156. Apesar de confiável,
devemos alertar para um erro na obra com relação ao Brasil: o dia da proclamação da independência do
Brasil foi 07 de setembro de 1822, e não 27 de setembro, como informado na página 94. ‘Como se vê, não
eram poucas as actividades que os Terésios desenvolviam no Brasil, numa hora difícil em que esta
grande nação americana preparava a independência, proclamada em 27 de setembro de 1822.’
111
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 21.
69

de Santo Alberto, espaço impar com talha barroca em ótimas condições de conservação,
acompanhado da capela ‘de dentro’, espaço exclusivo das religiosas.
Segundo Paulo Varela Gomes, o convento ‘das Albertas’ apresenta a tipologia
tradicional aos conventos e mosteiros femininos europeus e não o modelo espanhol dos
Descalços. “Tratava-se, [...] de uma igreja de entrada publica lateral e coro alto a
poente. Por debaixo do coro tinha uma entrada secundária a eixo ligando à portaria
conventual com ‘roda’, por sua vez aberta para a rua. À mão direita da cabeceira da
igreja havia um latero-coro e vemos um comungatório com roda, também à direita”112.
Modelo que teve influência arquitetônica das resoluções do Concilio de Trento,
tais como: “clausura absoluta, incluindo a separação clara e total das igrejas de dentro
e de fora; vida em comum das freiras proibindo-se alojamentos individuais; proibição
dos bispos entrarem na igreja de dentro só podendo atender as freiras junto à janelinha
da clausura (Cap. VII); proibição de se conservar na igreja de dentro o Santíssimo
Sacramento que devia estar ‘in publica Ecclesia’ (Cap. X)”113.
Ainda segundo Paulo Varela Gomes, este primeiro modelo, que seguiu o
tradicional dos conventos femininos portugueses, só irá ser repetido em outro convento
feminino dos carmelitas Descalços, cem anos mais tarde nos Cardaes, de Lisboa. No
período entre as duas construções, adotou-se o modelo espanhol divulgado
especificamente pelos Carmelitas Descalços, tanto para o ramo feminino como para o
masculino, que vimos no subitem anterior.
O Convento de Santa Teresa de Jesus de Carnide foi fundado em 1642, pela
Madre Micaela Margarida, sobrinha de D. João IV, em terrenos doados por João Gomes
da Mata, correio-mor do reino. “Em 1637 havia já por ventura projectos
arquitectónicos mas a construção só arrancou sob o patrocínio dos Braganças. A igreja
definitiva foi construída a partir de 1662 como reza a crônica e confirma uma inscrição
no cunhal esquerdo da fachada: M. F. IONNIS IIII LUSITANIAE REGIS. HOC OPUS
STRIXIT ANNO DNI MDCLXII. Ou seja, ‘Maria, Filha de João IV Rei de Portugal
construiu esta obra no ano do Senhor de 1662’. A inscrição refere-se à infanta d. Maria
(1643-1693), filha ilegítima de D. João IV, patrocinadora mais importante do convento,

112
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal...’
publicado em 14,5 ensaios de história e... op. cit, p. 269.
113
Idem, ibidem, p. 275.
70

onde viveu. A porta de madeira da igreja está datada de 1667, assinalando o fim das
obras”114.
Foi extinto em 1891, quando da morte da última freira. Restam, no local, a Igreja
e parte do convento, este último teve áreas reconstruídas após o terremoto, ambos estão
em bom estado de conservação. A igreja é um belíssimo edifício, fachada com frontão
triangular e corpo retangular, de nave única estreita e alta. Tem um coro alto que corre
sobre a porta única da fachada, e um segundo coro lateral à direita da capela mor.
Mantem alguma função de culto e o convento abriga uma residência para idosos.
O Convento de São João Evangelista de Aveiro iniciado por D. Brites de Lara,
teve, depois de sua morte, a obra continuada pelo duque de Aveiro, D. Raimundo de
Lencastre. Foi fundado em 1658 e a igreja quase um século depois, em 1748. Foi
extinto em 1879, a igreja manteve-se íntegra, porém, alinhada paralelamente à rua.
“Tinha duas portas, uma lateral e outra no eixo sob o coro alto. Esta última dava, como
nas Albertas e nos Cardais, para a portaria conventual. Tinha também latero-coro à
capela-mor. A portaria e o coro alto foram demolidos depois de 1905 para se alargar a
rua”115. Da arquitetura conventual pouco restou, o que resistiu está modificado e serve à
nova função, Fórum Municipal.
O Convento de Nossa Senhora da Conceição, de Lisboa, fundado em 1681, por
iniciativa de D. Luísa de Távora, no lugar de Cardaes, na zona ocidental de Lisboa, foi
extinto com o falecimento da última freira, em 1876, e o edifício, destinado à instituição
de beneficência. A belíssima igreja, com decoração interna em talha barroca do período
nacional e joanino, obteve em 1940 a classificação de imóvel de interesse público e,
posteriormente, de Monumento Nacional.
A igreja e a decoração interna mantiveram-se em perfeito estado de conservação,
apenas com alterações devocionais, pois, o edifício passou da posse dos carmelitas para
o padroado das irmãs dominicanas. Hoje, neste sítio, existe o Museu de Arte Sacra que
ocupa partes do convento e a igreja, e o restante do edifício é local de acolhimento
cedido à Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos. Segundo Paulo Varela
Gomes o conjunto beneficiou “de nunca ter mudado realmente de funções. Foi

114
Idem, Ibidem, p. 270.
115
Idem, ibidem, p. 270.
71

mantendo um núcleo de religiosas e conservou ao culto as igrejas de dentro e de


fora”116.
O Convento de São José de Évora, fundado em 1681 e extinto em 1886 com o
falecimento da última religiosa, ganhou novos donos e novas funções. A igreja foi
inaugurada em 1721, repete o modelo das ‘Albertas’ e dos Cardaes, isto é o partido
tradicional dos conventos femininos com fachada e entrada principal na lateral. Neste
caso são duas portas chegadas uma à outra, a do convento datada de 1721 e a da igreja,
cuja data (1733) deve assinalar o fim das obras do templo. Tal como o convento de
Lisboa, a porta conventual dá para a portaria e esta tem acesso axial à igreja por debaixo
do coro alto, e também se acusa a existência do coro na lateral, à direita da capela
mor117. Atualmente, a igreja está descaracterizada devido às inúmeras reformas. O
convento foi para a tutela da Casa Pia, de Évora, onde até bem pouco tempo estava
instalada a instituição de apoio às crianças desfavorecidas.
Para Paulo Varela Gomes o Convento de São José e Maria do Porto, de 1702, e
o de Coimbra apresentavam a mesma tipologia, porém o do Porto após o cerco à cidade,
em 1832118, foi abandonado pelas religiosas e em 1833, a comissão administrativa dos
bens dos extintos conventos tomou conta do edifício e do que nele existia. Já o
Convento de Santa Teresa de Jesus de Coimbra, fundado em 1739, tem história diversa
de todos os outros. “No sítio do Casal do Chantre, em terrenos comparado pelo
vigário-geral foi lançada a primeira pedra no dia 9 de abril de 1740. Com a obra ainda
por concluir fez-se a 23 de junho de 1744 a mudança das 17 religiosas que então
compunham a comunidade”119. Apesar do decreto de 1834, e a título excepcional, as
religiosas receberam autorização para permanecer no convento, mesmo depois do
falecimento da última conventual em 1897. A fim de que a vida canônica regular
pudesse prosseguir, vieram de Espanha três religiosas e, em 1898, professavam mais
sete noviças. É o único convento carmelita que ainda mantem a clausura em Portugal.

116
Igrejas de dentro e de fora, é uma características dos conventos femininos, quando a clausura não
possibilitava que as freiras pudessem assistir a Missa na igreja destinada aos leigos. Idem, ibidem, p. 246.
117
Idem, ibidem, p. 272.
118
O cerco à cidade do Porto durou aproximadamente um ano, com a retirada das tropas miguelistas, e o
retorno da cidade aos liberais liderados por D. Pedro IV. No final do cerco, D. Pedro IV, num acto de
reconhecimento para com a cidade e as suas gentes, que se mantiveram sempre fiéis aos ideiais liberais,
atribuiu-lhe a Grã-Cruz da Torre e Espada, o epíteto de ‘Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta
Cidade do Porto’. Ver: http://www.viva-porto.pt/conteudos/edicoes/pdfs/dezembro-2010/atraves_tempos
.pdf
119
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 23.
72

O modelo arquitetônico é o da fachada e entrada lateral, com duas portas, a


conventual datada de 1741, e a outra servindo a igreja de fora (1743). As portas são
decoradas com molduras de um tipo já arcaico para a época, cheias de volutas
caprichosas. A portaria situa-se sob o coro alto e tem entrada a eixo para a igreja, como
já estamos habituados. Junto à capela mor há o habitual comungatório-latero-coro120.
O Convento de Santa Teresa de Jesus, de Braga foi criado como recolhimento
feminino de Terceiras regulares de voto simples, em 1742. Em 1767, mediante
autorização do arcebispo de Braga, passou a seguir a Regra das Carmelitas Descalças. O
convento encerrou suas atividades em 1834 e, após o falecimento da última religiosa,
em 1902, o edifício se destinou a asilo de inválidos.
O Convento de Guimarães apresenta a tipologia de fachada e entrada principal
na lateral. Segundo estudo de Antonio José de Oliveira121 recebeu grandes remodelações
no mecenato do arcebispo D. José de Bragança, irmão do rei D. João V, que viveu em
Guimarães de 1746 a 1748. As principais obras dizem respeito à transformação da
capela-mor, com importantes obras de talha, a saber: o retábulo-mor, arrematado por
José Álvares de Araújo, mestre entalhador de Braga, assim como de dois altares laterais
e das sanefas, por 930$000 réis, em junho de 1746. Em 1754, os pintores portuenses
Antônio José Pereira de Santa Ana, João do Couto Teixeira, João Pereira Cardoso e
Luís Pinto Leitão arremataram o douramento e a pintura da talha.
O convento dedicado a Nossa Senhora do Desterro de Viana do Castelo teve
projeto do arquiteto carmelita Frei Luís de Santa Teresa e a obra se desenvolveu entre
os anos de 1780 e 1785. A igreja tem fachada virada para a rua, na tradição espanhola,
coro alto sobre a entrada principal e o tradicional coro lateral à capela-mor (latero-coro).
Segundo Varela Gomes a fachada manteve a forma geral retangular “posto ao alto e
coberto de frontão recto, tem uma decoração característica da época”122.
A última construção dos carmelitas descalços foi na realidade uma obra do
mecenato de D. Maria I, cuja história é similar a de Mafra. A então princesa prometeu
construir um convento dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, se o primeiro filho fosse
varão. “D. Maria acabará por ser mãe por seis vezes; quanto à devoção ao Sagrado
Coração, era-lhe particularmente afeiçoada, tendo-lhe já dedicado duas capelas no

120
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal...’
publicado em 14,5 ensaios de história e... op. cit, p. 272.
121
OLIVEIRA, António José de ‘A atividade mecenática do Arcebispo D. José de Bragança nos
conventos femininos vimaranenses’, Boletim de trabalhos históricos, série III, vol. II, p. 76-90.
122
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal...’
publicado em 14,5 ensaios de história e... op. cit, p. 272.
73

convento carmelita de Carnide, donde sairão as cinco fundadoras do convento da


Estrela que será entregue a essa Ordem”123.
As obras tiveram início em 1778, em local pertencente à Casa do Infantado. Da
fachada existem dois desenhos deixados pelo arquiteto Mateus Vicente, um com e outro
sem torres, o aprovado em 1779, foi o projeto com duas torres. Ainda nos desenhos não
havia os elementos decorativos que hoje existem no local, fruto da intervenção do
arquiteto Reinaldo Manuel, logo após a morte do primeiro em 1785. Segundo José
Fernandes Pereira, Mateus Vicente procurou dar a obra um ar italiano, a partir de
desenhos da obra literária do arquiteto italiano Francesco Borromini (1599-1667) da
Igreja do Oratório de São Filipe de Néri, de Roma, publicado em 1726. “Ora,
cotejando a fachada com os desenhos, verificam-se múltiplas afinidades, sendo que
Mateus Vicente aportuguesou a fachada, abandonando o projecto curvilíneo da obra
romana, para um desenho plano”124.
A fachada é monumental, com portal e quatro grandes colunas, que vão do chão
ao entablamento. Entre elas, rasgavam-se três portas coroadas por arcos. Na parte
superior, duas janelas ladeavam a tarja central onde figura o Sagrado Coração de Jesus.
A monumentalidade da fachada espelha-se no interior, de proporções gigantescas, e
decoração italianizada. Os altares de pedra com pinturas centrais perfilam-se ao longo
da nave única, no transepto uma cúpula gigantesca permite jorrar a luz em toda a igreja.
O novo arquiteto, Reinaldo Manuel, substituiu o frontão contracurvado por um
retilíneo, alterou a zona terminal das torres e a cúpula. “Assim terminavam as obras
daquela que se pode considerar a última grande construção barroca da cidade de
Lisboa”125.

123
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I: arquitectura e escultura’, publicado em RODRIGUES,
Dalila (coord.), Arte Portuguesa da pré-história ao século XX, Lisboa, Fubu editores, 2009, p. 53-54.
124
Idem, ibidem, p. 53.
125
Idem, ibidem, p. 53.
74

Fig. 06 – Tarja, arco-cruzeiro, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Faro.

2.2.2 A Ordem Terceira

As Irmandades e Ordens Terceiras são associações de fiéis que vivem no mundo,


e que, quer sob a supervisão de uma ordem religiosa, como no segundo caso, quer por
uma devoção particular ou por uma associação profissional, como no primeiro caso,
tentavam e ainda tentam manter uma vida cristã dentro dos preceitos da Igreja. Como
vimos anteriormente, as Ordens Terceiras foram uma manifestação de sucesso nos
países ibero-americanos, e particularmente, no Brasil.
A instituição da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo126,
apesar de ter sido confirmada pela Bula Cum Nulla, só será instituída jurídica e
fisicamente nos séculos subsequentes. Para Manuel Maria Wermers, isso só ocorre
quando foi promulgada a Bula Dum Attenta, em 1476, o mesmo se passou com a ordem
feminina, pois, será nesta bula, que se estende a licença de agregação a quaisquer

126
Aqui não vamos confundir a fundação da Ordem Terceira do Carmo com a Confraria do escapulário,
que alguns autores consideram como sendo um desdobramento da segunda. No entanto, a Ordem
Terceira do Carmo é, provavelmente, um desdobramento da Confraria do Escapulário, ou do Bentinho,
muito mais antiga, pois se filia na dádiva do escapulário de Nossa Senhora a São Simão Stock, e nas
visões do Papa João CCII, definidas por este Pontífice na Bula Sabatina, dada em Avinhão, a 2 de março
de 1322, e mais tarde confirmada por Alexandre V, Clemente VI, Paulo III, Pio V, Gregório XIII, Paulo
V e Clemente X. In: SANTISSIMA TRINDADE, Fr. Tomás da, apud LAMEIRA, Francisco;
LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ... op. cit., p. 25.
75

grupos de pessoas, casadas ou não, homens e mulheres 127. Em Portugal, as primeiras


irmandades de leigos foram instituídas nos Conventos de Moura e de Lisboa por volta
do ano de 1600. Os leigos cumpriram um papel muito importante para a estrutura da
sociedade da Idade Moderna e para a evangelização dos novos continentes. Por sua vez,
para os leigos pertencer a uma irmandade ou a uma ordem terceira era um símbolo de
ascensão social e uma possibilidade de participação nos assuntos relacionados à vida da
comunidade.
Existiam dois tipos de irmãos terceiros, os regulares e os seculares. Os primeiros
mesmo não obedecendo rigorosamente às regras viviam nos conventos em convívio
direto com os frades, acompanhando a vida conventual. Enquanto os segundos viviam
na sociedade, nas suas casas com as famílias e só se reuniam regularmente na sede da
Ordem Terceira. Tinham, portanto, autonomia administrativa, embora sob a tutela da
Ordem religiosa, elegiam um Prior e os demais cargos hierárquicos, estipulados pelos
seus estatutos, dentro da comunidade dos irmãos leigos. Ambos deviam observar a
Regra, escrita exclusivamente com este intento, à semelhança dos religiosos das ordens
primeiras e segundas, porém, com menor rigor.
A primeira Regra oficial dos terceiros da Antiga Observância foi escrita pelo
italiano Geral da Ordem Theodoro Straccio e traduzida para o português em 1637,
Opúsculo das Regras e Constituições128. Báyon, no entanto, refere-se a uma Regra
publicada em Lisboa em 1630, cujo autor foi Pedro de Melo ou Mello Fragoso, sem
maiores esclarecimentos129. Segue-se, então, a Regra publicada pelo padre Pedro da
Cruz Juzarte, em Lisboa, em 1644, a partir da do General Theodoro Straccio, intitulada
Regra e Constituições da Terceira Ordem130. No ano seguinte, 1645, o Padre Manuel
Ferreira publicou uma nova regra, no seu livro: Vida dos santos martyres, confessores, e
Virgens da Sagrada Ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo.

127
WERMERS, Manuel Maria, op. cit., p. 83.
128
Theodor Stratius, General of the Calced Carmelitas, composed in 1635 a new rule, revised in 1678,
which is still observed among the tertiaries of the Calced and the Discalced Carmelites. It prescribes the
recitation of the canonical office, or else of the Little office of the Blessed Virgin, or, in its place, of the
Pater noster and Ave Maria to be said thirty-five times a day, five times in lieu of each of the canonical
hours; also half an hour's meditation every morning and evening; fasting on all Fridays and also on
Wednesdays and Saturdays from 14 September till Easter, abstinence during Advent and Lent, and
various works of mortification, devotion, and charity. […] publicado em BEDE, Jarrett; HECKMANN,
Ferdinand; ZIMMERMANN, Benedict; OLIGER, Livarius; JOUVE, Odoric; HESS, Lawrence e
DOYLE, John, ‘Third Orders’, The Catholic Encyclopedia, Vol. 14, New York, Robert Appleton
Company, 1912. 27 Jan. 2016 <http://www.newadvent.org/cathen/14637b.htm>.
129
Regra da terceira ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo, Lisboa, 1630. BAYÓN, Balbino
Velasco, O. Carm., op. cit., p. 292-293. Não foi possível apurar a origem desta informação, nem encontrar
um exemplar da citada obra, nas Bibliotecas pesquisadas.
130
Idem, ibidem, p. 303.
76

Em 1685, o Padre Manuel da Encarnação editou em Lisboa, Compêndio da


Regra da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo. No século XVIII,
teve grande êxito a obra Thesouro Carmelitano, do Padre José de Jesus Maria,
publicado em Lisboa em 1705, que até 1763, foi editado seis vezes e mais duas no
século XIX (1860 e 1885). O Padre Miguel de Azevedo publicou a Regra da Ordem
Terceira da mai santíssima, e soberana Senhora do Monte do Carmo, em Lisboa, no
ano de 1778, com diversas reedições, inclusive no Brasil: Lisboa, 1790 e 1817; Recife,
1869 e 1880.
Veremos alguns preceitos destas regras a partir da edição de 1790, do Padre
Miguel de Azevedo, pertencente à Biblioteca Nacional de Portugal: “I. O Irmão
Terceiro do Carmo participa de todas as Graças espirituais, que os Vigários de Jesus
Cristo sobre a terra concederão, e hão de conceder aos religiosos Carmelitas da
Observância, e da Reforma. II. Nas ações públicas, e Eclesiásticas incorpora-se com a
comunidade dos seus religiosos. III. Veste a túnica, escapulário, e capa, que eles
vestem. IV. Tem um ano de noviciado, ou de aprovação. V. Professa, e promete
obediência, e castidade a Deus todo Poderoso, à Bem aventurada sempre Virgem
Maria do Monte do Carmo, e ao Reverendíssimo Padre Geral da mesma ordem, e aos
seus sucessores, segundo a Regra da Ordem Terceira, até a morte. VI. Governa-se por
uma Regra, aprovada pela Santa Sé Apostólica. VII. Utiliza-se das deprecações,
penitencias, e obras meritórias, que seus irmãos lhe aplicam enquanto vivo, e dos
muitos sufrágios, que por ele mandam oferecer depois de morto”131.

Historicamente, os séculos XVII e XVIII serão de grande desenvolvimento para


as Veneráveis Ordens Terceiras, e, em particular, para a dos Carmelitas, tanto em
Portugal, como no Brasil. Em Portugal, depois de Moura e Lisboa, seguiram-se as
Ordens Terceiras de Vidigueira (1671); Beja (1690?); Faro (1713); Lagoa (1736); Viseu
(1733); Pombal, (1726); Serpa (1645); Camarate (1654); Vila Franca de Xira (1688);
Colares e Évora (1691). Nesta última, a irmandade existiu na igreja conventual cujo
altar do Santíssimo Sacramento pertencia aos terceiros. A existência das ordens terceiras
de Guimarães e de Vila Nova de Gaia é duvidosa, pois, a segunda aparece só em
citações esporádicas e, na primeira cidade, só encontramos referencia a um convento
feminino. No Portugal insular, constatamos a presença de irmãos terceiros nas ilhas dos

131
AZEVEDO, Fr. Miguel de. Regra da Ordem Terceira da mai santíssima,..., p. 5 e 6.
77

Açores, em Horta (1693), Angra do Heroísmo (1766) e na ilha da Madeira, na cidade do


Funchal (1652). Ainda são referenciadas Ordens Terceiras em Setúbal, Almada, Torres
Novas, Abrantes, Coimbra, Tentúgal, Penafiel e Lagos, contudo sem exatidão da
existência e das datas de fundação.
As Ordens Terceiras instituídas nas fundações dos Descalços serão apenas três.
Já vimos anteriormente que desde a primeira Constituição dos Descalços, em Alcalá
(1581), e posteriormente confirmada em Madrid, em 1592, ficou estabelecida a
instituição dos ramos feminino e masculino. Nada foi definido quanto aos leigos132. Este
fato é importante, pois esclarece o que se testemunha na prática, os pouquíssimos
conventos dos Descalços com Ordem Terceira instituída em Portugal e a inexistência de
Ordens Terceiras ligadas aos Descalços no Brasil, que só possuíram dois conventos
masculinos, em cidades onde já existiam Ordens terceiras dos Calçados instaladas:
Salvador e Olinda. As três Ordens Terceiras dos Descalços no território português
foram nas cidades de Tavira (1727); Porto (1736) e Vila Real (1780).
A existência da Ordem Terceira em determinada cidade não subentende que
houvesse uma construção específica própria para os leigos, tais como uma igreja ou uma
capela. Mas sim, que nas igrejas conventuais existia um altar ou uma capela, que podia
ser até no claustro, sob a responsabilidade dos terceiros, esse parece ter sido o caso da
Ordem Terceira, no Convento dos carmelitas de Lisboa.
Ainda era possível a instituição de terceiros sem a ligação com a Ordem
Primeira, este é o caso das Ordens Terceiras das cidades de Funchal, Faro, Viseu, Beja e
Pombal. E, ainda, poderia haver casos de instalação de Ordens Terceiras em igrejas não
carmelitas, como parece ter ocorrido em Angra do Heroísmo, na Igreja da Misericórdia.
Neste exemplo levantamos a dúvida se na realidade houve a instituição de uma Ordem
Terceira ou se o que realmente existiu foi uma Irmandade devocional a Virgem do
Carmo e as almas do purgatório, responsáveis por um dos altares laterais da igreja em
questão.
Bayón realça o fato de existirem Ordens Terceiras sem estarem relacionadas a
uma ordem primeira, como extraordinário, pois comparando com a vizinha Espanha,
que só teve dois casos, nas cidades de Salamanca e Priego (Córdoba), os cinco casos de
Portugal demonstram a importância que tiveram as ordens terceiras nas terras e colônias
portuguesas133.

132
RODRIQUEZ, Fr. O., The Third Order … op. cit.
133
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 489.
78

Em Portugal, no começo do século XVIII, os terceiros carmelitas eram cerca de


8000 irmãos de ambos os sexos, espalhados pelas diversas comunidades existentes.
Contribuíam com a quantia de 400 réis quando eram admitidos na ordem, pagavam
igual quantia findo o ano de noviciado e feita a profissão. Depois, tinham que participar
com 20 réis por mês e 120 réis por ano para três missas134.

A Ordem Terceira de Moura foi instituída no Convento, por volta do ano de


1600. O Padre Manoel de Sá diz que os “[...] Irmãos da Venerável Ordem Terceira,
neste convento é tão antiga, que não há noticia do ano da sua instituição [...]”135.
Velasco Bayón enumera documentos que comprovam a existência da instituição já na
primeira metade do século XVII136. E, apesar da pouca notícia histórica, no arquivo de
Moura, ainda existe o livro do Compromisso da venerável Hordem terceyra de Nossa
Senhora do Monte do Carmo sita no real Convento da Mesma Senhora da Villa de
Moura, de 1755. Nos capítulos 31-32 deste compromisso está a descrição da celebração
da Quaresma, que incluía a Procissão do Triunfo. “[...] a Ordem Terceira sairia em
comunidade com o Comissário para visitar os passos da Paixão de Cristo da vila, acto
ao qual deviam assistir os irmãos que pudessem. Para além da assistência a outras
cerimônias nas igrejas da vila, celebrar-se-ia com a maior solenidade possível a
procissão chamada do Triunfo, com imagens da paixão, na sexta-feira anterior ao
Domingo de Ramos”137.
Hoje já não existe a Ordem Terceira do Carmo em Moura e nada mais pudemos
apurar sobre a Procissão do Triunfo. Porém, na igreja encontram-se três exemplos
escultóricos de Cristo, que poderiam integrar o grupo dos sete Passos da procissão,
confirmando a existência da festividade descrita no Compromisso oitocentista da
Irmandade. Estudaremos as esculturas desses Cristos no capítulo específico sobre a
análise técnica e formal das esculturas da Paixão. Assim como, não existe na vila de
Moura nenhum resquício dos Passos de rua, os quais os irmãos deviam visitar,
conforme descrito no Compromisso.

134
ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Porto/ Lisboa, Livraria civilização, 1968
(nova edição preparada e dirigida por Damião Peres), p. 164.
135
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 40.
136
São eles: o primeiro do ano de 1625, ano da morte de Marqueza Nunes, que foi terceira carmelita em
Moura; o segundo, dois testemunhos de terceiros, de 1649. In: BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op.
cit., p. 512.
137
Idem, ibidem, p. 514.
79

A Ordem Terceira de Lisboa foi instituída em data incerta, também por volta do
ano de 1600, e documentalmente sabe-se que já existia em 1636. Como acontece com a
de Moura, a maior dificuldade de estabelecer a data correta da sua origem deve-se à
inexistência de documentos comprobatórios de sua fundação no atual Arquivo da
Venerável Ordem Terceira do Carmo em Lisboa, uma vez que quase tudo foi perdido
com datação anterior ao terremoto de 1755.
Na pesquisa para o Doutoramento a especialista em retábulos lisboeta, Sílvia
Ferreira, relaciona um contrato feito em 1669, para a obra do arco e teto da capela da
Ordem Terceira, com o entalhador Francisco Lopes, que deveria ser entregue em agosto
de 1670, ao custo de 400 mil réis138. E na pesquisa para a Dissertação de mestrado sobre
o Convento carmelita e a Ordem Terceira da cidade de Lisboa, a pesquisadora Célia
Nunes Santos Pereira encontrou documentos anteriores ao terremoto139.
Descrições e informações indiretas nos são dadas nas crônicas dos Freis Manuel
de Sá e Pereira de Santana. Esses autores descrevem a existência de uma capela,
localizada no claustro do Convento, no século XVII, utilizada pelos irmãos terceiros
para as suas celebrações. Nela havia uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, “[...]
vulgarmente chamada Nossa Senhora dos terceiros, por ser a que, em um altar portátil,
presidia a todos os exercícios da ordem feitos na igreja, e a que saía nas procissões
sobre um riquíssimo andor de prata, ia já acompanhada das imagens de São Simão
Stock e do Papa João XXII. Para além destas imagens, a Ordem Terceira possuía
outras de santos carmelitas [...] Num inventário de 1707, enumeram-se quatro
relicários de prata lavrada com relíquias [...] e a imagem do Senhor Morto”140.
A Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, era composta de
pessoas abastadas, que além de realizar as festas da Virgem e procissões, também
ajudavam no melhoramento das igrejas ou dos conventos aos quais estava subordinada.
Frei Manoel de Sá conta que os irmãos da Venerável Ordem Terceira de Lisboa, em
1720, sob a liderança do prior Manoel de Távora e Cunha, mandaram “[...] tirar o
azulejo antigo e por outro do melhor, que se faz nesta corte, dividido em painéis de

138
ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, nº 12 A, (atual nº 1), cx. 53, Livro 215, fls. 94-95, apud
FERREIRA, Sílvia Maria Cabrita Nogueira Amaral da Silva, op. cit., p. 594.
139
Termos e determinações de Meza 1751-1841, Lº 289, e uma pasta de recibos de receitas e despesas
efectuadas entre 1754 e 1758 (573 – AVOTC – Despeza 1754-1758, caixa 32). PEREIRA, Célia Nunes
Santos, A arte na Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa (1389/1755) – contributos
para o seu estudo cripto-histórico, Dissertação de Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro,
sob a orientação do Professor Dr. Vítor Serrão, no Departamento de História da Arte, da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, 2010, 2 Vols.
140
SÁ, Fr. Manoel, apud, BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit.,. 496-497.
80

santos da ordem. No mesmo tempo mandaram fazer cinco primorosas capelas, em que
tem quadros dos Passos da Paixão de Cristo Senhor Nosso [...]”141. Lamentamos que o
terremoto de 1755 tenha destruído qualquer lembrança deste período. A atual Ordem
Terceira do Carmo de Lisboa habita uma capela no segundo andar do edifício do antigo
hospital, no largo do Carmo, junto às ruínas do convento. Neste edifício, estão os
Cristos, dos Passos da Paixão, documentalmente assinados e datados, por José de
Almeida, executados em 1759, portanto, posteriores ao terremoto.
A Ordem Terceira do Carmo de Lisboa festejava a Ascensão e a Natividade de
Nossa Senhora, o dia de Todos os Santos e o dia de Nossa Senhora da Conceição.
Porém, a festa mais importante era a Procissão do Triunfo do Nosso Senhor Jesus
Cristo, que abria os festejos da Semana Santa e fechava a Quaresma. No início do
século XVIII, contava com um número extraordinário de irmãos, de ambos os sexos,
cujas esmolas, oferendas, legados e benfeitorias permitiram, além da realização das
festas e das obrigações, a construção e a remodelação da Igreja e o sustento de um
hospital.
As Ordens Terceiras ditas ‘independentes’ na realidade foram o resultado da
devoção particular de um grupo de pessoas a uma determinada ordem religiosa, que se
reúnem e resolvem instituir oficialmente uma associação de terceiros. Podem ou não
estar subordinadas às ordens primeiras, em alguns casos, o vinculo existiu, mas por
motivos diversos, foi perdido ao longo dos séculos. Temos, portanto, em Portugal cinco
casos, nas cidades de Funchal, fundada em 1652, Beja, anterior a 1690; Faro, em 1713,
Viseu, em 1733, e Pombal, em 1726.

A Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Beja foi instituída em data


anterior a 1690, pois nesta data os terceiros conseguem concessão de certos
privilégios142. Tudo indica que, na ocasião, estivessem instalados provisoriamente na
ermida de Santa Catarina. Em 1736, os irmãos leigos, sob a invocação de Nossa
Senhora do Carmo, transladam as imagens que lhes pertenciam para a igreja, que só foi
aberta ao culto em 1755.
A ermida de Santa Catarina foi construída por vontade testamentária do capitão
mor das armadas da Índia Diogo Fernandes de Beja. Em 1608, transitou, como

141
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 178.
142
Documento referindo-se à Ordem Terceira do Carmo de Beja, concessão de certos privilégios aos
terceiros. In: Arquivo Distrital. Convento do Carmo de Beja, maço 8. Apud BAYÓN, Balbino Velasco,
O. Carm., op. cit., p. 560-563.
81

sufragânea, para a administração do convento dos Carmelitas Calçados (Tapada de


Beja), que existia nos subúrbios da cidade. Segundo Túlio Espanca, a Ermida de Santa
Catarina teve “uma vida precária no aspecto de conservação cultual, governada por um
mamposteiro proposto pela Ordem Trinitária, até que, no ano de 1734, por acordo de
partes e após algumas obras consideradas essenciais, nela se instalou a sede da
irmandade da ordem terceira do Carmo”143. Que resolveu demoli-la e reedifica-la,
estando a capela mor pronta, em 1755, mas conservando ainda, em 1758 uma parte
integrada da velha capelinha quinhentista. Segundo Túlio Espanca a irmandade foi
extinta em 1910, mas renasceu com novos estatutos aprovados a 28 de março de 1920.
A Igreja dos Terceiros de Beja está localizada na atual paróquia de São João
Batista. Internamente, de nave única e capela mor alongada, onde está instalado um
belíssimo altar-mor de talha rococó, e na nave, seis altares laterais já de formulário
composicional neoclássico. No altar-mor, figura a Virgem do Carmo, ladeada pelo
profeta Elias, fundador dos carmelitas, e por São João Batista, considerado, pela ordem
carmelita, um descendente espiritual do próprio Elias144. Nos altares laterais, estão seis
Passos da Paixão de Cristo, incluindo o Crucificado, que se deslocou do altar-mor, e foi
suprimido o passo do Senhor Preso. Programa iconográfico notado e relatado pelo
historiador Túlio Espanca, no Inventário Artístico: “[...] nos altares se armou em
sentido profundamente devocional, um curioso núcleo iconológico da Via Sacra,
autenticado pelas respectivas legendas latinas assim formadas: Prisão de Jesus, Senhor
da coluna, Ecce Homo, Senhor da cana verde, Senhor Jesus dos Passos e Nossa
Senhora das Dores. As imagens são na maioria de rocas, tendo o Senhor da Coluna
esculpido na madeira, assim como o senhor Morto do túmulo, dramática figura do
século XVII, que mede de comprimento 1,30 e o Cristo Crucificado, peças que
naturalmente transitam de antiga sede da freguesia [...]”145.

143
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 174. A autorização está entombada
no Livro nª 6 de Registos da Câmara de Beja, e a decisão de se reedificar o edifício, para esse efeito,
partiu do definitório conventual do Carmo de Lisboa, dado em escritura pública de 22 de abril de 1736.
144
O altar-mor “[…] Foi mandado executar pela Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo
depois de 1766, data da conclusão da Igreja, desconhecendo-se a identidade dos artistas intervenientes
na concepção do risco e no entalhe. Túlio Espanca situou-o na esfera de influência da escola eborense,
nomeadamente de profissionais que desenvolveram actividade em Beja, como Luís João Botelho, Manuel
de Abreu do Ó e Sebastião de Abreu do Ó.” LAMEIRA, Francisco e FALCÃO, José António, Retábulos
da Diocese de Beja, op. cit., , p. 105.
145
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 177.
82

Segundo o Padre Manuel de Sá “[...] na parte da epístola, está hoje a capela de


Nossa Senhora da Piedade; nela tem em diferentes nichos os irmãos da Venerável
Ordem Terceira (que neste convento é muito antiga, e tem mil duzentas e quarenta
pessoas de um e outro sexo) as imagens de Cristo Senhor Nosso, que levam na
Procissão do Triunfo da Paixão, que fazem no quinto Domingo da Quaresma. Esta
capela deram os religiosos a Fernão Paes, chamado da Índia, cavaleiro Fidalgo, como
consta de um contrato, feito a seu rogo pelo Padre Cyrillo, religioso do mesmo
convento, aos 8 do mês de julho de 1576, o qual ele assinou e fez aprovar pelo tabelião
Rodrigo Arraes Vieira, aos 15 do dito mês, e ano. No pavimento em uma pequena pedra
se lê: sepultura de Domingos Rodrigues Chuça”146.
Examinando as atuais imagens da igreja dos terceiros, o conjunto da Paixão dos
altares laterais é heterogêneo, com Cristos de faturas de diversas épocas. Para além dos
Cristos, a Igreja dos leigos de Beja possui um conjunto escultórico de excelente
qualidade técnica e formal, cuja fatura pode ser anterior e ou da mesma época do altar-
mor, com destaque para a Nossa Senhora da Boa Morte147.
Altar-mor foi descrito por Túlio Espanca como o “[...] mais grandioso
do seu modelo e estilo existente em Beja. [...] compõe-se de uma explendente carga de
talha dourada e policromada, da arte rococó, com seis colunas compósitas,
seccionadas em forma serpentiforme, intensamente esculpidas por ornatos naturalistas,
com o terço dividido por serafins litúrgicos e frontão entrecortado, concluído por
dossel e rica guarnição entalhada, floral”. Segundo o historiador pode andar na órbita
artística profissional dos mestres João Luís Botelho ou dos Abreu do Ó, excelentes
artífices da madeira de Évora148.

A fundação da Ordem Terceira do Carmo de Faro tem pesquisa documental


ampla, divulgada pelo historiador Francisco Lameira. Instituiu-se a irmandade em 1713
e a atual igreja teve a arquitetura concluída em meados do século XVIII. O altar-mor foi
contratado ao entalhador Manuel Martins, em 1735. Os altares laterais ficaram a cargo
de importantes entalhadores da região. O de Santa Teresa coube ao mesmo Manuel
Martins, em 1741, que, falecendo no ano seguinte, deixou a finalização da execução aos

146
SÁ, Manoel de, Fr, op. cit., p. 267-268.
147
Esta peça participou da exposição: As vozes do silêncio. Imaginária barroca da Diocese de Beja.
Publicada em FERREIRA, Jorge M. Rodrigues, As vozes do silêncio. Imaginária barroca da Diocese de
Beja, catálogo da exposição, Lisboa, Estar editora, 1997, p. 90-99. Ainda fizeram parte da exposição
outras duas peças pertencentes à Igreja do Carmo: Santa Teresa e Santo Elias, p. 100-109.
148
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 177-178.
83

seus sucessores da oficina, Tomé da Costa, seu genro, e Francisco Xavier Guedelha. O
retábulo de São Vicente Ferrer, hoje de São José, foi ajustado pelos dois e deveria ser
feito à imitação do de Santa Teresa, em 1751149.
Na sacristia, na lateral direita da igreja, guardada em nichos parietais, estão
esculturas de Cristos dos Passos da Paixão executadas, em 1731, por Manuel Martins, o
mesmo entalhador do altar-mor e do retábulo de Santa Teresa. Cristos que foram
estofados e encarnados pelo pintor Clemente Velho de Sarre, no mesmo ano. O
conjunto é composto de nove imagens da Paixão de Cristo, nomeadamente o Cristo no
Horto, o Cristo da Prisão, o Cristo da Flagelação, o Cristo da Coroação de espinhos
(Senhor da Pedra Fria), o Ecce Homo, o Cristo com a cruz às costas, o Crucificado e o
Senhor Morto, segundo o historiador todas de vulto pleno, e ainda, Nossa Senhora da
Soledade, de roca150, que veremos em detalhe no capítulo IV.
A fundação da Ordem Terceira do Carmo, de Viseu, deu-se na Ermida de Santa
Catarina (anteriormente conhecida como Santo Amaro), possivelmente em 1733. A
nova igreja foi benta em 1738 e concluída alguns anos depois. Em 1764, o altar-mor
estava pronto para ser dourado e pintado pelo Mestre pintor Francisco de Sousa Peixoto.
O mesmo se passou um ano depois com o arco cruzeiro e os altares laterais. Porém,
nesta segunda rodada, o pintor contratado, foi um ‘mestre estrangeiro’, Pascoal José
Parente. Como as demais Ordens Terceiras, a de Viseu celebrava, com grande
solenidade, a Procissão do Triunfo, na sexta-feira anterior ao Domingo de Ramos151.
Existe no interior da Igreja de Viseu um belíssimo altar-mor de talha joanina,
dois colaterais, na parede do arco cruzeiro e outros dois nas laterais da nave, de talha
ligeiramente posterior. No altar-mor, figura a Virgem do Carmo. Nos altares do
cruzeiro, estão Santo Elias, fundador espiritual dos carmelitas, em dimensões
desproporcionais, e São José, devoção pessoal de Santa Teresa. Nos altares laterais,
situam-se as esculturas de Santa Teresa, ladeada pela Virgem italiana Santa Cristina,
orago inicial da capela, e de Santa Teresinha de Jesus, escultura em gesso policromado,
já do século XX. No altar da esquerda estão entronizados São João da Cruz, ladeado por
Santo Amaro e São João Evangelista. Em um cômodo no andar superior, estão
guardados dois exemplares formalmente idênticos do Cristo sob a invocação do Ecce

149
LAMEIRA, Francisco, A talha no Algarve durante o Antigo Regime, Faro, Câmara Municipal de Faro,
2000, p. 158-160 e LAMEIRA, Francisco, Retábulo no Algarve, [Faro], Departamento de História,
Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, 2007, p. 123. (Promontoria Monográfica História
da Arte 03)
150
Idem, ibidem, p. 224-226.
151
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 559-560.
84

Homo (de dimensões diferentes), assim como um maravilhoso Senhor Morto, cuja
presença é constante nas igrejas terceiras carmelitas, pois também executavam a
Procissão do Enterro.
A igreja dos terceiros de Viseu, portanto, só possui um dos Cristos passiveis de
realizar a Procissão do Triunfo. Porém, uma observação se faz necessária: pintados nos
medalhões centrais da mesa nos altares de São José, de Santo Elias e no dedicado a São
João da Cruz, figuram símbolos da Paixão de Cristo. No primeiro, uma coroa de
espinhos, no segundo, os três cravos, ladeados pela lança e pela esponja e, no terceiro, a
cruz com duas escadas. Pareceu-nos um forte indício de que originalmente poderiam ter
sido dedicados a outros donos.
Sabemos da existência da Ordem Terceira do Carmo de Pombal, pois existe uma
carta enviada aos terceiros de Lisboa, em 1776 e outra de 1813, constatando a
necessidade de se reedificar o altar-mor e laterais da então igreja.

A igreja conventual do Carmo de Évora, de fins do século XVII, teve a Ordem


Terceira fundada em 1691, instalada no altar lateral dedicado ao Santíssimo
Sacramento. Segundo Manuel de Sá: “Nesta dita Ordem Terceira tem servido, e servem
as pessoas de maior distinção da mesma cidade. Assim estas, como as da segunda
condição satisfazem os seus empregos com zelo, e generosidade: nas quartas-feiras da
Quaresma tem Sermão de tarde, em que se pondera hum dos Passos da Paixão de
Cristo, e no fim se manifesta a Imagem, que o representa. Na tarde do Domingo de
Ramos fazem Procissão do Triunfo da Paixão, em que as imagens do mesmo Senhor
vão em andores, com paramentos competentes, mas todos preciosos”152.
No Inventário Artístico da cidade de Évora, Túlio Espanca faz uma descrição
pormenorizada do belíssimo altar do Santíssimo Sacramento, privativo da Ordem
Terceira do Carmo: “O opulento conjunto de talhas douradas, no espírito de transição
barroco-rococó, do último período joanino, mas desenhado e executado por volta de
1760 pelo entalhador-ensamblador eborense João Luís Botelho, afamado mestre
estabelecido com oficina defronte do Colégio da Madre de Deus. As colunas do tipo
salomônico, arcaizante, são revestidas nas curvas por folhagem rococó: o frontão, do
gênero interrompido, ornamentado pelo armorial da Ordem, termina em baldaquino de
ornatos foliáceos. [...] Em mísulas ricamente entalhadas conservam-se as imagens

152
SÁ, Fr. Manoel de, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 567.
85

incarnadas e douradas de Santa Isabel de Boémia e Santo Eduardo, rei de Inglaterra,


peças curiosas que acusam fatura anterior”153.
Na igreja de Nossa Senhora do Carmo de Évora, é possível encontrar um grupo
de representações cristológicas interessante, peças sem unidade estilística, mas que
podem comprovar a execução da Procissão do Triunfo pela ordem terceira, assim como
as demais manifestações litúrgicas descritas pelo Padre Manuel de Sá.

A Ordem Terceira de Setúbal foi fundada em 1674 por um grupo de pessoas


pertencentes à nobreza e ao clero, que financiaram, em 1676, um vistoso núcleo de
imagens para realização de uma procissão. Em 1677, a comunidade conventual doou
uma capela aos terceiros no próprio espaço do convento. De 1691, é o Compromisso da
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, citado por Bayón, escrito em
folhas de pergaminho e capas de veludo carmesim154. No compromisso, encontra-se a
descrição da Procissão dos Passos da Paixão do Senhor Jesus Cristo, incluindo o
itinerário a percorrer. Saía, no Domingo de Ramos, do Convento do Carmo, entrava
pela Rua das Vieiras, passando por diversas ruas da cidade. O autor, infelizmente, não
menciona os andores que compunham a procissão155.
Atualmente a capela da Ordem Terceira encontra-se muito modificada, mas
continua aberta ao público, com ladainha diária às 16 horas e o convento serve a uma
casa de repouso para idosos. Ainda sobreviveram algumas peças escultóricas
excepcionais, os Profestas Elias e Eliseu, e, a bela Virgem do Carmo, de roca, conjunto
que, com certeza, pertencia à Igreja do século XVIII. Nenhum Cristo restou da
procissão do triunfo descrita pelo Compromisso.

Os principais autores analisados até o momento citam a existência de Veneráveis


Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo nas localidades de Vidigueira, Serpa e
Lagoa156, através de documentos diversos. A respeito da de Vidigueira, o cronista
Manuel de Sá afirma que, na varanda sobre o claustro, havia uma capela, onde os
Irmãos da Venerável Ordem Terceira (a qual, neste convento, teve seu princípio no ano
de 1671) mantinham “as imagens de Christo Senhor Nosso, que levam na Procissão do

153
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Concelho de Évora, vol. VII, Lisboa, Academia
Nacional de Belas Artes, 1966, p. 49.
154
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 569.
155
CARVALHO, Apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 571.
156
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 564-566.
86

Triunpho da Paixão, que fazem no quarto Domingo da Quaresma”157. Da de Lagoa


(1736) só há menções esporádicas.
Na localidade de Serpa, ainda hoje, existe uma igreja conhecida como Santuário
do Carmo, onde estão representados nos altares laterais alguns Cristos dos Passos da
Paixão. Contudo, o atual edifício do santuário e as imagens lá existentes são, sem
dúvida, do século XIX. A Ordem Terceira de Camarate já existia, em 1654, no antigo
Convento de Nossa Senhora do Socorro; assim como no Convento de Santa Ana, em
Colares, enquanto em Almada, não conseguimos apurar nem se existiu um convento
Carmelita na cidade158.
Documentos de 1739 a 1755 confirmam a existência de Ordem Terceira no
Convento de São Romão, em Alverca. Sabe-se que, em 1688, a Ordem Terceira era
abrigada em um altar privilegiado e que, em 1736, conseguiram-se indulgências
especiais para o quarto domingo da quaresma159. No estatuto da Irmandade desta Vila,
de 1817, o capítulo 28 faz referencia à Procissão do Triunfo, “dizendo-se mesmo o nome
das ruas que deveria percorrer [...] e o sermão do final”. Ainda neste estatuto, estão
também as normas para a celebração da festa de Nossa Senhora do Carmo e a
orientação para as práticas que seriam realizadas nas sextas-feiras da Quaresma, diante
de alguns dos Passos da Paixão do Senhor160.
Nas memórias do Padre Manuel de Sá, aparecem ainda as Ordens Terceiras do
Carmo em Torres Novas, Abrantes e Coimbra. Nesta última, após a extinção das ordens,
a igreja conventual passou para o comando da Ordem Terceira Franciscana, como
vimos no item especifico deste capítulo sobre o Colégio de Coimbra. Talvez fosse um
indício de que a Ordem Terceira do Carmo estivesse em decadência. No que se refere às
vilas de Torres Novas e Abrantes, na primeira existiu o convento de São Gregório,
quanto a segunda não se conseguiu apurar a existência de um convento carmelita,
podendo a ordem terceira estar alojada em dependências de outras igrejas como o caso
de Angra do Heroísmo, e nem ser uma ordem terceira, mas na realidade uma Irmandade
de Nossa Senhora do Carmo e das Almas (do Bentinho).

157
SÁ, Fr. Manoel de, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm. op. cit., p. 564.
158
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 573-575.
159
FERREIRA, Anabela, ‘Breve história do convento de São Romão’, publicado em CIRA Boletim
cultural, 11, p. 105-121. Disponível em: http://www.cm-vfxira.pt/uploads/document/file/870/2b-breve-
historia-convento-sao-romao.pdf
160
GANDARIAS, Documentos, Apud, Idem, ibidem, p. 573-575
87

Em Tentúgal, estranhamente, parece ter havido uma Ordem Terceira no


convento da ordem segunda dos carmelitas161. Bayón ainda cita como tendo havido
Ordem Terceira na cidade de Penafiel, um “grupo destes confrades pediu a erecção de
uma ordem terceira. O provincial dos carmelitas José Caetano de Sousa assinou em
Lisboa, no dia 29 de dezembro de 1781, um despacho a conceder essa ereção”162.
Das igrejas dos Terceiros carmelitas do continente, passamos para o Portugal
insular. A Venerável Ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo da Vila da Horta, na
Ilha do Faial, nos Açores foi fundada em 1693 “quando a corte de Lisboa se deslocou a
Horta, o M. R. Sr. Fr. Constantino de Jesus [...] como visitador e Comissário Geral,
quando por motivos alheios a sua vontade teve que demorar dezoito meses na Ilha”163.
A irmandade teve a sua própria capela “do lado Norte, contígua à Igreja, com
rico e elevado retábulo, com oito nichos laterais para as imagens do Triunfo da Paixão
de Cristo e o nicho central, para um grande crucifixo e sobre o altar a imagem do
Senhor Morto, esculturas de rara beleza, do escultor régio de D. João V”164. Depois da
extinção das ordens religiosas, a igreja conventual passou para o encargo dos irmãos
terceiros, por portaria de 07 de junho de 1836, o que permanece até os dias de hoje.
Porém, com o sismo de 1998, a igreja teve que ser fechada para obras e os seus bens
móveis, removidos. Os Cristos passaram para a guarda da Igreja Matriz.
Ainda conforme pesquisa de Ágata Biga, o Convento carmelita já era
referenciado, nas primeiras publicações sobre a região.165 Ficava no local onde
inicialmente existia uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Boa Nova, que o capitão-
mor Francisco Gil da Silveira e sua esposa, D. Helena de Roim, mandaram construir.
Porém, somente no final do século XVII, quando o convento foi ampliado e a Ordem
Terceira foi instituída. Segundo o padre António Cordeiro da Companhia de Jesus,

161
Informação que nos parece estranha, pois o normal era que as ordens terceiras estivessem subordinadas
às ordens primeiras, ou fossem independentes. Pois os conventos femininos carmelitas eram na sua
maioria de clausura, isto é, não havia permissão para as religiosas manterem contato com o mundo
exterior. Idem, ibidem, p. 575
162
Bayón cita ainda outra fonte, que conta a história de a Ordem Terceira ter conseguido adquirir de
Roma, em 1825-26, a relíquia do corpo de um jovem mártir chamado São Vicente, o Moço, que ficou
exposto num dos altares laterais. SOEIRO, Penafiel, apud, Idem ibidem, p. 575. Parece que a igreja já
não existe e se desconhece o paradeiro da relíquia.
163
Idem, ibidem, p. 577.
164
Idem, Ibidem, p. 577.
165
História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta (1871) e nos Anais do Município da Horta
(1943), apud, BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo... op. cit., p. 33-35.
88

citado por Biga, não havia até 1717, outra Igreja ou Convento do Carmo nos Açores,
para além do templo do Faial166.
A capela dos Terceiros ficava contígua à Igreja conventual, possuía um
belíssimo altar-mor de estranhíssimo desenho, composto de três pares de colunas retas,
frontão raionado interrompido por elementos decorativos em curvas. Nas laterais,
estavam localizados, então, os oito nichos para os Passos da Paixão de Cristo,
inventariados pela historiadora citada, de dimensões quase naturais167.
Como supôs Bayón, baseado no Padre Júlio Rosa, o conjunto foi uma
encomenda ao escultor régio de D. João V. Como o reinado deste soberano se estendeu
por toda a primeira metade do século XVIII, é possível datar as peças como
pertencentes ao segundo quartel deste século, que irá coincidir com a análise estilística
como veremos mais à frente168.
Em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, dos Açores, a notícia é de que houve
uma irmandade dedicada a Nossa Senhora do Carmo, estabelecida em 1766, na igreja da
Misericórdia e não uma Ordem Terceira, como supúnhamos. Em 1768, colocaram a
imagem de Nossa Senhora do Carmo num dos altares laterais da Igreja169. Vários altares
de Irmandades da Virgem do Carmo estão presentes em Igrejas Matrizes e outros
edifícios religiosos, assim como os da Irmandade do Escapulário. Ainda no Funchal,
encontramos uma residência feminina das carmelitas descalças, o antigo Convento da
Encarnação, fundado em 1660, extinto quando a última religiosa morreu em 1890 e
demolido em 1906. Dele restou apenas a capela de Nossa Senhora da Encarnação170.
Bayón menciona esta última Ordem Terceira como independente, tendo sido
instituída em 1652, pelo Padre Luís do Rosário, na igreja da Encarnação. Porém, em
1656 lançam a pedra fundamental para a igreja própria. Igreja que teve a “capela-mor
[...] mandada executar por Pedro Gonçalves Brandão, cujo mausoléu, armoriado e
suportado por dois leões, figura junto à parede lateral esquerda”. A igreja parece ainda
possuir boa imaginária, cuja procedência é lisboeta: “uma Nossa Senhora de Monte do
Carmo, de madeira policromada e dourada, do século XVII; uma Pietá policromada e

166
Idem, ibidem, p. 33-35.
167
Idem, ibidem, p. 39.
168
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm..., op. cit., p. 577.
169
Idem, ibidem, p. 577.
170
GOMES, Eduarda Maria de Sousa. O Convento da Encarnação do Funchal. Subsídios para a sua
história, 1660-1777, Região Antónoma da Madeira, Secretaria regional de turismo e cultura/ Centro de
estudos de história do atlântico, 1995, p. 17-18.
89

dourada, de terracota, de cunho popular e uma escultura do século XVIII, de madeira


policromada, na qual figura a Virgem sentada sobre uma nuvem, rodeada de anjos”171.
Bayón assegura ainda que se celebrava a Procissão do Triunfo, quando nela
“desfilavam imagens da Paixão, como a do Cristo da Paciência, talha do artista
madeirense Nicolau de Lira, adquirida em 1753”172. O autor, entretanto, não nos
informa a origem de sua fonte, por isso não conseguimos apurar se a Ordem Terceira foi
realmente independente.
E por curiosidade, encontramos um compromisso da Venerável Ordem Terceira
do Carmo, de 1815, da cidade de Alcácer do Sal, na Biblioteca Nacional de Lisboa,
embora nenhum autor mencione esta cidade como tendo uma edificação carmelita.
Neste documento, pode-se ler a descrição detalhada da Procissão do Triunfo da Paixão
do Senhor, assunto a ser abordado em capítulo especifico.
Quanto aos Terceiros Descalços em Portugal, Frei David do Coração de Jesus,
em sua obra sobre a reforma teresiana em Portugal, não menciona a irmandade de leigos
e como sabemos que nos primeiros estatutos e regras dos Descalços não estava previsto
a instalação de Ordem Terceira, só encontraremos três exemplares de Ordens Terceiras
ligadas aos Descalços no território português já citados anteriormente: Tavira, Porto e
Vila Real.
A Ordem Terceira dos Descalços na cidade de Tavira foi instalada em 1727, no
antigo convento dos Eremitas de São Paulo, sendo mais um caso de instituição anterior
ao convento de Ordem Primeira. O Convento dos Descalços de Tavira só teve as obras
iniciadas em 1745, com os terceiros mudando-se para lá em 1747, localizado no alto de
São Brás173. Atualmente, a Igreja dos Terceiros de Tavira apresenta um conjunto de
retábulos, que segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira são da última fase da
evolução do gosto rococó da região, “da proposta inicial do retábulo de Santo Elias,
cuja graciosa ornamentação é subordinada à estruturação arquitetónica, à audaciosa
composição dos retábulos colaterais do centro nos quais o ornamento adquire
significação primordial, subvertendo a lógica arquitetural, provavelmente sob a
influência de gravuras de Augsburgo. Na capela-mor as duas tendências estão em
equilíbrio, definindo um dos espaços mais harmoniosos do rococó algarvio, completado

171
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm..., op. cit., p. 519-522.
172
Idem, ibidem, p. 527.
173
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 27-28.
90

pela pintura do forro em perspectiva, que apesar de ter sido executada já em princípios
do século XIX, mantém as estruturas composicionais do rococó”174.
O altar-mor segundo Francisco Lameira foi “ajustado, no dia 9 de Agosto de
1780, pelo entalhador Patrício Malatesta, estrangeiro, regulado pelo desenho ou
prospecto feito pelo mestre Domingos de Almeida, este último da cidade de Lisboa,
pela importância de 920$000 réis, fora o custo da madeira175.”
O edifício dos Terceiros do Porto é da segunda metade do século XVIII, porém a
Irmandade foi instituída num dos altares laterais da antiga igreja conventual em 1736 e
os estatutos foram providenciados: “El Superior Provincial, Fr. José de Santa
Eufrosina, delego la preparación de lós estatutos de esta V. O. T. al Prior del
Convento, Fr. Mauricio de Jesus Maria y José, y el M. R. P. Nicolás de Jesús Maria,
General dos Carmelitas Descalzos de la Congregación de España, los aprobó en le
Definitorio General celebrado en Pastrana el dia 24 de Mayo de 1751 y lós rubrico en
el Convento de San Hermenegildo, em Madrid, el dia 9 de Julio del mismo año. Fueron
impresos en Coimbra en El año 1756”176.
A construção da igreja só teve início em 1756, com o lançamento da pedra
fundamental, em terreno comprado junto à igreja da ordem primeira, em escritura
publica de compra e venda de 13 de maio do ano de 1751. O risco definitivo, entretanto,
data de 1762, com a igreja abrindo ao culto apenas em 1768. O projeto do edifício
coube a José de Figueiredo Seixas, com algumas intervenções de Nicolau Nasoni177.
Esta é a única igreja dos Terceiros em Portugal à maneira das encontradas no
Brasil, isto é, com as duas igrejas lado a lado, estando a conventual ao centro, seguida
do próprio convento de um lado e da igreja dos leigos do outro. E ainda, é a única que
apresenta o programa decorativo incorporando os sete Cristos dos Passos da Paixão nos
altares da nave e da capela-mor, inseridos em arcadas rasas, separados por pilastras com
capitéis compósitos. A fatura da talha dos altares é de autoria conhecida, o altar-mor foi

174
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso no Brasil e seus antecedentes
portugueses, São Paulo, Cosac & Naify, 2002, p. 162
175
LAMEIRA, Francisco, Retábulo no Algarve, [Faro], Departamento de História, Arqueologia e
Património da Universidade do Algarve, 2007, p. 111. (Promontoria Monográfica História da Arte 03)
176
SANTA TERESA, Frei Higino de, apud LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA,
Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ... op. cit., p. 2.8.
177
QUARESMA, Maria Clementina de Carvalho, Inventário Artístico de Portugal. Cidade do Porto,
Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1995, Vol. XIII, p. 188. E ainda segundo José Fernandes
Pereira, em Arquitetura barroca em Portugal, Lisboa, Ministério da Educação e Cultura, 1986, p. 120.
[...] Seixas foi o autor da igreja da Ordem Terceira do Carmo, iniciada em 1756, cujos planos da
fachada foram alterados em 62, após crítica de Nasoni. [...]
91

confeccionado em 1773, por Francisco Pereira Campanhã. Ao centro está entronizado o


Crucificado, ladeado por Santa Ana e por Maria, sob a invocação do Carmo178.
Nos altares laterais da nave, figuram as outras seis representações dos Cristos da
Paixão. A talha desses altares é um pouco anterior à do altar-mor (1771), do mesmo
entalhador, Francisco Pereira Campanhã. O estilo é já o rococó, com a permanência das
colunas torsas e anjos assentados no frontão superior. Entronizados nos altares, estão, a
partir da entrada, à direita, o Cristo da Flagelação; Cristo da Prisão e Criso no Horto; à
esquerda, a partir da entrada, Coroação de espinhos; Ecce Homo (Eis o Homem) e o
Cristo com a cruz às costas (Senhor dos Passos). Neste último, sob o altar, encontra-se o
Senhor Morto179. Tais esculturas serão estudadas detalhadamente no próximo capítulo.
A Ordem Terceira de Vila Real foi fundada em 1780, a partir de um grupo de
devotos a Nossa Senhora do Carmo que desejavam instituir uma Irmandade a Virgem
na Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real180. Projeto inviabilizado, pois, os
irmãos da misericórdia não queriam perder os seus privilégios, então, em 1774, os
leigos carmelitas obtiveram licença para instituírem a irmandade na Igreja de São Pedro.
Foi só em 1780 que a Confraria a Virgem do Carmo se converteu em Ordem
Terceira, obtendo as licenças necessárias da rainha D. Maria I, do excelentíssimo
Arcebispo de Braga, D. Gaspar, e do Geral dos Carmelitas, Fr. João de São Joaquim.
Assim como foi do rei de Portugal, D. Pedro III, que conseguiu o terreno para a
construção de uma igreja própria, benta em 1786. Os estatutos foram confirmados em
1792181.
Igreja que no seu projeto seria grandiosa e monumental, porém, foi construída
parcialmente, permanecendo incompleta até os dias atuais. Atualmente a Igreja da
Ordem Terceira do Carmo está ao serviço do Paço Episcopal da Diocese de Vila Real, a
Ordem encontra-se inativa e o arquivo foi entregue aos cuidados do Arquivo Distrital de
Vila Real, em 1985182.

178
Idem, ibidem, p. 189.
179
Idem, ibidem, p. 189.
180
Ainda hoje existe um altar dedicado a Nossa Senhora do Carmo na Igreja da Santa Casa da
Misericórdia de Vila Real, cujo risco pode ser atribuído a André Soares da Silva do terceiro quartel do
século XVIII, podendo ser da oficina bracarense. Ver: LAMEIRA, Francisco, Retábulos das
Misericórdias Portuguesas, [Faro], Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade
do Algarve, 2009, p. 147. (Promontoria Monográfica História da Arte 04)
181
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 29.
182
Idem, ibidem, p. 29.
92

Resumindo, atualmente, encontramos um numero indefinido de Ordens


Terceiras instituídas nas Igrejas conventuais carmelitas, sejam da Antiga Observância,
quanto dos Descalços. Enquanto existem sete igrejas de Ordem Terceira independentes:
Lisboa, Viseu, Faro, Porto, Tavira, Beja e Horta.
Os conjuntos íntegros dos sete Cristos da Paixão são encontrados nas igrejas das
Ordens Terceiras do Carmo das cidades de Faro, Lisboa, Horta, Beja, Tavira e Porto.
Nas duas primeiras, os conjuntos possuem datação e autoria documentalmente
comprovada. Já o conjunto da igreja da ilha de Horta, conservado hoje na Igreja Matriz
da cidade, segundo o Padre Júlio Horta, constituiu uma encomenda feita ao escultor
régio de D. João V183, enquanto o de Beja compõe-se de peças de diversos períodos e o
de Tavira é do século XIX, ou mais recente. O conjunto da Igreja dos Terceiros
Descalços do Porto é da segunda metade do século XVIII. Resquícios do conjunto dos
Cristos da Paixão são encontrados nas Igrejas dos conventos de Moura (três
exemplares) e de Évora (três exemplares); e ainda, na igreja dos leigos de Viseu (dois
exemplares).

O grupo dos sete Cristos da Procissão do Triunfo tinha como principal função o
uso nas celebrações específicas da Ordem: no quarto domingo da Quaresma e na
procissão do Triunfo na última sexta-feira da Quaresma ou no Domingo de Ramos. Em
Portugal, poucos casos, também tiveram a função devocional, quando as imagens
faziam parte do programa decorativo das igrejas, como na Igreja dos Terceiros do Porto.
Sabemos, via fonte documental, de descrições e narrativas, que era comum, nos séculos
XVII e XVIII, a celebração da Procissão do Triunfo. Portanto, muitos dos grupos que
participaram dessa manifestação religiosa não sobreviveram aos séculos. Na maioria das
igrejas, alguns exemplares escultóricos dos Cristos, utilizados na procissão em estudo,
restam hoje esquecidos, alguns ainda são utilizados nas celebrações da Semana Santa.

183
Do lado norte fica a capela dos Terceiros contígua à igreja, com rico e elevado retábulo, com oito
nichos laterais para as imagens do Triunfo da Paixão de Cristo e o nicho central para um grande
crucifixo e sobre o altar a imagem do Senhor Morto, esculturas de rara beleza, do escultor régio de D.
João V tem [sic] 15,95 m de comprimento por 5,9 m de largura e 7,48 m de alto até a cimalha». Em
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 358. E ainda: SERRÃO, Vítor, As Igrejas do
Salvador…, op. cit.
93

Conventos da Ordem do Carmo da Antiga Observância com as respectivas datas


de fundação e instalação das Ordens Terceiras184.

Designação do Convento Localidade Data de Ordem


fundação Terceira
Convento de N. Senhora do Carmo Moura 1251 c. 1615
Convento de Santa Maria do Carmo Lisboa 1389 c. 1615
Convento de Santa Ana Colares / Sintra 1450 ?
Convento de Nossa Senhora das Vidigueira 1496 1671
Relíquias
Convento de N. Senhora do Carmo Tapada de Beja 1526
Convento de São Tomé Évora 1531 1691
Colégio de Nossa Senhora da Coimbra c. 1536 ?
Conceição do Carmo
Convento de Nossa Senhora do Lagoa 1550 1736
Socorro
Convento de São Gregório Torres Novas 1558 ?
Convento de N. Senhora do Carmo Setúbal 1598 1674
Convento de São Romão Alverca (Vila 1600
Franca de Xira ?)
Convento Nossa Senhora do Socorro Camarate 1602 1654
Convento de Nossa Senhora da Boa Faial - Horta 1649 1693
Viagem
Convento de N. Senhora do Carmo Lordelo
Convento ? Funchal 1652 1652
Ordem Terceira: independentes
Beja 1690
Faro 1713
Viseu 1733
Pombal 1726
Outras
Igreja da Misericórdia Angra do 1766
Heroísmo
Igreja de São Julião Vila Franca de 1688
Xira /Alverca (?)
Serpa 1645
Almada
Abrantes
Penafiel
Alcácer do Sal
Lagos
Tentúgal
Guimarães

184
Datas referenciadas a partir da publicação do BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., A história da
Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, 2001. Pode haver discordância com outros textos e
outras pesquisas.
94

Conventos da Ordem Segunda do Carmo da Antiga Observância, com as


respectivas datas de fundação185.

Designação do Convento Localidade Data de Ordem


fundação Terceira
Convento de Nossa Senhora da Beja /Tapada de 1541
Esperança Beja
Convento de Nossa Senhora da Lagos 1557
Conceição
Convento de Nossa Senhora da Tentúgal 1559
Natividade
Recolhimento de Nossa Senhora do Cuba 1652
Carmo
Convento de São José Guimarães 1700

185
Datas referenciadas a partir da publicação: BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., A história da
Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, 2001. Pode haver discordância com outros textos e
outras pesquisas, exemplo para os conventos femininos:
Em Portugal, do ramo feminino fundaram-se o Convento da Esperança de Beja (1542) que se iniciou
com duas castelhanas e o Convento da Conceição de Lagos (1557) cujas primeiras freiras vieram de
Beja. Posteriormente, fundaram-se o Mosteiro de Tentúgal (1560) e o Convento de São José de
Guimarães (1704). SIMÕES, João Miguel, Contributo para o estudo do Convento de Nossa Senhora da
Conceição de Lagos. Disponível em http://www.academia.edu/1787675/ Contributo_ para_o_ Estudo_do
Convento_de_Nossa_Senhora_da_Conceicao_de_Lagos
95

Conventos da Ordem dos Carmelitas Descalços com as respectivas datas de


fundação e instalação das Ordens Terceiras186

Designação do Convento Localidade Data de Ordem


fundação Terceira
Convento de Nossa Senhora dos Lisboa 1581/ 1611
Remédios
Convento de Nossa Senhora dos Évora 1594
Remédios
Convento de Nossa Senhora do Figueiró dos 1600
Carmo Vinhos
Convento de Nossa Senhora do Aveiro 1613
Carmo
Convento de Nossa Senhora do Porto 1617 1736
Carmo
Convento de Nossa Senhora do Viana do Castelo 1618
Carmo
Convento de Santa Cruz Buçaco 1628
Convento de Nossa Senhora da Olhalvo 1648
Conceição
Convento de Nossa Senhora do Braga 1653
Carmo
Convento de Nossa Senhora do Vila do Conde 1755
Carmo
Convento de Nossa Senhora da Cascais 1594
Piedade
Convento do Espírito Santo Altér do Chão 1595
Convento de São José Coimbra 1603
Convento de Nossa Senhora dos Lisboa 1606
Remédios
Convento de Santa Teresa de Jesus Santarém 1646
Convento de Corpus Christi Lisboa 1647
Convento de Santa Teresa Setúbal 1660
Convento de Corpus Christi Lisboa 1661
Convento de São João da Cruz Carnide/ Lisboa 1681
Convento de Nossa Senhora do Tavira 1737 1727
Carmo

Convento de Nossa Senhora do Faro 1766


Carmo

Igreja de Nossa Senhora do Carmo Vila Real 1780

186
Datas e fundações referenciadas a partir da publicação: LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José
João; e VECHINA, Frei José Carlos, Retábulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, Faro, Universidade
do Algarve, 2015 (Promontoria monográfica História da Arte, 11), p. 14-29.
96

Conventos femininos da Ordem dos Carmelitas Descalços com as respectivas datas


de fundação187

Designação do Convento Localidade Data de Ordem


fundação Terceira
Convento de Santo Alberto Lisboa 1585
Convento de Santa Teresa de Jesus Carnide/Lisboa 1642
Convento de São João Evangelista Aveiro 1658
Convento de São José Évora 1681
Convento de Nossa Senhora da Cardaes / Lisboa 1681
Conceição
Convento de Santa Teresa de Jesus Coimbra 1739
Convento de Santa Teresa de Jesus Braga 1767
Convento de Nossa Senhora do Viana do Castelo 1780
Desterro
Convento do Santíssimo Coração de Lisboa 1781
Jesus / Basílica da Estrela

Convento de Nossa Senhora da Funchal 1660


Encarnação / demolido em 1906
Convento de São José Porto 1702

187
Datas e fundações referenciadas a partir da publicação: LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José
João; e VECHINA, Frei José Carlos, Retábulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, Faro, Universidade
do Algarve, 2015 (Promontoria monográfica História da Arte, 11).
97

Fig. 07 - Tarja carmelita, Antiga Observância, segunda metade do século XVIII.


Antiga Igreja conventual de Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro.

A ORDEM DE NOSSA SENHORA DO CARMO NO BRASIL


98
99

3.1 A Ordem de Nossa Senhora do Carmo no Brasil: as primeiras fundações

O caminho percorrido pela Ordem de Nossa Senhora do Carmo no território


brasileiro, desde a chegada dos primeiros frades, nas expedições portuguesas do século
XVI, até a fixação definitiva e a expansão nos séculos XVII e XVIII, seguiu, como seria
de prever, o itinerário da colonização.
Ainda no século XVI a preocupação com a proteção do novo território
ocasionou a construção de fortalezas para defesa militar e de feitorias que serviam de
entreposto comercial. Vieram em seguida as construções religiosas, da igreja secular e
das ordens religiosas. Na expedição de Pedro Álvares Cabral contava-se oito sacerdotes
100

seculares e oito frades da Regra de São Francisco, porém, só ficaram no território


brasileiro dois cristãos degredados188.
O rumo seguido pelas ordens religiosas foi o longo litoral brasileiro, escolha
determinada pelas condições geográficas. Até a descoberta do ouro e a definitiva
fixação no interior, os primeiros habitantes e missionários não quiseram saber da
“largura que a terra do Brasil tem para o sertão [...], porque até agora não houve
quem a andasse, por negligência dos portugueses que, sendo grandes conquistadores
de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo
do mar como caranguejos”189, na famosa observação de Frei Vicente do Salvador, de
1627.
O século XVII foi o período dos primeiros edifícios das Ordens religiosas
masculinas, compreendendo geralmente um convento em torno do claustro e uma igreja.
Já o século XVIII consistirá na era construtiva das Irmandades e das Ordens Terceiras,
além é claro da igreja secular. As Ordens terceiras podiam possuir uma igreja própria ou
apenas um dos altares nas igrejas conventuais, no primeiro caso, situavam-se ao redor
dos conventos masculinos, estando presente nas principais vilas e cidades.
O principal objetivo desta pesquisa são as representações escultóricas dos
Cristos dos Passos da Paixão, que as Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do
Monte do Carmo utilizavam devocionalmente nos programas iconográficos de suas
igrejas, nos altares, e, também, na principal manifestação de fé dos terceiros, a
Procissão do Triunfo. Para o melhor entendimento do assunto, acompanharemos o
caminhar dos carmelitas pelo território brasileiro, a partir dos seus principais
monumentos dos séculos XVII e XVIII.
O governo português, a partir de 1530, tentou utilizar o sistema de capitanias
hereditárias para administrar o novo território, que não resultou proveitoso para a Coroa.
Então, escolheu-se uma cidade, Salvador, para receber um governo centralizado e geral,
a partir de 1549. Salvador apresentava a melhor localização, pois ficava, literalmente,
no centro geográfico e político do então ‘descoberto’ Brasil.
As principais expedições de reconhecimento da terra partiam de Salvador, para o
sul e para o norte. Ao sul, elas chegaram à vila de São Vicente (1532), instalada por
Martin Afonso de Sousa, donatário da Capitania de mesmo nome, e, formaram a

188
CAMPOS, Adalgisa Arantes, Arte Sacra no Brasil colonial, Belo Horizonte, c/arte, 2011, p. 31.
189
SALVADOR, Frei Vicente do, História do Brasil. Livro primeiro em que se trata do descobrimento
do Brasil, costumes dos naturais, aves, peixes, animais e do mesmo Brasil. Escrito na Bahia, a 20 de
dezembro de 1627. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/bn000138.pdf
101

‘cidade’ do Rio de Janeiro, em 1565, recuperando uma região que se encontrava em


posse dos franceses. Alcançaram ainda Santos, vila vizinha de São Vicente, e, por fim,
Angra dos Reis, vila ao sul do atual estado do Rio de Janeiro. Ao norte, além de Olinda,
instalada em 1535, pelo donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, e
elevada à vila em 1537, fundou-se Filipeia (atual João Pessoa), em 1585, e, finalmente,
Natal, no Rio Grande do Norte, em 1595. No extremo Norte, os franceses haviam
tomado posse do Maranhão, criando a cidade de São Luís (famoso rei santo de França,
que foi terceiro franciscano e carmelitano190). Em 1614, os portugueses chegam e
retomam a cidade. De São Luís, partem para desbravar o delta do Amazonas,
estabelecendo-se em Belém, em 1616 e, em seguida, fundam Alcântara. Para Nestor
Goulart Reis Filho, tais localidades fundadas pela coroa portuguesa são as ‘cidades do
rei’, em oposição às ‘vilas dos donatários’, aquelas que surgiram a partir da fixação das
capitanias hereditárias191.
Portanto, apesar de todas as investidas reais, a fixação da população no território
brasileiro dependia de condições de sobrevivência material e de governabilidade. Nesse
momento, a Igreja, como instituição, cumprirá um papel decisivo. Foi através da Bula
Aeterni Regis Clementia, de 21 de junho de 1481, que o papa Sixto IV ratificou os
acordos estabelecidos pela Santa Sé e os reis de Portugal, anteriormente reconhecidos
por Nicolau V e Calisto III, no acordo político conhecido com o nome de Padroado
Régio192. Esse sistema permitia a fixação de religiosos nos territórios conquistados, com
a ajuda da Coroa Portuguesa, que, por sua vez, tinha o aval e a autorização do Papa para

190
MARIA, Frei Joseph Jesus, Thesouro Carmelitano, Manifesto, e offerecido aos Irmãos, e Irmans da
Veneravel Ordem Terceira da rainha dos Anjos, e Mãi de Deos, Senhora do Carmo, Lisboa , Na Officina
de Miguel Manescal da Costa, impressor do santo Officio, anno M DCC LXIII (1758), p. 175. (Primeira
edição 1705)
191
FILHO, Nestor Goulart Reis, Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial, São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, Imprensa oficial do estado, 2000, p. 74.
192
O Padroado era um sistema político em que o sumo pontífice concedia ao rei e seus descendentes o
monopólio das navegações, ou seja, o direito de conquistar novos territórios e as terras dos ‘infiéis’. Do
pacto com a Santa Sé, ficou a autorização para os monarcas construírem e manterem as igrejas e casas
religiosas e fundarem dioceses. Cabia-lhes também a jurisdição sobre as autoridades eclesiásticas, que
compreendia a nomeação de bispos e a circulação dos clérigos nos novos territórios. O Padroado
Português não foi concedido em uma única determinação papal. Resultou de concessões adquiridas
mediante negociações entre Portugal e Roma. A primeira bula Dum Di Versas, de 1452, do Papa Nicolau
V concedia ao rei D. Afonso V e a seus descendentes a possibilidade de subjulgar todos os reinos e as
terras de muçulmanos e infiéis, além de possuir os seus bens. A bula seguinte, Romanus Pontifex, de
1455, estabeleceu que os Reis portugueses poderiam fundar e erigir igrejas, além de proverem o clero nas
conquistas. Calisto III concedeu à Ordem de Cristo – que tinha o Infante D. Henrique como o regedor – o
direito de padroado, de cobrança de dízimos e de administração espiritual dos espaços conquistados pelos
portugueses. Até, finalmente, a bula Aeterni Regis Clementia, de 1481, do papa Sixto IV, que reafirmou
os direitos e deveres da Coroa portuguesa. Maiores informações em: FARIA, Patrícia Souza de, A
conversão das almas do Oriente – franciscanos, poder e catolicismo em Goa: séculos XVI e XVII. Tese
de Doutoramento em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008, p. 77-78.
102

controlar os interesses comuns a ambos, tanto no âmbito político e econômico como no


religioso.
Nos séculos XVI e XVII, Portugal manteve um interesse especial nas suas
possessões do Oriente, assim como tentava atuar nas áreas colonizadas ao longo das
costas do continente africano ocidental e oriental. Os jesuítas tiveram um papel
preponderante nas relações comerciais, visto que seus religiosos, empenhados na
evangelização e nas ações catequéticas, logo se estabeleceram em experiências de
alteridade com as populações autóctones, participando incisivamente das operações
mercantis e intercâmbios culturais e comerciais. Além dos jesuítas, franciscanos,
dominicanos, oratorianos e capuchinhos também marcaram presença no Oriente.
No Brasil, a colonização ocorreu com certa parcimônia, pois a primeira intenção
foi a provisão de riqueza imediata, com o extrativismo do pau-brasil. A partir da
introdução de culturas cíclicas, como a da cana de açúcar, viu-se a possibilidade de gerir
bens, e o interesse começou a mudar. A primeira ordem religiosa a desempenhar um
importante papel na América portuguesa também foi a dos jesuítas, que chegam em
1549. Logo a seguir os franciscanos fixam-se, apesar de, como vimos, “já aportaram
com Cabral em 1500, mas que não haviam constituído propriamente uma unidade
religiosa, tendo mesmo alguns frades decaído aos costumes da gente local”193. A seguir
vieram beneditinos, carmelitas e dominicanos.
A Ordem Carmelita desempenhou um importante papel no processo de
colonização. Não teve o impacto dos jesuítas nem dos franciscanos, mas se estabeleceu,
ao longo do litoral, através de excelentes complexos arquitetônicos, além de hospícios,
e, algumas tímidas missões evangelizadoras194.
A título de exemplo comparativo da diversidade quantitativa das Ordens
religiosas no Brasil, em meados do século XVIII, só o Bispado de Pernambuco possuía
“[...] dois mosteiros e quatro hospícios de São Bento, oito conventos de São Francisco,
um de religiosos Barbadinhos Italianos, e um hospício dos esmoleres de Jerusalém.
Quatro conventos, e cinco hospícios dos Carmelitas reformados. Dois conventos, e dois
hospícios de Carmelitas observantes, e um convento e um hospício de Carmelitas
descalços. Tem quatro colégios, dois seminários e um hospício dos padres jesuítas. Um
convento e um hospício dos padres congregados de S. Filipe Neri. Quatro

193
KEHL, Luís Augusto Bicalho, Simbolismo e profecia na fundação de São Paulo: uma casa de
Piratininga, São Paulo, Terceiro Nome, 2005, p. 41.
194
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas sobre as missões carmelitas no Extremo Norte do Brasil
(séculos XVII-XVIII), Recife, 1941.
103

recolhimentos de Donzelas, e mulheres honestas, que vivem em clausura como


religiosas em seus claustros. [...] Tem cinco casas de Misericórdia, e dois hospitais
onde são curados muitos enfermos. [...] O amparo da pobreza, e necessidades do povo,
e peregrinos está a cargo dos moradores; por que todas as suas casas se podem com
razão chamar de casas de misericórdia. Tem inumeráveis residências que administram
eclesiásticos seculares, e regulares, e infinitos templos, igrejas, capelas e oratórios.
[...] Os regulares são recolhidos, exemplares, e penitentes. As ordens terceiras
fervorosas exercitam com devoção, grandeza, e decoro todas as funções concernentes à
honra, e ao serviço de Deus. As irmandades, e confrarias ilustram sua piedade, no
obséquio dos santos, no subsídio da pobreza e no ornato dos templos e dos altares”195.
(grifo nosso)
Na listagem de Loreto Couto são, portanto, oito conventos franciscanos, outros
tantos jesuítas, dois beneditinos e sete Carmelitas, divididos entre observantes,
reformados (turônica) e descalços, no território da antiga capitania de Pernambuco. Em
todo o Brasil tivemos, portanto, até fins do século XVIII, vinte conventos Carmelitas de
Ordem Primeira, dezoito da Antiga Observância, destes, quatro seguiram a reforma
Turônica, e, dois dos Descalços, complexos estes que até hoje não mereceram um
estudo especifico com pesquisa individual e detalhada. E, ainda, se deve incorporar os
dois únicos conventos femininos, dos Carmelitas Descalços, nas cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo, sendo que do último nada restou da edificação original, foi
transferida para novas instalações no século XX, devido ao crescimento desmedido da
maior cidade do Brasil. Ainda restaram duas edificações religiosas com as respectivas
igrejas fruto da instalação de dois hospícios, que não chegaram a ser conventos.
A literatura carmelitana respeitante aos séculos XVII e XVIII, no Brasil é
limitada, não existindo uma única obra sobre a história da Ordem do Carmo no Brasil.
Por esse motivo, as fontes desta pesquisa são as publicações de caráter geral, feitas por
historiadores da Ordem do Carmo para Portugal e Espanha, que tangenciam o Brasil,
tais como a de Frei Manuel de Sá, do século XVIII, e a do espanhol Frei Balbino
Velasco Bayón, do século XXI. Dois especialistas que, em suas obras, dedicaram
capítulos ao território brasileiro e que já foram a principal fonte para a parte anterior.

195
LORETO COUTO, D. Domingos, Desagravos do Brasil e glorias de Pernambuco, Recife, Prefeitura
da cidade do Recife / Secretaria de Educação e Cultura / Fundação de cultura cidade de Recife, 1981, p.
188-189. (Primeira edição de 1904, feita a partir dos manuscritos de 1757)
104

Se obras gerais sobre a Ordem do Carmo no Brasil são escassas, pode-se


imaginar que o mesmo se passe com relação às Ordens terceiras e suas fábricas, que
tiveram uma importância inigualável no território brasileiro, a partir de fins do século
XVII e, principalmente, no XVIII. Os leigos cumpriram um papel especial na
divulgação dos princípios do Concílio de Trento, pois nele se reafirmou a importância
das organizações civis, nas versões das Confrarias, Ordens Terceiras e Irmandades, que
existiam desde fins da Idade Média.
Obras específicas sobre a história das irmandades e das fábricas dos leigos
carmelitas são poucas e, via de regra, focam um determinado período histórico ou uma
determinada região, ou mesmo um único monumento, em trabalhos monográficos
específicos. Com relação ao Brasil, não podemos deixar de citar o livro do Frei
carmelita, André Prat, pesquisador incansável das missões carmelitas no norte e
nordeste brasileiro196. O mesmo autor, já como pesquisador do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, fez pequenos resumos históricos dos principais
monumentos da ordem, que hoje integram o acervo do Arquivo Central do IPHAN197.
Sobre as Ordens Terceiras do Carmo, é possível encontrar monografias
específicas. Referente à cidade do Rio de Janeiro, há a obra do historiador Bento José
Barbosa Serzedelo,198 que fez o levantamento histórico desde a fundação, em 1648, até
o ano do seu mandato frente à Ordem Terceira, em 1872, e ainda o Breve relato sobre a
Igreja do Carmo, feito pela conservadora do Museu Histórico Nacional, Therezinha de
Moraes Sarmento199, baseado nas memórias de Vieira Fazenda, publicadas na Revista
do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil200. Quanto a Minas Gerais, com as suas
seis igrejas dos terceiros carmelitas: Diamantina, Mariana, Ouro Preto, Sabará, São João
del Rei e Serro, só encontramos estudos específicos sobre a de Ouro Preto, do arquiteto
Antônio Francisco Lopes. Trata-se de um excelente levantamento documental da fábrica

196
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit.
197
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Resumo Histórico’, Pasta de Inventários dos complexos arquitetônicos
carmelitas do Brasil. Arquivo central do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
Rio de Janeiro. Esses resumos constavam de algumas datas históricas e de uma descrição sumária de cada
monumento carmelita. Pensamos tratar-se de um primeiro estudo para uma futura publicação sobre os
Conventos da Ordem no Brasil.
198
SERZEDELO, Bento José Barbosa, (coord.), Archivo histórico da Venerável Ordem Terceira de
Nossa Senhora do Monte do Carmo, erecta no Rio de Janeiro, desde sua fundação em 1648 até 1872, Rio
de Janeiro, Typographia Perseverança, 1872.
199
SARMENTO, Therezinha de Moraes ‘Breve relato sobre a Igreja do Carmo’, publicado em Anais do
Museu Histórico Nacional, XV, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1965.
200
FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro, publicadas na REVISTA do
Instituo Histórico e Geográfico Nacional, volumes 86 (140), 1919; 88 (142), 1920; 89 (143), 1921; 93
(147), 1923 e 95 (149), 1924.
105

da igreja, embora não dedique uma linha sequer ao acervo escultórico: os exemplares
201
dos Cristos da Paixão dos altares laterais . Ainda, de grande utilidade da série de
guias publicados pelo IPHAN e Monumenta, são os dois guias dedicados às Igrejas
barrocas e rococós das cidades de São João del Rei e Tiradentes; e de Ouro Preto e
Mariana, ambos coordenados por Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira com a
colaboração no primeiro de Olinto Rodrigues dos Santos Filho e no segundo de
Adalgisa Arantes Campos202.
Com relação aos Estados de Pernambuco e Paraíba, podem ser encontrados
alguns estudos dos historiadores locais Pereira da Costa203, Fernando Pio204 e Fernando
Ponce de León205. Recentemente, saiu o guia das Igrejas barrocas e rococós de Olinda e
Recife, de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira e Emanuela Oliveira206, e, publicou-se
a tese de doutoramento de André Cabral Honor207 sobre o Carmo de João Pessoa. No
que se refere ao estado da Bahia, encontramos diversos estudos sobre o Convento
Carmelita de Cachoeira, entre eles, o de Valentim Calderón, do ano de 1976208 e, há
pouco, a pesquisa coordenada por Maria Helena Ochi Flexor209. Também da mesma
autora, foi publicado, em dois volumes, o guia das igrejas e conventos de Salvador. A
edição de ambos os trabalhos coube ao IPHAN e Monumenta210.

201
LOPES, Antonio Francisco, A história da construção da igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora
do Carmo, Rio de Janeiro, Publicações do SPHAN/ Ministério da cultura e saúde, 1942.
202
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos, Barroco e rococó
nas igrejas de Tiradentes e São João del Rei, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2008. E OLIVEIRA,
Myriam Andrade Ribeiro de e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó nas igrejas de Ouro Preto
e Mariana, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2010.
203
COSTA, F. A. Pereira da, Anais Pernambucanos, 9 volumes, e ainda especifico sobre o Carmo
pernambucano: A Ordem Carmelitana em Pernambuco, Recife, Arquivo Público Estadual, 1976. (Esta
última obra ficou manuscrita e inédita até a edição de 1976. O autor viveu de 1851 a 1923. Logo, é
provável que este manuscrito tenha sido redigido nas duas primeiras décadas do século XX).
204
PIO, Fernando, O convento do Carmo de Goiana e a reforma Turônica no Brasil, Recife, Comissão
organizadora e executiva das comemorações do IV centenário do Povoamento de Goiana, 1970.
205
LEÓN, Fernando Antônio Dantas Ponce de, Carmelitas descalços – Terésios – em Pernambuco.
Padroado e Vida Conventual, Recife, Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História
da Universidade Federal de Pernambuco, 1996.
206
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SOUZA, Emanuela, Barroco e rococó nas igrejas de
Recife e Olinda, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2014.
207
HONOR, André Cabral. O verbo mais que perfeito. Uma análise alegórica da cultura histórica
carmelita na América Portuguesa, Belo Horizonte, Fino Traço, 2013. E ainda, HONOR, André Cabral,
‘Memórias azuis: a formação da Ordem Carmelita na azulejaria do Carmo em João Pessoa’, publicado e
Mneme, revista de humanidades, Anais do II encontro internacional de história colonial, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Cairó, v. 9, nº 24, set/out. 2008. Disponível em
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais .
208
CALDERON, Valentim, O Convento e a Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Salvador, 1976.
209
FLEXOR, Maria Helena Ochi; LACERDA, Ana Maria e SILVA, Maria Conceição Barbosa da Costa
(Org.), Conjunto do Carmo de Cachoeira. Brasília DF, IPHAN/ Monumenta, 2007.
210
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2011.
106

O Estado de São Paulo, com os seus quatro complexos carmelitanos e


respectivas igrejas da Ordem Terceira, será um desafio, pois são raros os estudos de
casos sobre as construções religiosas e, mais raro ainda, sobre a Ordem Carmelita.
Exceção foi a publicação de Mário de Andrade, para a Revista do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, sobre Frei Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819), pintor de certa
relevância que trabalhou em alguns dos tetos dos conventos e igrejas paulistas, em
especial os das igrejas carmelitas211. Estão disponíveis ainda algumas obras de cunho
geral tendo igrejas paulistas do período barroco e rococó como o assunto principal212.
Os relatos dos viajantes estrangeiros principalmente os do século XIX, podem se
transformar em uma importante fonte de informação. Vão desde citações e pequenas
referências até descrições detalhadas dos monumentos e dos costumes da população, de
grande interesse para o nosso estudo. Dentre essas obras, abordando o Rio de Janeiro,
evidenciam-se a do comerciante inglês John Luccock213 e a do francês Jean Baptiste
Debret,214 que chegou com a Missão Francesa, em 1816, permanecendo até 1831 na
cidade. Quanto aos estados da Paraíba e de Pernambuco, destaca-se Henry Koster215 e a
Minas Gerais e São Paulo, o viajante francês Saint Hilaire216, assim como a edição com
os desenhos aquarelas do francês Thomas Ender217.
No que concerne ao estado de Minas Gerais, podemos contar com as pesquisas
coordenadas pela Professora Doutora Adalgisa Arantes Campos e seus orientandos, do
Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, uma boa

211
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte Carmelo’, Publicações do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, nº 14, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1945. Reeditado
com texto apurado, notas e um dossiê de documentos: ANDRADE, Mario de, Padre Jesuíno do Monte
Carmelo, São Paulo, Nova Fronteira, 2011.
212
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas: barroco e rococó, São Paulo, UNESP/ Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2003.
213
LUCCOCK, John, Notes on Rio de Janeiro, and the southern parts of Brazil; taken during a residence
of ten years in that country, from 1808-1818, London, Samuel Leigh, 1820. (Notas sobre o Rio de Janeiro
e partes meridionais, Rio de Janeiro, Livraria Martins, 1942. Tradução: Milton da Silva Rodrigues).
214
DEBRET, Jean Batista, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia /
Edusp, 1989. (Primeira edição: Paris, 1831)
215
KOSTER, Henry, Viagens ao nordeste do Brasil, 2ª Ed., Recife, Secretaria de Educação e Cultura do
estado de Pernambuco, 1978.
216
SAINT HILAIRE, Viagem à província de São Paulo, São Paulo, 1945. Auguste de Saint Hilaire
desembarcou no Brasil na comitiva do embaixador no Brasil, Duque de Luxemburgo, com o intuito de
pesquisar e adicionar espécimes para a coleção do Museu de História Natural da França, ficando, no
Brasil, de 1816 a 1822.
217
Estiveram, no Brasil, o inglês Robert Walsh, em 1829, como capelão da comitiva de Lord Stranford, e
o americano Thomas Ewbank, em 1846, entre outros.
107

quantidade de estudos sobre história da cultura e da religião, assim como as festas e


procissões na região218.

3.1.1 Pernambuco, Olinda (1580)

A primeira notícia da intenção de mandar religiosos carmelitas para o Brasil nos


é dada pelo religioso Frei Manuel de Sá. Tal resolução foi tomada ainda no século XVI
pelo monarca português D. Henrique, que “resolveo que se fundase na Paraiba [um
convento], para o que mandou preparar uma poderosa Armada: nomeando por cabo
della a Fructuoso Barbosa, Fidalgo da sua casa”219, a quem ordenou que se fizesse
acompanhar de alguns frades carmelitas, para conversão dos gentios que habitavam
aquele domínio português. Chegaram, então, na expedição de 1580, porém,
desembarcaram em Pernambuco, e não na Paraíba, como previsto, sendo acolhidos pelo
bispo António Barreiros220. Elegeram como local para a primeira fundação a cidade de
Olinda, cujo governador, Jerônimo de Albuquerque Coelho, fez-lhes logo doação de
uma modesta ermida, dedicada a Santo Antônio e a São Gonçalo e situada num pequeno
promontório.
Segundo André Prat, foi no Capítulo de 1583, reunido em Beja, que se autorizou
a fundação do primeiro convento, no Brasil, “[...] na Vila de Olinda, cuja ereção
eficazmente patrocinada pelo Governador da Capitania, oficiais da Câmara e povo
olindense, iniciou Fr. Pedro Vianna no mesmo ano, nas terras que para isso lhe haviam
sido doadas, junto a Ermida de S. Antonio e S. Gonçalo, onde os religiosos estavam
provisoriamente alojados”221.
No testemunho do religioso Loreto Couto, do século XVIII, a cidade de Olinda
era uma “linda cidade episcopal e cabeça da capitania de Pernambuco. Edificada sobre
cinco montes, mais moderados, que altos: no mais elevado deles está edificada a

218
Ver de CAMPOS, Adalgisa Arantes, ‘Piedade barroca, obras artísticas e armações efêmeras: as
irmandades do Senhor dos Passos em Minas Gerais’ publicado em Anais do VI colóquio luso-brasileiro
de História da Arte, Rio de Janeiro, CBHA/ PUC-Rio/ UERJ/ UFRJ, 2004. E ‘Aspectos da Semana Santa
através das Irmandades do Santíssimo Sacramento’ publicado em Revista Barroco, 19, Belo Horizonte,
Centro de pesquisa do Barroco Mineiro.
219
SÁ, Fr. Manoel de, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 178.
220
SÁ, Fr. Manoel, Memórias históricas dos illustrissimos arcebispos, bispos e escritores portuguezes da
Ordem de Nossa Senhora do Carmo, reduzidas a Catalogo Alfabetico, e a seu protector augustissimo el
Rey D. João V. Lisboa Oriental, Officina Ferreyriana, MDCCXXIV (1724). Disponível em:
https://books.google.pt/books?id=W6ddAAAAcAAJ&pg=PA5&lpg=PA5&dq=S%C3%81,+Fr.+Manoel,
+Mem%C3%B3rias
221
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit, p. 28.
108

sumptuosa Igreja Catedral, a Misericórdia com magnífico templo, [...] nos que olham
para o nascente estão edificados os sumptuosos conventos do Patriarca São Francisco,
e Carmo [...]”222.

Fig. 08 – Igreja dos Carmelitas da Antiga


Observância de Olinda, Pernambuco. Foto de
1859, do fotógrafo austríaco Augusto Stahl,
ainda com o convento e a igreja da Ordem
Terceira, demolidos em princípios do século XX.
(Fonte: LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl.
Obra completa em Pernambuco e Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, Capivara, 2001, p. 66 e
67, e, google mapas, 22-03-2016)

222
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 145.
109

Curiosamente o início da fixação dos carmelitas no Brasil, na então vila de


Olinda, foi sob a invocação de um santo franciscano, Santo Antônio, invocação mantida
até os dias atuais com o título de Igreja de Santo Antônio do Carmo. Pouco restou desta
primeira edificação, devido à fragilidade dos materiais e à invasão holandesa, que
destruiu praticamente todas as edificações civis e religiosas portuguesas na região223.
Reconstruído depois da expulsão dos holandeses, o convento de Olinda não
participou da reforma carmelita Turônica, que chegou ao Brasil em fins do século XVII,
nos conventos de Pernambuco e da Paraíba. Permaneceu sob a guarda da Província da
Bahia, mantendo-se na Antiga Observância: “este fato concorreu para a decadência do
convento, o desaparecimento do culto religioso e enfim o seu próprio abandono pela
comunidade, ficando apenas entregue a um padre com o ostensivo título de Prior, que,
em geral, cuidava de tudo, menos zelar pela conservação da casa, tomando mesmo
muitos deles residência fora e daí, depois de dilatados anos, as suas ruínas e por fim o
seu completo desaparecimento com a demolição da fachada principal [1907] ordenada
pela Prefeitura de Olinda”224.
Do conjunto arquitetônico de Olinda, restou apenas a igreja conventual, que,
apesar do abandono de tempos passados, preservou resquícios setecentistas, na
configuração arquitetônica e na decoração interna: dois altares mantiveram o gosto
maneirista. O altar-mor, no entanto, é já do período barroco, e o do Santíssimo
Sacramento, de linguagem rococó, com talha de excelente fatura. “Trata‐se de igreja de
nave única e capelas intercomunicantes, quatro de cada lado e duas maiores marcando
o transepto. É obra delineada no gosto do maneirismo português [...]. Na construção
dessas capelas e nas demais partes da igreja se empregou pedra calcária do lugar com
excelente feitura. Sua fachada pertence a dois momentos das obras: um primeiro
riscado, segundo o gosto das fachadas retabulares das igrejas espanholas do século
XVI, e outro que se regeu pelas formas do barroco português. [...] Um altar em pedra
tem belo retábulo maneirista e se encontra sob a capela da torre do lado do mar. Um
retábulo [...]orna a capela‐mor e por detrás da talha deste se encontra um anterior

223
Os holandeses estiveram no litoral do nordeste do Brasil na primeira metade do século XVII (1630-
1654), nas cidades de Salvador, Olinda e Recife conseguindo permanecer por algum tempo. Afirma-se
que a invasão foi uma consequência do domínio espanhol sobre a península ibérica e os Países Baixos,
quando, então, se proibiu o comércio do açúcar com o Brasil, principal investimento holandês da época.
224
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana em Pernambuco, Recife, Edição do Arquivo Público
Estadual/ Secretaria da Justiça, 1976, p. 102.
110

pintado. No transepto, outro retábulo de gosto rocaille oculta um pintado na segunda


metade do século XVII”225.
Quanto à instituição da Ordem Terceira no convento de Olinda, Pereira da
Costa, informa que, embora não tenha encontrado documentação que confirmasse uma
data segura, obteve notícias da sua existência anterior ao ano de 1694226. Datação
acompanhada por Bayón, que diz ter sido a Ordem Terceira instalada, na cidade de
Olinda, na igreja conventual, ainda antes de 1695227. Igualmente abandonada no século
XIX, nada restou da igreja da Ordem Terceira. Sabe-se que, na fachada principal, sobre
a porta de entrada, lia-se a data de 1772, indicativa da sua construção. Para testemunhar
a sua existência, ficaram algumas fotos, uma delas do fotógrafo austríaco Augusto
Stahl228, de 1859. Na fotografia, a igreja da Ordem Terceira está posicionada à esquerda
da igreja conventual, recuada e de menor dimensão. Na mesma foto, é possível ver, à
direita, parte do convento. Atualmente, o único registro da igreja dos terceiros é o muro
fronteiriço com uma portada suntuosa e frontão sinuoso, onde vemos entalhada a mão
de Elias segurando a espada de fogo229.

3.1.2 Bahia, Salvador (1586)

À Bahia, os frades carmelitas da Antiga Observância230 chegaram em 1586 e


edificaram o convento nos arredores da então vila de São Salvador, sobre uma colina
conhecida por Monte Calvário, na atual ladeira do Carmo, em terreno doado por
Cristóvão de Aguiar Daltro e sua mulher Isabel Figueiroa por escritura de 1592. O casal
também doou a capela de Nossa Senhora da Piedade, utilizada pela família para os
exercícios particulares231.
Pouco restou dessa primeira fábrica, o atual conjunto arquitetônico dos
carmelitas de Salvador, tem grande “importância na configuração paisagística da

225
MENEZES, José Luiz Mota, ‘Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Olinda, Pernambuco’ publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo. Arquitetura e urbanismo,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 145-146.
226
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana … op. cit., p. 114.
227
‘Em Olinda, deve ter sido fundada antes de 1695. [...]’. BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit.,
p. 199.
228
LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl. Obra completa em Pernambuco e Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Capivara, 2001, p. 66 e 67.
229
Impressões tiradas da visita a Igreja do Carmo de Olinda em janeiro de 2015.
230
Segundo Bayón, a expedição que chegou a Salvador trazia os padres carmelitas Alberto de Santa
Maria, Belchior do Espírito Santo e Damião Cordeiro. BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p.
181.
231
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia..., op. cit., p. 71.
111

cidade”232. Compreende o convento, a Igreja conventual e a Igreja dos Terceiros, à


esquerda, recuada e separada por uma edificação, com um pequeno claustro ao centro,
onde está localizado o Museu de Arte Sacra dos terceiros.
O convento teve sua construção iniciada em 1681 e se organiza em torno de dois
pátios, o menor, concluído no século XVII, e o maior, de forma retangular, na segunda
metade do século XVIII. Foi ocupado em 1823 pelas tropas portuguesas, logo após a
independência do Brasil, e a igreja convertida em paiol. Com a consolidação da
independência, a igreja e o convento sofreram obras e ficaram longos anos
abandonados.

Fig. 09 – Convento e Igreja conventual, e, Igreja dos


Terceiros de Nossa Senhora do Carmo, Salvador,
Bahia. Aspecto atual da planta do complexo
arquitetônico. (Fonte: https://www.google.pt/maps)

A igreja conventual dedicada a Nossa


Senhora do Carmo tem linhas clássicas, com uma
única torre, terminada em 1795, marcando a assimetria do frontispício. Apresenta três
entradas em arcos plenos simétricos, e na central uma portada em cantaria de desenho
inspirado nos tratados de arquitetura do século XVII. É composta de colunas laterais,
divididas em sulcos regulares na horizontal233.
O interior tem o protótipo da igreja salão portuguesa, com nave única retangular,
capelas intercomunicantes e capela-mor de menor altura, coberta por uma abóbada. O

232
‘Igreja e Convento do Carmo de Salvador’, Pasta de Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
233
TERENO, Maria do Céu Simões, ‘Conventos carmelitas em Évora (Portugal) e Salvador (Brasil)’
publicado em Atas do ciclo de conferências sobre o “Convento de Nossa Senhora dos Remédios e a
Ordem do Carmo em Portugal e no Brasil”, Évora, 2013. Disponível em http://www2.cm-
evora.pt/conventoremedios/Atas/comunica%C3%A7%C3%B5es/ceu_tereno.pdf
112

altar-mor, de gosto neoclássico, está estruturado em dois pares de colunas retas frisadas,
fruto de reformas do século XIX. Permanece, no entanto, o frontal da mesa do altar, em
prata lavrada, do século XVIII, característica ímpar da ordem carmelita no Brasil. Os
altares do transepto e os laterais são de épocas diversas, datando desde fins do século
XVIII, de gosto rococó, até o XIX e o XX, nos estilos neoclássico e eclético.
O altar-mor, apesar das reformas e da entronização de esculturas do século XIX,
atribuídas a Antonio Machado Peçanha, manteve o programa iconográfico típico das
igrejas carmelitas: Virgem do Carmo, ladeada pelos santos fundadores, Santo Elias e
Eliseu. Segundo Maria Helena Flexor, a pintura do teto da nave, de boa qualidade, é
atribuída “[...] a José Joaquim da Rocha. No entanto, há quem a atribua a José Pinhão
de Matos, por se tratar de pintura sobre madeira. Este fez obras na ordem terceira,
antes do incêndio do fim do século XVIII, mas não consta ter trabalhado na ordem
primeira”234.
A sacristia é uma das mais bonitas das igrejas carmelitas do Brasil. Situada
perpendicularmente à capela-mor, manteve a decoração interna do século XVIII. Nela
sobressai a obra de talha dourada, que inclui um forro em caixotão curvilíneo (trevo),
com painéis pintados representando cenas da vida de Santo Elias. O pequeno altar tem
ao centro um Crucificado e a talha parietal de pouco volume, cobre os espaços entre as
janelas e armários, com fixação de santos devocionais da Ordem: os papas São
Telésforo e São Dionísio, os bispos São Pedro Tomás e Santo André Corsini, obras
requintadas em madeira policromada e dourada, em tamanho quase natural. Ainda é
possível apreciar na sacristia o conjunto de azulejos com temática carmelitana, que
segundo Santos Simões, “apesar das “restaurações” é um belo exemplo de acerto da
decoração com a arquitetura. São os azulejos de fabricação de Lisboa, de oficina
modesta e de época vizinha de 1720-30”235.
Destaque deve ser dado ao Cristo da Flagelação, que atualmente se encontra na
sacristia, mas esteve por muito tempo na capela do noviciado. Essa escultura já foi
atribuída aos dois maiores nomes da imaginária baiana: Francisco das Chagas e Manuel
Inácio da Costa. Porém, acreditamos tratar-se de obra de autor desconhecido, que
também confeccionou o São Pedro de Alcântara, da Igreja dos Franciscanos. Ambas
extravasam a emoção através do contorcionismo do corpo, pleno de sofrimento,

234
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia..., op. cit., vol. 2, p. 85.
235
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822), Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1965, p. 106.
113

irradiado na fisionomia em êxtase. Como já salientado por Myriam Andrade Ribeiro de


Oliveira, as duas esculturas se aproximam muito das obras barrocas da imaginária
hispânica do que da luso-brasileira236.
Em 1981, o Convento ganhou uma nova utilização. Após algumas reformas,
passou a servir de pousada, e, a partir de 2005, encontra-se sob a tutela de uma rede
portuguesa de hotéis. De acordo com Maria Helena Ochi Flexor, “trata-se de uma
requalificação um tanto estranha, pois alocou o telefone em um confessionário barroco,
a recepção num altar do século XVIII e instalou uma piscina/chafariz no claustro. As
antigas celas transformaram-se em 79 quartos adaptados para hotel, alguns com 33
metros quadrados”237.

A Ordem Terceira do Carmo de Salvador foi instituída em 1636, por Pedro


Alves Botelho, negociante de grosso trato. Em 1644, com licença do convento, era
iniciada a construção da capela, em terreno doado pela comunidade, contígua à igreja.
Só em 1695, entretanto, a irmandade teve o reconhecimento pelas autoridades
eclesiásticas, através da Bula pontifícia de 21 de dezembro, sob o nome de Venerável
Ordem Terceira da Mãe Santíssima e Soberana do Monte Carmelo.
A igreja dos Terceiros, dedicada a Santa Teresa foi arrasada por um incêndio,
em 1788, que destruiu a primitiva capela. A nova igreja foi reinaugurada em 1803 e
concluída em meados do século XIX, graças aos donativos do Tenente Coronel
Inocêncio José da Costa, prior da Irmandade na época. Em alvenaria de pedra e tijolo, o
edifício compreende além da igreja, sacristia e casa dos santos, entre outros aposentos.
A fachada só se concluiu em meados do século XIX (1855-1860), com duas torres de
terminações híbridas, assim como o frontão238.
Segundo o resumo do cronista da Ordem do Carmo, Frei André Prat, localizado
na pasta de inventários no Arquivo Central do IPHAN, a igreja dos terceiros de
Salvador, em meados do século XX, figurava como uma: “[...] sólida e admirável
construção [...]. O majestoso frontispício de sua igreja, e bem assim a régia escadaria
e balaustrada que tem na frente da igreja, é de fino mármore, constituindo uma obra
arquitetônica de surpreendente efeito. Condiz bem com o elegante e sóbrio estilo
barroco do interior da mesma igreja e com a capela-mor, altares, tribunas e púlpitos,

236
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro, ‘A imagem religiosa no Brasil’, publicado em Arte Barroca,
Catálogo da exposição 500 anos, São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 2000, p. 64.
237
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia..., op. cit., vol. 2, p. 90 e 91.
238
‘Ordem Terceira do Carmo de Salvador’, Pasta de Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
114

primorosamente lavrados em cedro, dourados, dispostos em simetria na nave central do


mesmo belo templo carmelitano”239.
A descrição do religioso carmelita é da primeira metade do século XX, período
em que a historiografia da arte ainda não havia definido as diferenças marcantes entre o
barroco e o rococó240. Para o período histórico, bastava a obra apresentar talha dourada
e pertencer ao século XVIII no Brasil para ser considerada de estilo Barroco.
A planta é de nave única, com corredores de circulação laterais, tribunas no
segundo andar, capela-mor profunda, separada pelo arco cruzeiro e sacristia ao fundo da
capela-mor. A igreja tem no interior, seis altares laterais, púlpitos e tribunas, e, na
capela-mor, um altar, todos já em estilo neoclássico, do entalhador José Nunes Santana,
inaugurados em 1803. O destaque vai, mais uma vez, para a imaginária e o conjunto de
Cristos, atribuídos ao escultor Manuel Inácio da Costa241.
Curiosamente, encontramos uma transcrição feita pelo historiador baiano Dr.
Carlos Ott, do Livro de Resoluções de 1734, de uma reunião da mesa, anterior ao
incêndio, que acertava a confecção de seis santos para os altares laterais da igreja da
Ordem Terceira, altares que seriam, então, endereçados a outros donos: “Aos vinte e sete
do mês de abril de mil setecentos e trinta e dois anos, neste consistório e casa de
despacho desta Nossa Venerável Ordem 3ª de N. Sra. do Monte do Carmo, estando em
Mesa o Irmão Prior o Sargento mor Custodio da Silva Guimarães, e mais Irmãos da
Mesa ai foi proposto pelo dito nosso Irmão Prior se deviam mandar fazer seis imagens
de seis santos que tivessem sido nossos Irmãos terceiros para se colocarem nos seis
altares da nossa capela, e ouvida a dita proposta concordarão todos a que se
mandassem fazer para a veneração do povo Santo Eduardo Rey de Inglaterra Mártir,
Sam Jacintho Mártir, santo Henrique Rey e Confessor, Sam João Vesco Confessor,
Santa Isabel Rainha de [Bohemia], Santa Angela de [de Arena], e logo [...] para isso
[...] Mesa [...] Joseph [...] de Oliveira que se ajustou e se obrigou a fazê-las todas seis
imagens por cento e vinte mil reis [...] se mandou fazer este Termo em que assinou o
nosso Irmão Prior e mais Irmãos da Mesa comigo Pedro Fernandes Souto Secretario

239
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Ordem Terceira do Carmo de Salvador’, Resumo Histórico, Pasta de
Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
240
Para melhor entendimento do estilo rococó. Ver: OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó
religioso no Brasil … op. cit..
241
RÉSIMONT, Jacques, ‘Os escultores baianos Manoel Inácio da Costa e Francisco das Chagas ‘o
Cabra’’, publicado em Revista Barroco, 14, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais,
1986/9, p. 101-118.
115

da dita Ordem que o sobrescreveu e assinou e eu Pedro Fernandes Soutto Secretario da


dita Ordem que o sobrescreveu e assinou”242.
No fim da transcrição está a seguinte observação do Dr. Carlos Ott, “todos
assinaram o documento menos o escultor.” Na atual igreja e Museu da Ordem Terceira
do Carmo não é possível encontrar nenhum indício pós-incêndio da existência desses
santos. Portanto, não podemos afirmar se a encomenda chegou a ser realizada, mas tudo
leva a crer que os altares da Ordem Terceira do Carmo de Salvador já tiveram outros
donos. Outra curiosidade pertinente à igreja dos terceiros de Salvador e de Recife é que
os santos descritos no documento transcrito pelo Dr. Carlos Ott, não decoram mais a
igreja de Salvador, mas estão presentes na de Recife. Posicionados, juntamente com os
Passos da Paixão de Cristo, nos entremeios dos altares laterais da reformada igreja do
século XIX, que veremos adiante.
Ainda vale destacar da decoração da igreja de Salvador, pós-incêndio, a pintura
do teto da nave, de José Teófilo de Jesus e o douramento da obra de talha, feito por José
Nunes Santana. O retábulo da sacristia é de Joaquim Francisco de Mattos, finalizado em
1830. Apesar do estado desolador em que o incêndio deve ter deixado a igreja, a
reedificação da Ordem Terceira do Carmo da cidade de Salvador manteve a dignidade
das construções dos leigos carmelitas de fins do século XVIII e princípios do XIX no
Brasil.
3.1.3 São Paulo, Santos (1589)

O terceiro convento carmelita no Brasil foi fundado em 1589, no local da ermida


de Nossa Senhora da Graça, em Santos, na antiga capitania de São Vicente, no atual
estado de São Paulo. Doação de José Adorno e sua mulher, Catarina Monteiro, à Ordem
do Carmo, por intermédio do superior de Olinda, Frei Pedro Viana, que vai
pessoalmente a Portugal recrutar alguns frades para iniciar esta nova ‘empreitada’. A
doação incluía “todos os pertences para nela fazerem e ordenarem um convento de
religiosos da dita ordem”243.

242
Transcrição feita pelo historiador Dr. Carlos Ott, no dia 10 de maior de 1954, do Livro das Resoluções
de 1709-1744, (ano de 1732, fls. 169 r-v), pertencente ao Arquivo da Ordem Terceira do Carmo, de
Salvador. Cópia carbono existente nas pastas de inventário, Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
243
‘Auto de Posse’ e ‘Confirmação da doação que Joze Adorno tinha feito aos Pes. da Capella da Graça’
em Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, XVIV, 2ª parte, p. 237 e seguinte ‘Ordem
Terceira do Carmo de Santos’, Pasta de Inventários, Arquivo central do IPHAN, Rio de Janeiro.
116

Fig. 10 – Complexo arquitetônico dos Carmelitas da Antiga Observância de Santos, São


Paulo. ‘Porto de Santos em 1822’, Benedito Calixto (óleo sobre tela, 1922) e postal do começo
do século XX. (Tela do Benedito Calixto, Acervo do Museu Paulista, Universidade de São
Paulo, e, https://www.google.pt/maps)

Dez anos depois, edificou-se uma nova construção, em terrenos comprados e


doados por cidadãos locais, de forma que a atual construção encontra-se no mesmo local
do seu início, de 1602. Porém, a construção remanescente, resume-se à igreja
conventual, e a dos leigos, que dividem a mesma torre sineira. Do convento restou uma
construção que sofreu muitas reformas, parte ainda pertence aos carmelitas, porém,
117

outra parte passou para o gerenciamento da municipalidade e instalação do Pantheon


dos Andradas244.
O Convento de Santos nunca foi muito concorrido. Chegou ao ponto de
permanecer por períodos com um número reduzido de frades, como em 1785, quando os
poucos que lá residiam partiram para o Rio de Janeiro, por Ordem do Papa Pio VI,
atendendo a um pedido da Rainha de Portugal, D. Maria. Ficou somente o guardião, frei
Luís Monteiro245. “O convento de Santos está deserto, no silêncio”246. O mesmo se
passou em 1889. O convento ficou desabitado, só recebendo nova leva de frades com o
revigoramento da Ordem, no século XX. Em 1906, vieram da Holanda alguns frades
para se instalar na cidade247.
O que restou do conjunto carmelita da cidade, apesar de fundado em fins do
século XVI, é produto do século XVIII, e de diversas reformas posteriores. As
edificações, compostas da igreja conventual, ladeada pelo convento à esquerda e pela
Igreja dos terceiros à direita, tem um longo corredor, com a instalação da torre na
fachada, que serve às duas igrejas, repetindo o desenho do complexo de Angra dos
Reis248. Segundo Bazin, foi na cidade de Angra que surgiu a tipologia seguida, mais

244
Inaugurado em 7 de setembro de 1923, guarda os restos mortais de José Bonifácio de Andrada e Silva,
de seus três irmãos políticos, com detalhes da história que culminou na independência do Brasil.
245
O Breve de Reforma da Província Carmelita Fluminense, emitido em 20 de julho de 1784 pelo
Arcebispo de Tyro, de comum acordo com a Rainha, D. Maria I, colocou o Bispo do Rio de Janeiro, D.
José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, no cargo de Visitador e Reformador dos
Carmelitas. No início da Reforma, o convento do Rio de Janeiro dispunha de 09 fazendas e 72 casas. Uma
das mais importantes razões da intervenção foi o acúmulo de dívidas da Ordem, originárias da ‘má
administração’ do patrimônio, que resultava, por um lado, no endividamento da Ordem perante as
comunidades e, por outro, na acumulação de fortunas pessoais dos membros da alta hierarquia Carmelita.
Tais atitudes possibilitaram que os superiores preservassem hábitos e práticas da vida profana, além de
associarem negócios da ordem com negócios particulares, tanto dos frades quanto de suas famílias. Essa
reforma foi, na realidade, a continuação da política levada a cabo pelo governo iluminado do rei D. José,
via Marquês de Pombal, e que franciscanos e beneditinos já haviam incorporado através dos Novos
Estatutos da Universidade de Coimbra, especialmente o Convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro; o
Convento de São Francisco em São Paulo e o Seminário de Olinda. Para maiores informações, ver:
BEBEDETTI FILHO, Francisco, A reforma da província carmelita fluminense (1785-1800), Dissertação
de Mestrado apresentado ao Departamento de História da Universidade São Paulo, São Paulo, 1990, p.
56-57, e MOLINA, Sandra Rita, Des(obediência), barganha e confronto: a luta da Província Carmelita
Fluminense pela sobrevivência (1780-1836), Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1998.
246
ANDRADE, Mário de, “Padre Jesuíno do Monte... op. cit., p. 158.
247
MONTEIRO, Raul Leme, Carmo. Patrimônio da história, arte e fé, São Paulo, s/ Ed., 1978, p. 6-7.
248
Tipologia mencionada por Mario de Andrade em Relatório enviado à Diretoria do SPHAN (Rodrigo
de Melo Franco) em 1942: “[…] pude fazer uma observação de algum interesse a respeito da arquitetura
tradicional carmelitana, pelo menos no Brasil. Dela fiz participar ao Dr. Lucio Costa. Trata-se de curioso
dispostivo, tão bem exemplificado nas duas Carmos de Santos, nesta sexta região, das igrejas Primeira e
Terceira serem construídas como corpos gêmeos de um mesmo edifício, com uma tôrre só fazendo de
corpo central. Esse era o dispositivo dos Carmos, de São Paulo e das de Angra dos Reis. Não posso
garantir ainda si este curioso partido é exclusivamente carmelitano, nem si só é observado no Brasil, e
nesta região central do país. Mas julgo fornecer a V. S. um prolema por solucionar.”
118

tarde, nos conventos do Estado de São Paulo: “[...] O monumento mais interessante é o
conjunto formado pelas duas igrejas do convento e dos terceiros do Carmo, que devem
ter sido construídas numa época tardia do século XVIII. Um arquiteto teve a ideia
original de geminar as duas igrejas, e cada fachada forma uma suave ondulação de
cada lado de um campanário, cuja envergadura reforça o conjunto. A mesma
disposição era encontrada no Carmo de São Paulo e no Carmo de Angra dos Reis [...].
Parece que esse templo, de estilo mais antigo que o de Santos, seja o protótipo [...]”249.
As duas igrejas externamente mantêm a unidade do estilo, fachadas despojadas e
simples, no limite da rua. Nas palavras de Bazin, formam uma “suave ondulação de
cada lado do campanário”. As entradas principais estão centralizadas, sob um segundo
andar com três janelas, que dão para o coro. Os dois frontões são em curvados, mas o da
Ordem Terceira mostra-se um pouco mais elaborado. Ao centro, ambos possuem um
óculo trilobado.
A igreja conventual é de nave única retangular e capela-mor profunda. Possui
nove altares: o altar-mor, dois no falso transepto e seis na nave, em estilos e faturas de
diversas épocas. O altar-mor apresenta duas colunas torsas do joanino sobre mísulas e
frontão com uma excepcional tarja rococó, na qual se pode identificar a montanha e as
três estrelas, símbolo da Ordem Carmelita. Os altares laterais estão localizados em
arcadas rasas. Os dois do transepto são da mesma época dos dois primeiros laterais, a
partir da entrada, apenas de dimensões maiores. Possuem duas colunas retas
externamente e dois quartelões simplificados internamente, pousados sobre mísulas
sinuosas. No frontão, temos uma graciosa tarja de perfil rococó.
Os quatro altares laterais centrais, aproveitaram duas colunas torsas adaptadas a
uma estrutura decorativa neoclássica, possivelmente uma invenção do século XIX.
Entronizados, frente a frente, nos dois mais próximos ao arco cruzeiro, temos os pais da
Virgem: São Joaquim e Santana, excelentes peças de madeira policromada e, nos
centrais, Santa Teresa e São José, de gesso policromado.
Nos dois primeiros altares, a partir da entrada, estão a Virgem e a Nossa Senhora
da Boa Morte, de um lado, e uma cópia em gesso da Nossa Senhora de Montesserrat, do
Monastério beneditino espanhol, provavelmente do século XX, no do outro lado.
A instituição da Ordem Terceira no convento de Santos deu-se em data incerta.
Sabe-se que a igreja dos leigos teve a pedra fundamental lançada em 04 de setembro de

249
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa barroca no Brasil, vol. 2, Rio de Janeiro, Editora Record,
1980, p. 251. (1ª edição 1956)
119

1752, dia de Santa Rosa de Viterbo, mas só foi benta em 08 de abril de 1760 pelo
visitador Frei Bento de Sant’Ana250.
A igreja da Ordem Terceira possui um conjunto retabular homogêneo, composto
de seis altares laterais, de mesma tipologia, distribuídos pela nave única. O altar-mor é
um pouco mais recente e está estruturado em duas colunas retas, caneladas, com o
quarto inferior marcado horizontalmente por uma linha de elementos fitomórficos. Toda
a estrutura é simplificada, com ornatos neoclássicos aplicados em planos lisos.
Os seis altares laterais parecem ter sido aproveitados de algum monumento do
século XVII, pois apresentam uma tipologia híbrida: com uma parte antiga composta de
duas colunas torsas do Nacional apoiadas sobre mísulas entre painéis retangulares com
folhas de acanto em talha gorda. O frontão comporta uma pintura central representando
um santo carmelita, ladeada por duas pilastras e elementos decorativos fitomórficos.
Essa estrutura lembra ainda os modelos portugueses do Maneirismo, como os da igreja
nova de Santa Clara de Coimbra, nesta última tendo ao centro um relevo narrativo e no
Carmo esculturas. A esta estrutura interna parece ter sido acrescentada uma coluna de
fuste quadrado, nas duas laterais, entremeadas por painéis com apliques decorativos.
Possivelmente foram acrescentados quando adaptados aos atuais espaços. Finalizando
no topo do retábulo há uma tarja raiada com a insígnia estranhamente dos ‘Descalços’,
ligada ao conjunto por apliques de guirlandas de flores.
Dos seis altares laterais, dois foram deslocados para intervenções de restauro, e o
primeiro à direita a partir da entrada já está ‘restaurado’, destacando-se dos demais por
apresentar cores claras, com fundo branco e elementos decorativos realçados por filetes
dourados, inclusive com a transmutação do pássaro fênix em um pombo. Cores que não
condizem com o estilo dos retábulos, cujo dourado deveria estar predominante sobre
fundos de tons fortes251. O restauro é válido, pois permite que vejamos com detalhes a
forma e o bom entalhe, mas, nesse caso, enfatiza a falta da interdisciplinaridade das
diversas áreas (do restaurador com o historiador de arte) e de um bom estudo pré-
intervenção, com prospecções adequadas e uma boa leitura formal.
Nesses retábulos, encontramos o conjunto dos seis Passos da Paixão de Cristo,
que será estudado em detalhe no próximo capítulo. A partir da porta de entrada,
podemos identificar: Flagelação e Coroação; Prisão e Ecce Homo (deslocado); e, Horto

250
‘Igreja da Ordem Terceira do Carmo da cidade de Santos, São Paulo’, Pasta de Inventário, Arquivo
central do IPHAN, Rio de Janeiro.
251
Esta era a situação da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santos, em novembro de 2014.
120

e Senhor dos Passos (deslocado). Fechando o ciclo, o Crucificado, no altar-mor. Peças


escultóricas de datação e faturas distintas.

3.1.4 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (1590)

O quarto conjunto carmelita da Antiga Observância instalado em terras


brasileiras ergueu-se na cidade do Rio de Janeiro. Em 1590, sob a alçada de Frei Pedro
Vianna, foi fundado na cidade do Rio de Janeiro, no local onde se achavam as ruínas da
ermida de Nossa Senhora do Ó, doada pelos oficiais da Câmara. Por escritura de abril
de 1590, receberam os carmelitas “mais uma légua de terras de Jorge Ferreira, para a
casa de Nossa Senhora do Carmo que se há-de fazer nesta cidade, para ajuda e
sustentamento”252.
Em 1619, inicia-se a construção do convento, do qual ainda se conserva uma
parte, à esquerda da Rua Sete de Setembro, em mãos de particulares, mas com a fachada
íntegra. Em 1761, foi lançada a pedra fundamental da atual igreja conventual, com
reformas nos séculos XIX e XX. Igreja que foi transformada em Capela Real, quando da
chegada de D. João VI, em 1808, tendo a fachada sido remodelada algumas vezes, ao
longo dos séculos seguintes. Durante o reinado de Dom Pedro I, do Brasil, e IV de
Portugal, foi capela Imperial e ainda serviu de catedral metropolitana (Sé) do Rio de
Janeiro até 1976. No século XX, uma nova reforma modificou a fachada, com a
incorporação de um terceiro pavimento, conferindo-lhe o aspecto que apresenta hoje.
Tal alteração deixou-a “[...] totalmente descaracterizada [...] com o aumento excessivo
das proporções dos pavimentos superiores, cujo peso literalmente “esmaga” o
pavimento térreo, única parte conservada da fachada pombalina do século XVIII.
Idêntico tratamento foi dado à torre sineira, originalmente ligada ao convento, do qual
foi separada em meados do século XIX pela abertura da antiga Rua do Cano, atual Sete
de Setembro”253.

252
WERMERS, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm, op. cit., p. 182.
253
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, Barroco e rococó nas igrejas do
Rio de Janeiro, Brasilia/DF, IPHAN/ Monumenta, 2006, p. 61.
121

Fig. 11 – Antiga igreja conventual do Carmo e igreja da Ordem Terceira do Carmo, do


Rio de Janeiro. Gravura de Debret, primeira metade do século XIX. (Fonte: DEBRET, Jean
Batista, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia / Edusp,
1989, e, https://www.google.pt/maps)

Com três portas na fachada, a igreja de nave única e capelas laterais profundas,
coberta por abóbada de berço, também sofreu algumas reformas no século XIX.
Diferentemente da fachada, a decoração interna conseguiu manter a integridade do
estilo rococó, atribuído ao Mestre Inácio Ferreira Pinto, com destaque para os altares
laterais e o arco-cruzeiro, que já estavam concluídos em 1785. O aspecto da capela é o
de uma preciosa e delicada sala de festa, onde predomina o branco com detalhes
sobressalentes em dourados. “As complementações posteriores foram a substituição da
primitiva capela do Santíssimo, à esquerda do arco-cruzeiro, pela neoclássica atual, e
o aprofundamento das arcadas, configurando capelas laterais, com espaço
provavelmente tomado aos corredores externos de circulação”254.

254
Idem, ibidem, p. 62-63. Espaços que foram decorados no século XIX, pelo artista alemão Thomas
Driendl, com delicados ornatos dourados, que até mesmo um olhar experimentado não distingue, à
122

O estilo dos retábulos dos altares do Mestre Inácio Ferreira Pinto e do seu então
ajudante, Mestre Valentim, estrutura-se no uso das colunas torsas salomônicas e no
coroamento em frontão de linhas sinuosas, com anjos ajoelhados nas laterais. Já a talha
do arco-cruzeiro tem como motivo central, uma tarja coroada por um dossel, com o
monte Carmelo e três estrelas, emblema da Ordem do Carmo. Nas laterais destacam-se
as habituais aletas curvilíneas, decoradas com rocalhas, típicas do rococó carioca.
Há que se destacar na antiga igreja conventual do Carmo do Rio de Janeiro, a
pintura do forro da capela-mor, hoje reduzida a um painel longilíneo com a
representação da Virgem do Carmo entregando o escapulário a São Simão Stock,
atribuída ao pintor José de Oliveira Rosa. E, nas representações em molduras ovais,
decorando o pavimento superior da nave, entre as tribunas, pinturas de José Leandro de
Carvalho, que também executou o quadro móvel da boca da tribuna do altar-mor. No
período colonial a pintura representava a família real aos pés da Virgem do Carmo,
hoje, na mesma posição, figuram os santos carmelitas. Vem da época do Império a
imagem de mármore de carrara de São Pedro de Alcântara, instalada na capela do arco
cruzeiro e oferecida pelo imperador D. Pedro I, bem como o expressivo Crucificado,
doado por D. Pedro II, que se encontra na sacristia. A atual escultura da Virgem do
Carmo do altar-mor é peça do imaginário de São João del Rei, Osni Paiva, do século
XXI, exemplificando uma tradição que continua em terras mineiras.
Fato curioso passou-se com os santos devocionais desta capela. Quando os
carmelitas saíram do edifício para se instalar no novo convento na Lapa, levaram
consigo as principais esculturas devocionais dos altares. Por isso, se desejássemos
conhecer o programa iconográfico original deste monumento, deveríamos recorrer à
Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa. Lá estão os Santos Elias e Eliseu, do altar-
mor, e ainda excelentes conjuntos escultóricos, tais como a Sagrada Família e os dois
santos pestilentos, São Roque e São Sebastião, ajoelhados. Este último, num gesto
inusitado, segura as flechas, em vez de tê-las pelo corpo255.
A história da Igreja dos Terceiros Carmelitas do Rio de Janeiro é conhecida
graças à publicação feita de parte do arquivo pelo seu secretário Bento José Barbosa

primeira vista, dos originais do século XVIII. Assim como a capela do Santíssimo, ela só é visível a partir
da região do arco cruzeiro. Foram mantidas a decoração da arcada e o espaço anterior da capela primitiva,
mudando apenas o retábulo ao fundo.
255
JUSTINIANO, Fátima, ‘São Sebastião. Padroeiro da cidade do Rio de Janeiro’, publicado em Revista
IMAGEM Brasileira, nº 4, Belo Horizonte, Centro de estudos da imaginária brasileira, 2009, p. 137-140.
123

Serzedelo, em 1872256. E ainda pelas publicações de Therezinha de Moraes Sarmento,


do Museu Histórico e de Nair Batista, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, que dedicou boa parte da sua pesquisa na busca de dados documentais sobre
Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim, nos arquivos cariocas257.
A Ordem Terceira do Carmo da cidade do Rio de Janeiro foi instituída em 1648.
De 1661 a 1669, os irmãos terceiros portugueses construíram, dentro dos muros do
convento, a capela da Paixão de Cristo. Com o desenvolvimento social e econômico da
irmandade, resolveu-se construir uma igreja própria. Em 1755, a Ordem inicia sua
construção, em terreno à esquerda da igreja conventual, separada desta por uma ruela
chamada ‘Beco da Passagem’, tendo ao fim um belo oratório dedicado a Nossa Senhora
do Cabo da Boa Esperança258.
A igreja foi edificada pelo Mestre de obras português Manuel Alves Setúbal,
sendo sagrada em 1770. A fachada de pedra é encimada por frontão ondulado, típico do
barroco carioca e possui duas portadas de lioz, vindas de Lisboa, bentas em 1761. A da
porta principal apresenta notável medalhão da Virgem com o Menino entregando o
escapulário a São Simão Stock259. E a menor, na entrada lateral, exibe a efígie de Nossa
Senhora com o Filho nos braços. As torres só foram finalizadas em 1850 segundo risco
do professor da Academia de Belas Artes, Manoel Joaquim de Melo Côrte Real.
O interior compõe-se de nave única retangular e capela-mor profunda. A nave é
ladeada por corredores: o da direita, uma galeria aberta que termina na sacristia e se
abre em arcada para o ‘Beco da Passagem’ e o da esquerda, termina na charmosa capela
rococó do Noviciado, com talha do Mestre Valentim260. “[...] A pequena capela do
noviciado, para a iniciação dos irmãos da Ordem Terceira, é um pequeno salão
retangular com teto em abóbada de berço, todo revestido de talha dourada com fundo
claro, da autoria de mestre Valentim, que a executou entre 1773 e 1797. Possui dois
altares, o principal dedicado à Nossa Senhora do Amor Divino e o lateral à Nossa
Senhora das Dores, ambos da autoria de Valentim, e quatro grandes painéis com cenas

256
SERZEDELO, Bento José Barbosa (coord.), Archivo histórico... op. cit.
257
BATISTA, Nair, ‘Valentim da Fonseca e Silva’, publicado em Revista do SPHAN, nº 4, 1940.
258
‘Era outra das metamorfoses quase infindáveis da Virgem e do Menino – uma metamorfose criada
para satisfação especial dos marinheiros portugueses, que deviam rodear o promontório sul-africano.
Visitando-a nesse local, costumavam assegurar-se (e alguns ainda asseguram) uma travessia a salvo,
levantando os olhos até a Senhora da Lanterna e deixando alguma coisa em sua caixa de esmola’.
Publicado em EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade
de São Paulo e Livraria Itatiaia, 1976 (edição original: 1869), p. 141.
259
OLIVEIRA, Myriam Andrade de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 69.
260
NAIR BATISTA, ‘Valentim da ..., op. cit.
124

de devoção carmelita, de autor desconhecido, além de delicada decoração espalhada


por tetos e molduras que faz desta capela um dos mais requintados espaços do rococó
luso‐brasileiro”261.
Nas deecoração, segundo Germain Bazin, pode-se identificar duas etapas de
execução através do “estudo estilístico desses conjuntos de talha mostra nitidamente
duas etapas. O altar mor executado em 1772-1773 é de estilo rococó com ornamentos
dissimétricos muito graciosos. O conjunto da capela, ao contrário, é mais pesado e
denota o fim do século; as grandes pilastras de estilo coríntio indicam a influência
neoclássica”262. Nair Batista atribuiu a talha ao Mestre Valentim, que provavelmente
confeccionou o altar-mor entre os anos de 1772-1773 e o restante da capela, incluindo o
pequeno altar de Nossa Senhora das Dores, é de 1796 e 1797. A policromia branca e
dourada desta capela foi executada apenas em 1852.
Os altares da igreja dos terceiros foram realizados, a partir de 1768, pelo
entalhador português Luís da Fonseca Rosa e Valentim da Fonseca e Silva, seu
discípulo. Altares esses que comportam os sete Passos da Paixão de Cristo, incluindo o
Crucificado, no altar-mor, executado, em 1765, pelo escultor bracarense Simão da
Cunha, um dos mais importantes em atividade no Rio de Janeiro no período. Os seis
Cristos dos altares laterais, cuja análise formal e material será assunto do próximo
capítulo, são obras do escultor também bracarense Pedro da Cunha.
No altar-mor, destacam-se ainda as duas imagens dos nichos laterais, uma das
quais de inusitada iconografia. Trata-se de santa Emerenciana, bisavó do Cristo, tendo
nos braços a filha Ana e a neta Maria, com Jesus no colo. Essa escultura, de provável
origem portuguesa, faz par com a de Santa Teresa, executada por Pedro da Cunha,
também autor do Cristo Morto sob a mesa do altar.
Na segunda década do século XIX, a igreja encontrava-se praticamente
terminada, tanto na parte arquitetônica quanto na ornamental, faltando apenas a
conclusão das torres. Na segunda metade do século XIX, como a maioria das igrejas do
centro histórico do Rio de Janeiro - cidade sede da vida política e econômica do país - a
igreja da Ordem Terceira do Carmo teve suas proporções e decoração alteradas, visando
a comportar o crescimento da população. As mudanças foram principalmente no
acréscimo dimensional da altura, com a confecção de um novo arco cruzeiro, sobre o

261
PESSÔA, José Simões Belmont, ‘Igreja da Ordem Terceira do Monte do Carmo, Capela do Noviciado
e Oratório de Nossa Senhora da Boa Esperança’ publicado em MATTOSO, José (direção), Património de
origem portuguesa no mundo… op. cit.,, p. 304.
262
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa..., op. cit., vol. 2, p. 149.
125

original e a inclusão de uma grande cartela figurativa contendo a representação da


Virgem do Carmo sendo reverenciada por santos carmelitas. E ainda a complementação
interna dos espaços vazios, com o sobrecarregamento de ornatos de gosto eclético, em
1850 e 1855, do escultor António de Pádua e Castro, professor de ornatos da Escola
Nacional de Belas Artes263.
Para uma melhor apreciação dos resultados de tantas campanhas decorativas da
Igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, que nos remete ao
espírito da fase barroca e do rococó, apesar da ausência quase total dos brancos e dos
douramentos, deve-se “deixar de lado categorias estilísticas e apreciá-la em sua
singularidade, no contexto do preciosismo ornamental do ecletismo, isento nessa igreja
de referências neoclássicas”264.

Em resumo, até fins do século XVI, com datação confirmada, existiam no Brasil
quatro conventos da Ordem Carmelita da Antiga Observância: Olinda, Salvador, Santos
e Rio de Janeiro. E outros tantos de data incerta: João Pessoa, Vitória e Angra dos Reis.
Esses três últimos podem ter sido fundados nos últimos anos do século XVI. Os séculos
vindouros serão o período áureo das Ordens Regulares no Brasil, e por consequência,
também da Ordem Carmelita. Portugal viu o número de religiosos carmelitas crescerem
nos seus quadros. Com a abundância de irmãos, muitos eram, então, enviados
anualmente para a colônia265. A partir do Regestum de Chizzolae266, os quatro primeiros
conventos brasileiros formavam “um vicariato, como consta das actas do capítulo que
se celebrou em Lisboa, em 15 de janeiro [de 1595], presidido por Chizzola”267, tendo
como casa mãe da Ordem no Brasil o Convento de Olinda.
No século XVII, veremos transparecer as decisões do Concílio de Trento na
arquitetura e nos programas decorativos das igrejas, principalmente nas escolhas das
venerações dos santos e relíquias dos conventos carmelitas. Ainda como consequência
das transformações do século XVI, teremos a continuidade das reformas teológicas nas

263
Para detalhes, ver OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 71-
72.
264
Idem, ibidem, p. 73.
265
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 32
266
Padre-Geral Fr. João Estevão Chizzola foi o celebrante do Capítulo, onde se tirou novas Normas e
recomendações para os conventos de clausura, conhecidas como Regestum Chizzolae. Como Geral da
Ordem, esteve em visita canônica a Portugal em 1594, visitou Lisboa, Coimbra, Évora, Beja e Vidigueira.
O documento original está em Roma, no Arquivo geral da Ordem Carmelita e foi pesquisado por:
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 126-128.
267
Idem, ibidem, p. 183.
126

Ordens Regulares, e, em particular, na Ordem Carmelita, quando surgem os Descalços,


ou Terésios, fundados por Santa Teresa de Ávila, e os Turônicos, na Antiga
Observância, de origem francesa, que chegaram aos conventos dos estados de
Pernambuco e da Paraíba, como vimos no início deste capítulo.
Na primeira metade do século XVII, devido ao grande número de conventos
(dez) já instalados no Brasil, o procurador, Padre Sebastião dos Anjos, solicitou às
entidades superiores (em Roma e em Portugal) a independência perante a Província
portuguesa. O pedido foi negado em 1648, por pensar-se que ainda se deveria continuar
sob o auspício do então empossado rei D. João IV. No entanto, conseguiu-se a criação
de duas Vice-Províncias: a do estado do Brasil, com sete conventos, e a do estado do
Maranhão, com três conventos. A Vice-Província do Brasil, no final do século XVII
(1685), será subdividida, em duas: a do Rio de Janeiro e a da Bahia, com o
encaminhamento do pedido feito no Capítulo Geral em Roma, em 1680. A primeira
englobava os conventos das cidades do Rio de Janeiro, de Angra dos Reis da Ilha
Grande, de Vitória, de Mogi das Cruzes, de Santos e de São Paulo, e, a da Bahia
contava com os conventos de Olinda, Recife, João Pessoa, São Cristóvão, Goiana,
Salvador e Cachoeira. Porém, somente em 1720, as duas Vice-Províncias “foram
elevadas à categoria de províncias, com todos os direitos e obrigações”. No entanto, os
conventos dos estados de Pernambuco e da Paraíba, por fazerem parte da Ordem
reformada Turônica a partir do fim do século XVII (1677), só se tornariam Províncias
em 1744 e a do Maranhão e Grão-Pará continuou como Vice-Província, ligada a
Portugal.
A autonomia acabou por incutir maior vigor na proliferação da Ordem e seus
estatutos, incrementando as construções e as fábricas conventuais, espelho do fervor
religioso que terá no século XVIII os seus principais testemunhos. O programa
arquitetônico dos conventos e igrejas conventuais seguiu o padrão português, com as
igrejas salões e os conventos desenvolvendo-se em torno dos claustros. Assim como
internamente as decorações seguiram a inspiração e a influência da arte produzida na
metrópole. Contudo, é possível perceber a incorporação de características locais e da
mistura entre as culturas que para cá vieram, as aqui existentes e a dos colonizados de
segunda e terceira geração no Brasil. Um exemplo ímpar desta miscelânea talvez seja a
fachada da Capela de Nossa Senhora da Guia, no município de Lucena, estado da
Paraíba, que restou do complexo carmelita composto por um hospício e a igreja,
inaugurado em fins do século XVIII.
127

Esta realidade transformou a Ordem do Carmo em uma Ordem forte e rica no


cenário do Império Ultramarino português. Nunca chegou a ser a de maior prestígio ou
poder, mas, no século XVIII, com o incremento das Irmandades dos terceiros e suas
fábricas, a Ordem se tornará uma forte representante das classes privilegiadas e
afortunadas, principalmente a dos comerciantes. A título de comparação os franciscanos
tiveram 21 conventos instalados no território brasileiro, entre o fim do século XVI e
1710, com 11 fundações em cidades que também possuíram fundações carmelitas268.
Resumindo, as principais fundações dos carmelitas nos séculos XVII e XVIII no
Brasil foram: no Norte – Santa Ana das Cruzes em São Luís, no Maranhão (1616), o
Convento de Santa Maria, em Belém do Grão-Pará (1624) e, novamente no Maranhão,
na cidade de Alcântara (1647). Velasco Bayón menciona, citando o Padre Manuel de
Sá, mais três fundações dos carmelitas nessa região, uma ainda no século XVII e duas
no XVIII. A quarta fundação chamou-se Gurupá e é de 1674. Surgiu a partir do serviço
prestado por carmelitas como capelães na fortaleza erguida na margem do rio Xingu em
1639269. Do século XVIII, o autor refere-se a uma capela e a um hospício em honra do
Senhor do Bonfim, erguidos pelos carmelitas na Ponta do Bonfim (1718), lugarejo
localizado bem perto da cidade de São Luiz. O segundo convento foi erguido na cidade
de Vigia (1737), já no território do atual estado do Pará, e era dedicado a Nossa Senhora
da Esperança. Destas três últimas empreitadas nenhuma referência ou resquício
arquitetônico sobreviveu aos séculos vindouros270.
No Nordeste brasileiro, depois de Olinda e Salvador, teremos fundações nas
cidades de João Pessoa, na Paraíba (c. 1591) e Lucena (Hospício de Nossa Senhora da
Guia, fins do século XVII); em Pernambuco, nas cidades de Recife, em 1665, e, de
Goiana, em 1666. Essas quatro últimas fundações, ainda no século XVII (1677),
adotaram a reforma Turônica271. A cidade de Olinda recebeu também a instalação do

268
Segundo Frei Básilio Röwer, as fundações franciscanas foram: Olinda (1585), Salvador (1587),
Igaraçu (1588), Paraíba (1589), Vitória (1591), Recife (1606), Rio de Janeiro (1606), São Francisco do
Conde (1629), Sirinhaen (1630), São Paulo (1636), Santos (1639), Cassarebú (1649), Paraguaçu (1649),
Cairu (1650), Angra dos Reis (1650), Itanhaem (1655), Sergipe del Rei (1657), Amparo (1659), Penedo
(1660), Alagoas (1660) e Boa Viagem (1710). Ver, Páginas da História Franciscana no Brasil,
Petropolis, Vozes, 1941.
269
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 217.
270
Idem, ibidem, p. 219.
271
Segundo Bayón, além dos três conventos, a Vigararia da reforma, até 1745, havia fundado os seguintes
hospícios que nunca chegaram a ser conventos: Hospício de Nossa Senhora da Luz, em Goiana; hospício
de Nossa Senhora da Guia, nos subúrbios da cidade de Paraíba (hoje município de Lucena, do qual
trataremos neste capítulo, pois da primitiva fábrica restou a interessante igreja); hospício do Carmo, no
arraial do Coronel, freguesia de Nossa Senhora da Mata, perto de Olinda; hospício de Nossa Senhora da
Piedade, no litoral deste nome, vizinho da cidade de Recife, em terrenos com capela, adquiridos por
128

segundo Convento dos Carmelitas Descalços (1686). Percorrendo o litoral para o sul,
estão os interessantes complexos arquitetônicos carmelitanos nas cidades históricas de
Marechal Deodoro e Santo Amaro de Brotas, no estado de Alagoas; e São Cristóvão, no
do Sergipe. Na Bahia, em Cachoeira no Recôncavo baiano, e novamente em Salvador,
onde se construirá o segundo Convento dos Carmelitas Descalços (1665). Uma
curiosidade da Ordem Carmelita em território brasileiro é a constatação do número
reduzido de conventos ligados aos Descalços. Foram só dois conventos de Ordem
Primeira dos Descalços, nas cidades de Olinda e Salvador, portanto, nestas duas cidades
ainda hoje existem dois conventos de cada ramo: da Antiga Observância e dos
Descalços.
No Sudeste, depois dos conventos do Rio de Janeiro e de Santos, os frades
instalam-se, na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Partindo do Rio de Janeiro a
caminho de Vitória, existe ainda hoje, na cidade de Campos dos Goytacazes, um
conjunto carmelita, do qual restou a Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Carmo, e parte de uma construção que parece ter sido um hospício para recolha dos
frades de passagem. Ao sul do estado do Rio de Janeiro, na cidade de Angra dos Reis, o
atual complexo foi iniciado com a instalação também de um hospício (com o título de
Nossa Senhora da Assunção) (1593), transformado em Convento alguns anos depois.
No estado de São Paulo, depois de Santos, seguiram-se as fundações na cidade de São
Paulo, capital, e nas de Mogi das Cruzes e de Itu272.

disposição testamentária de Francisco Gomes Salgueiro a 14 de junho de 1741; hospício de Nossa


Senhora de Guadalupe, na barra do rio Camaragibe, termo da vila de Porto Calvo, no estado de
Alagoas, começado em 1741 e ampliado depois em terrenos e capelas doados por António Rodrigues
Fontes, por escritura passada a 3 de março de 1745. Idem, ibidem, p. 195.
272
Frei Manuel de Sá publica um catálogo informando os conventos e missões das duas Províncias, então
existentes no Brasil: Bahia e Rio de Janeiro (confirmada pelo Papa Inocêncio XI em 1686). “Os
conventos, que ficaram a vigararia da Bahia, foram o da mesma cidade. A este convento pertence a
Missão do Rio Real, em que algum dia houve convento, […] Também o dito convento da Bahia tem a
administração da Missão que fundou o RPM Fr. Antonio da Piedade na Aldeia de Japaratubá no Sertão
do Rio de São Francisco da Praia, […]. O convento de Olinda, também ficou a esta Vigararia, a ele
pertence a Missão da aldeia do Seri, o convento de Sergipe del Rei. O da vila de Goyana: a que toca a
Missão da Bahia da Treição. O de Recife a que pertence a Missão da Aldeia da Preguiça, e o da cidade
da Paraiba […] ; fundou outro convento na Vila de Cachoeira, no ano de 1688. O RP Pascoal Durão
principiava uma igreja na praia da Bahia, e estavam já três paredes feitas quando Deus o levou para si,
e deixando este sitio aos religiosos estes mandaram demolir tudo o que estava feito, e de novo erigirão
igreja, porque este era o que lhe queria por o dito RP Pascoal Durão, e junto à mesma mandaram fazer
Hospício. Tem outro no cabo de Santo Agostinho, que o seu Título é Nossa Senhora de Nazaré. No rio
das Rãs junto ao arraial das Minas, tiveram um, que a religião se resolveu a mandar demolir. […] os
conventos, que ficaram a vigararia do Rio de Janeiro, foram cinco e são os seguintes: o da mesma
cidade, o da Vila de Santos, o da Vila de São Paulo, este tem a Missão do Marviri, o da vila de Angra
dos Reis, ou Ilha Grande, e o da Vila de Santa Anna das Cruzes, ou como dizem comumente de Mogi.
Depois fundaram os religiosos em Vila nova intitulada Nossa Senhora da Victoria, na capitania do
129

Encontramos poucos conjuntos de ordem segunda no Brasil. Foram apenas dois:


um na cidade de Rio de Janeiro, dedicado a Santa Teresa e que dá nome ao atual bairro
boêmio da cidade, e o outro na cidade de São Paulo, também sob a invocação da santa
fundadora dos Descalços. Diferentemente do reino, por aqui a escassez de mulheres não
permitiu a fundação de muitos conventos femininos. Só os encontraremos em cidades
com um maior número de habitantes, nas quais, por motivos diversos, havia escassez de
homens brancos. É o caso de São Paulo, onde historicamente os homens –bandeirantes–
partiram para desbravar os sertões em busca de ouro e diamantes. Do convento de São
Paulo, pouca noticia existe e nada restou das suas construções. O convento da cidade do
Rio de Janeiro é um magnífico conjunto arquitetônico implantado no alto de uma das
elevações da cidade (Morro de Santa Teresa).
Quanto às Ordens Terceiras eram normalmente instituídas ligadas aos conventos
masculinos. Com o passar do tempo, os irmãos leigos, pertencentes, em sua maioria, a
uma classe de brancos abastados, decidiam investir na construção e gerenciamento de
uma igreja própria, quase sempre independente, porém, localizada cerca dos complexos
conventuais. Durante o século XVIII pertencer a uma confraria, incluindo as
Irmandades e Ordens Terceiras, significava ter status social. Ser prior de uma Ordem
Terceira cabia apenas a uns poucos escolhidos.
Em Minas Gerais, com a proibição da entrada das ordens religiosas,
encontraremos apenas igrejas de Ordem Terceira, todas do século XVIII: São João del
Rei (1740), Mariana (c. 1751), Ouro Preto (1752), Diamantina (1758), Serro (1760) e
Sabará (1761).

3.2 As fundações da Região Norte

A ocupação efetiva do Norte brasileiro começou com a fundação dos dois


principais núcleos urbanos: São Luís, no Maranhão e Belém, no Pará. São Luís, cidade
fundada pelos franceses, será tomada pelos portugueses no começo do século XVII,
consolidando a posse da costa atlântica, no Norte. Essa área era visada pelas outras
nações europeias, ao ponto da cidade sofrer nova invasão, desta vez pelos holandeses,
que não permaneceram muito tempo.
Com a restauração do governo Português, pós-período filipino, portanto, depois
de 1640 e do período conturbado de guerras, o foco da colonização se deslocou para a

Espirito Santo outro convento; […].” SÁ, Fr. Manoel, Memórias históricas dos illustrissimos arcebispos,
bispos e escritores portuguezes da Ordem de Nossa Senhora do Carmo… opus cit., p. 44-46.
130

produção açucareira e a de outros produtos agrícolas, que não tiveram, no entanto,


grande desenvolvimento. A fundação da Companhia Geral do Comércio do Estado do
Maranhão e Grão-Pará, em setembro de 1682, fará com que a área atinja um
expressivo crescimento no comércio entre os portos da Amazônia e a costa africana,
facilitando a vinda de mão de obra escrava. No entanto, para garantir os investimentos
necessários neste empreendimento de grande envergadura, as concessões comerciais
foram conferidas, de forma monopolista, a mercadores lisboetas273.
As ordens religiosas, além de dar apoio moral e religioso às populações, também
participavam ativamente do negócio do açúcar, não só fornecendo mão de obra escrava
para a sua fabricação, mas também adquirindo fábricas de engenhos e plantações de
cana de açúcar. André Cabral Honor cita um caso, ocorrido em 1700, no qual a ordem
carmelita da cidade de João Pessoa reclama a perda de quatrocentos mil réis, por ter
sido impossibilitada de plantar uma região que havia sido doada aos beneditinos para a
construção de um engenho274.
Os conventos do Maranhão e do Pará, desde o início, formavam uma Vice-
Província, subordinada à Província Portuguesa, sendo seu primeiro Provincial o Padre
Fr. Francisco da Purificação, em 1624. Os missionários carmelitas estiveram envolvidos
em missões catequéticas a partir do fim do século XVII e todo XVIII, isso porque até
esta data só os jesuítas possuíam o direito de ter missões evangélicas na Amazônia.
Portugal, então, através do documento régio Nova repartição das missões, enviado ao
governador do Maranhão em 1693, permite que outras ordens religiosas também
desenvolvam missões ao longo dos rios da Amazônia. No documento estabelece-se que
tudo que se encontra ao sul do rio Amazonas cabe aos jesuítas, enquanto as bandas do
norte do rio ficam para os demais religiosos que têm convento no Pará: os mercedários,
franciscanos do Santo António, franciscanos da Piedade e carmelitas275. Segundo o
Frade André Prat, em 1748, as missões carmelitas na região constavam de 26
povoações; sendo 03 vilas, 09 ‘logares’ e 14 aldeias. Localizavam-se principalmente às
margens do rio Negro, rio Solimões e rio Branco276.

273
SIMONSEN, Roberto Cochrane, História econômica do Brasil (1500/1820), 8ª ed., São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1978, p. 358.
274
HONOR, André Cabral, op. cit., p. 27.
275
BAYÓN, Velasco, O. Carm., op. cit., p. 220.
276
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit., p. 56. Obra que foi a fonte de Velasco Bayón
para o quadro sinopse dos ‘logares’ e aldeamentos dos índios, fundados e cristianizados pelos carmelitas.
BAYÓN, Velasco O. Carm., op. cit., p. 236-242. Também para a região ver os textos de AMORIM,
Maria Adelina, Os franciscanos no Maranhão e Grão-Pará. Missão e cutura na primeira metade do
seiscentos, Lisboa: Universidade Católica, 2005; e; Idem, A Missionação franciscana no estado do Grão-
131

O mesmo religioso André Prat esclarece que com a lei da extinção das Ordens
em Portugal, “[…] ficou inteiramente acéfala a vigaria do Maranhão, na qual se
compreendiam os conventos do Pará e que até então estava sujeita à Província de
Lisboa. Surgindo dissenções entre os religiosos do Pará e os do Maranhão, foram
aqueles desligados em 1841 da Vigararia a que pertenciam e incorporados à Província
Carmelitana Fluminense: continuando a Ordem no Maranhão a manter-se sobre si,
com personalidade jurídica própria, sem dependência de outra congregação ou
província religiosa”277.

3.2.1 Maranhão, São Luís, Convento de Santa Ana das Cruzes (1616)

O Convento dos carmelitas da cidade de São Luís no Maranhão, foi instituído


em 1616, quando os Padres Fr. Cosme da Anunciação e Fr. André da Natividade,
investidos no cargo de Capelães, partiram de Pernambuco na expedição de Alexandre
Moura, com a intenção de ajudar o então representante da metrópole, Jerônimo de
Albuquerque, na reconquista do Maranhão, sob domínio francês278.

Fig. 12 – Antigo convento e Igreja


do Carmo, São Luís, Maranhão. Postal do
começo do século XX. (Fonte:
http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo.html? view= detalhes&id=435110
e https://www.google.pt/maps)

O Padre Manuel de Sá em suas


memórias faz uma boa descrição do convento e da igreja do século XVIII. O convento

Pará e Maranhão (1622-1750). Agentes, estruturas e dinâmica, Lisboa, Universidade de Lisboa, 2011,
com documentos publicados sobre os carmelitas na região: vol. II, p. 331-332; 343, 344, 537-544, etc.
277
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit., p. 198.
278
BAYÓN, Velasco O. Carm., op. cit., p. 107.
132

estava situado “[...] no meio da cidade de São Luiz, com o frontispício para o poente,
tem duas torres, uma de cada banda, as janelas dos dormitórios são para a parte do
mar, tem” uma boa cerca, povoada de muitas e variadas plantas frutíferas, toda
murada de pedra e cal. A igreja tem 160 palmos de comprido e 50 de largo. A capela-
mor é muito formosa, o seu comprimento são 40 palmos, a largura 30, a tribuna é de
talhas cobertas de tintas e ouro e é a melhor que há na cidade. Tem uma milagrosa
imagem de Nossa Senhora Mãe Santíssima, de seis palmos; da parte do Evangelho está
nosso proto-patriarca, S. Elias, e da parte da Epístola nosso Padre Elizeu. Dentro,
nesta capela-mor, há coro que tem duas ordens de cadeiras de pau de cedro,
curiosamente lavrado. Saindo da capela-mor, tem duas capelas colaterais, a da parte
do Evangelho é de santa Luzia, a da parte da Epístola, de Santo Amaro.
Dentro do cruzeiro há duas capelas, a da parte do Evangelho tem a milagrosa
imagem de Cristo Nosso Senhor com a cruz às costas, que está recolhido em uma
pequena tribuna; a principal nobreza desta terra serve a esse Senhor em uma bem
organizada irmandade. A parte da Epístola é do Santíssimo Sacramento. Em uma
tribuna está a Senhora da Piedade, e da parte de fora dela as imagens da Senhora da
Penha de França e da Guia. É a Senhora festejada nestes títulos com grande
solenidade [...]”279.
O religioso ainda relata a existência de uma excelente livraria dos Padres da
igreja, composta de muitos livros sobre teologia e filosofia. Infelizmente hoje só
encontramos no local uma igreja do século XX, dedicada a Nossa Senhora do Monte
Carmelo. Ao lado ainda podemos ver um edifício, que muito provavelmente era o
convento, remodelado. O atual conjunto já não se encontra mais aos cuidados da Ordem
Carmelita, e sim dos padres redentoristas, depois de ter sido abandonado desde fins do
século XIX, permaneceu, no entanto, a devoção a Virgem do Carmo, dando identidade
histórica ao local.

3.2.2 Pará, Belém, Convento de Santa Maria (1624)

A cidade de Belém instalada na foz do rio Amazonas, foi fundada com o


objetivo de tornar-se o ponto de partida e integrador de expedições para o interior da
região, através do antigo e ainda atuante caminho natural: o rio Solimões. Belém

279
SÁ, Fr. Manoel, Memórias dos arcebispos, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 267.
133

manteve um grande núcleo populacional e disputava com São Luís a centralidade


regional, que as conservava isoladas do resto do Brasil. O caminho era difícil não só
entre as duas cidades, mas principalmente, entre elas e o restante do país280. Alguns
historiadores narram que era mais fácil chegar a Lisboa, a partir de Belém ou de São
Luís, do que chegar à capital da colônia, Salvador, na Bahia.

Fig. 13 – Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Belém, Pará. Desenho de J. L


Righini. (Fonte: Panorama do Pará em ‘Doze Vistas’ acervo do Centro de Memória da
Amazônia – UFPA e https://www.google.pt/maps)

Os Carmelitas fundaram o Convento de Santa Maria, em Belém do Grão-Pará,


em 1624. Tinham à frente Frei Francisco da Purificação, como vimos, comissário
Provincial dos carmelitas do extremo Norte do Brasil. O primeiro Vigário Prior deste
convento foi o mesmo do convento do Maranhão, Frei André da Natividade.
O complexo arquitetônico do Carmo de Belém teve uma primeira igreja,
demolida em 1690. Uma nova foi reconstruída, assim como o convento, em pedra e cal,
cujas obras se estenderam por longos anos. Segundo Isabel Mayer Godinho Mendonça,
partes da segunda igreja foram reconstruídas, quando da substituição da fachada antiga

280
Em 2007, resolvemos fazer a viagem pelo rio Amazonas, de Manaus a Belém. Desistimos na cidade de
Santarém, meio do caminho, depois de uma semana num barco de porte médio, que ficava a maior parte
do tempo isolado no meio do largo rio, seguindo lentamente, sem contato com as margens. A partir de
Santarém, pegamos um voo de hora e meia, que nos deixou em Belém, em vez de mais cinco dias pelo
rio. A narrativa dessa viagem tem a intenção de valorizar o trabalho desses missionários, pois se, em
pleno século XXI, a viagem ainda é monótona e longa, podemos imaginar nos séculos XVII e XVIII.
134

pela de cantaria, encomendada em Lisboa, entre os anos de 1750 e 1756. Isto porque a
igreja antiga não suportou o peso da fachada em pedra, precisando ser demolida e
reconstruída. Para a sua reconstrução, entra em cena o arquiteto italiano Antonio
Landi281, figura que terá grande importância na cidade de Belém. “A fachada [da igreja
conventual] cuja autoria se desconhece, rasgada por tripla arcada, com nártex e coro
alto, seguindo uma tipologia comum em templos da ordem, foi montada encostada à
nave da igreja, que não resistiu ao peso e teve que ser demolida. Foi então que
interveio Landi com um projeto para um novo templo, com a obrigação, porém, de
manter a fachada feita em Lisboa”282.
A obra foi inaugurada em 1766 e o projeto tinha planta em forma de cruz latina
e uma capela-mor quadrada rematada por cúpula, que não chegou a ser construída. A
capela-mor manteve a talha dourada, do período barroco, porém, os altares laterais já
são de gosto neoclássico, de princípios do século XIX.

A Ordem Terceira foi fundada na igreja do Carmo de Belém em data incerta.


Acredita-se que já existia antes de 1700, em uma capela primitiva. Em data também
incerta, mas anterior a 1784, edificou-se a nova capela, paralela à nave da igreja, do
lado oposto ao convento, com pela igreja conventual. A planta é de nave única, ligada à
capela-mor por arco triunfal apoiado em duas colunas destacadas, unidas aos
paramentos laterais por pequenos entablamentos, que, de acordo com Isabel Mendonça,
é um pormenor típico da escola de Bolonha. Por esse motivo, ela atribuiu a planta
também ao arquiteto italiano Landi283.
O desenho do altar-mor dos terceiros, conforme a mesma historiadora, também
pode ser atribuído ao arquiteto italiano, apesar de não existir qualquer prova
documental. Os altares apresentam fundo branco e ornatos sobressalentes em dourado.
O altar-mor tem a planta reta e é composto de três panos e três registros com “[...] duplo
embasamento (com sotobanco e banco com urna para a figura jacente de Cristo);
corpo principal com nicho central, panos laterais com colunas destacadas assentes em
plintos dispostos angularmente e ilhargas com peanhas para imagens de vulto; corpo
281
Fachada que veio inteira de Lisboa, juntamente com dois mestres pedreiros encarregados da sua
montagem: Manuel Gomes e Jerônimo da Silva, citados por Rafael Moreira e Renata Araújo Malcher, ‘A
engenharia militar do século XVIII e a ocupação da Amazônia’ publicado em Amazônia Felsínea, p. 173-
195. E MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, ‘António José Landi (1713-1791) e a arquitetura religiosa
em Belém do Pará’, publicado em II Congresso Internacional de História da Arte, Actas, Almedina,
Coimbra, 2005, p. 441-454.
282
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, ‘António José Landi ... op. cit., p. 441- 454.
283
Idem, ibidem, p. 445-446.
135

de remate acima do entablamento que acompanha o movimento dos plintos, rematado


por frontão mistilíneo com auréola radial no tímpano. As colunas são compósitas, de
fuste estriado, com o terço inferior demarcado por anel de folhagem, à frente de
pilastras de igual perfil, mas sem anel intermédio; no eixo das colunas, acima do
entalhamento, dois fogaréus de onde prendem grinaldas; dos lados do nicho central,
pilastras molduradas e decoradas por rosetas, apontadas em bases redondas rodeadas
de acantos, com capitéis em forma de placa bibienesca; concheados emolduram a urna,
o nicho e a mesa do altar”284.
Entronizados no altar-mor, hoje encontramos, ao centro, Nossa Senhora do
Carmo sentada, entregando o escapulário a São Simão Stock. São peças de roca, de
pequenas dimensões. Ao lado acham-se duas excelentes esculturas de madeira
policromada dos fundadores da Ordem: Santo Elias e Santo Eliseu. Os sete altares
laterais, portanto, assimétricos, comportam os sete Passos da Paixão de Cristo, incluindo
o Crucificado, que, a nosso ver, deveria estar no altar-mor, assunto que detalharemos no
próximo capítulo.
A Vice-Província Carmelitana do Pará e Maranhão foi extinta com o falecimento
do último frade, Fr. Caetano de Santa Rita Serejo, ocorrido em 1891. Desde então, o
convento passou para o patrimônio do estado, sendo cedido posteriormente a Mitra de
Belém, que, por sua vez, em 1930, entregou o edifício aos cuidados do educandário São
João Bosco, onde ainda hoje funciona um colégio.

3.2.3 Maranhão, Alcântara, Convento e Igreja do Carmo (1647)

A cidade de Alcântara, ainda sob o topônimo de Tapuitapeba, assim como a


região, teve grande desenvolvimento no século XVII e XVIII, devido à localização
estratégica, como vimos no início deste subitem. Do final do século XVIII até meados
do XIX, Alcântara manteve uma posição preponderante na região, com os descendentes
dos abastados senhores da burguesia rural sendo enviados à Coimbra e a outros centros
universitários europeus para a formação pessoal. A decadência veio em fins do século
XIX e início do XX, em decorrência da libertação dos escravos, cuja mão de obra
sustentava as lavouras agrícolas.

284
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, O contributo de António José Landi para as artes decorativas
no Brasil colonial: (composições retabulares em madeira, estuques, e pintura de quadratura), Porto,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
136

Segundo Santos Simões que visitou a cidade na década de 60 do século passado,


Alcântara era “[...] uma cidade morta, cuja tranquilidade se processa ao longo do cais
sem movimento. Ainda nos meados do século XIX a cidade mantinha o ‘panache’ da
sua prosápia fidalga e foi nessa época de rivalidade com S. Luís que se recarnaram de
azulejos algumas fachadas, cujos exemplos mais notáveis são o grande prédio da Praça
de S. Matias, as casas da antiga Rua Grande e o palacete Cid. Em todos os casos são
azulejos de padronagem dos modelos que veremos em S. Luís, de proveniência
portuguesa, de cerca de 1860-80”285. Pouco sobreviveu também dos monumentos
religiosos do período áureo da cidade, ainda são encontradas a Capela de Nossa Senhora
do Desterro, atual Igreja de São José; a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos,
de 1781; ruínas da Igreja Matriz de São Matias e a Igreja conventual do conjunto
arquitetônico do Carmo.
Segundo Manuel de Sá, o convento de Alcântara foi o terceiro a se instalar no
Maranhão, província que, no século XVII, compreendia também o atual estado do Pará.
Nesse local “[...] se fundou no ano de 1647, à instancia do Donatário da mesma vila,
Antonio Coelho de Carvalho, Desembargador do Paço, que, pelo Padre Fr. Joseph de
Santa Theresa, primeiro noviço, que houve nesta Vigararia, mandou as ordens, e o
mais necessário para a fundação. Saio este religioso de Lisboa, onde veio tomar
ordens, e naufragando o navio em que ia no Camucim, teve a fortuna de livrar daquele
perigo, e saindo a terra, logo deu princípio ao dito convento, que o seu título é como o
dos mais, Nossa Senhora do Carmo. Foi ele o primeiro Prior, mas pouco tempo
exercitou este emprego, porque como em secular tinha sido, muitos anos, cativo do
gentio, e sabia a língua de muitas nações daquele sertão o mandou sua Majestade, no
mesmo ano de 1647, acompanhar Bartholomeu Barreiros, quando foi descobrir o ouro,
e veio substituir a sua falta, e continuar com a fundação, o Reverendo Padre Fr. Pedro
da Madalena, Vigário Provincial, que era da Vigararia”286.
Portanto, o convento e a igreja do Carmo de Alcântara foram fundados em 1647,
pelos irmãos da ordem dos Carmelitas da Antiga Observância. O convento, devido à
ação enérgica do Provincial, Fr. Caetano de Santa Rita, e dos cuidados piedosos de Fr.
João Bastos, último frade que ali viveu, passou por reparos em 1865, e durou mais meio
século. A partir de 1890, quando a ordem carmelita foi despojada de todos os seus bens,
caiu no esquecimento. Atualmente, do convento, só restam muros e escombros. “O

285
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p.187.
286
SÁ, Fr. Manoel, Memórias históricas... op. cit., cap. LXIV, p. 329-330.
137

mesmo felizmente não aconteceu à igreja de Nossa Senhora do Carmo,


ininterruptamente cuidada pelos fieis e comissões de Senhoras que procuram conserva-
la com todos os seus preciosos objetos de culto e suas primorosas obras de arte”287.
Ainda se encontra na frente do edifício, um pátio aberto com um pequeno cruzeiro de
pedra.

Fig. 14 – Igreja do Carmo, Alcântara, Maranhão (Fonte: https://www.google.pt/maps)

A fachada da igreja do Carmo tem o corpo principal retangular, ladeado por duas
torres. Uma portada singela decora a porta principal. Cinco janelas estão alojadas no
segundo andar, sendo duas no espaço das torres. Um frontão triangular com um
sugestivo movimento convexo foi aplicado sobre a estreita cimalha superior. À direita,
um pequeno cômodo, que parece ser tudo o que sobrou do convento, apresenta uma
porta centralizada e um óculo circular. Sobre a porta há uma portada com um escudo,
magnificamente talhado, representando as armas da Ordem.
A decoração interna apresenta um vasto repertório de estilos. Os altares foram
sendo construídos lentamente, por isso encontramos o belo retábulo-mor e o púlpito no
barroco joanino, com revoadas de anjos e querubins, em madeira policromada e dourada
e o retábulo da capela do Santíssimo já rococó. Apresenta na nave e capela-mor um
“silhar de 9 azulejos de alto, conforme com os protótipos ornamentais policromos de
almofadas e florões sobre fundos marmoreados de fabricação corrente das oficinas de
Lisboa, entre 1795-1805”288.

287
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Convento e Igreja do Carmo, Alcântara’, Resumos históricos, Pasta de
Inventários, Arquivo central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
288
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 188.
138

Na sacristia, a pia em pedra de lioz, importada de Portugal, já não está na sua


constituição original. Segundo um laudo de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, é
evidente a “[...] falta de integração ornamental do elemento intermediário com a bacia
e o frontão superior, indica claramente tratar-se de peça não prevista no conjunto
original, hipótese confirmada ainda pelo tratamento decorativo diferente das rosetas
ornamentais, sugerindo época mais recente”289.
O atual programa iconográfico do retábulo principal acompanha a tipologia das
igrejas carmelitas: Virgem do Carmo ladeada pelos santos fundadores da ordem: Santo
Elias e Santo Eliseu, excelentes peças que seduzem e entusiasmam de tanta beleza290.
Para Frei André Prat, o altar-mor é uma maravilha: toma todo o fundo do templo e vai
até o teto. “As esculturas deslumbram: anjos em vulto, e não apenas em alto relevo.
Ressalta ainda que os púlpitos foram encravados nas paredes, e que são obras de
altíssimo valor artístico”291. Nada conseguimos apurar a respeito da existência de uma
irmandade de leigos.

3.3 As fundações da Região Nordeste

O Nordeste foi um importante centro da economia açucareira. Por dois séculos,


a maioria da população manteve-se nas cidades litorâneas. Somente expedições
esporádicas saíam com destino ao interior. Ao longo da faixa do litoral foram surgindo
vilas e cidades. É interessante acompanhar a disseminação das ordens religiosas, e em
particular, da Ordem Carmelita, seguindo a expansão econômica e política da região.

3.3.1. Paraíba
O atual estado da Paraíba fazia parte da capitania de Itamaracá até ser criada a
capitania da Paraíba, em fins do século XVI. Neste principio, esteve constantemente nas
mãos dos estrangeiros, primeiro dos franceses, que vinham com a intenção de comerciar

289
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘Pia da sacristia do convento do Carmo de Alcântara’,
Laudo Técnico, Pasta de Inventários, Arquivo Central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro.
290
Em visita à cidade de Alcântara (1999) para a curadoria da exposição 500 anos dos descobrimentos,
deparamos com essas mesmas esculturas: Nossa Senhora do Carmo, Santo Elias e Santo Eliseu, na
reserva técnica do Museu Regional da cidade. Tivemos, então, a oportunidade de vê-las de perto. São
quase de tamanho natural e de excelente fatura.
291
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Convento e Igreja do Carmo, Alcântara’, Resumos históricos, Pasta de
Inventários, Arquivo central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
139

com os nativos o pau-brasil e depois dos holandeses, que permaneceram por cerca de 40
anos, até, novamente o domínio dos portugueses. A base da economia sempre foi o
plantio da cana de açúcar.
Os carmelitas vieram na expedição de Frutuoso Barbosa, fidalgo português, para
fundar o primeiro convento da Ordem do Carmo, na cidade da Parayba (hoje João
Pessoa). Porém, o destino não quis e a armada acabou indo parar em Pernambuco. Lá os
religiosos fundaram o convento de Olinda, como vimos no começo deste capítulo. Anos
depois, alguns frades carmelitas chegaram a João Pessoa, onde ergueram um convento e
a igreja, e, ainda aldeias, e na cidade de Lucena, edificaram um hospício, com a capela
de Nossa Senhora da Guia.

3.3.1.1 João Pessoa (c. 1591)

O Convento Carmelita da Paraíba, hoje João Pessoa, atual capital do estado de


mesmo nome, foi fundado por volta do ano de 1591. Acredita-se que tenha sido ainda
em fins do século XVI, porém, Frei Manuel de Sá, nas suas Memórias históricas, diz:
“[...] que não obstante aplicarmos as diligências necessárias para conseguirmos a
certeza – nada encontrou que pudesse afirmar a data da criação dos mosteiros de sua
ordem, cujos livros foram enterrados na vinda do holandês e desenterrados depois, não
prestavam para nada. [...] na cidade da Paraíba fundaram os religiosos convento em
uma ermida de Nossa Senhora do Rosário, que dizem conserva o mesmo título”292.

Fig. 15 – Antigo convento e Igreja conventual dos Carmelitas da Antiga Observância, e,


Igreja da Ordem Terceira, João Pessoa, Paraíba. (fonte: https://www.google.pt/maps)

292
SÁ, Fr. Manoel, apud PINTO, Irineu Ferreira, Datas e notas para a história da Paraíba, Paraíba,
Imprensa oficial, 1908, p. 32.
140

Atualmente o conjunto compreende a Igreja conventual, o antigo convento hoje


reformado e transformado em Palácio Episcopal, sede da Arquidiocese da Paraíba, e a
Igreja de Santa Teresa, construída pelos irmãos leigos. A primeira versão do conjunto
do Carmo de João Pessoa não foi finalizada devido à invasão holandesa, que destruiu o
pouco que estava de pé. Depois da expulsão, a Ordem resolveu reconstruir o convento,
que levou muitos anos para ser concluído. Hoje se aceita a data de 1763-1778 como o
último período de obras da igreja conventual, no priorado de Frei Manuel de Santa
Teresa293. O convento passou praticamente todo o século XIX em posse das forças
militares. Tornou-se novamente habitado só em princípios do século XX, quando sofreu
uma grande reforma e passou a abrigar a Arquidiocese da Paraíba.
O atual conjunto arquitetônico dos carmelitas de João Pessoa apresenta a igreja
conventual centralizada, estando o convento à esquerda e a igreja dos terceiros, recuada
e de menor dimensão, à direita. É possível perceber que houve um avanço da fachada da
igreja conventual sobre a da Ordem Terceira. Ambas deviam estar na mesma linha da
rua, e durante as obras de reconstrução da segunda metade do século XVIIII, avançou-
se com o frontispício da igreja conventual para a construção das torres. A torre da
esquerda permanece inconclusa.
A igreja conventual é composta de nave única, de dimensões avantajadas e
decoração uniforme. A nave é ladeada por corredores, o da esquerda, aberto, dá para o
que restou do claustro do antigo convento e o da direita, fechado, faz a ligação com a
igreja dos terceiros, como uma passagem, que também dá acesso à torre. “A fachada da
igreja é rococó nas proporções e na decoração, mas a sua cornija é reta, e o frontão
relativamente baixo, diferentemente do uso corrente na região de Pernambuco. A
solução compositiva com portas falsas, em cantaria, nas torres, corresponde ao espírito
barroco [...]”294.
A fachada termina em um frontão recortado, com o escudo da Ordem, de
delicado gosto rococó. Uma interessante característica da igreja conventual do Carmo
de João Pessoa é o uso de pedra calcária na decoração tanto externa, nos arremates das
portas e janelas, no barrado e na delimitação dos espaços compartimentados da fachada,
quanto interna, no arco cruzeiro e nos cinco retábulos da igreja. Em madeira, só os dois
pares de púlpitos. Aliás, talvez seja esse o único caso, no Brasil, da existência de quatro

293
HONOR, André Cabral, op. cit., p. 25.
294
CARVALHO, Juliano Loureiro de, ‘Igreja de Santa Teresa e Casa de Oração (Ordem Terceira do
Carmo)’, publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op.
cit., p. 120-121.
141

púlpitos, dois nas paredes laterais, como de praxe, e, dois na parede do arco cruzeiro. Os
quatro podem ser utilizados, pois possuem escadas de acesso. E o mais curioso: eles
apresentam a mesma tipologia formal, possuindo ornatos em estilo rococó. Foram,
portanto, confeccionados em períodos próximos.
Frei Lino do Monte Carmelo descreveria este templo como o melhor da
província carmelita, por ser todo em pedra, “até mesmo a talha e relevos dos seus
altares, colunas, nichos e tudo o mais que concerne à beleza de um altar, sobressaindo
em todos o dourado polido”295.
A planta da nave apresenta os cantos do arco cruzeiro chanfrados, elemento que
introduz movimentação ao espaço. As paredes da nave e a capela-mor estão decoradas
com barrados de azulejos, integrados aos altares, com temática ligada à ordem
carmelita. Segundo Santos Simão, os azulejos são magníficos exemplares do tipo
oficinal lisboeta, de cerca de 1750296. Na nave o tema dos quadros pertence ao
hagiológio carmelita com Nossa Senhora do Carmo dando o escapulário a diversos
santos. A pintura é cuidada e tem principal interesse nos fundos de paisagem e na
vegetação. “[...] Na capela mor há dois grandes painéis, de mesmo tipo dos azulejos da
nave, [...] Representam do lado do evangelho, Nossa Senhora do Carmo entre anjos,
aparecendo a um grupo de frades ajoelhados, entre os quais se destaca, na frente, o
que está nimbado: São Simão Stock. Do lado da epístola vemos Nossa senhora do
Carmo abrigando sob o manto religiosos e monges [...]”297
O altar-mor apresenta dois pares de colunas torsas entremeadas por motivos
fitomórficos e frontão superior que acompanha a terminação curva do forro, composto
de elementos diversos, estando ao centro a tarja com o símbolo da ordem, sustentada
por dois anjos. Sobre a mesa uma maquineta guarda a imagem da Virgem do Carmo, de
pequena proporção, e, nos entremeios das colunas Santo Elias e Santo Eliseu, peças de
grandes dimensões e fatura local. No topo do trono vemos hoje um Senhor do Sagrado
Coração de Jesus de gesso policromado que não se integra a composição do retábulo.
Os altares laterais estão estruturados em duas colunas retas, com o ramo
fitomórfico enrolado, ao modelo do retábulo mor, porém sem a torção. A base destes
quatro retábulos é pesada composta pela mesa e duas camadas horizontais decoradas
com tarja vazada de gosto rococó ao centro. O frontão superior é desproporcional, muito

295
MONTE CARMELO, Frei Lino, apud CARVALHO, Juliano Loureiro de, op. cit., p. 121.
296
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 209.
297
Idem, ibidem, p. 210.
142

pequeno, tem ao centro o mesmo tipo de tarja dos elementos estruturais da base. Os
santos entronizados nestes altares, são no da direita o Senhor dos Passos, e, no da
esquerda a Sagrada Parentela, ao centro a Virgem, São José e o Menino Jesus, nos
entremeios das colunas Santana e São Joaquim. Nos dois colaterais há duas pinturas
representando Nossa Senhora do Rosário e Santa Teresa, assim como, existem dois
painéis ovais, acima dos altares, de um lado com a pintura de Nossa Senhora do Carmo
e do outro o êxtase de Santa Teresa.

A irmandade dos terceiros instalou-se na igreja conventual em época incerta,


podendo ter sido no início do século XVIII, pois o terreno da atual Igreja dos terceiros
foi uma doação dos frades carmelitas de 1717298. Porém, o início e a conclusão das
obras não estão definidos. Acredita-se que tenham sido concluídas em 1777, na
administração do Frei Manuel de Santa Teresa, o mesmo que finalizou a reconstrução
da igreja conventual. O aspecto exterior da igreja condiz com esta datação. Capela de
dimensões pequenas, tem planta retangular e fachada com uma única porta no corpo
principal com cilhares em cantaria. Sob a porta, duas janelas ladeiam o óculo trilobado,
que ilumina internamente o coro alto. Um frontão delicado foi aplicado à linha sinuosa
da cornija superior. Ao centro, há um nicho com a escultura de Santa Teresa,
possivelmente de pedra calcária. De proporção menor e recuada em relação à linha da
rua, a capela dos terceiros de João Pessoa, destaca-se do conjunto, com sua simplicidade
e harmonia dos elementos decorativos.
Internamente, a nave única retangular separa-se da capela-mor pelo arco cruzeiro
simples, decorado com tarja com a insígnia da Ordem. Ao fundo da capela-mor há um
retábulo de desenho curioso, composto de três pares de colunas torsas estilizadas e
ingênuas, com o terço inferior demarcado por anel de folhagem. Tais colunas estão
sobre uma base de peças retangulares alongadas e planas com ornatos aplicados. O
frontão superior tem tarja central com escudo da Ordem, ladeado por dois elementos
decorativos florais. Nas extremidades, dois anjos sentam-se sobre dois pilares sinuosos.
Entronizado no nicho central, está o Crucificado, e sobre a mesa do altar,
encontram-se três excelentes imagens: Nossa Senhora do Carmo, Santa Teresa e São
João da Cruz, este último de identificação iconográfica duvidosa. A impressão é de que
este altar foi criado a partir de peças de épocas distintas, arranjadas em uma nova

298
HONOR, André Cabral, op. cit., p. 24.
143

composição, de estilo difícil de definir e de características formais híbridas, porém, de


desenho único, podendo ser uma criação local.
O forro pintado da nave narra cenas da vida de Santa Teresa em oito medalhões
ao redor da cimalha superior, como um muro parapeito. Ao centro o medalhão maior
representa a morte de Teresa. O forro da capela-mor divide-se em oito triângulos, com
bustos de santos terceiros em relevo e, ao centro, uma roseta dourada.
Os seis altares laterais estão acomodados em arcadas rasas de pedras e
apresentam o mesmo desenho e estrutura composicional: duas colunas retas e dois
quartelões sinuosos. Cobrindo os espaços vazios entre as colunas foram aplicados
elementos decorativos em rocalhas de pouco relevo. Possuem uma bela estrutura
organizacional, mas necessitam de uma boa obra de conservação. Neles encontramos os
seis Cristos da Paixão, à direita, a partir do arco cruzeiro: Ecce Homo, Flagelação e
Horto, à esquerda, a partir da entrada: Prisão, Coroação de Espinhos e Senhor dos
Passos. O Crucificado, como vimos, fecha o ciclo da Paixão, no altar-mor. Tais peças
serão estudadas detalhadamente no próximo capítulo.

3.3.1.2 Lucena (século XVIII)

A cidade de Lucena apresenta ainda hoje a igreja de Nossa Senhora da Guia,


cuja origem remonta ao século XVII, a partir da fundação de um hospício da Ordem
Carmelita entre os anos de 1605 e 1609, logo que surgiu o primeiro aldeamento na
margem setentrional da foz do rio Paraíba. O hospício, devido à invasão holandesa, foi
destruído e reconstruído algumas vezes. Dele nada restou.
A atual igreja de Nossa Senhora da Guia é fruto de uma reconstrução
encabeçada por frei Manuel de Santa Teresa, quinze anos depois da demolição da antiga
em 1763. Na segunda metade do século XIX esteve abandonada e sofreu algumas
reformas em períodos distintos. O atual aspecto é fruto de uma restauração recente,
segundo o Projeto da Fundação Cultural do Estado da Paraíba.
144

Fig. 16 – Igreja de Nossa Senhora da Guia, Lucena, Paraíba. (Fonte:


http://patrimonioespiritual.org/2015/04/25/igreja-de-nossa-senhora-da-guia-lucena-pb/ e
https://www.google.pt/maps)

A Igreja, portanto, de fins do século XVIII, apresenta de mais marcante o


frontispício, composto em grande parte de pedra calcária esculpida, ímpar no território
brasileiro, comparável apenas à da Ordem Terceira de São Francisco de Salvador. A
fachada compartimentada tem, no primeiro andar, uma galilé de cinco arcos, no
segundo andar, ao centro, há um nicho com a Virgem do Carmo ladeada por quatro
janelas, com cercaduras de colunas torsas, motivo que se repete nas três portas de
entrada, na varanda da galilé. O desenho, além das colunas torsas estruturais, mistura
elementos nativos como frutas e flores, anjos e elementos decorativos de tarjas e
emblemas, todo o entalhe é de fatura ingênua, testemunhando a utilização de mão de
obra local, que mereceria um bom estudo monográfico.

3.3.2 Pernambuco

No atual estado de Pernambuco, ocorreu a primeira fundação da Ordem


Carmelita no Brasil, na vila de Olinda, como vimos no início deste capítulo. As
fundações seguintes foram dois conventos da Antiga Observância nas cidades de
Goiana e na capital, Recife. Estes conventos, em fins do século XVII, juntamente com o
de João Pessoa, passarão a seguir a reforma turônica, da ala francesa da Ordem.
Juntamente com o convento de Olinda, o convento de Nossa Senhora do Carmo, cuja
capela de Nossa Senhora de Nazaré foi fundada em 1640, por Pedro Dias da Fonseca, a
qual foi doada em 1687 ao convento de Recife pelas netas do fundador, permaneceu
145

sem aderir a reforma, ficando no abandono e subordinado a Salvador299. No Estado de


Pernambuco teremos na cidade de Olinda a instalação do primeiro convento também da
ala dos Descalços no Brasil, o convento de Santa Teresa, que analisaremos no subitem
específico dedicado aos Terésios.

Fig. 17 – Capela de Nossa Senhora de Nazaré, Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.


(Fonte: https://www.google.pt/maps )

3.3.2.1 Goiana (1666)

A vila de Goiana que deu nome ao rio que a cerca, no século XVIII, segundo
palavras do frade franciscano Loreto Couto, ficava “[...] a treze léguas de Olinda, e oito
de Igarassu, tem mais de 600 vizinhos, é governada por um capitão mor, Juiz ordinário,
o ouvidor. O convento de Nossa senhora do Carmo é magnífico. A igreja paroquial e a
da misericórdia são suntuosas, e quatro templos muito asseados e ricos. Nesta
freguesia são moradores quase dez mil pessoas de confissão”300.
Sabemos, portanto, que na singela cidade existiam outros sete templos, incluindo
o dos Carmelitas, para uma população de dez mil pessoas de ‘confissão’. As
informações sobre a história do complexo arquitetônico dos Carmelitas, incluindo o
Convento de Santo Alberto, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja de Santa Teresa
dos Terceiros, são escassas.

299
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana… op. cit..
300
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 169.
146

Fig. 18 – Convento de Santo Alberto, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja de Santa
Teresa, Goiana, Pernambuco. Foto de Augusto Stahl, c. 1859 (Fonte: LAGO, Bia Corrêa do,
Augusto Stahl. Obra completa em Pernambuco e Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Capivara,
2001, p. 77 e 78; e, https://www.google.pt/maps)

Germain Bazin informa que o convento foi fundado em 1666 pelo provincial da
Ordem, Frei Alberto do Espírito Santo. Foi reconstruído em 1678, data em que se
lançaram os alicerces do atual, pelo prior geral, André Vidal de Negreiros, que deixou
em testamento, em 1680, 120 arrobas de açúcar branco por ano ao convento, por um
período de 10 anos. Um ano mais tarde, o convento conseguiu um subsídio anual para a
sua construção301.
A edificação conventual situa-se ao redor de um claustro retangular, avarandado
internamente, em dois andares. No primeiro, arcos plenos dão acesso ao jardim e, no
segundo, fechado, a luz penetra através de janelas retangulares. A impressão é a de que
houve obras de renovação na estrutura arquitetônica deste claustro, pois está desprovido
de qualquer elemento em pedra calcária, como observado na fachada e em outras igrejas

301
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa ... op. cit., vol. 2, p. 120.
147

da cidade. Bazin acredita que a entrada do convento se dava por um pequeno alpendre,
do qual ainda restam as duas colunas adossadas na parede302, varanda que ainda existia
e pode ser vista na foto de Augusto Stahl, de cerca de 1860303.
A construção atual talvez seja de 1719, data que se encontra na pintura do teto
da portaria, a qual representa os profetas Elias e Eliseu, e em duas das três tarjas com
textos manuscritos do cruzeiro situado defronte à igreja, cuja tipologia é própria dos
conventos franciscanos. Aliás, esse cruzeiro apresenta, segundo Germain Bazin,
influência oriental e a seguinte inscrição: VOS FRN EM ELEVANTAR ESTS CRUS
TA /IMPORTANTE SER / HU SERAPHIM AMANTE QUIZESTE / SIGNIFICAR.
O CAMINHAN Q VAS ESTA OBRA Q A QUI / VEZ A VIRGE DO / CARMO A
FES POSTO Q AFONSO A FAZ / 1719304.
É um extraordinário cruzeiro, hoje integrado a uma praça arborizada, diluído na
nova paisagem da cidade, perdendo um pouco o seu caráter monumental, que ainda
transparecia na foto de Augusto Stahl305. Na realidade, existem três tarjas manuscritas
no cruzeiro, falta, portanto, uma das inscrições ao texto apresentado pelo historiador
francês Germain Bazin. A inscrição faltante seria: LAOS SE RAPHINS FORT [...] AO
// aquelle throno de luzes // de suas azas ires cruzes // em q se crucificavão // E 1719 A
Unindo as três partes, o texto original, podendo variar a ordem, ficaria assim:

VOS FRN EM ELEVANTAR / na crus [ta importante] / ser hum seraphim


amante / quizere significar / E 1719 A.
LAOS SE RAPHINS FORT[..]AO / aquelle throno de luzes / de suas azas ires
cruzes / em q se crucificavão / E 1719 A
O CAMINHAN T Q VAS / e na obra q aqui ves / a Virge do Carmo a fes / pono q
afonsso a fas.

302
Idem, ibidem, p. 120.
303
Augusto Stahl, c. 1859, publicado em LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl... op. cit., p. 77 e 78.
304
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa ... op. cit., vol. 2, p. 120.
305
Foto de Augusto Stahl, c. 1859, publicada em LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl ... op. cit., p. 77 e
78.
148

Fig. 19 – Tarjas, cruzeiro, Goiana, Pernambuco.


A igreja conventual apresenta fachada retangular simples, com apenas uma torre
pesada, à esquerda. A porta central, maior do que as outras duas, é rebatida no segundo
andar por uma janela central e duas laterais. Ao centro temos uma bonita tarja com a
insígnia da Ordem, entalhada em pedra calcária. Elementos decorativos com
insinuações de rocalhas entalhados na pedra estão adossados às aberturas (portas e
janelas). O frontão superior, de feitio sinuoso, está aplicado sobre a cornija curva, tendo
ao centro um nicho com a imagem de Nossa Senhora do Carmo.
Internamente a igreja se compõe de uma nave retangular, transepto e capela-mor
alongada. A decoração é muito simples, composta de dois altares colaterais e duas
capelas no transepto, uma falsa, rasa, e outra profunda, além de altar-mor. Os dois
altares colaterais são os de maior interesse, utilizam um par de estípites, marmorizadas
de cores fortes, de gosto pombalino ou mesmo já neoclássico. Entronizado no da
esquerda, encontramos São José, escultura do século XIX e, no da direita, Santo
Alberto, padroeiro do Convento, obra possivelmente de fins do século XVII e sobre a
mesa, uma urna com Nossa Senhora da Boa Morte, do século XVIII.
O retábulo da capela funda do transepto, à esquerda, dedicado ao Senhor dos
Passos, parece uma cópia em argamassa de um altar rococó, estruturado em dois pares
de colunas retas, um decorado com guirlanda de flores e outro com filetes amarelos. Na
capela rasa, à direita, há um precioso Crucificado, de tamanho natural, do século XVIII,
de belíssima fatura.
O retábulo-mor é obra do século XX, em argamassa. O seu valor está no
conjunto de invocações carmelitas remanescentes do século XVIII: ao centro, a Virgem
do Carmo, padroeira da Igreja, ladeada pelos santos fundadores da ordem, Santo Elias e
Eliseu, e, sobre a mesa do altar, acham-se duas belíssimas esculturas, Santa Teresa e
São João Batista.
149

Não foi possível apurar a data da instalação da Ordem Terceira no convento de


Goiana, nem da construção da igreja dos terceiros, localizada à esquerda, de menor
dimensão e recuada do conjunto arquitetônico conventual. O frontispício da igreja da
Ordem Terceira, dedicada a Santa Teresa, é simples, similar ao da Igreja conventual,
porém, de menor dimensão e sem torre. No andar térreo, encontra-se uma porta
centralizada, e, no segundo andar, três janelas iluminam um possível coro alto. No
remate superior, está o brasão da Ordem coroado, em pedra calcária. Repetindo o
modelo anterior, o frontão curvilíneo foi implantado sobre a cornija curva. Do lado
esquerdo, encontra-se uma estreita construção de dois andares, que, a princípio, pode ter
sido o prenuncio de uma torre, mas que hoje parece servir como sacristia, cuja porta de
entrada também se localiza na fachada.
A igreja dos Terceiros de Goiana apresenta o programa iconográfico comum
aos terceiros carmelitas brasileiros: os Cristos dos Passos da Paixão, nos altares laterais
e no altar-mor. Os altares são pintados fingindo pedra, com apliques coloridos fixados
as paredes, sem muito requinte, provavelmente de data bem recente (século XX,
segunda metade). No entanto, as esculturas dos
Passos da Paixão são de boa qualidade, podendo ser
de fatura local, quando da nossa visita estavam, por
motivos de segurança, armazenadas numa sala à
entrada principal do convento. Essas obras serão
objeto de estudo no próximo capítulo.

Fig. 20 – Cristos, Convento de Goiana, Pernambuco.

3.3.2.2 Recife (1665)

O Convento dos Carmelitas de Recife foi fundado no ano de 1665, no Palácio da


Boa Vista, construção do período de Conde Maurício de Nassau na cidade (1637-1644),
que, após a expulsão dos holandeses, passou para a Fazenda Real.
Os frades carmelitas receberam, em 1685, autorização para iniciarem as obras do
convento pela parte da igreja, a qual, em 1696, atingia a altura do cruzeiro e só se
concluiria em 1767. O frade franciscano Loreto Couto informa que o convento de
Recife, na realidade, iniciou-se a partir de um hospício, que com o tempo, passou a
150

convento, e, em fins do século XVII aderiu à Reforma Turônica. Motivo pela qual não
conhecemos o andar das obras de sua edificação, pois houve muitas desavenças entre os
frades calçados e os reformados: “O padre fr. João de S. José com o favor del Rey D.
Pedro II, introduziu a reforma da Província da Turônica em França, fazendo lhe sua
majestade mercê, que se erigisse o convento, no sitio que hoje se acha, por decreto, que
se acha registrado no L. 7 dos registros da Secretaria deste governo, em vinte e dois de
Maio de 1687; não tem determinado número de religiosos, ao presente vivem [1757]
neste magnífico convento quarenta e cinco”306.

Fig. 21 – Convento e Igreja de Nossa Senhora


do Carmo, e, Igreja de Santa Teresa da Ordem Terceira
do Carmo, Recife, Pernambuco. (Fonte:
https://www.google.pt/maps )

A igreja conventual está localizada à esquerda e o convento é uma construção de


planta retangular em torno de um claustro, com pilares quadrangulares ladeados por
duas pilastras toscanas, que apoiam as arcadas. Os dois pavimentos, além das celas dos
frades, comportavam ainda refeitório, biblioteca, salas de reuniões, sacristia, entre
outras instalações funcionais para o bom andamento da casa.
Na fachada da igreja de desenho rococó apresenta a data de 1767. O corpo
central ladeado pelas torres, a da esquerda inconclusa, compõe-se de dois andares. No
primeiro temos cinco portas, sendo duas nas torres, que são rebatidas no segundo andar
por cinco aberturas do tipo janelas/portas. A decoração em pedra calcária adossa as
aberturas, desenha o frontão e preenche os entremeios das janelas com dois nichos para

306
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 163.
151

os santos fundadores da Ordem. As atuais esculturas que lá se encontram são do século


XX, em cimento armado. No frontão está entronizada a Virgem do Carmo.
O modelo da planta é em cruz latina, nave retangular com capelas laterais
intercomunicantes, transepto e capela-mor bastante profunda. A talha dos altares laterais
e da capela-mor possui tipologias variadas e momentos distintos, indo desde o barroco
nacional até o rococó. O altar-mor, último a ser executado, é de gosto rococó, assim
como o revestimento do teto, já do século XIX, eclético. Os altares do transepto
pertencem ao reinado de D. João V, apesar de algumas intervenções posteriores. Os seis
altares da nave, antes no fundo das capelas intercomunicantes, podem ser incluídos
também na fase do barroco joanino. Atualmente, após algumas reformas, esses altares
foram deslocados para a boca de entrada dos arcos das antigas capelas. A nave possui
um belo forro pintado, representando, ao centro, a ascensão do Profeta Elias no carro de
fogo307.
O programa iconográfico da Igreja conventual repete o modelo das igrejas da
Ordem. No altar-mor, está entronizada a Virgem do Carmo, do século XVIII, com
acréscimo de uma revoada de anjos do século XX, ladeada pelos santos fundadores,
Santo Elias e Eliseu, imagens de belíssima fatura, que acompanham o estilo do altar. O
altar-mor pode também ser fechado com um painel pintado da Virgem de braços abertos
acolhendo santos carmelitas, masculinos de um lado e femininos do outro. Os altares do
transepto são dedicados ao Senhor dos Passos e a São José, neste último com dois
santos Mártires, São Sebastião e Santa Apolônia, nos entremeios das colunas. Nos
altares laterais, as invocações principais são São João Batista, a Sagrada Famíla (José,
Maria e Jesus menino), Santo Ângelo, Santa Teresa, etc.

A Ordem Terceira instalou-se numa das capelas do transepto da igreja


conventual no ano de 1689. Foi fundada por Carta patente lavrada em Madrid, em 1695,
dada pelo Revmo. P. Geral da Ordem Carmelita, Fr. João Freixo de Vilalobos,
confirmada no mesmo ano, em Lisboa, pelo Núncio Apostólico de Portugal, e,
reconfirmada pelo Pontífice Inocêncio XII, em Roma em 1696. Uma vez estabelecida a
corporação, regeu-se pelos Estatutos organizados pelo Padre e visitador Geral da
Ordem, Fr. Manoel Ferreira da Natividade, promulgados na Bahia, em 1696, para
regime das Ordens Terceira de Nossa Senhora do Carmo em todo o Brasil. Estatutos

307
MENEZES, José Luiz Mota, ‘Igreja e Convento do Carmo. Recife, Pernambuco, Brasil’ publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit.,, p. 164-165.
152

esses que, mais tarde, foram firmados com algumas ampliações, por ato do Padre
Visitador, lavrado no convento do Carmo de Recife, em 1704308.
Em 1710, “mediante as competentes licenças foi a Ordem solenemente
trasladada para a sua Igreja, na qual continuou o exercício de suas funções309, sem, no
entanto, devolverem a capela ao Convento, o que só ocorreu em 1752, depois de
algumas querelas resolvidas amigavelmente entre a Ordem Terceira e os frades do
Convento. A construção da igreja dos terceiros começou por volta de 1700, no terreno à
esquerda e recuada em relação à Ordem primeira, sendo concluída em 1737310.
A atual fachada é de estilo pombalino, com portadas em pedra de lioz,
importadas de Lisboa. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, “estas portadas
contrastam pitorescamente com o desenho sinuoso da cimalha e frontão concluídos em
1793, típicos do rococó pernambucano”311. Parece ter sido uma constante da Ordem do
Carmo, no Brasil, a importação de portadas e elementos decorativos de Lisboa, pois o
mesmo fato se passa com a igreja de Belém e a do Rio de Janeiro.
A Igreja é dedicada a Santa Teresa, portanto, no altar-mor, sobre a mesa,
encontra-se a sua imagem, acompanhada pela de São José e a de Nossa Senhora do
Carmo. No centro do altar temos o Crucificado, que fecha o programa iconográfico dos
Passos instalados nos altares laterais. Em descrição do frade Loreto Couto, os terceiros
carmelitas, tinham, na primeira metade do século XVIII, “[...] uma famosa igreja de
admirável arquitetura, com sete capelas de maravilhosa talha dourada. Compõe-se esta
ilustre ordem de 2000 irmãos, que se empregam em obras de piedade, e devoção. As
suas festividades e procissões fazem com toda pompa e solenidade”312.
A atual decoração não é mais a primitiva, em estilo barroco, mas sim, da
primeira metade do XIX, em estilo neoclássico. A igreja foi remodelada em 1813, pelo
entalhador Felipe Alexandre Silva, que trabalhou nela até cerca de 1830. Possivelmente,
nessa reforma ocorreu a troca dos retábulos, mantendo, porém, nos nichos, as belíssimas

308
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Recife’, Resumos históricos, Pasta
de Inventários, Arquivo central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
309
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana ... op. cit., p. 149. Ver pesquisas recentes de
CANHA, Elaine Cristina, ‘A Ordem terceira do carmo e a sua atuação em Pernambuco nos séculos XVIII
e XIX’, publicado em Mneme, revista de humanidades, Anais do II encontro internacional de história
colonial, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Cairó, v. 9, nº 24, set/out. 2008. Disponível em
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais .
310
MENEZES, José Luiz Mota, ‘Capela da Ordem Terceira do Carmo de Santa Teresa, Recife,
Pernambuco, Brasil’ publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no
mundo… op. cit.,, p. 165-166.
311
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SOUZA, Emanuela, Barroco e rococó... op. cit.
312
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 157.
153

esculturas dos Cristos da Paixão e incorporando devoções secundárias de santos


terceiros carmelitas. Os sete Cristos aparentam ser de importação portuguesa, da
primeira metade do século XVIII, o que veremos com maior detalhamento no próximo
capítulo.
Já as devoções secundárias constituem um caso interessante. São elas: Santa
Eugênia M e Santo Henrique C; Santa Isabel V e São Jacinto M; Santo Eduardo M e
Santa Leocádia M; São João Vesco C e Santa Theodora V; Santa Archangela V e São
Proto M e Santa Silvânia M e Santo Amador C. Estilisticamente, apresentam a mesma
tipologia formal e o mesmo tipo de caracterização de personagem, sem
individualização. Todos têm aparência jovem, encontram-se de pé e apresentam
posturas semelhantes.
Tal conjunto parece ser mais um desses casos de apreensão de um rol de santos
desconhecidos, ou quase desconhecidos, a fim de legitimar a antiguidade da ordem.
Legitimidade que só foi conseguida com a instalação da escultura do profeta Elias, na
Igreja do Vaticano, como o fundador da Ordem do Carmo. Fato narrado pelo Padre
Manoel de Sá como “Noticia das graças que o Santíssimo padre Benedito XIII, nosso
senhor, tem feito à nossa ordem, da gratidão que esta tem com ele, e da solenidade com
que foi celebrada a noticia de algumas das ditas graças, com a cópia traduzida do
italiano para a língua vulgar (português) do decreto do Papa: Reverendíssimo Cardeal
de São Clemente Camerlengo e prefeito da congregação da Fábrica. Havendo já muito
tempo, que os regulares desta nossa cidade de Roma têm dado princípio a colocar nos
nichos da nossa Basílica Vaticana as estátuas dos seus santos fundadores, e
continuando este mesmo desejo na religião carmelitana, nos suplicaram os Padres
Procuradores Gerais da dita Ordem, assim da Observância, como dos Descalços das
congregações de Hespanha e Itália, lhe concedêssemos o poder erigir, e colocar no dito
templo a estátua do profeta santo Elias seu fundador, não obstante a Constituição de
Inocêncio XII, Redemptoris, de 21 de novembro de 1698, [...]; por este nosso presente
escrito concedemos licença, e permitimos a sobredita ordem Carmelitana, que possa
erigir no dito Templo Vaticano a referida estátua do Profeta santo Elias, e colocá-la no
nicho, que fica entre os dois aonde estão colocadas as estátuas de São Domingos e de
Santa Elena no mesmo plano, com esta inscrição: Universus ordo Carmelitarum
fundatori suo s Eliae prophetae erexit. Com declaração de que as despesas, e mais
gastos necessários correrão por conta da mesma ordem Carmelitana, à qual
concedemos plena autoridade, e faculdade de levantar no lugar destinado os andaimes,
154

e mais coisas necessárias para a dita obra. E para este efeito ordenamos a vós, como
prefeito da fábrica, que lhes deis toda autoridade, e a assistência oportuna para o fim
que desejamos em honra de Deus, veneração dos seus santos, e ornamento do nosso
templo Vaticano. [...]. Dado no nosso Palácio Apostólico no Vaticano, em 26 de junho
de 1725. Benedicto P.P. XIII”313.
A identidade destes santos aparece na obra o Thesouro Carmelitano, de Frei
Joseph Jesus Maria314, grande êxito editorial, com mais de seis reedições ao longo do
século XVIII. No capítulo XVII, De alguns santos da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo, o cronista apresenta uma lista de 30 nomes, divididos entre
Mártires, Confessores e Virgens e Penitentes: “Classe de Mártires: Santo Eduardo Rey
de Inglaterra, Santa Efigenia, Santa Silvania, Santa Flavia Domitila, Santa Tecla,
Santa Basilia, São Proto, São Jacinto, Santa Leocadia, Santa Eugenia.
Classe de Confessores: Santo Esperidião Bispo, São João Vesco, Santo Amador,
Santo Henrique de Grey, São Luís Rei de França. (Este santo [...], foi terceiro de todas
as quatro ordens mendicantes, a saber, do Carmo, Agostinho, Franciscano e
Dominicano; [...])
Classe de Virgens e penitentes: Santa Angela de Arena, Santa Isabel rainha da
Bohemia, Santa Maria Egipciaca, Santa Verônica, Santa Arcângela de Trino, Santa
Petronila, Santa Melania, Santa Ângela princesa de Bohemia, Santa Joana de Regio,
Santa Cirila, Santa Alexandra, Santa Marinha, Santa Theodora, Santa Pelagia, a Beata
Francisca de Ambroize”315.
Parece-nos evidente que os santos carmelitas de Recife foram simplesmente
colhidos dentre a relação do autor. Assim como podemos imaginar,
também, que exemplares desse livro se encontravam com certa
facilidade nas Livrarias dos Conventos Carmelitas, no Brasil e, em
particular, em Pernambuco.

Fig. 22 – Santo Eduardo M., Igreja da Ordem Terceira, Recife,


Pernambuco.

313
SÁ, Fr. Manoel, Memorias historicas..., op. cit, p. 533.
314
Frei Joseph Jesus Maria, tem nacionalidade portuguesa, nascido em Lisboa, no dia 30 de outubro de
1660. Vestiu o hábito em 1679 ainda em Lisboa e fez a profissão em Goiana, Pernambuco um ano depois.
De regresso a Portugal, por razões familiares, exerceu o cargo de Comissário da Ordem Terceira,
primeiro em Vila Franca de Xira e depois em Lisboa, onde morreu em 1727. Cf. BAYÓN, Balbino
Velasco, O. Carm., op. cit., p. 338.
315
MARIA, Frei Joseph Jesus, Thesouro Carmelitano... op. cit., p. 175.
155

3.3.3 Alagoas, Marechal Deodoro (século XVII)

A pequena Vila Madalena de Subaúma foi fundada em 1611, com o intuito de


ser um ponto de defesa do litoral, contra o contrabando do pau-brasil e da ação dos
piratas. Tornou-se Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul em 1639. No século XIX,
passou a ser capital do então criado estado de Alagoas, naquele momento nomeado de
Alagoas da Lagoa do Sul. No século XX, em homenagem ao primeiro presidente da
República do Brasil, Marechal Deodoro da Fonseca, nascido na cidade em 05 de agosto
de 1827, foi renomeada.
Alagoas é um estado que apresenta desigualdades econômicas visíveis: um
litoral desenvolvido a partir do turismo focado nas belíssimas praias, com hotéis de
luxo, e um interior abandonado. Mesmo uma cidade histórica como Marechal Deodoro,
não possui um único hotel para os visitantes que buscam um pouco de história e de
religiosidade. Também limitado com relação a todos os tipos de comunicação, e em
especial aos meios de locomoção, o que nos proporcionou uma admiração enorme pelos
monumentos carmelitas edificados neste interior. Percebemos o quanto foram valorosos
os religiosos de todas as ordens que para cá vieram. A pequena cidade de Marechal
Deodoro possui ainda hoje uma síntese das edificações religiosas necessárias à vida dos
séculos XVII e XVIII. São duas igrejas de Ordem Primeira: franciscanos e carmelitas,
com as suas respectivas Ordens Terceiras, a Matriz, dedicada a Nossa Senhora da
Conceição, dos brancos, a Igreja de Nossa Senhora do Amparo, específica para os
pardos, e a Igreja Nossa Senhora do Rosário, dos negros.

Fig. 23 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Capela de Nossa Senhora do Ó, outrora


da Ordem Terceira, hoje capela mortuária do atual cemitério municipal, situado no terreno de
fundos, Marechal Deodoro, Alagoas. (Fonte: https://www.google.pt/maps)
156

O monumento arquitetônico carmelita da cidade está em bom estado de


conservação, porém, o seu interior é decepcionante, pois o abandono de anos e a fome
desenfreada de predadores (humanos e insetos) deixou o espaço vazio. A obra
arquitetônica é imponente na sua simplicidade, e testemunha o valor social e econômico
de uma época de esplendor da região nordeste.
O conjunto arquitetônico repete a tipologia estudada nos complexos do nordeste,
com igreja conventual ao centro, ladeada pelo convento, neste caso à direita. Dele só
restam ruínas. E à esquerda, a Capela de Nossa Senhora do Ó, recuada e separada, de
dimensões menores, que pertenceu à Ordem Terceira. Hoje, desprovida de elementos
decorativos, serve de capela mortuária para o atual cemitério municipal, situado no
terreno de fundos.
A fachada das duas igrejas expõe uma beleza singela, despojada de decoração. A
conventual é mais pesada, com um frontão triangular, entre duas torres, permanecendo a
da direita inconclusa. A fachada da Capela de Nossa Senhora do Ó, que em 1744 foi
instalada a Ordem Terceira tem o desenho mais agradável, com uma porta central e três
janelas, e frontão curvilíneo aplicado sobre uma cornija curva.
A igreja conventual apresenta nave única, com corredores laterais, dos quais só
restou o do lado esquerdo, com aberturas de arcos plenos. No lado direito, existe ainda o
perfil da torre na fachada, mas sem o recheio. Internamente a igreja acaba na parede da
nave. O altar-mor atual tem uma estrutura de linhas curvas em alvenaria, onde estão
entronizados alguns santos do século XX, de gesso policromado. Do conjunto, sobressai
uma Nossa Senhora das Dores de roca, que pode ser do XIX.
Mais uma vez procuraram-se resquícios nas igrejas e museus da cidade de peças
que poderiam ter pertencido ao programa iconográfico original das duas igrejas
carmelitas, porém, a busca revelou-se infrutífera. Não encontramos nenhuma invocação
carmelita no Museu de Arte Sacra de Marechal Deodoro, localizado no antigo convento
franciscano de Santa Maria Madalena, assim como não foi encontrado nenhum Cristo
que pudesse ter pertencido aos terceiros de Marechal Deodoro.

3.3.4 Sergipe, São Cristóvão (1618)

“Utilizando sucessivamente o avião de carreira de Recife a Maceió, um táxi-


aéreo daqui até Penedo, uma jangada motorizada que vagarosamente subiu o rio S.
Francisco até Propriá, e, daqui, através famigerada região de velhos cangaceiros –
157

numa espécie de veículo desconhecido em qualquer outra parte do mundo, misto de


caminheta de carga e transporte colectivo de gado e passageiros, a que chamam ‘pau
de arara’ – cheguei finalmente ao romper da manhã à moderna capital do estado do
Sergipe, a cidade de Aracajú... Mal refeito da noite não dormida e dos balanços
provocados por uma estrada em hipótese, voltei a alugar um vetusto automóvel que me
levou a São Cristóvão. Esta laboriosa etapa terminara e foi com alvoroço que procurei
a compensação de tantos desconfortos na visão dos prometidos escrínios azulejares!
Esperava-me a amarga surpresa de verificar que, nem no Convento de S. Francisco,
nem na igreja do antigo Convento do Carmo, existia nenhum exemplar [...]”316.
Descrição que mudou bastante nos dias de hoje, já é possível ir por estradas, que
fazem a ligação entre as duas capitais. No entanto, a travessia do rio São Francisco
ainda é um ponto alto desta viagem, principalmente, se for feito na lindíssima cidade de
Penedo, com acervo arquitetônico do século XVIII, de excelente qualidade. Portanto,
para chegar a São Cristóvão, quarta vila instalada no Brasil, a partir de Marechal
Deodoro, deve-se atravessar o rio São Francisco, por via fluvial, importante marco
geográfico, principal canal de escoamento da produção da região. Rio imponente, que
delimita os atuais estados de Alagoas e Sergipe, mas que, no XVIII, demarcava os
estados de Pernambuco e da Bahia.
A cidade foi fundada por Cristóvão de Barros em 1590, no contexto da aliança
ibérica, da Dinastia Filipina, com a intenção de ser um ponto estratégico no caminho
entre Olinda ao norte, e Salvador ao sul, território extremamente visado pelas outras
nações europeias. Em 1820, através de um decreto do Rei D. João VI, Sergipe se
emancipa e São Cristóvão passa a ser capital do estado. Porém, em 1855, é criada a
nova capital, Aracaju, e São Cristóvão perde o título, passando por um período de
estagnação econômica.
São Cristóvão possui um impressionante núcleo de monumentos históricos,
alguns com tombamento pelo IPHAN e pela UNESCO, como o conjunto arquitetônico
franciscano, atual Museu de Arte Sacra, e o complexo carmelita, com convento, igreja
conventual e a Igreja do Senhor dos Passos dos terceiros. Conta ainda com as seguintes
igrejas: Matriz, dedicada a Nossa Senhora das Vitórias, do Rosário, dos Homens Pretos
e a de Nossa Senhora do Amparo, dos Homens Pardos, além do conjunto da antiga
Santa Casa de Misericórdia, com sua igreja.

316
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 275.
158

O convento Carmelita da vila de São Cristóvão de Sergipe do Rey, assim como o


de Marechal Deodoro, tiveram importância estratégica, pois ficavam no meio do
caminho entre dois grandes núcleos urbanos com fundações carmelitas excepcionais:
Olinda e Salvador. Os frades Calçados chegaram por volta do ano de 1618, fixaram-se
em São Gonçalo e em Santo Amaro de Brotas, empreenderam missões em Japaratuba,
até finalmente fixarem-se em São Cristóvão. Receberam em doação o terreno e a antiga
capela de Santo Antônio, pertencentes aos Franciscanos.
A cidade de São Cristóvão foi invadida e incendiada por tropas holandesas, em
1636, retornando ao controle do governo português apenas em 1647. O novo convento
dos carmelitas, portanto, só foi reedificado e fundado em 1699, na parte alta da cidade.

Fig. 24 – Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e,


Igreja do Senhor dos Passos, da Ordem Terceira, São
Cristóvão, Sergipe. (Fonte: https://www.google.pt/maps )

O lindíssimo conjunto carmelita da cidade é composto pela igreja conventual ao


centro, convento, à direita e igreja dos leigos, à esquerda, afastada e recuada. Percebe-se
que abaixo do rio São Francisco a tipologia utilizada no conjunto de São Cristóvão e
que iremos ver também na cidade de Cachoeira, é diferente da que vínhamos seguindo
nos conventos nas cidades acima do rio.
Em São Cristóvão a igreja conventual apresenta uma galilé e o convento à
direita, e a igreja dos leigos, recuada e menor, porém, com uma construção do tipo
‘corredor/claustro’ a fazer junção das duas igrejas. O Convento de planta retangular
159

localiza-se ao redor do claustro, circundado por arcos (cinco de um lado e nove do


outro), sustentados por colunas em cantaria.
A igreja conventual foi ampliada em 1739 e possivelmente concluída em 1766,
data gravada no seu frontispício. A fachada compõe-se de uma galilé, no térreo, com
três entradas frontais e duas laterais, rebatidas no andar superior por três janelas, que
iluminam o coro. O frontão superior é curvado, com terminações em volutas e tendo ao
centro um óculo circular.
A planta da igreja conventual é de modelo bem simples, nave única e capela-mor
profunda. Internamente pouco sobrou da sua primitiva decoração. Atualmente encontra-
se desprovida de ornamentos. Restaram apenas alguns relevos em pedraria nas tribunas,
no púlpito e nos nichos de dois altares laterais. “O arco cruzeiro, também em cantaria,
exibe no topo o brasão dos carmelitas. O conjunto apresenta perdas significativas,
devido às descaracterizações ocorridas no claustro do convento e à remoção de todo o
recheio da capela‐mor317. O altar-mor é atual e de péssimo efeito”318.
O altar lateral esquerdo, o único que ainda apresenta resquícios de talha do
Nacional barroco, tem a estrutura a partir de dois pares de colunas retas, que deveriam
no modelo original ser torsas, pois existe a continuidade no arremate superior, formando
os famosos arcos concêntricos do estilo. Em uma foto de 1939 do Arquivo do IPHAN,
do fotógrafo Hess, pode-se ver entronizado neste altar, um Santo Antônio. Trinta anos
depois, em outra foto, a invocação havia mudado para uma Nossa Senhora da
Conceição, que se mantém.
Em uma transcrição feita em 1960 por Carlos Ott319 de dois inventários do
Convento de São Cristóvão, dos anos de 1780 e 1820, podemos identificar as antigas
devoções dos altares da igreja. No altar-mor, a Virgem do Carmo, ladeada pelos santos
fundadores: Elias e Eliseu, programa iconográfico típico das capelas-mores da Ordem
Primeira carmelita. Nos altares laterais, as seguintes invocações: Santa Teresa,
Santíssimo Sacramento, Santo Antônio, Nossa Senhora do Bom Sucesso, Nossa Senhora
da Paciência – pensamos tratar-se de Nosso Senhor da Paciência – e Santana.

317
FILHA, Maria Berthilde Moura, ‘Igreja e Convento do Carmo São Cristóvão, Sergipe, Brasil’,
publicado por MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 214-
216.
318
‘Convento e Igreja do Carmo de Sergipe’, Pasta de Inventário, Arquivo central do IPHAN, Rio de
Janeiro.
319
Transcrição feita no dia 20 de agosto de 1960, pelo Dr. Carlos Ott. Inventários de 1780 e 1820. Os
inventários estavam registrados no Livro de Receita e Despesa, Inventário do Convento do Carmo de São
Cristóvão, fls. 45-47v e 56v-57. Documentos pertencentes ao Arquivo do Carmo de Salvador.
160

A Irmandade de leigos do Carmo de São Cristóvão foi instituída em 26 de


dezembro de 1666. A igreja própria estava pronta em 1743, data inscrita na verga da
portada da entrada principal. Construída ao lado esquerdo do conjunto conventual,
fundou-se em 1739, segundo registro na fachada, que é de composição simples, com
uma única entrada e duas janelas voltadas para o coro. O frontão tem acentuada
verticalidade e sinuosidade. A fachada valoriza-se pelos elementos de cantaria de pedra
calcária, com repertório decorativo que explora as volutas, concheados e flores.
Internamente, destacam-se os seis altares laterais e o altar-mor com colunas
torsas. Os elementos ornamentais exibem composições e repertório decorativo distinto e
expõem a talha na madeira, sem policromia, fruto de intervenções posteriores. Ainda se
encontram, na nave, tribunas com balaustrada e o coro. Na sacristia, o teto em caixotão
tem, ao centro, painéis representando a vida de Santa Teresa, de pintura ingênua320.
Na capela‐mor, de pouca profundidade, o altar, em talha dourada e policromada,
assenta sobre uma base em cantaria. Um pequeno claustro estabelece a ligação com a
igreja da Ordem Primeira, que, no entanto, pertence à Ordem Terceira. Segundo
Germain Bazin, os motivos decorativos da igreja e do claustro, possuem a mesma
tipologia formal. Deduz-se, portanto, que foram edificados na mesma época321. Modelo
muito parecido será utilizado no complexo arquitetônico de Cachoeira, na Bahia,
diferenciando-se da tipologia observada até o momento nos conventos do Nordeste, de
João Pessoa a Marechal Deodoro.
Infelizmente a decoração interna sofreu muito com o descaso dos anos. Os
retábulos seguem o vocabulário do barroco nacional. Porém as reformas e a remoção
total da policromia tornaram-nos pesados e escuros. As esculturas devocionais
entronizadas não são as originais. Entre elas, encontramos dois Cristos, peças com
características regionais de grande interesse, porém de dimensões exageradas para os
espaços dos nichos, assunto que discutiremos no próximo capítulo.

320
Esse forro da sacristia já mereceu alguns estudos: ORAZEM, Roberta Bacellar, Análise da arte e da
história do período colonial dos Carmelitas Descalços em São Cristóvão/ SE, Universidade Federal de
Sergipe. Da mesma autora ‘A presença de Santa Teresa de Jesus em Igrejas de Ordem Terceira Carmelita
em Bahia e em Sergipe’, publicado em XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009. E ainda
ORAZEM, Roberta Bacellar, ‘Um importante modelo de santidade feminino contrarreformista: Santa
Teresa d’Ávila e sua representação nas igrejas de associações de leigos carmelitas em Sergipe e Bahia
colonial’, publicado em Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá (PR) v. III, nº 9, jan/2011.
Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html.
321
‘A ordem Terceira possui um pequeno claustro de três arcadas de cada lado, cujos arcos são
decorados com uma concha, motivo encontrado na porta da fachada e no lavabo da sacristia, o que nos
leva a pensar que este claustro pertence à mesma série de trabalhos da igreja’. BAZIN, Germain,
Arquitetura religiosa... op. cit., vol. 2, p. 178.
161

3.3.5 Bahia

Além do complexo arquitetônico dos Carmelitas Calçados de Salvador, no


estado da Bahia, ainda encontramos o excepcional conjunto dos Carmelitas Descalços, o
primeiro convento deste ramo no Brasil. Ramo, aliás, que não teve atuação frutífera e
será analisado no subitem específico deste capítulo. Além destes dois conjuntos em
Salvador, os Carmelitas da Antiga Observância, construíram na cidade de Cachoeira, no
Recôncavo Baiano, um conjunto arquitetônico, cujo convento e igreja estão muito
mutilados na sua decoração interna, porém, a extraordinária capela da Ordem Terceira,
que, por milagre ou pela dedicação dos irmãos terceiros, apresenta-se em perfeitas
condições de conservação.
Os complexos arquitetônico de Cachoeira e de São Cristóvão apresentam uma
tipologia diferente das construções vistas até o momento. Provavelmente o modelo
iniciou-se no conjunto de São Cristóvão (convento de 1618 e igreja de 1745), sendo
seguido pelo de Cachoeira (convento 1688 e igreja 1773), cuja inspiração pode ter sido
os complexos franciscanos do nordeste. Diferenciam-se destes últimos pelo
posicionamento e construção dos leigos: nos carmelitas construções independentes, nos
franciscanos, capelas localizadas perpendicularmente às naves das igrejas conventuais,
sem entrada independente.

3.3.5.1 Cachoeira (1688)

O conjunto arquitetônico carmelita da Antiga Observância de Cachoeira foi o


segundo instalado no território do estado da Bahia. Cidade localizada ao fundo da baía
de Todos os Santos, na região conhecida como o Recôncavo baiano, às margens do rio
Paraguassú, a uns 40 quilômetros da foz, Cachoeira teve seu apogeu durante os séculos
XVIII e XIX. Nessa época, seu porto era utilizado para escoamento de grande parte da
produção agrícola do interior tendo o rio como principal via de comunicação e
transporte. Produzia-se principalmente o açúcar e o fumo. Tratava-se de uma região de
grande riqueza cultural devido à diversidade de raças, incluindo os africanos para o
trabalho braçal, europeus de diversas nacionalidades que vinham na busca de
enriquecimento e os nativos, que não se deixavam capturar.
Em um “[...] extremo da praça principal da cidade, o Convento e a Ordem
Terceira do Carmo formam um conjunto arquitetónico emoldurado pela vegetação do
162

Morro da Mangabeira, onde existiu, no século XVII, o engenho de João Rodrigues


Adorno, povoador da Cachoeira e doador, em 1688, dos chãos onde foi construído o
primeiro convento”322.
O conjunto arquitetônico carmelita de Cachoeira mantém-se íntegro e
compartilha com o de São Cristóvão a mesma tipologia: igreja conventual com galilé,
ladeada pelo convento à direita e igreja de Ordem Terceira à esquerda, recuada e
separada por ‘corredor/claustro’ que faz a ligação das duas igrejas. O convento foi
fundado por Frei Manuel da Piedade, possivelmente por volta do ano de 1688, em terras
doadas pelo dono do engenho, João Rodrigues Adorno.

Fig. 25 – Convento e Igreja conventual, e, Igreja de Ordem Terceira de Santa Teresa, Cachoeira,
Bahia. (Fonte: https://www.google.pt/maps )

O Convento é uma edificação maciça em alvenaria de pedra, que se desenvolve


em torno do claustro simples, composto de galerias separadas por pilares de alvenaria
com pequenas cornijas. De fisionomia mais antiga, resta uma porta alpendrada para a
rua, similar à que encontramos na cidade de Goiana, e as seteiras de iluminação e
ventilação. No século XIX, no período em que ficou abandonado, o Convento abrigou o

322
LACERDA, Ana Maria, ‘Convento e Igreja do Carmo de Cachoeira, Bahia, Brasil’ publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 80-81.
163

Paço da Câmara, a Casa da Moeda, quartel, pensão e hospital. Hoje foi transformado em
uma pousada.
A Igreja conventual tem fachada compartimentada. No primeiro andar, uma
galilé de cinco arcos na altura da rua e dois na lateral, estes são rebatidos no segundo
andar por janelas que iluminam internamente o coro alto. O frontão central sinuoso é
aplicado sobre uma cornija retilínea. Na falta das torres sineiras, que não chegaram a ser
concluídas, foram implantados dois pequenos frontões sinuosos, repetindo a tipologia
do central, que, na opinião de Germain Bazin, tem influência chinesa, e está presente no
rococó de Portugal323.
Existe uma terceira torre situada à direita, recuada da linha principal da rua,
como na igreja conventual de São Cristóvão. A planta é simples, composta de nave
única, corredores laterais superpostos por tribunas e capela-mor profunda. Do seu
interior, restou pouco da primitiva fábrica. Ficaram azulejos em uma das capelas da
nave, segundo Santos Simões, “são dois painéis de pintura azul, de tipo figurado, com
enquadramentos concheados, de transição para o rococó: entre os elementos
ornamentais já está bem definida a ‘asa de morcego’ e outros termos gramaticais deste
gosto. A figuração, também convencional, representa alegorias bíblicas – Transporte
da arca da aliança, e O milagre da multiplicação dos pães – [...] o desenho é correcto,
acusando as características da fabricação lisboeta do período da grande produção
setecentista. [...] se devam datar do período de 1760-70”324.
E há ainda quatro colunas salomônicas primorosamente entalhadas do altar‐mor,
forros com pintura ilusionista atribuída à escola de Antônio Simões Ribeiro e José
Joaquim da Rocha, e a belíssima decoração rococó da sacristia (1780). Nesta última,
existem também altar em talha joanina, dois arcazes e lavabo em pedra de lioz. Vale
ressaltar o conjunto de esculturas do século XVIII, em sua maioria depositadas no
Museu da Ordem Terceira.
A partir de 1928, o Convento esteve abandonado por um longo período, sem
serventia. Só muito mais tarde, o IPHAN intervém, com uma grande obra de restauro na
sua estrutura arquitetônica. O Convento, transformado em pousada, perdeu praticamente
toda a decoração móvel, mas manteve as características conventuais: claustro central,
portaria, e celas, que se transformaram em quartos.

323
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., vol. 2, p. 12.
324
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 56-57.
164

A Irmandade de leigos foi instituída em 1691, funcionando inicialmente em uma


das capelas da igreja conventual. Somente em 1702, os irmãos terceiros começaram a
construir igreja própria em terreno doado pelo General João Rodrigues Adorno, do lado
direito da igreja dos regulares.
O complexo arquitetônico dos Terceiros de Cachoeira, além da igreja,
desenvolve-se em torno de um pequeno claustro, com casa de oração, sala de reuniões,
sacristia, sala dos santos e um pequeno espaço reservado para os seus mortos. A
simplicidade externa da fachada, com frontão triangular, portada em duas ordens de
pilastras, sustentando um frontão interrompido, contrasta com a decoração barroca do
seu interior, totalmente revestido de talha dourada de épocas distintas e azulejos.
A casa de oração, com a sala dos santos, é o elemento de ligação entre as duas
igrejas. Apresenta, na fachada, uma galeria dupla. Para o interior, dá acesso, no térreo,
ao claustro retangular com arcadas em arco pleno sustentados por colunas toscanas de
seção octogonal. Em 1768-69 construiu-se o ossário, que tem a curiosidade de
apresentar tampas em madeira com pinturas nas faces externas, ao qual se acrescentou
uma pequena capela, terminada em 1778. Para Bazin, é “desta época também a
construção do elegante claustro”325.
Internamente a planta da igreja é simples: nave única com seis retábulos, sendo
dois na parede do arco cruzeiro, e capela-mor alongada. A igreja apresenta-se toda
revestida de talha dourada e azul do revestimento azulejar. Germain Bazin identificou
na talha duas fases: uma mais antiga (altar‐mor e arco‐cruzeiro), à qual atribui
influência franciscana, e outra (altares e tribunas), de influência chinesa, que pode ter
decorrido do contato com os jesuítas do Seminário de Belém326.
“Na nave o azulejo reparte-se em painéis de cabeceiras recortadas, [...],
pintura azul de bom quilate, enquadramentos concheados de equilibrada composição.
Os centros figurados dão testemunho de passagens do Velho Testamento, identificadas
com as legendas em português. [...]’Sol parado Josué’, ‘sacrifício de Abraam’, ‘Escada
de Jacob’, ‘Volta de Jacob’, ‘Apareceu Deus a Salomão’ e ‘Rainha do Sabá’. O painel
do ‘Juízo de Salomão’, ‘Templo de Salomão, ‘Jacob na presença de Lavam, Rachel e
Lia’ e um último não identificado foram literalmente destruídos para a colocação dos
púlpitos e dos altares colaterais”327.

325
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., vol. 2, p. 13.
326
Idem, ibidem, vol. 2, p. 13.
327
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p.61.
165

Santos Simões continua a descrever os azulejos, agora da capela-mor que tem


“dois grandes painéis, um de cada lado, infelizmente mutilados e truncados. [...]
Representa, do lado do evangelho, a imagem conhecida de Nossa Senhora do Monte do
Carmo abrigando sob o manto grupos de personagens da igreja e, do lado contrário,
Santo Elias subindo aos céus no carro de rodas de fogo. Os enquadramentos são
idênticos aos dos painéis da nave, ou seja, cercadura concheada, relativamente calma,
dando bastante espaço para a figuração. [...] julgo que os azulejos – tanto os da nave
como os da capela-mor – são de uma mesma época e oficina: esta de Lisboa e aquela
não longe de 1745-50, a julgar pelo estilo dos enquadramentos”328.
A capela-mor com as quatro tribunas, dispostas duas de cada lado, pompeiam
“com suas sanefas e balaústres rendados, coando, através dos vidros, uma doce luz
azulada, que rola sobre o mármore policromo do chão”. Ao alto, e sempre no correr
das tribunas, há telas que retratam santos terceiros: São Zacarias, São Proto, Santa
Pelagia, Santo Osias, São Jacinto, e a bela e seminua Maria
Egipcíaca, descrição romântica da capela-mor da igreja dos
Terceiros de Cachoeira329.

Fig. 26 – Altar de Santa Joana de Portugal, Cachoeira,


Bahia.

Nos altares da nave, aparecem santos terceiros


carmelitas: São Esperidião, Santa Joana de Portugal, Santa
Isabel, Rainha de Portugal, e São Luís, Rei de França. Nos
dois colaterais, há uma bela escultura do Senhor dos Passos e
Nossa Senhora das Dores. Repete-se ainda o uso de quadros
pintados no correr das tribunas, como ocorre na capela-mor, retomando as invocações
dos altares.
O teto da capela-mor, dividido em quadrados com pinturas, atribuídas por
muitos autores a José Teófilo de Jesus, mais por vício de se atribuir toda a pintura de
certa qualidade plástica ao melhor pintor da região, representam cenas da vida
carmelitana, tratadas com uma luz discreta e suave, e figuras de expressões faciais

328
Idem, ibidem, p.62.
329
‘Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Bahia’, Pasta de Inventários, Arquivo central do Instituto
Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
166

delicadas. Para Maria Helena Ochi Flexor, “atribui-se sua execução ao mestre pintor
José Teófilo de Jesus, mas não há prova documental dessa autoria”. O artista teria feito
as pinturas do teto em algum momento, entre 1802 e 1847. São onze quadros,
distribuídos em toda extensão da nave, desde o arco cruzeiro até o coro, com temática
concentrada em fatos narrativos da história carmelita330.
Para a estudiosa da região, Roberta Bacellar Orazem, existe uma predileção em
representar Santa Teresa de Ávila nas pinturas da igreja. Das trinta e duas pinturas
existentes, oito são de temática teresiana331, muito lógico, sendo ela a padroeira da
Igreja. Duas estão no forro do coro e outras seis, no teto da nave central, incluindo,
cinco com representação da vida de São João da Cruz, parceiro de Santa Teresa nas
questões místicas e na Reforma dos Descalços. As cenas sobre a vida de Santa Teresa
são: “o Casamento místico de Santa Teresa com Jesus Cristo; a Transverberação ou o
Êxtase de Santa Teresa; A Virgem do Carmo e o Menino Jesus entregam os
escapulários para os santos reformadores da Ordem – Santa Teresa de Jesus e São
João da Cruz; as quatro principais devoções da Ordem do Carmo: Virgem Maria,
Menino Jesus, Profeta Elias e Santa Teresa de Ávila; Jesus Cristo entrega o seu
Sagrado Coração para Santa Teresa de Ávila na presença da Santíssima Trindade, São
João da Cruz e a monja; São José de Botas guia Santa Teresa de Jesus e monjas
carmelitas descalças”332.
Se comparada à igreja conventual, parece que só por intercessão da Virgem do
Carmo ou de Santa Teresa, e, mais plausível, pelo uso e zelo da Irmandade atuante na
cidade, pode-se explicar a sobrevivência desta igreja em perfeito estado de conservação.
É uma preciosidade a decoração interna, ao integrar altares barrocos de diferentes fases
com os azulejos rococós, as pinturas entre tribunas e púlpitos, e o forro, criando uma
ambientação exuberante e, ao mesmo tempo, complexa e harmoniosa.
A igreja de Cachoeira possui os sete Cristos dos Passos da Paixão, mas,
diferentemente das ordens terceiras já estudadas, eles não ficam nos altares da igreja,

330
FLEXOR, Maria Helena Ochi; LACERDA, Ana Maria e SILVA, Maria Conceição Barbosa da Costa
(Org.), Conjunto do Carmo de Cachoeira, op. cit., p. 75.
331
Santa Teresa foi escolhida patrona dos leigos, independente de estarem eles ligados ao Carmelo da
Antiga Observância ou aos Descalços. Um fato interessante, talvez, em decorrência desta escolha, é o uso
da tarja dos Descalços nas igrejas da Ordem Terceira, até mesmo naquelas construídas ao lado de um
convento da Antiga Observância, como na igreja de Recife. Na Igreja conventual da mesma cidade a tarja
é dos Calçados e a da fachada da Ordem Terceira é dos Descalços. É, também, o caso de praticamente
todas as igrejas mineiras, em São João del Rei na fachada a tarja é dos Calçados e a tarja do altar-mor é
dos Descalços.
332
ORAZEM, Roberta Bacellar, ‘Um importante modelo de santidade feminino contrarreformista: Santa
Teresa d’Ávila ... op. cit.
167

mas na sala dos santos. Estão acomodados num armário de portas compridas decorado à
‘chinoiserie’. Cinco esculturas do conjunto apresentam a curiosidade de ter traços
fisionômicos com um suave repuxado dos olhos. Por esse motivo, costuma-se dizer que
vieram de Macau. Porém, observando-as melhor, não nos pareceu possuírem nenhuma
outra característica que pudessem enquadrá-las na arte oriental.
À primeira impressão, diríamos terem sido feitas por um mesmo artesão, que
lhes dera características tipológicas idênticas, a partir de um modelo (uma escultura ou
uma gravura) de olhos repuxados, ou ainda, incutindo nas imagens características da
população da região, os índios do continente americano possuem características
mongóis. O Crucificado e o Senhor dos Passos estão nos retábulos da Igreja, o primeiro,
no altar-mor e o segundo, no altar colateral, à direita. O Senhor dos Passos parece ser
um pouco anterior aos demais, porém o Crucificado foge ao estilo, assunto que iremos
abordar com mais detalhes no capítulo específico.

3.4 As fundações da Região Sudeste

Seguindo rumo ao sudeste, dos sete complexos carmelitas existentes, dois


podem ser originários ainda do século XVI, o primeiro, como hospício na cidade de
Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro, e, o segundo, o Convento de São Paulo, no
estado de mesmo nome. E os restantes já são dos séculos XVII e XVIII.
Para se chegar ao Rio de Janeiro, passava-se pela cidade de Vitória, no atual
estado do Espírito Santo, no entanto o convento e a igreja de Nossa Senhora do Carmo
desta cidade, infelizmente, não espelham o que foram. Do período colonial, sobrou
pouco, apenas uma parte da estrutura arquitetônica do convento e a igreja conventual
em roupagem neoclássica. Seguindo o caminho em direção ao sul, chegava-se à cidade
de Campos dos Goytacazes, com a sua Igreja da Ordem Terceira do Carmo, cuja
fundação se deu na segunda metade do século XVIII, a partir, possivelmente de um
hospício, que, no entanto, nunca chegou a ser convento. Percorrendo e passando pela
cidade do Rio de Janeiro, alcançava-se ao sul, as cidades de Angra dos Reis e Paraty,
importante zona de escoamento do ouro das Minas, antes da utilização do Porto do Rio
de Janeiro. Mais ao sul, os quatro conventos do estado de São Paulo, incluindo o de
Santos, já analisado. Então, nos resta estudar o complexo da cidade de São Paulo, que
pode ter sido fundado ainda no século XVI a partir de um hospício, e os de Mogi das
Cruzes e de Itu, cidades localizadas nos caminhos de acesso a capital.
168

3.4.1 Espírito Santo

O atual estado do Espírito Santo fazia parte da capitania com o mesmo nome, do
donatário português Vasco Fernandes, que fundou em 1535, a atual cidade de Vila
Velha. Porém o local era muito vulnerável aos ataques dos grupos indígenas que viviam
na região, e também, das nações estrangeiras, franceses e holandeses que buscavam
riquezas. Desta maneira a capital foi transferida para a Ilha de Santo Antonio, na Baia
de Vitória. A então Vila Nova do Espírito Santo foi fundada em 8 de setembro de 1551.
É uma das três capitais do Brasil localizada em uma ilha.
O estado estava situado entre as principais cidades do então conhecido Brasil, o
que despertou interesse de todas as ordens religiosas, mas principalmente dos jesuítas,
que fundaram importantes aldeias e colégios na região e que ainda hoje podem ser
visitados: Anchieta, antiga Aldeia de Reritiba e Aldeia dos Reis Magos. Localidades
que se encontram em regiões estratégicas, ao norte e outra ao sul da atual capital,
Vitória. Desta maneira, servindo de parada e estalagem para os viajantes no longo litoral
brasileiro.
Na cidade de Vitória ainda é possível encontrar igrejas representativas das
principais organizações religiosas do período colonial, a catedral, Igrejas de Irmandades
como Nossa Senhora do Rosário e São Gonçalo Garcia e resquícios de algumas ordens
religiosas: jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas. Infelizmente com o
desenvolvimento da cidade, a grande maioria foi mascarada com reformas no século
XIX e XX, como é o caso do complexo dos carmelitas que veremos a seguir. Para nossa
lástima, muito deteriorado e descaracterizado ao longo dos últimos dois séculos, mas
que ainda mantém a Igreja conventual e o convento de pé, com outras funções e outros
donos.

3.4.1.1 Vitória, Convento de Nossa Senhora do Carmo (1682)

Os carmelitas chegam a Vitória no século XVII, logo após jesuítas e


franciscanos. Instalam-se num pequeno promontório na área alagadiça denominada
Pelama, tendo, na encosta, ao fundo, a Mata Atlântica. Fundam o convento por volta do
ano de 1682 e, em 1686, ligam-se à recém-criada Vice-Província do Rio de Janeiro,
169

pelo Breve do Papa Inocêncio XI. De pequenas dimensões, o convento se desenvolveu


em torno de um claustro, que ainda existe, porém totalmente descaracterizado333.

Fig. 27 – Complexo arquitetônico dos Carmelitas da Antiga


Observância, Vitória, Espírito Santo. (Fonte: FILHO, Pedro Canal
(org.), ‘O convento de Nossa Senhora do Carmo’, Vitória, Edufes,
2010, e https://www.google.pt/maps )

A igreja conventual tinha uma fachada simples, entrada centralizada e, no


segundo andar, três janelas para iluminar o interior, talvez um coro. O frontão curvo,
com um óculo trilobado ao centro, estava posicionado sobre uma cornija retilínea de
forte acento. Era uma fachada muito simples, sem torres, mas de perfil usual nos
monumentos carmelitas, que pode ser testemunhado pelas fotos antigas, pois hoje nada
restou deste período.
Não existe uma data certa para a instalação da Ordem Terceira no Convento de
Nossa Senhora do Carmo de Vitória, cuja igreja era dedicada ao Senhor dos Passos. Em
fotos do século XIX, pode-se ver que era uma capela de menor dimensão e ficava à
esquerda, recuada em relação à igreja conventual e ao convento. A fachada praticamente
repetia a tipologia da igreja conventual, com uma porta central e três janelas no segundo
andar. O frontão sinuoso foi inserido sobre uma cornija retilínea, que arremata o tramo
retangular. Nesse frontão, pouco visível nas fotos, parece que existiu um nicho ou um
elemento decorativo, ao centro, talvez a tarja com as insígnias da ordem.
A Igreja do Senhor dos Passos da Ordem Terceira foi destruída em 1916, quando
da reforma que transformou o restante do complexo, dando-lhe roupagens decorativas
ecléticas. Os frades saíram do convento no século XIX, após a proibição, pelo governo
imperial, de receber noviços e, após a morte do último religioso, Frei Antônio de Nossa

333
FILHO, Pedro Canal (org.), O convento de Nossa Senhora do Carmo, Vitória, Edufes, 2010. (Vitória
em Monumentos, serie 1, vol. 2)
170

Senhora das Neves. A construção passou, então, para as mãos do poder civil, servindo
de quartel.
Quando se criou a Diocese do Espírito Santo, em 1895, pela Bula Papal
Sanctissimo Nostro, de Leão XIII, o convento retornou para as mãos de religiosos,
porém, não mais dos Carmelitas. Serviu, então, de colégio feminino, com a instalação
do Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, quando se substituiu a padroeira e se criou
a Associação das Filhas de Maria334.
A igreja conventual, nesta época, também recebeu uma nova decoração interna.
O altar-mor teve desenho de André Carloni, e foi executado pelo italiano Giuseppe
Giovaroti335, nada restando do período colonial. Hoje o convento está aos cuidados da
Mitra, e a igreja continua aberta ao público. Nela ainda acontecem diversas
manifestações religiosas.

3.4.2 Rio de Janeiro

A cidade do Rio de Janeiro, até tornar-se a capital do Vice-reinado em 1756, era


uma vila prospera, com os principais representantes Religiosos instalados nos morros da
cidade: Jesuítas e a Sé no Morro do Castelo, primeiro a ser habitado; Santo Antonio, no
morro de mesmo nome, São Bento, no Morro da Conceição; e aos Carmelitas restou a
baixa, região central e principal polo da vida econômica da então vila de São Sebastião
do Rio de Janeiro.
A expansão ocorreu tanto para o norte quanto para o sul do atual estado, para o
norte com fazendas cuja principal função foi a produção de bens, na sua maioria de
gado, nas longas planícies, para alimentar a cidade do Rio de Janeiro. Para o sul, área
montanhosa, o desenvolvimento deu-se a partir do desenvolvimento da extração dos
minérios da região das minas. A cidade de Paraty foi o primeiro porto que fazia a
ligação do litoral com o sertão, através da Estrada Real, para escoamento do ouro
produzido nas Minas.

334
FILHO, Pedro Canal (org.), op. cit.,
335
Giuseppe Giovaroti, entalhador italiano, foi o primeiro a chegar a Vitória, em 1894. Entre outras obras,
fez o Teatro Melpômene, inteiramente construído em madeira (pinho-de-riga) importada da Suécia, daí o
apelido que recebeu de "Teatro de pau”. Para esta obra, veio também, o decorador Spiridione Astolfoni,
natural da província de Pádova, Itália, em 1895, que tinha um jovem patrício André Carloni, então com
13 anos, como ajudante.
171

3.4.2.1 Angra dos Reis, Convento e Igreja de Nossa Senhora da Assunção


(1623)
O Convento de Angra dos Reis da Ilha Grande, no litoral sul do estado do Rio de
Janeiro, foi fundado por Frei Pedro Viana, em fins do século XVII (1593?), como
hospício, isto é, local de parada para os frades que seguiam, do Convento do Rio de
Janeiro para o de Santos ou São Paulo e vice-versa. Permaneceu hospício por pouco
tempo, tendo logo sido transformado em convento. Hoje, do complexo, restam apenas
parte do convento e sua igreja, e a Igreja da Ordem Terceira, com uma única torre, de
cúpula azulejada, servindo às duas igrejas e separando-as. Essa tipologia de duas igrejas
separadas por uma torre, segundo o historiador francês, Germain Bazin começou no
convento de Angra, por ser ele o complexo mais antigo, tipologia que irá para os
conventos do estado de São Paulo336.

Fig. 28 – Convento de Nossa Senhora da Assunção e Igreja de


Nossa Senhora do Carmo, e, Igreja da Ordem Terceira de
Santa Teresa, Angra dos Reis, Rio de Janeiro.
(Fonte: https://www.google.pt/maps )

O complexo arquitetônico de Angra situa-se em um pequeno promontório,


destacando-se na paisagem estreita da cidade, definida pelo mar no primeiro plano e o
verde da serra ao fundo. O edifício do convento estrutura-se em torno de um claustro

336
Ver neste capítulo o Convento de Santos e Rio de Janeiro.
172

com arcadas no andar inferior e varandas no piso superior, que perdeu duas alas laterais,
só restando as que ladeiam a igreja e a fachada.
O crescimento da Ordem na cidade foi rápido no século XVII. Conta-se que, em
1623, já estava pronta a ‘igreja nova’ em terrenos doados por Dona Custódia Moreira,
inclusive onde havia em funcionamento também uma irmandade dos leigos337. As duas
igrejas do conjunto mantêm externamente a unidade do estilo: fachadas despojadas e
simples, na mesma linha da rua, dando para um pátio espaçoso. Ambas apresentam
portas centralizadas e três janelas no segundo andar que iluminam o coro alto. Os
frontões semicurvados tendem à verticalidade e apresentam volutas nas extremidades.
Na igreja dos Terceiros, o frontão termina em ponta triangular e, na dos frades em um
segundo frontão minúsculo. Os frontões têm, ao centro, um óculo trilobado, sendo que o
da Ordem Primeira é um pouco mais elaborado.
Na fachada da igreja conventual a portada tem trabalho de cantaria com o
arenito da região. O mesmo material é usado nas cercaduras das janelas, inclusive, nas
da igreja da Ordem Terceira.
A igreja conventual apresenta planta retangular com a implantação da capela-
mor a partir do arco cruzeiro. A decoração interna está restrita ao altar-mor e dois
altares laterais, o primeiro já de princípios do século XIX. Sabemos, pelo catálogo de
uma exposição idealizada no Convento em 1995, que o programa iconográfico da Igreja
do Carmo é o comumente empregado pelo Carmelo no Brasil: Nossa Senhora do Carmo
ladeada de Santo Elias e Santo Eliseu no altar-mor. Quanto aos altares laterais, eram
dedicados a Santa Teresa, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora da Conceição,
Santo Antônio e Santa Bárbara. Hoje as invocações do altar-mor foram mantidas, e nos
dois altares colaterais estão Nossa Senhora do Rosário e Menino ao centro, ladeada por
São Joaquim e São José. No do lado da epístola encontramos Nossa Senhora da Saúde,
ao centro, ladeada por São João Batista e Santa Luzia.

Muito pouco se sabe sobre a instalação da Ordem Terceira no convento de


Angra dos Reis. Acreditamos que no começo do século XVII, já houvesse a Irmandade
atuante na Igreja, como vimos acima. A atual construção da igreja é similar a da
conventual. Podem ser, portanto, da primeira metade do século XVII, porém, com
reformas e acréscimos ao longo dos séculos. A atual construção da igreja dos terceiros

337
‘O Carmelo em Angra dos Reis’, Catálogo da exposição, Angra dos Reis, 1995.
173

ficou como o testemunho da sua fundação, pois, muito pouco se conseguiu apurar de
sua história.
Internamente a igreja possui três retábulos: o altar-mor e dois laterais na nave. O
altar-mor mais antigo pode ser de princípios do século XIX, com colunas retas, apoiadas
em mísulas, marmorizadas. O coroamento é vazado contendo uma pequena tarja ao
centro com a insígnia da Ordem. O programa iconográfico do altar-mor apresenta um
pequeno Crucificado no topo do trono, ladeado, de um lado, pelas Santas Mães
(Santana, Virgem e Menino Jesus) e São Luís, Rei de França. Sob a mesa do altar numa
maquineta há uma exuberante Virgem do Carmo, de origem portuguesa e da primeira
metade do século XVIII.
Os dois altares laterais inseridos em arcadas rasas, têm como elementos de
suporte duas tímidas colunas estriadas de fuste reto, e coroamento simples, com uma
tarja ao sabor de um sol resplandecente, ao centro os três cravos e as cordas,
confirmando a invocação nele contida, Senhor dos Passos. Sob o arco superior da
arcada há duas aletas laterais, elementos que segundo Myriam Andrade Ribeiro de
Oliveira é uma particularidade da escola do rococó carioca338, e, ao centro, uma segunda
tarja, agora com o véu com a Santa Face da Verônica. No altar da direita temos
entronizada Santa Teresa, boa escultura de princípios do século XVIII.
Na atual sacristia existe um oratório de parede, de vocabulário rococó, com uma
das cenas dos Passos da Paixão de Cristo: o Senhor dos Passos. Estão representados
quatro personagens, sendo ao centro o Cristo com a cruz às costas, de pé, caminhando.
Ao seu lado encontramos três soldados romanos, que não parecem estar a importuná-lo,
mas ao contrário, parecem prontos a ajudá-lo no longo percurso. Os relevos dos
personagens são em entalha alto, (3/4), de pequenas dimensões, de boa talha, e podiam
integrar um programa iconográfico maior, que não foi concretizado.
Felizmente a igreja ainda apresenta alguns espécimes de escultura de boa
factura, porém, o acervo vem sendo destruído por reformas bem intencionadas, sem a
preocupação com critérios de conservação intervencionista.

338
‘Tipicamente carioca é a decoração da parte superior das arcadas, uma tarja de linhas sinuosas com
duas aletas laterais’. Publicado em OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima,
op. cit., p. 28. E OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso… op. cit.
174

3.4.2.2 Campos dos Goytacazes, Igreja da Ordem Terceira do Carmo (c.1750)

A freguesia de São Salvador de Campos dos Goytacazes, situada à margem do


rio Paraíba do Sul, teve início no ano de 1652, com a construção, pelo general Salvador
Correia de Sá e Benevides, de uma pequena capela dedicada a São Salvador. A
Companhia de Jesus e os beneditinos foram os primeiros a chegar, possuindo extensas
terras nas planícies para a criação de gado, a fim de abastecer a cidade do Rio de
Janeiro. Sabemos que, em fins do século XVIII, os carmelitas também possuíam
fazendas na região, pois, o Vice-rei d. Luís de Vasconcellos e Sousa, em carta enviada à
rainha de Portugal, d. Maria I, relata que os frades [carmelitas] escandalosos
moradores nos campos dos Goytacazes aonde não tem convento, permaneceram em
seus sítios ou fazendas, aonde se conservavam pacificamente339.
A região mudou de forma sistemática no século XVIII, com a introdução da
cultura da cana de açúcar, principal fonte de renda, trazendo o incremento da população
e de uma classe abastada de senhores de engenho. No campo da construção religiosa,
tivemos as encomendas feitas pelas Irmandades leigas, com as Ordens Terceiras do
Carmo e de São Francisco, além da Santa Casa de Misericórdia e a sua Igreja de Nossa
Senhora da Mãe dos Homens (demolida no século XX).
De todas as construções, a que manteve, em linhas gerais, as características
setecentistas foi a Ordem Terceira do Carmo, apesar das reformas ao longo dos séculos
e da falta de um tombamento federal ou estadual340. Documentalmente fica difícil
estabelecer a data exata da sua fundação, porém é possível localizar duas datas que
podem servir de referência, o que é confirmado pela análise estilística dos elementos
ornamentais e decorativos.
A primeira é o ano de 1778, data do pedido de doação dos terrenos onde se
localiza a atual igreja (Livro de registros da Câmara, 1779-83, p. 49v.). Mas nada
comprova que a Irmandade já não existisse anteriormente, em uma construção menor ou
instalada em uma das igrejas da cidade, segundo os dois principais historiadores da

339
Carta do Vice-Rei d. Luís de Vasconcellos e Sousa, apud MOLINA, Sandra Rita, Des(obediência),
barganha e confronto: a luta da Província Carmelita Fluminense pela sobrevivência (1780-1836),
Dissertação de Mestrado defendida no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1998, p. 90.
340
A igreja da Ordem Terceira do Carmo de Campos não possui tombamento federal (IPHAN), nem
estadual (INEPAC) ou municipal.
175

região, Alberto Lamego e Júlio Feydit341. E a segunda data em questão é o ano de 1797,
que figura na cartela acima da porta principal da igreja. É possível, portanto, que sejam
essas as datas de início e de conclusão das obras da igreja.

Fig. 29 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira, Campos dos


Goytacazes, Rio de Janeiro. (Fonte: https://www.google.pt/maps )

A igreja da Ordem Terceira do Carmo apresenta planta de nave única ladeada


por corredores, separada da capela-mor por um belíssimo arco cruzeiro, sacristia ao

341
LAMEGO, Alberto, Terra Goitacá. A luz de documentos inéditos, Paris, 1913, e FEYDIT, Julio,
Subsídios para a História dos Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Edições Esquilo, 1979. (Edição
comemorativa dos festejos do Santíssimo Salvador, 1979) Segundo este último historiador, a Ordem
Terceira do Carmo tinha uma pequena capela insuficiente e acanhada, em proporção aos recursos da
irmandade e, por isso, em 1778, pediu à Câmara os terrenos onde hoje se acha edificada a sua igreja. No
livro de registros de 1779-1783, na folha 49 verso, se acha a seguinte carta:
“O Juiz Presidente e mais officiaes da câmara, que servimos n´esta Villa de Sam Salvador Parahiba do
Sul e seu termo, o prezente anno, etc. Fazemos saber aos que esta nossa prezente carta de datta virem
que a nós nos enviaram a dizer por sua petição retro escripta, o Irmão Prior e mais Irmaons da
Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo desta sobredita villa o contheúdo,
pedindo-nos em fim e concluzão da mesma, fosse-mos servidos conceder-lhes as terras que pediam na
mesma petição, na forma que n´ella se vê expressada, a qual petição sendo nos aprezentada e por nós
vista lhe pozemos por nosso despacho retro escripto: que lhes concedia-mos as duas dattas na fórma do
estylo, sem prejuízo de terceiro o mais que se achasse inteirados os mais confrontantes pagando de foro
duzentos réis de qe assignariam termo na forma de sua carta de datta que lhes passaria na fórma
praticada. Sam Salvador em câmera, de 8 de Dezembro de 1778. Queiroz, Crespo, Pereyra, Faria. Por
bem do qual nosso despacho se passou aos ditos suplicantes a prezente carta de datta pela qual lhes
damos e conferimos e lhes havemos dadas e conferidas para a dita sua venerável Ordem Terceira de
Nossa Senhora do Monte do Carmo d´esta Villa as referidas duas dattas de chaons que pedem de seis
braças de testada cada huma datta na rua ou estrada geral que sahe do Concelho para o Queimado,
entre os chaons que já possuem e o muro de Domingos Fernandes Rocha, fazendo fundos para a Capella
da ditta Senhora, e bem assim todas as mais sobras de chaons que houverem devolutos na mesma
paragem depois de inteirados os mais confrontantes de chaons o fundo que direitamente lhes pertencer
sem prejuízo de terceiro, na forma de estylo, pagando annualmente de foro duzentos réis de que
assignarão termo no competente Livro deste Senado, em cujos chaons farão cazas dentro de um anno e
não as fazendo ficarão devoluptas para se poderem dar a quem as pedir, o que assim cumprirão. E por
firmeza tudo lhes mandamos passar a prezente por nós assignada e sellada com o signete que perante
nós serve que se registrará. Dada e passada nesta Villa em Câmara, de 8 de Dezembro de 1778, e eu
Francisco Franco Henrique de Miranda, Escrivão da Câmara o subscrevi. O juiz João Gomes da Motta,
os vereadores José Gomes Crespo, José Joaquim Pereira. O Procurador João Peixoto de Faria, O
Syndico da Ordem 3ª Luis Caetano de Souza”.
176

fundo, junto à Capela de Nossa Senhora do Amor Divino (protetora do Noviciado),


assim como a do Rio de Janeiro. No segundo pavimento, encontra-se o salão nobre para
as reuniões da Ordem. Acoplada à igreja existe uma pequena construção de dois
andares, à esquerda, independente, que hoje serve ao comércio. A planta tem o desenho
próximo aos dos hospícios estudados, principalmente da cidade de Itu, cogitamos a
possibilidade de ter sido um pequeno hospício para alojar os frades de passagem.
A fachada da igreja tem uma porta central e três janelas no segundo andar. O
tramo principal retangular é cortado por uma linha horizontal de forte marcação,
formando dois retângulos na horizontal. As janelas e portas apresentam elementos
decorativos pesados, em massa ou estuque, inclusive um pequeno querubim de feição
indígena. Sobre a porta, uma tarja em pedra contendo a insígnia MATER CARMELI
TARUM, com a data de 1797, logo abaixo. Apresenta apenas uma torre pesada à direita,
além de uma área livre com um portão na altura da rua. O frontão sinuoso, de pequeno
formato, tem, ao centro, uma tarja com a insígnia da Ordem.

Fig. 30 – Portada, Igreja do Carmo,


Campos dos Goytacazes, Rio de
Janeiro.

A decoração interna é toda em estilo rococó, com pequenas alterações feitas por
reformas ao longo dos séculos. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o Rio de
Janeiro teve uma escola regional do rococó com características originais encontradas
também na igreja dos Terceiros de Campos, o que dá ao estilo uma área de abrangência
maior do que se pensava, chegando ao norte do Estado do Rio de Janeiro, e ao sul como
veremos na igreja dos Terceiros de Angra dos Reis.
O conjunto de talha é harmonioso, composto de altar-mor, arco cruzeiro, seis
altares laterais, dois púlpitos, coro, molduras de portas e de tribunas. O forro da capela-
mor acompanha a talha do período e o da nave é composto por painéis com pinturas
assinadas (ilegível) e datadas de 1967. Numa foto da década de 30 do século passado,
do acervo do Arquivo Central do IPHAN, verificamos que os 24 painéis emoldurados
por losangos, eram pintados à maneira da pedra mármore (jaspeado)342.

342
‘Ordem Terceira do Carmo, Campos dos Goytacazes’, Pasta de Inventário, Arquivo central do
IPHAN, Rio de Janeiro.
177

O altar-mor é estruturado a partir de quatro colunas torsas com o terço inferior


estriado e o superior com guirlandas de flores nos entremeios, apoiadas em mísulas com
querubins e base reta. O arremate superior do coroamento é em frontão sinuoso, com
tarja trazendo a insígnia da Ordem do Carmo, ladeada por anjos ajoelhados nos
fragmentos dos frontões curvos.
O programa iconográfico atual do altar-mor não é o original, pois exibe uma
escultura de Nossa Senhora do Carmo, ladeada por Santo Elias e Santa Teresa de Ávila,
todas em gesso policromado do século XX, desproporcionais ao espaço físico.
Tradicionalmente, teríamos o Crucificado no retábulo-mor.
Os seis altares laterais possuem duas colunas torsas e dois quartelões sinuosos,
apoiados sobre mísulas e inseridos em arcadas plenas. A terminação superior é um
frontão sinuoso, com uma cartela com o Divino, ao centro, em glória. Extrapolando os
limites da arcada, há uma tarja de linhas sinuosas, além de duas aletas laterais em curva,
típicas da escola regional do rococó carioca, o que se repetirá no arco cruzeiro 343. Os
delicados ornamentos esculpidos, rocalhas, guirlandas e flores, foram aplicados ao
fundo claro, acentuando a dinâmica da superfície, que é tipicamente rococó. A
decoração se completa com dois púlpitos simples, sem adereços, coro, molduras das
portas e tribunas344. Ainda constatamos duas conchas tridacmas, naturais, de grande
dimensão, servindo de porta água benta, à entrada.
A leveza dessa decoração foi descrita da seguinte maneira por Myriam Andrade
Ribeiro de Oliveira: “[...] requintado conjunto de talha do estilo subsiste na igreja da
Ordem Terceira do Carmo, no qual o elemento de maior destaque é o arco cruzeiro
com ornatos dourados em apliques e remate tem tarja e aletas abertas, similar aos das
igrejas cariocas”345.
O programa iconográfico dos altares laterais são os Passos da Paixão, com os
Cristos, assunto que abordaremos no próximo capítulo. Há que se notar ainda, na igreja
de Campos, a Capela de Nossa Senhora do Amor Divino, localizada à esquerda da
capela-mor, cuja imagem é de excelente fatura. Consiste de um pequeno salão de dois
ambientes em estilo rococó. O pequeno retábulo ao fundo apresenta duas colunas torsas
de cada lado, entremeadas por dois nichos com as esculturas de São João Nepomuceno

343
OLIVERIA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso... op. cit., p. 183-196.
344
Nas tribunas, foram identificados seis emblemas relacionados aos carmelitas: a coroa, o escudo da
ordem, o escapulário (sinal da aliança da Virgem com a Ordem através da entrega do escapulário a São
Simão Stock, em 1251), um lírio, um livro com a pena (símbolo de Santa Teresa, reformadora da Ordem)
e, finalmente, o símbolo de Santo Elias, uma mão segurando a espada flamejante.
345
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso... op. cit., p. 196.
178

e São João da Cruz. No teto, ao centro, a pintura de Santo Elias subindo aos céus na
carruagem de fogo, de caráter popular, emoldurada por alguns elementos decorativos
singelos.

3.4.3 São Paulo

Trataremos dos três complexos arquitetônicos carmelitas do Estado de São Paulo


que ainda faltam, pois, o mais antigo, o de Santos, já foi analisado no começo deste
capítulo. São eles: São Paulo (capital), Mogi das Cruzes e Itu. A colonização dessa
região deu-se de forma lenta, apesar de ter tido uma das primeiras vilas fundadas do
país: São Vicente, no litoral norte de São Paulo, na capitania de mesmo nome. As
cidades que abordaremos, tiveram sua história ligada ao desenvolvimento em direção ao
interior, no desbravamento dos sertões. São Paulo surgiu da fundação, pelos jesuítas, de
um colégio na beira do rio conhecido como ‘Peabiru’, leito natural que conduziria para
a direção oeste, até ao lendário Peru, onde se encontrava o tão desejado ouro.
No litoral, existiam a vila de São Vicente e a de Santos, com o complexo
carmelita. Logo a seguir, os carmelitas instalaram-se em São Paulo, capital, e nas
cidades de Itu e Mogi das Cruzes, que hoje fazem parte da região metropolitana. O
desenvolvimento destas cidades foi possível devido ao enriquecimento da região,
importante centro econômico nos fins do século XVIII e XIX, com a introdução da
cultura cafeeira. A região chegou ao século XX como a mais rica do Brasil.
Infelizmente o ‘progresso’ trouxe também a destruição do antigo, para dar lugar ao
novo. Grande parte da cidade colonial de São Paulo desapareceu. Em seu lugar, surgiu
uma das maiores metrópoles do mundo.

3.4.3.1 São Paulo (c. 1598)

“Pelo sertão, a nove léguas do rio de São Vicente, está a vila de São Paulo, na
qual há um mosteiro da Companhia de Jesus, outro do Carmo, e nos tem sinalado sítio
para outro de nossa seráfica ordem, que nos pedem queiramos edificar há muitos anos,
com muita instância e promessas [...]”346.

346
SALVADOR, Frei Vicente do, História do Brasil... op. cit. Disponível em:
http://livros01.livrosgratis.com.br/bn000138.pdf
179

Assim o franciscano Frei Vicente do Salvador nos informa que, em meados do


século XVII, na cidade de São Paulo, só existiam os conventos dos Jesuítas e dos
Carmelitas. A vila foi elevada a sede da capitania ainda em 1681, tendo cerca de dois
mil habitantes, 260 casas, e agora três conventos (São Bento, São Francisco e Nossa
Senhora do Carmo), quatro igrejas além da Sé (Santo Antônio, Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos, São Gonçalo dos Pardos e São Pedro) e dois recolhimentos para
freiras (conventos de Santa Teresa e Nossa Senhora da Luz), sem contar o colégio dos
Jesuítas. Foi elevada a cidade em 1711 e tornou-se sede de bispado em 1745.347 Porém,
a povoação setecentista começaria a se modificar, e muito, a partir do século XIX, com
o impulso da cultura do café.
Os carmelitas chegaram por volta do fim do século XVI. O convento e sua igreja
foram destruídos no século passado, a partir da expropriação do imóvel, feita pelo
Estado de São Paulo, que o reconstruiu em outro local, em 1928. Demolição que
começou com a principal igreja da cidade, a Sé, em 1912, para construção de uma nova
no mesmo local, projetada pelo arquiteto Maximiliano Hehl, com linhas neogóticas. Da
mesma forma, foram destruídas também, as igrejas dos Remédios, de São Pedro dos
Clérigos e o recolhimento de Santa Teresa, entre outros monumentos do período
colonial.

Fig. 31 – Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo,


São Paulo. Foto de Militão Augusto de Azevedo, do século
XIX, com o aspecto original, incluindo o convento e a sua
igreja. (Fonte: Acervo IPHAN, Rio de Janeiro e
https://www.google.pt/maps )

347
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas: Barroco e rococó, São Paulo, Imprensa oficial do estado de
São Paulo/ Unesp, 2004, p. 174.
180

Podemos apreciar como era a cidade de São Paulo e o complexo arquitetônico


dos carmelitas pelos registros fotográficos. Essa técnica, do século XIX, se tornou a
salvadora da memória de conjuntos arquitetônicos de épocas passadas. Edificado no alto
do antigo Outeiro da Tabatinguera, o complexo era formado por convento e igreja,
estando a dos terceiros à direita. Limitando o espaço entre as duas igrejas, havia a torre
única.
Um belo registro do conjunto é o do fotógrafo Militão Augusto de Azevedo348,
da segunda metade do século XIX. Nele observa-se facilmente que a estrutura da igreja
conventual era a mais antiga. A fachada tinha uma galilé de três arcos plenos. No
segundo andar, três janelas compunham o tramo central retangular e o arremate superior
era feito em frontão triangular. Uma grande torre, pesada, de oito sinos, ficava à direita.
O convento compunha-se de uma construção sóbria, com infinitas janelas como de
costume, provavelmente em torno de um claustro retangular.
A fachada da igreja dos Terceiros, mais larga, apresentava, e ainda apresenta,
dois anexos nas laterais do tramo retangular central, corredores de acesso interno, e
talvez indício da intenção de edificar duas torres próprias, que não chegaram a ser
realizadas.
“A fachada tripartida apresenta três portadas no centro, e uma porta menor em
cada uma das laterais. Na altura do coro, apresenta cinco janelas de verga de arco
abatido e frontão barroco. Internamente, possui nave única e capela‐mor, ambas com
tribunas com sanefas e elaborados guarda‐corpos em talha dourada”349.
Não se sabe quando a Irmandade dos terceiros instalou-se no convento carmelita
de São Paulo, mas se reconhecem as datas de 1676-1697, como possíveis para o início
das obras da primitiva capela, edificada anexa à nave da igreja conventual. Quando os
frades resolvem aumentar a própria igreja, os terceiros também decidem construir uma
capela nova, definitiva, iniciada em 1747 e concluída em 1759. A decoração interna
levou um pouco mais de tempo para ser finalizada, provavelmente até 1763. No

348
Militão Augusto de Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1837 e faleceu em São Paulo, no ano de
1905. Foi um importante fotografo do século XIX, mas, também esteve envolvido na carreira de ator,
atuando na Companhia Joaquim Heleodoro (1858-60). Em 1887, edita o ‘Álbum comparativo das vistas
da cidade de São Paulo’, introduzindo o tipo de fotografia paisagística urbana, em moda na Europa. É o
responsável também pelos álbuns: Vistas da Cidade de São Paulo, 1863; Álbum de vistas da Cidade de
Santos, 1864-65; Álbum de vistas da Estrada de Ferro Santos Jundiaí, 1868 e Álbum Comparativo de
Vistas da Cidade de São Paulo (1862-1887).
349
BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira, ‘Igreja da Ordem Terceira do Carmo. São Paulo, São Paulo,
Brasil’, publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit.,,
p. 331.
181

entanto, a igreja passou por grandes reformas nos anos de 1906 e de 1929. A reforma
mais intensa foi a do último ano, quando a igreja vizinha e o convento foram destruídos.
A planta da igreja dos Terceiros é de nave única e capela-mor profunda. A talha
do altar-mor coube ao entalhador Pedro Ludovico, que, segundo Percival Tirapeli, foi
substituído, no fim do século XVIII, pela do mestre José de Oliveira, que também fez o
trono e o forro da capela-mor350.
O altar-mor é uma peça de bom entalhe, que guarda resquícios do rococó,
estruturado em dois pares de colunas retas, apoiadas em mísulas. O frontão mostra
elementos decorativos flamejantes, aplicados sobre pequenos pilares. Tal estrutura se
repetirá na talha das igrejas do Carmo de Mogi e de Itu, embora com diferente fatura. O
pesquisador Bonazzi da Costa descreve-os como “[...] fragmentos de arcos compostos
de volutas às quais se aplicou uma leve torção, tornando-as anamóficas”351. Ao centro,
fechando o coroamento, uma bela tarja com rocalhas vazadas. As tribunas acompanham
a decoração do retábulo-mor e permitem a entrada de luz do lado direito, o que acaba
proporcionando uma boa iluminação.
Entronizada no altar-mor, está a Virgem do Carmo, ladeada pelos santos
fundadores dos Descalços: São João da Cruz e Santa Teresa. As esculturas são do
século XIX, em gesso policromado. O belíssimo Crucificado, de provavel importação
portuguesa do século XVIII, que fecharia o sétimo Passo da Paixão e deveria estar
presente neste altar, foi deslocado para a entrada da nave, à esquerda.
Compensando a simplicidade da talha dos retábulos laterais, que, segundo
Percival Tirapele, é de fins do século XVIII, mas que formalmente parecem entoar já
um neoclássico do século XIX, temos as esculturas dos Cristos da Paixão. Peças de bom
entalhe, porém, de fatura ingênua, e de linguagem formal distante da do Crucificado.
Podem ter sido confeccionados por um entalhador da região, do século XIX, enquanto o
Crucificado é típico do XVIII, assunto que retomaremos no próximo capítulo.
Todavia, muito valiosas, na Igreja dos Terceiros de São Paulo, são as pinturas
que ornam os tetos da capela-mor e da nave. Executadas pelo pintor Jesuíno do Monte
Carmelo, foram consideradas por Mário de Andrade a obra mais plástica que o artista
deixou, a que “menos se preocupa desenhisticamente de contar, mas a que mais

350
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 206-211. BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira.
Igreja da Ordem Terceira do Carmo... op. cit., p. 331.
351
COSTA, Bonazzi da, apud TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 208.
182

constrói e decora. É a mais dogmática”352. Vale ainda destacar, na capela dos


Terceiros, o painel da sacristia, de autoria de José Patrício da Silva Manso, uma
interessante pintura da escola paulista.

3.4.3.2 Mogi das Cruzes (1627)

A vila de Mogi das Cruzes foi fundada em 1560 por Braz Cubas, que no ano
seguinte teria fundado um acampamento, o qual mais tarde deu origem ao arraial. Em
1608, Gaspar Vaz recebe a região em sesmaria e em 1611 os moradores pedem a
elevação do povoado em vila. O que oficialmente acontece neste mesmo ano, com o
nome de Vila de Santana de Mogy-Mirim, que significa ‘rio das cobras’, denominação
que os índios davam ao trecho do rio Tietê, acrescido do nome da padroeira introduzida
pelos portugueses.

Fig. 32 – Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das
Cruzes, São Paulo. Aspecto atual, foto do começo do século XIX. (Fonte: Acervo IPHAN e
https://www.google.pt/maps )

Os carmelitas finalizam o seu convento na cidade por volta do ano de 1633, mas
a autorização para a obra foi dada em 1629, quando a Câmara concedeu as terras ao
provincial frei João da Cruz. Os primeiros frades a residir em Mogi foram frei Manoel

352
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte... op. cit.,.
183

Pereira e frei Sebastião da Encarnação353. Na segunda metade do século XVIII, mais


precisamente entre os anos de 1753 e 1768, igreja e convento passaram por uma
reedificação354.
O atual aspecto despojado de decoração das duas fachadas, igreja conventual e
dos Terceiros, com torre centralizada, é fruto de obras de restauração da segunda
metade do século XX com o intuito de voltar à aparência que as igrejas teriam no século
XVIII, removendo todos os acréscimos incorporados ao longo dos anos. “Quando vistas
pela parte posterior, um novo ritmo visual é dado pelos desníveis dos telhados e pelos
volumes das capelas e naves. São surpresas causadas pela simplicidade da arquitetura
colonial, sensação de despojamento mais tarde retomada pela modernidade [...]”355.
Porém, esta intervenção de restauro tirou ao conjunto à similitude que possuía com os
complexos de Angra, Santos e o antigo de São Paulo.
A igreja conventual possui nave única, com capela-mor profunda, e, um
transepto raso definido por dois altares laterais. O altar-mor é o de maior interesse por
apresentar elementos decorativos do tipo rocalhas, aplicados a uma estrutura com dois
pares de colunas retas, sobre mísulas. O frontão superior tem uma tarja central
assimétrica, com a insígnia de Maria – M. No arremate superior veem-se fragmentos de
frontão ondulados que simulam ondas prestes a se espraiar. O altar-mor, apesar de ter o
vocabulário formal interessante, apresenta uma pintura escura, que impõe uma
aparência pesada e pouco harmoniosa ao retábulo. Merece uma boa intervenção de
conservação que lhe devolveria cores mais alegres, condizentes com a sua linguagem
rococó.
Nas paredes laterais da capela-mor encontram-se quatro tribunas, tipo janela,
abertas para o exterior, inundando o ambiente de luz, bem ao gosto rococó. O forro da
capela-mor apresenta, no medalhão central, uma boa pintura de Santo Elias, com a
espada flamejante e o seu tradicional livro aberto com as palavras: Zelo Zelatus sum pro
Domino Deo Exercituum (Ardo em zelo pelo Senhor Deus dos exércitos). Dois nomes
podem estar ligados a esta boa pintura, ambos da região do Serro e Diamantina, Minas
Gerais, Manuel do Sacramento e Antonio dos Santos356.

353
GRINBERG, Isaac, História de Mogi das Cruzes, São Paulo, Saraiva, 1961, p. 26.
354
‘Livro de Receita e Despesa da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo’, fls. 144, 144 v e 151.
Transcrição do documento, Pasta de Inventário, no Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
355
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 252.
356
PEREIRA, Danielle Manoel dos Santos, A pintura ilusionista no meio norte de Minas Gerais -
Diamantina e Serro - e em São Paulo - Mogi das Cruzes (Brasil), Dissertação (mestrado), Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2012. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/86897>
184

O programa iconográfico do altar-mor é o de praxe nas igrejas carmelitas: no


camarim, está entronizada a Virgem do Carmo, uma boa escultura do século XVIII,
dentro de uma maquineta já do século XIX. Nos entremeios das colunas, Santo Elias e
Santo Eliseu, esculturas do século XX, possivelmente em gesso policromado.
Há dois altares no transepto, posicionados nas capelas fundas, apresentam, no da
direita um retábulo de estilo próximo ao do altar-mor, composto de dois pares de
colunas retas, com o terço inferior estriado, dois pares de quartelões e diversos apliques
decorativos em rocalhas de muito bom gosto, inclusive, nas colunas. No coroamento,
temos uma tarja, que repete o vocabulário formal do altar-mor, de dimensão menor e
elementos formais torcidos, que lembram rocalhas, aplicados nos cantos, e em dois
pequenos pilares. Ao centro do altar, está entronizada, uma belíssima imagem do
Senhor Crucificado, ainda vivo, de excelente anatomia e de forte acento sensual, da
segunda metade do século XVIII.
O altar da esquerda e os quatro altares da nave já são obras do século XIX, de
gosto neoclássico, estruturados em quartelões. Entronizadas, há esculturas sem grande
interesse, em gesso policromado, possivelmente do século XX: Sagrado Coração de
Jesus, São José, Santa Teresa e Santo Alberto.
Excelente acervo de arte sacra, com esculturas do século XVIII, pode ser visto
no Museu do Carmo, alojado em dependências do convento e na sacristia da Igreja
conventual. Acreditamos que se encontram no Museu as esculturas que originalmente
estariam nos altares da igreja do século XVIII, inclusive, uma interessante Santa
Emerenciana, iconografia rara no Brasil. Conhecemos apenas três exemplares além
deste: no altar-mor da Igreja dos Terceiros do Carmo do Rio de Janeiro e na Igreja de
Santo Antônio de Recife, nesta última, junto ao seu marido, Santo Estolano.

A irmandade dos Terceiros foi instituída em 1698, por frei Manuel Ferreira da
Natividade, anexa ao convento357. A atual igreja foi reedificada no ano de 1762, do lado
direito do templo conventual, separadas pela torre, repetindo o padrão tipológico
encontrado na região, iniciado em Angra dos Reis, como vimos. Sabe-se que houve um
pedido de reconstrução da primitiva capela apresentado à Mesa da Irmandade em 1755,
na mesma época da reedificação da igreja conventual, conforme a transcrição abaixo:
“[...] com a mudança que se fez da Igreja deste convento ficaram eles suplicantes com a

357
Histórico. Igrejas da Ordem 1ª e 3ª de Nossa Senhora do Carmo de Mogi das Cruzes (SP), Pasta de
Inventário, Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
185

sua capela em um total desamparo longe do sacramento, e atendendo que para no


diante poderá haver tanto em desordem como ficando em risco de que o ordinário lhe
possa botar a mão e para se livrarem de tudo isto recorrem ao patrocínio de V. Revma.
para lhe conceder licença para podermos haver nossa Capela pegada à Igreja nova
deste Convento da parte da mão direita com frontispício frente e arco para a mesma
igreja a imitação do da cidade de São Paulo [...] com a condição de fazerem as duas
paredes que são necessárias para a torre ficando entre uma igreja, e outra a sua custa
[...]”358.
A planta da igreja dos Terceiros é de nave única, retangular, com corredores
laterais, capela-mor profunda e sacristia à esquerda. O corredor da direita é aberto,
dando acesso à torre. A igreja apresenta sete altares, que incluem seis na nave e o altar-
mor. Os seis da nave estão na madeira, sem estilo definido, mas de provavel fatura já do
século XIX, são estruturados em duas colunas retas. Segundo Tirapeli, foram entalhados
por João da Cruz, entre os anos de 1805 e 1809359. Já o altar-mor, de excelente fatura,
segue o vocabulário formal do rococó. É uma peça que dá gosto de ver, com dois pares
de colunas retas e apliques de rocalhas vazadas. A tarja superior tem desenho elegante e
exibe um par de fragmentos de frontão ondulados, assimétricos, aplicadas sobre a
cornija superior, repetindo o padrão encontrado na igreja conventual de Mogi e na dos
terceiros de São Paulo, neste caso, mais erudito, criando o tal movimento de ondas
prestes a se desmanchar.
Destacam-se, neste altar-mor, as imagens de Nossa Senhora do Carmo, sobe a
mesa do altar, ladeada por São João da Cruz e Santa Tereza, todas de roca. E, como de
praxe nas igrejas dos Terceiros carmelitas, o Crucificado no topo do trono. Nos altares
laterais, encontram-se os outros seis Cristos, representativos dos Passos da Paixão, estes
de fatura ingênua. É possível que sejam de data bem avançada do século XIX, feitos por
um artesão local. Tais imagens merecerão estudo detalhado no próximo capítulo.
Além da talha do altar-mor, é de grande interesse também a pintura do forro, que
segundo Danielle Pereira a autoria é, comprovadamente, Manoel do Sacramento360.
Pintura de cores vivas em vermelhos e azuis entre concheados assimétricos e santos da
Ordem. “Apresenta a cena central circundada, à distancia, por um muro-parapeito que
se inicia próximo à cimalha das paredes. A partir do elemento arquitetônico, erguem-se

358
‘Livro de Atas da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes’ 1762-1855, fl. 12. Pasta
de Inventário, Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
359
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 254.
360
PEREIRA, Danielle Manoel dos Santos, A pintura ilusionista ... op. cit, p. 196.
186

colunas em direção à cena central, emoldurada com conchóides, volutas e guirlandas


de flores. Entre as colunas veem-se grupos de santos e beatos, bem como de santas que
trazem nas mãos elementos simbólicos, como a palma, a cruz, o livro e a caveira. Os
quatro cantos da composição são reservados a bispos e papas carmelitas. A visão
representa santa Teresa d’Avila, doutora da Igreja, em êxtase, sobre as nuvens,
cercada por anjos, um dos quais traz nas mãos um livro com a inscrição Domine aut
Pati aut Mori”361.
Essa pintura e a da capela-mor caracterizam um estilo de pintura feita em São
Paulo em fins do século XVIII e princípios do XIX, com elementos marcantes de
inspiração no rococó mineiro: cores fortes, concheados e rocalhas vermelhas e azuis,
muro-parapeito e medalhão central interligado por colunas concheadas.

3.4.3.3 Itu (a. 1716)

A cidade de Itu tem fama de ser a terra dos exageros, mas ainda possui um
interessante conjunto arquitetônico religioso e civil remanescente dos séculos XVIII e
XIX. Da Ordem carmelita restou apenas a Igreja dos Terceiros, com a torre posicionada
à direita, na linha da rua. Neste caso acreditamos que não existiu a igreja conventual
nem o convento, pois, na documentação transcrita, percebemos que nunca houve
permissão para tal, mas apenas para a criação do hospício: “[...] devido a uma ordem
régia de D. Pedro, datada de 1702, ficou decidido não se permitir ‘novo convento na
vila de Itu’ que não fosse o dos franciscanos já existentes. Os terceiros carmelitanos
existiam na vila desde pelo menos, 1716, assistidos apenas por um frade comissário
mais um companheiro. Mas tanto o povo como a própria Câmara de Itu, secundada
pela de Sorocaba, achavam ‘que os religiosos do convento de Antoninhos [...] não eram
suficientes para tanto povo. Todos eles pediram, em 1720, a sua majestade a fundação
de uma casa carmelita. Mas como obstava a sobredita ordem régia de 1702, pediram
não um convento, mas um hospício, isto é, uma casa não formada, cujo superior tinha o
título de presidente, e não o de prior. Não consta o teor da resposta, mas o hospício se
fundou e dele faz menção frei Apolinário em 1730; logo, foi entre 1720 e 30. Os
religiosos do Carmo aboletaram-se nas dependências dos Terceiros e a Casa conservou
sempre o nome de Hospício, com que figura no relatório de 1764 e que ainda teve

361
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 256.
187

depois de 1820, ano em que a capela passou para o domínio dos frades, apesar de o
número dos religiosos chegar em 1764 a doze”362.

Fig. 33 – Complexo arquitetônico do ‘Hospício’, e Igreja


da Ordem Terceira do Carmo, Itu, São Paulo. (Fonte:
https://www.google.pt/maps )

A Irmandade dos Terceiros, segundo informações do historiador local, Oliveira


César, já existia no ano de 1716, e a primitiva construção é de fins do século XVII
(1691). Porém, uma nova capela definitiva, teve sua edificação iniciada em 1747 e
concluída em 1758363. Em 1772 o frontispício foi reedificado. O corpo da igreja
avançou por meio de uma galilé, mantendo uma porta principal, três janelas no segundo
andar e um frontão sinuoso, similar ao modelo das igrejas da Ordem situadas na cidade
de Santos, exceto o óculo, que lá é trilobado e aqui, circular.
A igreja é de nave única, com capela-mor profunda. Na nave, estão os seis
retábulos com os Cristos das representações dos Passos da Paixão e, no altar-mor, o
Crucificado. Todavia, o que de mais valioso existe na capela, muito além da sua talha e
esculturas, são as pinturas que ornam os tetos da capela-mor e da nave, executadas por
Padre Jesuíno do Monte Carmelo e consideradas, por Mário de Andrade, a obra mais
plástica deixada pelo artista. Na pintura da capela-mor, Nossa Senhora do Carmo,
centralizada, tem aos seus pés, em pares, santos fundadores da Ordem: à direita, Santo
Elias e Eliseu e, à esquerda, Santa Teresa e Santa Maria Madalena de Pazzi. De cada

362
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte... op. cit., p. 155-156.
363
CÉSAR, Joaquim Leme de Oliveira, ‘Notas históricas de Itú’, publicado em Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, V. 25 (1925), 1928, p. 43-90.
188

lado, sobre a cimalha, acham-se representados três pares de santos Papa, Bispo e
Cardeal.
O conjunto de retábulos, que hoje se encontra na nave, segundo Oliveira César,
teve que ser alterado depois de 1780, quando chegaram sete esculturas, representando
Cristos dos Passos da Paixão, encomendadas ao artista português, Pedro da Cunha, que
residia no Rio de Janeiro. Isso porque, ao chegarem, verificou-se que as peças não
cabiam nos nichos dos altares que estavam sendo feitos. Oliveira César conta a seguinte
história: “Em 26 de janeiro de 1777, deliberou a mesa que o procurador promovesse a
cobrança do que se devia à Ordem, para satisfazer o importe das 07 imagens para a
procissão do Triunpho, que estavam encomendadas a Pedro da Cunha, do Rio de
Janeiro. Em 15 de agosto do mesmo ano de 1779, sendo submetida ao Prior da Ordem
o P. João Leste Ferrez, resolveram mandar fazer os seis altares para as imagens do
Triunpho, assim com as sete charolas para as mesmas. Foi contratado tudo com o
Mestre Miguel Francisco, pelo risco que apresentou, [...] Mas, passados três anos a 12
de agosto de 1781, é que observavam que os altares ‘principiados’ não estavam em
relação às imagens, resolveram, portanto, adotar outro risco, que é o dos atuais
altares, a 80$000 rs cada um, [...] com prazo de ano e meio.
Tem lugar aqui a verificação de um facto. Não se menciona a vinda das
imagens, lacuna proveniente de falta da folha no velho livro. Mas, parece certo, que foi
nesta época que elas chegaram, porque é então, à vista delas, que reconheceram a
desproporção dos altares e mudaram de plano. [...] Consta de assuntos, que mal se
podem ler, que o transporte das imagens, de Santos para aqui, coube cada uma a 08
irmãos terceiros, os quais forneceram os carregadores pretos ou índios para trazerem-
nos em rede. Toda a despesa de transporte montou a 15$000”364.
Os altares refeitos, que tudo leva a crer sejam os atuais, já apresentaram o
formulário formal neoclássico – com colunas retas e pintura imitando mármore,
lembram o estilo pombalino das igrejas de Lisboa, pós-terremoto. Os retábulos estão
alocados em arcadas rasas, praticamente no alinhamento das paredes e estruturados em
duas colunas retas nos cantos e dois quartelões/colunas cerca do nicho central. O
arremate superior é simples: um tímido dossel, tendo, ao centro, uma elegante tarja. O
altar-mor repete o modelo, em maiores proporções, com dois pares de colunas retas. O
frontão superior, ou melhor o arremate superior, compõe-se de uma estrutura decorativa

364
CÉSAR, Joaquim Leme de Oliveira, Notas históricas de Itú... op. cit., p. 53.
189

rendada, tendo ao centro uma tarja central, de belíssimo desenho sinuoso, com a
insígnia da Ordem.

3.5 As fundações dos Carmelitas Descalços

Apesar de termos apenas dois complexos arquitetônicos de ordem primeira dos


Carmelitas Descalços no território brasileiro, Fernando Ponce de Léon fez uma pequena
relação cronológica destes em relação aos conventos de Portugal e de Angola. Em
Portugal, o desenvolvimento deste ramo foi frutífero, acreditamos que muito se deveu
ao apoio recebido, na sua implantação, pelo então rei Filipe I de Portugal e II de
Espanha.
“Desde seu estabelecimento em Portugal (1581), suas fundações em Angola
(1659) e Brasil (Salvador, 1665 e Olinda, 1686), até sua extinção pelas monarquias
liberais brasileiras (1831) e portuguesa (1834), os frades carmelitas descalços
construíram cerca de 19 conventos. Formam essa série vários núcleos construtivos e
cronológicos, cuja periodização sugerimos:
1º grupo: Piedade (Cascais); Carmo (Figueiró dos Vinhos); Remédios (Évora);
Remédios (Lisboa) e São José (Coimbra); Conventos cujas obras construtivas
iniciaram-se e desenvolveram-se no primeiro terço do século XVII;
2º grupo: Carmo de Aveiro; do Porto e de Viana do Castelo, e o Eremitério da
Santa Cruz de Buçaco (Luso) (primeiro e segundo quarteis do século XVII);
3º grupo: Conventos do Carmo, de Braga, Santarém e Luanda (Angola) e o de
Santa Teresa da Bahia, fins do século XVII e princípios do século XVIII;
4° grupo: São João da Cruz (Carnide, Portugal), do Desterro/Santa Teresa de
Olinda, Encarnação (Olhalvo), Santa Teresa (Setúbal), Carmo (Tavira) e Corpus
Christi (Lisboa), séculos XVII e XVIII”365.
Para o estudioso, os dois conventos do Brasil encontram-se no terceiro e quarto
grupos da tipologia sugerida, sendo ambos da segunda metade do século XVII.
Diferentemente da Antiga Observância, o ramo dos Descalços não privilegiou o ramo
dos leigos, só possuindo em Portugal três igrejas: Porto, Tavira e Vila Real. Portanto
estudaremos esses dois monumentos buscando perceber as características que os unem e
os separam.

365
PONCE DE LÉON, Fernando. ‘O Convento do desterro – Santa Teresa, de Olinda – e a arquitetura
carmelitana’, publicado em Separata da Revista Museu, IV Série, nº 6, 1997, p. 127.
190

3.5.1 Bahia, Salvador (1665/1686)

O complexo arquitetônico dos Carmelitas Descalços da cidade de Salvador


pertence hoje, à Universidade Federal da Bahia e abriga o precioso Museu de Arte
Sacra, talvez o melhor do Brasil, idealizado por D. Clemente da Silva Nigra, em 1959.
Pela documentação pesquisada por Germain Bazin, o convento dos Carmelitas
Descalços de Salvador foi fundado em 1665366, datação confirmada pelo historiador
Ponce de León. Três anos depois, os religiosos já tinham licença concedida pelo
capítulo para construir. Designou-se Frei José do Espírito Santo, eleito prior de Évora,
para essa função. Partiu no dia 15 de agosto de 1665, acompanhado de alguns monges.
Ao chegar a Salvador recebem licença da Câmara, e em 1665, a do Cabido da
Catedral367.
De Portugal, vieram, em 1673, pedras para ser usadas no convento, e, em 1686,
foi inaugurado. A igreja se consagrou em 15 de outubro de 1697, no dia da festa de
Santa Teresa, sua padroeira368. “Por ocasião desta solenidade, um sermão foi
pronunciado por um monge beneditino, ex-provincial do Brasil, Frei Ruperto de
Jesus369, o que leva Dom Clemente da Silva Nigra a pensar que a igreja tenha sido
construída com base no projeto do arquiteto beneditino, então importante na Bahia,
Frei Macário de São João, falecido em 1676 [...]”370.
Segundo o Dietário de São Bento, um frade carmelita, sentindo-se ofendido por
ter sido um beneditino a pregar na inauguração da igreja, resolveu subir ao púlpito e
também fazer a sua homenagem à Santa. De acordo com o documento beneditino, “[...]
intentou deslustra-lo com alguns imprudentes dicterios; mas com confusão sua por que
todos conhecerão que aqueles ditos eram efeitos de inveja que não podia eclipsar
(digo) de inveja de um resplendor que não podia eclipsar”. Não sabemos quem foi o
366
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., p. 34.
367
TERENO, Maria do Céu Simões, ‘Conventos carmelitas... op. cit., p. 22. Os frades que
acompanharam Frei José do Espírito Santo foram: Frei João das Chagas, natural de Lamego; Frei
Inocêncio de Santo Alberto, natural de Figueira dos Vinhos, Manuel de Santo Alberto, e dois irmãos
chamados “de primeira profissão”: Francisco da Santíssima Trindade, natural de Barzia de Pereiras e
António da Apresentação.
368
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos... op. cit., vol II, p. 107.
369
O Sermão em homenagem a Santa Teresa do Padre pernambucano Frei Ruperto de Jesus foi pregado na
festa de inauguração, mas só teve impressão em 1699. SERMAN DA GLORIOSA Madre Santa Teresa na
occasiam, em que os religiosos Carmelitas Descalços abrirão a sua Igreja nova da Bahia, Pregado Pelo
Muyto Reverendo padre Mestre O D. Fr. Ruperto de Jesus, Lente jubilado em Theologia, Qualificador, &
Revedor do Santo Officio, Monge do Patriarca S. Bento da Provincia do Brasil, No Anno de 1697,
Lisboa, Na Officina de Manoel Lopes Ferreyra, M. DC. XC. IX.
370
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., p. 34.
191

frade carmelita ofendido, no entanto encontramos a publicação de um sermão em


homenagem a Santa Teresa, na Biblioteca Nacional de Lisboa, do padre Antônio da
Piedade, religioso de Nossa Senhora do Monte do Carmo, pregado no terceiro dia da
festa da inauguração do novo templo371. Deixando de lado as querelas entre as Ordens
Religiosas, o que importa enfatizar é a importância que tinham os Sermões no período
colonial, cujo sucesso podia congregar um maior número de fiéis para as suas
determinadas ordens ou paróquias.
O baiano Eugénio Ávila Lins o descreve da seguinte maneira na paisagem da
cidade de Salvador: “a estrutura arquitetónica conventual está implantada a meia
encosta da falésia de Salvador, envolvida por uma grande área verde murada, de onde
se descortina uma fantástica vista da Baía de Todos os Santos, possibilitando, tanto em
seu interior quanto em seu exterior, um permanente convite à admiração e
contemplação”372.
Segundo esse arquiteto a chegada dos frades Descalços à cidade de Salvador se
deu em data um pouco anterior à creditada por Bazin, provavelmente em 1659, e
ocorreu quando estes se dirigiam a Angola para ali fundarem um convento. Ele também
usa o termo ‘arquitetura carmelitana’ para o complexo dos descalços da Bahia,
acrescentando ser uma igreja em “[...] cruz latina, nave única com capelas laterais
intercomunicantes abobadadas, cúpula semi‐esférica no transepto, e cornija de
moldura clássica percorrendo todo o perímetro da igreja, de onde nascem as
abóbadas”373.
Para Germain Bazin esta foi uma planta excepcional para o Brasil daquela
época, de transepto da mesma altura da nave, de forma que possa sustentar uma cúpula,
que não encontraremos na igreja dos Descalços de Olinda. O corpo da nave é cercado
por cinco capelas profundas de cada lado, encimadas por tribunas.

371
SERMAM DA ESCLARECIDA e sempre gloriosa virgem S. Teresa de Jesus. Fundadora dos
carmelitas descalços. Pregado em esta cidade da Bahia, pelo M. R. P. M. Fr. Antonio da Piedade,
religioso de Nossa Senhora do Monte do Carmo, aos 17 de outubro do anno de 1697. Em o terceiro dia da
festa, que os religiosos descalços fizerão na aparição do novo templo, Lisboa, Na Real oficina Herdeiros
de Miguel Deslandes, 1703.
372
LINS, Eugénio Ávila, ‘Igreja e Convento de Santa Teresa. Salvador, Bahia, Brasil’, publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 185.
373
LINS, Eugénio Ávila, Igreja e Convento de Santa Teresa, op. cit., p. 185.
192

Fig. 34 – Convento e Igreja dos Carmelitas Descalços, atual Museu de Arte Sacra,
Salvador, Bahia. (Fonte: https://www.google.pt/maps )

A fachada possui uma galilé de três arcadas do final do século XVII, sem torre,
mas com um campanário-arcada recuado em relação à fachada, como o encontrado na
igreja dos Carmelitas Descalços de Ávila e também na dos Carmelitas de Trinidad de
Salamanca, igreja construída na mesma época374. O partido de sua fachada é de linhas
clássicas, frontão triangular estruturado sobre tramo retangular. “[...] constituído de três
corpos que formam um retângulo encimado por um frontão triangular com uma
espadaña num dos lados. No primeiro corpo, estão inseridos três arcos, que formam o
pórtico de entrada do templo. O que está localizado no centro possui maior altura; no
segundo, está inserido um nicho, no qual é colocada uma imagem; no último, uma
janela central é ladeada por dois escudos, nos quais estão inscritas as armas do reino e
as insígnias da Ordem, respectivamente”375.
No segundo terço horizontal, há uma janela, ladeada por brasões da Ordem, em
relevo. Logo abaixo, um nicho central, com a escultura da Virgem do Carmo, imagem
moldada em barro pelo escultor e ceramista Jair Brandão, no século XX, quando da
restauração da fachada. O modelo foi a escultura de mesma invocação, datada de
1670376.
No interior, a igreja ainda apresenta na nave, quatro altares de gosto barroco, e,
no cruzeiro dois já de gosto neoclássico (d. Maria). Infelizmente, o altar-mor foi
substituído, bem mais tarde, por um retábulo de pedra. Restou hoje, no alto, quase a
subir aos céus, a preciosa escultura de Santa Teresa em madeira policromada. Nela, a

374
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa…, op. cit., p. 34.
375
LINS, Eugénio Ávila, Igreja e Convento de Santa Teresa, op. cit., p. 185.
376
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos... op. cit., vol II, p. 139.
193

santa direciona o olhar para o alto e é agraciada com o dom do Divino Espírito Santo,
simbolizado por uma pomba.
A igreja segundo Santos Simões “está decorada com azulejos na parte inferior
das paredes fundeiras, das capelas laterais e do transepto [...], azulejos do tipo de
vasos e golfinhos azuis, incluindo cercadura de folhas contorcidas. O interior dos oito
confessionários colocados a entrada da nave sob o coro tem um lambril de 9 azulejos
de altura [...] são do tipo de figura avulsa, modelos vulgares de flores e bichos, cantos
de estrelinhas”.
E ainda, “na parte alta da nave, ao nível do coro e ainda neste, foram colocados
entre as janelas 12 painéis [...] onde pintaram outras tantas figuras de santos
abrigados sob dosséis imitando damasco. Cada painel tem sua legenda respeitante ao
santo representado e assim ficamos a conhecer uma galeria de santos carmelitas e que
são: São Brocardo; S. Avertano; S. Ipizidião (S. Esperidião); São Cirillo; S. Pedro
Thomas; São Pelisphezo; S. Angelo; São Bertholdo; S. Andre te zuleno (S. Andre
Tezulano); S. Geraldo; S. Serapião; S. Dionizio, Papa carmelita (Papa de 259 a
268)”377.
Na entrada, sob o coro, e no tramo seguinte, as capelas estão dispostas de forma
curiosa. Cada capela é dividida em dois confessionários por arcadas de mármore de
Estremoz. Ao fundo de cada nicho uma grade de ferro permite ao padre, no outro lado
da parede, ouvir o penitente. Tal disposição remonta ao século XVII. O convento
desenvolve-se em torno de um claustro quadrado. A igreja ocupa um desses lados,
destacando-se em relação ao restante do conjunto.
Ainda é possível encontrar decoração com azulejos na “sacristia nas paredes
livres de armário e do lavabo [...], sobre a porta está um pequeno painel [...] pintura
azul e no qual se vê o brasão da Ordem do Carmo, ladeado por dois anjinhos e
encimado por coroa real. Na parte inferior uma tarja onde se escreveu a legenda
latina: pro zelatus sum pro Domino Deo exercit... E ainda, no coro foi colocado
[azulejos], do tipo de vasos e golfinhos como os da nave, e quatro painéis próprios se
identificam: Ego substitui, Ego zigavi (sic); Ego erexi (Santa Teresa), Ego adjuvi (S.
João da Cruz), este com as letras da direita para a esquerda”. Para Santos Simões, os
azulejos da sacristia e os da escada, são de meados do século XVII, e os restantes, de
pintura azul, terão feito parte da encomenda datada de 1738378.

377
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 93.
378
Idem, ibidem, p. 94.
194

Após a independência do Brasil, os Carmelitas Descalços, por serem de


nacionalidade portuguesa, tornaram-se antipáticos aos olhos da população. Como
houvesse a proibição de receber novos noviços e de criar um noviciado no Brasil, a
Ordem se extinguiu em 1836. Em 1837, o convento e a igreja foram incorporados à
Mitra, por efeito de Lei Provincial de 02 de junho de 1840, sancionada pelo presidente
da província Tomás Xavier García d’Almeida379. O seminário se transferiu em 1953, e o
convento e a igreja foram restaurados para funcionar como um Museu de Arte Sacra,
organizado por D. Clemente da Silva Nigra, a expensas da Universidade da Bahia.

3.5.2 Pernambuco, Olinda (1686)

O segundo convento dos Descalços instalado no território brasileiro foi o da


cidade de Olinda, também dedicado a Santa Teresa, como o de Salvador. Uma segunda
coincidência entre as duas cidades é serem as únicas, no Brasil, com dois conventos de
ordem primeira dos carmelitas, um da Antiga Observância e outro dos Descalços.
A origem do Convento dos Carmelitas Descalços de Olinda foi uma pequena
capela dedicada a Nossa Senhora do Desterro, erguida pelo mestre‐de‐campo João
Fernandes Vieira380, em promessa pela vitória na Batalha dos Montes das Tabocas
(1645), por ocasião da expulsão dos holandeses de Pernambuco. A capela foi cedida em
1686 aos Carmelitas Descalços de Lisboa, pelo bispado de Pernambuco, sendo elevada
a convento em 1695.
Para Fernando Ponce de Leon, a arquitetura carmelitana ou arquitetura de estilo
carmelitano pode ser identificada como “[...] a arquitetura conventual construída pelos
Carmelitas Descalços, sob os preceitos de suas constituições, dirigida pelos seus
padres-tracistas arquitetos. Sua configuração arquitetônica dá-se a partir da Espanha,
com as fundações conventuais (fins do século XVI e princípios do século XVII),
implantando-se em Portugal (1581 e 1584), México (1585) e Brasil (1665 e 1686). Para
atender a vida conventual de religiosos ‘reformados’, os frades carmelitas descalços
possuíram, além dos conventos e igrejas, os eremitérios, chamados ‘desertos’, hortos

379
Para maiores detalhes sobre as funções que o Convento e a Igreja dos Carmelitas Descalços de
Salvador exerceram no século XIX e XX, assim como as obras de restauração do século XX, ver,
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos... op. cit., vol II, p. 127-136.
380
Para Bazin, a fundação se deu após 1661, data em que o capitão-mor retornou de Lisboa, após seu
governo de Angola. Faleceu em Pernambuco, em 1680 e foi enterrado na igreja, bem como sua esposa,
falecida em 1689 e que foi amortalhada no hábito de Santa Teresa. Ver: BAZIN, Germain. A arquitetura
religiosa ... op. cit., vol. II, p. 130.
195

florestais com ermidas para habitação de ermitães, e capelas devocionais (dedicadas à


Paixão de Cristo), do que Santa Cruz do Buçaco ‘luso’, em Portugal, é expressão
exemplar”381.
A tipologia como vimos é a mesma utilizada no complexo arquitetônico dos
Descalços de Salvador. Com fachada erguida num pórtico de três arcadas, a igreja
apresenta duas janelas, no segundo pavimento, ladeando um grande nicho relicário,
ricamente esculpido à maneira dos retábulos dos anos 1700, onde se encontra a
escultura em pedra da padroeira, Santa Teresa. O frontão triangular tem, ao centro, um
tímido brasão com o símbolo da Ordem. Na lateral direita, há uma pequena torre, que
parece mais querer fugir a fazer parte da estrutura arquitetônica original. O convento
situado à esquerda da igreja, tem a construção em torno de um claustro de dois andares,
e as inumeráveis janelas nas paredes laterais.

Fig. 35 – Convento e Igreja dos


Carmelitas Descalços, Olinda,
Pernambuco. (Fonte:
https://www.google.pt/maps )

A igreja de nave única com capela-mor alongada, apresenta talha de fins do


século XVIII, de estilo rococó382. Segundo Germain Bazin, o altar-mor, com seu

381
PONCE DE LÉON, Fernando, O Convento do desterro... op. cit., p. 125.
382
“[…] juntamente com os dois retábulos colaterais, foi mandado executar na mesma campanha de obras
pelos responsáveis da comunidade conventual, no terceiro quartel do século XVIII. Desconhece-se a
identidade dos profissionais responsáveis pelo risco e pelo entalhe destes três exemplares, seguramente
com oficina aberta em Olinda.” Ver: LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei
José Carlos. Retábulos da Ordem ... op. cit., p. 196.
196

enorme trono, é uma imitação simplificada do de São Bento. A ornamentação das


janelas das tribunas também imita as tribunas do mesmo mosteiro. A decoração nas
paredes da capela-mor tende a reduzir-se a apliques de concheados, o que indica os
últimos anos do século. O arco cruzeiro do século XVII foi revestido, na mesma época,
por um arco de madeira. De cada lado deste arco, dois altares indicam uma nítida
progressão em direção ao estilo neoclássico383.
Azulejos da época de D. Maria I revestem as laterais da nave e da capela-mor,
identificados por Santos Simões, possuem cabeceira corrida, e são constituídos por uma
sequencia de painéis figurados, enquadrados por emolduramento concheado policromo
e pintura central a azul. Os remates laterais que separam entre si os vários painéis são de
composição ornamental a azul, formando pilastras. Infelizmente o conjunto perdeu a
integridade primitiva e apenas dois painéis parecem estar completos; todos os restantes
se apresentam encurtados, sem se compreender bem a razão e finalidade dessas
mutilações384.
Na sequencia os temas são cenas da vida de S. José – patrono do Carmelo –, da
vida de Santa Teresa de Ávila, reformadora das carmelitas, e da vida da Virgem. Na
capela-mor o emolduramento é da mais elegante ‘rocaille’, de esquema cromático com
amarelo manganês, verdes e azuis e os centros de pintura azul convencional. Só o
revestimento da parede do lado do evangelho parece estar completo, apresentando na
parte central a Aparição de Nossa Senhora a São João da Cruz entre nuvens e anjos. Na
parte fronteira o painel está alterado e em parte mutilado, percebe-se, no entanto, que
representava o Profeta Elias na carruagem de rodas de fogo.
Os melhores azulejos da Igreja, segundo Santos Simões, são os do coro,
“revestindo o espaldar do banco parietal: trata-se agora de composição ornamental a
dois tons de azul, nos quais o enquadramento concheado se destaca pela tonalidade
mais forte do fundo ornamental, em azul diluído. É, no seu gênero, um magnífico
exemplar desta variedade ornamental, tão típica das oficinas lisboetas directamente
influenciadas pela Fábrica Real, vulgo do Rato”385. De datação aproximada para a
década de 70 do século XVIII.

383
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa barroca ... op. cit., vol. II, p. 130.
384
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 240-241.
385
Idem, ibidem, p. 241.
197

A sacristia conserva um belo lavabo de lioz e mármore. Quando os terésios


deixaram o convento, este passou para a Santa Casa de Misericórdia, que instalou nele
um orfanato. Ainda funciona no convento tal instituição386.

3.6 As fundações da Ordem Segunda dos Carmelitas Descalços

No Brasil existiram dois conventos dos carmelitas de ordem segunda, ambos dos
Descalços. A partir da relação de conventos femininos no Brasil, publicada por Caio
Boschi, durante o período colonial, só existiria o convento de Santa Teresa no Rio de
Janeiro, fundado em 1750387, que seguia a regra carmelita reformada de Santa Teresa.
Apesar da informação acima deparamos com uma segunda referência a um convento,
também dedicado a Santa Teresa, do ramo dos Descalços, na cidade de São Paulo388.
Porém, este último pode ter sido uma casa de Recolhimento e não propriamente
um convento, já que a Coroa portuguesa não desejava o estabelecimento deste tipo de
edificação, devido a escassez de mulheres brancas no Brasil389. Portanto, em 1685, foi
edificado o recolhimento de Santa Teresa, que apesar do nome, não estava subordinada
a uma ordem religiosa, foi a opção formal para acomodar as senhoras oriundas das
famílias abastadas da população, que necessitavam por motivos diversos de serem
resguardadas. Tal recolhimento já não existe, tendo sido destruído no século XX, e as
poucas irmãs transferidas para o bairro dos Perdizes, para novamente em 1948, serem
desalojadas e levadas para o então recém-construído convento do Jabaquara. Restaram
da construção colonial as famosas pinturas que hoje se encontram na Igreja da Ordem
Terceira do Carmo, da cidade de São Paulo e um maravilhoso Cristo Crucificado,
atualmente no Museu de Arte Sacra de São Paulo390.

386
MENEZES, José Luiz Mota. ‘Igreja e Convento de Santa Teresa. Olinda, Pernambuco, Brasil’,
publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 148.
387
BOSCHI, Caio, ‘Ordens regulares, clero secular e missioneira no Brasil’, publicado em
BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti (dir.), História da expansão portuguesa, Lisboa,
Círculo de Leitores, 1998-1999, p. 302.
388
Mário de Andrade na publicação sobre o Padre Jesuíno do Monte Carmelo fala dos [...] quadros e um
teto em caixotão para o convento das freiras de santa Teresa (hoje as pinturas estão no Museu da Cúria
Metropolitana e as pinturas do teto estão na Ordem Terceira - corredor). ANDRADE, Mário de, ‘Padre
Jesuíno do Monte... op. cit., p. 97.
389
‘Em 1732, acatando as sugestões de seus representantes no ultramar, D. João V mandou promulgar o
famoso alvará que proibia a saída de mulheres para o reino sem sua autorização.’ Ver: ALGRANTI, Leila
Mezan, Honradas e devotas: mulheres da Colônia (Estudo sobre a condição feminina através dos
conventos e recolhimentos do sudeste – 1750-1822), Tese de Doutoramento, Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letrasl e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1992, p. 74.
390
O Recolhimento de Santa Teresa, ficava à Praça da Sé, embora inicialmente fosse destinado ao
abrigo de moças para o serviço de Cristo, sem uma regra conventual professa, já havia uma intenção de,
posteriormente converter-se em convento, o que só veio ocorrer em 1918, quando se tornou Mosteiro da
198

3.6.1 Rio de Janeiro, Convento de Santa Teresa (1750)

O convento feminino de Santa Teresa, da Ordem dos Carmelitas Descalços, foi


fundado em 1744, no local onde já havia desde 1629 uma antiga ermida levantada por
Antonio Gomes do Desterro, em homenagem ao Desterro de Maria, José e Menino
Jesus. Foi construído como recolhimento, por iniciativa das irmãs Jacinta e Francisca,
filhas do casal José Rodrigues Aires e Maria Lemos Pereira, com o apoio do então
governador Gomes Freire de Andrade391.
Em 1750 a então Madre Jacinta de São José solicitou ao Rei a transformação do
Recolhimento do Desterro em convento de Carmelitas reformadas. “A Rainha D. Maria
I, por decreto de 11 de outubro de 1777, confirmou licença e graça concedidas por el-
rei seu pai às religiosas reclusas: e enfim, o Bispo do Rio de Janeiro D. José Joaquim
Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, com pomposa solenidade, lhes deu clausura
canônica em 16 de junho de 1780, e pontificando no seguinte dia na igreja do novo
convento, vestiu aquelas dedicadas filhas de Santa Teresa canonicamente de seus
hábitos e lhes abriu o noviciado. A 23 de janeiro de 1781, tomaram o véu as primeiras
freiras professas de Santa Teresa do Rio de Janeiro”392.
O risco é atribuído ao engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim, que na
época estava a serviço do governador Gomes Freire. Tem as características das obras da
engenharia militar portuguesa, perceptível no severo bloco arquitetônico único, com a
fachada dominada pela torre única em posição central, ladeada, à esquerda, pela portaria
e, à direita, pelo frontispício da igreja. A alvenaria branca é contrastada pelos cunhais,
cimalhas e cercaduras dos vãos, em cantaria. Seguindo uma tradição de conventos

Ordem das Carmelitas Descalças de Santa Teresa, sendo transferido em 1923 para novas instalações no
bairro de Perdizes (São Paulo) e, posteriormente, em 1948, para um novo espaço no bairro do
Jabaquara, na mesma cidade, cedendo o prédio para a instalação da Pontifícia Universadade Católica
de São Paulo. Ver: PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imáginaria retabular colonial em São Paulo,
estudos iconográficos, São Paulo, 2015, Tese (Doutorado em Artes Visuais), Universidade Estadual
Paulista, Orientador: Professor Dr. Percival Tirapele, p. 401.
391
Gomes Freire de Andrade e Castro, (Juromenha, 1685 - Rio de Janeiro, 1763) nobre e administrador
português. Primeiro Conde de Bobadela título agariado em 1758. Foi governador e capitão-general da
Capitania do Rio de Janeiro durante trinta anos, entre 1733 e 1763. No Rio de Janeiro, junto ao sargento-
mor José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765), realizou obras como o Aqueduto da carioca e a casa dos
Governadores (1743) e incentivou a construções de dois conventos femininos, o Convento de Santa
Teresa e o da de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, das irmãs clarissas (demolido em 1911).
392
MACEDO, Joaquim Manuel de, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro (1862-1863), Brasília,
Senado Federal, 2005, p. 151 (primeira edição 1863), Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000070.pdf . E com maior detalhamento em
LISBOA, Balthazar da Silva, ‘Fundação do Convento de Santa Thereza pela Bemaventurada Jacinta
Rodrigues Aires, sobre a proteção do Conde de Bobadela’, publicado em Annaes do Rio de Janeiro, tomo
VII, Rio de Janeiro, Typ. Imp. E const. de Seignot-Flancher, 1835, p. 378-516.
199

femininos portugueses, devido ao regime de clausura das religiosas, adota-se também a


entrada pela lateral, à direita, da igreja, e a fachada principal não tem portas393.

Fig. 36 – Convento e Igreja de Santa Teresa, Ordem Segunda, Carmelitas Descalços, Rio de
Janeiro. (Fonte: Vista do Aqueduto da Carioca e do Convento de Santa Tereza, Leandro
Joaquim (1738-1798), 1790, acervo do Museu Histórico Nacional394, RJ e
https://www.google.pt/maps )

Em seu interior, ao contrário do que seria de se esperar pela austeridade da


fachada, com pesadas grades de ferro nas janelas, a igreja possui um dos mais leves e
graciosos ambientes do rococó religioso do Rio de Janeiro, com os douramentos da
talha em destaque contra fundos brancos e luz natural uniforme, jorrando de amplas
janelas.
Originalmente, a luz deveria ser menos abundante, pois havia o coro das
religiosas na fachada, suprimido em uma reforma anterior ao tombamento do edifício,
em 1938, quando também foi substituído o piso de madeira pelo atual, de mármore.
Datado de cerca de 1770, o conjunto de talha é composto de três retábulos e uma série
de tribunas um pouco mais tardias. Esses retábulos são do mais genuíno rococó carioca,

393
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 73.
394
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:LeandroJoaquim-1790-Arcos.jpg
200

com elegantes colunas retas finamente estriadas e coroamento em frontão sinuoso. A


posição dos retábulos laterais, em chanfro na quina das paredes da nave e do arco-
cruzeiro, criou movimentação no espaço interno395.
Quanto ao programa iconográfico a igreja do Convento de Santa Teresa,
apresenta, no altar, a Sagrada Família (Nossa Senhora do Desterro), e, nos dois altares
laterais, a Virgem do Carmo, no lado esquerdo, e Santa Teresa, doutora da igreja e
reformadora da Ordem, no lado direito. Entretanto, se a última é uma bela imagem de
época, o mesmo não se pode dizer da Virgem do Carmo, bem mais tardia, talvez de
procedência italiana ou espanhola.
O belo conjunto do altar-mor, com Nossa Senhora do Desterro, São José e o
Menino Jesus, é, sem dúvida, de origem portuguesa, como sugere sua requintada
policromia. Esse conjunto, que poderia ser datado de princípios do século XIX,
substituiu o original, de meados do século XVIII, atualmente na clausura, onde também
se encontram outras belas imagens, inclusive um notável presépio de barro cozido e a
série dos Passos da Paixão em pequenas capelas, nas galerias superiores do claustro396.
Na portaria, situada do lado esquerdo da igreja, podemos apreciar azulejos
setecentistas de estilo rococó, datados por Santos Simões de cerca de 1760-1765.
Observa-se, nessa decoração, a perfeita adequação dos azulejos aos espaços
correspondentes nas paredes e até mesmo nas conversadeiras das janelas, que mostram
paisagens e personagens em meditação na natureza. Na descrição feita por Santos
Simões, a decoração da portaria é [...] constituída por 7 painéis [que apresentam] a
figuração identificada por legendas inscritas no campo central. “A temática não tem
grande uniformidade, misturando-se cenas do Génesis com passos da vida de José do
Egipto e o Desterro de Nossa Senhora. Nos painéis lê-se: Este paço he da criação de
Adam; aqui enganou a ser pente a Eva; Adam e Eva manda dos lançar fora do pari ozo
(sic); Neste castigou d Adam que não comece senão acusta do sor de seu rosto; N. S.
fogindo per o inyinto; José do Egipto caindo adeitaro na sisterna; e finalmente, Jose do
egipto caindo quendero.
No vão da porta de entrada há guarnições azulejadas decoradas com arvores e
outros ornatos. Notáveis são os remates angulares feitos com cantoneiras de flores
azuis. [...]. O desenho, convencional e muito conhecido, foi executado nalguma das

395
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 75.
396
Idem, ibidem, p. 78.
201

muitas oficinas que floresceram em Lisboa em período imediatamente seguinte ao


Terramoto Grande” 397.
Portanto, as cenas no interior de cercaduras de rocalhas ilustram quatro
passagens bíblicas do Gênesis, da criação ao castigo de Adão, bem como episódios da
história de José do Egito, tema associado ao da fuga da Sagrada Família para o Egito e,
por fim, Nossa Senhora do Desterro, padroeira do convento.

3.7 As fundações dos Terceiros Carmelitas em Minas Gerais

A colonização da região das minas deu-se a partir da descoberta do ouro pelos


bandeirantes em fins do século XVII. Portanto, o desenvolvimento da região e o
consequente surto construtivo, civil e religioso acompanharam a fixação do homem
através dos veios auríferos, nos leitos dos rios e ribeirões. “Em distância de meia légua
do Ribeiro do Ouro preto, achou-se outra mina, que se chama a do Ribeiro de Antonio
Dias: e daí a outra meia légua a do Ribeiro do Padre João de Faria: e junto desta,
pouca mais de uma légua, a do Ribeiro do Bueno, e a de Bento Rodrigues. E daí três
dias de caminho moderado até o jantar, a do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo,
descoberta por João Lopez de Lima, além de outra, que dá mão à do Ribeiro de
Ibupiranga. E todas estas tomaram o nome dos seus descobridores, que todos foram
Paulistas”398.
Pela descrição do padre jesuíta Antonil, junto às lavras de ouro, criava-se quase
de imediato um aglomerado de pessoas, que, em pouco tempo, virava uma vila.
Portanto, o Ribeiro do Ouro preto, o Ribeiro de Antonio Dias e o Ribeiro do Padre
João de Faria são bairros da atual cidade de Ouro Preto, mantendo-se inclusive as
nomenclaturas. Já o Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo é a atual cidade de Mariana.
São, portanto, as duas primeiras vilas instituídas na região: Vila de Nossa Senhora do
Ribeirão do Carmo (atual Mariana), cuja primitiva imagem, Nossa Senhora do Carmo,
ainda se encontra no altar-mor da Catedral, e, Vila Rica de Albuquerque (atual Ouro
Preto).
Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira e Adalgisa Arantes Campos, o
tipo de mineração que se fazia era do ouro de lavagem, “[...] assim chamado porque o
cascalho retirado dos córregos era “lavado” para a separação do ouro por processo

397
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 182
398
ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil, Belo horizonte, 1969, p. 132. (primeira edição:
Lisboa, Officina Real Deslandesiana, 1711)
202

de decantação. O trabalho era feito por escravos africanos, necessários na região


ainda mais do que em outras partes da colônia, tendo em vista que a distribuição das
“datas” ou lotes para a mineração à margem dos córregos era proporcional ao
número de escravos dos mineradores”399.
A transformação da região foi total. Em pouco tempo, multidões de pessoas
passaram a viver na área, desde negros “imprescindíveis como força para o trabalho
braçal da extração até milhares de aventureiros de todas as partes da colônia e de
Portugal, principalmente do norte, da região entre os rios Douro e Minho”400. Tentou-
se limitar a entrada da população nas regiões das Minas, sem muito resultado. Segundo
Antonil, cerca de 30.000 pessoas já estavam estabelecidas na região em 1709. Como
primeira consequência jurídica, houve o desmembramento da região da capitania do Rio
de Janeiro, surgindo então, duas novas capitanias, São Paulo e Minas.
A proibição da entrada na região das minas, também atingiu as ordens religiosas.
Nesse período, não foram construídos complexos arquitetônicos de nenhuma ordem
religiosa. Em compensação veremos surgir, na região, importantes igrejas de ordens
terceiras e de irmandades, além, é claro, das igrejas Matrizes. Segundo Salles a Ordem
Terceira do Carmo chegou em Minas depois do povoamento inicial, isto porque, os seus
adeptos eram participantes da classe privilegiada, principalmente de comerciantes. Logo
as Ordens Terceiras do Carmo e também de São Francisco fazem parte do período de
maior desenvolvimento e riqueza da mineração, entre os anos “[...] de 1740-1780, que é
a fase de imensa atividade das ordens e confrarias, [...] neste período, ocorreu o
aparecimento, em muitas cidades, das poderosas ordens terceiras de São Francisco e
do Carmo (brancos), ambas de grande vitalidade e, portanto, de visível influência na
vida de Minas colonial”401.
Nas Minas Gerais, portanto, serão seis igrejas da Ordem Terceira do Carmo:
Ouro Preto, Mariana, São João del Rei, Sabará, Diamantina e Serro. Esta última
resultou de um desmembramento da Ordem Terceira da cidade de Diamantina, na
segunda metade do século XVIII.

399
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó ... op. cit.,
p. 20.
400
Idem, ibidem, p. 20.
401
SALLES, Fritz Teixeira de, Associações religiosas no ciclo do ouro, Belo Horizonte, Universidade de
Minas Gerais, 1963, p. 36-37.
203

3.7.1 Ouro Preto (1752)

Em Ouro Preto, a Igreja da Ordem Terceira do Carmo é a única no estado de


Minas Gerais a possuir no acervo os sete Cristos da Paixão, tema de nossa pesquisa. A
igreja se localiza no cume de uma elevação, impondo-se sobre a paisagem da cidade e
tendo ao fundo as montanhas. Para o inglês Richard Burton, em viagem a Ouro Preto no
século XIX, a Igreja do Carmo era a: “[...] maior igreja da ‘Imperial Cidade de Ouro
Preto’, [...]. Apoiando-se em alta e sólida plataforma, é pelo lado de fora, um templo
muito grande, com uma fachada acastanhada, adornada, na entrada, com querubins e
flores de esteatita azul, entalhadas no arenito amarelo-acinzentado. As duas torres são
do tipo redondo-quadrado, com pilastras onde deveriam estar nos cantos. O templo tem
janelas de vidro, aqui sinal de opulência; o interior só se destaca pelos vistosos
pendentes carmesins e dourados; e o balcão do coro é sustentado por duas colunas e
um par de pilastras em formato de gigantescas balaustradas, uma espécie de estilo
‘barrigudo’, que bem mereceria ser chamado de ‘Ordem da Panturrilha’402.
A Irmandade dos Terceiros do Carmo da cidade de Ouro Preto foi fundada na
capela de Santa Quitéria na primeira metade do século XVIII, inicialmente por interesse
de irmãos leigos carmelitas vindos do Rio de Janeiro. A capela ficava localizada no alto
do Morro que separava os arraiais de Ouro Preto e Antônio Dias, local onde ainda se
encontra. Em 1751 já era uma irmandade autônoma, sendo aprovada pelas autoridades
pontifícias em 15 de maio e pelo arcebispo de Mariana em 19 de agosto de 1754. Só
então decidiram construir um templo maior.

Fig. 37 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais. (Fonte:
https://www.google.pt/maps )

402
BURTON, Richard Francis, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, São Paulo/ Belo Horizonte,
Editora da USP/ Itatiaia, 1976, p. 307.
204

A obra arquitetônica foi arrematada pelo português Manuel Francisco Lisboa,


prestigiado mestre de obras e juiz de carpinteiro, que vivia na região há muitos anos.
Era irmão professo da Ordem Terceira do Carmo, e, por uma quantia irrisória,
responsabiliza-se pela obra, que não consegue concluir, pois falece um ano depois403.
A obra, então, teve novo arrematante e diversas louvações, o que impôs muitas
modificações ao projeto original, “[...] registrando seis louvações sucessivas em 20 de
dezembro de 1770, 13 de março de 1771, setembro de 1773, junho de 1780, 26 de junho
de 1785 e agosto de 1795. Em uma dessas louvações (13 de março de 1771) figurou
Antonio Francisco Lisboa, conhecido por Aleijadinho, filho do autor do risco, que foi
encarregado da ‘medissão do risco’, isto é, da toesa e da comparação do risco com a
obra”404.
É possível acompanhar a construção desta igreja pela análise da documentação
feita pelo historiador Francisco Antônio Lopes. No contrato feito com João Alves
Viana, mestre de obra, observa-se o cuidado da Ordem com a escolha dos materiais e
das técnicas propriamente ditas, valorizando a qualidade e optando sempre pelo
melhor405. Infelizmente a documentação não é precisa quanto aos elementos móveis da
decoração, como as esculturas devocionais. Nenhuma palavra foi encontrada com
relação aos santos expostos à devoção pública. Iniciou-se a obra pela capela-mor, que,
em 1771, já estava apta ao serviço religioso com partes do trabalho de carpintaria
concluídas. Entretanto, a construção da nave prolongou-se até 1779.
A fachada veste uma linha curva no tramo principal, com portada simples,
ladeada, no segundo andar, por duas janelas, tendo, ao centro, um óculo de bela forma
sinuosa. Algum movimento também é conseguido pelas torres colocadas “[...] de um e
outro lado da nave, pela parte de fora, como dois apêndices salientes, disposição que
lhes dá, quando vistas de ângulo, grande preeminência no conjunto”406. O frontão, de

403
MARTINS, Judith, Dicionário de artífices e artesões de Minas Gerais, Volume 1, p. 381-390. O valor
foi de 50 oitavas de ouro para a realização do projeto, incluindo a sua execução.
404
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., p. 73.
405
As paredes deveriam ser “feitas de pedra, cal e areia com toda a segurança [...] e toda a pedra que
levar as ditas paredes e seus alicerces”; o enquadramento dos vãos (das portas e janelas e das tribunas),
“hão de ser de cantaria lavrada, com toda a perfeição”. Para os púlpitos seria empregada a “cantaria
tosca de Itacolomy”, assim como nos “seis arcos das capelas na forma que mostra a planta, e suas voltas
serão feitas em lajes do morro”. E ainda que os telhados, seriam de telha “da melhor que houver” e de
“cantaria os repartimentos necessários para as sepulturas em todo o corpo da igreja e capela-mor, para
se assentarem as tampas de tábua”. Ver: LOPES, Francisco Antônio, História da Construção ... op. cit.,
p. 21 e 22.
406
SANTOS, Paulo Ferreira, Subsídios para o estudo da arquitetura religiosa em Ouro Preto, Rio de
Janeiro, Kosmos, 1951, p. 170 e 171.
205

desenho pesado, foi implantado sobre a cornija superior, realçando a aproximação da


parte central da fachada, e afastando ainda mais as torres lateralmente.
A partir de 1782, Manoel Francisco de Araújo (falecido em 1799) é o principal
arrematante da obra. Isso não significa que ele tenha executado a obra, mas sim,
repassado os trabalhos para os artesãos existentes naquele momento na região. Neste
arremate estava incluída a execução dos forros e portas da sacristia, das escadas e
corredores do primeiro andar, do tapavento, dos seis altares laterais, dos dois púlpitos e
do assentamento nas ilhargas da capela-mor, composta de azulejos portugueses, caso
único em Minas Gerais407.
Tais obras, no entanto, não foram concluídas, pois o altar-mor só será ajustado
em 1813, com o entalhador Vicente da Costa, conforme risco concebido em 1809, por
Manoel da Costa Ataíde, o responsável pelo seu douramento. Concluídos em 1824, e
dourados no ano seguinte. A pintura dos forros da nave e capela-mor é obra do pintor
italiano Ângelo Clerici, executada entre 1908 e 1909408.
É a única igreja de Minas a possuir azulejos decorando os registros inferiores das
paredes da capela-mor, ilustrando temas relativos à iconografia carmelita. Mencionados
na obra de Santos Simões como sendo 10 painéis recortados, de fundo marmoreado azul
com ornamentação almofadada amarela e motivos concheados em manganês. Os painéis
propriamente ditos são de pintura azul e os motivos centrais “santos carmelitas,
assinalados com legendas: S. João da Cruz, S. Simão Stoque; S. Pedro Thomas; Sta.
Teresa de Jesus; Sta. Ângela Terceira; Sto. Alberto Patriarca de Jerusalém; Sta. Maria
Madalena de Pazzi; N. S. tirando o poço a S. João da Cruz; Sto. Elias no Deserto e Sto.
Elias arrebatado. Esta figuração, conforme com a iconografia carmelitana, está
enquadrada por emolduramentos concheados, coroado de flores e rematado com urnas
nas divisórias dos painéis. O desenho, franco e convencional, marca o labor de alguma
das conhecidas oficinas de Lisboa, de cerca de 1770-80”409.
Os altares laterais foram executados de acordo com o risco traçado em tamanho
natural na parede interna do consistório, que ainda existe. Os altares de Santa Quitéria e
de Santa Luzia, próximos ao arco cruzeiro, achavam-se concluídos em 1795, mas não
ficaram do agrado da mesa administrativa. Os dois seguintes - São João Batista e Nossa
Senhora da Piedade - tiveram seu risco modificado, embora se respeitasse, em linhas

407
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa... op. cit., p. 74.
408
Igreja do Carmo de Ouro Preto, Pasta de Inventário, Arquivo central do IPHAN, Rio de Janeiro.
409
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 199.
206

gerais, o estilo dos precedentes. Foram executados por Aleijadinho, em parceria com o
entalhador Justino Ferreira de Andrade e seus oficiais entre 1807 e 1809. Os dois altares
restantes, juntamente com os púlpitos, foram confeccionados por Justino Ferreira de
Andrade, entre 1812 e 1814, que irá confeccionar também o retábulo do consistório em
1819410.
Note-se ainda que as sanefas (ou guarda-pós) introduzidas por Aleijadinho
anexaram-se ao coroamento de todos os demais altares da nave, compondo um conjunto
homogêneo. A pintura e a policromia desses altares, bem como dos púlpitos e da tarja
do arco cruzeiro, couberam a Manoel da Costa Ataíde, em 1827411.
O frontal das mesas dos dois altares de Aleijadinho apresenta relevos que
constituem talvez os únicos com este tipo de trabalho: no de São João Batista, tem-se a
imagem do profeta Jeremias na prisão, e no de Nossa Senhora da Piedade, a paciência
de Jó, cercados por inscrições alusivas aos temas relativos aos dois profetas.
Em 1789 a Ordem do Carmo deliberou que se fizessem os púlpitos a partir do
risco, que já se encontrava pronto, do desenhista lisboeta João Gomes Batista, abridor
de cunhos, atuante em Vila Rica, falecido em 1778412. Contudo, apenas em 1812, os
mencionados púlpitos foram ajustados por Justino Ferreira de Andrade, assim como os
dois últimos altares da nave, como vimos acima.
A pintura dos dois forros – capela-mor e nave – foi executada pelo pintor
italiano Ângelo Clerici, em 1908 e 1909, e não se harmoniza com o conjunto, de fins do
século XVIII e primeira metade do XIX. A pintura do forro da sacristia é de Manoel
Ribeiro Rosa, pintor mulato. Tratou-se de uma oferta feita pelos irmãos sacristãos no
ano de 1805. Excelente pintura tendo no primeiro plano o assunto principal, e fundos
com paisagens que bastavam por si só.
O programa iconográfico da Igreja do Carmo de Ouro Preto apresenta os sete
Cristos dos Passos da Paixão, exceção no estado de Minas Gerais. No altar-mor
encontramos a Virgem do Carmo, ladeada por Santo Elias e Santa Teresa, imagens de
roca e de boa fatura de rostos. Já o Crucificado, que deveria estar aí presente, foi
deslocado para o altar do consistório, no segundo andar. Fato interessante, que deve ser
mencionado, é o de que, na documentação da igreja, os altares laterais são sempre

410
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa... op. cit., p. 74.
411
A tarja do arco é atribuída a Aleijadinho. Ver COSTA, Martins, Lygia, ‘O Aleijadinho na capela-mor
do Carmo, Ouro Preto’ publicado em De Museologia e Políticas de Patrimônio, Rio de Janeiro, IPHAN,
2002. Vale ressaltar que a insígnia da tarja pertence aos Carmelitas Descalços.
412
MENESES, Ivo Porto, ‘João Gomes Baptista’, publicado em Revista Barroco, 5, Belo Horizonte,
(1973): 99-128.
207

nomeados pelas invocações secundárias e nunca pelos atuais oragos, os Cristos. A


hipótese levantada, que será discutida nos próximos capítulos, é a de esses Cristos só
terem sido confeccionados e entronizados no século XIX, época da fatura dos altares,
(com respectivas inscrições latinas nas tarjas identificatórias) enquanto as invocações
secundárias pertenceram a um período anterior, a segunda metade do século XVIII.
Trataremos desses Cristos num capítulo específico, pois apresentam uma particularidade
importante: as máscaras de chumbo nas faces, que facilitavam o trabalho, faltando
apenas a aplicação da policromia413.
A ambientação interna da igreja do Carmo de Ouro Preto é típica do período
rococó, com paredes nuas, retábulos com colunas retas, o uso do branco realçado por
frisos dourados. A arquitetura ajuda e acompanha a evolução da forma, com insinuações
de movimento, reforçado pela introdução de luz natural nos ambientes.

3.7.2 Mariana (a.1751)

A Vila de Ribeirão do Carmo atingiu status de maioridade, com a instalação do


bispado em 1745, tornando-se, então, a única cidade instituída na capitania de Minas
Gerais na época colonial. Em homenagem a D. João V, o monarca reinante no
momento, batizou-se a nova cidade com o nome da real consorte, D. Mariana de
Áustria, rainha de Portugal414.
A Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo foi instituída em 1751.
Inicialmente, os irmãos reuniam‐se na Capela de São Gonçalo, até obterem autorização
para erguer o seu próprio templo. A atual igreja da Ordem Terceira do Carmo situa-se
na Praça de São Francisco, na parte alta, junto à Casa de Câmara e à Igreja dos
Terceiros Franciscanos, que protestaram na época, por já estarem instalados no local. Os
carmelitas, no entanto, conseguiram manter a escolha. E graças a esta escolha, hoje a
praça, livre de construções novas, é uma das áreas mais agradáveis e bonitas de
Mariana, tendo em destaque a arquitetura das três construções do século XVIII.

413
Para maiores informações, ver BRUSADIN, Lia Sipaúna Proença, Os Cristos da Paixão da Ordem
Terceira do Carmo de Ouro Preto (MG), Dissertação de Mestrado sob a orientação da Dra. Maria Regina
Emery Quites, defendida no Programa de pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
414
OLIVEIRA, Myriam e ARANTES, Adalgisa, Barroco e rococó ... op. cit., v. I, p. 21.
208

Fig. 38 - Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mariana, Minas Gerais. (Postal de


meados do século XX, Arquivo do IPHAN e https://www.google.pt/maps )

A construção começou em 1760, com uma capela provisória, de invocação do


Menino Deus, em taipa, conhecida como Carminho Velho, que foi demolida em 1930.
O templo definitivo iniciou-se na década de 80 do século XVIII. A obra de pedra e cal
foi confiada ao mestre pedreiro Domingos Moreira de Oliveira, natural do bispado do
Porto, em 1784. Em 1793, assinou-se o contrato para a cobertura da capela-mor com o
carpinteiro Romão de Abreu. Em 1798, Francisco Pereira dos Santos fez um acordo
com a Ordem para “tomar conta da obra da capela, administrá-la, dirigir os oficiais
que nela se acharem, e, bem assim fabricar tudo na forma das condições”415, mas foi
substituído por José Bernardes de Oliveira em 1799. Em 1800, o carpinteiro Francisco
Machado da Luz ocupou-se do madeiramento da capela-mor. Logo a seguir,
trabalharam na obra da igreja, Francisco Vieira Servas, entalhador português, em 1801,

415
Livro de Termos, fl. 108, citado por BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., p. 63.
209

e Francisco Xavier Carneiro, que assinou, em 1826, o contrato para o douramento dos
altares. As obras se estenderam até 1835, quando foram instalados os relógios das
torres.
O principal interesse da igreja do Carmo de Mariana está na sua fachada, que
constitui, segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, “uma curiosa reinterpretação
de temas recém-introduzidos na região. O impacto maior vem das torres redondas,
projetadas para trás do frontão, como em São Francisco de Ouro Preto, mas sem o
movimento rotativo. A referência a esta última igreja volta, aliás, na ênfase dada ao
alteamento da cimalha acima do óculo, com alargamento inusitado para alcançar
visualmente o limite interno das torres, servindo de base ao movimento do frontão”416.
Possui a volumetria retangular, uma bela portada em pedra-sabão azulada, ao centro, a
tarja com a insígnia da Ordem dos Descalços: a montanha encimada pela cruz com três
estrelas, sendo coroada por dois anjos, esculpidos por Sebastião Gonçalves Soares e
posicionados sobre a entrada principal. No segundo
andar, duas janelas iluminam o coro, e, fechando o
corpo retilíneo, uma cimalha recortada em arco
pleno de pedra-sabão, sobre a qual foi aplicado um
largo frontão sinuoso, com volutas e um pequeno
óculo ao centro.

Fig. 39 – Portada da Igreja do Carmo, Mariana, Minas Gerais.

A planta é retangular, com nave única e capela‐mor separada pelo arco‐cruzeiro,


consistório e sacristia nas laterais. Internamente o risco do altar-mor é do irmão de
Aleijadinho, Padre Félix Antônio Lisboa, datado de 1797, cuja talha foi executada entre
esta data e 1819, e o douramento realizado por Francisco Xavier Carneiro, discípulo de
Manuel da Costa Ataíde, em 1826. Era de Francisco Xavier Carneiro também a bela
pintura rococó do teto da nave – com tarja central representando a Virgem do Carmo
entre rocalhas e guirlandas de flores – e o douramento dos dois altares laterais,
destruídos por um incêndio em 1999, juntamente com o tapavento, as grades de
separação e todos os demais elementos de madeira da nave, incluindo o assoalho de

416
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O Rococó religioso .... op. cit., p. 226.
210

campas e o coro alto417. Arquitetura e fachada sobreviveram ao incêndio, assim como o


altar-mor, cujo programa iconográfico se manteve: Virgem do Carmo ladeada pelos
santos carmelitas Santo Elias e Santa Teresa, de roca e de boa fatura.

3.7.3 São João del Rei (1740)

A Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São João del Rei instalou-se na cidade
por intercessão de irmãos leigos do Rio de Janeiro. A autorização para construir um
templo, concedida pelo bispo do Rio de Janeiro, Dom Antônio de Guadalupe, veio em
10 de dezembro de 1732. A capela-mor foi benta em dezembro de 1734 e o restante da
igreja, terminado em 1759. A decoração, entretanto, estendeu-se até o século XIX.

Fig. 40 - Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São João del Rei, Minas Gerais.
(Fonte: https://www.google.pt/maps )

A fachada teve o contrato firmado com Francisco de Lima Cerqueira, em 1787,


“conforme a planta e risco que melhor for e parecer mais acertado para a formosura
do fronstespicio e torres e o mais”. Isso incluía as duas torres redondas, porém, em
decisão posterior, as torres foram oitavadas. Segundo a mesa, ficariam mais vistosas e
engraçadas. Para Germain Bazin, Lima Cerqueira é o responsável pela “absurda forma
octogonal das torres”, cujas arestas cortam as janelas ao meio418. O frontão sofreu uma
nova alteração, em 1816, quando José Antonio Fontes, canteiro, e Valentim Correia
Paes fazem um novo frontão, pesado, que, implantado sobre a cimalha em arco pleno,

417
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e ARANTES, Adalgisa, Barroco e rococó... op. cit., volume
II, p. 131.
418
Livro de Termos, fl. 32 v e 140. Citado por BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., volume
II, p. 101.
211

emoldura o óculo circular. Essa fachada tem a particularidade de possuir um trabalho


atribuído a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho: o medalhão central da portada,
sem, no entanto, existir documentação.
Portanto a construção da igreja do Carmo de São João del Rei ocorreu
lentamente e a interpretação dos documentos prova que passou por reformas ou
remodelações. Há menção de duas datas do início dos trabalhos de cobertura, uma em
1759 e outra em 1824, a segunda possivelmente é já de uma reconstrução. Porém, ficou
a esplendida portada, que para Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira a portada é uma
obra fruto da colaboração entre Aleijadinho e Lima Cerqueira. “Sua estrutura
composicional incorpora os mesmos fragmentos de entablamentos côncavos do Carmo
de Ouro Preto acima de pilastras misuladas, de desenho idêntico ao do risco de
Aleijadinho para São Francisco de São João del Rei. Acreditamos que Lima Cerqueira
seja o criador dessa estrutura, com sua rígida peanha acima da verga mistilínea, à qual
se incorporam esculturas e relevos ornamentais em pedra-sabão de dois escultores
diferentes. O primeiro, que Carlos del Negro supõe ser o entalhador Manoel Rodrigues
Coelho, executou os ornatos e querubins sorridentes das pilastras e verga e
possivelmente também a pequena cartela inferior, com o monte Carmelo e as estrelas
da Ordem do Carmo. O outro foi o Aleijadinho, autor das esplêndidas esculturas dos
anjos segurando cartelas com inscrições e escapulários assentados nos fragmentos de
entablamento e do medalhão com a figura da Virgem e elementos da moldura,
incluindo a representação superior do Pai Eterno entre querubins”419.
Os Livros de Termos da Irmandade informam que a talha da capela-mor foi
arrematada pelo entalhador Manuel Roiz (Rodrigues) Coelho, assim como os camarins,
trono e púlpitos, em 1768. Em 1824, finalmente deu-se a igreja por concluída, porém, a
decoração interna ainda não estava terminada. Sabemos que, pelo menos, dois altares
laterais da nave foram executados, entre 1884 e 1885, pelo entalhador Joaquim
Francisco d'Assis Pereira420.
O risco segue tipologia tradicional, nave retangular, capela-mor e sacristia ao
fundo. Nave com seis altares laterais, dois púlpitos com talha do Mestre dos anjos
sorridentes. Pequenas criaturas que se destacam na talha, cabeças aladas de querubins e

419
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso … op. cit., p. 234.
420
Igreja do Carmo de São João del Rei, transcrição do Livro de Termos, fl. 38, Pasta de Inventário,
Arquivo central do IPHAN, Rio de Janeiro.
212

anjos, de rosto largo e sorriso nos lábios, que também podem ser vistos na decoração
parietal da capela-mor421.
A decoração interna de talha foi concluída e modificada no século XIX. A
policromia, contudo, parece não ter sido concluída. Apenas dois altares laterais
receberam destaque com filetes dourados, os demais se mantiveram na cor branca,
talvez ainda, na camada de preparação. Acreditamos que o mesmo tenha ocorrido com
as atuais invocações dos altares laterais. Hoje, neles, estão entronizados os Cristos dos
Passos da Paixão. Porém sabemos que, pelo menos, três das atuais esculturas são obras
do século XX e XXI, feitas por dois entalhadores da região: Osni Paiva e Fernando
Pedersini. Até algum tempo atrás, as invocações presentes eram de santos da ordem. É
possível que a mudança se deva, principalmente, ao atual desenvolvimento do turismo
religioso no Brasil, cuja matriz vem da Europa, via Portugal, onde existe um projeto de
revigoramento, que inclui todos os santuários do caminho de Santiago422.

3.7.4 Sabará (1761)

A documentação dos arquivos da Ordem Terceira do Carmo de Sabará foi


coligida e interpretada por Zoroastro Viana Passos, que, com este material, produziu o
livro sobre a cidade de Sabará, publicado pelo IPHAN423. A história deste importante
templo é bastante clara embora ainda existam algumas dúvidas sobre a atuação de
Aleijadinho que, na sua decoração, foi decisiva.
Instituiu-se a Ordem Terceira do Carmo de Sabará em 1761. Dois anos depois,
começaram as obras da igreja, contratadas com o mestre Tiago Moreira, autor do risco,
sendo a pedra fundamental lançada a 16 de junho de 1763. No ano de 1767, houve a
trasladação da imagem de Nossa Senhora do Monte Carmelo para a nova sede, sinal de
que a igreja já podia ser utilizada.

421
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos, Barroco e rococó
... op. cit..
422
O projeto Revitalização do Caminho Português para Santiago de Compostela tem como
principalobjetivo o revigoramento dos santuários e pequenas capelas que faziam parte do caminho
português que levava à cidade de Santiago de Compostela, no norte da Espanha, em fins da Idade Média.
Mas também possibilitou o desenvolvimento de diversas pesquisas institucionais e acadêmicas, que
incluíram congressos, palestras e publicações sobre o assunto. Para maiores informações:
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/nacional/caminhos-de-santiago-autarquias-do-norte-e-centro-
apostam-na-revitalizacao-do-percurso-portugues
423
PASSOS, Zoroastro Viana, ‘Em torno da história de Sabará’, publicado em Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1940.
213

Fig. 41 – Igreja da
Ordem Terceira do
Carmo, Sabará, Minas
Gerais.
(Fonte: https://www.google.pt/maps )

Entretanto, em 1768, a Ordem decidiu modificar o projeto original do


frontispício, assinando mais tarde, em 1771, novo contrato com o mesmo Tiago Moreira
para introduzir as modificações: acrescentar pedra nos pilares das torres, cunhais e
enquadramento dos vãos. As obras compreenderam o período de 1771 a 1774. Acredita-
se ainda que Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, seja o autor dos trabalhos de
escultura que ornamentam a fachada, especialmente a portada.
A fachada tem o tramo central retangular ladeado por duas torres quadradas,
encimadas por cúpula com arremates piramidais. Formalmente a fachada não tem
grande inovação e exibe poucos elementos decorativos, além da implantação de
elementos de composição assimétrica nos dois extremos do frontão, sobre a cimalha
retilínea. Escassa decoração em pedra-sabão azulada pode ser encontrada na portada da
entrada principal e sobreverga das janelas do coro, atribuída a Aleijadinho424.
Internamente, a nave é do tipo tradicional, retangular e capela-mor alongada.
Destaca-se a talha dos retábulos laterais e do altar-mor, atribuída tradicionalmente ao
português Francisco Vieira Servas, que documentalmente executou o altar‐mor em
1806, conjuntamente com José Fernandes Lobo. O arco cruzeiro é de pedra de cantaria,
tendo sido aplicada uma tarja com as insígnias da Ordem coroada, ao centro. O coro, de
autoria de Aleijadinho, chama atenção pelas duas expressivas esculturas de atlantes, nas
laterais, assim como os púlpitos com desenhos sinuosos e os baixos-relevos
reproduzindo cenas do Novo Testamento, também projetados e executados por
Aleijadinho.

424
[...] Livro 1º de Despesa da Ordem, sob a rubrica Despezas que teve o Thesoureiro desta Ordem
Terceira João Antunes no ano de 1773 para o 1774, consta o pagamento de 168$000 feito a Antonio
Francisco Lisboa, sem no entanto especificar o serviço, porém, a coincidência do ano em que a mesma
ocorreu com a data inscrita sobre os ornatos da portada da igreja levar-nos-ia a induzir que o trabalho
do aleijadinho ali tenha sido a execução daqueles ornatos [...] fls 83. ANDRADE, Rodrigo de Melo
Franco de, ‘Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho’, publicado em Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 02, 1938, p. 259.
214

Quanto à pintura e douramento dos retábulos, deve-se ao pintor Joaquim


Gonçalves da Rocha, que os executou em 1812 e 1816. E as pinturas dos tetos da nave e
da capela‐mor são atribuídas a um mesmo pintor. Executadas entre os anos de 1813 e
1818, revelam uma composição simplória e primitiva, assim como uma pobreza no
colorido, imperfeições que foram acentuadas pela repintura realizada, décadas depois,
pelo alferes José Ribeiro da Fonseca425. No painel central do teto da nave, emoldurado
por muro parapeito, está representado Santo Elias sendo transportado para o céu num
carro de fogo. No teto da capela-mor encontra-se a imagem de Nossa Senhora
entregando o escapulário a São Simão Stock, emoldurado por muro parapeito, onde se
salientam figuras religiosas. Nas paredes painéis em barra pintada simulam azulejos.
O programa iconográfico do altar-mor é o habitual das igrejas carmelitas:
Virgem do Carmo, ladeada pelo fundador da Ordem, Santo Elias e Santo Eliseu,
imagens de roca de boa fatura. Nos altares laterais, acham-se dois belíssimos
exemplares do trabalho escultural de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho: São João
da Cruz e São Simão Stock, cuja encomenda foi feita no ano de 1778.

3.7.5 Diamantina (1758) e Serro (1760)

A primeira bandeira que chegou perto da região do Tijuco, era liderada por
Jerônimo Gouveia, por volta do fim do século XVII (1691). O arraial do Tijuco (atual
Diamantina) teve a sua criação no ano de 1713, a partir da descoberta e exploração do
ouro no vale do córrego do Tijuco. Em 1720 Bernardo da Fonseca Lobo encontrou
produto mais rentável, pedras preciosas, e principalmente, diamantes, que acabaram
dando nome à cidade. Os diamantes fizeram convergir para as áreas do Tijuco a
ambição dos habitantes das terras vizinhas, transformando o arraial em lugar de
esplendor e grande luxo. Foi a partir do Tijuco que os bandeirantes seguiram rumo ao
norte até atingirem as cidades do centro-oeste brasileiro, Goiás Velho e Cuiabá, nos
atuais estados de Goiás e Mato Grosso.
O arraial cresceu em ritmo acelerado, especialmente na época dos contratadores
de diamantes Felisberto Brant (1748‐1751) e João Fernandes de Oliveira (1759‐1771),
figura lendária da história local, famoso pelo romance com a célebre Chica da Silva,

425
FONSECA, Claudia Damasceno, ‘Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Sabará, Minas Gerais, Brasil’,
publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 452.
215

escrava negra que se tornou a rainha do arraial. Em 1831, o Tijuco foi elevado à
categoria de vila, com o nome de Diamantina e, em 1838, à de cidade.
A Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no então arraial do Tijuco, foi instalada
na segunda metade do século XVIII. A arquitetura da região se distancia tecnicamente
das outras regiões das Minas, pela inexistência da matéria-prima pedra calcária, comum
às outras regiões, e escassa na região de Diamantina. A arquitetura, portanto, será
despojada, simples, de madeira e adobe.

Fig. 42 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Diamantina, Minas Gerais. (Fonte:


https://www.google.pt/maps )

A igreja da Ordem Terceira do Carmo não foge à tipologia usual. A fachada é


simples, com uma forte marcação da linha horizontal da cimalha e um pequeno arco, ao
centro, para a inserção do óculo. A torre foi deslocada para a parte posterior, solução
absolutamente original e inusitada. “O belo frontão retangular, formado pelo
prolongamento das pilastras centrais do frontispício, ladeado por duas volutas, é
rematado, por sua vez, por um pequeno frontão decorado de telhas em bica e encimado
por uma cruz”426.
O ponto forte da Igreja do Carmo de Diamantina são as pinturas do forro da
capela-mor - datada de 1766 - em perspectiva arquitetônica, tendo, ao centro, um
medalhão da Virgem do Carmo entregando o escapulário a São Simão Stock, e o forro
da nave, do guarda-mor José Soares de Araújo, executado entre os anos de 1778 a 1784,
traz ao centro, o arrebatamento ao céu do Profeta Elias num carro de fogo, no momento
em que deixa cair o manto a Eliseu.
Em 1761 instalou-se a Ordem Terceira do Carmo do arraial da Vila do Príncipe,
desmembrada do arraial do Tijuco (Diamantina), em 1751. A irmandade esteve, por um

426
‘Ordem Terceira do Carmo de Serro’, Pasta de Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
216

período de tempo, na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, até que, em 1768,


conseguiu o terreno concedido pela Câmara “sem aforamentos, [...] na Rua Direita da
Cavalhada, com destino de erigir uma capela”427.

Fig. 43 - Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Serro, Minas Gerais.


(Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Nossa_Senhora_do_Carmo,Serro e
https://www.google.pt/maps )

A igreja foi benta em julho de 1781, quando as obras estavam, senão concluídas,
pelo menos bastante adiantadas. A edificação destaca-se no alto de uma imponente
escadaria em forma de cálice e possui um adro contido por arrimos de pedra, seguindo o
padrão regional, com a estrutura em madeira aparente e adobe. A fachada tem o tramo
central com frontão triangular, porta com verga curva e duas janelas no nível do coro.
Entre estas últimas, medalhão esculpido em madeira, com a representação da Virgem e
de São Simão Stock, encimado por um óculo.
Lateralmente, as duas torres de secção quadrada são destacadas do corpo da
igreja; possuem telhados piramidais e janelas alinhadas com as do coro. Internamente
existe um belo conjunto de talha policromada e dourada, em estilo rococó composto de
arco‐cruzeiro, altares laterais, púlpitos. A capela‐mor abre‐se em arcadas para os
prolongamentos laterais da sacristia posterior; as paredes são decoradas com pinturas de
cenas religiosas, emolduradas por rocalhas. O forro é pintado em perspectiva
arquitetônica, tendo, no medalhão central, a representação da Virgem do Carmo com o
Menino.

427
FONSECA, Cláudia Damasceno Fonseca, ‘Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Serro, Minas Gerais,
Brasil’ publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit.,
p. 464.
217

3.8 Concluindo

A título de abrir uma pequena discussão a partir do histórico e das descrições


dos monumentos, desenvolvidas isoladamente nestes dois capítulos, serão formuladas
algumas considerações sobre os três elementos constitutivos dos complexos carmelitas
instalados no Brasil: convento e duas igrejas, conventual e da Ordem Terceira.
Em resumo, foram trinta e uma construções dos carmelitas no Brasil, entre
conventos e igrejas, hospícios e igrejas de Ordem Terceira. Dezoito delas foram
fundações da Antiga Observância, do ramo masculino, sendo que os quatro conventos
dos atuais estados de Pernambuco e Paraíba: Recife, Goiana, João Pessoa e Lucena
passaram para a Reforma Turônica, no ano de 1677. Dos Descalços (ramo fundado por
Santa Teresa no século XVI) o Brasil teve apenas duas fundações masculinas nas
cidades de Salvador e Olinda e duas femininas, no Rio de Janeiro e em São Paulo, este
último demolido no século XX. Tivemos três hospícios com suas igrejas e seis igrejas
de Ordem Terceira independentes. Porém, segundo autores como Frei André Prat428 e
Pereira da Costa429, o Brasil possuiu outras edificações carmelitas, conventos, hospícios
e aldeias missionárias, que não tiveram vida longa.
Quanto à instituição de Ordens Terceiras no Brasil, só as encontraremos
relacionadas ao ramo masculino da Antiga Observância. Portanto, do total de dezoito
fundações conventuais deste ramo, quinze tiveram Ordens Terceiras com igrejas ou
capelas próprias. As exceções ficaram por conta dos conventos do estado do Maranhão
e em Pernambuco, o do Cabo de Santo Agostinho. Neste último e em Alcântara só
restou a igreja conventual. Na cidade de São Luís, restaram os edifícios do convento e
de sua igreja, transformados ao longo dos anos pelos novos donos. Não foi possível
encontrar documentação ou relatos da presença dos terceiros nessas três cidades. Porém,
seguindo a lógica sugerida pelos demais complexos, seria natural a existência da
irmandade dos leigos também nestes conventos.
Portanto, excluindo os conventos do Maranhão e do Cabo de Santo Agostinho,
nos demais quinze monumentos carmelitas masculinos da Antiga Observância, existiu
uma Ordem Terceira instituída com capela ou igreja própria e independente. Desse total,

428
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas ... op. cit.
429
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana … op. cit., p. 179. O autor cita: Hospício de Nossa
Senhora da Guia na Paraíba (Lucena) [ainda existe a igreja]; Hospício da Piedade; Hospício de Nossa
Senhora da Luz do Japomim e de Nossa Senhora da Conceição do Jiqui; Hospício de Guadalupe da Barra
de Camaragibe (Convento de Nossa Senhora d’Agua de Lupe); Hospício do Arraial e o Hospício que a
ordem reformada possuía em Lisboa, para os seus frades.
218

hoje só restam treze edificações, pois, as das cidades de Olinda e Vitória foram
destruídas no último século. No Brasil, no século XIX, não houve uma lei de extinção
das ordens religiosas como em Portugal, mas tivemos a proibição da entrada de novos
noviços, o que acarretou um período de estagnação e de abandono dos monumentos,
situação registrada também nas demais ordens religiosas.
Quanto ao ramo dos Descalços no Brasil, não possuíram Ordens Terceiras, pois
nas cidades de Salvador e Olinda, já existiam conventos dos Calçados, com as suas
respectivas Ordens Terceiras. Espelho do que ocorreu em Portugal, onde, apesar de ter
um número muito maior de conventos masculinos dos Descalços, só houve a instituição
de três Ordens Terceiras: Porto, Tavira e Vila Real, todas do século XVIII.
Outro ponto a realçar da distinção entre os dois ramos (Antiga Observância e
Descalços) é a tipologia das suas construções. Os Calçados em Portugal não tiveram um
modelo identitário, pois seus edifícios englobam estilos desde fins da Idade Média até o
século XVII. Por outro lado, os Descalços iniciam suas fundações no século XVI,
desencadeando um boom construtivo nos dois séculos subsequentes, deste modo,
estabelecendo um estilo arquitetônico próprio. Essa tipologia, estudada e definida pelos
principais historiadores da ordem, gerou a tipologia, desenvolvida a partir dos
conventos espanhóis, que foi levado a Portugal, e também ao Brasil430.
Em relação às Igrejas de Ordens Terceiras, além das quinze instituídas nos
conventos masculinos, existem outras seis, de fundação independente e duas, vinculadas
possivelmente a hospícios. Neste último grupo, estão as Ordens Terceiras das cidades
de Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro, de Itu, no de São Paulo. As
seis independentes localizam-se no Estado de Minas Gerais, fruto da proibição da
entrada das ordens religiosas regulares na região. A da cidade de Lucena, na Paraíba, é
na realidade uma igreja estabelecida em um hospício, e não pertencia aos leigos.
Cronologicamente o primeiro complexo carmelita instalado no Brasil foi o da
cidade de Olinda (1580). Pouco mais de cinquenta anos depois, será instituída a
primeira Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, não em Olinda, como
seria de esperar, mas, em Salvador, no segundo convento fundado no Brasil (1586). A
instituição aconteceu no ano de 1636, tendo como padroeira Santa Teresa de Jesus,
porém, a licença de construção de uma igreja própria só se deu em 1644, confirmada
pela Bula Pontifícia de 1695. A instituição de Ordens Terceiras ocorreu praticamente ao

430
Assunto abordado no subitem sobre os Descalços, que não será retomado neste momento.
219

mesmo tempo no Brasil e na Metrópole. Em Portugal, as primeiras instalaram-se em


Moura e Lisboa, por volta de 1630.
Encontramos uma menção de que em 1623 já existia uma Ordem Terceira
instituída no convento de Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, porém, não
conseguimos confirmar esta datação. E pareceu-nos estranho, pois se assim o fosse,
seria anterior a instituição portuguesa o que merece um estudo mais detalhado.
Como as demais ordens religiosas que vieram para o Brasil, também os
Carmelitas, buscaram estabelecer-se nas partes altas das cidades (Olinda, Goiana, João
Pessoa, Salvador, São Cristóvão, São Paulo, Mogi), ou nas encostas de montanhas
(Vitória e Angra dos Reis). As exceções foram os conventos do Rio de Janeiro e de
Santos, localizados na área da várzea, parte plana e baixa das duas cidades.
No Brasil, os conventos carmelitas e suas igrejas foram construídos lado a lado,
sem uma regra específica, além, é claro, das determinações ditadas pelas Constituições
do Arcebispado e pelo Estatuto da própria ordem. Convento e igreja estiveram sempre
posicionados na mesma linha da rua, aproveitando a disponibilidade do terreno. O
convento construído, como de praxe, em torno de um claustro, à maneira dos conventos
e mosteiros europeus, só que em menor escala. Porém, o da cidade de Salvador, possui
claustro duplo, assim como em quatro casos, constata-se a existência de um segundo
claustro, pertencente à Ordem Terceira, ligando então as duas igrejas. As fachadas
conventuais sempre simples de dois ou três andares, com a entrada principal dando para
uma portaria, guarnecida por uma pequena varanda externa como nas cidades de Olinda,
Goiana e Cachoeira. Marcando o ritmo da fachada, estavam as inumeráveis janelas.
As igrejas conventuais apresentam a planta típica das edificações portuguesas,
nave única e capela-mor profunda. Nas principais cidades são de grande dimensão, em
alguns poucos casos apresentam transeptos (Recife, Salvador e Rio de Janeiro). Os
frontispícios acompanharam também os padrões estilísticos da Metrópole. Em Olinda, a
fachada do primeiro complexo apresenta a estrutura maneirista, fortemente marcada por
elementos arquitetônicos em pedra, portada saliente, frontão sinuoso, entre as duas
torres. Os monumentos da primeira metade do século XVIII já se adaptaram às fachadas
‘barrocas’, mantiveram a simplicidade e o frontão sinuoso, acrescido de volutas, como
nas igrejas conventuais de Recife e Salvador. E, por fim, na segunda metade do século
XVIII, as fachadas adaptam-se no estilo rococó e pombalino, caracterizando-se pelos
frontões sinuosos e curvilíneos, com destaque para o uso de portadas vindas de
220

Portugal, como ocorreu na igreja dos Terceiros do Rio de Janeiro e na conventual de


Belém. E as portadas em pedra sabão nas igrejas de Minas Gerais.
Quando se acrescenta o terceiro elemento, a igreja dos leigos, aos conjuntos dos
Carmelitas da Antiga Observância masculinos do Brasil, a característica que mais
chama a atenção, num primeiro momento, é a independência construtiva desta em
relação ao bloco edificado do convento e sua igreja. A exceção é a igreja dos terceiros
de Belém, na qual a capela posiciona-se transversalmente em um dos lados da igreja
conventual, com acesso pela nave. Podem ainda se considerar exceções os exemplares
que possuem um pequeno claustro ligando as duas igrejas (Recife, Salvador, Cachoeira
e São Cristóvão).
Do total de quinze conventos que possuíam igrejas dos terceiros, treze ainda as
conservam. São eles os de Salvador, Rio de Janeiro, Angra dos Reis, São Cristóvão, São
Paulo, Recife, Mogi das Cruzes, Cachoeira, João Pessoa, Marechal Deodoro, Santos,
Belém e Goiana431. E duas conhecemos a partir de antigas fotografias (Olinda e
Vitória). Resumindo, ao analisar esses complexos com os três elementos, excluindo
Belém, podem-se formar dois grandes grupos com quatro tipologias distintas: 1 – as
duas igrejas lado a lado, na mesma linha da rua; e 2 - a igreja dos terceiros recuada em
relação ao conjunto conventual.
No primeiro grupo, foram incluídos os conjuntos do Rio de Janeiro, Angra dos
Reis, Santos, São Paulo, Mogi das Cruzes e São Cristóvão. Deste conjunto, excluindo o
do Rio de Janeiro e São Cristóvão, os quatro restantes, segundo Germain Bazin, formam
uma tipologia original, que pode ter sido introduzida pelo conjunto de Angra dos Reis,
arquitetonicamente o mais antigo, e que foi levada para as cidades paulistas: Santos, São
Paulo e Mogi. Nesta tipologia, as fachadas das duas igrejas são semelhantes, tanto no
desenho como nas dimensões e possuem a particularidade de dividirem uma única torre,
centralizada, de uso comum. A torre não pertence nem a uma nem a outra e o acesso a
ela se dá por um corredor aberto (Mogi das Cruzes) ou fechado (Angra dos Reis e
Santos). O convento e igreja de São Paulo foram destruídos no século passado.
O segundo grupo engloba as igrejas de Olinda, Salvador, João Pessoa, Recife,
Goiana, Vitória, Cachoeira e Marechal Deodoro, cuja principal característica é a igreja

431
As Ordens Terceiras foram instituídas em: Salvador (1636), Rio de Janeiro (1648), Angra (século
XVII, primeira metade), São Cristóvão (1666), São Paulo (1676), Recife (1689), Mogi (1689), Cachoeira
(1691), João Pessoa (1717), Marechal Deodoro (1744), Santos (1752), Belém (1777) e Goiana (século
XVIII). Ainda tivemos as Ordens Terceiras de Olinda (1694) e Vitória (século XVIII) e as relacionadas
ao hospícios de Itu (1716) e Campos dos Goytacazes (1778).
221

dos terceiros se posicionar recuada em relação ao conjunto conventual. As fachadas das


duas igrejas são similares, porém, a igreja dos Leigos é dimensionalmente menor. Em
João Pessoa, a igreja dos Terceiros, é um exemplo hibrido, pois apesar do atual
posicionamento, recuada e unida à igreja conventual, na origem devia estar construída
na mesma linha da rua e independente. Porém, com as reformas e a edificação das torres
da igreja conventual na segunda metade do século XVIII, esta avançou sobre a igreja
dos Terceiros. Internamente, o espaço manteve-se em um corredor fechado.
Um elemento delimitador dos dois modelos tipológicos, possivelmente, foi o rio
São Francisco, um importante marco geográfico no período colonial, pois demarcava os
limites das capitanias de Pernambuco e da Bahia. Desta maneira, temos a maioria dos
exemplos do grupo 1, abaixo do rio: Rio de Janeiro, Angra dos Reis, Santos, São Paulo
e Mogi. E o grupo 2, acima: João Pessoa, Goiana, Recife, Olinda e São Cristóvão.
Porém, houve exceções, tais como os conventos de Vitória, no Espírito Santo, com a
igreja dos Terceiros recuada, e os complexos do estado da Bahia e de Alagoas
(Salvador, Cachoeira e Marechal Deodoro), que, possuem a igreja dos terceiros recuada,
porém, unem-se à igreja conventual, por um pequeno claustro.
Quanto às igrejas de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro e de Itu, em São
Paulo possuem tipologias distintas, pois o conjunto é formado apenas pela igreja dos
terceiros e uma edificação lateral, que originalmente foi um pequeno hospício. Sobre a
igreja de Lucena, também originária de um hospício, que já não existe, é um caso único
com um excepcional frontispício em pedra, de caráter ingênuo, possivelmente feito com
a interferência de mão indígena. Já as igrejas independentes de Minas Gerais
apresentam tipologias adaptadas aos estilos que imperavam na região e ao período
construtivo.
As tipologias aqui descritas a partir dos elementos constitutivos, convento, igreja
conventual e igreja dos terceiros, podem então ser sumariamente classificadas em: 1a –
igreja dos terceiros e igreja conventual lado a lado, na mesma linha da rua, 1b – igreja
dos terceiros e igreja conventual na mesma linha da rua, separadas pela torre; 2a – igreja
dos terceiros independente, recuada e de menor dimensão; 2b – igreja dos terceiros,
recuada e de menor dimensão, porém, unida à igreja conventual por pequeno claustro.
222

Tipologias definidas nos complexos Carmelitas da Antiga Observância no Brasil


Igrejas lado a lado, na linha da rua Igreja dos terceiros recuada e
dimensionalmente menor
1a 1b 2a 2b
Independente Ligadas por uma Independente Unida à igreja conventual
única torre por um claustro

Rio de Janeiro Angra dos Reis Goiana Marechal Deodoro


São Cristóvão Santos João Pessoa Salvador
São Paulo Olinda Cachoeira
Mogi Recife
Vitória

Neste ponto, seria interessante conjecturar sobre a fonte de inspiração dessas


tipologias. No Brasil os conventos franciscanos repetem em algumas cidades modelos
similares, como o do Rio de Janeiro, com as duas igrejas lado a lado, independentes.
Ou, o da cidade de São Cristóvão com a igreja dos terceiros menor e recuada, que num
primeiro momento nos faz pensar nos complexos carmelitas. Apesar da tipologia típica
dos franciscanos do Nordeste (fachada triangular, com galilé e torre recuada) apresentar
a capela dos terceiros internamente, nunca independente.
Em Portugal não foi possível localizar exemplares carmelitas similares, pois de
todos os conjuntos descritos no capítulo I, não se encontrou um único em que os três
elementos ainda existissem nos padrões estabelecidos neste estudo: convento, igreja
conventual e igreja dos terceiros. Isso é facilmente compreendido pelas características
da ordem Carmelita da Antiga Observação no território português, que se particulariza
pela diversidade de datas de fundações, da Idade Média, conventos de Moura (c. 1251)
e da casa mãe da Ordem, em Lisboa (1389) até os últimos exemplares do XVII432. Neste
último século, prevalecerão, em Portugal, as fundações dos conventos carmelitas dos
Descalços, o que justifica o pouco empreendedorismo dos Calçados na metrópole e o
sucesso dos mesmos no Brasil.
As instituições de Ordens Terceiras Carmelitas no território português tiveram
início por volta de 1630, nos conventos de Moura e de Lisboa, em capelas no claustro.
A mesma distribuição, ora em altares laterais, ora em capelas do claustro, repete-se nos

432
A partir do século XV foram fundados os conventos de Colares (1450) e de Vidigueira (1496), no
XVI: Tapada de Beja (1526), Évora (1531), Coimbra (c.1536), Lagoa (1550), Torres Novas (1558),
Setúbal (1598), Alverca (c. 1600), e do XVII, Camarate (1602) e Horta, na ilha do Faial (1649).
223

demais conventos fundados, com o agravante de que a maioria não sobreviveu intacta
aos terremotos que arrasaram o território português em épocas diversas e da fatídica lei
de extinção das ordens religiosas, do século XIX, que destruiu e descaracterizou grande
parte dos monumentos.
Apesar do quadro devastador, foi possível encontrar três conjuntos com os três
elementos, convento, igreja conventual e dos terceiros: na Ilha do Faial e nas cidades do
Porto e de Tavira, estes dois últimos pertencente ao ramo dos Descalços. A cidade de
Faial sofreu um tremor de terra recente que abalou a estrutura do que restou da igreja do
‘Carmo’, atualmente sob o auspício da Ordem Terceira. Até a lei de 1834, era uma
igreja conventual. “O convento do Carmo situa-se numa grande plataforma, na zona
mais alta da cidade, [...]. A igreja mantém o essencial do que era em meados do século
XVIII, quando a construção deve ter terminado, posto que a sua origem seja anterior. A
frontaria é imponente, com três andares, ladeada por duas torres [...] e um frontão
mistilíneo, ao centro, onde se vê o brasão dos carmelitas. Depois sucedem-se três
ordens de vãos, janelas de sacada, nos mais altos, e portas no térreo, acedendo-se
daqui a uma enorme nave abobadada, em forma de canhão, terminada numa capela-
mor da mesma largura, precedida de amplo transepto. [...] Os altares são já de meados
do século XVIII”433.
Observando a planta deste complexo, vê-se, à sua direita, a capela original da
ordem terceira, com acesso pela portaria. A construção da capela dos Terceiros iniciou-
se em 1759, ampliando uma antiga sacristia que existia no espaço sob a torre. Na lateral
esquerda, está o edifício do antigo convento, hoje independente e ocupado pela guarda
nacional. Portanto, apesar de apresentar os três elementos, a igreja dos leigos não
constituiu uma construção independente, mas a adaptação de uma antiga sacristia.
Já o complexo carmelita do Porto, apesar de pertencer ao ramo dos Descalços,
apresenta modelo bem próximo ao complexo dos carmelitas do Rio de Janeiro, com
igreja conventual e dos leigos, lado a lado, e convento à direita. Analisando as datas,
sabe-se que o convento foi fundado em 1617, e a ordem terceira, instituída em 1736,
com arquitetura das duas igrejas já do século XVIII. Porém, vale ressaltar que a Ordem
Terceira do Carmo do Porto é a única que possui programa iconográfico à maneira do
Brasil, com os sete passos da Paixão de Cristo nos altares da igreja. Esse assunto será

433
DIAS, Pedro, Arte de Portugal no Mundo – Açores, Vol. 3, Público, s.l., 2008, p. 77-79.
224

esmiuçado mais adiante, pois, neste caso, as esculturas parecem ser do século XVII, e os
altares da segunda metade do século XVIII.
Devido à grande diferenciação e diversidade de estilos construtivos e
decorativos da Ordem Carmelita em Portugal, torna-se inviável dizer que houve um
estilo Carmelita na Metrópole. Falta aos Calçados o que os Descalços tiveram a partir
da fundação da Ordem por Santa Teresa, o boom construtivo, concentrado nos séculos
XVII e XVIII434.
Acreditamos que os conjuntos carmelitas do Brasil se desenvolveram
gradativamente a partir do modelo tradicional português e a igreja dos leigos veio em
decorrência da vontade dos irmãos de terem um templo próprio e o crescimento de cada
região. E neste ponto, demonstram uma maior autogerencia com relação aos leigos
franciscanos e aos poucos dominicanos, pois construíram igrejas completamente
independentes fisicamente. Sabemos que houve desavenças entre os frades e os leigos, a
ponto de algumas igrejas conventuais serem reconstruídas assim que as dos leigos eram
finalizadas e aparentavam maior opulência do que as dos frades, caso ocorrido no Rio
de Janeiro, como pode ser apreciado nesta antiga gravura do século XIX, com a igreja
conventual ainda com a antiga fachada.

Fig. 44 - Largo da Praça XV, antigo Largo do Paço, com o convento e as duas igrejas,
conventual e dos Terceiros, ao fundo, e na esquerda o Palácio dos Vice-reis. (Fonte: Um
Passeio pela cidade do Rio de Janeiro, Joaquim Manuel de Macedo, disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000070.pdf )

434
Não se faz necessário dissertar, neste momento, sobre “Os Descalços e seu modelo de igreja à maneira
das espanholas” além do que foi desenvolvido no subitem do capítulo I.
225

Conventos e Igrejas da Ordem do Carmo da Antiga Observância, com respectivas


datas de fundação e instalação das Ordens Terceiras.

Localidade Data de Igreja Hospício Ordem Observações


fundação Terceira
Olinda, 1580 1588 a.1694 / Só restou a igreja conventual.
Pernambuco Reconstruída instituída
no século Igreja de Santo Antônio do
XVII 1772 Carmo
(construção)
Salvador, 1586 1681 1636 / Convento N. Sra. do Carmo
Bahia Igreja NS do instituída Em 1974 parte do convento que
Carmo rodeia o grande claustro foi
1681 1644 igreja transformada em pousada.
reconstruído 1795 A igreja de Santa Teresa da
reconstruída 1788 Ordem Terceira foi reconstruída
reconstruída devido a um incêndio que
destruiu a anterior.
Santos, São 1589 1601 a.1752 Titular das duas igrejas: Nossa
Paulo Reconstruída séculos XIX Senhora do Carmo
no século e XX
XVIII (reformas)
Rio de 1590 1648 / Convento de N. Sra. do Carmo
Janeiro, Rio Reconstruída instituída
de Janeiro em 1761 Titular das duas igrejas: Nossa
1755 igreja Senhora do Carmo
atual
São Paulo, c. 1598 1766 a.1676 / Em 1929 a igreja da Ordem
São Paulo instituída Primeira e o convento foram
destruídos.
1747 / 1759 Só restou a Igreja da Ordem
igreja atual terceira.
João c. 1591 1763/1778 a.1717/ Igreja de Nossa Senhora do
Pessoa, a. 1636 Início e fim instituída Carmo (Ordem Primeira)
Paraíba das obras 1777 Igreja de Santa Teresa (Ordem
termino das terceira)
obras atual Em 1678 o convento aceitou a
igreja reforma de acordo com as
constituições de Touraine.
Angra dos 1623 1593 Século XVII Convento de N. Sra. Assunção
Reis, Rio de 1623 (?) Igreja de Nossa Senhora do
Janeiro Carmo (Ordem Primeira)
Igreja de Santa Teresa (Ordem
terceira)
São Luís, 1616 Convento de Santa Ana das
Maranhão Cruzes
O convento e a igreja estão
entregues aos frades italianos,
que o modernizaram
226

radicalmente em concreto para


servir de escola.
Belém, Pará 1624 1700 1777 Convento de Santa Maria
instituída Capela da Ordem Terceira com
1766 acesso pela lateral da nave.
Reconstruída
Alcântara, 1647 1665 Convento de N. Sra. do Carmo
Maranhão Só restou a Igreja conventual de
1691 Nossa Senhora do Carmo
Recosntruída
Recife, 1665 1685 1689 / Em 1688 o convento aceitou a
Pernambuco 1767 instituída reforma Turônica.
reconstruída 1700-1737
construção
Goiana, 1666 1719 Século Convento de S. Alberto
Pernambuco (inscrição na XVIII Igreja de Nossa Senhora do
fachada) Carmo (Ordem Primeira)
Igreja de Santa Teresa (Ordem
Terceira)
Vitória, 1682 Século Restou o convento e a igreja
Espírito XVIII conventual, totalmente
Santo reformados no século XX, com
roupagem gótica.
Cachoeira, 1688 1773 1691 / Hoje o Convento é uma pousada
Bahia instituída e a Igreja conventual perdeu
quase toda a decoração interna.
1700 Igreja Ordem Terceira de Nossa
construção Senhora do Carmo
Mogi das 1633 1753/68 1689 / Igreja de Santana (Ordem
Cruzes, São reedificado instituída Primeira)
Paulo 1762
reconstruída

São 1618 1745 / 1766 1666 / Igreja de Nossa Senhora do


Cristóvão, instituída Carmo (Ordem Primeira)
Sergipe 1699 Igreja do Senhor dos Passos
reedificado 1743 (Ordem Terceira)
Itu, São a.1730 a.1716/
Paulo instituída
1747/58
reconstrução
Marechal Século XVII 1744 / Só restou a Igreja conventual e a
Deodoro, instituída Capela de Nossa Senhora do Ó
Alagoas (Ordem Terceira)
Lucena, Reconstruída a.1700 Hoje só existe a igreja de
Paraíba c. 1780 Senhora da Guia.
Campos dos c. 1750 1778 / 1797 Igreja de Nossa Senhora do
Goytacazes, Construção Carmo
Rio de
Janeiro
227

Cabo de Século XVII Convento do Carmo de Nazaré


Santo
Agostinho,
Pernambuco

Igrejas da Ordem Terceira do Carmo independentes.

Localidade Data de Igreja Hospício Ordem Observações


fundação Terceira
Ouro Preto, 1752
Minas Gerais
Mariana, a. 1751
Minas Gerais
Sabará, 1761
Minas Gerais
São João del 1740
Rei, Minas
Gerais
Diamantina, 1758
Minas Gerais
Serro, Minas 1760
Gerais
228

Conventos e Igrejas da Ordem do Carmo Reformados de Santa Teresa, Ordem


Primeira dos Descalços, com respectivas datas de fundação.

Localidade Data de Igreja Hospício Ordem Observações


fundação Terceira
Salvador, 1665/1686 1697 Em 1959 foi
Bahia Conclusão instalado o Museu de
Convento das obras Arte Sacra da
de Santa Universidade Federal
Teresa da Bahia.
Olinda, 1686
Pernambuco
Convento
de Santa
Teresa

Conventos e Igrejas da Ordem do Carmo Reformados de Santa Teresa, Ordem


Segunda dos Descalços, com respectivas datas de fundação.

Localidade Data de Igreja Hospício Ordem Observações


fundação Terceira
Rio de 1744 1750 Convento de Santa
Janeiro, 1750/ 1751 Teresa
Rio de Construção 1744 - Recolhimento
Janeiro do Desterro, que em
1750 passou para as
mãos das Carmelitas
Descalças.
São Paulo, Convento de Santa
São Paulo Teresa
229

Fig. 45 – Tratado em que se contem a Paixam de Christo… Bbilioteca Nacional,


Portugal.

PARTE II
AS IMAGENS DE CRISTO DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO:
iconografia e função.
230
231

4. AS REPRESENTAÇÕES DA PAIXÃO DE CRISTO

O estudo iconográfico da Paixão de Cristo, evidencia a importância do tema


para a Ordem Terceira do Carmo no Brasil que o privilegiou como programa
iconográfico presente em um grande grupo de igrejas povoando os altares laterais e
altar-mor. Além, da função devocional e litúrgica os Cristos participavam da maior
manifestação de fé dos irmãos terceiros carmelitas, a Procissão do Triunfo, na sexta-
feira antes do Domingo de Ramos, fechando o tempo da Quaresma435.
No território português, existiu um número considerável de Ordens terceiras
carmelitas. Porém, em apenas duas, é possível encontrar o programa iconográfico com
os Cristos da Paixão nos retábulos laterais e no altar-mor: a Igreja dos Terceiros do
Porto e na de Beja. Neste último caso, o conjunto está incompleto e as esculturas não
possuem o mesmo vocabulário formal. É possível também encontrar os sete Cristos nas
igrejas de Lisboa, Faro, Faial e Tavira. Entretanto eles se acham guardados no seu
interior: sacristia, museu ou dependências autônomas. Nas igrejas de Moura, Viseu,
Évora e Braga, existem exemplares de representações iconográficas distintas.
No Brasil, são catorze igrejas dos terceiros que possuem os sete Cristos e em
treze delas eles fazem parte do programa iconográfico centrado em sete cenas da Paixão
de Cristo, com esculturas localizadas nos altares da nave e altar-mor. Sendo que na
Igreja do Carmo da cidade de São João del Rei, o conjunto está incompleto e as imagens
pertencem a épocas distintas. Os dois casos em que as imagens estão acondicionadas no
interior do edifício, são as igrejas da cidade de Cachoeira, interior da Bahia e na cidade
de Goiana, no estado de Pernambuco. Nesta última, os Cristos, por ocasião da nossa
visita, encontravam-se em uma das salas do Convento, pois a Igreja da Ordem Terceira
estava fechada para obras, mas originalmente fazem parte do programa iconográfico
presentes nos altares. Na igreja da Bahia, estão guardados em um armário específico, na
sacristia.

435
A entrada no tempo da Quaresma é marcada pela Quarta-feira de Cinzas, responsável pelo surgimento
do ritual de imposição das cinzas, e da realização da procissão de Cinzas, pela Ordem Terceira de São
Francisco. Era atribuição das irmandades do Santíssimo Sacramento a elaboração do ofício de imposição
das cinzas. Através dela, o devoto recebia do sacerdote uma marcação na fronte, o sinal da cruz. As
cinzas configuradas em cruz apontavam para a brevidade da vida, para a necessidade de se fazer
penitência e para a promessa de ressurreição àquele que compreendesse a natureza precária do mundo
terreno. Do ponto de vista da cultura material, a procissão de Cinzas foi mais relevante que o ofício
propriamente dito. Mas é interessante ressaltar que ambos apresentam o mesmo fundamento, isto é, a
lembrança da morte - o memento mori, da vaidade humana - o vanitas e do sacrifício. Para maiores
informações, ver: CAMPOS, Adalgisa Arantes, ‘Quaresma e Tríduo sacro nas Minas Setecentistas:
Cultura material e liturgia’, publicado em Revista Barroco, Belo Horizonte, 17(1993/6): 209-219.
232

Trata-se, portanto, de setenta por cento das igrejas dos terceiros do Brasil que
possuem, ainda hoje, os sete Passos da Paixão. Excluíram-se apenas quatro igrejas do
estado de Minas Gerais, os dois casos do Maranhão, que não conseguimos apurar a
existência das Ordens Terceiras e as igrejas das cidades de Olinda e de Vitória, que não
sobreviveram aos anos de abandono.
É importante salientar que as cenas representadas nas igrejas das Ordens
Terceiras do Carmo foram sempre as mesmas, escolhidas dentre os fatos ocorridos nos
últimos dias da vida terrena de Cristo, normalmente chamado do ciclo da Paixão. Os
sete momentos foram transformados escultoricamente, com pequenas variantes de
postura do Cristo. Os principais estudiosos da iconografia cristã, os franceses Émile
Mâle e Louis Réau436, com suas obras de referencia funcionaram como ponto de apoio
para este capítulo. Para a pesquisa do assunto concernente ao mundo ibero-americano,
recorremos também às teses do espanhol Santiago Sebastian437. E, finalmente, ao
estudar o Brasil e o mundo luso-brasileiro, foi fundamental o trabalho sobre o escultor
brasileiro, Antônio Francisco Lisboa, do francês Germain Bazin438.
A principal fonte textual para a representação do Cristo é, sem dúvida, o Novo
Testamento: os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. As quatro narrativas
divergem em alguns pontos, mas narram desde o Anúncio do Nascimento. Perpassam
pela infância, que é mostrada em pequenos flashes. Omitem o período da adolescência e
a primeira fase adulta, enfatizando a vida de Cristo dos 30 aos 33, os anos de maior
atividade. É quando Ele escolhe os seguidores (apóstolos), acontecem os principais
milagres, é processado e morre na cruz em Jerusalém, para a Redenção dos pecados do
mundo. O texto bíblico não acaba na morte, testemunha ainda os atos post-mortem,
pois, como o filho de Deus, Cristo terá o privilégio de ressuscitar e perpetuar-se por
toda a vida.
Aos textos bíblicos haverá complementações de alguns episódios, buscando
informações para as passagens omissas. Utilizará, então, textos não oficiais, chamados

436
MÂLE, Émile, L’art religieux du XIIIe siècle en France. Étude sur l’iconographie du moyen âge et
sur ses sources d’inspiration, Paris, Libraire Armand Colin, 1958. (Assunto desenvolvido na Tese de
doutoramento, Paris, 1899). E, RÉAU, Louis, Iconografia del arte cristiano. Iconografía de la Biblia.
Nuevo Testamento. 5 volumes, Barcelona, Ediciones del Serbal, 2008. (Primeira edição: Iconographie de
l’Art Chrétien, P.U.F., 1957)
437
SEBASTIAN, Santiago, El Barroco Iberoamericano. Mensaje iconográfico, Madrid, Ediciones
Encuentro, 1990. E do memso autor : Contrarreforma y barroco : lecturas iconográficas e iconológicas,
Madrid, Alianza Editorial, 1989.
438
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil, Rio de Janeiro, Record, 1978, p. 220
e 221. (Primeira edição: 1963)
233

de apócrifos, aqueles que a Igreja dos primeiros Concílios não legitimou, mas eram
acessíveis aos artistas, os quais buscavam neles detalhes que pudessem aproximar os
fatos bíblicos do cotidiano dos fiéis.
A representação de Cristo, com ênfase no ciclo da Paixão é relativamente bem
descrita nos Evangelhos. No entanto, existem informações adicionais vindas de fontes
diversas, principalmente, quanto aos episódios narrados de forma resumida. Um bom
exemplo é a cena da Flagelação, que teve, ao longo dos séculos, mudanças significativas
a partir de complementação para o que, nos textos evangélicos, não passava de simples
palavras: flagelação e ou açoite.
Além dessas informações adicionais aos textos bíblicos, uma dificuldade sentida
pelos artistas foi como representar fisicamente o próprio Cristo, já que neste assunto os
textos bíblicos são nulos. Segundo a tradição, os retratos do Cristo podiam ter o caráter
aquiropoetas, isto é, obtidos do contato físico com o próprio Cristo, sem a intervenção
humana ou quiropoetas, isto é, imagens do seu tempo feitas pela mão humana439. Entre
os primeiros, estão os conhecidos dois Sudários, um obtido por Verônica (Vero ícone),
quando limpou o suor da face de Cristo na subida para o Calvário e, o outro, o Sudário
de Turim. Trata-se da mortalha de Cristo, isto é, do tecido utilizado para cobri-lo no
sepultamento, onde ficaram impressas as marcas do seu corpo e das suas feridas440.
O segundo tipo de retrato de Cristo, os quiropoetas, tem como principal
representante o Santo Vulto de Lucca, escultura em madeira atribuída a Nicodemos. O
Santo Vulto de Lucca é, na realidade, um Crucificado, que, segundo a lenda, teve o
corpo esculpido por Nicodemos, e o rosto, por anjos. A história conta que Nicodemos
não conseguia representar a fisionomia de Cristo. Então, numa manhã, por milagre,
encontrou a obra pronta, fruto de trabalho angelical. Ouviu uma voz ordenando-lhe que
a lançasse ao mar. Obediente, assim o fez. A escultura foi parar nas costas da Toscana e,
desde o século VIII, está na cidade italiana de Lucca. Porém, as características, tanto
técnica quanto formal e iconográfica, desmentem a lenda, pois a identificam como
pertencente ao século XII. “É um tipo de Cristo oriental, barbudo e vestido com uma
túnica larga denominada colobium. Para preservar os pés do beijo feroz dos fiéis, os
habitantes de Lucca, tiveram a ideia de calçá-lo com sapatos de prata”441.

439
A palavra aquiropoeta, procede do grego medieval (“mão” e “fazer”ou “criar”), pode ser traduzida por
“feito sem mãos humanas”. O seu contrário é quiropoeta, isto é, feito pela mão humana.
440
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 23-32.
441
Idem, ibidem, p. 30-31.
234

A lenda da escultura feita pelo próprio Nicodemos, o homem que ajudou a


enterrar Cristo, espalhou-se pela Europa, e alguns exemplares de tipologia similar
podem ser listados, como o Senhor Bom Jesus de Matosinhos, estudado por Cerqueira
Pinto na obra História da Prodigiosa Imagem de Christo Crucificado. É provavelmente
a mais antiga escultura de Cristo em madeira existente em Portugal442.
A tradição fixou, nos primeiros tempos, o tipo de Cristo à oriental, em
majestade. Só no final da Idade Média, surgiu o Cristo sofredor e dramático, devido à
influência da nova devoção e moralidade, introduzidas pelas ordens mendicantes.
Particularmente no norte da Europa, surgirá o exemplo do Crucificado dramático e
sofrível, como o da famosa pintura do painel central do altar de Isenhein, de Mathias
Grünewald, hoje no Museu em Colman, na Alemanha. A tipologia definida na península
ibérica será a do Cristo esguio e macérrimo, de aspecto dramático, realçado pelas
feridas expostas ao longo do corpo, acrescido de perucas e de saiotes naturais. Trata-se
de uma representação do Cristo já morto, preso à cruz, portando a coroa de espinhos na
cabeça. Os perizônios de tecido natural, que podiam ter comprimento longo, como o do
Senhor de Matosinhos, encobriam similar de madeira entalhada.
No entanto, as primeiras representações do Cristo, ainda nas catacumbas
romanas, foram sob a forma simbólica. Até o século IV, predominou a forma
zoomórfica, peixe ou cordeiro, e antropomórfica, como Mestre, Pescador de almas ou
Bom pastor. A partir do século V, quando o cristianismo torna-se a religião oficial do
império Romano, o Cristo simbólico perderá terreno para o Cristo sob a forma Humana.
A arte começará a buscar o retrato do verdadeiro Cristo e surgirá, então, o
problema do seu desconhecimento, pois os textos evangélicos nada dizem sobre a
aparência física do Cristo. Do Oriente, veio o Cristo vivo, de cabelos compridos e
longas barbas, como o Santo Vulto de Luca, em alusão à passagem dos Juízes (13:5)
quando relacionaram Sansão com uma das prefigurações de Jesus: “[...] a cabeça não
levara navalha, porque o menino será nazareno, consagrado a Deus desde o ventre de

442
Para maiores esclarecimentos, ver a obra do próprio CERQUEIRA PINTO, Antonio, História da
prodigiosa imagem de Christo Crucificado que com o título de Bom Jesus de Bouças se venera no lugar
de Matozinhos, na Luzitana, Lisboa Occidental, Na Officina de Antonio Isidoro de Fonseca, 1737. E
ainda os textos de FERREIRA, J. A. Pinto, A escultura do “Bom Jesus de Bouças”. (Nótula histórica e
etnográfica), Porto, Edições Marânus, 1958; CLETO, Joel, ‘Nicodemos e o Senhor de Matosinhos,
emergências de um mito europeu’, publicado em JORGE, V. O. e MACEDO, J. M. C. (Orgs.), Crenças,
Religiões e Poderes. Dos indivíduos às sociabilidades, Porto, Afrontamento, 2008. (Coleção Biblioteca
das Ciências Sociais/Antropologia; 13), p. 385-392. Disponível em
http://joelcleto.no.sapo.pt/textos/Matosinhos/NicodemoseSenhorMatosinhos. E ainda de MANIÉS,
Alexandre, O Crucificado Bom Jesus de Matosinhos. Estudo técnico e restauro de uma escultura
medieval, Tese de mestrado apresentado a Universidade Católica, Porto, 2014.
235

sua Mãe [...]”. Essa tradição se conserva até os dias de hoje na Igreja Grega, onde
papas e monges não cortam os cabelos nem a barba.
No Ocidente, veremos conviver o Cristo do tipo oriental, com um Cristo jovial e
imberbe, em Majestade ou Bom Pastor, cuja origem está nos modelos clássicos. Um
exemplo muito interessante é o da Basílica de São Vital em Ravena. Neste monumento,
é possível encontrar os três tipos de representações do Cristo: no mosaico da abside,
Cristo é representado jovem (imberbe) em Majestade, franqueado por dois anjos e pelo
orago da igreja, São Vital e Santo Eclésio. Seguindo em direção à nave, sob o arco
cruzeiro, existem 13 medalhões figurativos. No central, vemos Cristo de cabelos longos
e barba, ao gosto oriental, ladeado por seis outros santos, incluindo São Paulo e São
Pedro, simetricamente. E, finalmente, na cúpula da capela-mor, encontra-se o Cordeiro.
É um interessante exemplo de três representações simbólicas do Cristo, em um único
monumento, mostrando a influência de diferentes culturas numa determinada região e
época da Europa.
Nos seus estudos, Émile Mâle e Louis Réau dividem o ciclo temático da vida de
Cristo em três fases: Infância, Vida Pública e Paixão. Na Idade Média, a infância de
Cristo recebeu um tratamento especial, pois havia uma ênfase na devoção ao menino
Jesus e a sua mãe, a Virgem Maria. As representações da vida pública não passavam de
duas ou três cenas, tendo o Batismo no rio Jordão, como a principal. E, finalmente, a
Paixão: iniciava-se com a entrada triunfal em Jerusalém, seguia-se a Ceia, podendo vir
acompanhada do lava-pés, e terminava com a Crucificação, a parte terrena. O
importante era realçar a sequência posterior à morte de Cristo: a Descida da cruz, a
Ressurreição, a Descida ao limbo, as Aparições de Cristo à Virgem, a Madalena, a
Tomé e outros e, finalmente, a sua Ascensão. Não houve, até fins da Idade Média,
necessidade de representar Cristo humilhado, açoitado e crucificado. Este último,
quando representado, terá o aspecto de um Cristo triunfal, só aparecerá morto na cruz, a
partir do século XIII443.
Para o historiador Louis Réau, o ciclo da Paixão de Cristo só teve um papel
privilegiado na arte cristã, a partir do fim da Idade Média, convertendo-se, ao longo dos
séculos seguintes, no principal tema. As razões para isso foram o seu caráter dogmático
e litúrgico. Os sacrifícios da Redenção e da Ressurreição são os dois dogmas essenciais

443
MÂLE, Émile, L’art religieux du XIIIe siècle en France..., op. cit., p. 91-102.
236

do cristianismo, ao mesmo tempo em que a Semana Santa, finalizada no Domingo de


Páscoa, assinala o principal momento do ano litúrgico para os cristãos444.
Ainda, segundo Réau, era comum acrescentar alguns acontecimentos anteriores
e posteriores à Paixão propriamente dita, dividindo o período em três fases distintas:
prólogo, drama e epílogo. O prólogo compreenderia as cenas da entrada de Cristo em
Jerusalém, a expulsão dos mercadores do templo e a ceia com a instituição da
Eucaristia. Do drama, fariam parte os acontecimentos da Semana Santa: a Prisão, o
processo religioso e político de Jesus diante de Pilatos e o suplício na Cruz. E,
finalmente, no epílogo, teríamos o desenlace da tragédia com a descida da cruz, a
lamentação, o enterro e a ressurreição445.
A entrada em Jerusalém, narrada pelos quatro evangelistas (Mateus, 21: 1-11;
Marcos, 11: 1-10; Lucas 19: 29-40; João, 12: 12-19), comemora-se no Domingo de
Ramos, com palmas (ramos), plantas típicas da época pascal. A Santa Ceia é o começo
do ciclo eucarístico, inicia-se com o lava-pés (João 13: 1-20), segue-se a ceia
propriamente dita, com o anúncio da Paixão e a instituição da eucaristia ou a comunhão
dos apóstolos.
A partir do século XIV, começaram a surgir séries de representações da Paixão
de Cristo, englobando uma boa parte dos episódios narrados nos Evangelhos, mas
também alguns de inspiração apócrifa, como as séries do artista alemão, Albrecht Dürer,
as gravuras dos irmãos Wierix para a obra do Padre Nadal e posteriormente, as Bíblias e
livros religiosos com gravuras dos Klauber, como veremos no próximo subitem.
A predileção por representar as cenas do processo que levaram ao sofrimento
físico de Cristo na cruz é um sintoma típico do século XIV e XV, instituído pela nova
espiritualidade do século XIII, pois se buscava um Jesus mais humano, e não o Cristo
Rei, símbolo da Redenção. Até o século XII, a Crucificação tinha um caráter simbólico,
comparava Cristo com o Novo Adão e Maria com a Nova Igreja.
Os principais livros manuscritos do período medieval, os exemplum446, tais como
a Legenda Áurea de Jacopo de Varazze, seguiam tal sequência. Este último era o
compêndio de tudo aquilo que deveria ser lido pelo fiel, ou seja, um conjunto de textos
de grande valor moral e pedagógico, que acompanhava a sequência da Vida de Cristo e
misturava a ela narrativas das vidas de alguns santos do período, mesclando, portanto,

444
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 444-447.
445
Idem, ibidem, p. 410.
446
Exemplum era um relato breve dado como verídico e destinado a ser inserido em um discurso. Podia
ser um sermão, para convencer uma audiência através de uma lição salutar.
237

realidade histórica com eventos fantásticos e inverosímeis. O livro é iniciado com as


festas do tempo da renovação (advento do Senhor), tempo da reconciliação e parte da
peregrinação (Natividade, Circuncisão e Epifania), festas do tempo do desvio
(septuagésima, sexagésima, quinquagésima e quadragésima, o jejum dos quatro tempos,
purificação da Virgem, anunciação e a Paixão do Senhor). A seguir, vinham as festas do
tempo da reconciliação (ressurreição, ascensão e Espírito Santo) e, finalmente, as festas
do tempo da peregrinação447.
Será essa necessidade de seguir o exemplo de Cristo que fará surgirem, no
século XIII, as ordens mendicantes, dando origem a um novo tipo de espiritualidade,
cujo principal representante foi São Francisco de Assis. Os séculos XVI e XVII
reviverão esse gosto pelo ascetismo, herança do virtuosismo espiritual, enredado
principalmente pelos místicos, motivo de muitos programas decorativos das igrejas e
tema desenvolvido pela Ordem Carmelita, através dos exemplos de Santa Teresa de
Ávila e São João da Cruz.
Os santos foram testemunha da possibilidade de redenção individual e autônoma
do homem na imitação de Cristo. Os calvários, especialmente as vias sacras, eram
organizados em perspectiva, desenvolvendo o conceito dos sentidos e das virtudes,
símbolo físico do caminho da virtude no exemplo do sofrimento de Jesus448.

4.1 Fontes iconográficas: livros ilustrados e estampas.

“[...] as imagens artísticas são sempre um testemunho estético dotado de muitos


sentidos. Elas apresentam - se ao nosso olhar com significações distintas e com
variados traços de comunicabilidade que se expressam tanto no plano da sua estrita
conjuntura de tempo e de espaço como, sobretudo, no plano de uma dimensão trans-
contextual que lhes confere novos níveis de leitura”449.

A utilização de documentos iconográficos (documentos imagéticos) como fonte


de inspiração para a confecção de obras artísticas, particularmente pinturas, mas

447
VARAZZE, Jacopo de, Legenda Áurea. Vida de santos, São Paulo, Companhia das Letras, 2013.
Tradução do latim, apresentação, notas e seleção iconográfica: Hilário Franco Junior. (Primeira edição:
Jacopo de Varazze. Arcebispo de Gênova, c. 1229-1298).
448
Para maiores detalhes sobre o imaginário do barroco português, ver o verbete publicado em PEREIRA,
José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p.
231-233.
449
SERRÃO, Vítor, A trans-memória das imagens. Estudos iconológicos de pintura portuguesa (séculos
XVI-XVIII), Lisboa, Edições Cosmos, 2007, p. 7.
238

também azulejos tem sido objeto de pesquisa pelo menos nos últimos 50 anos. No
Brasil, o estudo inicia-se, na década de 40 do século passado, com o trabalho pioneiro
sobre gravuras e pinturas do período colonial da pesquisadora do IPHAN, Hannah
Levy450. Por longo tempo, poucos foram os acréscimos a esse trabalho. Porém, se o
objeto de pesquisa for substituído por acervos escultóricos, em particular pelas
esculturas devocionais, muito pouco foi publicado, tanto no que se refere à arte
portuguesa quanto à luso-brasileira, dos séculos XVII e XVIII.
Neste estudo, entendemos documento iconográfico/imagético como todas as
obras figurativas, preferencialmente de caráter religioso, que tenham como suporte o
papel e possibilitem a reprodução (tiragens) de forma manual ou mecânica.
Descartamos desta tese os desenhos e as reproduções de motivo ornamental e os
tratados teóricos sobre arquitetura de Serlio, Vignola, Palladio e Scamozzi.
As reproduções figurativas religiosas podiam cumprir diferentes funções, desde
servir de inspiração para novas obras de arte a se tornarem elas mesmas o objeto
devocional. No primeiro contexto, encontram-se os livros litúrgicos ilustrados, tais
como Missais e Bíblias, com reproduções feitas de obras dos grandes mestres do
Renascimento, Maneirismo e Barroco e as séries de gravuras devocionais, publicadas
em álbuns temáticos confeccionados a partir de um tema central, normalmente a vida de
um santo.
Era através das gravuras que o grande público conhecia as obras-primas dos
principais representantes da pintura renascentista e barroca, disseminadas pela Europa.
Um bom número de gravadores de todos os países dedicou-se a reproduzir pinturas,
monumentos e ruínas da Itália. Rubens foi um dos que mais se interessou em ter as suas
obras difundidas através das gravuras, chegando a patrocinar uma oficina de gravadores
encarregados de copiar suas obras451.
No caso dos álbuns iconográficos, as gravuras tinham também a função de fixar
o tipo iconográfico, isto é, de recomendar assuntos mais pertinentes para serem
representados a partir da vida de um santo recém-canonizado ou não. Encomendava-se a
confecção de estampas com passagens e cenas de sua vida que merecessem ou
devessem ser retratadas segundo a ortodoxia.

450
LEVY, Hannah, ‘Modelos europeus na pintura colonial’, publicado em Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, vol. 8, Rio de Janeiro, 1944.
451
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, O aparecimento do livro, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000, p. 143. (primeira edição Paris, 1958).
239

No segundo contexto, encontram-se basicamente as gravuras conhecidas como


‘registros de santos’, objetos devocionais, típicos da devoção popular, que eram
oferecidos como lembrança para peregrinos nos santuários sagrados. Com o tempo,
ganharam status de obras, sendo vendidos separadamente, independentemente da data
festiva ou não. Podiam ainda receber invólucros decorados.
Os documentos textuais e iconográficos tiveram um grande desenvolvimento a
partir da segunda metade do século XV, graças ao surgimento dos caracteres móveis e
ao aumento da produção de livros e de obras impressas. Isso ocasionou um crescente
estímulo à formação intelectual e individual, no humanismo incipiente. Livros e
estampas produzidos por grandes tipógrafos do Norte da Europa - tradicional na arte
tipográfica – principalmente nas cidades de Antuérpia, Nuremberg e Augsburgo
reforçam o papel de centro de produção e reprodução da imagem, transformando-se
numa atividade comercial em escala internacional452.
A Igreja vai utilizar esse mecanismo com a intenção de divulgar certos padrões
condizentes com o dogma estabelecido. O Concílio de Trento procurou reforçar o poder
da imagem no discurso religioso. As gravuras e as estampas tornaram-se, então, agentes
divulgadores das ideias e dos padrões iconográficos. Tinham a vantagem de ser
reproduzidas e disseminadas sem grandes custos, possibilitando que o “[...] código
imagético [fosse] vigiado de perto pelas autoridades eclesiásticas, seguindo as normas
correntes em todas as oficinas da época [...]”453.
Portanto, as gravuras eram produzidas a baixo custo, a partir de grandes tiragens.
Seu transporte era fácil e rápido, resistiam bem aos trâmites das viagens e podiam ser
armazenadas com facilidade. Utilizadas como fonte de informação para estimular a
criatividade dos artistas na Europa, elas também chegaram com facilidade à América
recém-colonizada, oferecendo um repertório de cenas que garantiam a fixação do tipo
iconográfico, convertendo-se, assim, num mostruário europeu para os artistas coloniais.
O estudo das estampas e gravuras como fonte de inspiração para as obras de arte
foi retomado com maior acuidade nos primeiros anos do século XXI, na História da
Arte. Em Lisboa, Portugal, no ano de 2009, ocorreu o terceiro Colóquio de Artes
Decorativas, cujo tema foi Iconografia e fontes de inspiração – imagem e memória da
gravura europeia. Apesar de ter versado inteiramente sobre o assunto, em apenas duas

452
RUGGERI, Ugo, Dürer, Lisboa, Editorial do livro, 1979, p. 12.
453
MOURA, Carlos, ‘Uma poética da refulgência: a escultura e a talha dourada’ publicado em História
da Arte em Portugal. O limiar do Barroco, vol. 8, Lisboa, Alfa,1986, p. 95.
240

das conferências, tentou-se abordar as obras escultóricas. O Colóquio se dividiu em


cinco sessões, cada uma focando setores das ‘artes decorativas’. Privilegiaram-se os
azulejos, em seguida, o mobiliário e a tapeçaria, estuque e pintura mural; prataria e
ferros etc., além de duas conferências, a da abertura com a especialista em estuques,
Isabel Mayer Godinho Mendonça e a de encerramento com Vítor Serrão sobre a pintura
maneirista em Goa. As duas comunicações sobre escultura ocorreram na quinta seção,
uma versava sobre retábulos e a outra tratava da escultura em marfim, de pequena
dimensão. A segunda da pesquisadora Conceição Borges de Sousa traçou um perfil das
esculturas em marfim e as possíveis influências de gravuras europeias454.
Ainda em 2009, Vítor Serrão publicou o artigo Os programas imagéticos na arte
barroca portuguesa: a influência dos modelos de Lisboa e a sua repercussão nos
espaços luso-brasileiros, trabalho denso e erudito sobre a influência das gravuras nas
artes dos séculos passados visando ao estudo integrado de um patrimônio artístico
comum, estudo esse que impõe o conhecimento conjunto e a discussão alargada455.
Estudos específicos podem ser encontrados ainda nas pesquisas doutorais de
Patrícia Roque de Almeida456 e de Lúcia Marinho457. A primeira trabalhou com
gravuras e azulejos, numa linha muito interessante, conseguindo identificar a origem de
alguns azulejos, através do estudo comparativo com as fontes de inspiração 458. E a
segunda, doutoranda da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, pesquisa

454
SOUSA, Conceição Borges de, ‘A mensagem e a imagem. A influência da gravura europeia nos
marfins orientais’ publicado em MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho e CORREIA, Ana Paula Rebelo
(coord), Iconografia e fontes de inspiração. Imagem e memória da gravura europeia, Actas 3º Colóquio
de Artes Decorativas, Lisboa, Museu de Artes Decorativas Portuguesas/ Fundação Ricardo do Espírito
Santo Silva, 2011, p. 243-256.
455
SERRÃO, Vítor, ‘Os programas imagéticos na arte barroca portuguesa: a influência dos modelos de
Lisboa e a sua repercussão nos espaços luso-brasileiros’, estudo publicado em SOARES, Maria Micaela
(dir.), MECO, José (coord.), Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (número especial de
homenagem a Irisalva Moita), IV série, n.º 95, 1º tomo, s.l.: s.e., 2009, p. 149–186.
456
ALMEIDA, Patrícia Roque de, ‘Azulejaria do claustro do cemitério do Mosteiro de São Marinho de
Tibães. Os painéis perdidos’, publicado em PATRIMONIO Estudos, nº 10, Lisboa, IPPAR / Instituto
português do Patrimônio Arquitectonico, 2007, p. 71-80 e, ainda da própria autora, a dissertação de
Mestrado O azulejo do século XVIII na arquitetura das Ordens de São Bento e de São Francisco no Entre
Douro e Minho, Porto, Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, 4 v., 2004.
457
MARINHO, Lúcia, ‘Carmelitas Descalços: representação dos fundadores da Ordem em três painéis de
azulejos’, publicado em GlazeArch2015 International conference Glazed ceramics in architectural
heritage, p. 41-55. Disponível em https://www.academia.edu/13793179/, acessada em 16/12/2015. Sobre
o assunto, ver outros artigos publicados por Lúcia MARINHO, atualmente para o doutoramento com o
tema: Santa Teresa de Jesus na azulejaria e pintura do século XVIII. Orientada pelo Professor Dr. Vítor
Serrão, na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa.
458
ALMEIDA, Patrícia Roque de, ‘A abordagem das fontes iconográficas da azulejaria portuguesa’,
publicado em João Miguel dos Santos Simões. 1907-1972. Investigador, Museólogo, Historiador do
Azulejo e da Cerâmica, Lisboa, Ministério da Cultura/ Instituto Português dos Museus e da Conservação
/ Museu Nacional do Azulejo, 2007, pp. 107-117.
241

gravuras e azulejos, e a importância dos álbuns temáticos para a fixação dos programas
iconográficos da recém-instituída Ordem dos Carmelitas Descalços, nas figuras de
Santa Teresa e São João da Cruz.

Quanto à pesquisa no Brasil, assim como em Portugal, o assunto tem despertado


atenção de pesquisadores. Porém, mais uma vez, os estudos restringem-se ao acervo
pictórico e arquitetônico. Sabe-se que no Brasil do século XVIII circulavam diferentes
tipos de fontes impressas de gravuras e estampas, desde os tratados teóricos de
arquitetura e ornamentação, os manuais técnicos, até séries de gravuras ornamentais e
estampas, avulsas ou inseridas nos livros litúrgicos. Essas publicações chegavam ao
Brasil via Portugal e faziam parte dos espólios de alguns artistas da época colonial,
como se pode ver no testamento de artistas459 e nos registros das principais
bibliotecas460.
Na literatura brasileira, como já foi mencionado, o estudo mais abrangente é o da
historiadora do IPHAN Hannah Levy, que infelizmente produziu poucos frutos.
Trabalho extenso, a pesquisa relacionou a pintura colonial carioca e os respectivos
modelos europeus, utilizando-se de análise documental a partir do acervo da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Outro estudo com pouca divulgação é o da pesquisadora
Áurea Pereira da Silva, Notes sur l’influence de la gravure flamande dans la peinture
coloniale de Rio de Janeiro, monografia produzida na Université Catholique de
Louvain, em 1971, que continua inédita no Brasil, tendo apenas sido divulgada por um
pequeno artigo na Revista Barroco461.
Em 2005, realizou-se, em Ouro Preto, o IV Congresso Internacional do Barroco
Ibero-Americano, com alguns artigos sobre fontes iconográficas, estampas e gravuras
como inspiradoras para obras de arte, porém mais uma vez o enfoque é sobre a
produção pictórica, e resumiu-se à região das Minas Gerais. Em 2011, a Universidade

459
O inventário de bens do pintor mineiro Manoel da Costa Athaíde, falecido em 1830, relaciona um
‘Dicionário francês’, ‘hum livro da Bíblia estampado’ e ‘hum dito Segredo das Artes’ em dois tomos.
460
Como é o caso da Bíblia de Demarne, ou Histoire Sacrée de Ia Providence et de la Conduite de Dieu
sur les Hommes Depuis le commencement du Monde jusqu’aux Temps prédits dans l’ Apocalypse, Tireé
de l’ Ancien et du Nouveau Testament Representée, En cinq cent Tableaux Gravez d’ aprés Raphael et
autres grand maitres et Expliquée par des paroles même de I’Ecriture en Latin et en François, 3 volumes
in qto Dédieé a La Reyne Par Demarne Architecte et Graveur Ordre de Sá Magesté, publicada em Paris,
em 1728-30, pertencente à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. A obra é composta de 500 gravuras.
Como o próprio autor introduz no título, 52 delas foram inspiradas em trabalhos de Rafael no Vaticano.
Podiam ainda ser adquiridas separadamente.
461
SILVA, Áurea Pereira da, ‘Notas sobre a influência da gravura flamenga na pintura colonial do Rio de
Janeiro’, Revista Barroco, Belo Horizonte, n.10, p.35-59, 1978/1979.
242

Estadual de Campinas realizou o Seminário internacional Imagem e modelo.


Constituição e recepção da tradição impressa nas artes e na arquitetura, demonstrando
interesse na retomada do tema. E ainda podemos citar, o interesse sobre o assunto de
professoras como as Doutoras Adalgisa Arantes Campos da Universidade Federal de
Minas Gerais e Maria Beatriz de Melo Souza, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, que desenvolvem linhas de pesquisa direcionadas ao tema, incorporando alunos
em projetos de extensão, dissertações e teses de doutoramento462.
Quando se muda o foco dos acervos pictóricos para os escultóricos, praticamente
não existe literatura no Brasil. Exceções são os trabalhos de Myriam Andrade Ribeiro
de Oliveira, de 1979, publicado no jornal O Estado de São Paulo e intitulado Gravuras
europeias e o Aleijadinho, no qual a autora relaciona as obras escultóricas de Antonio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho do Santuário de Congonhas às gravuras da Biblia de
Delamare463. Neste mesmo periódico, ainda se podem encontrar alguns textos
relacionando fontes de inspiração a problemas iconográficos e de atribuição, tais como
os de Santiago Sebastián464 e Luís de Moura Sobral465.
Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, desde fins do século XVII,
Augsburgo assumiria posição de liderança no mercado internacional da estampa,
principalmente no setor das gravuras ornamentais, vendidas em folhas soltas ou em
séries destinadas a servir destinadas a servir de modelo aos estucadores, pintores,
ourives, marceneiros e outros profissionais das “artes decorativas”. A influência das
gravuras de Ausgsburgo foi decisiva, tanto na divulgação na Alemanha do regência e
do rococó franceses, quanto na elaboração e divulgação européia do rokokó

462
Orientandos da professora Doutora Adalgisa Arantes Campos: Alex Fernandes Bohrer e Camila F. G.
Santiago. Do primeiro: BOHRER, Alex Fernandes, Um Repertório em reinvenção: apropriação e uso de
fontes iconográficas na pintura colonial, publicado em Revista Barroco, 19, Belo Horizonte, Centro de
Pesquisas do Barroco Mineiro, 2005 e BOHRER, Alex Fernandes, ‘Mecenato e Fontes Iconográficas na
Pintura Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34’, publicado em Anais do XXIV Colóquio do Comitê
Brasileiro de História da Arte, Belo Horizonte, 2004 e a Tese de doutoramento: A Talha do Estilo
Nacional Português em Minas Gerais: Contexto sociocultural e produção artística, (2015). A professora
Doutora Maria Beatriz de Melo Souza tem uma linha de pesquisa Arte e Devoção: cinco séculos de
história do livro religioso ilustrado, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, que estuda os livros de temática cristã produzidos na Europa entre os séculos XIV-
XVIII, ilustrados com iluminuras pintadas ou gravadas.
463
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, ‘Gravuras europeias e o Aleijadinho’ publicado em O Estado de
São Paulo, Suplemento Cultural, Vol. 136, número III, 10/06/1997, p. 3-4.
464
SEBASTIÁN, Santiago, O programa iconográfico de Congonhas do Campo: integração do Brasil na
espiritualidade da contra-reforma, publicado na Revista BARROCO, 12, Minas Gerais, UFMG, 1989, p.
259-269.
465
SOBRAL, Luis de Moura, A Madalena da Crucificação de Congonhas: uma discrepância
iconográfica ou um passo esquecido?, o estudo foi publicado na Revista BARROCO, 12, Minas Gerais,
UFMG, 1989, p. 191-196.
243

germânico, subsidiário do rocaille francês, mas com características próprias, entre as


quais o modelado vigoroso da rocalha e demais temas ornamentais, traduzidos em
escala monumental na decoração466.
No contexto da estampa figurativa religiosa, que serviu de inspiração para as
esculturas, no século XVIII, não podem ser esquecidas as gravuras dos populares
irmãos Klauber [José (1710-1768) e João Batista (1712-c. 1787)], gravadores oficiais de
Augsburgo, destinadas à ilustração de bíblias, missais e outros livros sacros ou à edição
de registros avulsos. A difusão e a influência das gravuras Klauber na Península Ibérica
e na América Latina foram assinaladas por autores como Martin Soria, Robert Smith e
Santiago Sebastián e, mais recentemente, pelas pesquisadoras, Marta Fajardo de Rueda,
Clara Bargelloni e Vives Mejía. Artigos desses autores e de outros podem ser vistos a
partir do projeto PESSCA, Project on the engraved sources of Spanish colonial art,
especializado em temas que relacionam gravuras e arte [pinturas] da América
Espanhola467.
Com relação a Portugal e ao Brasil, apesar da ausência de levantamentos
específicos, existem gravuras com a assinatura “Klauber Catholici – A.V. – Augusta
Vindelicorum”, tanto na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro quanto nos arquivos da
Cúria de Mariana (Ladainha Lauretana)468. Em Portugal, o pioneiro no estudo das
gravuras e dos registros de santos, foi o professor Ernesto Soares, com o inventário da
coleção da Biblioteca Nacional, diz ser [...] curioso notar-se que os registos, onde mais
predominam essas personificações [obras figurativas], são os de origem alemã e estão
aqui representados, profusamente, pelos artistas Engelbrecht, van Merlen e Klauber,
que sempre se fazem acompanhar do qualificativo Cath. (católico) em perfeito
antagonismo com os gravadores protestantes que enxameavam o mercado austríaco469.

466
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso… op. cit., p. 91-92.
467
Ver, entre outros, as obras de RUEDA, Marta Fajardo de, ‘Del grabado europeio a la pintura
americana’, publicada em Historelo, 2011, p. 191-214; BARGELLONI, Clara, ‘Difusión de modelos:
grabados y pinturas flamencos e italianos en territorios americanos’ publicado em HACES, J. Gutiérrez
(Ed.), Pintura de los Reinos: Identidades compartidas. Territórios del mundo hispánico, siglos XVI-
XVIII, Madrid, 2010, p. 964-1007 e MEJÍA, Vives, El arte colonial y lós grabados , 2010, p. 58-60. Ver
ainda, sobre o assunto, os artigos indicados no site Project on the Engraved Sources of Spanish Colonial
Art (PESSCA): <http://colonialart.org/resources/printed>
468
OLIVEIRA, Myriam, op. cit., p. 91-97. DORNN, Francisco Xavier, Letania Lauretana de la Virgen
Santissima, Valencia, 1768. (Edição facsimilar de 1980).
469
SOARES, Ernesto, Inventário da colecção de registos de santos, Lisboa, 1955, p. XVII.
244

4.1.1 Os livros ilustrados

Na Idade Média, os livros ilustrados eram verdadeiras obras de arte, peças


únicas, reproduzidas manualmente, nos scriptorium dos conventos e mosteiros
europeus. Com o surgimento da imprensa, os livros passam a ser produzidos
mecanicamente, em maior escala, incluindo as suas ilustrações.
As técnicas reprodutivas de imagens [figuras e objetos] já existiam anteriormente
à impressa, tinham por base a xilogravura. Alguns autores querem crer mesmo que foi, a
partir dos livros xilográficos, que se desenvolveu a imprensa, porém, Lucien Febvre é
contundente em afirmar que o desenvolvimento de ambos pertencem a áreas distintas.
Enquanto a xilogravura é obtida pelo entalhe do desenho ou dos caracteres em um bloco
de madeira, a imprensa utiliza caracteres de metal, consequência da experiencia dos
ofícios dos ourives, criando punções mais resistentes que permitem um maior número
de cópias470.
O próprio Gutenberg foi ourives antes de desenvolver a tecnologia que permitiu o
surgimento da imprensa. Podemos, no entanto, conjecturar que o desenvolvimento da
impressa pode ter inspirado o uso do metal como suporte para a reprodução de imagens.
“Foi na Itália, que se multiplicaram as estampas a buril, gravadas por artistas ciosos
de rivalizar com os pintores, transforma-se o estilo das gravuras de madeira destinadas
à ilustração dos livros; em Veneza, por exemplo, a partir de 1500, multiplicam-se as
meias-tintas, que tantas vezes prejudicaram a pureza do desenho e retiram à prancha
uma parte do seu caráter”471. A técnica xilográfica é ultrapassada em fins do século
XVI, a impressão de cópias a partir da madeira vê diminuir a sua importância na
ilustração dos livros, salvo para os livros de venda ambulante472.

Os livros ilustrados utilizados no ritual litúrgico: Sacramentário, Missais e Bíblias


foram importantes na divulgação de tipos iconográficos. O primeiro de todos, o
Sacramentário473, era específico para o uso do celebrante, sendo considerado o ancião

470
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 56-60.
471
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 136.
472
Idem, ibidem, p. 141. Em pleno século XXI, ainda existem pequenos livros feitos a partir de matrizes
entalhadas na madeira, no nordeste brasileiro, na chamada, literatura de cordel. As novas tecnologias
estão mudando o paradigma, mas ainda é possível encontrar exemplares feitos a partir desse processo,
porém, ele se encontra em plena decadência.
473
O Sacramentário continha as orações recitadas pelo celebrante durante a missa cantada (colecta,
postcomunio e o canon da missa). In: FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria da Graça,
Dicionário do livro, Coimbra, Almedina, 2008, p. 1102
245

do Missal. Continha as fórmulas e as leituras do ato litúrgico. Como eram manuscritos,


restam poucos exemplares nas bibliotecas. A passagem do Sacramentário ao Missal se
deu no fim do século X474.
O Missal475 (Missale Romano) servia para orientar os religiosos nos ritos
cotidianos e era composto de diversas partes, sendo as mais importantes, o santoral e o
temporal476. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, as ilustrações destes livros entravam na
separação das partes e dos capítulos. Independentemente do ano ou local da edição, os
missais da era Moderna apresentam ilustrações com a mesma temática iconográfica, a
partir de uma sucessão de episódios da vida de Cristo, acompanhando o ano litúrgico:
Anunciação, Adoração dos pastores (Natividade), Adoração dos Reis Magos
(Epifania), Santa Ceia, Crucificação, Ressurreição, Ascensão de Cristo, Pentecostes,
Assunção da Virgem, Adoração do Cordeiro Místico ou Santíssima Trindade adorada
pelos santos.
Os temas foram fixados pela influência da obra do Padre jesuíta Hieronymo Natali
(Jerónimo Nadal), Evangelicae Historiae Imagenes477, publicado em Antuérpia, em
1593478. Edição “[...] ornada com cento e cinquenta e três estampas gravadas pelos
irmãos Wierix e outros artistas, segundo desenhos de Maerten de Vos, Bernardino

474
ALBARIC, Michel e DEBERT, Aline, ‘Décor et images des missels de rite latin’, publicado em
CARACCIOLO, Maria Teresa e LE MEN, Ségolène, L’Illustration, essais d’iconographie, Histoire de
l’art et iconograhie, collection dirigée par catherine MONBEIG GOGUEL. Klincksieck, 91-101.
475
Missal é o manual litúrgico que contém as partes recitadas e cantadas da missa para os dias do ano e as
festas religiosas, com a indicação das cerimônias que as acompanham. Os primeiros missais apareceram
nos finais do século X, início do XI. Durante este século, convivem com o sacramentário, mas, no
decurso do século seguinte, este desaparece em favor do missal. O Missal romano era utilizado para o
culto segundo o rito romano. In: FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria da Graça,
Dicionário do livro. Da escrita ao livro electronico, Coimbra, Almedina, 2008, p. 781.
476
Sanctorale, seção do livro litúrgico que contém os textos para as celebrações das festas dos santos,
exceto para aquelas que caíam entre 24 de dezembro e 13 de janeiro, também conhecidas sob o nome
próprio dos santos; [...] as celebrações natalinas, eram incluídas no Temporale, normalmente uma seção
separada nos manuscritos litúrgicos medievais. In: FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria
da Graça, Dicionário do livro... op. cit., p. 1105.
477
NATALI, Hieronymo (Societatis IESV, Theologo), Evangelicae Historiae Imagines Ex ordine
evangeliorum, qua Toto anno in Missae Sacrificio recitantur, In ordinem temporis vitae Christi digestae,
publicado em Antuerpia em 1593.
478
PEREZ, Marie-Félicie, ‘L’Illustration des ouvrages liturgiques édités à Lyon aux XVIIe et XVIIIe
siècles’, publicado em CARACCIOLO, Maria Teresa e LE MEN, Ségolène, L’Illustration, essais
d’iconographie, Histoire de l’art et iconograhie, collection dirigée par catherine MONBEIG GOGUEL.
Klincksieck, 104-113. A autora conclui que havia o uso indiscriminado de gravuras, que podiam ser
cópias ou simplesmente inspiradas nas gravuras mais antigas, principalmente as desenhadas e esculpidas
pelos irmãos Wierix, assim como gravuras inspiradas e gravadas a partir das pinturas de Rubens.
Reproduções feitas para a família Galle não tinham a preocupação de informar a origem da fonte de
inspiração. O processo era fazer novas provas de antigas gravuras, por outros gravadores, reimprimi-las
com os nomes dos novos gravadores, perdendo, assim, a fonte original. Porém, a partir de um estudo
comparativo, facilmente se identifica a gravura original.
246

Passeri e Antón Wierix. [...]”479. Exemplares desta obra chegaram às livrarias dos
Colégios jesuíticos de todos os continentes, da China à América.
As Bíblias estavam presentes em todas as igrejas e ganharam uma maior
divulgação para o público leigo a partir dos exemplares traduzidos nas línguas
vernaculares, nos séculos XV e XVI. Bíblia é o nome comumente empregado para o
conjunto de textos do Antigo e Novo Testamento. Existiram exemplares manuscritos e
iluminados, porém, a mais famosa é a conhecida como Bíblia de 42 linhas, que foi
considerada o primeiro livro impresso, em latim, por Johan Gutenberg, John Füst e
Peter Schöffer em Mogúncia, entre 1450-55.
Entre os exemplares ilustrados, tornou-se célebre a tipologia conhecida como
Biblia Pauperum (Bíblia dos pobres), cuja primeira edição, de 1430, foi considerada o
mais antigo livro religioso xilográfico. Consistia numa série de miniaturas ilustrando
cenas da vida do Cristo acompanhadas de cenas do Antigo Testamento e figuras dos
profetas. Alguns autores dizem que foram populares no meio do clero inculto e dos
leigos, pelo seu caráter didático. Outros, porém, acreditam que se destinavam aos de
maior poder econômico, pois eram edições volumosas e caras480.
As primeiras ilustrações feitas no suporte madeira (xilogravuras) se
caracterizavam por apresentar um desenho ingênuo e ser impressas apenas em um dos
lados do papel. “Admite-se a hipótese de que este expediente servisse também ao padre
como uma espécie de referência ou guia temático que funcionava como ponto de
partida para as suas pregações, ajudando-o a mostrar a unidade da Bíblia”481.
Segundo Émile Mâle, a Bíblia dos pobres foi excepcionalmente popular servindo
como fonte para muitos artistas e para obras de diferentes suportes. “As tapeçarias de
Chaise-Dieu e as da Catedral de Reims são inspiradas nessas obras; o mesmo sucede
com uma tapeçaria da Catedral de Sens, e uma outra de Chalon-sur-Saône. Os doze
vitrais de Saint Chapelle de Vic-le-Comte são ainda copiados da Bíblia dos Pobres e do
Speculum. O mesmo acontece com certas esculturas do portal central de Saint-Maurice
de Viena-do-Delfinado, ou do grande portal da catedral de Troyes. O mesmo se passa,
ainda, com os esmaltes de Limoges e alguns pequenos cofres de marfim esculpido”482.

479
SERRÃO, Vítor, Entre a China e Portugal: temas e outros fenómenos de miscigenação artística, um
programa necessário de estudos, disponível em https://www.academia.edu/19764171/.
480
FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria da Graça, Dicionário do livro... op. cit., p. 137.
481
Idem, ibidem, p. 138.
482
MÂLE, Émile, apud FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 130.
247

Em outra atmosfera, encontramos os livros ou álbuns iconográficos, compostos


praticamente só de ilustrações que privilegiavam um único tema. São reproduções que
tinham a função específica de servir de fonte de inspiração e de referencial para os
artistas e os fiéis de um modo geral. Eram compostos por séries completas que
retratavam fatos da vida de um determinado personagem, basicamente santos, com
primazia dos recém-canonizados das novas ordens religiosas (jesuítas e carmelitas
descalços). As estampas podiam ser utilizadas na sua totalidade, copiadas em todos os
detalhes ou apenas em partes, ou ainda, articular detalhes de diversas gravuras.
A Ordem dos Carmelitas Descalços contou com estes álbuns para fixar a
iconografia dos seus principais santos: Santa Teresa e São João da Cruz “[...] foi através
da gravura que se definiram os elementos e episódios que constituem a iconografia de
Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz, numa adaptação que assentou,
essencialmente, na representação de pormenores específicos e na tentativa de captação
de emoções e sentimentos e que, como tal, serviram de fonte de inspiração às suas
representações artísticas, em particular na azulejaria”483.
Os principais álbuns de estampas de Santa Teresa e de São João da Cruz foram
respectivamente Vita S. Virginis Teresiae a Iesu Ordinis Cermelitarum Excalceatorum
piae restauratricis, de Adriaen Collaert e Cornelis Galle484, Vita effigiata della seráfica
vergine S. Teresa di Gesù fondatrice dell’Ordine Carmelitano Scalzo, de Arnold van
Westerhout485 e Obras Espirituales, que encaminan a una alma, a las mas perfecta
union com Dios, en transformacion de amor, por el extatico, y sublime Doctor Mystico
el beato padre San Juan de la Cruz, de Francisco Leesdael486.

Concentrar-nos-emos, então, nas publicações que definiram os tipos iconográficos


para os episódios da vida de Cristo, assunto de interesse desta tese, incluindo as sete

483
MARINHO, Lúcia, ‘Carmelitas Descalços: representação dos fundadores da Ordem em três painéis de
azulejos’, publicado em GlazeArch2015 International conference Glazed ceramics in architectural
heritage, p. 41-55. Disponível em https://www.academia.edu/13793179/Carmelitas, acessada em
16/12/2015. Sobre o assunto, ver outros artigos publicados por Lúcia MARINHO. Atualmente trabalha
em pesquisa de doutoramento com o tema: Santa Teresa de Jesus na Azulejaria e Pintura do século
XVIII, orientada pelo Professor Dr. Vítor Serrão, na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa.
484
COLLAERT, A., C. Galle, Vita S. Virginis Teresiae a Iesu Ordinis Carmelitarum Excalceatorum piae
restauratricis, Antuérpia, Apud Ioannem Galleum, 3ª edição, Antuérpia, Apud Ioannem Galleum, 1630.
Biblioteca Nacional de Portugal, Secção de Iconografia, E. A. 14//6 P., fls 138-162. [Primeira edição:
1613) URL: http://purl.pt/6368/2/P140.html. Ver: MARINHO, Lúcia, ‘Carmelitas Descalços... op. cit.
485
WESTERHOUT, A. V., Vita effigiata della serafica vergine S. Teresa di Gesù fondatrice dell’Ordine
Carmelitano Scalzo, Roma, 1716. Biblioteca Nacional de Madrid: ER_1619. Ver: Idem, ibidem.
486
LEESDAEL, F., Obras espirituales, qve encaminan a vna alma, a las mas perfecta union com Dios,
en transformacion de amor por el extatico, y sublime Doctor Mystico el Beato Padre San Jvan de la Crvz,
Sevilha, 1703. Ver: Idem, ibidem.
248

cenas da Paixão. O primeiro que conseguimos apontar é a obra, De Vita Christi,


também conhecido como, Speculum vitae Christi, do Monge Ludoph de Saxonia,
pseudo Bonaventura, de 1374. Esse livro não foi exatamente uma fonte iconográfica,
pois apresentava pouquíssimas ilustrações, mas cumpriu um papel primordial para a
história das mentalidades e da cultura dos séculos seguintes, influenciando as práticas
devocionais, o que inspirou a publicação da Devotio Moderna e dos Exercícios
Espirituais de Santo Inácio de Loyola, assim como os escritos de Santa Teresa e de São
Francisco de Sales.
De Vita Christi é composta de 123 capítulos, descrevendo a vida de Cristo (os
quatro evangelhos e o Atos dos apóstolos), e inclui ainda uma série de dissertações
dogmáticas, com instruções morais, meditações e orações487. Foi impressa pela primeira
vez em 1472, tornando-se uma obra popularíssima, com diversas edições posteriores
(conhecem-se 88 edições entre 1474 e 1880), sendo traduzida para as diversas “línguas
vernaculares da época, Catalão (Valencia, 1495, folio, Gothic), Castelhano (Alcala,
folio, Gothic, 1502), Português (1495, 4 vols., folio), Italiano (1570), Francês (Lyons,
1487, folio, muitas vezes reimpresso), e por D. Marie-Prosper Augustine (Paris, 1864),
e por D. Florent Broquin, Carthusian (Paris, 1883)488.
O incunábulo português da Biblioteca Nacional de 1495489 foi o primeiro livro
impresso em Portugal, traduzido pelos religiosos cistercienses, do Mosteiro de
Alcobaça, na primeira metade do século XV, por ordem da rainha Leonor de Viseu,
esposa de João II. A obra, editada por Valentim Fernandes, em Lisboa, comportava
quatro volumes, com caracteres ainda na versão gótica em preto e vermelho.
Quanto às ilustrações, estão restritas às três primeiras páginas dos quatro volumes.
Na primeira página, acham-se três escudos490 e o título do volume, na segunda, surgem
duas cenas: um Calvário, com Cristo preso à cruz com três cravos, ao centro, ladeado
pela Virgem e São João Evangelista; e abaixo, um casal real ajoelhado frente a frente,
tendo como atributo um livro aberto, acompanhado por três jovens femininas, junto à
rainha e masculinos junto ao rei. O Cristo tem a cabeça coroada por espinhos,
ligeiramente caída para a direita, os braços estão abertos em um suave T, as pernas
487
MOUGEL, A., ‘Ludolph of Saxony’, In The Catholic Encyclopedia, New York, Robert Appleton
Company. Retrieved January 7, 2016 from New Advent: http://www.newadvent.org/cathen/09416b.htm
488
MOUGEL, A, ‘Ludolph… op. cit.
489
LUDOLFO de Saxónia, O. Cart. ca 1295-1377, Vita Christi / Ludolfo de Saxónia ; [trad. port.]
Nicolau Vieira e Bernardo de Alcobaça, Lisboa : Nicolau de Saxónia e Valentim Fernandes, 1495. 4
partes. Disponível em http://purl.pt/22010/.pdf.
490
Segundo catalogação da Biblioteca Nacional de Portugal, são as armas de Portugal, o Calvário, o Rei e
a Rainha em adoração, a divisa de D. João II e a divisa de D. Leonor.
249

mantêm-se paralelas, sem estarem flexionadas e o pé direito encontra-se sobre o


esquerdo. Veste o tradicional perizônio ao redor do quadril, com pontas esvoaçantes na
lateral esquerda. Das mãos, jorra sangue, recolhido por dois anjos. E, finalmente, a
terceira página, introdutória do texto, apresenta uma cercadura de folhagens e a capital
colorida e dourada. A partir da quarta página, aparecem apenas as capitais decoradas,
não figurativas, em vermelho ou preto.

A segunda obra referenciada são duas publicações do artista alemão Albrecht


Dürer (1471-1528), um dos maiores gravadores de todos os tempos, que poderiam
talvez ser enquadradas como álbuns temáticos. As obras comportam séries de
xilogravuras, conhecidas como a Grande Paixão e a Pequena Paixão, publicadas em
1511, formando um corpus de estampas sobre a vida de Cristo.
Segundo Panofsky, a Alemanha nunca foi detentora de um grande estilo
artístico, como a Itália, França ou Inglaterra, mas, em compensação, sempre foi criativa,
fornecendo padrões que depois seriam copiados por todo o continente europeu. Muito
disso se deve ao desenvolvimento, no século XV, da indústria do livro que possibilitou
a disseminação de ideias originais. A Alemanha foi o local onde as artes gráficas
ganharam finalmente o status de grande arte, em parte, graças ao pintor, aquarelista e
gravador, Albretch Dürer491.
Dürer (Nuremberg, 1471-1528) iniciou o seu aprendizado com o próprio pai, um
próspero ourives. Depois foi para o atelier do famoso pintor Michael Wolgemut, onde
desenvolve técnicas de pintura, desde o preparo de uma boa tinta até o modo de segurar
o pincel, como copiar e desenhar do original (vivo), como fazer paisagens com guache,
aquarela (técnica sobre a qual terá total domínio no futuro) e tinta a óleo. Nesse atelier,
faziam-se também ilustrações para livros, utilizando a xilogravura, aprendida e
desenvolvida facilmente por Dürer, pois tinha experiência com o trabalho de
ourivesaria, trazida do atelier do pai492.
Em 1490, Durer viaja, pela primeira vez, durante quatro anos, por cidades
alemãs, sempre tendo como objetivo a indústria gráfica. A segunda viagem se deu em
1505, já como artista consagrado. Foi para Veneza executar o altar-mor dedicado à

491
PANOFSKY, Erwin, The life and art of Albrecht Dürer, New Jersey, Princeton University Press,
1963, p. 4-5
492
Idem, ibidem, p. 4-5.
250

Virgem na igreja de São Bartolomeu. Esteve ainda em Florença, Bolonha, Pádua e, em


1507, retornou a Nuremberg.493.
Para Dürer, o tema da Paixão de Cristo foi apaixonante. Abordou-o diversas
vezes, sendo as duas séries publicadas em 1511 as mais completas. A Grande Paixão é
assim denominada, devido à dimensão das gravuras, e não à quantidade delas e foi
publicada no livro Passio domini nostri Jesu..., Nuremberg494. Apresenta a seguinte
ordem: Senhor dos Martírios (Man of sorrows); Ceia; Oração no Monte das Oliveiras;
Prisão; Flagelação; Ecce Homo, Cristo carregando a cruz; Crucificação; Lamentação,
Enterro; Cristo no Limbo e Ressurreição495.

Fig. 46 – Grande Paixão, de Dürer: Oração no Horto; Prisão; Flagelação; Ecce Homo; Cristo
com a cruz às costas; e, Crucificação.

493
Idem, ibidem, p. 8.
494
Passio domini nostri Jesu: ex Hieronymo Paduano, Dominico Mancino, Sedulio et Baptista Mantuano
per fratrem Chelidonium collecta, cum figuris Alberti Dureri Novici Pictoris. Nuremberg: Hieronymus
Holzel, 1511.
495
KURTH, Willi (ed.), The complete woodcuts of Albrecht Dürer, New York, Dover Publication inc., s/
data, p. 121-127 e 214-218.
251

A Pequena Paixão ilustrava um livro devocional de pequeno formato, de 38


páginas. Em 36 delas, entravam as ilustrações em xilogravuras, seguidas do colophon
do próprio artista. As gravuras são datadas de 1509 e 1510, mas a série completa foi
publicada na obra Passio Christi ab Alberto Dürer496, em 1511. Esta edição foi
acrescida de alguns versos em latim pelo monge Benedictus Chelidonius.
A série começa com a gravura do Senhor dos Martírios (Man of sorrows) na
folha de rosto, e, então, em sequência: Expulsão do Paraíso; Anunciação; Natividade;
Cristo com as santas mães; Entrada em Jerusalém; Cristo expulsando os mercadores
do templo; Última ceia; O lava-pés; Agonia no Monte das Oliveiras; Prisão; Cristo
diante de Anás; Cristo diante de Caifás; Senhor dos Aflitos; Cristo diante de Pilatos;
Cristo diante de Herodes; Flagelação; Coroação de espinhos; Ecce Homo; Pilatos
lavando as mãos; Cristo carregando a cruz; O véu de Verônica; Cristo sendo
crucificado; Crucificado; Cristo no Limbo; Descendimento da cruz; Lamentação;
Enterro; Ressurreição; Cristo aparece à mãe; Cristo aparece à Madalena; Ceia de
Emaús; A incredulidade de Tomé; Ascensão; Pentecostes e o Juízo Final497.

496
Passio Christi ab Alberto Durer Nurenbergensi effigiata cum varii generis carminibus Fratris
Benedicti Chelidonii Musophili. Nuremberg: Albrecht Dürer, 1511. Apud, KURTH, Willi (ed.), The
complete … op. cit, p. 127.
497
KURTH, Willi (ed.), op. cit., p. 222-258.
252

Fig. 47 – Pequena Paixão, de Dürer: Oração no Horto; Prisão;


Flagelação; Coroação de espinhos; Ecce Homo; Cristo com a
cruz às costas; e, Crucificação.

Fora o fato de a Pequena Paixão ter um maior desenvolvimento temático,


observa-se que houve uma evolução na composição, com o deslocamento do Cristo,
para uma das laterais, criando uma atmosfera confusa e movimentada. As composições
possuem uma boa dinâmica, desde a cena noturna do Cristo no Horto, que, posicionado
no segundo plano, enfatiza a sua solidão. O ritmo do olhar do espectador perpassa todos
os episódios representados: apóstolos dormindo no primeiro plano, Cristo orando no
segundo e anjo segurando o cálice no terceiro. Na mesma cena da Grande Paixão, nota-
se uma forte linha diagonal que separa a composição em dois planos, um ruidoso, com
todas as ações, e um silencioso, com o céu limpo, deixando a gravura ‘respirar’.
Já, na cena da Prisão, a confusão está instalada. Nas diversas ações simultâneas,
ouve-se o murmúrio e testemunha-se o agir dos personagens: beijo de Judas, Pedro
reagindo e cortando a orelha do soldado, e, no plano mais afastado, a submissão de
Cristo, com as mãos amarradas às costas, conduzido por soldados de lanças em punho.
Na Flagelação, o cânone muda completamente. Enquanto, na Grande Paixão, a
simetria é total, reforçada pelo posicionamento do Cristo no primeiro plano e da coluna
ao centro, separando dois planos verticais, na Pequena Paixão, Cristo é deslocado para
a direita, dinamizando à composição e a ação dos fatos. Resolução que se repetirá na
253

próxima cena da Grande Paixão, a Coroação de espinhos, ausente na Pequena. O


deslocamento da figura do Cristo para a direita permite que o olhar do observador
deslize pelas várias ações e reforça o peso da arquitetura de fundo, composta de uma
sequencia de arcos no segundo andar.
No Ecce Homo, as duas composições são dramáticas. Cristo, afastado ao fundo,
é mostrado ao público, que, posicionado em primeiro plano, pede a sua crucificação.
Pilatos lava a mão numa das extremidades e Cristo, completamente cativo e martirizado,
carrega na cabeça a coroa de espinhos, nas costas, a capa curta e, nas mãos, que se
encontram amarradas à frente, a cana, como se fosse um cetro. É a imagem que
perdurará e que veremos retratada em diversas obras de arte.
Nas gravuras seguintes, Cristo com a cruz às costas, ele aparece exausto, caído,
com os dois joelhos ao solo, já a caminho do Gólgota, fora dos muros de Jerusalém. Na
Grande Paixão, leva as duas mãos ao alto, e dirige o olhar para a mãe, como um pedido
de ajuda. Na Pequena, precisa manter uma das mãos no solo para não cair e olha de
soslaio a mulher que segura o véu, Verônica. São, portanto, a narrativa de dois
momentos distintos à caminho do Calvário.
E finalmente, nas duas cenas da Crucificação, na Grande Paixão, o tema e a
forma indicam a herança medieval, basta comparar com a Crucificação do livro Vita
Christi. Cristo está preso à cruz pelos braços praticamente na vertical, o corpo está rijo,
e, sangra pelas feridas nas mãos, no peito e nos pés e o sangue é recolhido por anjos em
cálices. Na Pequena Paixão, porém, Cristo, centralizado, tem o corpo pesado, braços e
pernas flexionam-se, sente-se que a morte está próxima. A composição é simplificada.
Ao pé da cruz, estão, do lado direito, a Virgem e as santas mulheres, acompanhadas por
São João Evangelista. No primeiro plano, Maria Madalena, ajoelhada, beija os pés de
Cristo e, à esquerda, um grupo de soldados espera de pé. Na Grande Paixão, a cena é
confusa e percebe-se um maior sentido de dor, de espetáculo. À direita da cruz, Maria
sucumbe e São João e outras mulheres a apoiam. Madalena foi substituída pelo anjo que
recolhe o sangue dos pés do Cristo. À esquerda, dois soldados montados ocupam toda a
área. Ao fundo, está a cidade de Jerusalém.
254

Fig. 48 – Cristo, Grande e Pequena Paixão, de Dürer.

O uso da técnica xilográfica ajuda a dar corpo e drama às cenas, pois permite o
contraste forte de preto e branco, assim como os traços são bem definidos. As cenas são
narrativas, buscam contar o drama da Paixão através das figuras. Apesar de se tratar de
um artista do Renascimento, Dürer experimenta composições assimétricas, deslocando
o personagem principal, prenúncio do gosto que está por vim. A definição anatômica
dos personagens perpassa o desenho escultural, gerando uma atmosfera de naturalidade,
típica de um artista que se especializou no modelo vivo. O resultado é um desenho de
grande vigor, expresso no contraste da técnica da xilogravura, criativo na composição, e
que, sem dúvida, serve de inspiração para obras escultóricas.

A terceira obra que iremos abordar é a já mencionada Evangelicae Historiae


imagines, ex ordine Evangeliorum do Padre jesuíta Jerónimo Nadal498. Essa obra
representou uma importante fonte temática para os artistas, pois desenvolveu a série
mais completa sobre a vida de Cristo. A idealização das cenas
e dos personagens coube a diversos artistas, sendo os irmãos
flamengos Jerônimo, Antônio e João Wierix responsáveis por
93% das estampas. O livro foi publicado em Antuérpia, em
1593, encomendado pelos jesuítas de Roma.

Fig. 49 - Folha de rosto da obra de Hieronymo Natali (Societatis


IESV, Theologo), Evangelicae.

498
NATALI, Hieronymo (Societatis IESV, Theologo), Evangelicae ... op. cit.. Ver também MATTOS,
Manuel Cadafaz de, ‘As Gravuras Flamengas dos irmãos Wierix em Circulação na China e (re) impressas
por Matteo Ricci e Cheng Dayue’, publicado em LISBOA, João Luís (Org.), Cultura – Revista de
História e Teoria das Idéias, Lisboa, Publicação do Centro de História da Cultura da Universidade Nova
de Lisboa, 1997. Vol. IX – O Livro e a Leitura.
255

Os irmãos Wierix, Antônio (1552-1624), Jerônimo (1553-1619) e João (1549-?),


nasceram na Antuérpia, Bélgica. Foram excelentes gravadores e bons desenhistas. Cerca
de 10 000 gravuras dos Wierix foram catalogadas por Louis Joseph Alvin, no século
XIX, na obra Catalogue raisonné de l’oeuvre des trois fréres Jan, Jérôme et Antoine
Wierix (Bruxelles, 1866). Segundo esse especialista francês, é muito difícil determinar a
autoria de cada gravura, assim como tentar estabelecer características individuais de
cada um, quando as obras não apresentam os monogramas individualizados impressos
junto às gravuras. Antônio usava as letras AT. W.; Jerônimo - HI. W., ou HI. W.F. ou J.
Hieronymus W. fe.; e finalmente, João - I.W.F. e ainda I.H.W.F.499.

As obras não assinadas, normalmente, eram atribuídas a Jerônimo, o especialista


em assuntos religiosos, estampas devocionais dos Santos e dos Padres da Igreja 500. A
série publicada comporta cinquenta temas sobre a vida de Cristo (das 153 estampas)501,
começando com a Anunciação e a Visitação, passando pelos Milagres, Paixão e Glória
de Cristo. A série da Paixão propriamente dita começa com a Ceia, Lava-pés, Oração
no Horto, Prisão de Cristo, Flagelação, Coroação de Espinhos, Ecce Homo, Cristo
com a cruz às costas, Crucificação e termina com os temas da glorificação de Cristo:
Ressurreição, Ascensão, Pentecostes e a Coroação da Virgem502.
Existem duas grandes diferenças entre as gravuras dos irmãos Wierix e as de
Dürer. A primeira é o uso de técnicas diferentes. Enquanto Dürer utilizou a madeira
como suporte para as suas xilogravuras, permitindo traços fortes e maior contraste do
branco e preto, os irmãos Wierix optaram pela gravura em metal, trabalhando com
técnicas de buril e ponta seca, cujo resultado é um desenho de linhas finas e delicadas,
com possibilidades de tons médios de cinzas e contrastes diluídos.
A segunda diferença está na composição. As gravuras dos irmãos Wierix
procuram, acima de tudo, narrar mais de um acontecimento pelas ações dispersas em
grandes cenários. As cenas são identificadas com legendas ao pé das gravuras e com
letras na própria gravura. Quando existe a presença de Cristo, ele é o centro da
composição, mas também pode fazer parte das outras pequenas ações que se
499
BÉNÉZIT, E., Dictionnaire des peintures, sculpteurs, dessinateurs et graveurs, Tomo 14, Paris,
Gründ, 1999, p. 598-599. (primeira edição 1911-1923)
500
BÉNÉZIT, E.., op cit, p. 599.
501
São, na realidade, 153 gravuras em metal (buril) de diferentes temas, a maioria executadas pelos
irmãos Wierix (65 assinadas por Jerônimo, 58 por Antônio e 9 por João). As restantes são de Adriaen
Collaert (11), Jan Collaert (1) e Karel van Mallery (8) e uma de autor desconhecido, identificado pela
inicial ‘N’. Tiveram como base do tema os desenhos de Bernardino Passeri e Maarten de Vos.
502
MATTOS, Manuel Cadafaz de. As Gravuras Flamengas dos irmãos … op. cit.
256

desenvolvem na mesma estampa, em meio a paisagens, ou de arquiteturas


impressionantes. As gravuras de Dürer são evocativas, isto é, intencionam reavivar a
memória através da cena retratada. Podem até, existir ações paralelas, porém, a função
delas é basicamente lembrar o sofrimento de Cristo.
As duas séries, com certeza, inspiraram muitas obras pictóricas e se tornaram
fonte inesgotável para a fixação dos principais temas relativos à vida de Cristo. No
entanto, quando as relacionamos às obras escultóricas, sentimos falta de uma identidade
imediata. Na escultura, a força concentra-se no personagem principal. Não há ruídos
nem elementos secundários para sugestionar a ideia e tornar a narrativa reconhecível.
As imagens litúrgicas precisam sensibilizar os fiéis, com a identificação imediata do
personagem através do tipo físico e dos atributos identitários.
Se colocadas lado a lado as três estampas representando a Flagelação, retratadas
pelos dois gravadores, Dürer e Wierix, constata-se que, em duas composições, Cristo
está de pé, de frente, centralizado, com as mãos atadas pelas costas a uma coluna alta
(chamada de coluna da Flagelação), no primeiro plano. Dürer retrata a cena no plano
mais próximo, e, reduz a cena a alguns personagens, enquanto Wierix coloca a cena no
plano profundo, diluindo a ação com a representação do cenário arquitetônico ao fundo.
A exceção é a Pequena Paixão, pois nela Dürer desloca a figura do Cristo para a
direita, e o coloca atrás da coluna alta, de maneira a enlaçá-la. A cena é representada a
sua maneira: reduzida no primeiro plano e com um menor número de personagens. A
nova composição perde a estabilidade conseguida pela simetria das duas cenas
anteriores, porém, ganha movimento e agitação natural.

Fig. 50 – Flagelação: duas primeiras de Dürer e Wierix.


257

A perspectiva das estampas com o Cristo centralizado apresenta a coluna alta


dividindo simetricamente o espaço em dois planos, como já foi mencionado. Dürer
desenvolve a cena em um espaço fechado, no interior de uma construção, que inclui um
cortinado do lado direito; Wierix, ao contrário, a exibe em um pátio aberto, com
varandas e sacadas, onde a audiência assiste ao espetáculo. Na primeira, os personagens
secundários, os algozes e a audiência estão arranjados de maneira confusa e
desordenada, criando uma situação quase real, enquanto, na segunda, a simetria intui a
idealização da cena.
A inovação, como vimos, ocorre na estampa da Pequena Paixão, na qual Cristo
aparece deslocado para a direita. O ambiente é um pátio fechado. Delimitando o espaço,
existe uma passagem que cruza o cenário do primeiro ao último plano. Ao fundo, a
saída está marcada pelo arco aberto, que conduz o olhar para a paisagem ao fundo. Esta
linha diagonal reforça o peso à direita, no flagelo de Cristo e na redução de
personagens.

Para as obras escultóricas [litúrgicas], é necessário a redução do tema a um


único personagem ou a um pequeno grupo deles. Na cena da Flagelação, um dos temas
mais representados da série da Paixão de Cristo, um detalhe se mostrará importante, a
substituição da coluna alta por uma coluna baixa. Para Louis Réau, a mudança não teve
valor estético. Representou apenas uma adaptação às determinações de Trento e ao culto
das relíquias503, porém, a sua mudança também irá influenciar os valores estéticos,
principalmente num segundo momento, quando chegarmos ao barroco.
Na Idade Média, existiam dois exemplares da coluna, que, segundo a tradição,
teriam sido os utilizados no flagelo de Cristo. O primeiro é um fragmento existente na
Capela dos franciscanos na Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, e o segundo se
encontra na Igreja de Santa Prassede, em Roma. A narrativa histórica desta última
relíquia conta que ela foi uma das que Santa Helena trouxe da sua peregrinação à Terra
Santa e que acabou chegando a Roma pelas mãos do Cardeal Giovanni Colonna, em
1223504.

503
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 472.
MÂLE, Émile, L'art religieux après le Concile de Trente. Étude sur l'iconographie de la fin du XVI e, et
504

du XVIIe, XVIIIe siècles, Paris, 1932, p. 264.


258

Fig. 51 – Colunas da Flagelação:


da Igreja do Santo Sepulcro,
Jerusalém; e, da Igreja de Santa
Prassede, Roma.

Émile Mâle menciona que foi com as determinações do Concílio de Trento, que
se considerou como original a coluna de Roma e sua representação tornou-se um
balaústre de mais ou menos 60 cm. O certo é que só ocorrerá a substituição da coluna
alta por uma baixa, a partir do final do século XVI e princípios do XVII, inclusive é
possível encontrar gravuras, posteriores ao livro do Padre Nadal, de Jerônimo Wierix,
com a coluna baixa.
Porém, não é nossa intenção determinar o momento exato da mudança do
modelo a ser seguido. Nas três estampas que apresentamos a seguir, é possível ver a
evolução do tema. Na primeira, de Jerônimo Wierix, Cristo, centralizado, está no
momento da sua fixação a uma coluna baixa. Ainda vem acompanhado por dois
algozes. O instante é anterior ao martírio, pois não apresenta as marcas do flagelo. Esse
momento se repete na gravura de Lucas Vorsterman I (1595-1651), pertencente ao
Rijksmuseum, na Holanda. Em ambos exemplos a coluna lembra muito o modelo da
que se encontra na Igreja, de Roma. Cristo só aparecerá completamente isolado e preso
à coluna baixa, na gravura do artista anônimo flamengo, idealizada a partir do desenho
de Abraham Diepenbeeck (c. 1596-1675). Tal exemplo nos remete imediatamente às
obras escultóricas dos Cristos da Flagelação, apesar de o momento ainda ser anterior ao
flagelo, com Cristo sem hematomas ou feridas decorrentes do castigo. Acreditamos que,
somente ao longo do século XVII, com a acuidade do gosto pelo drama e pelo
sofrimento, típicos da devoção do período barroco, as marcas do sofrimento aparecerão
impressas no corpo do Cristo: feridas e hematomas. Não esquecendo que o Cristo com o
corpo exageradamente ensanguentado devido às inúmeras feridas foi comum no norte
da Europa como veremos adiante. Além das marcas do flagelo em feridas também há o
testemunho da dor ocasionando o corpo contorcido, que tendo as mãos fixadas a coluna
baixa, forçava uma atitude de submissão.
259

Fig. 52 – Cristo da Flagelação, Hieronymus Wierix (1548-1624)505 ; Lucas Vorsterman I


(1595-1651)506 e artista anônimo flamengo 507.

O tema da Paixão de Cristo sempre exerceu um fascínio sobre os artistas que


buscaram nas fontes imagéticas a inspiração para as suas obras. Gravuras e estampas
foram, na Época Moderna, na Europa e no Brasil, um excelente meio de divulgação dos
temas. “Meio privilegiado de informação visual durante séculos e séculos, modelos e
fontes de inspiração formal, elas foram igualmente instrumentos essenciais de
transmissão de ideias e de conhecimentos”508.

4.1.2 Registros de santos

Os registros de santos são pequenos impressos de personagens santificados,


simples e diretos, feitos em papel. A origem devocional desse tipo de artefacto é
incerta, mas podemos relacioná-la ao gosto pela devoção particular e ao costume de
retribuir doações oferecidas às igrejas, nas festas religiosas dos santos padroeiros.
Temporalmente, podemos fixá-la a partir do uso das técnicas xilográficas de
reprodução.
Lucien Febvre faz uma apologia à importância das imagens produzidas a partir
das técnicas xilografadas, na Idade Média, “tempo em que a religião era o centro de

505
Gravura, Mauquoy-Hendrickx 1978-83, cat. 297. Fine Arts Museum of San Francisco. Image Base,
1963.30.11202/ item 325A
506
Gravura, Gerhard Seghers (1591-1651) (Rijstmuseum Website)
507
ca. 1670, Gravura, Abraham Diepenbeeck (ca. 1596-1675). KNIPPING, John B. (1974) Iconography
of the Counter Reformation in the Netherlands. Nieuwkoop/Leiden, B. de Graaf/A. W. Sijthoff.
508
SOBRAL, Luis de Moura, ‘Gravuras e hermenêutica. Os casos da chamada Sala dos Encantos da
Música do Paço Ducal de Vila Viçosa e da Sala da Enciclopédia da Biblioteca Joanina de Coimbra 193’,
publicado em Actas do III Colóquio de Artes Decorativas - Iconografia e fontes de inspiração - imagem
e memória da gravura europeia, Lisboa, 2009, p. 193-202.
260

toda a vida intelectual e espiritual, em que a Igreja ocupava um lugar tão importante,
em que a cultura era essencialmente oral, o uso de um processo gráfico que permitisse
multiplicar as imagens piedosas revelava-se bem mais necessário do que a imprensa.
Fazer penetrar por todo o lado as imagens dos santos que, até então, apenas se viam
em torno dos capitéis, nos portais, nas paredes e nos vitrais das igrejas; difundir as
suas lendas, permitir a todos contemplar à vontade, em sua casa, os milagres de Cristo
e as cenas da Paixão, fazer reviver as personagens da Bíblia, evocar o problema da
morte, mostrar a luta dos anjos e dos demónios à volta da alma do moribundo, tal foi o
papel essencial das imagens xilográficas, cuja necessidade se fez sentir bem antes e
bem mais intensamente do que a de reproduzir em numerosos exemplares, textos
literários, teológicos ou científicos (que, até então, permaneciam manuscritos) apenas a
pedido de um punhado de doutores e de clérigos”509.
A fixação do modelo era essencial, pois a identificação do personagem devia ser
rápida, para que fiéis, nos momentos de aflição, não se confundissem. No século XIV,
ou um pouco antes, aparecem os primeiros conjuntos de imagens populares de caráter
religioso, produzidas, num primeiro momento, pelas oficinas conventuais, nos claustros
dos mosteiros, para serem vendidas ou distribuídas aos milhares nas peregrinações ou à
porta das igrejas e nas feiras510.
Já nos séculos XVII e XVIII, a confecção de registros de santos fica a cargo de
editoras leigas, especializadas neste tipo de impressão. No entanto, eles jamais deixaram
de ser produzidos também por religiosos, e até hoje, nesta tradição, existem editoras,
religiosas ou não, responsáveis pela fatura desse tipo de ‘santinhos’, utilizando técnicas
contemporâneas e de muito menos qualidade estética.
Nos séculos XVI, XVII e XVIII, as estampas religiosas cumpriam a principal
função de suprir, de forma barata, a necessidade de as pessoas possuírem um objeto para
a devoção particular. Podiam estar impressas nos seus livros de oração ou ainda ser
vendidas em folhas soltas como pequenos souvenirs, algumas incluíam até invólucros
decorados (pequenas maquinetas de vidro, ou apenas molduras forradas de tecidos e
laços de fita). Eram objetos de baixo valor monetário, reimpressos anualmente,
movimentando um mercado incipiente, pois o papel, com o manuseio constante,
degradava-se rapidamente.

509
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 55.
510
Idem, ibidem, p. 58.
261

Uma boa parcela deles foi produzida na região de Augsburgo, impressa e


disseminada desde o século XVII, mas principalmente no XVIII. Do século XVII, numa
pesquisa rápida em alguns sítios de museus, na internet, constatamos mais de vinte
exemplares do pintor e gravador Martinus van den Enden (1620-1668), pertencentes ao
Rijstmuseum, de Amsterdam. O século XVIII será a época de inteiro domínio da família
Klauber, especialistas nas séries de registros de santos, acompanhados com lindíssimas
molduras rococós, assimétricas, cujo padrão servirá de modelo também para obras de
talha, altares, molduras e demais objetos.
A família Klauber dedicou-se a fazer séries gravadas para as edições religiosas
da cidade de Augsburgo, Alemanha. O pai Franz Christoph Klauber e os filhos Joseph
Sebastian (1710-1768), Johann Baptist (1712-c.1787) e Joachim, que foi padre (? -
1791), juntaram-se ao editor Gottfried Bernhard Göz (1708-1774) para fundarem uma
editora especializada em obras de arte católica, no ano de 1737. Os dois filhos foram os
principais idealizadores das gravuras com as molduras rococós, que ilustraram
principalmente bíblias a partir de mais de cem (100) modelos. Tiveram grande
importância no período, chegando ao cargo de gravadores da corte, em 1757.
A Biblioteca Nacional de Lisboa possui uma boa coleção de registros de santos
constituída, em sua maioria, por estampas de devoção de pequeno formato, embora
inclua também algumas de maiores dimensões. Com uma abrangência que vai do século
XVI ao XX, as estampas são predominantemente de produção nacional, salientando-se
trabalhos de Francisco Vieira Lusitano, Carneiro da Silva, Joaquim Manuel da Rocha,
Manuel da Silva Godinho, Fróis Machado, Gregório Francisco de Queirós, Domingos
António de Sequeira, Francesco Bartolozzi, bem como dos gravadores franceses
contratados por D. João V511.
Entre os gravadores estrangeiros, estão Jerônimo Wierix, Adrian Collaert,
Hendrik Goltzius, os alemães Martin Engelbrecht e a família Klauber e os flamengos
Cornelis Galle e Cornelis van Merlen. Desta coleção, selecionamos alguns exemplares
com cenas dos Passos da Paixão de Cristo (Horto, Prisão, Flagelação, Coroação de
Cristo, Ecce Homo, Senhor dos Passos e Crucificado), preferencialmente efetuados
pelos irmãos Klauber, mas não só, para uma avaliação crítica. Servirão ainda como
exemplos ilustrativos dos Passos da Paixão de Cristo das Ordens Terceiras do Carmo,
que serão estudados a seguir.

511
Texto introdutório dos Registos de santos, no sítio da Biblioteca Nacional de Lisboa, disponível em:
http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=108&Itemid=144&lang=pt
262

A principal característica dessas estampas é o requinte decorativo, com destaque


para o personagem central, reduzido ou com poucos retratados. Dos irmãos Joseph
Sebastian e Johann Baptist Klauber, mais próximos do gosto popular do que a produção
erudita dos ornamentistas, essas incluíam frequentemente ricas molduras do rococó
religioso germânico, atingindo, não apenas os grandes centros, mas também pequenos
povoados de província em regiões de grande afastamento geográfico. Simbolizam,
portanto, um dos aspectos mais genuínos do estilo, ou seja, sua forte base popular, ao
contrário do barroco, tradicionalmente identificado com clientelas mais aristocráticas512.

Fig. 53 – Coroação de
espinhos e Caminho do
Calvário, Klauber sc. et
exec. (Acervo Biblioteca
Nacional, Portugal)

“Com relação aos registros avulsos, que até hoje não foram catalogados de
forma sistemática, gozavam os mesmos de tal popularidade, que praticamente
dominaram o comércio internacional de estampas religiosas, a partir de meados do
século XVIII, atingindo inclusive as Américas hispânica e portuguesa. Em artigo
publicado em 1979, chamamos a atenção para possíveis influências desses registros na
arte do Aleijadinho”513. Um exemplo muito interessante que pode comprovar essa
afirmativa de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira é a gravura dos Klauber da
Biblioteca Nacional de Portugal, com a representação da face de Cristo, quando
confrontado com as esculturas do Cristo, dos Passos da Paixão do Santuário do Bom
Jesus de Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais, no Brasil.

512
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó religioso… op. cit., p. 94.
513
Idem, ibidem, p. 94. A historiadora refere-se ao seu artigo, já mencionado aqui, publicado no jornal
Estado de São Pauo: ‘Gravuras europeias e o Aleijadinho…’ op. cit..
263

Fig. 54 – Gravura Klauber (Acervo Biblioteca Nacional, Portugal) e Cristo, Passo da


Prisão, Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas Gerais.

Ilustrativa para entender a função desses registros de santos na sociedade carioca


do século XIX, é a narrativa do viajante inglês Thomas Ewbank. Esses objetos eram
distribuídos ou ‘vendidos’ por alguns vinténs, no aniversário de cada santo popular, ou
trocados na Igreja por dinheiro ou cera, “[...] Como objetos de arte não têm nada de
notável. Comumente, sempre acompanhando seu portador, gastam-se antes que volte a
festa do ano seguinte. Além das que são vendidas nas festas, comprei um sortimento de
um vendedor de imagens, em que apareciam São João da Mata, Santa Úrsula, São
Luís, São Crispim, e ainda Nossa Senhora da Imaculada Conceição, copiada de dois
quadros revelados pelo céu, e de acordo com a milagrosa medalha de Jesus, Maria e
José. [...] Alem de conservá-los em livros, prendê-los em cortinas de cama, ou fazê-los
deslizar debaixo de travesseiros, etc., usam-se numa grande quantidade de amuletos
chamados ‘breves’. Cada um é dobrado até formar uma pequena almofada quadrada, e
costurado numa minúscula bolsa de uma polegada de lado, usada junto do corpo com
os bentinhos. Soube que a velha senhora P. tem um de Nossa Senhora da Conceição no
peito e outro de santo Antônio nas costas”514.
Será por volta de fins do século XVIII e também no XIX que surgirá um tipo de
registro de santo representando uma determinada obra escultória. Confecionava-se uma
estampa da escultura que tivesse recebido indulgências especiais. Assim os fiéis que a
visitassem para as suas orações, eram agraciados por favores especiais. Nessas gravuras,
incluía-se uma tarja inferior com a legenda das indulgências e das graças que os devotos

514
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade de São
Paulo e Livraria Itatiaia, 1976, p. 186. (edição original: 1869)
264

receberiam se a visitassem na sua festa ou em datas específicas: “‘sua excelência, o


reverendíssimo Bispo, grande Capelão do Imperador, d. Manuel do Monte Rodrigues
Araújo, visitando a igreja cujo padroeiro é representado por esta imagem, concedeu a
todos os que rezavam diante dela um Padre-Nosso, e uma Ave-Maria, quarenta dias de
indulgência’. Respondendo a uma pergunta, foi dito que as indulgências autorizavam
comer carne nos dias de jejum, ser perdoado pelos pequenos pecados que se possa
cometer, e se se morre dentro deste prazo, ir-se-á direto ao céu, escapando-se
completamente do Purgatório”515.
Os registros feitos a partir do século XIX perdem em qualidade técnica,
consequência do aumento do consumo e da necessidade de reprodução a baixo custo e
em maior quantidade. Motivo que pode ter sido o responsável pelas ásperas palavras do
negociante inglês: “objetos de arte pouco notável”. Nessa época, inicia-se o uso de
técnicas de reprodução menos onerosas, tais como a litogravura e, um pouco mais
adiante, a fotogravura. O Museu dos Biscainhos em Portugal possui uma boa coleção de
gravuras e registros de santos, maioritariamente do século XIX, com um bom número
de Crucificados alusivos a obras escultóricas516.
Da coleção de Registos de Santos da Biblioteca Nacional de Portugal, saiu o
exemplo do Senhor Jesus dos Prodígios, que se venerava no coro baixo das religiosas
Carmelitas Descalças do Convento de Santo Alberto de Lisboa. Hoje a capela pertence
ao Museu Nacional da Arte Antiga, e o Cristo se deslocou para uma das capelas laterais.
A gravura foi idealizada a partir da obra escultórica. Neste caso, a obra é que serviu de
inspiração à estampa, na angariação de novos fiéis desejosos das graças especiais.

515
EWBANK, Thomas, op. cit., p. 186.
516
Gravuras e estampas que podem ser visitadas em: http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx
265

Fig. 55 - Senhor Jesus dos Prodígios, estampa e obra escultórica. A estampa foi
desenhada por M. de Mattos e esculpida (gravada) por João Cardini517. A escultura é
provavelmente da primeira metade do século XVIII, em madeira policromada. (Fonte:
SOARES, Ernesto. Registos ... p. 300)

A assimilação da informação imagética e a sua transposição para outros suportes


artísticos é óbvia. Porém, o que faz a obra de arte ser um objeto único é justamente a
capacidade de os artistas criarem e transformarem formas e padrões a partir de um
modelo. Na maioria dos casos, a intenção era de ‘copiar’ (sem valor pejorativo) o
protótipo, porém, o certo é que as gravuras introduziram um ciclo criativo, importante
para a própria perpetuação das ideias e das mentalidades, emocionando não só fiéis, mas
também historiadores e público em geral.
As fontes de inspiração e as próprias obras são os nossos documentos, como
auxiliares da memória, tornando-se importantes veículos ideológicos: “as imagens,
como produção empenhada de homens comprometidos com o plano das ideias, das
angústias, da partilha, e das vãs certezas, certamente chamam a si essa dimensão ou, se
quisermos, essa projecção memorial, que no fim de contas as legitima e justifica para
além do seu próprio tempo de factura e de fruição primeira”518.

517
Manuel de Mattos nasceu em Sardoal em 1750 e faleceu em Lisboa em 1818. Foi pintor de flores, de
paisagem e escultor. Já João Cardini foi gravador do século XVIII, viajou a Londres, onde gravou, em
1813 e 1814, três retratos. Ver: D BÉNÉZIT, E., op. cit., Portanto, a gravura em questão deve ser datada
como pertencente ao último quartel do século XVIII ou às duas primeiras décadas do XIX
518
SERRÃO, Vítor, A trans-memória... op. cit., p. 11.
266

4.2 A Paixão de Cristo: Via-Sacra ou Via Dolorosa, Sacros Montes e Passos


de Rua

O ciclo da Paixão de Cristo começa com a entrada de Cristo em Jerusalém,


perpassa os acontecimentos anteriores a sua prisão e os processos: religioso, quando
Cristo é apresentado a Caifás e Anás, e político: Cristo diante de Pilatos e Herodes
Antipas. Inclui ainda a escolha entre Cristo e Barrabás; a flagelação de Cristo; Pilatos
lavando as mãos; o segundo escárnio ou coroação de espinhos e, finalmente, a
apresentação de Cristo ao povo, Ecce Homo. Inicia-se, então, o caminho do Calvário,
com Cristo carregando a cruz às costas (Senhor dos Passos) e as suas quedas (três é o
número mais comum) até alcançar o topo do monte, onde espera angustiado, sentado
numa pedra (Senhor da Paciência), que os soldados joguem a sorte e finalmente o
prendam à cruz, onde morrerá seis horas depois.
Diz a tradição que a via dolorosa (via-sacra ou via crucis) segue o trajeto feito
por Jesus Cristo do lugar em que o julgaram até o Calvário, onde foi crucificado,
chegando finalmente ao túmulo na Igreja do Santo Sepulcro, onde teria sido sepultado.
Portanto, especificamente, representa a caminhada final do ciclo da Paixão de Cristo,
ou seja, o percurso que Jesus fez com a cruz às costas, até a sua Crucificação.
Para o padre Raphael Bluteau, a designação ‘via’ no século XVIII, podia ter,
entre outros, um sentido ascético, relacionando-se com a via purgativa, iluminativa e
unitiva519. As “ditas três vias são os caminhos, que há de tomar a alma para se chegar
a Deus (contemplação, repartida nas três vias, purgativa, iluminativa e unitiva)”. E o
termo composto ‘Via-sacra’, segundo ele, era utilizado pelos romanos, “significando o
caminho por onde iam sacrificar os seus ídolos”, que os católicos tomaram ao pé da
letra, significando “[...] a via onde estavam situadas estações, que se fazem de altar em
altar, em memória e veneração dos passos que deu o nosso divino redemptor a caminho
do Calvário”520.
Normalmente a última fase, a subida que leva ao monte Calvário, para a
Crucificação, comporta quatorze cenas (pode haver variações, a partir dos múltiplos de
sete), que foram fixadas em 1731, pelo Papa Bento XIV. Neste mesmo ano, permitiu-se

519
As três vias, purgativa, iluminativa e unitiva, na teologia, representam o caminho que a alma deve
seguir para a vida em perpétua comunhão com Deus, começando pela expiação dos pecados, passando
pela iluminação da alma até a união final.
520
BLUTEAU, Raphael, Vocabulário portuguez e latino, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de
Jesus, 1712, p. 467.
267

também que outras instituições religiosas -pois, até esse momento, os franciscanos
tinham a primazia na representação e divulgação da via-sacra, uma vez que eram os
guardiões da via dolorosa na Terra Santa- pudessem alocar uma via-sacra nas suas
dependências, independente da origem. Portanto, as cenas fixadas neste decreto papal
foram as seguintes: 1 – Cristo condenado; 2 – a entrega da cruz (a cruz lhe é dada); 3 –
a primeira queda; 4 – o encontro com Maria; 5 – a ajuda de Simão Cirineu; 6 – o
encontro com Verônica; 7 – a segunda queda; 8 – o encontro com as mulheres de
Jerusalém; 9 – a terceira queda; 10 – a retirada da túnica (lhe é sacada a túnica); 11 – a
crucificação; 12 – a morte na cruz; 13 – o descendimento; 14 – o enterro521.
A Paixão de Cristo, incluindo o caminho do calvário, foi sendo enriquecida,
desde a Idade Média, a partir de textos apócrifos e da representação do Teatro dos
Mistérios522, com a incorporação de novos personagens, como a Virgem dolorosa e
Verônica. A primeira aparece representada desmaiando, o que será mal visto pelos
preceitos da contrarreforma e, posteriormente, abolido, restando apenas a Virgem
lacrimosa. E a segunda, ao ajudar Cristo, secando a sua face, terá o privilégio de ganhar
a impressão da verdadeira face no seu véu (vero ícone), que passará a ser um tema
corrente na arte.
Os passos, representados nas igrejas carmelitas, fazem parte do ciclo da Paixão
de Cristo, contendo apenas duas cenas do caminho da via-sacra: Senhor com a cruz às
costas e o Crucificado. A via dolorosa de Jerusalém inspirou a criação de diversos
santuários com os momentos finais da vida de Cristo, em igrejas europeias, e, a partir do
século XV, nos ditos Sacros Montes. Posteriormente, as Irmandades do Senhor dos
Passos também divulgaram o tema através de pequenas capelas dispostas pelas ruas das

521
ALSTON, George Cyprian, ‘Way of the Cross’, publicado em The Catholic Encyclopedia, Vol. 15,
New York, Robert Appleton Company, 1912. 24 Jan. 2016
<http://www.newadvent.org/cathen/15569a.htm>.
522
Os Mistérios (Mystère), também chamados de Jeu (drama) da Paixão, constituíam a mais importante
criação do teatro religioso medieval, conservando-se do século XII ao XV. Os temas eram extraídos do
Antigo e Novo Testamento, sendo a Paixão de Cristo o principal deles. Tinham a finalidade de transmitir
ao povo, de forma acessível, a história da religião, dos dogmas, que a língua culta da época (o latim)
ocultava aos iletrados. Seguiam sempre o ritual litúrgico: Natal, Páscoa, Corpus Christi, etc. A princípio,
eram representados no interior das igrejas, pelos religiosos. Com o tempo e a fama, atingiram as ruas e
ganharam muitos figurantes e complexas encenações. Os mistérios atraíam multidões e podiam, em
determinadas épocas do ano, durar dias. O mais célebre de todos, Le Mystère de la Passion de Arnould
Gréband, montado por volta de 1450, era composto de trinta e cinco mil versos. Foi proibido pela Igreja,
pois se tornou abusivo, misturando temas religiosos e profanos. In: VASSALO, Lígia, O Teatro
Medieval. (disponível em: http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/teatro/index05.html) Manifestação
semelhante se encontra ainda hoje na cidade-teatro de Nova Jerusalém, no agreste do estado do
Pernambuco, no Brasil. Lá a Paixão de Cristo é encenada por uma multidão de figurantes, escolhidos
entre a população local, e artistas televisivos, que representam as personagens centrais e, de acordo com a
fama, mudam a cada ano. Para mais detalhes, ver: http://www.novajerusalem2015.com.br/
268

cidades, chamadas de Passos de rua, que eram utilizadas particularmente nas


comemorações da Semana Santa.

4.2.1 Os Sacros Montes

Os Sacros Montes, segundo Louis Réau, foi um tipo de devoção, instituída pela
ordem franciscana, a partir do desejo de multiplicar o benefício espiritual e material da
peregrinação à Terra Santa, e, em particular, à Igreja do Santo Sepulcro523. Os
franciscanos receberam a incumbência de guardar os lugares santos em Jerusalém. Os
Sacros Montes, no começo, comportavam sete estações, pois o número sete era
considerado sagrado. Porém, no século XVI, por iniciativa também dos franciscanos, e
especialmente do pregador italiano Leonardo de Porto Maurizio, o número de estações
duplica, chegando a quatorze. Em 1731, esse número foi oficializado pelo Papa Bento
XIV.
Para o historiador de arte Germain Bazin, esse tipo de lugar era importante, na
Idade Média, devido à dificuldade de se peregrinar aos Lugares Santos, o que levou a
sua reprodução em diversos países. Sendo o caminho da cruz uma subida, nada mais
natural que fosse situado na encosta de uma montanha. O mais célebre de todos, foi,
segundo o historiador, o santuário de Vallaro, no Piemonte italiano, que, em 1491,
inaugurou o tema do sacro monte, ou montanha sagrada, tornando-se, mais tarde, um
dos grandes motivos da cenografia religiosa barroca524.
Ainda conforme Bazin, “[...] quanto ao uso do vocábulo statio, ele aparece,
desde a época paleocristã, com um significado litúrgico, designando um velório ou
‘vigília’ com jejum, que se costumava fazer junto aos túmulos dos mártires, à noite e ao
amanhecer. Na Antiguidade pagã, o vocábulo tinha o sentido de plantão,
frequentemente comparada à de um soldado. Com a continuação, o vocábulo statio
aplicou-se às paradas feitas durante uma peregrinação – por exemplo, às paradas em
cada uma das sete igrejas de Roma, que se devia visitar num dia para se alcançar
indulgência plenária”525.
Os sacros montes, a partir do século XV, se multiplicam pela Europa. Os ibero-
americanos utilizaram o termo “passos” para determinar cada etapa da via crucis, pois

523
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 484 e 485.
524
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura..., op. cit., p. 220 e 221.
525
Idem, ibidem, p. 222.
269

se calculava a distância exata entre as estações a partir dos passos dados por Cristo. Na
Alemanha, a devoção se consagrava por capelas e cenas esculpidas em relevos, que
representavam as diversas estações. Um dos mais importantes foi o esculpido por Adam
Kraft (c. 1460-1509), na cidade de Nuremberg. Essa devoção se espalhou por toda a
Europa, tendo os franciscanos como grandes divulgadores. Os famosos baixos relevos
de Adam Kraft, em número de sete, são conhecidos como The seven falls, isto é, as sete
quedas, pois, em todos eles, Cristo se encontra quase ao solo, sucumbido pelo peso da
cruz, ou já ao solo526.
Émile Mâle, mais uma vez, vê, no Teatro dos Mistérios, a origem dessa
popularidade dos Sacros Montes. Apesar de as encenações não ocorrerem em montes,
realizavam-se ao ar livre e podiam prolongar-se por vários dias527. Além do Teatro dos
Mistérios, analisado por Mâle, Germain Bazin credita o papel de promover os sacros
montes também às obras literárias piedosas e descritivas dos lugares santos, publicadas
em fins do século XV e XVI, que, a partir da imprensa, foram reproduzidas e divulgadas
rapidamente528.
“Depois das colunas com baixos-relevos, usuais no século XV, [...] cada
estação transformou-se numa capela, em que um grupo esculpido, pintado em cores
naturais, evoca, de maneira realista, o episódio da Paixão que se quer comemorar [...]
todo o monte transforma-se em uma enorme cenografia que, graças a um mundo de
estátuas, alojadas em verdadeiros pequenos palácios, celebra a história da humanidade
vista do ângulo cristão, começando pela criação, prosseguindo pela Encarnação e

526
[…] called "Seven Falls of Christ", that is to say Stations of the Cross representing Christ tottering
and falling under the weight of His Cross, […] They were completed about 1490, and are now in the
Germanic Museum at Nuremberg. […]. GIETMANN, Gerhard, ‘Adam Krafft’, publicado em The
Catholic Encyclopedia, Vol. 8, New York, Robert Appleton Company, 1910. 24 Jan. 2016
<http://www.newadvent.org/cathen/08695b.htm>.
527
MÂLE, Émile, op. cit., p. 45. Um exemplo interessante da importância das obras literárias e do teatro é
o Sermão da Sexagésima, do Padre Antonio Vieira: Vai um pregador pregando a paixão, chega ao
Pretório de Pilatos, conta como a Cristo fizeram rei de zombaria; diz que tomaram uma púrpura, e lha
puseram aos ombros ouve aquilo o auditório muito atento. Diz que teceram uma coroa de espinhos, e que
lha pregaram na cabeça: ouvem todos com a mesma atenção. Diz mais que lhe ataram as mãos, e lhe
meteram nelas uma cana por cetro: continua o mesmo silêncio, e a mesma suspensão nos ouvintes.
Corre-se neste passo uma cortina, aparece a imagem do Ecce Homo: eis todos prostrados por terra; eis
todos a bater nos peitos, eis as lágrimas, eis os gritos, eis os laridos, eis as bofetadas: que é isto? Que
apareceu de novo nesta Igreja? Tudo o que descobriu aquela cortina, tinha já dito o pregador. Já tinha
dito daquela púrpura, já tinha dito daquela coroa, e daqueles espinhos, já tinha dito daquele cetro, e
daquela cena. Pois se isto então não fez abalo nenhum, como fez agora tanto? Porque então era Ecce
Homo ouvido, e agora é Ecce Homo visto: a relação do pregador entrava pelos ouvidos: a representação
daquela figura entra pelos olhos. Ver: MARQUES, João Francisco, ‘A palavra e o livro’, publicado em
História religiosa de Portugal,... p. 291.
528
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura..., op. cit., p. 227-228.
270

terminando na Redenção. É a repetição de uma velha ideia da Idade Média essa


redução do mundo às dimensões do cristianismo”529.
No universo ibero-americano, nos dias de festa, “as imagens, principalmente as
da Paixão – os passos – revestidas de suntuosos brocados, de joias resplandecentes,
saem das grutas douradas dos retábulos para serem mostradas de dia, nas ruas da
cidade, carregadas aos ombros humanos sobre andores ou mesmo imensas
plataformas, flamejantes de luminária. Será preciso relembrar os extraordinários
espetáculos que constituem, ainda hoje, em Sevilha, a exibição de imagens durante a
semana santa? [...]”530
Portugal praticou o culto aos sacros montes a partir do século XVII, nas encostas
arborizadas de Buçaco (Carmelitas Descalços). Entretanto, somente no século XVIII, vê
difundir-se a devoção com a construção de alguns sacros montes: de Setúbal (Bom
Jesus do Bonfim, fundado por frei Antônio das Chagas, 1728), de Matosinhos, perto do
Porto, onde se venerava uma imagem milagrosa do Crucificado, derivada do Vulto
Santo de Lucca, e onde, em 1733, a irmandade preparou o jardim e seus passos. Ainda
hoje, são encontrados os sacros montes no Bom Jesus, perto de Braga e no Lamego (na
Beira)531.
John Bury em artigo que estuda a relação dos sacros montes portugueses com o
do Santuário de Congonhas, no Brasil, informa com maior acuidade a relação dos sacros
montes e suas capelas portuguesas, localizados maioritariamente na região do Minho,
mas também no centro. “Há oito capelas de Passos na rampa de acesso ao Bom Jesus
de Braga; sete no Senhor da Abadia, a Nordeste de Braga; sete em Santo Antonio dos
Olivais, em Coimbra. E seis: nos Santuários de Matosinhos, perto do Porto; Senhora

529
Idem, ibidem, p. 228.
530
Idem, ibidem, p. 237.
531
[...] No Bom Jesus de Bouças (Matosinhos), que ainda em 1692, no dia da sua festa principal, teria
acolhido mais de 20 000 visitantes, em 1726, uma parte dos múltiplos rendimentos da sua irmandade
eram aplicados à criação de um novo retábulo e de um trono para a imagem principal, profusamente
decorados com talha barroca. As obras no interior da igreja prolongar-se-iam até à segunda metade do
século XIX. Outras vezes, eram renovações arquitectónicas mais profundas que constituíam o meio
preferido para dar novo alento a devoções já existentes. Foi o que sucedeu no Bom Jesus do Monte onde,
após 1721, a introdução de capelas com cenas da Paixão, fontes, escadórios, terreiro, pórtico, e a
construção de uma igreja principal, seguindo o modelo dos sacros-montes italianos, revitalizou o
santuário, cujas obras de ampliação só terminaram em 1853. [...] Ver: PENTEADO, Pedro,
‘Peregrinações e santuários’, publicado em História religiosa de Portugal, op. cit., p. 355.
271

da Franqueira, nos arredores de Barcelos; Senhora do Pilar, perto de Vila Nova de


Gaia e Senhora da Peneda, na Serra do Suajo”532.
Os reflexos destes sacros montes, no Brasil é, sem dúvida, o Santuário do Bom
Jesus de Matosinhos em Congonhas, Minas Gerais, inspirado no de Braga e estudados
por diversos especialistas. Comporta cinco capelas, dispostas ao longo de um monte
suave. No cume, a Igreja do Bom Jesus, é cerimoniada pelos profetas em pedra sabão de
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que tornou esse monumento ímpar na história
da arte do Brasil. Além do santuário, notabilizam-se ainda as 63 obras esculpidas em
tamanho natural, das seis capelas que levam ao cume do monte, também de sua autoria
e oficina533.
Resta-nos indagar: por que uma devoção tão particular à ordem franciscana foi
escolhida pelos irmãos leigos carmelitas, no Brasil, como programa iconográfico de
suas igrejas? Devemos esclarecer que os Passos da Paixão representados nas igrejas dos
terceiros carmelitas são sempre os mesmos. Em número de sete, foram escolhidos a
partir dos acontecimentos desenvolvidos ao longo de toda a Paixão de Cristo, desde a
entrada de Cristo em Jerusalém até a Crucificação.
Cogitamos duas hipóteses. A primeira é a mais óbvia: sendo os leigos do
Carmelo responsáveis pela Procissão do Triunfo, nada mais natural que utilizassem as
obras escultóricas da procissão para ornar as igrejas, facilitando e tornando econômica a
sua decoração interna. A segunda se relaciona à escolha de Santa Teresa, como patrona
dos leigos e à influência de seus textos, assim como os de São João da Cruz.
No Brasil, apesar de serem encontradas apenas igrejas de Ordem Terceira
ligadas aos Calçados, a escolha de Santa Teresa como patrona, mostra a sua importância
para a ordem como um todo. Acreditamos que seja este também o motivo de se utilizar
a tarja dos Descalços em alguns edifícios dos terceiros, principalmente na região de
Minas Gerais, onde não houve instalações conventuais. Além de Minas, esta mesma
tarja pode ser encontrada na portada da igreja dos terceiros de Recife, e em alguns
outros monumentos.

532
BURY, John, ‘Santuários do Norte de Portugal e sua influência em Congonhas’, publicado em
publicado em A arquitetura e a arte do Brasil colonial, São Paulo, Nobel, 1991. Reedição: Brasilia,
IPHAN/MONUMENTA, 2006, p. 231-232. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/files/johnbury.pdf
533
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O Aleijadinho e o Santuário de Congonhas, Monumenta /
IPHAN, 2006.
272

Fig. 56 – Tarja da portada da Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais.


Observar o elemento distintivo entre os Calçados e os Descalços: a cruz no cume do
Monte do Carmelo.

A literatura mística produzida pelos dois principais representantes do Carmelo


Descalço534pode ter rendido aos terceiros o patrocínio da Procissão do Triunfo e
influenciado na escolha do programa decorativo das igrejas dos terceiros no Brasil.
Santa Teresa, com o Livro da vida, ensina a importância da oração, que vai se
desenvolvendo e evoluindo pela prática, a partir de sete níveis, até alcançar o estado de
graça (ou unitivo), tendo sempre o pensamento voltado para as cenas da Paixão de
Cristo. E, por fim, São João da Cruz, com a obra Subida del monte Carmelo, representa
as fases da perfeição mística incluindo uma ilustração própria do seu tratado com uma
montanha de longas e fastidiosas ascensões535.

Fig. 57 – Monte da Perfeição, ilustração utilizada por São


João da Cruz. (Fonte: acervo da BN, Portugal)

Tratou-se, portanto, de unir o útil (necessidade


de ter sete Cristos da Paixão para a celebração da
Procissão do Triunfo) ao agradável (iluminar as igrejas
com os Passos de maneira que os fiéis e os irmãos pudessem usufruir das esculturas

534
Vale lembrar que a primeira obra de Santa Teresa de Avila, Caminho de perfeição, saiu em 1583, na
cidade de Évora, mercê do mecenato do arcebispo D. Teodósio de Bragança.
535
Citado por ELIADE, Mircea, Tratado de história das religiões, Lisboa, Edições Cosmos, 1977, p. 141.
273

devocionalmente). Os irmãos terceiros utilizavam também dos Cristos, conforme os


seus estatutos, para o ritual desenvolvido nas sextas-feiras da Quaresma. No estatuto da
cidade do Rio de Janeiro apresenta a seguinte descrição: ritual que se costumam fazer
nos altares de nossa capela em que se medita e representa cada um dos sete sagrados
Passos, e com os motetos que a música canta536.
Portanto, acreditamos que esses motivos seriam suficientes para justificar o uso
dos sete Cristos, da Procissão do Triunfo, também no povoamento dos altares das
igrejas, integrados ao programa iconográfico. As esculturas eram quatro de talha
completa e três de vestir, cumpriam a função devocional na liturgia diária e a função
processional, participando da Procissão do Triunfo.
E ainda uma última questão que pode de alguma maneira ter influenciado a
escolha: existia uma rivalidade constante entre os leigos franciscanos e carmelitas no
Brasil do século XVIII. Por aqui não houve a diversidade observada em Portugal. As
poucas ordens que se instalaram desejavam angariar cada vez mais fieis e irmãos 537. Os
jesuítas e beneditinos não possuíam história ligada aos terceiros, restando, portanto, aos
franciscanos e carmelitas, angariar o maior número de brancos das classes mais
abastadas da população. Aos carmelitas, juntaram-se comerciantes e fazendeiros, dando-
lhes status social e poder sobre os seus subalternos538. Os franciscanos realizavam a
Procissão das Cinzas com os seus vinte e tantos andores ricamente ornados, para abrir o
tempo da Quaresma. Restou aos carmelitas escolher um tema particular aos
franciscanos, para rivalizá-los em pompa com a Procissão do Triunfo, fechando o tempo
da Quaresma.

536
ESTATUTOS DA VENERAVEL Ordem terceira de Nossa senhora do Monte do Carmo. Novamente
impressos com as reformas feitas pelo meza conjunta de 29 de setembro de 1848, sendo prior da Ordem
o Irmão Prior jubilado João Baptista Lopes Gonçalves, reimpresso em 1895, Rio de Janeiro, Typ. e
Papelaria Neves, p. 42.
537
Durante o período em questão, os religiosos do Padroado Português espalharam-se por três
continentes. No Brasil, além dos padres da Companhia (1549), estabeleceram-se os carmelitas, em 1580,
e os franciscanos, em 1585. E, sucessivamente, mercedários (1642), capuchinhos (1642), oratorianos
(1659), carmelitas descalços (1665), clarissas (1677), dominicanos (1678) e agostinianos (1693). Vários
destes grupos limitaram-se a abrir conventos nos principais centros urbanos, pelo que não tiveram um
papel relevante na evangelização do território.
538
Fritz Teixeira Sales afirma que as irmandades religiosas do estado de Minas Gerais, no Brasil, no
século XVIII, apresentavam as seguintes categorias socioeconômicas: os brancos, as classes dirigentes e
os reinóis se agruparam nas Irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Conceição e
São Miguel e Almas; os comerciantes ricos, os donos de lavras e os funcionários da Coroa, nas Ordens
Terceiras de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo; os negros escravos, nas Irmandades do
Rosário, de São Benedito e Santa Efigênia; os escravos crioulos, forros e mulatos, na Irmandade de Nossa
Senhora das Mercês, e os pardos, na de São Gonçalo Garcia. Ver: SALES, Fritz Teixeira de, Associações
religiosas no ciclo do ouro, Belo Horizonte, UFMG e Centro de Estudos Mineiros, 1963 (Coleção
Estudos 1).
274

4.2.2 Passos de rua

A devoção dos Passos da Paixão de Cristo comuns em populares capelinhas de


rua era de responsabilidade das Irmandades do Senhor dos Passos, normalmente,
instituídas nas igrejas matrizes. Essas irmandades também surgiram pela devoção
específica ao sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, na caminhada para o Calvário
sob o peso da cruz, assim como os sacros montes, em fins do século XV ou já no XVI.
Normalmente, nas cidades, as capelas figuravam em número de cinco, tendo em vista
que o primeiro e o último passo da série obrigatória de sete eram montados na igreja que
iniciava o cortejo da procissão (Matriz).
Nas cidades existiam também algumas capelas localizada na “passagem dos
fiéis, de modo a captar a sua atenção e proporcionar a adoração. Foi assim que nasceu
o Santuário do Senhor Jesus dos Milagres de Leiria, em 1731 e, posteriormente, o
Senhor Jesus de Turquel e Alcobaça”539. Porém não devem ser confundidas com os
Passos das Irmandades do Senhor dos Passos, frutos da crescente devoção ao sofrimento
de Cristo.
Acreditamos que essas pequenas capelas inspiraram os passos de rua, cuja
responsabilidade recaía, como vimos, sobre as Irmandades do Senhor dos Passos.
Levados ao continente americano, esses passos desenvolveram-se com grande pompa e
criatividade representando o caminho para o calvário. A localização das capelas
acompanhava o desenvolvimento urbano das cidades. Como elas ficariam abertas nas
comemorações da Semana Santa, a sua fixação deveria seguir o trajeto percorrido pela
Procissão do Senhor dos Passos.
Procissão que segundo as Constituições do Arcebispado da Bahia era de
responsabilidade da Irmandade dos Passos, e deveria ser levada as ruas na segunda
Sexta-Feira da Quaresma540. Porém, também esteve a cargo da Ordem Carmelita, ao
menos em algumas cidades, como em Vitória, no Brasil, segundo Wallace Bonicenha,
da antiga capela da Ordem Terceira do Carmo, saíam duas grandes procissões: a do

539
PENTEADO, Pedro, ‘Peregrinações e santuários’, publicado em ... p. 356.
540
VIDE Dom Sebastião Monteiro da, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas, e
ordenadas pelo illustrissimo, e reverendissimo Senhor 5º Arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho
de sua Magestade, poposta e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito Senhor celebrou em 12 de junho
do anno de 1707, Impressas em Lisboa no ano de 1719, e em Coimbra em 1720 com todas as licenças
necessarias, e ora reimpressas nesta capital. São Paulo, Na Typographia 2 de dezembro de Antonio
Louzada Antunes, 1853, p. 254, p. 192. Disponível em : http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222291.
275

Triunfo e a do Senhor dos Passos, realizada na primeira quinta-feira da Quaresma,


quando os irmãos da Ordem Terceira levavam a imagem do Senhor dos Passos para a
igreja da Misericórdia, para ser venerada. É importante lembrar que o orago principal da
capela de Vitória era o Senhor dos Passos541.
No Brasil, ainda encontramos capelas de Passos, em algumas cidades de Minas
Gerais, tais como Mariana, Ouro Preto e Tiradentes, mas também em Olinda, em
Pernambuco, e em Paraty542, no estado do Rio de Janeiro. A atual série da cidade de
Mariana “tem início na rua do Rosário, com a Capela relativa ao Passo do Horto e
termina na rua D. Viçosa, com o Passo da Cruz-às-costas. Entre elas, se situam o
Passo da Flagelação na rua da Glória, o do Bom Jesus da Pedra Fria na rua Direita e
o da Varanda de Pilatos ou Ecce Homo na rua Nova. As imagens desses três passos, em
tamanho próximo do natural, foram esculpidas pelo entalhador Garcia de Sousa, que
por elas recebeu a módica quantia de 24 oitavas de ouro em 1749. Atualmente,
pertencem ao acervo da igreja da Ordem Terceira de São Francisco, onde ficam
expostas durante o ano no corredor lateral da direita”543.

Fig. 58 – Cristos da Flagelação, Pedra Fria e Ecce


Homo, atualmente na Igreja dos Terceiros de São
Francisco, Ouro Preto.

541
BONICENHA, Wallace, apud FILHO, Pedro Canal (org.), ‘O convento de Nossa Senhora do Carmo’,
Vitória, Edufes, 2010, p. 31.
542
Para ver detalhes dos Passos de Paraty, ver: http://www.paraty.com.br/passos_da_paixao.asp
543
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó nas igrejas de
Ouro Preto e Mariana, Brasília, DF, Iphan / Programa Monumenta, 2010, vol. 2, p. 152.
276

4.3 A iconografia de Cristo na arte portuguesa

A partir da pesquisa imagética, iniciada nos volumes dos Inventários Artísticos


de Portugal – Aveiro, Beja, Coimbra, Évora, Leiria, Portalegre, Porto e Santarém –, em
obras de referência como a Escultura em Portugal de Reinaldo dos Santos e outras de
Vergílio Correia, e ainda, nos fascículos da História da Arte em Portugal, nas suas três
versões, elaborou-se um pequeno resumo evolutivo dos tipos iconográficos das
representações do Cristo na arte portuguesa.
Do Cristo simbólico, isto é, na forma zoomórfica, o cordeiro foi o mais
identificado544, para o período românico e medieval. As fontes textuais para a
representação do Cristo como um Cordeiro podem ser encontradas no Antigo e no Novo
Testamento. A morte de Cristo na cruz foi identificada muito prematuramente com o
sacrifício do cordeiro pascal instituído por Moisés. Por outro lado, o profeta Isaías
(53:7) já dizia: “Maltratado, mas ele se submeteu / não abriu a boca / como cordeiro
levado ao matadouro [...]”545.
O cordeiro está presente no acervo do Museu Machado de Castro, em Coimbra,
no painel da igreja de São Miguel de Milreus, do século XII546 e ainda existe no mesmo
museu um fragmento em baixo relevo, de pedra calcária de Ançã-Portunhos547.
Esse último é descrito por Carlos Alberto Ferreira de Almeida, que acredita ser
essa placa uma testeira de sarcófago ou um frontal de altar-túmulo, com nítida
influência moçárabe, do século XIII: “Mostra-nos um Agnus Dei, entre ramagem que
volteia em espiral e o envolve, da qual vão saindo folhas e frutos que vão enchendo os
espaços. O ramo finalizaria em cruz, por cima do dorso do cordeiro. As folhas túrgidas,

544
Principal forma simbólica da representação de Cristo é como o Cordeiro em sacrifício, ostentando o
Estandarte da Ressurreição. A morte de Cristo na Cruz foi identificada com o sacrifício do cordeiro
pascal, cuja cerimônia foi estabelecida por Moisés. O Cordeiro é o próprio Cristo Salvador, cujo sangue
foi derramado para salvar os homens. Daí a sua associação com o sacramento da Eucaristia. Para maiores
detalhes, ver: EUSÉBIO, Maria de Fátima, ‘A apropriação cristã da iconografia Greco-latina: o tema do
Bom Pastor’, publicado em Máthesis, 14, Coimbra, 2005, p. 9-25.
545
José Antonio Falcão esclarece que o simbolismo do Agnes Dei é complexo, mas que, ao longo dos
séculos, quatro tipologias podem ser definidas claramente: o cordeiro idílico, apoiado num rochedo de
onde manam os quatro rios do Paraíso e acompanhado por um cajado e um vaso de leite; o cordeiro
crucífero, ajoelhado com uma cruz e a jorrar sangue da ferida aberta no seu flanco; o cordeiro vexilífero,
a apertar uma cruz com estandarte contra o peito, aludindo à Ressurreição e, por último, o cordeiro
apocalíptico, com o Livro dos Sete Selos. Por vezes, essas versões aparecem combinadas. Ver:
FALCÃO, José António, ‘O Mistério de Cristo na revelação Artística’, publicado em Catálogo da
Exposição do Grande Jubileu do Ano 2000 “Cristo Fonte de Esperança”, Porto, 2000, p. 31.
546
VERGILIO CORREIA e NOGUEIRA GONÇALVES, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de
Coimbra II, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1947, p. 162.
547
REAL, Manuel Luís, ‘Agnus Dei’, publicado em Cristo fonte de esperança. Catalogo da Exposição do
grande jubileu do ano 2000, Porto, 2000, p. 175.
277

reviradas em concha, inspiram-se na arte da iluminura que no tempo se desenvolvia em


Coimbra e Alcobaça, embora outras folhagens, como as que se representam na frente
do corpo do cordeiro, de recortes revirados, tenham nítidas sugestões dos atauriques e
das palmetas floreadas da arte árabe. A inspiração moçárabe é ainda evidente na copa
de pequenas folhas lanceoladas que remata a ramagem donde arrancava a cruz final.
De resto, as marcas moçárabes na arte coimbrã dos princípios do século XIII, época a
que pertencerá esta escultura, são bastante abundantes e continuarão no gótico, como
mostram diversos capitéis do claustro da Sé Velha”548.
Outros exemplares do Cordeiro podem ser identificados na localidade do
Concelho da Póvoa de Varzim, Distrito do Porto, norte de Portugal, sob os pórticos das
entradas de duas igrejas românicas. O primeiro encontra-se na porta lateral da Igreja de
São Pedro de Rates, decorando o tímpano. E o segundo,
na Igreja de São Cristóvão, também no tímpano, porém,
na parte interna da porta principal. Em ambos, o cordeiro
posiciona-se de pé, segurando, com uma das patas
dianteiras, a cruz grega de quatro hastes. No segundo, o
desenho é mais estilizado.

Fig. 59 – Cordeiro, porta lateral, Igreja de São Pedro de Rates,


Póvoa do Varzim, Porto.

Do Cristo zoomórfico, passemos ao Cristo na forma humana, que, em Portugal,


se assemelhará ao Crucificado, e, em algumas outras esporádicas representações
iconográficas, com o Cristo em Majestade e o Bom Pastor. Quanto aos Crucificados,
seguiram a tipologia da escultura encontrada nas outras regiões da Europa, presentes em
cruzes processionais, nos cruzeiros, localizados no adro das igrejas, e, na obra tumular,
com predominância do metal e da pedra como suporte.
Um exemplo interessante é o grupo escultórico do Crucificado com a Virgem e
João Evangelista, do cruzeiro da Igreja paroquial de Santiago do Rio de Moinhos,
distrito de Évora, o qual, segundo Túlio Espanca, é do século XIII549. As personagens
são de uma simplicidade comovente, o Cristo é o Triunfal, de olhos abertos e sem coroa

548
ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, ‘O Românico’, publicado em História da arte em Portugal.
Volume 3, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, p. 163.
549
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évora, op. cit., Estampa 37.
278

de espinhos. Similar, porém de caráter mais naturalista, é o do Cruzeiro, que ainda hoje
pode ser visto na Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães.
Quanto às cruzes processionais, metálicas, e às peças do mobiliário sacro das
igrejas, Correia de Campos, na obra intitulada Imagens de Cristo em Portugal, arrola
uma boa quantidade dessas que contêm as representações dos Crucificados, seguindo os
mesmos modelos utilizados até então: Cristo vivo (triunfal e com coroa real) e, com o
avançar da Idade Média, o Cristo morto (sofredor e com coroa de espinhos)550.
Quanto aos Crucificados de madeira, existe um pequeno grupo inventariado,
quase todos fora dos seus locais de origem. Gustavo de Matos Sequeira, no Inventário
Artístico de Portugal, Distrito de Santarém, relaciona três exemplos: o de Santa Iria, o
de Almoster, e o Cristo negro do Museu Machado de Castro. Para esse autor, o mais
antigo é o Crucificado de Santa Iria de Santarém, pois apresenta o formato “[...]
arcaico, com a singularidade de a figura apresentar o braço direito pendido da cruz. A
modelação do dorso, onde a linha contornante das costelas se define com violência, o
alongado das mãos, o enrolado do cabelo, a ausência da coroa de espinhos, o não
cruzamento dos pés, o saio ainda comprido, levam a colocar esta escultura na primeira
metade do século XIII, anterior, portanto, aos Cristos de Almoster e do Museu
Machado de Castro”551.
O Crucificado de Santa Iria, é, portanto, um Cristo de olhos fechados,
expressivo na sua magreza e na flexão do corpo, devido à soltura de um dos braços da
cruz. Anatomicamente, porém, é um tanto estilizado. Apesar de não possuir a coroa de
espinhos e apresentar os pés paralelos, tem os olhos fechados. Correia de Campos
conjectura se essa escultura não pertenceria a uma Descida da cruz552.
O Crucificado de Almoster é, sem dúvida, já do tipo Morto com coroa de
espinhos, olhos fechados e fisionomia triste e sofredora. A policromia, dramática e
sanguínea, acompanha a tipologia dos Cristos espanhóis. No volume quatro da obra
História da arte portuguesa, Pedro Dias, afirma que não existem muitos Cristos
Crucificados deste período, [...] pelo que é problemática a integração destes
exemplares na evolução da arte portuguesa. Sabemos que muitas destas imagens se
perderam, dado serem de madeira, pelo que hoje não podemos dizer se haveria uma

550
CORREIA DE CAMPOS, Imagens de Cristo em Portugal, Lisboa, Livraria Bertrand, (d/1948).
551
SEQUEIRA, Gustavo de Matos, Inventário artístico de Portugal, Distrito de Santarém, Lisboa, 1949,
p. 6. O autor explica que o Cristo tem o braço pendido, devido a um milagre ocorrido no ano de 1300.
552
CORREIA DE CAMPOS, op. cit., p. 154.
279

corrente com as características dos que reproduzimos ou se estes representam


excepções que, por acaso ou por isso mesmo, resistiram ao desgaste dos séculos553.
Do tipo Morto, ainda há o exemplo conhecido como Cristo Negro, apelidado
assim devido ao acúmulo de fuligens de velas e de sujidades, que se foram incorporando
à sua policromia ao longo dos séculos. Pertenceu ao Convento de São João das Donas e,
quando da extinção das ordens religiosas, passou para o Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra. Atualmente se encontra no Museu Machado de Castro. Atualmente, já não
exibe o aspecto negro, da alcunha recebida, pois sofreu um criterioso restauro no
Instituto José de Figueiredo.
Dentre os exemplos do Cristo medieval português, de madeira, vale a pena
ressaltar também o Bom Jesus de Matosinhos e o Cristo do Museu Grão Vasco. Este
último que vem merecendo atenção da especialista em escultura medieval, Carla Varela
Fernandes554. Por estranho que pareça o próprio Museu informa ser esta uma peça
articulada do século XIII, “destinada a ser usada no contexto das celebrações da
Semana Santa, nomeadamente na Procissão de Passos e no Auto do Descimento da
Cruz. As articulações dos membros permitiam que a imagem pudesse ser apresentada
de joelhos carregando a cruz, facilitando a encenação realista da crucificação e
descimento de Cristo. A escultura articulada que se desmonta em várias peças,
provavelmente do período medieval, poderá ter sido adaptada a esta função num
período posterior, quando se passaram a generalizar os actos públicos referentes à
Paixão de Cristo”555.
Trata-se, portanto, de um pequeno número de Crucificados, de obras
completamente diferentes tanto estilística como iconograficamente. O de Matosinhos é,
sem dúvida, do tipo Triunfal; dois já são do Cristo Morto e sofredor (Almoster e
Negro), e o de Santa Iria e do Museu Grão Vasco tem iconografia indeterminada, pois,
apesar dos olhos fechados, não conservam vestígios de coroa de espinhos, mas, talvez
de uma coroa real, no primeiro.
A partir do século XIV, a representação do Cristo na arte portuguesa passa a ser
diversificada, com a introdução dos tipos iconográficos relativos a algumas cenas

553
DIAS, Pedro, ‘O Gótico’ publicado em História da arte em Portugal, Volume 4, Lisboa, Publicações
Alfa, 1986, p. 122.
554
FERNANDES, Carla Varela, ‘PATHOS - The bodies of Christ on the cross. Rhetoric of suffering in
wooden sculpture found in Portugal, twelfth - fourteenth centuries. A few examples’, disponível em:
https://www.academia.edu/5252172/PATHOS_-_The_bodies_of_Christ_on_the_cross.
555
Cristo, Museu Grão Vasco. Informação disponível em:
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=1039135
280

específicas da Paixão de Cristo. Enfatizam-se momentos determinantes do sofrimento


que Cristo vivencia nos seus últimos dias. Exemplares escultóricos desse período são: o
túmulo de Dona Inês de Castro e, duas placas, contendo cenas da Paixão. O primeiro
situa-se ao lado do sarcófago do rei D. Pedro I (1320-1367), no mosteiro de Alcobaça.
A obra foi encomendada pelo próprio rei.
Segundo Maria José Goulão, os dois túmulos são especiais.
“Dado o caráter verdadeiramente excepcional da iconografia e das soluções
formais adotadas, estes monumentos funerários representam uma ruptura no contexto
da arte portuguesa do terceiro quartel do século XIV, num país periférico como era
então Portugal, revelando um momento de singular criatividade. [...] A atribuição
destes túmulos tem suscitado as mais diversas hipóteses, dado tratar-se de obras
plásticas sem paralelo em Portugal, o que dificulta o estabelecimento de uma linha
evolutiva e impede comparações. [...] Com efeito, o material usado pelos escultores foi
o calcário brando da região de Coimbra, o que mantém em aberto a hipótese de estas
obras terem sido executadas por mestres nacionais”556.
O túmulo de D. Inês traz, portanto, representa um conjunto de narrativas sobre a
vida de Cristo: nas duas faces, estão a Crucificação e o Juízo Final e, nos frontais, 12
cenas: de um lado, as relativas à Infância e do outro, à Paixão. Do lado da Infância: a
Anunciação, a Natividade, a Epifania, a Matança dos inocentes, a Fuga para o Egito e a
Apresentação de Cristo no templo. Do outro lado, estão as cenas relativas à Paixão de
Cristo. O ciclo se inicia com a Ceia, segue-se o Horto e a Prisão (inclusive com a
mutilação de Malco e o suicídio de Judas). Esta última cena, o suicídio de Judas,
Correia de Campos descreve assim: “Vê-se este suspenso da figueira, o ventre aberto
com os intestinos pendentes e o diabo a arrancar-lhe de dentro a alma, representada
por uma pequena figura nua”557. A sequência continua com Jesus diante de Pilatos,
Flagelação, “com Cristo atado a um pelourinho de gaiola, pouco comum entre nós,
onde a torção dos corpos acentua o sentido patético da composição”558 e, finalmente,
Senhor a caminho do calvário, acompanhado das santas mulheres. Observa-se, neste
último, a falta de peso da cruz, que é carregada simbolicamente, e não como um
suplício.

556
GOULÃO, Maria José, ‘Expressões artísticas do universo medieval’, publicado em RODRIGUES,
Dalila (coord.), Arte Portuguesa. Da pré-história ao século XX, volume 4, Lisboa, Fubu editores, 2009, p.
77.
557
CORREIA DE CAMPOS, op. cit., p. 142
558
GOULÃO, Maria José, op. cit., p. 78.
281

Comparando a cena da Crucificação com outras obras tumulares, como o túmulo


de Isabel de Aragão, atribuído ao Mestre Pêro, de cerca de 1330, ou com a do túmulo do
Bispo D. Pedro, da catedral de Évora, nota-se a diferença da fonte formal e
iconográfica. Na obra do Mestre Pêro, o homem Crucificado é estilizado, falta-lhe a
presença anatômica observada no túmulo de Inês de Castro. Parece-nos que o de D.
Pedro relaciona-se aos Cristos italianos, inclusive na escolha do perizônio longo
modelando o corpo (do tipo tecido molhado), porém anatomicamente estilizado.
Iconograficamente os três são do tipo morto, preso à cruz por três cravos.

Fig. 60 – Crucificados:
túmulo Inês de Castro,
Alcobaça e túmulo
Bispo D. Pedro,
Catedral de Évora.

As duas placas em baixo relevo possuem desenho idêntico, porém a matéria-


prima é distinta: massa e pedra. A primeira, de massa, identificada como Pequeno
retábulo da Paixão (estampa CLXXVII, do Inventário de Coimbra), datada como do
século XIV, pertence ao Museu Machado de Castro. A segunda, de pedra, o Retábulo
do Salvador (Estampa VIII, do Inventário de Aveiro), também do século XIV, é
propriedade do Exmo. Senhor Francisco Teixeira Lopes, de Pampilhosa, Distrito de
Aveiro. As duas apresentam a mesma tipologia. São divididas em cinco tramos
contendo cenas da Vida de Cristo: no retângulo central, de maior dimensão, Cristo está
sentado, com o olhar direcionado para frente, podendo ser identificado como o
momento posterior à Coroação de Espinhos, comumente chamado de Senhor da Pedra
Fria. Na lateral esquerda, o Crucificado, acompanhado de Maria e João Evangelista, e
abaixo o Sepultamento; na lateral direita, a Descida da cruz e a Aparição de Cristo
ressuscitado a Maria Madalena. A tipologia e o tema das cenas são exatamente os
mesmos, dando a impressão de se tratarem de cópias. Segundo Maria José Goulão,
existiam, por volta de 1400, na Europa, dois processos que favoreciam a circulação de
modelos. Um deles era exatamente o da “pedra moldada”, obtida a partir do ‘decalque’
282

dos motivos por meio de moldes559, técnica que parece se aplicar muito bem a estas
duas placas.
Na pequena cena do Crucificado, Cristo está fixado à cruz por três cravos e tem
a cabeça caída para a direita. O perizônio é um tecido amarrado nas duas laterais. De um
dos lados, Maria, de mãos postas, olha para frente, e do outro, João Evangelista segura o
livro e apoia a cabeça na sua mão esquerda. Este Crucificado se encontra na mesma
linha evolutiva do Cristo do Túmulo de Isabel de Aragão. Entretanto, talvez seja
anterior àquele, pois os braços presos horizontalmente na cruz ligam-no ao tipo
Triunfal, enquanto o segundo em V, pendente ao peso do corpo, incorpora mais
sofrimento à cena.
Na prática, constata-se que as mudanças iconográficas acompanharam as
transformações ocorridas na arte europeia do período, com certa defasagem temporal.
Quanto aos Crucificados de madeira, por terem restado poucos exemplos, como
observou o Historiador Pedro Dias, torna-se difícil estabelecer uma linha evolutiva da
tipologia desses Cristos do período medieval.
Ainda com representação das cenas da Paixão de Cristo, está no Museu
Municipal de Portalegre, uma montagem de doze placas em relevo de barro cozido
policromado, datável do século XVI, com cenas da Paixão de Cristo. De cima para
baixo, são identificadas como: Ceia, Horto, Prisão, Cristo perante Pilatos (que talvez
seja um Ecce Homo), Flagelação, Coroação de espinhos ou Senhor da Pedra Fria,
Senhor dos Passos e Crucificado. No tramo inferior, Descida da cruz, Lamentação,
Sepultamento e Ressurreição. Temos, portanto, oito cenas da Paixão propriamente dita,
cuja fonte parece ter sido já a série de gravuras do artista alemão Dürer, como observou
o Sr. Anísio Franco560.
Com o foco voltado para esculturas de vulto do Cristo da Paixão no mundo
português, encontramos um interessante Senhor da Paciência, também do Museu
Municipal de Portalegre. Segundo Heitor Patrão, é um tipo de Cristo muito singular à
região de Portalegre, “vindo a constituir um patrimônio da Terra, integrado nos
chamados ‘Barros de Portalegre’, de inspiração e técnica diferentes dos ‘barros de
Extremoz’”561. É, sem dúvida, a iconografia típica do Senhor da Paciência, algumas

559
GOULÃO, Maria José, op. cit., p. 14.
560
FRANCO, Anísio, ‘Retábulo da Paixão’, publicado em Catálogo da Exposição do Grande Jubileu do
Ano 2000 “Cristo Fonte de Esperança”, Porto, 2000, p. 126 e 127.
561
PATRÃO, Heitor, ‘Cristo (Senhor da Paciência)’, publicado em Catálogo da Exposição do Grande
Jubileu do Ano 2000 “Cristo Fonte de Esperança”, Porto, 2000, p. 124.
283

vezes confundido com o Senhor da Pedra Fria, com a Coroação de espinhos, ou ainda
com o Senhor das Lamentações, este último já apresentando, nas mãos e nos pés, as
feridas decorrentes dos cravos que o fixaram à cruz. O Senhor da Paciência é o
momento da espera pelo fim próximo, quando, sentado, Cristo apoia, em uma das mãos,
a cabeça, em atitude de resignação total.

Fig. 61 – Cristo da Coroação de espinhos, Tomar,


Portugal.

O Convento de Cristo em Tomar possui uma escultura


de Cristo sentado, confeccionada em barro cozido, de belíssima
plástica, cuja iconografia se assemelha à Coroação de
Espinhos. Encontra-se numa pequena sala em uma das alas da
clausura do famoso Convento dos templários, sem informação
adicional. Está sentado frontalmente, as mãos cruzam-se à
altura do peito e a cabeça cai ligeiramente para a direita, enquanto o olhar direciona-se
para baixo em completa atitude de resignação. O modelado do rosto é excepcional e
clássico nas características fisionômicas. O corpo tem uma boa proporção anatômica,
porém, peca pelo exagero dos músculos sem esforço, pois Cristo está sentado e imóvel.
De mesma temática, porém, de fatura anterior e em madeira policromada, é o
Senhor da Pedra Fria, da Igreja de São Pedro, em Alenquer, datável de 1525-50.
Segundo Maria João Vilhena de Carvalho, origina-se de uma oficina da Antuérpia e
vem identificado como Ecce Homo, embora pareça se tratar do Senhor da Pedra Fria,
pois Cristo já está coroado. Mais uma vez, Cristo acha-se sentado frontalmente. As
mãos amarradas cruzam-se à altura pélvica, a cabeça cai ligeiramente para a direita e o
olhar direciona-se para frente, em completa atitude de resignação.

4.4 O Programa iconográfico da Ordem Carmelita

A leitura iconográfica que ora desenvolvemos diz respeito à Ordem Carmelita, e,


em particular, aos Cristos presentes nas Igrejas das Ordens Terceiras do Brasil, além dos
tradicionais santos carmelitas presentes nas Igrejas das Ordens Primeiras da Antiga
Observância, tendo à frente a tríade composta por Nossa Senhora do Carmo, Santo Elias
284

e Santo Eliseu, maioritariamente presentes nas igrejas conventuais de Portugal e do


Brasil. Refere-se ainda à tríade Nossa Senhora do Carmo, Santa Teresa e São João da
Cruz, ou Santa Teresa e Santo Elias, encontrada nas igrejas dos Carmelitas Descalços.
Santa Teresa foi uma das devoções mais importantes, estando sempre presente nas
igrejas dos observantes e, principalmente, nas dos terceiros, nas peanhas dos
intercolúnios dos altares, quando não possui um altar próprio, como uma das devoções
de maior predileção. A lista dos possíveis santos presentes nas igrejas carmelitas é
infindável, desde os populares, como vimos acima. É constante a presença de São João
Batista e São José, dos carmelitas Santo Alberto, Santo Ângelo e Santa Maria Madalena
de Pazzi a alguns completamente desconhecidos, como São João Vesco. E nas igrejas
dos terceiros há a presença de alguns santos familiares também a outras ordens
religiosas, como São Luís, rei de França, Santa Isabel, rainha de Portugal e Santa Joana,
princesa.
Toda obra religiosa, seja a arquitetura, seja a decoração interna pressupõe a
existência de um encomendante. Quando a encomenda é de uma obra religiosa,
pressupõe-se que o encomendante seja a própria Igreja. Em “Portugal dos séculos XVII
e XVIII, no que diz respeito à arquitectura religiosa, parecem definir-se dois perfis
generalistas: a encomenda da Igreja, ainda assim não unitária, pois pode resultar de
uma encomenda conventual, de um bispo, de uma Irmandade, de uma Misericórdia ou
de uma Ordem Terceira; e a encomenda régia”562.
No Brasil, normalmente uma obra religiosa terá como responsável pelo
programa arquitetônico e decorativo a própria instituição religiosa, que buscará respeitar
as deliberações advindas das reuniões conciliares (Trento) e sinodais, assim, como as
tradições construtivas relativas à própria instituição e aos gostos de cada época. Quando
se trata, porém, de obras encomendadas por Irmandades e Ordens Terceiras, apesar do
seu caráter religioso, os encomendantes são pessoas comuns, que contratarão na sua
maioria artistas e artífices leigos, de acordo com as condições financeiras da
confraternidade.
Sendo assim, no Brasil do século XVII, os arquitetos e artífices que construíram
os nossos principais monumentos estavam ligados às ordens religiosas encomendantes,
já a partir do século XVIII, haverá um número maior de artífices leigos contratados, que
deverão seguir diretrizes e recomendações dadas pelo encomendante.

562
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I,… op. cit, p. 11.
285

Nos dois primeiros capítulos, vimos que os Carmelitas da Antiga Observância,


em Portugal, não possuíram uma arquitetura específica para os seus monumentos, dado
o grande leque de periodicidade de suas construções, assim como dos estilos
decorativos dos seus interiores. Um exemplo foi o convento de Lisboa, casa mãe da
Ordem, em estilo gótico, encomendado por um leigo, o cavaleiro Nuno Álvares Pereira,
e doado aos carmelitas563, do qual, nos dias atuais, só restam ruínas.
Os carmelitas portugueses levaram para o Brasil a arquitetura e a decoração
interna dominante nos séculos XVII e XVIII. Percebe-se certa unidade construtiva, que
seguirá a tipologia de planta e frontispícios nas diversas regiões: convento em torno do
claustro e igreja conventual em uma das extremidades, ambos na mesma linha da rua.
Porém, quando se inicia a implantação das igrejas das Ordens Terceiras, é observável o
predomínio, no nordeste brasileiro, da igreja posicionada lateralmente à igreja
conventual, recuada, independente e de menor dimensão. Enquanto na região sudeste as
suas igrejas estarão lado a lado, independentes, de dimensões similares, podendo ou não
compartilhar uma só torre central564.
Os Carmelitas Descalços, em Portugal, por terem vivenciado um período
construtivo intenso, nos séculos XVI, XVII e XVIII, acabaram por estabelecer um
modelo de fachada identificado como próprio da Ordem. Essa tipologia, fixada na
origem espanhola da ordem, foi introduzida em Portugal, chegando ao Brasil nos dois
únicos complexos instalados.
Quanto ao programa decorativo interno, as construções religiosas seguiam a
hierarquia tradicional pré-estabelecida pela própria Igreja. No período pós-Trento, nas
Matrizes, os altares-mores dividiam o espaço com o Santíssimo Sacramento e o santo
padroeiro. Nos altares laterais, as devoções mais importantes ficavam nos altares do
lado em que era proclamado o Evangelho565. Dentre elas, não podiam faltar a de São
Miguel e Almas e a do Senhor dos Passos.
Nas igrejas de irmandades e de ordens terceiras, a princípio, o programa
iconográfico é mais fácil de interpretar, já que se refere apenas às necessidades de um
grupo social, e não de toda a comunidade, como nas matrizes. Foi comum neste período
563
TEIXEIRA, Domingos, O.E.S.A. (167?-1726), Vida de D. Nuno Álvares Pereyra, segundo
Condestável de Portugal, Conde de Ourem, Arrayolos, e Barcellos, Mordomo Mor de ElRey D. Joaõ o
Primeiro, Senhor Donatario das Villas de Valença, Basto, Bouças, Baltar, Penafiel... progenitor da Casa
Real, pela Serenissima de Bragança, em Portugal, ascendente das de Castella, França, Austria, Saboya...
/ novamente composta pelo M.R. Padre Fr. Domingos Teixeira Religioso Eremita de Santo Agostinho.... -
Lisboa Occidental, na Officina da Música, 1723, 756 p.
564
Para maior detalhamento ver os capítulos 1 e 2 desta tese.
565
PENTEADO, Pedro, ‘Confraria’, publicado em História religiosa em Portugal, p. 326.
286

nas cidades do Brasil existirem além da Igreja Matriz, que privilegiava a devoção dos
brancos, pelo menos duas igrejas de irmandades, ligadas aos negros e aos pardos: Nossa
Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Amparo ou Nossa Senhora das Mercês. Além
das instalações conventuais com ou sem as suas ordens terceiras, na grande maioria
franciscanos e carmelitas.
As irmandades do Rosário reuniam os escravos africanos, alforriados ou não. No
altar principal de suas igrejas, era entronizada a padroeira Nossa Senhora do Rosário e
nos lugares secundários santos negros: São Benedito, Santo Antônio de Cartegerona,
Santa Efigênia e Santo Elesbão, estes últimos também presentes nas igrejas conventuais
e dos leigos franciscanos e carmelitas.
Quanto às igrejas da Irmandade ligadas aos pardos, tinham como invocação
principal Nossa Senhora do Amparo ou Nossa Senhora das Mercês. Nas igrejas de
Nossa Senhora das Mercês, têm presença constante os santos fundadores: São
Raimundo Nonato e São Pedro Nolasco. Nos altares laterais, não podia faltar São
Gonçalo Garcia, filho de português com mãe indiana, que morreu em Nagasaqui, em
1597, e pertencia ao grupo dos Mártires do Japão.
Nas igrejas conventuais, é habitual encontrar santos relativos a cada ordem
religiosa. No altar-mor, foi comum ter uma invocação mariana ladeada pelos santos
fundadores e ou pelos mais populares. Assim, nas igrejas dos franciscanos, está Nossa
Senhora da Conceição entre São Francisco e Santo Antônio; nas dos beneditinos, Nossa
Senhora de Monteserate entre São Bento e Santa Escolástica; nas dos dominicanos,
Nossa Senhora do Rosário entre São Domingos e São Gonçalo do Amarante ou Santa
Catarina de Siena. E, finalmente, nas igrejas carmelitas, que serão analisadas a seguir
com maior detalhamento, Nossa Senhora do Carmo, entre Santo Elias e Santo Eliseu,
podendo este último ser substituído por Santa Teresa.

4.4.1 O programa iconográfico das Igrejas da Ordem Carmelita

Diferentemente da tipologia arquitetônica, pode-se dizer que houve um


programa iconográfico padronizado, utilizado pelos dois ramos da ordem carmelita,
Antiga observância e Descalços. Exceções existiram, porém, até os santos preferenciais
dos Descalços, Santa Teresa e São João da Cruz, terão lugar cativo nas igrejas dos
Observantes. E o mesmo se passa com os santos tradicionais dos Observantes, que
estarão presentes nas igrejas dos Descalços.
287

Quanto à tipologia e ao risco dos retábulos e dos elementos decorativos, os quais


podem ser também associados ao ramo dos Calçados, é importante destacar que,
segundo Lameira, “o patrimônio retabular [português] subsistente nos templos desta
Ordem [Descalços] permite-nos constatar que cada agente responsável pela encomenda
de um retábulo recorria preferencialmente aos profissionais e às oficinas localizadas
nos principais centros urbanos da sua região. Só em casos pontuais encomendava
riscos a artistas sedeados em Lisboa, apontando-se os únicos dois exemplos
conhecidos, ambos destinados à cidade do Porto: a planta enviada por Santos Pacheco,
em 1716, respeitante à remodelação do retábulo da capela-mor da igreja do convento
de Nossa Senhora do Carmo e o projeto, datado de 1772, ainda subsistente, da autoria
do arquiteto das Três Ordens Militares, Manuel Caetano de Sousa, destinado ao
retábulo da capela-mor da igreja da Ordem Terceira do Carmo”566.
Essas constatações servem para as demais ordens religiosas portuguesas. No
Brasil, a mão de obra construtiva e decorativa é constituída, num primeiro momento, de
artífices religiosos, que vinham com as próprias ordens e, em sua maioria, eram
portugueses. No século XVIII, ela se compõe basicamente de artífices leigos, que se
instalam no continente e passam a receber as encomendas de todos os tipos de trabalhos,
a princípio, nas igrejas matrizes e paróquias e, nas igrejas de irmandades e de Ordens
Terceiras, que tiveram um desenvolvimento excepcional neste século.
Nas igrejas da Ordem do Carmo, os personagens principais serão os santos da
própria ordem, como já mencionado. Desde a figura ímpar da Nossa Senhora do Carmo
e dos santos fundadores: Santo Elias e Eliseu, para os Calçados, e, Santa Teresa e São
João da Cruz, para os Descalços. Além desses, encontraremos também as principais
devoções hagiográficas relacionadas à ordem: São Simão Stock, com o culto do
escapulário; Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, que elaborou a primeira regra para
os eremitas do monte Carmelo e, no Brasil, Santo Elesbão e Santa Efigênia, os dois
santos negros da Ordem.
Num segundo plano, estarão Santo Ângelo, santo mítico da ordem, São João
Soreth, reformador e fundador das ordens segunda e terceira, e Nuno Álvares Pereira,
fundador do convento de Lisboa, canonizado, com um atraso de 500 anos, como São
Nuno de Santa Maria. Contudo, foi sempre venerado como Beato, a ponto de ser
representado nas igrejas carmelitas portuguesas, chegando inclusive, a ter igreja própria,

566
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 46.
288

em Lisboa. No Brasil, porém, não se tornou um personagem popular, embora esteja


representado num exemplar escultórico do período barroco, na Igreja de Nossa Senhora
do Carmo da Lapa, no Rio de Janeiro.
E quanto aos Carmelitas Descalços, veneravam os santos carmelitas da Antiga
Observância. Mas, sem dúvida, nutriam especial devoção à santa fundadora: Santa
Teresa e aos novos santos, canonizados a partir da fundação da ordem: São João da
Cruz, primeiro frade do Carmo, Santa Maria Madalena de Pazzi, e, no século XIX,
Santa Teresa de Lisieux.
Fora da ordem, os carmelitas veneravam especialmente São José, devoção
pessoal de Santa Teresa, São João Batista, considerado o primeiro eremita e a família
da Virgem, desde os pais, Santana e São Joaquim, até a avó, Santa Emerenciana.

Na prática, ainda hoje, apesar das mudanças e dos atropelos que a vida religiosa
portuguesa sofreu principalmente no século XIX, e no XVIII, com o terremoto, é
possível encontrar, nas igrejas de Ordem Primeira do Carmo de Portugal, descritas
resumidamente nos dois primeiros capítulos, a tríade Virgem do Carmo, ladeada por
Santo Elias e Santo Eliseu. Este último, nas igrejas dos Descalços, era trocado por Santa
Teresa.
No Brasil, ocorre o mesmo. É constante a presença, nos altares-mores das igrejas
conventuais, da Virgem do Carmo e dos santos fundadores, Santo Elias e Santo Eliseu.
Chegam a estar presentes em oitenta por cento das igrejas carmelitas conventuais que
ainda possuem os seus altares intactos.
Nos altares laterais, aparecem, diversificadamente, os santos citados
anteriormente, com predileção para os carmelitas: São Simão Stock, Santo Alberto, São
João da Cruz e Santa Maria Madalena de Pazzi e para a sagrada família de Cristo:
Santana, São Joaquim e São José.

PROGRAMA ICONOGRÁFICO – IGREJAS DA ORDEM DE NOSSA SENHORA


DO CARMO (PRIMEIRA E TERCEIRA) DO BRASIL

LOCAL IGREJA CONVENTUAL IGREJA DA ORDEM TERCEIRA


289

1 Olinda, Altar-mor: Nossa Senhora do -


Pernambuco Carmo, Santo Elias e Santo Eliseu
Menores na lateral sob a mesa:
Santo Antônio e São Gonçalo

Altares laterais:

2 Salvador, Altar-mor: Altar-mor:


Bahia Nossa senhora do Carmo Crucificado
Santo Elias / Santo Eliseu Santo Elias / Nossa Senhora do Carmo
/ Santa Teresa
Altares laterais:
Altares laterais:
Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Cristo da Flagelação
3 Santos, São Altar-mor: Altar-mor:
Paulo Santíssimo Crucificado
NS do Carmo (roca – XVIII) Santa Teresa / NS do Carmo / São
João da Cruz (rocas – sec. XVIII)
Altares colaterais
Crucificado (sec. XVIII) Altares laterais:
Sagrado Coração Jesus (sec. XIX)
Senhor dos Passos (Restauro) /
Altares laterais Cristo no Horto
São Joaquim (sec. XVIII) Ecce Homo (Restauro) / Cristo da
Santana (sec. XVIII) Prisão
Santa Teresa Lisieux / Santo (?) Cristo da Coroação de espinhos /
Santo Alberto (?) / Santa carmelita Cristo da Flagelação
(gesso)
Santa Teresa (gesso)
São José (gesso)
Santo (?) / S. Maria Madalena
Pazzi Santa Teresa / São
Joaquim (gessos)
(gessos)

Nossa Senhora Monteserrate (sec.


XX) Nossa Senhora (?)
roca

Nossa Senhora da Boa Morte


4 Rio de Altar-mor: Altar-mor:
Janeiro, NS do Carmo (sec. XXI, roca, Osni
capital Paiva) Crucificado (1623, Simão da Cunha)
Santo Elias e Santo Eliseu S. Teresa (séc. XVIII, Pedro da Cunha)
(atualmente na Igreja do Carmo da / Nossa Senhora do Carmo (séc. XIX)
Lapa) / S. Emerenciana (séc. XVIII)
290

Altares transepto Altares laterais: (Pedro da Cunha)


Santíssimo São Pedro Senhor dos Passos / Cristo no Horto
de Alcântara (séc. XIX - mármore) Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Altares laterais: Cristo da Flagelação
NS da Cabeça (séc. XVIII)
Sagrada Família (séc. XIX – gesso)

5 São Paulo, - Altar-mor:


capital Nossa Senhora do Carmo (séc. XIX)
Santa Teresa (séc. XX) / Santa
Madalena de Pazzi (?) (séc. XX) gesso

Altares laterais:
Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Cristo da Flagelação
Crucificado
6 João Pessoa, Altar-mor: Altar-mor:
Paraíba Sagrado Coração de Jesus (séc. XX CRUCIFICADO
– gesso) Santa Teresa / NS do Carmo / S. João
Santo Elias / NS do Carmo / Santo da Cruz (?)
Eliseu (séc. XVIII)
Altares laterais:
Altares laterais:
NS Carmo (pintura)/Santa Teresa Senhor dos Passos / Cristo no Horto
(pintura) Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Sagrada Família Cristo da Flagelação
Senhor dos Passos
Santana / São Joaquim
7 Angra dos Altar-mor: Altar-mor: Crucificado
Reis, Rio de Virgem do Carmo (roca) séc. Santas Mães (Santana, Virgem e
Janeiro XVIII Menino Jesus) / NS do Carmo /São
Santo Elias / Santo Eliseu (séc. Luís Rei de França
XVII)
Altares laterais: Senhor dos Passos /
Altares laterais: Santa Teresa, NS Santa Teresa
da Saúde, NS da Conceição, Santo
Antônio e Santa Bárbara
8 Belém, Pará Altar-mor: Altar-mor:
NS do Carmo (séc. XIX) NS do Carmo entrega escapulário S.
São Bento (?) (séc. XVIII) / Santa Simão Stock (roca – séc. XVIII)
Alberto (séc. XVIII) Santo Elias / Santo Eliseu (séc. XVIII)

Altares laterais: Altares laterais:


Crucificado Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Santo (?) (séc. XIX) S. Maria Ecce Homo / Cristo da Prisão
Madalena Pazzi (séc. XVIII) / Cristo da Coroação de espinhos /
291

Santana (séc. XVIII) Cristo da Flagelação


NS Auxiliadora (?) (séc. XX)

9 São Luís, - -
Maranhão
10 Alcântara, Altar-mor: -
Maranhão Virgem do Carmo
Santo Elias / Santo Eliseu

Altares laterais:
11 Goiana, Altar-mor: Altar-mor: Crucificado
Pernambuco NS do Carmo Atares laterais:
Santo Elias / Santo Eliseu Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Santa Teresa / São João Batista Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Altares colaterais: Cristo da Flagelação
São José (gesso – séc. XIX)
Santo Alberto (séc. XVII)

NS da Boa Morte
Altares do transepto:
Senhor dos Passos
Crucificado (séc. XVIII)
NS da (Apresentação? sem
Menino) (roca)

12 Recife, Altar-mor: Altar-mor:


Pernambuco NS do Carmo (século XVIII) Crucificado
Santo Elias / Santo Eliseu Santo Elias / Santo Eliseu
Santa Teresa / Nossa Senhora do
Altares colaterais Carmo / São José
Crucificado
Senhor dos Passos Altares laterais:
S. Teresa (gesso) / S. Madalena de Senhor dos Passos / Ecce Homo
Pazzi (gesso) São José S. Amador C /S. Eduardo M e S.
Silvana M / S. Leocadia M
S. Sebastião / Santa Luzia
Altares laterais: Cristo da Coroação de espinhos /
Obras (restauro) Cristo da Flagelação
NS Assunção S. Proto M / S. Jacinto M e S.
Arcângela V. / Santa Isabel V
NS da Boa Morte Cristo Preso / Cristo no Horto
S. João Vesgo C/ S. Henrique C e S.
Nossa Senhora da Conceição (séc. Theodora V / S. Eugenia M
XVIII, Port.) NS da Luz
(Candelária?)
S. João Batista / Santo Ângelo

Nossa senhora do Carmo (século


XIX) Santo Alberto
292

São Crispim / São Crispiniano


Santo Antonio / S. Francisco de
Paula
13 Vitória, - Altar-mor: Senhor dos Passos
Espírito
Santo
14 Cachoeira, Altar-mor: Altar-mor:
Bahia vazio Crucificado
Santo José/ Nossa Senhora do Carmo /
Altares laterais: (não são São João Evangelista
originais, séc. XVIII)
Nossa Senhora da Conceição Altares colaterais:
Santo Elias Nossa Senhora das Dores (roca)
São Joaquim Senhor dos Passos (roca)
Santana
Altares laterais:
Santa Isabel / Santa Joana
São Luís de França / São Esperidião
15 Mogi das Altar-mor: Altar-mor:
Cruzes, São Nossa senhora do Carmo (séc. Crucificado
Paulo XVIII) Santo Elias (roca) / Nossa Senhora do
Santo Elias (gesso) / santo Eliseu Carmo (roca) / Santa Teresa (roca) séc.
(gesso) XVIII

Altares do transepto: Altares laterais:


Crucificado (séc. XVIII) Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Sagrado Coração de Jesus (gesso) Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Altares laterais: Cristo da Flagelação
São José (gesso) Senhor Morto
Santa Teresa (gesso) Santo
Alberto (gesso) Crucificado
16 São Altar-mor: Altar-mor:
Cristóvão, Crucificado Senhor dos Passos
Sergipe Nossa Senhora do Carmo
Altares laterais:
Nossa Senhora do Carmo Altares laterais:
Santo Antonio (séc. XVIII – Santa Teresa (séc. XVII) / São
Mestre de Sergipe) Gonçalo Amarante (?) séc. XVII

Santa Teresa / Santa Teresa de Cristo da coroação de espinhos


Liseux (gesso) Cristo da Flagelação
Nossa Senhora das Dores
Senhor Morto (séc. XVIII)
17 Itu, São - Altar-mor:
Paulo Santa Teresa (gesso) séc. XX / Nossa
Senhora do Carmo (gesso) séc. XIX /
São João da Cruz (gesso) séc. XX

Altares laterais:
293

Senhor dos Passos / Cristo no Horto


Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Cristo da Flagelação
Crucificado
18 Marechal Altar-mor: Altar-mor:
Deodoro, Crucificado -
Alagoas São José (gesso) / Nossa Senhora /
Santo Antonio (gesso)

19 Lucena, Altar-mor: -
Paraíba Crucificado
Santo Elias /Nossa Senhora da
Guia/ Santo Eliseu
Altares laterais:
20 Cabo de Altar-mor:
Santo Altares laterais:
Agostinho,
Pernambuco

LOCAL ORDEM TERCEIRA


1 Campos dos Altar-mor:
Goytacazes, Rio Santo Elias (roca) séc. XX? / Nossa Senhora do Carmo (gesso)
de Janeiro séc. XIX / Santa Teresa (roca) séc. XX ?

Altares laterais: (séc. XVIII)


Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos / Cristo da Flagelação
Crucificado
2 Ouro Preto, Altar-mor:
Minas Gerais Santo Elias (roca) séc. XVIII / Nossa Senhora do Carmo (roca)
séc. XVIII / Santa Teresa (roca) séc. XVIII
Santa Quitéria

Altares laterais:
Senhor dos Passos (São José )
Cristo no Horto (Santa Luzia)
Ecce Homo (Nossa Senhora da Piedade)
Cristo da Prisão (São João Batista)
Cristo da Coroação de espinhos (São Manuel)
Cristo da Flagelação
Crucificado (consistório)

4.4.2 O programa iconográfico das Igrejas de Ordem Terceira Carmelita


294

Em Portugal observamos que o programa decorativo das igrejas dos terceiros


privilegiou, como nas igrejas conventuais, os santos da ordem, diferentemente do
realizado nas igrejas do Brasil, o qual maioritariamente priorizou os sete passos da
Paixão de Cristo. Em Portugal esse programa só se encontra na igreja dos leigos
Descalços da cidade do Porto e na Igreja dos Terceiros de Beja. Nessa última, a série
dos Cristos está incompleta e as peças têm faturas distintas. Nas demais, os Cristos dos
Passos, utilizados na Procissão do Triunfo, ficavam guardados em espaços específicos,
resguardados ou fora do alcance dos olhos dos fiéis.
Portanto, como no caso das ordens primeiras, no altar-mor das igrejas
portuguesas dos leigos, prevaleceu a Virgem do Carmo, ladeada pelos santos
fundadores. Julgamos que privilegiaram os santos leigos da Ordem com títulos reais
(Santa Isabel, São Luiz, Santo Eduardo) e ainda os santos carmelitas com insígnias
eclesiásticas, papas e bispos, assim como as novas canonizações da Ordem.
Nas cinco igrejas terceiras independentes de Portugal - Beja (1690); Faro (1713);
Pombal, (1726); Viseu (1733); Serpa (1645) -, também é constante a presença da
Virgem do Carmo e dos santos fundadores nos altares-mores. Nos altares laterais,
acham-se os santos tradicionais, tais como São Simão Stock, São João da Cruz, Santa
Madalena de Pazzi, e, em menor número, os dois santos negros carmelitas: Santo
Elesbão e Santa Efigênia, encontrados em Faro e Braga.
Tomaremos como exemplo a igreja dos leigos da cidade de Faro para ilustrar a
diversidade de invocações mais importantes de Portugal. Tal escolha deve-se ao fato de
este monumento encontrar-se em excelente estado de conservação, tanto da talha como
nas suas esculturas devocionais, com apenas uma modificação devocional. Mas também
por ser um monumento bem estudado e documentado, com artistas e artífices
identificados.
No altar-mor, atualmente, situa-se a Virgem do Carmo, centralizada e ladeada
por dois pares de santos: no andar superior, dois Papas carmelitas: São Telésforo e São
Dionísio; no andar inferior: Santo Elias e Santo Eliseu. Ladeando o sacrário, em
menores dimensões, estão São João Batista, menino e São José.
295

Fig. 62 – Programa iconográfico do altar-mor da Igreja dos Terceiros do Carmo de Faro: Nossa
Senhora do Carmo, ladeada pelos papas São Telésforo e São Dionísio, no andar superior; e
Santo Elias e Santo Eliseu, no andar inferior. Ao centro, ladeando o sacrário, São José e São
João Batista Menino.

As invocações principais dos altares laterais são: Santa Teresa, Santo Alberto,
São José (em altar originalmente de São Vicente Ferrer) e São Simão Stock. Nos nichos
dos intercolúnios desses altares, figuram: Santo Ângelo e Santa Maria Madalena de
Pazzi, no primeiro; São João Nepomuceno e Santo Antonio, no segundo; Nossa Senhora
da Conceição e São João da Cruz, no terceiro e os dois santos negros Santo Elesbão e
Santa Efigênia, no último.

As igrejas das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo, no


Brasil, apresentam, em setenta por cento dos casos das ainda existentes, o programa
iconográfico com os Cristos em sete Passos de sua Paixão. Desta maneira, no altar-mor,
296

está entronizado o Crucificado como devoção principal567, porém, é constante a


presença da Virgem do Carmo sobre o sacrário, em uma maquineta ou num pequeno
nicho. Nas peanhas dos intercolúnios, acham-se os santos fundadores Elias e Eliseu. A
maioria destas esculturas devocionais é de imagens de vestir, apresentadas com o
tradicional hábito carmelita, composto da túnica marrom com escapulário e capa branca
com véu negro.
Nos altares laterais de única devoção ou com devoções secundárias, encontram-
se as seis esculturas restantes dos Passos da Paixão de Cristo. A leitura é feita a partir
do altar da direita, junto ao arco-cruzeiro, dedicado ao Passo da Agonia no Horto,
seguido da Prisão e da Flagelação (Senhor da Coluna). Continua do outro lado com a
Coroação de espinhos e o Ecce Homo e termina com o Cristo da Cruz às costas em
frente ao Horto, junto ao arco-cruzeiro. Em Ouro Preto, Minas Gerais, os Cristos não
possuem “grande apelo devocional, e os retábulos, apesar das inscrições das tarjas que
os identificam, são popularmente conhecidos pelo nome da invocação das imagens
colocadas na base, acima do sacrário, sintomaticamente, todos santos populares do
final da Idade Média: Santa Quitéria, São João Batista, São Manuel, São Sebastião,
Nossa Senhora da Piedade e São José. A presença de Santa Quitéria em situação de
destaque no retábulo do primeiro Passo deve-se ao fato de ter sido a invocação da
capela primitiva e do morro onde se encontrava, hoje ocupado pelas construções da
praça Tiradentes e pela própria igreja do Carmo”568.

A exceção são as igrejas dos Terceiros de Cachoeira, no estado da Bahia e de


Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, além das independentes mineiras
(Mariana, Sabará, Diamantina e Serro), deste grupo a única que apresenta os Cristos é a
de Cachoeira, todas as outras não possuem os Cristos. Em Cachoeira, os Cristos estão
guardados na sala dos santos, e o programa iconográfico da igreja comporta, no altar-
mor, o Crucificado, ladeado por São José e Santo Eduardo, rei da Inglaterra. Sob a mesa
do altar, fica a Virgem do Carmo, em uma maquineta.

567
Não foi exclusividade da Ordem Carmelita, o uso dos Crucificados no alto dos tronos dos retábulos-
mores, pois esta era uma das indicações presente nas Constituições: « […] e no que toca a preferencia
dos lugares, que entre si devem ter nos altares, declaramos, que sempre as Imagens de Cristo nosso
Senhor devem preceder a todas, e estar no melhor lugar ; e logo as da Virgem nossa Senhora ; […] »
VIDE Dom Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit., p. 256.
568
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó... op. cit., vol.
1, p. 86.
297

Fig. 63 – Programa iconográfico do altar-mor da Igreja dos Terceiros de Cachoeira, no Estado


da Bahia, Brasil: Crucificado ladeado por Santo Eduardo, rei da Inglaterra e São José e, sob o
sacrário Nossa Senhora do Carmo.

Os dois altares do arco cruzeiro são dedicados ao Senhor dos Passos e a Nossa
Senhora das Dores. E, nos quatro altares laterais, localizam-se quatro importantes santos
leigos, três deles de origem real, numa demonstração do quanto podiam ser importantes
os leigos carmelitas, assim como o Santo Eduardo, no altar-mor, rei da Inglaterra: Santa
Joana, princesa de Portugal, Santa Isabel, rainha de Portugal, São Luís, rei de França, e,
no último, Santo Esperidião.
298

4.5 A Paixão de Cristo e as Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do


Carmo

As igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, em Portugal e no Brasil, apresentam


o programa iconográfico centrado em sete cenas constantes da Paixão de Cristo. Em
Portugal, na Igreja do Porto e de Beja, as imagens encontram-se nos altares, na nave e
no altar-mor. Em Lisboa, Faro, Tavira e Faial estão acondicionadas em espaços
específicos, no interior das Igrejas. Ainda subsistem resquícios da existência dos Cristos
em Braga, Moura, Évora e Viseu, com as invocações dos Cristos de talha completa:
Flagelação, Coroação de espinhos, Ecce Homo e Senhor dos Passos e referências à
Procissão do Triunfo em Aveiro e Évora, na literatura consultada569. No Brasil, este foi
o tema predileto para a decoração do interior das igrejas terceiras carmelitas, presente
em setenta por cento delas. É raro uma igreja terceira carmelita não apresentar o
conjunto de sete esculturas dos Passos da Paixão, como acontece na igreja de Angra dos
Reis e nas do interior do estado de Minas Gerais, onde só restou o conjunto completo na
igreja da cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica e uma parte na de São João del Rei.
Os episódios escolhidos para serem representados nas Igrejas terceiras
carmelitas são: Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo da Flagelação, Cristo da
Coroação de espinhos, Ecce Homo, Senhor dos Passos e Crucificado. Exceções são
encontradas na terminologia utilizada para o passo da Coroação de Espinhos, que, nos
documentos do século XVIII, pode aparecer como Cristo da Pedra Fria ou Cristo da
Cana Verde, assim como para o Ecce Homo.
A justificativa para a escolha deste programa decorativo no interior das igrejas
carmelitas do Brasil mantém-se incógnita, como já discutimos. É provável que tal
escolha esteja subordinada à existência, nos séculos XVII e XVIII, da Procissão do
Triunfo, principal manifestação religiosa desenvolvida pela Ordem Terceira Carmelita
nos festejos da Semana Santa. Essa tese se confirma através da informação fornecida
pelos documentos da época, de que, quando a igreja não possuía as sete esculturas dos
Cristos, realizava a Procissão com santos carmelitas, substituindo os Cristos, como
acontecia em Mariana, Minas Gerais.
Em Portugal, tal fato não ocorreu. Os Cristos só foram encontrados em altares na
igreja dos Descalços do Porto e na igreja de Beja, de forma incompleta. Dentre os
exemplos portugueses com a temática da Paixão de Cristo nas Igrejas carmelitas, talvez

569
BAYON, Balbino Velasco, O. Carm., História da Ordem ... op. cit.. Ver, para Moura, as páginas 512-
517; Évora as páginas 566-568.
299

o mais interessante seja o da Capela dos Alvarinhos, da igreja conventual de Moura, que
“[...] ostenta um soberbo retábulo dos finais do século XVI, com a sua estrutura de
entalhe maneirista de derivação serliana, enquadrando pinturas sobre madeira e uma
peça de escultura com Nossa Senhora da Piedade, ao centro.
As tábuas, que representam Cristo Ressuscitado (medalhão superior, [...]),
ladeado por duas tábuas de anjos segurando os símbolos da Paixão, [...], Ecce Homo e
Cristo com a cruz às costas, Flagelação e Calvário [...], ladeando o nicho central (onde
se integra uma correcta composição escultórica de Nossa Senhora da Piedade)”570.
Nesse mesmo altar e no da frente, acham-se três esculturas: Cristo da Flagelação
(sem a coluna), Ecce Homo, ladeando a Virgem da Piedade, e, por fim, a Coroação de
espinhos, no fronteiro. A igreja ainda possui um Senhor dos Passos de outra época e
alguns bons Crucificados. Segundo Balbino Velasco Bayón, o Convento Carmelita de
Moura comportou uma Ordem Terceira em época indeterminada e seus religiosos foram
responsáveis pela Procissão do Triunfo, conforme o compromisso regia. “Apesar da
escassez de notícias, deve ter tido grande importância, a julgar pelos livros
manuscritos que se conservam, [...] Entre estes manuscritos, destaca-se o chamado
Compromisso da venerável Hordem terceyra de Nossa Senhora do Monte do Carmo,
sita no real Convento da Mesma Senhora da Villa de Moura, de 1755”571. O retábulo
desta igreja talvez contenha a mais antiga representação iconográfica dos Passos da
Paixão de Cristo em Igrejas carmelitas em Portugal, tanto na pintura dos painéis, como
nas esculturas, o que será abordado quando se tratar da análise formal das obras
escultóricas.

4.5.1 Cristo no Horto (Oração no Monte das Oliveiras)

A cena retratada com o título de Cristo no Horto ou a Oração no Monte das


Oliveiras foi relatada por três dos quatro evangelhos (Mateus, 26: 36-46; Marcos, 14:
32-42 e Lucas, 22: 39-46). Corresponde à segunda tentação de Cristo, “num duelo
angustiante entre o espírito e a carne no qual o Deus homem domina seu medo ao
sofrimento e a morte ao preço de um duro combate interior. A palavra agonia, que em
grego significa luta, não tem aqui o sentido usual de uma luta física contra a morte,

570
SERRÃO, Vítor e CAETANO, Joaquim Oliveira, A pintura em Moura, … op. cit., p. 38-40.
571
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm, A história da Ordem... op. cit., p. 513.
300

mas de angustia moral”572. Esta mesma cena pode conter três episódios distintos: Jesus
simplesmente orando, Jesus orando e sendo confortado por um anjo e Jesus despertando
os apóstolos.
A representação do Senhor no Horto deve a sua origem à igreja oriental do
século VI, mas o tema só se tornou popular no fim da Idade Média. Isso porque, neste
período, procurou-se o efeito dramático, que é facilmente reconhecido na prece
angustiada de Jesus e no sono dos discípulos. Dürer tratou o assunto pelo menos cinco
vezes em gravuras e desenhos, variando a posição do Cristo ajoelhado e do anjo, que
ora segura o cálice ora a cruz ou ainda o cálice rematado por uma cruz, como vimos nos
dois exemplos citados anteriormente. Traduzida em pintura, quase sempre se vê Jesus
de joelhos, ao centro, orando; acima, o anjo apresentando o cálice e, abaixo, os três
apóstolos dormindo.
A representação escultórica da cena tem por base o evangelho de Lucas, pois
este é o único que posta Cristo de joelhos a orar. Acompanhando a ação, está o Anjo
que o reconforta, figura que, segundo Louis Réau, foi tomada de empréstimo ao Antigo
Testamento, na prefiguração do profeta Elias, que, desesperado, à sombra de uma
árvore, sem forças, é então, reconfortado por um anjo573. Nos conjuntos escultóricos dos
sacros montes, a cena incorpora cinco personagens, como no Santuário de Congonhas
no Estado de Minas Gerais, no Brasil, obra máxima do escultor Antônio Francisco
Lisboa. Nesta cena, encontramos Cristo ajoelhado, orando, tem o olhar direcionado para
o anjo que segura o cálice e uma cruz, e, ao fundo, os três apóstolos a dormir574.

Fig. 64 – Passo Cristo no Horto,


Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
Congonhas, Minas Gerais. (Foto Myriam
Andrade Ribeiro de Oliveira)

572
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 444-447.
573
Idem, ibidem, p. 444-447 e Antigo Testamento, II Reis, 19, « Elias em desespero e quase morto,
encosta-se a uma árvore e dorme, quando lhe aparece um anjo com pão cozido e água. Fortalecido pela
comida, o profeta caminha durante 40 dias e 40 noites até o Monte Horeb ». Na versão cristã, esta cena é
a prefiguração da agonia do Cristo no Monte das Oliveiras, pois Elias, à beira da morte, é consolado por
um anjo da mesma maneira que Cristo o foi.
574
Para maiores informações, ver: OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, O Aleijadinho e o Santuário do
Bom Jesus de Matosinhos, Brasília, Monumenta, 2006.
301

A composição desse passo nas igrejas carmelitas não permite uma boa fruição
estética, pois falta criatividade na adaptação da escultura principal ao quase sempre
exíguo espaço interno dos camarins dos altares: Cristo ajoelhado está de lado, já que
deve direcionar o olhar para o Anjo com o cálice, posicionado ao alto em uma das faces
laterais internas. Porém a incorporação do segundo personagem à cena só ocorre em
quatro igrejas: Porto, em Portugal, e, em Recife, Itu e Ouro Preto, no Brasil. Melhor
solução aparece na igreja do Porto, onde Cristo e anjo, apesar de muito próximos, estão
proporcionalmente harmoniosos. O contrário se passa nas composições de Recife e Itu
na qual Cristo olha para um minúsculo anjo, em Recife posicionado sobre um
gigantesco monte de aspecto tosco. É provável que essa composição não seja a original,
e sim, fruto da intervenção do século XIX, quando todos os altares foram modernizados.
E em Itu, apesar de o anjo ter um tamanho desproporcional, muito pequeno, está bem
adaptado ao espaço interno do retábulo. Em Ouro Preto ocorre o oposto, o anjo é grande
se comparado ao tamanho do Cristo, que o olha e se admira surpreendido.

Fig. 65 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Porto, Portugal, e, Itu, São Paulo, Brasil

O posicionamento dos Cristos da cena da oração no Horto é sempre o mesmo:


ajoelhado, com a cabeça ligeiramente levantada e o olhar, direcionado para o alto, para
o vazio na inexistência do anjo. As esculturas têm por fonte o evangelho de Lucas, pois
é o único que posta Cristo de joelhos a orar. A hipótese é de que o anjo, a princípio, era
um atributo constante. Entretanto, ao longo dos anos, com o uso nos andores da
procissão, foi degradando-se, devido à fragilidade de sua confecção, imagem de roca e
de pequenas proporções, fazendo com que os irmãos terceiros optassem pela sua
remoção.
Na ausência do anjo é possível levantar a hipótese de o momento representado
ser um pouco anterior ao aparecimento do anjo, quando Cristo, sozinho, se põe a orar,
302

com o olhar levantado aos céus. Neste caso, a gestualidade deveria ser de mãos postas
em oração, o que, hoje, só acontece em quatro exemplares, e, em um deles, existe o
anjo. No entanto, como são imagens de vestir, permitem que os braços se movimentem
e ganhem novos gestos. Portanto, com uma simples mudança no posicionamento dos
braços, as mãos espalmadas para baixo poderiam virar mãos postas em oração. O
exemplar de Ouro Preto é o único que apresenta o gesto das mãos de surpresa e recuo. E
o exemplar de cidade de São João del Rei obra do final do século XX, do escultor local
Osni Paiva, que o representou com as mãos espalmadas para baixo, indicando surpresa,
sem a presença do anjo. Assim como, o único exemplar a apresentar sangue escorrendo
pela face é o da cidade de Cachoeira, podendo ser também relacionado ao Evangelho de
Lucas, único a mencionar o fato de Cristo transpirar gotas de sangue, um pouco antes do
aparecimento do anjo.

LOCALIDADE OLHAR ALTO ANJO MÃOS


Espalmadas Oração
Belém (PA) X X X
João Pessoa (PB) X X
Recife (PE) X X X
Goiana (PE) X X
Salvador (BA) X X
Cachoeira (BA) X X
Rio de Janeiro (RJ) X X
Campos dos X X
Goytacazes (RJ)
Santos (SP) X X
São Paulo (SP) X X
Itu (SP) X X X
Mogi das Cruzes X X
(SP)
Ouro Preto (MG) X X
São João del Rei X X
(MG)

4.5.2 Cristo da Prisão (Senhor preso)

O passo a seguir, nas igrejas da Ordem Terceira do Carmo, é o do Cristo da


Prisão, que ocorre no mesmo local e logo após a oração no Horto, quando soldados
chegam, conduzidos por Judas, para levá-lo preso. A cena é descrita pelos quatro
Evangelhos (Mateus, 26: 47-66; Marcos, 14: 43-52; Lucas, 22: 47-53 e João, 18: 1-12)
303

na seguinte ordem: traição e beijo de Judas; corte da orelha de Malco e fuga dos
apóstolos. Ainda podemos encontrar, ao final, cenas relativas aos apóstolos Pedro e
Judas: a negação e o arrependimento do primeiro e o remorso e o enforcamento do
segundo.
Os resumos das narrativas contam que, quando estava Jesus a orar no Monte das
Oliveiras, vê chegarem, conduzidos por Judas, alguns soldados. Judas vai ao seu
encontro e o beija para indicar o homem procurado dentre todos os apóstolos presentes,
pois Tiago era fisicamente muito parecido com Cristo. O evangelho de João narra que
Jesus identifica-se aos soldados: “Sou eu a quem buscais!”, estes retrocedem e caem.
Cristo, porém, deixa-se atar sem resistência. Pedro é o único dentre os apóstolos que
tenta uma reação, cortando a orelha do enviado do sumo sacerdote, Malco, mas é
repreendido por Cristo que a restitui ao dono575.
A prisão de Cristo foi um tema desenvolvido a partir do final da Idade Média,
conseguindo grande popularidade, pois a traição e enforcamento de Judas e o
arrebatamento da cólera de Pedro são sentimentos humanos que os colocavam no
mesmo nível dos fiéis. Nas duas gravuras de Dürer (Grande Paixão e Pequena Paixão) o
destaque passa da prisão de Cristo para o beijo de Judas, na Pequena Paixão e para
Pedro a ameaçar Malco, na Grande. Em ambas, o número de personagens, entre
soldados e apóstolos, é grande e a atmosfera que os envolve, movimentada, com
espadas ao ar e bandeirolas flamejantes. No primeiro plano, está Pedro com a espada a
ameaçar Malco, tímido na série conhecida como grande Paixão e quase tão importante
quanto o beijo de Judas, na pequena.
A versão escultórica pode apresentar um grande número de personagens ou se
reduzir à figura do Cristo com as mãos amarradas. No Passo da Prisão de Cristo, do
Santuário de Congonhas, aparecem oito personagens: Cristo, de pé, ao centro, segura a
orelha de Malco, que Pedro, a sua esquerda, acabara de arrancar com a espada.
Acompanham a cena Tiago, Malco, ajoelhado, sem a orelha e a sangrar, porém ainda
com a espada em punho para se defender e quatro soldados.
A solução encontrada nas igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, para a cena do
Senhor Preso, foi reduzir a cena à figura única do Cristo, que, de pé, traz as mãos
amarradas à frente e tem o olhar resignado. O rosto e as mãos são os pontos focais da
composição, mas a fisionomia, via de regra, é serena, ou melhor, pouco expressiva. As

575
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 452-454.
304

mãos aparecem sempre juntas, com o braço direito sobre o esquerdo, exceção é o Cristo
da cidade de Campos, que tem braços flexionados na altura do peito, estando, por isso,
as mãos um pouco mais altas.
São geralmente imagens ‘de vestir’, exceto o exemplar da igreja de Salvador,
que apresenta entalhe completo. Nele, Cristo está nu, tem apenas o
perizônio amarrado à cintura e leva uma capa vermelha curta. A
imagem não corresponde à ação narrada nos evangelhos, pode ter sido
uma interpretação errônea ou uma adaptação, pelo artista, de uma peça
sua, já existente.

Fig. 66 – Cristo da Prisão,


Igreja do Carmo, Campos, Rio de
Janeiro e, Salvador, Bahia. E Cristo
Preso, pintura do Padre Jesuíno do
Monte Carmelo, São Paulo, Museu Afro, São Paulo.

Em todos os outros exemplares, Cristo veste


uma túnica de tecidos naturais, na maioria das
vezes, roxa ou púrpura, mas, no de Recife, vermelha. A túnica deveria ser igual à da
cena do Horto, pois este passo decorre logo a seguir, portanto, Cristo deveria estar
vestido com a mesma túnica do passo anterior. Mais uma vez, o Cristo de Recife não
acompanha a sequência, exibindo túnica branca no Horto e vermelha na cena da Prisão.
Nas poucas esculturas que tivemos acesso a estrutura corporal simplificada, existe
também o perizônio entalhado toscamente.
Os atributos são a corda natural, posicionada sobre o pescoço, que desce
amarrando as mãos à frente, na altura do quadril. Alguns poucos Cristos apresentam
cabelos entalhados (Itu e Salvador), a maioria leva uma peruca de cabelos naturais. O
Cristo de Ouro Preto é o único que apresenta uma ferida na lateral esquerda da face
originária da bofetada recebida na casa de Anás, após a prisão no Horto. O único
Evangelho que trata detalhadamente do tema é o de João, quando descreve o
interrogatório na casa de Anás e a bofetada recebida por um dos servos do sacerdote
(João 18: 22-24). Tema comum ao mundo hispano-americano, como estudado por
Santiago Sebastián, cuja origem parece estar situado em um texto apócrifo encontrado
305

na Itália, no século XVI576. Detalhe que identifica, portanto, não o momento da prisão,
mas o seu interrogatório religioso diante de Anás, cena divulgada em pintura, menos
comum em esculturas, e, única do tema nesta série de esculturas dos terceiros carmelitas
do Brasil.
Quando se colocam as esculturas lado a lado, percebe-se a importância do
cuidado com os detalhes da indumentaria e dos atributos, cujo crédito deve ser dado às
pessoas envolvidas com a Irmandade. No século XIX, pode-se ver a preocupação com a
limpeza e o asseio das peças nos estatutos dos terceiros carmelitas, da cidade do Rio de
Janeiro. No seu capítulo 18, item 07, afirma que “[...] é do dever da [...] Irmã Mestra
mandar lavar e engomar toda a roupa da capela de Nossa Senhora do Amor Divino do
Noviciado, bem como promptificar quatro anjos para as procissões de nossa Ordem,
sendo dois para cada uma delas, pelo seu cargo é isenta da joia alguma, salvo se por
sua devoção o quiser fazer. E ainda que [...] pertence especialmente às nossas Irmãs
Zeladoras o contínuo cuidado de tudo que pertence ao decente ornato das Sagradas
Imagens de Nosso Redentor Jesus Cristo colocada nos altares de nossa igreja e bem
assim da de Nossa Senhora Mãe Santíssima e Santa Teresa”577.
Nessas citações, observa-se que, em pleno século XIX, as mulheres eram bem-
vindas nas irmandades e, neste caso em particular, na do Carmo, pois lhes eram
reservadas funções específicas. Hoje, quando se visita o interior do Brasil,
principalmente, em Minas Gerais e se encontra as senhoras da comunidade a cuidar das
igrejas e dos santos com todo o carinho, percebe-se a importância deste envolvimento
para a preservação dos nossos monumentos, herança de outras eras, que estão quase a
acabar.

4.5.3 Cristo da Flagelação (Senhor da Coluna)

A ação que ocorrerá logo após a prisão é o interrogatório. Serão dois os


processos pelos quais Cristo terá que passar - o judeu e o romano – o primeiro, religioso
e o segundo, político. Jesus comparece sucessivamente diante de Caifás, o sumo
sacerdote, e de Pôncio Pilatos, o procurador romano. No Sinédrio, foi condenado por

576
SEBASTIÁN, Santiago, El barroco … op. cit., p. 137-138. Detalhe bem observado na tese de
mestrado da pesquisadora BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit., p. 94-95.
577
ESTATUTOS..., op. cit., p. 44.
306

blasfêmia, pois afirmou ser o Filho de Deus. Em seguida, conduzido ao Pretório, foi
condenado como agitador por ter se intitulado Rei dos Judeus.
Isso só ocorreu porque a Judeia, naquele tempo, era uma província romana,
então, a última instância pertencia ao representante do governo romano. Do processo
religioso, destacam-se as seguintes cenas: comparecimento diante de Anás (cena do
segundo passo da Igreja de Ouro Preto); comparecimento diante de Caifás, quando é
condenado à morte, e o primeiro escárnio de Cristo ou o Cristo dos impropérios. A
seguir, vem o processo político: Pilatos envia Cristo diante de Herodes Antipas, que se
desculpa; retorna, então, diante de Pilatos; a escolha entre Cristo e Barrabás; Pilatos
lava as mãos; a flagelação de Cristo atado a uma coluna; o segundo escárnio ou
coroação de espinhos; e, finalmente, Cristo é apresentado ao povo, Ecce Homo. Dessas
cenas, as que nos interessam, em particular, são as três últimas, pois estão presentes nas
igrejas carmelitas.
A flagelação, Cristo da flagelação, ou Senhor atado à coluna, é mencionada
pelos quatro evangelistas (Mateus, 27: 26; Marcos, 15: 15; Lucas 23: 16-22 e João, 19:
1). De modo sucinto, dizem que Jesus foi açoitado ou simplesmente castigado, sem
mencionar a coluna. Mais uma vez, o tema torna-se comum no século XV, com as
confrarias dos flagelados e com as igrejas de peregrinação, como a de Wies na Baviera,
dedicada ao Cristo Flagelado ou ainda através das descrições pormenorizadas e
dramáticas, presentes na obra da mística sueca Santa Brígida578.
Cristo está vestido apenas de um tecido amarrado à cintura, chamado de
perizônio ou pano da pureza. O normal era que os condenados à flagelação recebessem
40 chibatadas, número usual prescrito pela lei mosaica579. Porém, segundo as revelações
da Santa Brígida, a crueldade do suplício de Cristo foi enorme, tendo recebido 5.475
açoites. “Por mucho tiempo, Santa Brígida habia deseado saber cuantos latigazos
habia recibido Nuestro Senor en Su Pasion. Cierto dia se le aparecio Jesucristo,
diciendole: Recibi en Mi Cuerpo cinco mil, cuatrocientos ochenta latigazos; son 5.480

578
Santa Brígida (1302-1373) foi uma religiosa sueca, escritora e fundadora da ordem do Santíssimo
Salvador (1346), que era consagrada, ao mesmo tempo, à Paixão de Cristo e à Compaixão da Virgem.
Casou em 1320 com Ulf Gudmarson, com quem foi em peregrinação a Santiago de Compostela. Ficou
viúva aos 40 anos com oito filhos (entre eles a também santa, Catarina da Suécia). Depois da morte do
marido, retirou-se para o Convento Cistercente de Alvastra e, dedicou-se totalmente à penitência e à
oração. As suas visões e revelações foram transcritas em latim pelo prior do Convento, Pedro de Skninge.
Seus escritos influenciaram as Meditações do Pseudo Boaventura e a renovação da iconografia cristã de
fins da Idade Média. Morreu com setenta e um anos, e foi canonizada em 1391, pelo Papa Bonifácio IX.
Ver: RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, op. cit., tomo 2, volume 3, p. 244-245.
579
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 471.
307

azotes. Si quereis honrarlos en verdad, con alguna veneracion, decid 15 veces el Padre
Nuestro; tambien 15 veces el Ave Maria, con las siguientes oraciones, durante un ano
completo. Al terminar el ano, habreis venerado cada una de mis Llagas”.580
Já que a tradição colocou uma coluna na cena, esta variou ao longo dos séculos.
No fim da Idade Média, nos manuscritos e nas poucas representações pictóricas e
escultóricas, é fina e alongada. No período moderno, torna-se pequena e larga, como já
descrito anteriormente.
A cena pode ainda ganhar um grande número de verdugos ou, o mais comum,
três, e também alguns espectadores. Com o apelo ao patético, as personagens eram
escolhidas de maneira aleatória. Podiam ser desde Pilatos, que teria acompanhado o
castigo, até a própria Virgem, presença assegurada pelas Revelações de Santa Brígida e
que, não aguentando o sofrimento do Filho, desvanece e desmaia pela primeira vez.
Nas primeiras representações, Cristo, desnudo, está preso de costas à coluna, de
maneira que os golpes só podiam ser dados sobre o peito. Já, em outras, ele aparece
atado de frente, recebendo, então, os golpes nas costas. O próprio Dürer o retratou nas
duas posições, na gravura da grande Paixão, está de costas e, na pequena Paixão, de
frente. Mais tarde, com o uso da coluna baixa, os soldados podiam açoitá-lo, ao mesmo
tempo, pela frente e pelas costas, nenhuma parte escapava da tortura. “Nas imagens
alemãs do século XV, Cristo tem o corpo coberto por manchas roxas e sua carne
atormentada chora lágrimas de sangue. As feridas de sangue parecem mais um padrão
decorativo estampado do que feridas reais, por estarem tão bem organizadas ao longo
de todo corpo”581.
Em Congonhas, no Brasil, Cristo é representado atado a uma coluna baixa e tem,
ao seu redor, quatro soldados a açoitá-lo. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de
Oliveira, a coluna, “sempre esteve presente ao lado do Cristo nas interpretações
plásticas da cena da Flagelação, onde sua presença se justifica, tanto por razões de
equilíbrio da composição, quanto pela necessidade lógica de um suporte ao qual atar o
condenado para o suplício”582.
Como era de praxe nos altares das igrejas terceiras carmelitas, ele se encontra
solitário, de frente, com as mãos amarradas à coluna, a qual, em um único exemplo, a

580
SUÉCIA, Santa Brigida, Las profecias y revelaciones. Disponível em: http://www.santos-
catolicos.com/santos/santa-brigida-de-suecia/santa-brigida.php
581
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 474.
582
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, O Aleijadinho e o..., op. cit.,p. 46.
308

Igreja do Carmo do Porto, é fina e alongada, enquanto, nas demais igrejas do Carmo,
tanto de Portugal como do Brasil, baixa e grossa.
No Brasil, a coluna baixa pode variar de tipo: pilar e balaustrada. No exemplar
de Salvador na Bahia, o perfil é quadrado, demonstrando ser obra de avançada época, já
no espírito do neoclássico. Portanto, o conjunto do Porto, mostra-se iconograficamente
como tendo utilizado uma fonte de inspiração mais antiga, com a prevalência da
frontalidade, um movimento mínimo de avançar da perna e o enlaçar a coluna com os
braços. Nos Cristos posteriores, o corpo sofre diversas contorções para poder se adequar
ao tamanho da coluna. Isso resultará num gesto largo, enfatizado com as mãos atadas de
um lado e a cabeça virada para o outro, que iremos estudar detalhadamente no próximo
capítulo. O momento representado é sempre o posterior ao flagelum, pois, Cristo ainda
está amarrado à coluna, embora já apresente, no corpo, as marcas do castigo (feridas e
hematomas) e maioritariamente apresentam a marca da bofetada na face lateral
esquerda.

Fig. 67 – Cristo da Flagelação, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas,


Minas Gerais, Brasil; da Igreja dos Terceiros do Porto, Portugal e da Igreja dos Terceiros de
Recife, Pernambuco, Brasil.
309

CRISTO DA FLAGELAÇÃO
Localidade Braços Cabeça Coluna Coluna – perfil
Direita Direita
Esquerda Esquerda
Belém (PA) X Frente X Circular / baixa
pilar
João Pessoa (PB) X Baixa / X Circular / baixa
esquerda pilar
Recife (PE) X Baixa / X Circular / baixa
esquerda balaústre
Goiana (PE) X Baixa / X Circular / baixa
direita balaústre
Salvador (BA) X Alta X Quadrada / baixa
Cachoeira (BA) X Baixa X Circular / baixa
Balaústre
Rio de Janeiro X Baixa / X Circular / baixa
(RJ) frente pilar
Campos dos X Baixa / X Circular / baixa
Goytacazes (RJ) frente pilar
São Paulo (SP) X Baixa/ X Circular / baixa
frente balaústre
Itu (SP) X Baixa / X Circular / baixa
frente pilar
Mogi das Cruzes Frente Baixa / X Circular / baixa
(SP) frente pilar
Santos (SP) X Baixa/ X Circular / baixa
frente balaústre
Ouro Preto (MG) X Baixa / X Circular / baixa
frente balaústre
São João del Rei Frente Baixa / X Circular / baixa
(MG) frente balaústre

Concluindo, o modelo iconográfico utilizado no Senhor da Flagelação foi


sempre o mesmo nas Igrejas dos terceiros do Brasil, com algumas variações na
morfologia do tipo de coluna: baixa, com o predomínio do tipo balaustrada. Cristo está
sempre nu, usando apenas o perizônio, amarrado sobre si mesmo ou com a ajuda de
uma corda dupla, além de mãos atadas em uma das laterais. A exceção é o exemplar de
Mogi das Cruzes, este último de fatura popular, que tem a frontalidade como regra,
tanto nas mãos amarradas à frente do corpo como no posicionamento da cabeça.
310

4.5.4 Cristo da Coroação de Espinhos (Senhor da Pedra Fria)

Seguindo os castigos impostos ao Cristo pelo seu julgamento, após a flagelação,


ele será coroado como Rei dos Judeus. Essa cena foi narrada por três dos quatro
evangelhos, também de maneira muito concisa (Mateus, 27: 27-30; Marcos, 15: 15-20 e
João, 19: 2). Segundo alguns autores, tais castigos, impostos por Pilatos, tinham a
intenção de salvá-lo da crucificação, pois Pilatos não via motivos para a sua morte.
Porém não surtiram o efeito desejado, sendo Cristo apresentado e condenado a
crucificação pelo povo.
Jesus é levado por soldados mascarados e ferozes, que lhe perguntam se era o rei
dos Judeus. É, então, que lhe colocam uma capa vermelha sobre os ombros (clâmide
púrpura), sentam-no sobre um trono irrisório e lhe colocam na cabeça a coroa de
espinhos (trançada com espinhos da Judeia). A seguir, entregam-lhe a cana verde, à
maneira de cetro, para, então, cuspirem em seu rosto e, ajoelhando-se diante dele,
dizerem: “Salve, rei dos Judeus!”. A representação escultórica dessa cena é muito
simples: Cristo está sentado, veste o perizônio e uma capa vermelha, tem na cabeça a
coroa de espinhos e segura a cana na mão, como se fosse um cetro. Apresenta as marcas
da flagelação pelo corpo, incluindo na cabeça a da coroa de espinhos.
Mais uma vez, a coroa de espinhos na cabeça do Cristo ganha dramaticidade
quando inspirada nas revelações de Santa Brígida e no Teatro dos Mistérios. Santa
Brígida diz que a coroa deveria estar encravada na cabeça de Cristo até rente aos olhos,
e o sangue correria com tanta abundância que cegaria Cristo e fecharia os seus ouvidos,
mesmo que, na visão dela, ele já estivesse pregado à cruz. “Entonces le pusieron outra
vez en la cabeza la corona de espinas, apretandosela tanto, que bajo hasta la mitad de
la frente, y por su cara, cabellos, ojos y barba, comenzaron a correr arroyos de sangre
con las heridas de las espinas, de suerte que todo lo veia yo cubierto de sangre, y no
pudo verme aunque estaba yo cerca de la cruz, hasta que apreto los parpados para
separar de ellos un poco la sangre”583.
No passo escultórico de Congonhas do Campo, em Minas Gerais, Cristo
apresenta-se sentado, coroado de espinhos, e veste a capa vermelha. Acompanhando-o
estão sete soldados, um deles, “de joelhos e com a cabeça descoberta em sinal de
zombaria, apresenta-lhe a cana verde a guisa de cetro, razão pela qual este Cristo é
também conhecido popularmente por Senhor da Cana Verde. Como reforço

583
SUÉCIA, Santa Brigida, op. cit..
311

suplementar à significação temática da cena, o soldado da esquerda segura em uma


das mãos o titulus com a inscrição I. N. R. I. (Jesus Nazareno Rei dos Judeus), que
figura normalmente em todas as Crucifixões”584. Encenação que parece ter se inspirado
na gravura da obra do Padre Nadal, incluindo os personagens e o posicionamento do
Cristo, de frente, no momento da fixação da coroa de espinho e já tendo a cana verde à
mão.

Fig. 68 – Cristo da Coroação


de espinhos, António Francisco Lisboa,
o Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais, Brasil; e, da Igreja de São
Cristóvão, Sergipe, Brasil.

Em todos os Cristos dos altares laterais das Igrejas terceiras do Carmo, ele é
representado solitário, sentado, vestido do perizônio e de uma capa vermelha curta de
tecido natural, quando ainda existe. Traz, no corpo, as marcas da flagelação. Os
atributos são a coroa de espinhos, capa vermelha e cana verde na mão. O primeiro é
uma constante, já o último nem sempre está presente. O padrão iconográfico foi
habitualmente o mesmo, mudando apenas a forma estética final: o posicionamento das
pernas, cruzadas ou com ligeiro avançar de uma delas. As mãos se encontram
normalmente à frente, com o braço direito sobre o esquerdo. Pode ainda apresentar o
gesto de segurar algo na mão direita. Neste caso, é o Senhor da cana verde.
Também pode ser chamado de Senhor da Pedra fria, denominação que aparece
com mais frequência na documentação do século XVIII. A pedra fria também não tem
muitas variantes, maioritariamente é um suporte em L, retangular, em cuja lateral
perpendicular, estreita, senta-se o Cristo. A base do L serve de apoio aos pés. O
simulacro de pedra é conseguido pela policromia, marmoreada, imitando o mármore em
cores suaves ou fortes.

584
OLIVEIRA, Myriam A. R. de, O Santuário do Bom Jesus de Matozinhos e suas restaurações,
Brasília, Monumenta, 2011.
312

4.5.5 Ecce Homo

O único dentre os evangelistas que relatou o episódio conhecido como Ecce


Homo foi João (João, 19: 4). A cena se passa logo a seguir à coroação de espinhos,
quando Jesus é apresentado à multidão em frente ao Pretório. Pilatos, então, diz: Eis o
Homem! (Ecce Homo). Ao vê-lo, os sacerdotes e seus servidores gritam: Crucifica-o.
Como a maioria dos episódios da Paixão, o tema é ignorado até o século XV,
exceto em alguns poucos marfins do século IX e em miniaturas otomanas.585 Nas
representações pictóricas, vemos Jesus sobre um estrado ou no alto de uma escadaria,
portando a coroa de espinhos, a capa vermelha e o cetro de cana nas mãos atadas:
lastimosa imagem do rei carnavalesco586. O peito desnudo traz as marcas da flagelação
e pode ainda ter a face chorosa. Em pintura, é comum encontrar um tipo específico de
Ecce Homo, conhecido como Senhor dos Martírios. Nele, Cristo aparece de meio corpo,
coroado de espinhos, com as mãos atadas e levando, à cabeça, um véu, que lhe cobre os
olhos, como na pintura atribuída à escola de Nuno Gonçalves, do Museu Nacional de
Arte Antiga, de Lisboa, cuja fonte pode-se relacionar à representação do tema na série
de gravuras de Dürer.

Fig. 69 - Senhor dos Martírios, Museu Nacional Arte Antiga, Oficina


de Nuno Gonçalves (?).587

Escultoricamente, a cena se resume ao Cristo de pé,


portando a capa vermelha e o perizônio, coroado de espinhos e
segurando ainda a cana verde. Tem a fisionomia triste e apresenta
as marcas da flagelação pelo corpo, pode ou não aparecer com as
mãos atadas à frente. Também na forma escultórica, algumas
vezes, surge como o Santo Cristo dos Milagres, muito venerado no Convento da
Esperança na Ilha de São Miguel nos Açores, em Portugal. É representado em meio
corpo, coroado e segurando a cana verde. Exibe ainda uma coleção de joias, que ajuda a
compor um conjunto de beleza extraordinária.
O passo do Ecce Homo não existe no Santuário de Congonhas, onde foi
substituído pelo passo da Ceia, abrindo a escalada do sacro monte mineiro, mas segundo

585
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 479.
586
Idem, ibidem, p. 479.
587
Fonte : http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=249003
313

as tarjas da entrada das capelas estava previsto a colocação do Ecce Homo, na quinta
capela. Nas Igrejas terceiras carmelitas, a sua representação é da figura solitária, de pé,
vestindo o perizônio e a capa vermelha, podendo ter as mãos amarradas segurando a
cana verde. Na cabeça, leva a coroa de espinhos e, no corpo, as marcas da flagelação.
Não foram encontradas mudanças importantes na tipologia iconográfica. Todos os Ecce
Homo das igrejas do Brasil apresentam posturas semelhantes, ocorrendo, em alguns
casos, variação no posicionamento dos braços, que podem estar cruzados a altura do
peito (Belém) ou a altura da cintura da maioria dos exemplares. Os atributos repetem-se.
A coroa de espinhos, capa curta e a cana verde são constantes,
porém nem sempre estão presentes. Como são atributos que podem
ser removidos facilmente, com o uso, acabam por se perder.
Novamente a exceção se faz pela escultura da Igreja de Ouro Preto,
que acrescentou uma pequena balaustrada, evidenciando a cena do
Pretório, com a sua apresentação ao povo.

Fig. 70– Ecce Homo, Capela da Ordem Terceira, Belém, Pará.

4.5.6 Cristo com a cruz às costas (Senhor dos Passos)

A crucificação era um suplício tipicamente romano, mas de origem persa. É o


único fato narrado da vida de Cristo que foi citado pelos historiadores da época, sendo,
portanto, considerado como historicamente comprovado588. O local da crucificação foi o
monte Gólgota, que significa crânio, pois, segundo a lenda, trata-se do local do
sepultamento de Adão e, sendo Cristo o novo Adão, nada mais lógico. A morte de
Cristo é o acontecimento fundamental do cristianismo, por simbolizar a redenção dos
pecados da humanidade. Louis Réau define que, da tragédia da morte de Cristo,
podemos distinguir três atos: Senhor com a cruz às costas (Senhor dos Passos), Cristo
esperando a morte (Senhor da Paciência) e a Crucificação no calvário.
Portanto, o Senhor dos Passos ou Senhor com a cruz às costas é o episódio que
dá início à caminhada para o calvário. Os condenados à crucificação deveriam levar eles

588
Tácito, Anales XV, apud, RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 480.
314

mesmos a sua cruz até o local do suplício. Os evangelhos oferecem versões diferentes
do caminho do calvário. Segundo Mateus (27: 3), Marcos (15: 21) e Lucas (23: 26),
Jesus teve a ajuda de Simão Cirineu, pois estava esgotado pelos castigos anteriormente
impostos: a flagelação e a coroação de espinhos. Já João (19:16) diz que Cristo carregou
sozinho a cruz até o seu destino final.
A representação típica na arte ocidental do Senhor dos Passos é o Cristo
solitário, com a cruz às costas, ajoelhado, sofrendo com o peso da
cruz. É, porém, um tema de longa data. Nas representações mais
antigas, principalmente nos manuscritos, Cristo aparece vestido de
túnica roxa, de pé, caminhando. Na cabeça, tem a coroa de
espinho, mas não sofre, pois, a cruz é pequena e leve. Trata-se, na
realidade, da representação do sofrimento simbólico.

Fig. 71 – Senhor dos Passos, Túmulo de D. Inês de Castro, Mosteiro de Alcobaça, Portugal.

Mais uma vez, foi só, no fim da Idade Média que a cruz tornou-se grande e
pesada, com a intenção de apiedar os fiéis para o sofrimento do Redentor589. Será
representado de túnica roxa, coroado de espinhos e carregando às costas a cruz pesada,
podendo estar de pé, ou com um ou os dois joelhos ao solo. Nas pinturas e gravuras,
como na série do artista alemão Dürer, o caminho até ao topo do monte está repleto de
personagens, dentre os quais muitos soldados, que zombam dele. Cristo está ajoelhado
ao solo, ora com a cabeça levantada e os braços voltados para Maria, que tenta ajudá-lo
ora completamente exaurido com as duas mãos ao solo.

Fig. 72 – Senhor dos Passos,


António Francisco Lisboa, o
Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais, Brasil, e, Manuel Inácio da
Costa, Igreja dos Terceiros,
Salvador, Bahia.

589
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 479.
315

No Santuário de Congonhas do Campo, o Senhor dos Passos caminha de pé com


a cruz às costas. Entre um escalão de personagens, está Maria, além de São João
Evangelista, uma mulher chorosa com o filho, muitos soldados e ainda figuras diversas.
E, nas Igrejas terceiras carmelitas, encontrar-se-á a representação típica do Senhor dos
Passos das igrejas católicas portuguesas e brasileiras. Pode estar de pé, como na Igreja
dos Terceiros carmelitas de Faro, em Portugal, e de Ouro Preto, no Brasil, porém, o
mais comum é ter um dos joelhos ao solo, vestido da túnica longa roxa, segurando às
costas uma grande cruz e levando, na cabeça, a coroa de espinhos, como nos demais
Cristos das igrejas dos terceiros carmelitas do Brasil.

4.5.7 Cristo Crucificado

A crucificação é a representação do momento crucial da Paixão de Cristo,


dogma central do cristianismo, razão de sua presença habitual no altar-mor das igrejas
católicas de Portugal e do Brasil. A imagem do Cristo na cruz se impõe no pensamento
de todo o cristianismo não só como o Redentor, mas como símbolo e garantia de sua
própria salvação. O crucificado sofredor é, portanto, invenção de fins da Idade Média.
Representa a humanização do Cristo pelo surgimento do novo sentimento devocional,
introduzido principalmente pelas ordens mendicantes, tendo os franciscanos como
principal representante, e, também pela influência dos textos devocionais de origem
alemã e flamenga.
A cena da Crucificação é tratada pelos quatro evangelistas, alguns mais
detalhadamente, outros menos. Porém todos descrevem os fatos mais importantes:
contam que, após subir até o topo do Monte Gólgota, Cristo teve de esperar que
acabassem os preparativos para a sua crucificação. Segundo Marcos (Marcos 15, 24-
25), Cristo depois de pregado à cruz, resistiu por seis horas, aproximadamente das 9
horas às 15 horas, hora de sua morte. Quando, então, o corpo foi retirado da cruz por
José de Arimateia, que conseguiu permissão de Pilatos para enterrá-lo. Ajudado por
Nicodemos, preparou o corpo e o colocou num túmulo escavado na rocha. Ao terceiro
dia, ele ressuscitou.
Dos textos apócrifos, vem o episódio de lhe sacarem as roupas. Segundo
costume romano, as roupas dos condenados deviam ser repartidas entre os soldados, que
tiraram a sorte para saber a quem caberia a túnica de Cristo. Esse episódio foi bastante
316

difundido no mundo cristão, a ponto de estar ilustrado no Santuário de Congonhas, em


Minas Gerais, no Brasil. No Passo da Crucificação, ao lado
da cruz, que ainda se encontra no solo com Cristo
posicionado sobre ela, para ser fixado com os cravos, vê-se
um grupo de três soldados tirando a sorte com dados, para
decidir qual deles ficará com a túnica.

Fig. 73 – Soldados tirando a sorte, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas,


Minas Gerais, Brasil.

Enquanto esperava para ser crucificado, Cristo sentou-se numa pedra, desnudo,
momento identificado como Senhor da Paciência, cena confundida, muitas vezes, com a
coroação de espinhos. Essa também é uma criação do século XIV, na tentativa de
preencher o intervalo de tempo entre o chegar e a crucificação propriamente dita. Cristo
nu, espera pela morte. Pode estar ainda coroado de espinhos e
trazer as mãos atadas, ou, o mais usual, ter a cabeça apoiada em
uma das mãos sobre o joelho, em atitude de espera.

Fig. 74 – Senhor da Paciência, Museu Municipal de Portalegre590.

De acordo com o costume judeu, os condenados à morte


recebiam vinho fortemente aromatizado para anestesiá-los. Então, os soldados lhe
deram para beber vinho misturado com fel, segundo Mateus (27,34) e vinho com mirra,
de acordo com o Evangelho de Marcos (15,23). Cristo provou, e não quis beber.
O tecido atado à cintura, comumente chamado de perisonium, na sua forma
latinizada e perizônio, já aportuguesada, que pode também ser conhecido como pano da
pureza ou cendal, segundo Louis Réau, nada mais era do que o véu da Virgem, que, ao

590
http://www.geira.pt/museus/Coleccoes/index.asp?id=33
317

ver o filho despojado de sua túnica, tira o véu da cabeça e o cinge em torno da cintura
do Cristo591.
Na Crucificação propriamente dita, podemos discernir dois momentos: a fixação
de Jesus na cruz e o momento em que morre preso a ela. No primeiro, de origem
bizantina, é comum encontrar a cruz estendida no chão, como no Passo de Congonhas
do Campo, no Brasil. Segundo a ordem dos fatos, depois de fixado à cruz, os soldados,
com ajuda de cordas, levantam-na, fixando-a no buraco cavado anteriormente no chão.
Outra interpretação, menos comum, Cristo sobe uma escada e, apoiando os pés no
supedanum, deixa que os soldados fixem os seus braços e pés na cruz592.

Cristo só aparece na forma humana fixado na cruz a partir do século V, formato


que será definido pelo Concílio de Constantinopla, no ano de 692. Nessas primeiras
representações, está sempre vivo com os olhos abertos. Será só por volta do século XI,
que começará a aparecer morto de olhos fechados. A representação de Cristo
Crucificado podia ser, portanto, na forma humana viva ou morta. Na primeira,
apresenta-se vivo e triunfal. Essa interpretação teve seu início por volta do século V.
Nessa fase, vem vestido com uma túnica longa (colobium) do tipo sírio ou como no
Vulto Santo de Lucca. Mais tarde, aparecerá nu, usando apenas o
perizônio. Até Cristo figurar morto na cruz, era representado
vivo, portanto, de olhos abertos, com caráter triunfal, pois, no
lugar da coroa de espinhos, tinha a cabeça erguida e portava uma
coroa de rei, o peito reto e os braços
estendidos horizontalmente, invocando
a majestade na cruz593.

Fig. 75 – Santo Vulto, Lucca, Itália594.

591
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 490-491.
592
Idem, ibidem, p. 492-493.
593
Idem, ibidem, p. 496-497.
594
https://en.wikipedia.org/wiki/Holy_Face_of_Lucca
318

Cristo morto, reflexo do sofrimento e da compaixão é uma invenção do século


XI ou XII. A imagem tem, então, os olhos fechados, a cabeça caída sobre o ombro
direito. O corpo sem vida está flexionado, já não passa de um cadáver de um homem
sacrificado. Segundo Louis Réau, não existe uma explicação lógica para a mudança do
triunfal ao patético. Tentou-se explicar pela substituição do uso do Evangelho de
Mateus pelo de João, ou pelo forte apelo que surgiu a partir do misticismo sentimental
da figura de São Francisco de Assis, ou ainda pelas publicações de obras como as
meditações do Pseudo Boaventura e das Revelações de Santa Brígida ou, finalmente,
pela influência do Teatro do Mistério da Paixão, acrescentaria Émile Mâle. Mas foi
exatamente a busca do passional e da proximidade com o fiel que o fez ser representado
morto e contorcido de dor, um espetáculo de padecimento.
Outras transformações que se processarão, mais tarde, na iconografia do
Crucificado, estarão relacionadas à sua indumentária, à quantidade de cravos que o
prendiam à cruz e, finalmente, ao uso ou não da coroa de espinhos. A questão da nudez
não provocou nenhuma preocupação histórica, já que os escravos, quando condenados à
morte, na tradição romana, deveriam estar sem roupas. A tradição de representá-lo com
uma túnica sem manga (colobium sírio) ou com um pano amarrado à cintura
(perisonium helênico) também não tem fundamento histórico. Porém nenhum artista
teve a audácia de representá-lo completamente nu. Só o veremos assim, no
Renascimento, em algumas esculturas de Miguel Ângelo, que o Concílio de Trento
proibiu, determinando que se adicionasse a elas um perizônio.
Jesus foi crucificado com ou sem coroa de espinhos? Acerca desse tema, reina a
mesma incerteza. Nas crucificações triunfais da Idade Média, levava sempre uma coroa
real. Artistas do período barroco, como Rubens e Van Dick o representaram com ou
sem a coroa de espinhos, de acordo com o mandante ou com a sua própria vontade.
A cruz é quase sempre arrematada com o titulus, onde se inscrevem as iniciais
INRI, Jesus Nazareno, Rei dos Judeus. Em Roma, os escravos eram crucificados
sentados sobre um pedaço de madeira (sedile), espécie de ‘misericórdia’ pouco
confortável, que fazia com que os condenados sofressem por muito mais tempo,
prolongando o suplício. Na iconografia cristã, esse banquinho foi substituído por uma
madeira colocada abaixo dos pés (suppedaneum). Até o século XIII, usavam-se quatro
cravos, dois nas mãos e outros dois nos pés. A partir de então, os condenados
começaram a ser fixados com apenas três cravos, um único para os pés, com o pé direito
sobre o esquerdo. Quanto à fixação das mãos, os anatomistas dizem que se fosse fixada
319

na palma, o tecido frágil desta se abriria, pois não seria capaz de aguentar o peso do
corpo. Por esse motivo, a fixação no punho seria o mais indicado. Mesmo assim, os
artistas sempre colocaram as feridas do Cristo, assim como São Francisco, na palma das
mãos595.

Fig. 76 – Cristo Crucificado, Igreja da Ordem Terceira do Carmo,


Santos, São Paulo.

Todos os Crucificados das igrejas da Ordem Terceira


do Carmo são representados fixados à cruz com três cravos,
exceção é o da Igreja de Santos com quatro cravos, usando o
perizônio, alguns como na Igreja do Porto, foi acrescentado
um saiote de tecido natural. Pode ter os olhos fechados ou abertos, portanto, pode estar
morto ou ainda vivo. Quanto ao momento iconográfico representado no último Passo da
Paixão de Cristo, a Crucificação, não existe um padrão, maioritariamente os Cristos
estão vivos, com os olhos abertos, porém existe um bom número de mortos, com os
olhos fechados. Se vivo, pode apresentar a cabeça suspensa para o alto, ou ligeiramente
para a esquerda ou para a direita. Já as cabeças dos Cristos mortos seguem o padrão e
caem sempre para a direita.
Todos estão com o perizônio em torno do baixo ventre, com movimentos que
vão desde um caimento natural até o esvoaçante e exagerado do Barroco, que será
analisado no próximo capítulo. O número de cravos,
como mencionado, também pode ser o normal, três
cravos, e o único com quatro cravos, é o da escultura da
Igreja de Santos.

Fig. 77 – Cristo Crucificado, Igreja da Ordem


Terceira do Carmo, Itu, São Paulo.

595
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 499-500.
320

Localidade Braços Olhos Cabeça Cravos


T Y Fechados / Direita Esquerda
Abertos
Morto / Vivo
Belém (PA) x x Erguida / frente 3
João Pessoa (PB) x x Erguida / esquerda 3
Recife (PE) x x Erguida / direita 3
Goiana (PE) x x Caída / direita 3
Salvador (BA) x x Caída / direita 3
Cachoeira (BA) x x Caída / direita 3
Rio de Janeiro x x Caída / direita 3
(RJ)
Campos (RJ) x x Caída / direita 3
São Paulo (SP) x x Caída / direita 3
Itu (SP) x x Caída / direita 3
Mogi (SP) x x Erguida / direita 3
Santos (SP) x x Frente /Reta 4
Ouro Preto (MG) x x Erguida / frente 3
São João del Rei x x Caída / direita 3
(MG)

4.5.8 Concluindo

A representação dos Cristos nas igrejas das Ordens Terceiras do Carmo do


Brasil está associada à arte religiosa do século XVII e XVIII e à herança simbólica da
Idade Média, cujo Antigo Testamento é a prefiguração do Novo Testamento. A despeito
de sua importância artística, tais temas eram uma demonstração com alto valor
simbólico, cuja função didática predominava sobre o significado estético. É a
representação de um homem na sua qualidade de Cristo, como o Messias. Os temas
iconográficos dos séculos XVII e XVIII incluindo o início do XIX são uma extensão do
período final da Idade Média, com algumas intervenções a partir das normas emanadas
do Concílio de Trento. Entretanto, a iconografia da humanidade de Cristo tem raízes
medievais, de base popular e piedosa. A iconografia é recorrente e a vida, devocional.
As representações das esculturas dos Cristos da Paixão expressam sentimentos de
penitência e piedade, característicos do ser humano.
Pode-se dizer que não houve a utilização de uma única fonte textual para a
iconografia dos Passos da Ordem Terceira do Carmo. A observação atenta de alguns
passos revela que eles podem ter-se inspirado em qualquer um dos quatro evangelhos.
Porém, conjecturamos que tenha sido o Evangelho de João o mais requisitado, podendo
321

ter servido de fonte textual para seis cenas representadas pela Irmandade de leigos
carmelitas. Entretanto não consistiu na única fonte, uma vez que João não narra o
primeiro Passo: Senhor no Horto. Mas, sem dúvida, constituiu a inspiração para dois
dos Passos: Ecce Homo e Senhor dos Passos, pois somente ele descreve o momento em
que Pilatos apresenta Jesus à multidão e ela lhe pede que o crucifique. É o único
também que determinou o sofrimento específico de Cristo ao carregar sozinho a cruz até
o alto do Gólgota.
Quanto ao Passo do Horto, é provável que tenha se inspirado no evangelho de
Lucas, pois é o que descreve Cristo ajoelhado orando e o surgimento do anjo que o
consola. Aos outros episódios, pode ter servido de fonte qualquer um dos quatro
evangelhos, pois são muito similares. Já, nos episódios extremamente concisos, como a
flagelação, é possível ainda a intervenção de outros textos. O único Evangelho que não
menciona a Coroação de espinhos é o de Lucas. Os demais narram que lhe foi colocada
uma capa, ou manto de cor púrpura, uma coroa de espinhos à cabeça e, nas mãos, a cana
verde.
E, para a confecção dos adereços e atributos que não possuem fonte textual nos
Evangelhos, recorreu-se ou aos textos apócrifos ou à tradição ao longo desses 2000 anos
ou, mais especificamente, ao longo dos primeiros 1500 anos, quando, então, foram
moldadas as principais cenas e imagens da Paixão de Cristo, que ainda são cultuadas.
Quanto as fontes iconográficas que serviram de inspiração para os Passos dos
irmãos leigos carmelitas, como vimos no subitem especifico, não é possível indicar uma
gravura específica ou o momento que determinou a mudança. Porém, podemos dizer
que foi uma evolução formal dos grupos representados nas obras de Dürer, do Padre
Nadal e até da família Klauber, através da seleção e elaboração da cena através do
personagem único acrescidos de elementos que o identificavam.

4.6 A Procissão do Triunfo das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora


do Carmo

As esculturas dos Cristos dos Passos da Paixão das Ordens Terceiras do Carmo,
como objetos litúrgicos, encaixam-se em dois tipos específicos de funcionalidade:
participavam do ato litúrgico devocional diário, marcando presença nos altares das
igrejas das Ordens Terceiras do Carmo servindo de apoio emocional aos fiéis, que
podiam recorrer a orações e oferendas quando necessário e participando de rituais
322

específicos da época da quaresma, como o descrito pelo cronista da Ordem Frei Joseph
Pereira de S. Anna, “[…] só nas Sextas feiras da Quaresma se abrem [as capelas do
claustro) para se praticar o devotissimo exercicio dos Passos, que nossa comunidade
visita acompanhada dos Irmãos Terceiros […] 596. E descrita nos estatutos da Ordem
Terceira que os irmãos deviam participar da via sacra dos Passos do Senhor nas Sexta-
feiras da Quaresma, que se costumam fazer nos altares de nossa capela em que se
medita e representa cada um dos sete sagrados Passos, e com os motetos que a música
canta”597. Os mesmos Cristos tinham ainda a função processional, quando eram
carregados na última sexta-feira da Quaresma, antes do Domingo de Ramos, na
Procissão do Triunfo pelas ruas das cidades, sendo os andores conduzidos pelos irmãos
da Ordem Terceira.
As procissões eram, no período colonial, uma importante manifestação de fé da
Igreja Católica Apostólica Romana. Nos séculos XVII e XVIII, as procissões
encerravam um duplo valor simbólico: exteriorizavam uma piedosa ação como ato de
fé, ao mesmo tempo em que significavam uma demonstração de poder e riqueza. Em se
tratando de procissões subordinadas às Confrarias, Irmandades e Ordens Terceiras, este
último fator teve um grande peso. É bastante conhecida a existência de uma “saudável”
concorrência entre os militantes das ordens religiosas, em especial os franciscanos e os
carmelitas, no Brasil, que se rivalizavam, e apresentavam belos cortejos a procura de
uma maior audiência.
Situação similar é encontrada em Portugal, principalmente pós Trento, quando
inseriram a procissão no seu quotidiano. “[...] Não será, portanto, de estranhar que
tenha aderido com entusiasmo à política tridentina que se serviu da procissão,
enquanto espectáculo teatral de propaganda, para fazer vincar uma certa moralidade e
um certo tipo de conduta de vida cristã. A sociedade portuguesa estava profundamente
inserida numa mentalidade comandada pelos ritos da Fé”598.
Tais ritos e manifestações chegaram ao Brasil e tiveram vida longa, pois, em
pleno século XIX, o comerciante inglês John Mawe, presenciou e relatou que as
procissões eram “[...] suntuosas, grandes e solenes, [produzindo] um efeito chocante
596
S. ANNA, Frei Joseph Pereira de, Chronica dos carmelitas da antiga e… op. cit., tomo I, 1745, p. 762.
597
ESTATUTOS DA VENERAVEL Ordem terceira de Nossa senhora do Monte do Carmo. Novamente
impressos com as reformas feitas pelo meza conjunta de 29 de setembro de 1848, sendo prior da Ordem
o Irmão Prior jubilado João Baptista Lopes Gonçalves, reimpresso em 1895, Rio de Janeiro, Typ. e
Papelaria Neves, p. 42.
598
TEDIM, José Manuel, ‘A procissão das procissões. A festa do Corpo de Deus’, publicado em
PEREIRA, João Castelo-Branco (coord.), Arte Efémera em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001, p. 217.
323

devido à profunda veneração e ao zelo entusiástico do povo. Nessas ocasiões especiais,


[acorrem] todos os habitantes da cidade, e a multidão é, frequentemente, acrescida por
[...] senhoras, que [consideram] o dia como de festa, em seus vestidos de gala, enchem
as sacadas das casas, de onde se tem nela visão do espetáculo; à noite a festa continua
[...], com chá e partidas de carta ou danças”599.

4.6.1 Procissões - origens

As imagens litúrgicas podiam ter diferentes funções dentro do culto Católico.


Interessa-nos, em particular, a função devocional, como integrantes da festa barroca em
homenagens aos santos padroeiros nas diversas Procissões. A Procissão do Triunfo,
particular da Ordem Terceira do Carmo, ocorria na última sexta-feira da Quaresma,
podendo ser transferida para o Domingo de Ramos, quando necessário. Era sempre
composta de sete andores com esculturas dos Cristos representando as cenas da Paixão
– Horto, Prisão, Flagelação, Coroação, Ecce Homo, Senhor dos Passos e Crucificação.
Podiam ainda fazer parte, os andores da Virgem da Soledade e do Senhor Morto, este
último uma presença escultural constante nas Igrejas dos Terceiros, pois também era
tradição dos terceiros do Carmo realizar a Procissão do Enterro600.
Raphael Bluteau, no seu dicionário de 1712, define procissão como uma “[...]
ceremonia ecclesiastica, na qual o Clero e o povo, e algumas vezes a nobreza, vão com
cruz alçada, e boa ordem de um lugar sagrado para outro, levando pendão, e rezando
Ladainhas, ou outras pias orações. É certo, que na lei antiga se faziam procissões para
dar graças a Deus e para alcançar o perdão das suas culpas [...]”601. De acordo com
Bluteau, a origem das procissões está na Antiguidade clássica. Os gregos já faziam “[...]
uma espécie de procissão à roda de um altar, e para imitarem os dois movimentos do
céu, um natural e outro violento, davam uma volta da mão esquerda para a direita, e
outra da mão direita para a esquerda”602.

599
MAWE, John, Viagem ao interior do Brasil, São Paulo e Belo Horizonte: Editora da Universidade de
São Paulo e Livraria Itatiaia, 1976, p. 72 (edição original: 1812). John Mawe (1764-1829) comerciante
inglês que esteve no Brasil de 1807-1811.
600
“[…] E os religiosos de Nossa Senhora do Monte do Carmo em Sexta Feira da Paixão. […]”. VIDE,
D. Sebastião, Constituiçoens… op. cit., p. 192. Pesquisando a região de Minas Gerais e a documentação
relativa aos terceiros carmelitas de Sabará e de Ouro Preto, Adalgisa Arantes Campos confirma a
competência da Irmandade do Carmo também pela procissão do Enterro, na Sexta-feira da Paixão. Ver:
CAMPOS, Adalgisa Arantes, Quaresma e Tríduo.., op. cit., p. 209-219.
601
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário … op. cit., Volume XX, Coimbra, 1712, p. 756.
602
Idem, ibidem., p. 756.
324

Resumindo, do ponto de vista histórico-religioso, “as procissões são cortejos


destinados a exprimir externamente os sentimentos religiosos e a realçar a pompa das
solenidades de uso comum a todos os cultos”. Como tal, deviam seguir regras e padrões
pré-estabelecidos. As religiosas do culto católico são, geralmente, “ordenadas em alas
que percorrem um trajeto, cantando preces ou levando em exposição a hóstia
consagrada, a imagem de um ou mais santos, ou alguma relíquia digna de
veneração”603.
As procissões mais antigas da tradição cristã são as dedicadas a Cristo, como a
de Corpus Christi604 e as da Semana Santa, mas também são tradicionais as procissões
aos santos padroeiros das cidades e as invocações da Virgem Maria. Desde o início do
século V, já em Jerusalém, celebrava-se a “entrada de Jesus na cidade, com uma solene
procissão, na tarde do sexto domingo da Quaresma. Este rito espalhou-se a pouco e
pouco no Oriente, e mais tardiamente, no ocidente”605.
Nos séculos XVII e XVIII, em Portugal e no Brasil, as procissões eram ditadas
pelas Constituições Eclesiásticas. Para Portugal, as Constituições Synodais do Bispado
do Porto de 1753, no seu título vigésimo, definiam que as procissões deviam ser feitas
conforme o costume para “[...] louvor de Deus, e para provocar os Cristãos à devoção
porque possam ser ouvidas as orações de muitos que se nela ajuntam [...]”.606
Determinavam também quais as procissões solenes do Bispado: Corpus Christi, e da
Visitação, e do Anjo Custodio, e outras semelhantes. Tratavam, ainda, de quem deveria
participar delas, incluindo os religiosos que tinham mosteiro na região. Contudo, não
estabeleciam as procissões específicas de cada Ordem Religiosa: “por que rezam de
seus privilégios não são isentos das procissões que se fazem para honra e louvor de
Deus, e exaltamento de nossa fé católica, antes o Sagrado Concilio Tridentino os
obriga. Ordenamos e mandamos que quando se fizer procissão solene, todos os
guardiões e superiores de mosteiros deste nosso Bispado mandem suas cruzes, e
religiosos para ir na dita procissão as Igreja donde houver de sair para que vá

603
Verbete ‘Procissão’, Grande enciclopédia portuguesa e brasileira, Lisboa e Rio de Janeiro, Editorial
enciclopédia, 1945, vol. XXIII, p. 324-326.
604
Para a procissão de Corpus Christi em Portugal, ver artigo de TEDIM, José Manuel, op. cit., p. 217-
234.
605
COSTA, Martins da, op. cit., 1979, p. 24.
606
CONSTITUIÇÕES Synodaes do Bispado do Porto ordenadas pelo muyto illustre e reverendíssimo
senhor Dom frey Marcos de Lisboa, bispo do dito bispado &c. [sic]. Agora novamente acrescentadas com
o Estilo da Justiça, Coimbra, por Antonio de Mariz, à custa de Giraldo Mendez, livreiro, 1585, [14], p.
95-98.
325

acompanhada como convém, sendo certos que fazendo o contrario (o que deles não
esperamos) se procederá no caso contra eles como for justiça”607.
No Brasil, nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de D.
Sebastião Monteiro da Vide, esclarece, no seu título XIII, que as procissões eram uma
“[...] oração pública feita a Deus, por um comum ajuntamento de fiéis, dispostos com
certa ordem, que vai de um lugar sagrado a outro lugar sagrado. E é tão antigo o uso
delas na Igreja Católica, que alguns autores atribuem sua origem ao tempo dos
Apóstolos. São actos de verdadeira Religião, e Divino culto, com as auais
reconhecemos a Deus como a Supremo Senhor de tudo, e […] esperando da sua Divina
clemencia as graças, e favores que lhe pedimos para salvação de nossas almas,
remedio dos corpos, e de nossas necessidades. […] e o uso das procissões se guarde em
nosso Arcebispado, fazendo-se nelle as Procissões gerais, ordenadas pelo Direito
Canónico, Leis, e Ordenações do Reino, e costume deste Arcebispado, e também as
mais que nós mandáramos fazer, observando-se em todas a ordem, e disposição
necessária para perfeição, e magestade dos tais atos, assistindo-se neles com aquela
modéstia, reverencia e religião, que requerem estas pias e religiosas celebridades”608.
As procissões, nos séculos XVII e XVIII, período pós tridentino, tiveram uma
grande importância, pois constituíam um ritual de fé que se encaixava perfeitamente nos
fundamentos teóricos do espírito barroco: o triunfalismo, o uso da retórica persuasiva,
através da teatralidade e do ilusionismo, e a concepção de obras de arte totais. Portanto,
os monumentos religiosos do período barroco, assim como, as manifestações de fé
ligadas a eles, como as cerimônias religiosas, eram cercadas de pompa e ostentação. Na
verdade, eles se completavam, perdendo a funcionalidade fora dos seus contextos
originais.
Nas procissões, os santos não podiam simplesmente subir aos andores. Fazia-se
necessário todo um ritual de preparação, que, muitas vezes, ia desde a decoração dos
andores com flores, velas, tecidos e franjas, até o vestir o santo, nas imagens ‘de vestir’,
com roupas, joias, resplendores, etc. Depois, no cortejo, exigia-se o acompanhamento
de um séquito de personagens segurando instrumentos e (ou) bandeiras, de anjos, de
música e da recitação de orações em voz alta e (ou) cantos.
A devoção à Paixão de Cristo não era exclusividade de nenhuma ordem
religiosa, mas fruto da nova espiritualidade que a Igreja tentava implantar desde o

607
Idem, ibidem, p. 98.
608
VIDE, D. Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit., Livro 4, p. 256.
326

século XIV, inspirada na figura de São Francisco. Porém, foi só a partir da divulgação
do Devotio Moderna, buscando uma piedade mais ativa, através da prática da oração
mental e dos exercícios espirituais, que se acentuou “o cristocentrismo e valorizou o
estabelecimento de uma intimidade pessoal entre Deus e a alma, mais importante que
os ofícios corais e as cerimónias exteriores”609.
A busca pela espiritualidade a partir do exemplo de Cristo foi uma das questões
dos séculos XV ao XVII. Segundo Mafalda Ferin Cunha, um importante registro dessa
nova expressão foi o livro Imitação de Cristo, atribuído a Tomas Kempis. A ordem
carmelita, com a devoção à Paixão de Cristo, refletia, portanto, a espiritualidade da
época, o que pode ser testemunhado pelos escritos de Santa Teresa e de São João da
Cruz e que transparece na Regra dos Irmãos Terceiros.
No Brasil, as procissões foram instituídas, quando da chegada dos portugueses,
pela figura do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, no ato da fundação da cidade
de São Salvador, segundo Luís da Câmara Cascudo. O Padre Manuel da Nóbrega
informou por carta de 9 de agosto de 1549, “haver realizado duas procissões solenes,
cânticos públicos e trombetas, a do Dia do Anjo (19 de julho) e a de Corpus Christi (19
de junho). Com danças e invenções à maneira de Portugal, ruas enramadas, grande
acompanhamento e jogando toda a artilharia que estava em terra”610.
Portanto, a “primeira solenidade celebrada com esplendor nesta heroica e leal
cidade foi a procissão do Corpo de Deus. Mas lembremo-nos também de que Tomé de
Sousa, pondo o pé em terra, na povoação do Pereira, a fim de dar início à fundação da
sede do governo da América portuguesa, fê-lo em ordem de procissão. Não em passo
militar, senão em andada de romaria. Logo os jesuítas adotaram e propagaram tais
atos devocionais, com caráter penitencial ou festivo, para atração da indianada e
edificação dos colonos. E a Bahia foi por séculos a terra das procissões”611.
Da Bahia, as procissões divulgaram-se por todas as Capitanias. Havia
procissões em honra da Virgem, como a de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do
Pará, em honra de Cristo, como a do Senhor do Bonfim, na Bahia e as dos santos
padroeiros, como São Sebastião, no Rio de Janeiro. Estas últimas são as mais típicas,
fechando o novenário de festas tradicionais. As procissões de penitência, com

609
CUNHA, Mafalda Ferin, Reforma e contra-reforma. (O que foi), Lisboa, Quimera, 2002, p. 77.
610
NOBREGA, P. Manuel de, ‘Cartas do Brasil’, apud, CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do
folclore brasileiro, Volume II, Rio de Janeiro, Edições de ouro, 1969, p. 475.
611
CAMPOS, João da Silva, ‘Procissões tradicionais da Bahia’, apud, CASCUDO, Luís da Câmara,
Dicionário do folclore..., op. cit., p. 475.
327

flagelantes, as procissões das almas, para diminuir-lhes as penas no purgatório, vieram


até os últimos anos do século XIX612.

4.6.2 A Procissão do Triunfo

É através da Regra dos Terceiros carmelitas que tomamos conhecimento do tipo


de espiritualidade desejada aos leigos. No texto do frade carmelita Miguel de
Azevedo613, em que o narrador dialoga com um noviço cheio de dúvidas, um dos
trechos mais interessantes é quando o autor esclarece que os Irmãos Terceiros devem
agir conforme a Regra dos religiosos da Ordem Primeira, com contrição e respeito.
Entretanto não precisam obedecer a ela de forma rígida.
O narrador diz que, por obrigação caridosa de bom irmão que ele era, deveria
ensinar aos irmãos terceiros uma maneira mais suave de cumprir as obrigações, entre
elas as rezas, que podiam, então, ser dividas durante o dia para “[...] adoçar-lhes o
amargor, e suavizar-lhes o peso, que nisto sentem, ensinando-os a rezar por partes as
Horas Canônicas, que não podem, como afirmam, rezar todas juntas” e conclui que
esta divisão da reza a faz muito mais doce, como é manifesto, e muito mais perfeita,
como diz o Espírito Santo no Eclesiastes, capítulo XI, versículo 6614. Pois assim vai o
homem semeando de manhã, e de tarde, isto é, vai pelo espaço de todo o dia cultivando
a sua alma com os louvores do Senhor, como com umas fecundas sementes, que a seu
tempo hão de produzir frutos de graça, e de glória. Este caminho é plano, meus amados
Irmãos, bem podeis trilhar sem cansaço615.
Porém, o que mais chama atenção nesses ensinamentos do Fr. Miguel de
Azevedo é o fato de que, após ensinar a distribuir as rezas durante o dia, restava-lhe
ainda ensinar como fazê-las juntamente com as meditações, pois não bastava rezar, era
necessário meditar “para que a Oração vocal [ficasse] animada com o espírito da
Oração mental”. Notemos que a Meditação deveria ser feita com o pensamento voltado
para os momentos da Paixão de Cristo ou diante das imagens que os representasse.

612
CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do folclore..., op. cit., p. 475-476.
613
AZEVEDO, Fr. Miguel de, Regra da Ordem Terceira da mai santíssima, e soberana senhora do
monte do Carmo, extraída da regra, que Santo Alberto Patriarca XII, de Jerusalém escreveo para
Brocardo, e os mais eremitas, que ao pé da Fonte de Elias moravão no monte Carmelo. Aprovada pelo
santíssimo Padre Sixto IV, Lisboa, Regia Officina Typografica, 1790 (MDCCXC). [Edição mais antiga:
Lisboa, na Regia Officina Typografica, anno M DCC LXXVIII (1778)]
614
Pela manhã semeia a tua semente, e à tarde não retires a tua mão, porque tu não sabes qual
prosperará, se esta, se aquela, ou se ambas serão igualmente boas. (Eclesiastes, 11: 6)
615
Idem, ibidem, p. 12.
328

Seguindo a ordem: “MATINAS, E LAUDES, durante todo o período da QUARESMA:


Medite meu Irmão, no excessivo amor de Jesus Cristo para seus Discípulos na Última
ceia: na profunda humildade, com que lhes lava, e limpa os pés; na ultíssima
sabedoria, com que se deixa ficar no Mundo sacramentado, e oculto entre espécies e
acidentes de pão e vinho: na mortal agonia, que o cerca, orando em o Monte das
Oliveiras [...]”.
Nas Terças da Quaresma: “Medite meu Irmão, na insaciável crueza dos algozes,
despedaçando as delicadíssimas carnes do Filho do Homem, coroando-lhe a cabeça de
agudos espinhos, e mostrando-o ao povo como Homem de dores [...]”.
Nas Sextas da Quaresma: “Medite meu Irmão, no cruel tormento de Jesus Cristo
condenado à morte, oprimido com o peso da cruz, e cravado na mesma cruz com a mais
dura inumanidade”616.
Trata-se, portanto, de direcionar o pensamento para a Paixão de Cristo. No texto
autobiográfico de Santa Teresa de Ávila, a reformadora da ordem, do século XVI, ela
ensina uma técnica especial, para se alcançar o nível mais elevado da oração. Passa-se
por quatro níveis até chegar finalmente ao sublime momento em que a oração seja a
entrega total da própria mente à do Senhor seu Deus. “[...] pensemos num momento da
Paixão, por exemplo, Jesus atado à coluna. O entendimento começa a procurar as
causas que ali se dão a entender, as grandes dores, a tristeza que Sua Majestade
sentiria ali tão sozinho, e muitas outras coisas que um espírito agudo ou pessoa douta
poderá deduzir daqui. Este é o modo de oração próprio para todos, - porque é um
caminho excelente e seguro até que o Senhor os conduza a outras coisas
sobrenaturais”617.
A Regra da Ordem Terceira do Carmo, por si só, não nos esclarece sobre a
Procissão do Triunfo, pois não a menciona, mas se compreende a espiritualidade e o
envolvimento de que os irmãos terceiros deveriam depreender do sofrimento de Cristo,
inspirados na regra da Ordem primeira. A Procissão do Triunfo será discriminada nos
Compromissos e Estatutos da Ordem Terceira do Carmo. Tal relato aparece no texto, de
1815, do Compromisso dos Irmãos Terceiros Carmelitas de Alcácer do Sal618,
localidade a cerca de Lisboa. Também se pode encontrar uma interessante descrição da
procissão nos Estatutos, do final do século XIX, dos terceiros do Carmo da cidade do

616
AZEVEDO, Fr. Miguel de, op. cit., p. 56 e 62.
617
SANTA TERESA de Jesus, Obras completas, Canaveses, Edições Carmelo, 2015, p. 95.
618
COMPROMISSO da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo desta Vila de
Alcácer do Sal, Lisboa, Na impressão Regia, 1817.
329

Rio de Janeiro, os quais ainda assinalam a existência desse cortejo até data avançada do
século XIX619.
Porém, antes de descrever o ritual da Procissão do Triunfo, instituída
oficialmente no Compromisso dos Terceiros de Alcácer do Sal e no Estatuto do Rio de
Janeiro, torna-se necessário compreender o significado do termo triunfo. De acordo com
o Dicionário de Bluteau, “era pois, o Triunpho a maior honra, que os Romanos
concediam, e a mais pomposa e solene festa que se celebrava em Roma. [...]”. Para
conseguir essa honra, o candidato deveria ser aprovado em três instâncias, a saber, o
Exército, o Senado e o Povo. Aprovado, o Triunfador saía, então, “com uma coroa de
loureiro na cabeça, e distribuía ao povo os seus donativos e uma parte dos despojos do
inimigo [...]”620. Ainda faziam parte do cortejo, “[...] trombetas, touros destinados para
o sacrifício, carros alegóricos, estampas, pinturas [...] tudo em ouro, ou em prata, ou
em madeira dourada, ou em marfim [...] Finalmente aparecia o Triunfador em um
carro de marfim, redondo, dourado e de duas rodas, tirado por quatro cavalos brancos,
emparelhados [...] Andava ele com uma opa de púrpura, recamada com palmas de ouro
e demais do ramo de loureiro, que ele trazia na mão direita, tinha na mão esquerda um
ceptro de marfim. No meio de toda esta pompa ia um oficial detrás do Triunfador,
repetindo-lhe em altas vozes estas palavras: lembra-te que és homem, para abater com
esta lembrança o orgulho, que lhe podia causar a vaidade do aplauso. [...] Chegado ao
Capitólio, fazia a Júpiter um sacrifício, ao qual se seguia um magnífico banquete, e
depois o levavam ao seu palácio [...]”621.
A identificação deste relato com uma procissão católica pareceu imediata, como
também, com a procissão do Triunfo. Neste caso, o homenageado, único merecedor de
tal honraria, o Cristo, vinha com uma coroa de espinhos, a capa púrpura, manteve-se, e
na mão a cana como um cetro. Mas, diferente do rei pagão, que entrava em um carro de
marfim folheado a ouro, o Cristo como um simples mortal, entrava na cidade montado
em seu jumento, aprovado e aplaudido pelo povo, com ramos e grande festa.
O termo triunfo, em literatura, também podia significar um texto apologético em
homenagem a santos, pessoas, etc. Esse é o caso do texto do frade agostiniano, Antônio
de São Caetano, relatando em verso a procissão que decorreu quando da inauguração da

619
ESTATUTOS da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Novamente
impressos com as reformas feitas pelo meza conjunta de 29 de setembro de 1848, sendo prior da Ordem
o Irmão Prior jubilado João Baptista Lopes Gonçalves, reimpresso em 1895, Rio de Janeiro, Typ. e
Papelaria Neves.
620
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário portuguez… op. cit., p. 299-300.
621
Idem, ibidem, p. 300-301.
330

nova Igreja do Carmo, de Santarém, no ano de 1708: Apografia Metrica & triunfal
narraçam do plausível apparato, que a illustre Família Carmelitana majestosamente
consagrou ao Maximo dos sacramentos na sua translação para o sumptuoso Templo,
que à Senhora do Monte do Carmo...622. O texto em si nos pareceu ser uma
demonstração do empréstimo poético tirado à festa romana. Encontram-se abaixo
alguns pequenos fragmentos ilustrativos:
“No fim deste Triunfo inimitado,
Prodígio aos olhos, atração do agrado [...]
Uma carroça altiva,
Que os Romanos triunfos não puderam [...]
Por Mãe de Deus, Senhora do Carmelo [...]
Em outro pavimento [...]
Na Doutora gentil, Teresa Santa,
Donde um Anjo lhe afeta
No rico peito aponta de uma seta [...]
Na quartela, que a baixo se seguia
O Patriarca ía, Elias soberano [...]”623.
A procissão do Triunfo, estabelecida nos estatutos, não era a única manifestação
de fé que os terceiros deveriam seguir. Também participavam da “[...] razoura em todos
os segundos Domingos dos meses, [...], carregando a sacristia o andor em que vai
Nossa Mãe Santíssima, no fim do qual fará sempre o nosso Reverendo Comissário sua
prática espiritual, como complemento dos grandes frutos que a Igreja nos concede
nestes dias. A da Ressurreição do Senhor no Domingos da Páscoa, que também a
Ordem acompanha com o mesmo andor da Razoura, e a das candeias. [...] Está a
cargo de nossa Ordem no dia do grande jubileu da Quinta feira Maior, fazer com o
mais pomposo aparato possível a Exposição do Santíssimo na nossa capela,
iluminando-se este como é de costume. Igualmente celebrava a nossa Ordem no 1º
Domingo que seguir ao dia 16 de julho, a Festividade de Nossa Mãe Santíssima
Senhora do Carmo, com toda a solenidade havendo novenas, luminária e fogueiras na
622
CAETANO, Fr. Antonio de Santo, Apografia Metrica & triunfal narraçam do plausível apparato, que
a illustre Família Carmelitana majestosamente consagrou ao Maximo dos sacramentos na sua
translação para o sumptuoso Templo, que à Senhora do Monte do Carmo generosamente se erigio na
muyto nobre, & sempre leal Villa de Santarem a oyto de settembro de 1708. Sendo Prior do ditto
Mosteyro o M. R. P. M. Fr. Antonio da Assupçam, offerecida ao Senhor Luis Alvares da Costa, Fidalgo
da Casa de Sua Magestade, & Cavalleyro professo da Ordem de Christo, Lisboa, Na officina de Manoel
& Joseph Lopes Ferreyra, M. DCC. VIII. (1708).
623
Idem, ibidem, p. 27.
331

véspera, Missa cantada, música, sermão, e Senhor exposto; no que deve assistir a
Mesa, assim como a Procissão e encerramento. [...] Do mesmo modo festejará o dia de
Santa Teresa Nossa Matriarca, dia fausto na nossa Ordem havendo-se rito com toda a
grandeza e decência; [...] Conservar-se-ão os Santos Exercícios de meditações e
disciplinas da Ordem, como é costume, nas Segundas, Quartas e Sextas-Feiras do
Advento, assim como nas Segundas e Quartas da Quaresma, além dos mais atos
católicos que os Irmãos devem praticar por todo o ano, [...]”624.
Vieira Fazenda diz que até 1669 os Terceiros do Rio de Janeiro realizavam a
procissão do Enterro, […] mas nesse anno resolveu a Ordem do Carmo instituir outra
procissão, denominada do Triunpho, saindo anualmente a rua na Sexta-feira anterior a
da Paixão, ficando a de Sexta-feira maior, tal qual a presenciámos até 1873, último ano
em que teve lugar; porque os donos desta terra, os capadócios, os capoeiras e a flor da
gente, entenderam de assaltar na rua da Quitanda o anjo cantor para roubar as
custosas joias de brilhante, que lhe ornavam o peito e a cabeça625.
A descrição da Procissão do Triunfo, conforme o Compromisso da Venerável
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, da Vila de Alcácer do Sal, de
1817, no seu capítulo XXI diz o seguinte:
“A Procissão do Triunfo da Paixão de Cristo Nosso Senhor se fará Domingo de
Ramos com as Imagens, e todo o mais ornato, que a Ordem tem para esta ação: nela se
guardará toda a compostura, modéstia, e concerto que o ato pede para que mova à
devoção aos fiéis”626.
Segue a descrição de todo o cortejo e da hierarquia dos seus participantes,
estabelecida nos estatutos, que todos deveriam respeitar. O ápice do cortejo é o sétimo
andor, com o Senhor Morto, que deverá ser acompanhado pela Presidência na pessoa do
seu atual prior.
Os andores com os Cristos da Paixão seguiam a ordem temporal dos fatos
narrados no Novo Testamento e eram entremeados por figuras alegóricas, pessoas da
comunidade ou irmãos carregando os instrumentos da Paixão. Ainda participavam uma
figura feminina, representando Verônica, o Mestre de Noviço e todo o noviciado. Havia
também muita música: “Segue o primeiro Andor: o Senhor no Horto: com o Irmão Sub-
Prior do ano antecedente, e o Irmão do Culto Divino mais moço. [...] Segue-se o

624
ESTATUTOS DA VENERAVEL Ordem..., op. cit., p. 43-44.
625
FAZENDA, Vieira, ‘Antiqualha e memoria do Rio de Janeiro’, publicado em Revista do Instituto
Historico e Geográfico Brasileiro, vol. 93, p. 185-186.
626
COMPROMISSO.., op. cit., p. 37.
332

segundo Andor: o Senhor na Prisão: com o Irmão Tesoureiro do dinheiro, e o Irmão do


Culto Divino mais velho. [...] Segue-se o terceiro Andor: o Senhor prezo à coluna: com
o segundo Definidor, e o Tesoureiro da cera. [...] Segue-se o quarto Andor Ecce Homo:
com o primeiro Definidor, e o Procurador Geral. [...] Segue-se o quinto Andor: o
Senhor com a Cruz às costas: com o Secretário antigo, e o quarto Definidor. [...]
Segue-se o sexto Andor: o Senhor no Calvário: com o Sub-Prior do ano presente, e o
terceiro Definidor. [...] Segue-se o Sétimo Andor: o Senhor Morto. Segue-se neste lugar
da Presidência o Irmão Prior, Comissário com outro Irmão Nobre. Segue-se no fim o
Andor de Nossa Senhora. Nesta forma se proverá a Procissão sem se poder alterar em
caso algum. Ao recolher haverá Sermão, pelo que se dará a esmola do costume”627.
Uma observação se faz necessária à citação acima: falta-lhe o andor da Coroação
de Cristo, também chamado de Senhor da Pedra Fria. Talvez faltasse à Irmandade de
Alcácer do Sal justamente a representação escultórica deste Cristo, o que a fez adaptar
os sete passos às esculturas que possuía. O ápice, que é a representação do Crucificado,
foi deslocado para o Senhor Morto, que vem acompanhado pela presidência da
Irmandade, na pessoa do seu prior, demonstrando a importância dada à hierarquia,
presente ao longo de todo o cortejo no posicionamento dos representantes da Mesa da
Irmandade.
Quanto ao estatuto da Ordem Terceira do Carmo da cidade do Rio de Janeiro, a
Procissão do Triunfo vem especificada no capítulo 29, Das procissões, festividades da
Ordem e seus exercícios espirituais. A Ordem ainda deveria participar ou realizar as
procissões do Enterro do Senhor na Sexta-feira Maior, da Razoura nos segundos
Domingos de cada mês e ainda nas festas em homenagem a Nossa Senhora do Carmo e
à Santa Teresa, como visto anteriormente. O estatuto estabelece para a Procissão do
Triunfo: “Na Sexta-feira antes do Domingo de Ramos, ou neste dia quando o tempo
naquele não der lugar, sairá a nossa Procissão do Triunfo do Senhor, para o que
ficarão prontos de véspera na nossa capela os andores como é costume; a qual
procissão terá por princípio o pendão e quatro Irmãos Graduados com suas tochas,
que sustentam as guias do mesmo, precedidos da trombeta e seguindo-se-vos a cruz
com as ceriaes da comunidade, e logo o Noviciado e a ordem com o Definitório, e
depois os nossos religiosos, e no fim o Sagrado Lenho debaixo do pálio.

627
COMPROMISSO.., op. cit., p. 37.
333

Nesta procissão dar-se-á cera a comunidade e irão sempre os sete andores da


Paixão do Senhor; com advertência que o andor do Horto irá entre os irmãos noviços e
professos, e logo os da Prisão, Coluna, Coroação, Ecce Homo, Cruz às costas e
Calvário, de modo que indo este andor entre a mesa e o do Horto no princípio dos
Irmãos Professos, se sigam os mais por toda a extensão da Ordem, com as distâncias e
proporções necessárias; diante das quais irão os anjos com as insígnias dos martírios
que o Senhor padeceu, além dos dois coros de música como é costume.
[...]
A procissão será posta em marcha por ordem dos Irmãos Secretários e do
Procurador-Geral, e regida por dois ex-Procuradores-Gerais que terão de regular as
alas dos Irmãos, para que sempre emparelhados os de um com outro lado, não vão
mais de uma frente que de outra, e bem assim dar mudas aos Irmãos que carregam os
andores. O irmão Vigário irá após os andores da Ordem, e os Irmãos Sacristães cada
um atrás dos mais andores, segundo suas graduações.
Essa Procissão seguirá por aquelas ruas da cidade que é de costume, e ao
recolher-se, e postos os andores na nossa capela d’onde se haviam tirado, entrará o
Sermão respectivo com que se última esta solenidade, a que a mesa assiste, estando os
andores guarnecidos com todas ceras acesas como se tem praticado”628.
Trata-se, portanto de duas boas descrições do funcionamento da procissão do
Triunfo do século XIX (1817 e 1895). Apesar de não termos tido a oportunidade de ler a
descrição da Procissão do Triunfo, num compromisso ou no estatuto dos terceiros
relativos aos séculos XVII e XVIII, acreditamos que não deve ter ocorrido grandes
mudanças no cortejo. Talvez houvesse apenas muito mais luxo e ostentação nos séculos
anteriores. Porém, o mesmo não podemos dizer com relação ao relato da Procissão do
Triunfo do século XXI, que descrevemos no último subitem deste capítulo.

4.6.3 Narrativas da Procissão do Triunfo em Portugal

A Procissão do Triunfo, em Portugal, teve vida frutífera ao longo dos séculos


XVII e XVIII. Era exclusiva da Ordem Terceira do Carmo. Acredita-se que o culto
tenha sido instituído em Moura e Lisboa, cidades onde se instalaram as primeiras
Ordens Terceiras do país, em princípios do século XVII. Ambas as ordens possuem

628
ESTATUTOS..., op. cit, p. 41 e 42.
334

ainda os Cristos ou alguns deles, necessários à execução do cortejo. Em Lisboa, os


atuais Cristos são frutos da segunda metade do século XVIII. Foram encomendados a
José de Almeida, em 1758, logo após o fatídico terremoto de 1755, que destruiu tudo.
Em Moura, existem três exemplares dos Cristos, que podem ser esculturas ainda do
século XVII.
Encontram-se, como demonstram os exemplos acima, narrativas da procissão do
Triunfo nos compromissos e nos estatutos da Ordem Terceira do Carmo, os quais
definiam a sua formação e, em alguns casos, o percurso. Mas também podem ser
observadas interessantes narrativas nos relatos das pessoas, religiosos, viajantes, poetas
e escritores, que se entusiasmavam com o luxuoso aparato de fé que transitava pelas
ruas das cidades.
Na obra de José Antônio Pinheiro Rosa, sobre as procissões de Faro, aparece a
transcrição de uma notícia histórica, datada de 1731, localizada no Arquivo da
Venerável Ordem Terceira do Carmo da cidade.
“Extrato da Procissão do Triunfo da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo [...]
a qual celebrou a Nossa Venerável Ordem Terceira de Nossa Mãe Santíssima, e
Senhora do Monte do Carmo sita [...] na cidade de Faro, aos quatro de abril em Sexta-
feira da Paixão próxima à seguinte Dominga de Ramos pela uma hora da tarde este
ano de 1731 e se celebrará com o favor de Deus, e de N. Mãe Santíssima em todos os
mais futuros anos; e se fez na forma seguinte. [...] Colocaram-se as oito imagens do
Senhor no Horto, Prezo, à Coluna, na Pedra fria; Ecce Homo; com a cruz às costas,
Crucificado; e N. Sra. da Soledade nos seus andores adereçados com seus ciprestes em
outro altares portáteis, forrados de baeta preta, [...] Na Quinta-feira à hora de
Completas, ou ao sol posto, congregada a nossa Venerável Ordem Terceira com cera
acendida saíram da sacristia, e caminhando ordenada para a capela, onde estava
colocado o Senhor Morto, [...] Pegaram logo todos [...] o esquife ao ombro, e entoando
a música o Miserere com voz terna precedendo as alas dos terceiros o levaram em
procissão ao redor da Igreja pela parte de dentro [...] e ajoelhados ante o Senhor os R.
dos sacerdotes, dois como de antes o incensaram, e dois o descobriram da parte dos
pés somente, e começando por estes a adoração começou também a música com o hino
de Vexilla Regis Produmt. Continuou logo a Ordem Terceira preferindo por sua ordem
as pessoas da Mesa, e logo os mais terceiros a dois. Acabada a adoração terminaram o
ato os dois sacerdotes incensando, e os dois cobrindo o Corpo Sacrosanto, e
335

ultimamente o R. do P. Comissario submissamente com o Respice Quaesumus Domine,


[...]”629.
Este relato discursa sobre a composição dos andores da Procissão do Triunfo,
com todos os Cristos da Paixão, assim como reitera o dia da manifestação, à sexta-feira
anterior ao Domingo de Ramos. E ainda, faz uma descrição dos rituais efetuados na
Quinta-feira precedente ao dia da Procissão, quando homenageiam o Senhor Morto. Na
procissão, poder-se-ia ainda incluir o andor com o Senhor Morto. Neste caso, o oitavo
andor seria dedicado a Nossa Senhora da Soledade, presente na maioria das narrativas
encontradas.
Na mesma obra, figura uma situação curiosa com respeito aos mesmos andores
da Procissão do Triunfo. Mostram-se a descrição e as fotos de uma Procissão do
Triunfo, sem data específica, mas provavelmente já da primeira metade do século XX,
em que são expostos dez andores, incluindo o esquife do Senhor Morto e o de Nossa
Senhora da Soledade, fechando a procissão como de praxe. Todos estão ornados com
sanefas de brocado de prata e muitas flores. Segundo a narrativa, o primeiro andor
representa a entrada de Jesus em Jerusalém: Cristo, “de túnica roxa, capa azul escuro e
sandálias, vai a cavalo num jumento. O segundo, a agonia de Jesus no Horto. As figuras
são: um anjo esculturado com um cálix na mão, sobre uma nuvem de algodão, e o
Senhor, de túnica roxa, ajoelhado”. O terceiro exibe a prisão de Jesus, apresentando
apenas a “imagem do Senhor, de pé, com as mãos amarradas”. O quarto é o do Senhor
preso à coluna da flagelação. O quinto, conhecido tradicionalmente por andor “do
Senhor à paciência”, traz o Senhor sentado para a coroação de espinhos. O sexto é um
“Ecce Homo”. “Representa Jesus, nu, com uma pequena capa vermelha e uma cana
verde na mão, na atitude em que foi apresentado por Pilatos ao povo”. O sétimo
simboliza Jesus a caminho do Calvário, de pé e com a cruz às costas. O oitavo andor é
um Crucificado de tamanho um pouco abaixo do natural. Fazendo o lugar de nono
andor, vai o Senhor Morto, sob o pálio. Esse é de damasco roxo brocado a ouro. O
último andor é o de Nossa Senhora da Soledade. “A imagem é de boa encarnação, tem
manto de veludo azul, diadema e espada de prata” 630.

629
ROSA, José António Pinheiro e, Procissões de Faro, Faro, Separata dos Anais do Município, 1946, p.
53.
630
ROSA, José António Pinheiro e, op. cit., p. 56 -58.
336

Fig. 78 – Oito passos da Procissão do Triunfo, início do século XX (?). (Fonte: ROSA, José
António Pinheiro e, op. cit., p. 56 -58).

Foi incluído um passo estranho às narrativas dos séculos anteriores, a entrada


triunfal de Cristo em Jerusalém montado no burro. É provável que seja uma inovação do
século XX. Porém, o que chama a atenção, apesar da fotografia não ter boa definição,
são as características técnicas e formais, utilizadas na confecção em si da escultura deste
passo, que acompanha a fatura das demais. Publicada nos Inventários do Algarve631,
idealizados por Francisco Lameira, esta escultura vem com a possibilidade de ser datada
do século XVIII. Porém, o autor não faz qualquer referência à possibilidade da
confecção ter sido também do Manuel Martins, importante escultor da região, do século
XVIII, que executou os demais Cristos da Paixão da Igreja de Faro.
Quanto a cidade de Lisboa, sabemos através do relato do cronista carmelita Fr.
José Pereira de S. Anna, da existência, de uma capela dos terceiros, localizada no

631
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve. A talha e a imaginária. Foram quinze tomos
do Concelho do Algarve: Albufeira, Olhão, Tavira, Aljezur, Castro Marim, Vila Real de Santo António,
Loulé, Lagos, Vila do Bispo, Faro, Portimão, Monchique, Silves, publicados entre 1989 a 2000. A
escultura em questão está arrolada no volume I do Tomo 12, (foto 4.95), de Faro, de 1995.
337

claustro da Igreja do Carmo, desde 1670. Da mesma forma, a “obra do azulejo mandou
fazer a Mesa da nossa Venerável Ordem Terceira no ano de 1720, sendo prior Manoel
Carlos da Cunha e Tavora, IV Conde de S. Vicente, e General de batalha do mar, &c.
No mesmo tempo mandou a dita Ordem lavrar naquelas paredes cinco primorosas
capelas com retábulos dourados, e finíssimos painéis, que representam a Jesus Cristo
nosso Redentor com a cruz às costas […]”632.
O itinerário da Procissão em Lisboa, em fins do século XVIII, era descrito da
seguinte forma: “[...] saía pela porta principal da igreja do Carmo em direitura ao
bairro chamado do Marquês e seguia pelo Chiado abaixo, tomando a calçada de Paio
Novais, saindo à Caldeiraria, e voltando pela Rua dos Douradores, e dos ourives do
ouro, entrava pela Rua Nova, e pela da Fancaria, voltava pelo Pelourinho até sair ao
Terreiro do paço, o qual atravessava, fazendo rosto ao arco que ficava por debaixo do
Palácio; daqui saía ao Arco do Ouro, donde voltava sobre a Trauqueta, buscando o
topo da Rua Nova do Almada, pela qual tornava a subir até ao Chiado, e Rua Direita
até a primeira travessa, pela qual entrava no Carmo voltando por junto das casas do
Marquês de Arronches, buscando o terreiro do Carmo e a porta principal da igreja.
Adiante ia o Pendão, precedido pelo Prior fidalgo mais antigo da Ordem com seu
companheiro, o Irmão Oficial mais antigo. Os cordões eram levados pelos secretários e
procuradores das mesas antecedentes. Seguiam-se os penitentes, entre o pendão e a
Cruz da Comunidade, e os irmãos terceiros [...]. O esquife do Santo Cristo era levado
por dois religiosos carmelitas calçados, dois descalços e dois clérigos. No fim da
Procissão, entre as imagens do Santo Cristo e a de Nossa Senhora da Soledade, iam os
mesários com os seus brandões acesos. A Procissão terminava com um sermão pregado
na Igreja do Carmo [...]”633
Do século XIX, encontram-se relatos de que a Procissão podia sair também no
Domingo de Ramos. Continuou a ser minuciosamente descrita como uma das mais
imponentes da cidade de Lisboa, cujo fulgor só cessaria em 1908 “por ação do espírito
revolucionário dominante”, voltando a ser restaurada, segundo São Payo, apenas em
meados do século XX634.
Entre a vasta multidão de leigos e religiosos que compunham esta celebração
processional, seguiam oito esculturas de vulto de tamanho natural representando os

632
S. ANNA, Frei Joseph Pereira de, Chronica dos carmelitas da antiga e… op. cit., tomo I, 1745, p. 762.
633
SÃO PAYO, apud BAYON, Balbino V. O. Carm., op. cit., p. 498-499.
634
Idem, ibidem.
338

Passos da Paixão, pela seguinte ordem: Cristo no Horto, Cristo Preso, Cristo atado à
coluna; Cristo da Cana Verde; Ecce Homo, Cristo com a cruz às costas, Cristo
Crucificado e Cristo Morto.
No relato do cronista J. Ribeiro de Guimarães, no livro Summario de Varia
Historia, de 1872, a procissão do Triunfo, na cidade de Lisboa, era composta de nove
imagens, que seguiam a seguinte ordem: “1º O Senhor orando no Horto; 2º O Senhor
preso; 3º O Senhor açoitado preso à coluna; 4º O Senhor sentado na pedra fria, ou da
Cana Verde; 5º O Senhor na varanda de Pilatos, ou Ecce Homo; 6º O Senhor com a
cruz às costas, ou dos Passos; 7º O Senhor Crucificado; 8º O Senhor Morto; 9º Nossa
Senhora da Soledade”635.
O autor ainda descreve as imagens como sendo de madeira, de tamanho natural e
de belas proporções. O escultor José de Almeida foi quem [...] as fez com certeza depois
do terramoto, e não em 1722, como dizem alguns iludidos talvez pela inscrição que
estava na cimalha da capela da Ordem, [...]. Essas esculturas serão motivo de estudo
formal e estilístico no capítulo seis.

4.6.4 Narrativas da Procissão do Triunfo no Brasil

No Brasil, das dezoito igrejas da Ordem Terceira do Carmo, doze ainda


apresentam os Passos da Paixão fazendo parte do programa iconográfico nas naves e
capelas-mores: Belém (Pará), João Pessoa (Paraíba); Recife e Goiana (Pernambuco);
Salvador (Bahia); Rio de Janeiro e Campos dos Goytacazes (Rio de Janeiro); São Paulo,
Santos, Mogi das Cruzes, Itu (São Paulo) e, Ouro Preto (Minas Gerais).
Acrescentaríamos a esse total, as igrejas de Cachoeira, na Bahia e São João del Rei em
Minas Gerais, que possuem os Passos da Paixão. Na primeira, os Cristos estão
guardados na sala dos santos, e, na segunda existem cinco esculturas de épocas diversas,
nos altares laterais.
São através dos estatutos da Ordem Terceira do Carmo, do Rio de Janeiro, e de
Minas Gerais, no Brasil, estes últimos estudados pela professora Adalgisa Arantes
Campos, que descreve a formação do cortejo, os andores, os personagens, e ainda, as
músicas e outros apetrechos que deveriam ser produzidos.

635
GUIMARÃES, J. Ribeiro, op. cit., p. 181-190.
339

“O Compromisso do Carmo de Vila Rica (atual Ouro Preto), datado de 1755,


fornece orientação precisa sobre a realização de festejos e procissões. [...] constatamos
que ela fazia o que deviam ser as práticas espirituais nas quartas e sextas-feiras da
quaresma, com via-sacra e coro de música; Procissão do Triunfo no Domingo de
Ramos, à tarde; missa solene na manhã de Quinta-feira de Endoenças, com o
Santíssimo exposto, e, à tarde sermão do Mandato e Lava-pés; Adoração da Cruz na
tarde de Sexta-feira da Paixão, com Procissão do Enterro [...]”636.
Em 1755, a Procissão de Vila Rica era descrita da seguinte maneira no seu
Estatuto: “[...] os Sete Passos de Cristo Senhor Nosso, pelas Ruas públicas da Vila, na
qual iram todos os Irmãos Terceiros com seus Hábitos, e brandões, e não se admitirá
na Procissão entre os Irmãos quem o não for”637. O cortejo obedecia à seguinte
ordenação: “Irmãos noviços, da Cruz da Ordem, até o primeiro Andor de Cristo no
Orto, ao pé do qual, irá presidindo o Irmão mestre, compondo, e governando os seus
noviços. E a este primeiro Andor, se irão seguindo os mais por sua ordem, até o Andor
Passo do Cristo Crucificado; entre cada Andor, irá um Irmão deputado pela Mesa, dos
mais beneméritos, e prudentes, para compôr as alas, e Andores, para que vá tudo com
boa Ordem; e estes Irmãos levarão por in figura uma vara da grossura de uma vela de
livra, e mais comprida um palmo, tinta de branco, encima pintada, as Armas da Ordem.
E adiante do Andor do Senhor do Horto, irá o Anjo do Triunfo, com seu Estandarte
Roxo, e dois Anjos mais que o acompanharão aos lados, com as insígnias daquele
Passo, os quais Anjos darão os Irmãos, Irmãs Terceiras, sem que no seu ornato levem
ouro, nem joias, exceto o Anjo do Triunfo, em que se permite todo o luzimento, e o
Sétimo Andor de Christo Crucificado, há de presidir, e governar um Irmão, que tinha já
sido Prior na Ordem e na sua falta, superior, e faltando este, será um que tenha servido
de Secretário, ou Definidor. Seguirá o último Andor do Senhor Crucificado, o Santo
Lenho de baixo do Paleo, [...], e irão nesta como nas demais Procissões, os coros de
música que a Mesa eleger, conforme sua possibilidade: cada coro, no lugar que lhe
competir”638.

636
CAMPOS, Adalgisa Arantes, ‘Semana Santa na América portuguesa: pompa, ritos e iconografia’,
publicado em Actas do III Congreso Internacional del barroco Americano, Sevilha, Universidad Pablo de
Olavide, 2001, p. 1197-1212. Disponível em:
http://www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/3cb/documentosIn:/095f.pdf. Acesso em 15/09/2010.
637
Estatutos da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, 1755, Arquivo Paroquial de Nossa Senhora
da Conceição, Ouro Preto, pesquisados por CAMPOS, Adalgisa Arantes, Semana Santa..., op. cit., p.
1197-1212.
638
Idem, ibidem, p. 1197-1212.
340

Ainda em Minas Gerais, o historiador Zoroastro Vianna Passos, publicou alguns


resumos, no seu trabalho sobre a Igreja da Ordem Terceira do Carmo da cidade de
Sabará. Neles, nota-se a omissão da Procissão do Triunfo, fazendo os terceiros de
Sabará a Procissão do Enterro. A procissão saía na Sexta-feira da Paixão de Cristo e por
esse motivo a igreja só possuía a escultura do Senhor Morto.
Vianna Passos publicou resumos, compreendendo os anos de 1761 a 1848, que
revelam o seguinte: no dia 15 de março, “Termo donde se determinam a procissão do
Enterro do Senhor em Sexta-feira da Paixão neste ano de 1795, no dia 24 de fevereiro,
outra vez Termo em que se determinou que este ano de 1798 se fizesse nessa Capela a
Procissão do Enterro e ainda, no dia 19 de fevereiro, Termo em que se determinou a
Mesa se fizesse na Sexta-feira Santa a Procissão do Enterro do Senhor”639. E,
finalmente, na descrição deste último documento, visualizam-se as atividades
desenvolvidas pelos terceiros carmelitas na Semana Santa: “[...] ordenarão que nesta
Capela se ficasse um Passo do Senhor Crucificado no Calvário que estivesse Patente de
quinta- feira até a sexta-feira ao meio dia e que pelas cinco horas da tarde houvesse um
sermão edificativo, e acabado ele saísse a procissão do enterro do Senhor pelas ruas
principais desta Vila e se recolhesse à Igreja Matriz [...] E que eu secretário escrevesse
aos Irmãos as cartas necessárias para comporem figuras, e Anjos para a dita
procissão. E uma carta ao Reverendo Vice-Comissário Eduardo Jozé de Moura para
fazer o sermão”640.
Ainda em Minas Gerais, os Terceiros de Mariana, faziam a “Procissão de
Domingo de Ramos com o Triunfo do Senhor e Santos da Ordem” 641 por não possuírem
todos os Cristos, substituíam com outros santos devocionais da Ordem do Carmo. Na
vila do Tejuco (atual Diamantina), a Ordem celebrava os Domingos da Quaresma e a
Sexta-feira da Paixão. Não há, porém, nenhuma referência às imagens que compõem a
Procissão do Triunfo. O mesmo aconteceu em Serro642. Quanto aos Terceiros de São
João del Rei, a historiadora Adalgisa Arantes Campos, apesar de não ter encontrado na
documentação algo que confirme, ela acredita que eles realizavam a Procissão do

639
PASSOS, Zoroastro Vianna, Em torno da história do Sabará, Rio de Janeiro, Ministério da Educação
e Saúde, 1940 (Publicações do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 5), p. 41, 43, 45 e
57.
640
Idem, ibidem, p. 45
641
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Petições de 1758 e 1759, fls. 5-7. Registro de
Patentes da Ordem 3ª do Carmo de Mariana, livro Q 32, pesquisado e publicado em CAMPOS, Adalgisa
Arantes, op. cit.
642
LANGE, Francisco Curt, História da Música nas irmandades do Arraial do Tejuco e Vila do Príncipe,
Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1983, p. 253-309.
341

Triunfo, pois, ainda é possível contemplar, na atual igreja, alguns dos Passos: Cristo da
Coluna, da Prisão, e, o Senhor Morto. Nos últimos anos, a igreja do Carmo de São João
tem tentado completar o programa iconográfico com os sete passos, para os seus altares.
Com esse intuito, encomendou alguns Cristos a artistas da região, que ainda esculpem à
maneira ‘barroca’.
A tradição religiosa em São João del Rei é muito forte, e, ainda hoje, se mantêm
ritos totalmente esquecidos em outros lugares, como: as Razouras, curta procissão ao
redor das respectivas Igrejas do Carmo e de São Francisco, no quarto Domingo da
Quaresma pela manhã; as três Procissões de Encomendação de Almas, com paradas em
cemitérios, encruzilhadas e cruzeiros, e, finalmente, portas de igrejas, à meia noite das
sextas-feiras da Quaresma, com os motetos da Paixão de Martiniano Ribeiro Bastos
(1835-1912), fundador da Orquestra do mesmo643.
Em relação à cidade do Rio de Janeiro, o comerciante Thomas Ewbank e o
pintor francês Jean-Baptiste Debret, relatam as experiências que tiveram sobre as
cerimônias religiosas praticadas no Brasil e, em particular, sobre a Procissão do Triunfo.
O primeiro, na obra Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil, diz ser as procissões “[…]
cerimônias da religião católica, introduzidas no Brasil pelos missionários portugueses,
conservaram seu caráter bárbaro, isto é, o exagero de que fora preciso revesti-las para
impressionar os índios, apresentando-lhes imagens esculpidas e coloridas de
gigantescas proporções. Esses missionários sentiram, com razão, que o aspecto dessas
figuras humanas, seres intermediários entre o homem e a divindade, faria nascer na
imaginação dos selvagens a ideia da grandeza e da força extraordinária do novo deus
imposto. Daí a origem das procissões brasileiras, imitadas das espanholas. Essa
espécie de cerimônia religiosa tornou-se, para a cidade do Rio de Janeiro, uma
oportunidade de luxo e de divertimento público e de exibição de trajes elegantes para
todas as senhoras, as quais aproveitam a festa para se mostrar nos balcões à passagem
do cortejo. Observe-se também a vaidade das irmandades religiosas de cada igreja,
cujo orgulho faz com que procurem se distinguir exigindo nesses passeios a extrema
riqueza dos ornatos que mantêm com grandes despesas sem, entretanto, tentar atenuar-
lhes o mau gosto” 644.
Informa-nos de que, na cidade do Rio de Janeiro, existiam “[...] oito procissões
principais: a de São Sebastião, a 20 de janeiro; dia do santo; a de Santo Antônio, no

643
CAMPOS, Adalgisa Arantes, op. cit..
644
DEBRET, Jean Baptista (1768-1848), Viagem pitoresca e histórica… op. cit., p. 32-34.
342

dia das cinzas, às quatro horas da tarde; a de Nosso Senhor dos Passos, na segunda
quinta-feira da Quaresma; a do Triunfo, na Sexta-feira que precede o Domingo de
Ramos; a do Enterro, na Sexta-feira Santa; a do Corpo de Deus, que se repete na
oitava, e finalmente a da Visitação de Nossa Senhora, a 2 de julho”645.
Ainda conforme a narrativa de Debret, “a Procissão do Triunfo sendo a quarta
do ano, saía na sexta-feira que precede o Domingo de Ramos, das quatro às cinco
horas da tarde, a população do Rio de Janeiro se reúne para ver sair da capela do
Carmo a procissão do Triunfo, isto é, dos sofrimentos e humilhações que compõem o
conjunto da Paixão de Nosso Senhor e cujas cenas esculpidas são carregadas em
procissão. [...] a guarda da polícia abre o cortejo; vem, em seguida, o estandarte roxo
no meio do qual a inscrição S. P. Q. R. (Senatus Populusque Romanus) bordada a
ouro; segue-se um anjo carregando uma cruz de madeira preta com filetes de ouro,
sobre a qual são pregadas duas palmas cruzadas encimadas por uma inscrição com
letras douradas.
Jesus Cristo constitui o assunto de cada um dos grupos executados em relevo e
em tamanho natural. O primeiro representa o Cristo ajoelhado, vestido com uma túnica
roxa escura. O segundo, o Cristo de pé, de mãos atadas e com uma túnica semelhante;
o terceiro, Jesus flagelado, de pé, e inteiramente nu; o quarto, Jesus já flagelado,
sentado com um caniço na mão e com as costas cobertas por pequeno manto de
brocado vermelho e ouro; o quinto representa ainda Jesus flagelado, de pé e com um
manto semelhante, porém mais comprido; o sexto figura Jesus com um joelho no chão,
carregando a cruz e vestido com uma túnica roxa lisa, apertada na cinta por um cordão
com uma ponta caída; o sétimo, finalmente, mostra Jesus Crucificado com o rosto
cercado de enormes raios dourados. Este último grupo é escoltado por seus grandes
círios de cera escura, retorcidos em espiral. Entre cada imagem esculpida caminham
anjos carregando os diferentes acessórios da paixão. Um dossel roxo é suspenso a oito
varais vermelhos e dourados e escoltados por oito lanternas. Segue-se outra imagem
esculpida, a da Virgem das Dores: veste um manto roxo-escuro e tem as mãos cruzadas
sobre o peito; oito espadas nuas dispostas em círculo parecem fixar-se no seu seio;
uma grande auréola dourada cerca-lhe os cabelos.
A dupla ala que ladeia a procissão compõe-se dos membros da irmandade da
capela do Carmo e dos monges da mesma ordem. A retaguarda é constituída por um

645
Idem, ibidem, p. 33.
343

destacamento de infantaria precedendo a banda que executa marchas fúnebres. Os


soldados carregam o fuzil em funeral.
No regresso do cortejo colocam-se as imagens nos seus pedestais, arranjados
em duas filas de cada lado da nave. Aí ficam elas expostas aos fiéis que vêm durante
todo o dia seguinte beijar-lhe os cordões da cinta”646.
Debret narra de forma muito peculiar a Procissão do Enterro, também de
responsabilidade da Ordem Terceira do Carmo, que sendo a quinta do ano, “saía
regularmente na capela do Carmo, no Rio de Janeiro, na Sexta-Feira Santa, entre oito
e nove horas da noite; mas desde 1831 sai de dia, às quatro horas da tarde. Essa
mudança de hora, que se tornou necessária por causa dos motins populares ocorridos
na cidade, teve por fim evitar um pretexto de aglomeração noturna que poderia ser
prejudicial à segurança pública e à decência religiosa.
Antes da partida da procissão, a Igreja do Carmo enche-se de curiosos que
aguardam o sinal de abertura das enormes cortinas de damasco vermelho feitas para
toda a entrada do coro. Por efeito desse sinal, que pode ser comparado ao que se
chama no teatro uma mudança de cenário, apresenta-se à admiração dos presentes
embasbacados o rico espetáculo de um imenso grupo composto de todos os principais
personagens que figuraram nessa cena histórica, vestidos a caráter e sem que lhes falte
o mais ínfimo acessório. Acompanham o cortejo como se assistissem ao enterro de
Jesus Cristo, cerimônia que deu nome a essa brilhante procissão”.
Ele continua a descrever a procissão, os personagens, o itinerário, quando então,
“[...] finalmente, o palanquim funerário carregado por quatro diáconos; dentro
distingue-se o corpo de Nosso Senhor, de madeira esculpida e colorida, recoberto
inteiramente por um véu transparente bordado a ouro. A imagem deitada é carregada
num leito encimado por um baldaquim e que só pela riqueza difere dos que as
irmandades empregam nos enterros”647.
Já o comerciante Thomas Ewbank, também em meados do século XIX, teve a
seguinte impressão das festas religiosas na cidade do Rio de Janeiro, incluindo a
Procissão do Triunfo, que presenciou e descreveu detalhadamente.
“Com a procissão dos carmelitas de hoje vai compensar um pouco o resto da
minha estada no Rio, às quatro horas da tarde eu me encontrava na Rua Direita. As
varandas estavam cheias de senhoras vestidas de gala, e as calçadas ocupadas por

646
DEBRET, Jean Baptista (1768-1848), Viagem pitoresca e histórica… op. cit., p. 32-34.
647
Idem, ibidem, p. 44.
344

espectadores. Tarde mais bela não poderia ser escolhida para o espetáculo. Soldados
puseram-se em fila. A multidão era compacta e logo se via a primeira imagem da série
emergindo da Igreja do Carmo. A irmandade se estendia desde a igreja, a uns cem
metros de onde eu estava. No seu uniforme de túnicas beges e munidos de bastões de
cera, apresentavam uma bela amostra dos exércitos da Igreja. Aqui e ali, alguém
apressado, ia e vinha, dando ordens, sobraçando sua candeia qual o bastão de um
marechal. Outros agarravam querubins alados pela mão e arrastavam-nos para a
frente, com se os tivessem capturado ou os tivessem abatido os seus bordões, a fim de
ornamentar a festa”648.
O comerciante inglês continua as suas impressões: a procissão era dirigida “por
soldados de cavalaria, de espada em punho, três a três; em seguida o estandarte, com a
inscrição S.P.Q.R.; depois irmãos e velas; um saco carmesim sustentado por uma viga
de prata, trazendo em cada ponta uma cadeia cuja cera está pintada de listas pretas em
espiral. Outros irmãos e velas; três anjos em linha o do meio, com um estandarte,
representava o arcanjo São Miguel. Usava um elmo reluzente, uma couraça de prata,
pantalonas de nanquim e sapatos escarlates. Suas asas eram matizadas diversamente e
a nuvem que trazia atrás de si era debruada de fitas (de papel). Seus braços estavam
nus. Eu preferiria que sua mãe tivesse guardado em casa os grandes brincos,
braceletes, anéis e colares.
1 – como a primeira imagem já se tivesse aproximado, os soldados calaram as
baionetas e fizeram ombro armas, para reverenciá-la. Representava A Paixão. Uma
grande estátua de Cristo ajoelhado com as mãos postas como numa prece. Gotas de
sangue rolam pelas suas faces pálidas. Um anjo, de três a quatro pés de altura, abaixa-
se e oferece-lhe o cálice. Três lanternas de prata estão acesas de cada lado, e uma fila
de soldados, de espada em punho, monta guarda.
2- segue-se uma longa fila de irmãos que precede um segundo andor, no qual
está Cristo perante Pilatos, pálido, exausto e submisso. Irmãos e anjos três a três.
3 – Cristo açoitado – esta imagem é quase nua: apenas um trapo cobrindo os
rins. Está amarrado por cordas a um pilar, e a face, o peito, as costas, as coxas, os
braços e as pernas estão pintados como que de coágulos de sangue – de realismo
horrível. Multidão de irmãos e de anjos.

648
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade de São
Paulo e Livraria Itatiaia, 1976 (edição original: 1869), p. 165-166.
345

4 – Cristo escarnecido. Sentado, com um caniço em uma das mãos e uma


pequena manta de púrpura sobre seus ombros dilacerados. É ferido e sangrado por
todo o corpo. Irmãos e anjos.
5 – neste andor, Cristo aparece de pé, segurando uma cana de milho ou de
açúcar em uma das mãos. Um manto sóbrio, semelhante ao último, cobre uma pequena
parte do corpo nu. (Não percebi que fato representava; talvez fosse a cena perante
Herodes). Irmãos e anjos.
6 – carregando a cruz – a figura é semelhante, quem sabe, a mesma, observada
na procissão do dia 27 do mês passado. Grande número de brasileiros devotos,
geralmente pretos, ajoelhou-se, enquanto passava a imagem. Os anjos que davam
guarda eram muito numerosos. Como símbolos, um trazia a esponja embebida em
vinagre na ponta de uma vara e outro, a lança que o trespassou.
7 – Cristo na cruz – acho que o topo da cruz está a seis metros do solo. O
mastro está fincado num outeirinho coberto de relva, colocado sobre o andor, e oscila
consideravelmente. A cruz é de madeira e o peso da imagem fá-la balançar para a
frente e para trás, porque não tem outro suporte, a não ser na base. Desconfiei que a
grande imagem fosse feita de massa de papel, mas logo soube que é de uma madeira
pesada, dura, de quase 200 anos. O fio de sangue carmesim, que escorria da ferida do
lado, contrastava violentamente com a alvura de seu rosto e seu corpo.
Seguem-se irmãos e anjos, atrás destes vêm dois negros com caixas de bombons
para servi-los às crianças nas pausas da procissão.
8 – os líderes vêm debaixo de um longo pálio. Do mar de cabeças que se
avistavam, somente as suas estavam cobertas (de barretes, solidéus e mitras), além de
estarem abrigados por uma roupagem de ouro. Enquanto passam, todos os
espectadores caem de joelhos, não se excetuando nem os soldados. [...] Os soldados de
infantaria, guarda de honra dos padres, fazem evoluções e mantêm seus corpos como se
estivessem em êxtase. Finalmente, atrás, aparece, encerrando a cerimônia, a bandeira
nacional”649.
Relata ainda a impressão que teve das esculturas, que excediam um pouco o
tamanho natural, mas, que “como obras de arte são passáveis, havendo mesmo algumas
excelentes. À distância ordinária, como a que as separa dos expectadores, a expressão
delas possui tudo o que a escultura e as cores podem comunicar. Mas é inevitável o

649
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, op. cit., p. 165-166.
346

sentimento de mal-estar imprimido pelos seus movimentos rijos e artificiais, ora


inclinando-se para a frente, ora arcando-se para trás”650.
Ainda no estado do Rio de Janeiro, o historiador da cidade de Campos dos
Goytacazes, Alberto Lamego, informa que a Procissão do Triunfo, organizada pela
Ordem Terceira do Carmo da cidade, saía aos domingos de Ramos, “formada por sete
andores representando Jesus Cristo desde o Monte Oliveira até o Calvário. A última
vez que se fez foi a 24 de março de 1907”651.
Em Pernambuco, “celebrava-se uma bela procissão vulgarmente chamada do
Triunfo, na penúltima Sexta-Feira da Quaresma, composta de sete andores dos Passos
do Senhor, e de mais um, que constituía o último, de Nossa Senhora da Soledade. Em
1746, já estava instituída esta procissão, que, por fim, veio a desaparecer, depois de um
longo período de mais de século e meio”652.
Temos um relato, bem invulgar, do historiador João José Reis, informando que,
na cidade de Salvador, na Bahia, a Procissão do Triunfo era encenada, no Domingo de
Ramos, pela Ordem Terceira de São Domingos, e não pelos terceiros carmelitas653.
Entretanto, semelhante informação não se encontra em nenhum outro lugar. Acredita-se
que, talvez, os terceiros dominicanos tenham realizado a procissão no período em que
os terceiros carmelitas estiveram impossibilitados devido ao incêndio que arrasou sua
igreja, em fins do século XVIII. Porém, é importante lembrar que a atual Igreja da
Ordem Terceira do Carmo de Salvador possui os sete Cristos necessários à citada
manifestação devocional, confeccionados pelo artista baiano Manuel Inácio da Costa,
após o incêndio. E a atual igreja dos Terceiros Dominicanos não possui o referido
grupo.

4.7 Narrativa da Procissão do Triunfo, em Tavira, no século XXI

A procissão do Triunfo do Senhor Jesus Cristo juntamente com a procissão das


Cinzas formavam as duas grandes procissões da Quaresma, uma abria e a outra fechava
o período conhecido como o tempo quaresmal, sob a responsabilidade dos Irmãos
Terceiros de São Francisco e dos Carmelitas. Nos tempos antigos, não eram as únicas
desse período, que, incluindo a própria Semana Santa, funcionava como uma época de

650
Idem, ibidem, p. 167.
651
LAMEGO, Dr. Alberto. Verdadeira notícia da fundação da Matriz de São Salvador, p. 204.
652
COSTA, F. A. Pereira da, Anais Pernambucanos… op. cit.
653
REIS, João José, A morte é uma festa, São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 68.
347

Procissões infindáveis: Procissão do Senhor dos Passos, da Razoura, do Encontro, do


Senhor Morto, das Endoenças, na Quinta-feira Santa, e da Via-Sacra, entre outras,
organizadas por diversas Irmandades. Porém, na cidade de Tavira, a Procissão do
Triunfo do Senhor era a mais concorrida, a ponto de se dizer, na região, que ‘Cinzas em
Faro, Passos em Olhão e Ramos em Tavira’654.
O conjunto de esculturas de Passos da Paixão de Cristo da cidade de Tavira, no
sul de Portugal, é o único que, em pleno século XXI, ainda cumpre a função
processional. A de 2016 ficou marcada para as 16 horas, do Domingo de Ramos
(20/03/2016), com saída da Igreja da Ordem Terceira do Carmo.
Cidade de médio porte, Tavira ainda possui uma irmandade de irmãos terceiros
carmelitas atuante, que inicia os preparativos para a grande procissão com antecedência.
Os andores são armados e decorados no dia anterior, na nave da igreja, que, sem os
tradicionais bancos, ganha espaço, para os nove andores ficarem expostos (os sete
Passos tradicionais da Paixão de Cristo, acrescidos do andor de Nossa Senhora da
Soledade e do Senhor Morto, este no seu esquife). Na tarde de sábado, os andores
foram, então, arranjados pelos responsáveis por cada um ao próprio gosto, com muitas
flores coloridas e fitas, com resultado bem festivo. As esculturas das imagens de vestir
ficaram impecáveis, com suas vestes de tecidos naturais limpas e engomadas. E os
Cristos de talha inteira, normalmente sem indumentárias, em Tavira, ganharam
perizônios de tecidos naturais, de linho branco, com uma técnica decorativa, que cria
volumes e ondulações. Algo parecido só na Igreja dos terceiros do Porto, onde também
se cobrem os perizônios entalhados com panos de pureza de tecidos naturais, linho
branco, de forma mais simples, passados, vincados e engomados.

Fig. 79 – Senhor das Nuvens (Cristo no


Horto), Tavira, Portugal.

654
SALVÉ-RAINHA, Rui Simão Pereira, e LOPES, Délio Luís da Conceição, Procissões, Romarias e
Tradições de Tavira, Tavira, Tipografia Tavirense, 2013, p. 77.
348

A tradição local conta que a procissão, na cidade de Tavira, começou com os


frades da Ordem dos Carmelitas Descalços, e não com os irmãos terceiros. Esse não
deixa de ser um fato curioso, pois é de domínio público que essa procissão, em todas as
outras localidades, era da responsabilidade dos terceiros ligados ao ramo dos Calçados.
Talvez isso se explique pelo fato de a Ordem de Santa Teresa não ter previsto a
instalação de terceiros em suas comunidades, sendo a única iniciada pelo ramo
feminino, e não pelo masculino. Porém, quebrou-se a tradição no século XVIII, com a
fundação das únicas três ordens terceiras portuguesas ligadas ao ramo dos Descalços:
Tavira, Vila Real e Porto. No Brasil, nunca existiu uma Ordem Terceira ligada ao ramo
dos Descalços, porém, como já visto anteriormente, nas ordens terceiras independentes,
principalmente do estado de Minas Gerais, foi normal o uso das insígnias dos
Descalços.
Nesta cidade eram os frades que faziam a procissão no sábado que antecedia o
Domingo de Ramos, quando o cortejo partia da igreja dos carmelitas para a dos
franciscanos, onde as esculturas pernoitavam, para, no Domingo, retornar à igreja dos
carmelitas. A notícia mais antiga da Procissão foi uma menção na Ata da Ordem
Terceira de São Francisco aceitando o convite para participar do cortejo religioso, no
ano de 1774. Tal participação ocorre até os dias atuais, como se demonstrará a seguir.
Porém, com a extinção das ordens religiosas em Portugal, em 1834, e a venda do
convento e dos seus bens integrados, os irmãos leigos, donos da sua própria Igreja,
tomaram para si o compromisso de dar continuidade à organização anual da procissão.
Cogita-se até que os irmãos mais abastados economicamente tenham comprado as
esculturas dos Passos e, por esse motivo, até os dias atuais, algumas delas ainda
permaneçam na posse de particulares, leigos responsáveis pelos andores. É o que ocorre
com a escultura do Ecce Homo, que fica guardada na residência do Sr. José João655 e
com a do Senhor da Paciência (Cristo da Prisão), recolhida na casa particular da
Senhora Idalina Franco, esta última foi provida pelos avós do antigo Bispo do Algarve,
D. Marcelino Franco656. Atualmente a Igreja da Ordem Terceira de Tavira adaptou um
espaço na própria igreja, denominado ‘sala-museu’, para acondicionar as peças que
fazem parte do cortejo.
655
Peça inventariada no volume da cidade de Tavira, localizada na Residência do Sr. José João.
LAMEIRA, Francisco C., Inventário artístico do Algarve. Concelho de Tavira,… op. cit., Item 6.44.
656
SALVÉ-RAINHA, Rui Simão Pereira, e LOPES, Délio Luís da Conceição, Procissões, … op. cit., p.
78. Essa escultura, em particular, não faz parte do inventário desenvolvido na região pelo professor
Francisco Lameira, citado diversas vezes nesta tese. Trata-se, na realidade, do Senhor Preso, que, como se
se destacará na descrição da procissão, ganhou novos significados ao longo destes últimos 200 anos.
349

Segue abaixo a descrição do cortejo religioso, incluindo os nove andores, com os


Passos da Paixão de Cristo, da Virgem da Soledade e do Senhor Morto no seu esquife,
presentes na Procissão do Triunfo, realizada no Domingo de Ramos, de 2016, da cidade
de Tavira:
Abrindo a procissão, vai, destacado à frente, não fazendo parte do cortejo
propriamente dito, o Pendão, levado por cinco homens, com as iniciais S. P. Q. R., que,
nos dizeres do padre orador, designam ‘Salve o povo que é romano’. Sabe-se, porém,
que as famosas S. P. Q. R., significam literalmente Senatus Populus Qui Romanos, ou O
Senado e o povo romano657. Segundo a tradição, as ordens romanas levavam esse
estandarte pelas regiões conquistadas, representando o Império Romano.
Na sequência, a fanfarra dos Bombeiros Municipais de Olhão;
Depois, os círios e a cruz, levados por representantes da sociedade tavirense e
acompanhados pelos escoteiros com ramos. Simbolizam a entrada de Jesus em
Jerusalém, onde foi aclamado com ramos de palmeiras;
Logo atrás, vêm os religiosos convidados:
Primeiro, a Irmandade de Nossa Senhora do Livramento, com seu estandarte.
Trata-se de uma confraria muito antiga da cidade, tradicional entre os pescadores. No
cortejo, as senhoras levam um lenço azul ao pescoço, numa alegoria ao azul do mar.
Segundo, vem a mesa da Santa Casa de Misericórdia de Tavira, com os Irmãos
envergando uma capa negra e levando o estandarte. São ainda os responsáveis pela
Procissão do Enterro do Senhor, na Sexta-feira Santa;
Os Irmãos da Ordem Secular Franciscana de Tavira, com suas capas castanhas,
acompanham os símbolos e os ensinamentos de São Francisco de Assis. aviam
realizado, no domingo anterior, a tradicional Procissão dos Passos;
Finalmente, surgem os Irmãos da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte
do Carmo, de Tavira, atuais responsáveis pela organização da procissão, e que a
desenvolvem desde 1834, com alguns períodos de omissões. Originalmente eles
estavam ligados aos Carmelitas Descalços, porém, atualmente dependem do Clero
Diocesano.

657
Existem diversas versões para o significado correto do acrônimo, dependendo da declinação do 'R',
que pode ser Romanus (Senatus OU Populus) ou Romani (plural: Senatus E Populus). De toda forma,
Senatus Populusque Romanus é a versão presente na Coluna de Trajano, atualmente em Roma.
350

Para o início do movimento dos andores, os sinos começam a dobrar, enchendo a


atmosfera com um som inconfundível, além do odor dos incensos e dos ramos de
alfazema rústica, derramada no pátio em frente à igreja, por onde passa o cortejo:
O Primeiro andor: Senhor das Nuvens, Jesus no Horto orando ao pai, Jesus
extasiado diz ao Pai afasta de mim esse cálice. No entanto, que não se faça a minha
vontade, mas a tua658. Andor transportado por seis homens. É o tradicional Passo do
Cristo no Horto, numa versão moderna do tema. O Cristo é o mesmo que se utilizava
em tempos antigos. Acha-se ajoelhado, olha para o alto, neste caso, para o anjo com o
cálice. O anjo é, na realidade, um Menino Jesus da Natividade, provavelmente de gesso
ou massa, do século XX, que ganhou asas
grosseiras. Colocaram-no deitado sobre
nuvens de algodão. O conjunto todo está
apoiado em um grande galho de árvore
natural;
Fig. 80 – Senhor das Nuvens, detalhe.

Segundo andor: Senhor da Paciência, representa o momento em que Jesus é


preso, e entregue aos judeus depois do beijo dado por Judas Iscariotes659. Andor
transportado por seis homens. É, na realidade, o Passo do Cristo da Prisão, numa
interpretação local conhecida como da Paciência, sem uma justificativa clara. É o único
exemplo encontrado com esta nomenclatura. Cristo é uma imagem de vestir, está de pé,
de túnica longa roxa e tem as mãos amarradas à frente;
Terceiro andor: Senhor preso à coluna. Depois de preso, Jesus é levado para as
masmorras onde é chicoteado e servido de zombaria aos soldados romanos, preso e
flagelado660. Jesus veste o perizônio, acha-se de pé, amarrado a uma coluna baixa. É
também conhecido como o Cristo da Flagelação ou Senhor da coluna.
Quarto andor: Senhor na pedra fria. Para zombar da realeza de Jesus, colocam-
lhe uma coroa de espinhos na cabeça, uma capa vermelha e a cana na mão,
simbolizando o cetro do poder. Jesus sentado na pedra fria está a servir de zombaria

658
Texto proferido pelo Pároco responsável pelo chamamento de cada andor assim que ele saía da Igreja
dos Terceiros, e se encaminhava para se pocisionar dentro das alas da Procissão.
659
Idem, ibidem. O texto proferido pelo Pároco não elucida porque esta imagem é conhecida como
Senhor da Paciência.
660
Idem, ibidem.
351

aos soldados romanos661. A escultura deste passo é, na realidade, o que


tradicionalmente se conhece como o Senhor da Paciência. Cristo, sentado, espera pelo
momento da Crucificação, tendo uma das mãos sobre o queixo, com atitude de total
resignação662.
Fig. 81 – Andor do Ecce Homo.
Quinto andor: Senhor da cana verde. Jesus
ensanguentado é levado diante de Pilatos, que o
apresenta à multidão, dizendo: Eis o Homem (Ecce
Homo) e a multidão responde: crucifica-o,
crucifica-o663. Andor transportado por seis homens.
Em Tavira, o tradicionalmente Senhor da cana verde
é o Ecce Homo, que, alguma vezes, passa a ser
assim nomeado. Cristo está de pé, tem o perizônio
amarrado à cintura e porta a capa carmesim, segura
uma cana verde e tem na cabeça a coroa de espinho.
Sexto andor: Senhor dos Passos. Jesus, depois de condenado à morte, é
obrigado a transportar a cruz pelas ruas da amargura a caminho do calvário. Aqui
vemos a sua imagem, caminhando para o calvário carregando a pesada cruz664. Andor
carregado por oito homens. Jesus tem um dos joelhos ao solo, e com os braços apoia a
cruz sobre o ombro esquerdo. Veste a túnica roxa longa, decorada e cingida com
cordões dourados, porta a coroa de espinhos na cabeça e carrega a cruz, cujas traves
representam a árvore da vida, através de troncos arredondados.
Sétimo andor: Senhor no Monte Calvário. Depois de ter carregado a sua cruz
nas ruas da amargura, Jesus, à vista de Jerusalém, é crucificado entre dois ladrões. A
seus pés, choram São João Evangelista, o discípulo amado, e Santa Maria
Madalena665. Andor carregado por oito homens. Cristo preso à cruz ainda está vivo, ao
centro do andor, tem à frente, ajoelhados, São João Evangelista e Maria Madalena, em
esculturas de roca, com túnicas longas em tons fortes de verde e vermelho. A cruz de

661
Idem, ibidem.
662
Ver o capítulo específico sobre a iconografia dos Passos da Paixão de Cristo. A iconografia do Senhor
da Paciência, segundo Louis Réau, diferencia-se da representação da Pedra Fria ou Coroação de espinhos,
pela postura de uma das suas mãos, que apoia o queixo em atitude de resignação.
663
Idem, ibidem.
664
Idem, ibidem.
665
Idem, ibidem.
352

Cristo repete o motivo do Senhor dos Passos, é a árvore da vida, representada por dois
troncos arredondados, decorada por flores na parte traseira.
Oitavo andor: Senhor Morto. Depois de expirar, […] Jesus morre e é
transportado no tombinho, até o seu local de repouso. Sob o pálio, vai o tombinho com
a imagem do Senhor Morto666. Acompanhando o andor do Senhor Morto, vai o Padre,
que preside a procissão, com os seus acólitos. Acompanhando e carregando o esquife,
vão os representantes da Polícia de Segurança Pública de Tavira (oito policiais). O pálio
é carregado pelos militares do Regimento da Infantaria Número um de Tavira (também
em número de oito), e, a seguir, os membros das principais entidades da administração
da cidade: Presidente da Câmara, Presidente da
Assembleia Municipal e o Presidente da Junta de
Freguesia. É o local de honra da procissão do Triunfo.
A escultura do Senhor Morto vai ao esquife com um
véu branco rendado a cobri-la.

Fig. 82 – Andor de Nossa Senhora da Soledade.

Nono andor: Nossa Senhora da Soledade,


seguindo o filho morto. Pergunta-se: Haverá maior
sofrimento para uma mãe do que assistir à morte de
seu filho? Nossa senhora vai chorando por Jesus, seguindo o seu Filho [...] A mãe
segue o filho, na certeza de que, no Domingo de Páscoa, Jesus ressuscitará e estará
vivo para nos salvar667. A escultura de Nossa Senhora da Soledade, vestida com túnica
roxa e manto azul ricamente decorado, tem o olhar triste. Nas suas costas, está uma cruz
de traves retas, ornamentada com uma faixa de tecido decorado, que cai formando um
M. No verso da sua cruz, assim como na do Filho, tem ramos de flores que sobem. O
andor, ricamente enfeitado, foi o que obteve o melhor resultado decorativo. Fechando o
cortejo, a banda musical de Tavira.
A população acompanha em duas alas, nas laterais da rua, tendo os andores ao
centro.

666
Idem, ibidem.
667
Idem, ibidem.
353

Fig. 84 – Crucificados, Igrejas do Carmo, Mogi das Cruzes (SP), Recife (PE), Belém (PA), São
Paulo (SP), Campos dos Goytacazes (RJ), Itu (SP), Cachoeira (BA) e Ouro Preto (MG)

PARTE III

AS IMAGENS DO CRISTO DAS VENERÁVEIS ORDENS TERCEIRAS


DO CARMO: técnica, forma e estilo.
354
355

5. ESCULTURA

“[…] para provar a nobreza [barro], antiguidade, dizem que Deus foi o
primeiro que a exercitou, formando o primeiro homem [...]”668.

Raphael Bluteau, no seu dicionário de 1712, diz que escultura é a “arte de


entalhar madeiras, pedras etc. para com elas fazer várias figuras”669. Era o olhar do
século XVIII para os objetos escultóricos que reproduziam formas figurativas, muito
distante da visão dos dias atuais, quando os identificamos com objetos de significados e
questionamentos diversos. Contudo, para este estudo, basta-nos ver o objeto como a
representação esculpida ou entalhada de uma figura, de forte presença simbólica, por
representar personificações santificadas.
No Dicionário da Arte Barroca, do século XX, redigido por especialistas das
diversas áreas do conhecimento, o item escultura barroca inicia-se com o significado
etimológico da palavra. Segue-se a definição do termo como sendo a arte de “talhar,
gravar em função da realização de obras tridimensionais, obtidas a partir duma
matéria preexistente a que vulgarmente se chama bloco, sobretudo quando se trata da
pedra”. Logo após, relacionam-se os princípios básicos que regeram, ao longo dos
séculos, a escultura. Primeiro, a total diferenciação face à pintura, por ser
tridimensional. E, depois, a permeabilidade, isto é, a possibilidade de acesso ao interior,
que a diferenciará da arquitetura, também tridimensional670.
Entre as questões levantadas nos séculos XIV e XV, estava, a princípio, o valor
da matéria-prima (falando-se de escultura em pedra, um bloco de mármore sem
imperfeições era muito valioso), em seguida, a dificuldade do trabalho em si, e, por fim,
a questão do erro, pois um erro no desbaste não tinha remendo, “[...] prova que a
escultura é muito mais dificultosa que a pintura, porque o erro que nela se faz não pode
ser emendado e mudado com tanta facilidade, especialmente no marfim, mármore,
bronze e outras pedras preciosas [...]”671. Porém, entre as justificativas, existe ainda a

668
PACHECO, Francisco, Arte de la pintura su antiguedad y grandezas. Descrivense lós hombres
emeinentes que há auido en ellea, assi antiguos como modernos, del dibujo, y colorido; del pintura al
temple, al olio, de la iluminiacion y estofado, del pintaral fresco, del las encoranaciones, de polimento, y
de mate; del dorado, bruñido, y mate. Y enseña El modo de pintar todas las pinturas sagradas, Sevilla,
Simon Faxado, impressor de libros, 1649, p. 20.
669
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário portuguez… op. cit., p. 234.
670
Ver o verbete escultura em: PEREIRA, José Fernandes (direção), Dicionário da Arte Barroca…op.
cit., 1989, p. 226-229.
671
PACHECO, Francisco, Arte de la pintura... op. cit., p. 21.
356

questão da perenidade, “a escultura é de maior estima, porque se mantém, e se


conserva mais, ao serviço e ao beneficio dos homens”. Dando uma olhada rápida na
história da civilização humana, pode-se constatar que a maioria dos testemunhos de
outras épocas são os objetos pétreos. Embora não sejam os únicos, constituem a
maioria. Já artistas como Leonardo da Vinci acreditavam que a pintura estava acima da
escultura, por ser um trabalho intelectual, assente no primado da ideia, enquanto a
escultura era prontamente mecânica672.
“A ‘querela das sete artes liberais’ desenvolve-se na Itália quatrocentista como
sintoma vivo de mais uma herança Greco-latina que passou para o quadro das
preocupações do homem do Renascimento. Leonardo da Vinci deu um precioso
contributo para a polêmica: para ele a pintura é sem dúvida uma ciência, sendo que as
ciências se fundam na experiência adquirida através dos sentidos e que a arte da
pintura tem ela mesma de se basear no estudo da perspectiva e da proporção, o que lhe
confere só por si, e de direito, um lugar de trono entre as outras artes do ‘Quadrivium’
(onde todas, mesmo a Música, ao tempo tão atacada devido a esse lugar de privilégio,
se baseiam na harmonia)”673.
Tais questionamentos acompanharam os artistas dos séculos que se seguiram, a
partir da Itália, tentando classificar as artes e diferenciá-las dos ofícios mecânicos, nos
quais se incluíam a escultura e até a pintura. O trabalho escultórico, a partir do
Renascimento e, principalmente, durante o período barroco, requeria, além do esforço
físico (quase sempre feito pelos aprendizes e auxiliares de um laboratório), uma grande
parcela de esforço mental. Havia a necessidade de se fazerem estudos ao natural e
esboços da composição. O passo seguinte era elaborar um pequeno modelo em argila,
cera ou terracota. Esse modelo tinha a função de obter a aprovação do cliente. Em
seguida, inicia-se um modelo grande, que corresponde, em tamanho, ao que será
esculpido em pedra, e, em todos os seus aspectos essenciais, ao pequeno modelo
preparatório.
No debate das artes, Miguel Ângelo (1475-1564) vê um peso maior na escultura,
que, segundo ele, se fazia através “de um processo de subtração (per forza di lavare); o
que se faz por um processo de adição (per via di porre – ou seja, a modelagem) é mais

672
[...] ao esculpir sua estátua no mármore ou nalgum outro tipo de pedra em que aquela esteja
potencialmente contida, o escultor precisa eliminar as partes supérfluas e inúteis com a força de seus
braços e a golpes de martelo - um exercício bastante mecânico [...] 672. DA VINCI, Leonardo, apud
WITTKOWER, Rudolf, Escultura, São Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 87
673
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit., p. 58-59.
357

semelhante à pintura”674. Cinquenta anos depois, para o maior escultor do Barroco


italiano, Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), os questionamentos haviam mudado. Já
não era importante a forma pura da matéria, mas sim, a sua adaptação. Poder-se-ia
contar com um, dois, ou mais blocos, emendados para a obtenção do resultado final
desejado, independente do processo de confecção. Para Bernini, o modelo em argila
(bozetto) tornara-se essencial, pois permitia que se acrescentassem ou se removessem
partes até que a escultura ganhasse os planos e perfis desejados. Neste ponto, ela
poderia mesmo exceder o contorno do bloco original, o que, para Miguel Ângelo, seria
um ultraje. Para Bernini, portanto, constituía a maneira de expressar e de conseguir suas
formas ziguezagueantes.
Essas querelas foram importantes para o desenvolvimento das artes, mas
influenciaram pouco as esculturas devocionais, aquelas que possuíam e ainda possuem
funções definidas pela liturgia nos atos do culto diário. São obras que estão além dos
questionamentos puramente estéticos, cuja importância se encontra na sua emphatia
com os fiéis durante a realização dos atos litúrgicos. A escultura devocional dos séculos
XVII e XVIII se adapta aos estilos de época como testemunha das manifestações
humanas, inserida num determinado período histórico, porém, sua principal função será
o culto, a liturgia, tendo por primeira intenção emocionar, convencer e evangelizar.
A ‘estratégia da convicção’ era o ponto primordial, conseguido principalmente
através do uso da matéria e da cor. Desde a Idade Média até o advento do gesso
policromado, no século XIX, passando pelas esculturas em madeira ou barro cozido, a
complementação com policromia tornara-se obrigatória para as esculturas devocionais.
Pretendia-se, assim, criar objetos tridimensionais sagrados, incorporados ao mundo do
visível, com poder de impressionar o fiel pelo apelo à emoção, de acordo com as
diretrizes da Igreja. Era importante que esse apelo permeasse o belo e a emoção. É
através do primeiro olhar que se atrai, e da identificação com o sofrimento e a dor, que
se mantém a fidelidade.
“A Igreja depois de 1530 encontra-se profundamente afetada por sua luta
contra a heresia; quando as posições de ortodoxia se consolidarem, deverá ficar
vigilante, defender-se contra as fraquezas da fé, contra os libertinos. O religioso do
século XVII é pregador; o santo é um confessor. É preciso que ele manifeste ao povo o
impulso da fé que leva sua alma numa adesão apaixonada ao dogma. O santo que

674
WITTKOWER, Rudolf, Escultura… op. cit., p. 129.
358

representa a Idade Média possui Deus; o da arte barroca, professa-o; ele é um ator,
vive em ato essa fé que prega aos homens. A fé não é conatural a seu ser, como na
Idade Média; é adquirida, e adquirida ao preço de um esforço incessante [...]
Plasticamente, o estado de santidade é então representado como um duplo movimento:
o santo aspira a Deus e Deus inspira o Santo. Estas duas correntes, ascendente e
descendente, produzem no ser uma comoção que se traduz nas imagens santas por uma
verdadeira torção do corpo, como se tivessem sido atravessadas por uma descarga
elétrica: os membros são projetados, as mãos convulsam, os drapeados revolvem-se. As
cabeças inclinam-se e os olhos reviram-se [...]”675.
Para a representação de Cristo, destacam-se os momentos finais da sua vida
terrena, com cenas de intenso sofrimento, concentradas nos Passos da Paixão. Apesar
de todo o sofrimento e envolvimento emocional, o Cristo que está preso à cruz é um
deus grego, herança do Renascimento italiano, acrescido de certa carga emocional,
transformando-se num misto de ideal de beleza e de emoção. A necessidade de atração
passava também pela identificação com o outro, do santificado com o fiel. Quanto mais
‘humano’ o representado, maior a empatia com o fiel. Este era um pressuposto das artes
como imitação ou mimésis676. Logo, as esculturas devocionais, dos séculos XVII e
XVIII, de regiões periféricas, como Portugal e Brasil, fugiam das grandes questões
estéticas que envolviam o mecenato de obras de arte de uma Itália renascentista ou
barroca. Em primeira instância, as esculturas devocionais funcionavam como agentes de
convencimento no intuito de angariar novos fiéis, em um período histórico de reformas,
perdas e contestações. Portanto, o escultor, santeiro ou imaginário era um fazedor de
imagens convenientes e convincentes, cuja escolha da matéria-prima influenciava
diretamente no desejado produto final.

5.1 Escultura devocional nos séculos XVII e XVIII em Portugal

“A arte dos imaginários é mais evoluída. Infelizmente é muito difícil conhecer


essa arte, que não foi, por assim dizer, jamais estudada; os retábulos de Portugal estão
cheios de majestosas estátuas do século XVII, de elegantes e delicadas imagens do
século XVIII. Apenas algumas foram fotografadas, pois o preconceito pré-medieval e
antibarroco que reina ainda em Portugal priva-nos de elementos de trabalho. Os

675
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura… op. cit., p. 45.
676
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I: … op. cit., p. 110.
359

volumes do precioso ‘Inventários Artísticos de Portugal’, editado pela Academia


Nacional de Belas-Artes, estão cheios de fotografias de estátuas banais da Idade
Média, e negligenciam as obras incomparavelmente mais belas dos séculos XVII e
XVIII. Privilégio de antiguidade! De alguns exemplares que pudemos examinar,
deduzimos que, no século XVII, tanto na estatuária, como no baixo-relevo, a arte dos
santeiros mantém-se dentro de um espírito antibarroco, enquanto na Espanha evolui
rapidamente em sentido contrário. As estátuas portuguesas do século XVII, na
realidade, são aparentadas com as da Andaluzia, pelo menos no bonito estilo nobre e
clássico de Montañés antes da ‘barroquização’ da arte sevilhana depois de 1650
[...]”677.
A grande obra sobre escultura portuguesa é ainda a de Reynaldo dos Santos, em
A escultura em Portugal, de 1950, obra publicada em dois volumes. Nesse estudo, o
autor aborda a história da escultura em Portugal, desde os exemplares mais antigos até
os da primeira metade do século XX. A escultura desenvolvida nos século XVII e
XVIII, dita ‘barroca’, é prestigiada em uma centena de páginas do segundo volume.
Em obras de caráter geral sobre a História da Arte em Portugal, podem ser
encontrados capítulos que desenvolvem o assunto, especificamente nos volumes
dedicados ao período barroco e rococó. Em 1986, saiu a Coleção História da Arte em
Portugal, da qual o volume oito, de autoria de Carlos Moura, Uma poética de
refulgência: a escultura e a talha dourada, é dedicado ao Barroco678. Como o próprio
título anuncia, o texto divide-se entre escultura e talha (entalhe). Nesse excelente
trabalho, o autor faz um apanhado dos conhecimentos até então vigentes em Portugal.
Inicia referindo-se à influência da Espanha e ao escultor português Manuel Pereira
(1588-1683), que desenvolveu praticamente toda sua obra naquele país. Passa, a seguir,
para o escultor beneditino Frei Cipriano da Cruz, estudado anteriormente por Robert
Smith679 e o belíssimo conjunto escultórico em barro do Mosteiro de Alcobaça,
finalizando com as influências italiana e francesa a partir da vinda para Portugal de
Claude Laprade e de escultores italianos. Tudo isso é abordado entre análises de
retábulos do barroco Nacional e Joanino, sem, no entanto, se ater a apreciações
individuais das esculturas nos conjuntos.

677
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura…, p. 22.
678
MOURA, Carlos, ‘Uma poética da refulgência… op. cit., p. 86-119.
679
SMITH, Robert C., Frei Cipriano da Cruz, escultor de Tibães, elementos para o estudo do barroco em
Portugal, Porto, 1968.
360

Ainda na mesma coletânea, o volume nove, dedicado ao Barroco da sua última


fase e ao rococó, dirigido por Nelson Correia Borges, tem dois capítulos que tratam da
escultura e da talha. No primeiro texto, o autor trata da escultura de influência italiana,
do período joanino, sob os auspícios do Rei D. João V. E, no segundo ensaio, dedicado
ao período ‘rococó’, a escultura em pedra é vista como peça decorativa para os jardins,
como os do Palácio de Queluz, e para os escadórios dos santuários, como os do Norte
(destacando o trabalho do Frei José de Santo Antonio Vilaça) e, ainda, da monumental
Igreja de Mafra. Finalmente, encerra o texto, como não poderia deixar de ser, com o
escultor-mor do período, Joaquim Machado de Castro, obra civil e os Presépios em
barro cozido, fazendo ainda um apanhado geral da talha barroca e do rococó, com
destaque para esse último período no Norte, através da obra de André Soares680.
É de 1997 a primeira coletânea de textos de José Fernandes Pereira para a
coleção dedicada à arte portuguesa, sob a direção de Paulo Pereira, História da Arte
Portuguesa681. Nas duas entradas dedicadas à escultura, e só à escultura, o autor inicia
analisando dois textos que, segundo ele, retratam o discurso escultórico para o período.
O primeiro são as resoluções tridentinas, abordando a facilidade com que essas foram
utilizadas em Portugal, de acordo com o autor, por não existir, neste país, uma herança
clássica forte. O segundo texto introduz a obra literária do Padre Ignácio da Piedade
Vasconcelos, Artefactos symmetriacos e geométricos advertidos, e descobertos pela
insdustriosa perfeição das artes esculturais, architectonica e da pintura (Lisboa, 1733),
composta de quatro livros, o primeiro dos quais se refere à escultura. Para Fernandes
Pereira, o livro é importante como “[...] indicador cultural, pois permite entender com
exactidão os dilemas e compromissos que se colocavam à escultura portuguesa na
primeira metade do século XVIII [...]”682.
Na análise direta das obras, José Fernandes Pereira tenta abordar a escultura
como objeto independente. Inicia o texto pelos barros de Alcobaça, em especial pela
sala das relíquias, na qual “[...] sobre uma estrutura de talha rasgam-se nichos onde se
colocam bustos de santos albergando no seu interior as relíquias devocionais. São
imagens de uma grande serenidade, seres celestiais sem tempo nem espaço que se
oferecem à pura contemplação. O rosto é a chave para a compreensão destas obras:

680
BORGES, Nelson Correia, ‘A escultura e a talha’, publicada em História da arte em Portugal.
Barroco e rococó, Vol. 9, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, p. 40-63 e 122-147.
681
PEREIRA, José Fernandes, ‘O Barroco do século XVII: transição e mudança e O barroco do século
XVIII: programas régios para a escultura’, publicado em PEREIRA, Paulo (direcção), História da arte
portuguesa. Lisboa: Círculo de leitores, 1997, p. 26-34 e p. 86-107.
682
PEREIRA, José Fernandes, O Barroco do século XVII..., op. cit., p. 99.
361

verossímil na sua configuração humana, a beleza que ostenta é a manifestação visível


da beatitude interior”683.
O texto perpassa a escultura conventual e a obra do beneditino Frei Cipriano da
Cruz, que esbarra na presença do francês Claude Laprade em terras lusitanas. Segundo o
autor, a escultura, então, ganhará um ar clássico. Porém esse classicismo será “[...]
progressivamente abandonado ou adaptado às contingências do tempo e do lugar”684.
Na segunda parte, dedicada ao século XVIII, mais uma vez, a escultura perde a força
individual para ser enfatizada nos programas arquitetônicos das grandes igrejas, como
São Vicente de Fora e Mafra e nos programas escultóricos dos Montes sacros e dos
jardins. O capítulo é finalizado, como de praxe, com Joaquim Machado de Castro.
Acreditamos que a visão do autor sobre a escultura, principalmente na primeira parte do
texto, é mais sensível ao objeto escultórico, como obra de arte, independente de estar ou
não incorporado aos programas ornamentais dos monumentos. Na segunda parte, ele
ganha um valor estético, influenciado pela escultura em pedra italiana, e, portanto, perde
seu valor cultual e devocional.
No plano monográfico, cabe referir o estudo do Vítor Serrão sobre o escultor
lisboeta Gonçalo Rodrigues685, um mestre da transição do século XVI para o XVII que
tanto trabalhava a madeira, como a pedra e a terracota e que aparece, num dos contratos
(para a Misericórdia do Porto) a apresentar ao cliente os moldes em barro das esculturas
que era contratado fazer, pormenor este curioso, pois deve ter sido repetido noutras
empreitadas escultóricas.
A mais recente publicação sobre escultura, dentro de uma coletânea sobre
História da Arte, Arte Portuguesa da pré-história ao século XX, teve o volume 12,
escrito pelo mesmo José Fernandes Pereira, a Estética barroca I: Arquitectura e
escultura686. O texto faz uma nova reflexão sobre os mesmos pontos de vistas já
analisados na coleção anterior, com acréscimos de novos dados a partir das pesquisas
feitas nos anos entre as duas publicações. Começa pelas resoluções de Trento, que,
segundo o autor, foram “[...] a reafirmação dos princípios definidos pelo longínquo
concílio de Niceia, do qual saíram vencedores os defensores da manutenção das
imagens contra aqueles que as pretendiam banir dos templos. Tudo o que é

683
Idem, ibidem, p. 28.
684
Idem, ibidem, p. 31.
685
SERRÃO, Vítor, ‘O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues e a sua atividade no Norte de Portugal’,
publicado em Separata da Revista MUSEU, IV Série, nº 7, 1998, p. 137-173.
686
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I… op. cit..
362

representável está para além da matéria e ao artista resta-lhe seguir as determinações


de uma igreja vigilante que lhe reserva apenas o papel de mão de obra, sem qualquer
outra interferência”687.
Prossegue afirmando que a escultura portuguesa, até Machado de Castro, foi
uma disciplina sem organização e sem teorização e volta a citar o já conhecido tratado
do Padre Inácio da Piedade Vasconcelos de 1733, “[…] o texto assume uma solução de
compromisso entre a tradição e a inovação, mantendo o habitual teor pedagógico e
divulgador dos modelos europeus. O texto inicia-se pelo elogio do corpo humano, pela
racionalidade sediada na cabeça e que o impele a acções heroicas, ao voluntarismo e
ao impulso laboriosos. [...] acompanhada por gravuras de Michel Le Bouteaux, muito
influenciado pelas gravuras do Tratado de João de Arfe. [...] ignora
incompreensivelmente o De Statua de Alberti, mas cita João de Arfe, Pompónio
Gaurico (sem o ter lido, como confessa), Dürer, Jerónimo Penha e Daniel Bárbaro.
Estas citações servem-lhe também para balizar os vários cânones propostos por
autores tão diversos, não se esquecendo de acrescentar Vitrúvio. Aliás, depois de
referir que a escultura é a representação do corpo, [...] não deixa de tomar toda a
cabeça como módulo e optar pela métrica vitruviana 1/10 [...]”688.
A novidade desse texto está na ideia disseminada pelo engenheiro Manuel de
Azevedo Fortes, em 1744. “É outra ideia sobre o corpo, mas profunda e filosófica,
propondo um novo olhar e uma outra representação, [...] Fortes, que nunca foi
escultor, tem, contudo, uma cultura de vastos recursos que o conduzem a importantes e
distintas considerações sobre o corpo e a sua representação. De algum modo, Azevedo
Fortes aposta numa ideia de ruptura, não tratando o corpo com a fatalidade e a vileza
tridentinas, mas dando-lhe outro papel ou uma outra esperança. A sua especulação é
de natureza mais filosófica que religiosa, dando assim suporte teórico a uma visão e
representação diferenciadas”689.
Nesta mesma coletânea, foi incorporado um volume com dois textos dedicados
exclusivamente à escultura dos séculos XV ao XVII, escritos pelas especialistas Maria
João Vilhena de Carvalho e por Maria João Pinto Correia. A primeira escreveu A

687
Idem, ibidem, p. 86-87.
688
Idem, ibidem, p. 108.
689
Idem, ibidem, p. 109.
363

escultura portuguesa entre a pedra, a madeira e o barro (1450-1580), e a segunda, A


escultura portuguesa entre o final do século XVI e o final do século XVII 690.

Fig. 84 – São Miguel Arcanjo, Frei Cipriano da Cruz, Museu


Nacional Machado de Castro.

São dois textos interessantes. No primeiro, a autora


faz uma síntese do que foi a escultura em Portugal no
século XV, destacando as diversas influências às quais
Portugal estava subordinado: vindas de Flandres, da França
e da vizinha Espanha. Além disso, ressalta a existência de
uma continuidade territorial, numa linha cronológica, de uma escultura com
características medievais à maneira portuguesa, presente nos túmulos, na decoração
parietal e em portadas, e em alguns exemplares de vulto pleno. Enquanto, Maria João
Pinto Correia faz um apanhado geral dos séculos XVI e XVII, época de crise no
território português, com a dominação espanhola por sessenta anos (1580-1640) e do
período de consolidação com algumas guerras e conflitos de restauração. Tais crises
ocasionaram poucas encomendas e, como uma consequência lógica, a estagnação da
primeira metade do século XVII, dando lugar a uma crescente onda nacionalista e aos
excelentes exemplares de madeira e de barro cozido, da segunda metade: os barros de
Alcobaça e as obras em madeira de Frei Cipriano da Cruz.
Ainda podem ser encontrados alguns trabalhos monográficos sobre artífices,
monumentos e obras específicas, porém a predileção temática recai sobre a arte
produzida nos períodos manuelino e renascentista, debruçando-se muito pouco sobre as
esculturas devocionais e seus executores691. Finalmente, deve-se mencionar a excelente
exposição dedicada ao escultor Joaquim Machado de Castro e realizada pelo Museu

690
CARVALHO, Maria João Vilhena de e CORREIA, Maria João Pinto, ‘A escultura nos séculos XV a
XVII’, publicado em RODRIGUES, Dalila (coord.), Arte Portuguesa. Da pré-história ao século XX, Vol.
8, Lisboa, Fubu editores, 2009.
691
Sobre o tema, consultar os seguintes trabalhos: GRILO, Fernando, Nicolau de Chanterene e a
afirmação da escultura do Renascimento na Península Ibérica (c. 1511-1551), tese de doutoramento,
defendida no departamento de História da Arte da Universidade de Lisboa, 2001, e, ‘A Exaltação da Fé.
A escultura barroca no convento dos Cardaes’, publicado em O Convento dos Cardaes veios da memória,
Lisboa, 2003. Do MOURA, Carlos, A escultura de Alcobaça e a imaginária monástica-conventual (1590-
1700), Lisboa, 2006, tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, 2 vols. E ainda, LE GAC, Agnès e ALCOFORADO, Ana, Frei Cipriano
da Cruz em Coimbra, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2003.
364

Nacional de Arte Antiga no ano de 2012. O catálogo, com artigos dedicados à obra
escultórica do artista, privilegiou também a sua produção de esculturas devocionais692.
Além de tratar das questões que envolveram a encomenda da emblemática estátua
equestre de D. José, o catálogo traz, pela primeira vez, pesquisas versando sobre a sua
obra escultórica litúrgica. Diferentemente do que se passa com a maioria dos escultores
do período, com Machado de Castro, ocorre um fato interessante: toda escultura
devocional erudita e de grande porte, produzida em seu tempo, lhe é atribuída, como
uma forma de valorizar a obra.
Percebe-se uma tendência nos estudos sobre a escultura portuguesa de valorizar
obras identificadas e datadas, maioritariamente as importadas ou as executadas por
estrangeiros, em Portugal, que, desde fins da Idade Média, procuraram o país para o
desenvolvimento dos seus trabalhos. O historiador Vergílio Correia, no livro A
escultura em Portugal no século XVI, lembra que “[...] a obra pessoal do escultor
mediévico prende menos a atenção que a do arquiteto, atenuado o valor pela
abundância de produção e anonimato do trabalho. [...] o estudo da escultura
apresenta, por toda a parte, maiores dificuldades que o da arquitectura, não se
ajustando muitas vezes as classificações de um e outro ramo artístico”693. Relaciona,
em seguida, um bom número de estrangeiros que trabalharam em Portugal no período,
assim como, as influências que chegaram vindas do Norte, da França e da vizinha
Espanha, e o resultado destas inter-relações. Mostra, além disso, que as peças soltas
restantes do Medieval português, das quais o Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa) e
o Museu Machado de Castro (Coimbra) possuem belos conjuntos, revelam uma
predileção pela pedra, já que o país possui boas zonas de produção graníticas ao norte e
ao centro: “mármore da região de Évora, a pedra de Ançã na área mondegina e a
pedra de lioz na Estremadura, com Lisboa à cabeça, eram excelentes suportes para a
imaginária ou para a execução dos monumentos funerários: foi sobretudo através desta
diferenciação matérica e das suas correspondentes expressões formais que se forjaram
as identidades oficinais da escultura nacional”694. O uso da pedra está também

692
Para mais informação sobre a oficina pela qual Machado de Castro era o responsável, ver: O virtuoso
criador, Joaquim Machado de Castro, 1731-1822. Catálogo da exposição, Lisboa, Museu Nacional de
Arte Antiga, 2012.
693
CORREIA, Vergílio, A escultura em Portugal. No primeiro terço do século XVI, Coimbra, Imprensa
da Universidade, 1929, p. 5.
694
CARVALHO, Maria João Vilhena de e CORREIA, Maria João Pinto, ‘A escultura nos século XV a
XVII’, publicado em DALILA,... op. cit., p. 11.
365

associado à excelente geração de artistas estrangeiros, principalmente, a geração


renascentista de franceses como Nicolau de Chanterene e João de Ruão.
O século XVI ainda privilegia o uso de conjuntos retabulares de pintura sobre
painéis695 que será substituído pelas esculturas devocionais em madeira. Escultura que
acompanhará também os interiores revestidos de talha dourada e policromada. Portanto,
após um período em que a pedra e a madeira atuaram lado a lado, a primazia da madeira
ocorrerá a partir da segunda metade do século XVII. Os motivos para tal não são muito
claros. Alguns autores insistem até em achar que a escultura teve um desenvolvimento
‘medíocre’ ou mesmo ‘retrocedeu’, nesse período, se comparada à arte em pedra de
países vizinhos como França e Itália e a em madeira, de países como a Espanha, onde o
desenvolvimento do entalhe sobre madeira foi excepcional, sem igual no território
português, nem durante o período filipino nem após a Restauração.
Porém, outros autores citados acreditam que houve uma necessidade de Portugal
encontrar um caminho que identificasse a arte produzida por aqui como genuína,
desligando-se completamente dos valores do país vizinho. Portanto, a Restauração
(1640) e os 28 anos de conflitos armados até a vitória final constituíram um período
conturbado, mas também necessário para a fixação de valores autóctones, culminando
no período áureo da talha dourada nos interiores das igrejas, produzida a partir da
madeira entalhada e policromada, e no estilo chamado Nacional, de inspiração
nacionalista.
A madeira tornar-se-á a principal matéria-prima para a execução das esculturas
devocionais portuguesas, a partir de meados do século XVII e perdurará por todo o
XVIII. Neste último século, haverá a concorrência da escultura de importação italiana,
em pedra, a partir do Convento de Mafra. Porém, será uma escultura sem grande apelo
devocional, de caráter mais decorativo para fachadas e jardins. No século XIX, a
escultura em madeira policromada finalmente será substituída pela de gesso
policromado, massificada pela produção em série, advinda da revolução industrial.

695
Caso, por exemplo de: “retábulo da Sé de Viseu (c. 1502-1505, obra de colaboração luso-flamenga), o
de São Francisco de Évora (1509--1511, Francisco Henriques e colaboradores), o da Sé de Lamego
(Vasco Fernandes, 1508-1511), o de Santiago de Palmela (c. 1515-1520, Mestre da Lourinhã), o da
Madre de Deus de Xabregas (1515, Jorge Afonso e oficina), o de Nossa Senhora do Pópulo das Caldas
da Rainha (c. 1515-1517, Mestre da Lourinhã?), o do mosteiro de Jesus de Setúbal (c. 1520, Jorge
Afonso e colaboradores), o do Salvador no mosteiro de São Francisco de Lisboa (Gregório Lopes e
Jorge Leal, 1524-1525), etc”. SERRÃO, Vítor, ‘A Diocese do Funchal na História da Arte em Portugal: a
pintura quinhentista’, p. 111-145. Disponível em
https://www.academia.edu/14161593/A_Diocese_do_Funchal_na_Hist%C3%B3ria_da_Arte_em_Portug
al_a_pintura_quinhentista
366

Mantém-se a necessidade da cor para a proximidade com os fiéis, porém, os modelos


repetitivos e padrões estéticos serão impostos pelo gosto clássico e pela técnica, feita a
partir de moldes, sem excedentes. Apesar disso, em Portugal, principalmente no Norte,
persiste o gosto pela matéria lenhosa, mantendo a tradição da confecção de santos, por
santeiros e artífices, até data avançada, à maneira dos séculos passados696.
A escultura devocional dos séculos XVII e XVIII pode acompanhar ou não os
estilos artísticos introduzidos pela talha. Para os retábulos da tipologia dos arcos
concêntricos, típicos do Barroco ‘Nacional’, a escultura devocional substituirá os
painéis pintados ou entalhados, cujos volumes serão
destacados pelos espaços centrais em arco do nicho. As
esculturas se adaptarão aos novos espaços e terão a
frontalidade como principal característica, num
vocabulário que pode ainda lembrar as obras em pedra,
porém cuja riqueza estará nos pormenores do entalhe de
rostos e mãos e na policromia com os dourados dos
panejamentos e estofados.

Fig. 85 – Retábulo de Nossa Senhora da Conceição e


de Santa Teresa, Igreja do Carmo, Évora e Igreja dos
terceiros, Faro, Portugal.

A partir do século XVIII e da introdução de novos


valores internacionais, desta vez, vindos da Itália, ocorrerá
a incorporação de outros elementos decorativos à talha do
Barroco Joanino. A escultura devocional tenderá a se
adequar aos espaços, antes bem definidos, agora ilegíveis
pelo excesso de elementos decorativos entalhados e
rendilhados. A escultura passará, portanto, a ter volumes
incertos, com panejamentos em pontas, exuberantes e
gestos exacerbados, diluídos nas sombras da iluminação
dramática.

696
SÁ, Sérgio O., Santeiros de Maia, Porto, edição do autor, 2002. O livro trata das Terras da Maia
(arredores da cidade do Porto), que, desde meados do século XIX, foram um centro de produção de arte
sacra, em madeira, de Portugal. Aborda os artistas e as oficinas que proliferaram na região, as obras que
de lá saíram para todo o mundo católico e as características estéticas e artísticas que marcaram essa
estatuária.
367

Em Portugal, as esculturas devocionais convivem lado a lado com talhas e


esculturas de épocas distintas e novos estilos. O exemplo típico é o da Virgem de
Fátima, devoção de princípios do século XX, que está presente em praticamente todas
as igrejas portuguesas, adaptada nas talhas barrocas, rococós e neoclássicas,
substituindo antigas devoções e criando novas ambientações e novos valores para as
devoções atuais.

Fig. 86 – Retábulo dos Terceiros, Igreja


do Carmo, Évora. No nicho central foi
instalada uma imagem de gesso do
Sagrado Coração de Jesus, do século
XX.

Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, duas questões de ordem prática


contribuem para dificultar o estudo das esculturas devocionais em Portugal. A primeira
é a ausência de inventários sistemáticos, excluindo a região do Algarve, graças ao
trabalho de Francisco Lameira697 e de algumas freguesias e paróquias isoladas, de áreas
com excelente produção escultórica698. A segunda foi a medida tomada, em 1834, pelo
governo, que extinguiu as Ordens religiosas do território português, seguindo os
exemplos de outros países, a partir das novas linhas liberais do século anterior. A
Inglaterra o fez ainda no século XVII, as reformas luteranas e calvinistas fizeram o
mesmo em alguns países do norte da Europa, na França esse fato ocorreu a partir da
Revolução, no fim do século XVIII, etc.
Portanto, a lei de 1834 foi responsável pela dispersão e perda de um número
incalculável de bens imóveis, que tomaram funções diversas, e também de bens móveis
e integrados, tais como as pinturas, esculturas, retábulos, que foram extraviados,

697
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… op. cit.
698
Um bom exemplo é o projeto de inventariação do patrimônio da Arquidiocese de Braga, que contempla
Igrejas e Museus do Concelho. Foi feita a catalogação das peças e sua publicação em pequenos livretos,
por especialistas de cada área: CARVALHO, Maria João Vilhena de, Viagem à escultura do Museu Pio
XII, Braga, 2008.
368

mudaram de endereços, indo para outras igrejas ou para Museus e particulares, assim
como toda a documentação a eles relacionada.
No dizer de Carlos Moura, a lei de extinção das ordens religiosas foi um desastre
patrimonial que continua, pois, os edifícios que não ganharam nova utilidade,
permaneceram fechados e muitos chegaram à beira da ruína ou à destruição completa.
Os que se salvaram tornaram-se um problema para as autarquias, que não sabem como
gerenciá-los, por apresentarem custos elevados em sua preservação ou ainda
necessitarem de obras complexas e caras de restauro699.
Trata-se de uma herança típica da Idade Moderna, marcada pela encomenda
eclesiástica, incluindo obras paroquiais e de ordens religiosas. Segundo Federico
Palomo, em 1750, havia em Portugal mais de 600 estabelecimentos, com cerca de
10.000 religiosos700. Foram tantas e tão diversas as instituições religiosas em Portugal,
que resolvemos relacionar algumas, a título de exemplo, através de uma passagem do
Padre Inácio da Piedade, discursando sobre a cidade de Santarém: “Havia catorze
conventos na vila, sendo três destes femininos. Assim, em Marvila, existiam Agostinhos,
Arrábidos, Marianos, Jesuítas, Agostinhos Descalços e Capuchas. Fora de Marvila
existiam Franciscanos, Dominicanas e Dominicanos, Trinitários, Clarissas,
Beneditinos e Franciscanos seculares”701.
Sobre o assunto, Francisco Lameira, no estudo dos retábulos da região do
Algarve, diz que numericamente existiram “cerca de duas dezenas de conventos
estabelecidos nos principais centros urbanos”, seis deles situados na cidade de Tavira:
São Francisco da Observância, Santo Antônio dos Capuchos da Piedade, Nossa Senhora
da Ajuda dos Eremitas de São Paulo, Nossa Senhora da Graça dos Agostinhos
Calçados, Nossa Senhora do Carmo dos Carmelitas Descalços e Nossa Senhora da
Piedade das Freiras Cistercienses; quatro em Faro: São Francisco da Observância, Santo
Antônio dos Capuchos da Piedade, Nossa Senhora da Assunção de Clarissas e Santiago
da Companhia de Jesus; três em Lagos: Trindade, capuchos da Piedade e Freiras
Carmelitas; três em Loulé: Agostinhos Descalços, Capuchos da Piedade e Freiras do
Espírito Santo; dois em Portimão: Companhia de Jesus e Capuchos da Piedade; um em

699
MOURA, Carlos. Assunto discutido nas aulas do segundo semestre de 2015, na disciplina Ordens
Monásticas em Portugal na Idade Moderna, do curso de Mestrado em Museologia, da Universidade Nova
de Lisboa.
700
PALOMO, Federico, A contra-Reforma em Portugal, 1540-1700, Lisboa, Livros Horizonte, 2006.
Coleçcão Temas de História de Portugal.
701
VASCONCELLOS, Padre Inácio da Piedade, História de Santarém Edificada, Lisboa Ocidental,
1740, tomo I, p. 20.
369

Silves: Capuchos da Piedade; um em Lagoa: Carmelitas Calçados; um em Estômbar:


Franciscanos da Observância; um em Monchique: Terceira Ordem da Penitencia; um
em Pegos: Monges eremitas; e, finalmente, em Sagres, estavam estabelecidos os
Capuchos da Piedade702.
Desta imensa diversidade, poucas foram as Ordens Religiosas que chegaram ao
Brasil, para desenvolver o trabalho missionário nas terras conquistadas. Quatro
destacaram-se e tiveram relativo sucesso no território brasileiro: jesuítas, franciscanos,
carmelitas e beneditinos. A Ordem Carmelita nunca foi a mais próspera, e mesmo
assim, construiu cerca de trinta estabelecimentos religiosos, entre hospícios, aldeias,
conventos e igrejas ao longo de dois séculos. Os Jesuítas, sem dúvida, foram os de
maior sucesso no desenvolvimento do trabalho com as populações nativas. Seguiram-se
os franciscanos com mais de trinta estabelecimentos, e vinte conventos instalados nas
principais localidades do Brasil: Olinda (1585); Salvador (1587); Iguaraçu – PE
(1588); João Pessoa (1589-90); Vitória, ES (1590/1); Rio de Janeiro (1606-7); Recife
(1606); Ipojuca – PE (1606); Vila de São Francisco do Conde – BA (c. 2.ª metade do
século XVII); Serinhaém – PE (1630); Santos, São Paulo (1639); Cairu – BA (1650ou
1654?); Vila da Penha, no Espírito Santo (1650); Itanhaém, São Paulo (1655); do
Iguape, Bahia (const. 1658); São Cristóvão, Sergipe (const. 1658 ou 1693?); Penedo,
Alagoas (const. c. 1682 ou 1689); Marechal Deodoro, Alagoas (const. 1660 ou 1684);
Itaboraí, no Rio de Janeiro (1660/hoje em ruínas); Rio de Janeiro (const. em 1705)703.
Acrescentaríamos um último motivo à lista de Myriam Andrade Ribeiro de
Oliveira para as razões que dificultam o estudo das esculturas devocionais em Portugal:
as calamidades naturais, dentre elas os terremotos. O de 1755 devastou, abalou e arrasou
cidades como Lisboa, mas também vilas e aldeias que estavam no caminho da
gigantesca onda de destruição que seguiu para o interior, causando danos desde o norte
até o Algarve. Lisboa ficou completamente arruinada, porém a Igreja de São Roque dos
jesuítas, localizada no bairro alto, sobreviveu em boas condições, enquanto o complexo
carmelitano, distante alguns metros, ficou em ruínas, adaptado hoje para a instalação do
Museu Arqueológico do Carmo.
As esculturas devocionais do século XVII estarão associadas à encomenda
religiosa a partir principalmente das oficinas das principais instituições religiosas:
Monásticas, Conventuais e Militares. Imaginária que será, muitas vezes, identificada por

702
LAMEIRA, Francisco, A talha no Algarve…, p. 138 e 139.
703
RÖWER, O.F.M. frei Basílio, Páginas da história franciscana… op. cit..
370

uma tipologia própria, influenciada pela estética e pelas características doutrinárias da


ordem. No século XVIII, o enfoque muda de mãos. Os leigos e as suas oficinas e
laboratórios passam a reger a encomenda religiosa, sediados nos centros urbanos mais
importantes, comportando as áreas de influências ao redor. Segundo Myriam Andrade
Ribeiro de Oliveira, formaram-se escolas regionais, que serão basicamente aquelas
classificadas na sua obra sobre o Rococó religioso (e do barroco tardio) em Portugal,
para o período: Lisboa, Porto, Braga (Minho), Coimbra (Beiras), Évora (e o Alentejo) e
o Algarve704.
Os beneditinos e os cistercienses, dois ramos monásticos, apreciadores da vida
solitária, nos mosteiros, tinham santuários localizados em regiões afastadas das cidades
e em comunhão com a natureza. Portanto, a escultura devocional destas duas ordens
refletirá a sua maneira de estar no mundo, com destaque para os santos da Ordem,
principalmente os fundadores: São Bento e São Bernardo de Claraval, e as devoções
particulares. Como ordem monástica, exercia uma ação restrita, pois seus monges
permaneciam a maior parte do tempo nos mosteiros, orando e trabalhando nos afazeres
diários. Essas atitudes acabarão por refletir nas representações escultóricas. Nelas serão
frequentes os hábitos (cógulas) longos e volumosos, pesados, com mangas amplas, que
caíam até o solo, tornando o deslocamento lento.
Em Portugal, com consequências também no Brasil, a obra escultórica produzida
nas oficinas desta comunidade deu preferência ao barro cozido policromado, tanto para
imagens retabulares como na decoração dos ambientes dos mosteiros. Alcobaça, para os
Cistercienses, é o melhor exemplo de Portugal, com destaque para a sala das relíquias,
espaço destinado aos bustos relicários. Segundo José Fernandes Pereira, a aposta no
barro residirá em razões simbólicas e bíblicas, pois no Genesis é este o primeiro
material a ser convocado para a feitura do próprio homem. A menor durabilidade do
barro e da madeira corresponde também a uma simbologia da própria vida humana,
sem os desafios de eternidade que a pedra pode expressar. Díspar do classicismo é
também a utilização da cor, destinada a acentuar a verosimilhança da
representação705.

704
Metodologia utilizada por Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira para estudar a imaginária religiosa no
Brasil, com vista à elaboração do texto para o catálogo da exposição dos 500 anos do Descobrimento do
Brasil. A Imagem religiosa no Brasil, exposição que se realizou na Fundação Bienal de São Paulo, em
2000, será o texto base do próximo subitem deste capítulo. Tentaremos apenas acrescentar alguns novos
elementos que surgiram nos últimos quinze anos. OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó
religioso… op. cit..
705
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I… op. cit., p. 88.
371

O barro é, com certeza, uma fonte renovável, podendo ser facilmente encontrado
em diferentes partes de Portugal. Observa-se que os monges de Alcobaça faziam as suas
esculturas a partir de planos horizontais, ocos. À medida que
os blocos cresciam, adicionava-se o próximo bloco, para só
posteriormente acrescentarem-se as partes mais delicadas,
como as mãos e o rosto. Desta maneira, o trabalho laboral
também funcionaria em conjunto: os monges menos
especialistas modelavam os corpos e os considerados
‘artistas’ ficavam com a fatura das mãos e dos rostos706.

Fig. 87 – Anjo, Mosteiro de Alcobaça, Portugal.

Já o famoso Mosteiro Beneditino de Tibães, casa-mãe


da Ordem em Portugal, escolherá a madeira como matéria-
prima, pois a facilidade de acesso às florestas do Norte impôs
a sua utilização, sem, no entanto, deixar de utilizar o barro para o belíssimo conjunto de
virtudes instaladas na sacristia. Independente da matéria-prima, as esculturas de
Alcobaça e de Tibães podem ser equiparadas quanto à forma e tipologia dos seus santos.
São obras de grande dimensão, voltando-se para à forma cônica, base larga e sólida,
servindo de apoio ao corpo, que tenderá a diminuir ao chegar à cabeça. O modelo
cônico é facilmente conseguido pela forma das indumentárias religiosas. Observa-se
ainda, que, desta maneira, dispensava-se o conhecimento anatômico, pois as vestes
encobriam e escondiam qualquer tentativa de corporificação dos santos. Essas vestes
eram confeccionadas a partir de pregas finas e paralelas, cujo excelente exemplo é o do
Frei Cipriano da Cruz707.
Quanto às ordens conventuais, em oposição às monásticas, viviam em grupo e
em constante envolvimento com as populações das cidades. Os franciscanos foram um

706
MOURA, Carlos, A escultura de Alcobaça e a imaginária monástica-conventual ... op. cit.. E ainda do
mesmo autor: ‘Escultura portuguesa do século XVII, Jesuítas e beneditinos’, publicado em IV Colóquio
luso-brasileiro de história da arte, Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2000, p. 119-127.
707
LE GAC, Agnès; ALCOFORADO, Ana, Frei Cipriano da Cruz… op. cit.. E mais recentemente ver o
artigo: LE GAC, Agnès, OLIVEIRA, Paulo, COSTA, Maria João Dias e COSTA, Isabel Dias, ‘Retábulos
e imagens dos mosteiros beneditinos de Tibães e do Rio de Janeiro em confronto: identidades,
transferências e assimilações’, publicado em GLORIA, Ana Celeste (org.), O retábulo no espaço ibero-
americano, vol. I, p. 65-77. Disponível em
http://www.academia.edu/21661265/O_Ret%C3%A1bulo_no_Espa%C3%A7o_Ibero-Americano_
372

dos primeiros a se instalar em solo português. Originários da Itália, do século XIII,


tendo à frente o popular São Francisco de Assis e, em Portugal, Santo Antônio, seus
componentes eram identificados como frades, irmãos. A principal característica da
ordem conventual é o trabalho assistencial desenvolvido com as comunidades das
cidades emergentes na Europa de fins da Idade Média. A princípio, foi uma ordem
exclusivamente mendicante, isto é, seus integrantes não podiam acumular riquezas,
portanto, seus conventos deveriam ser simples. Porém o que veremos, séculos depois,
serão conventos luxuosos e repletos de obras admiráveis708.

Fig. 88 – Santo Amaro e


Virtude: Temperança, Frei
Cipriano da Cruz, Igreja e
Sacristia do Mosteiro Tibães,
Braga.

Os Carmelitas, amplamente estudados nos


capítulos anteriores, tiveram entrada tímida no território português. O primeiro
convento foi o da cidade de Moura, seguido do grande complexo de Lisboa, de mais de
um século depois. Com a extinção das ordens religiosas no século XIX, poucos
complexos restaram intactos, incluindo a decoração interna. Os que sobreviveram
apresentam altares de épocas distintas, assim como os conjuntos escultóricos. Ao
contrário, os Carmelitas Descalços, que a partir de fins do século XVI (1580), entram no
território português, com um programa arquitetônico definido, como se demonstrou no
capítulo II. Hoje poucos desses conventos apresentam os seus elementos decorativos

708
Os estudos sobre os franciscanos foram tema de um congresso em particular, coordenado pelo
CEPESE (Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade) realizado no Rio de Janeiro, em 2008:
III Seminário Internacional Luso-brasileiro, Os Franciscanos no Mundo Português. Artistas e Obras (Rio
de Janeiro, 24 a 26 de Novembro de 2008), em parceria com o Departamento de História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
373

íntegros. Pelo levantamento feito por Francisco Lameira, pode-se afirmar que os
conjuntos retabulares existentes são de épocas distintas e acompanham o estilo reinante
no momento da sua construção, ou, ainda, foram sendo confecionados ou remodelados
ao longo dos anos709.

Fig. 89 – Retábulo de Santo Elias, Igreja do Carmo, Braga.

As esculturas devocionais, que ainda são


originais, acompanham esses estilos. Porém nem sempre
é possível apreciá-las, pois houve muitas alterações,
alocando novas devoções em altares antigos e vice-
versa. Um bom exemplo é a igreja dos Descalços de
Braga, cujos altares colaterais, mantiveram a
excepcional talha dourada de gosto joanino, cujas
esculturas do altar da esquerda, Santo Elias entre Santo
Ângelo e Santo Eliseu são atribuídas a Marceliano de
Araújo710. Enquanto o da direita, é dedicado a São José e
aos santos negros da Ordem: Santo Elesbão (Stº.
Elesbam conf. Carmelita / Imperador da Ethiopia) e
Santa Efigênia (Sta. Ifigenia V., Carmelita /Princeza da Nubia). Tal constatação, no
entanto, não pode ser apreciada nos outros elementos decorativos da igreja, incluindo o
altar-mor. Trata-se de uma obra tardia, de 1920711, que tem ao centro uma escultura da
Virgem do Carmo, ladeada por Santa Teresa e São João da Cruz, tríade de peças de
excelente fatura possivelmente do século XVIII. Assim como os altares laterais das
capelas fundas, a partir da entrada, à direita, estão os dedicados a Sagrada Família,
Menino Jesus de Praga, Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora da Conceição. Os

709
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit.,
710
“Do ponto de vista formal, há ainda mais algumas imagens que se podem atribuir a Marceliano de
Araújo, […] tenha feito outras imagens para os retábulos do transepto da igreja do Convento do Carmo
pois há grande similitude entre as que neles existem e outras atribuíveis a Marceliano, sobretudo entre a
de S. Ângelo, do Carmo e a de S. Bernardo, da igreja do Pópulo”. OLIVEIRA, Eduardo Pires de,
‘Revisitar Marceliano de Araújo’, publicado em Artistas e artífices e a sua mobilidade no mundo de
expressão portuguesa. Actas do VII Colóquio Luso – Brasileiro de História de Arte. Porto, Porto,
Departamento de Ciências e Técnicas do Património / Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
2005, p. 135 – 141, p. 140; republicado em “Misericórdia de Braga”, Braga, 2, 2006, p. 115 – 140.
711
OLIVEIRA, Eduardo Pires de, Braga. Percursos e memórias de granito e ouro, Porto, Campo das
Letras, 1999, p. 235.
374

dois altares da direita, de devoção única, apresentam o mesmo desenho, neoclássico


tardio, enquanto os dois da esquerda, de desenho mais elaborado e devoções
compartimentadas, podem ser um pouco anteriores. Como as próprias devoções
principais denunciam, Virgem de Fátima e Menino Jesus de Praga, em esculturas de
gesso, do século XX, portanto, com mudança no programa devocional original. É
interessante observar a necessidade de atualização devocional entre os religiosos e os
fiéis.

Fig. 90 – Retábulos laterais, Igreja do Carmo,


Braga.

Entre a nossa primeira visita e a última, passaram-se dois anos. Observamos que,
nesse período, houve uma mudança no altar de Nossa Senhora da Conceição. Apresenta
a Virgem centralizada, estando do lado direito Santa Bárbara e à esquerda São Bento.
São excelentes peças, de entalhe condizente com a talha, porém, causa estranhamento a
presença de um santo beneditino em espaço carmelita. Na última visita, foram
realocados os santos dos intercolúnios, São Marçal e São Sebastião, ausentes na
primeira visita. As esculturas têm dimensões exageradas para as pequenas mísulas de
apoio.
O século XVIII será um período de grande desenvolvimento para Portugal no
campo econômico e artístico, fruto das riquezas de suas colônias e da estabilidade
política do longo reinado de D. João V (1707-1750), rei que tinha um apreço especial
pela cultura e pelas artes. Lisboa, sede do poder político e econômico, como capital do
Império e principal cidade portuguesa setecentista terá os principais laboratórios de
encomendas religiosas do período. Mas também será a cidade aberta para o mundo e
375

suas influências, marcando o reinado Joanino, com a construção de Mafra e a


importação de esculturas italianas. Esse predomínio se prolongará pela segunda metade
do século, agora em simbiose com as influências do rococó internacional de fontes
francesas e germânicas, fenômeno recorrente na talha, pintura e azulejaria.
É um século de intensa atividade laboral construtiva, apesar do número limitado
de estudos sobre as esculturas devocionais deste período. Nele irão despontar tipos de
imaginária com características particulares a partir dos principais centros de
desenvolvimento de Portugal. As importações de esculturas em mármore para as
construções régias e a presença constante de escultores italianos trabalhando no período
favoreceram a difusão de modelos do barroco romano, como no caso das oficinas de
Mafra, dominadas pela figura de Alessandro Giusti. Raros foram, entretanto, os
escultores portugueses que saíram do país para estudar em Roma, como José de
Almeida (1708-1769), considerado o principal escultor português da primeira metade do
século XVIII, exatamente por ter estudado em Roma e saber esculpir o mármore tal qual
faziam os italianos712.
O historiador Fernando Pamplona, no seu Dicionário de pintores e escultores
portugueses, relaciona cerca de duzentos artífices da madeira, entre escultores,
entalhadores, santeiros e imaginários. Não é um número pequeno, porém as informações
sobre eles são mínimas. Quase todos aparecem como tendo participado da oficina
laboral de Mafra, sem especificar, no entanto, o tipo de trabalho desenvolvido713.
Dentre os escultores estudados, está o excepcional Manuel Pereira (1588-1683),
nascido no Porto, mas que desenvolveu a maior parte de sua carreira na Espanha. A

712
Ver FALCÃO, José António e PEREIRA, Fernando António Baptista. José de Almeida. Escultor
setecentista. Lisboa: Editora Estar, 1996. E, mais recentemente, a publicação de VALE, Teresa Leonor
M., Um português em Roma, um italiano em Lisboa. Os escultores setecentistas: José de Almeida e João
António Bellini, Lisboa, Livros Horizontes, 2008.
713
PAMPLONA, Fernando de, Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em
Portugal, vol. II, Barcelos, Livraria Civilização editora, 1987. No primeiro volume, são citados quinze
artífices do século XVIII da cidade de Lisboa, cinco do Norte (Porto e Braga), quatro de Coimbra, e três
de locais diversos (São Miguel, Portalegre e cidade indeterminada); no segundo, temos vinte e um
artífices da cidade de Lisboa, seis do Norte, cinco de Aveiro, um de Faro e quatorze de cidades diversas;
no terceiro tomo, a grande maioria de artífices são dos que trabalharam em Lisboa (vinte e dois,
majoritariamente nas obras de Mafra e Queluz), com poucos exemplos de outras cidades, um para cada de
Lamego, Évora, Porto, Aveiro, Coimbra, Amarante e cinco sem determinar a origem. No tomo quatro,
tivemos um total de quarenta e três escultores, entre os oficios da madeira, apenas quatro imaginários e
dezesseis somente entalhadores. A grande maioria é de Lisboa, mas também é possível encontrar artífices
do Porto, Coimbra, Évora e pelo menos metade deles de local indeterminado. No volume cinco, tivemos
um número muito pequeno de artífices da madeira, com cerca de 20. A maioria dos verbete consiste em
pequenas citações do tipo: Calheiros (Antonio Martins) – entalhador de Lisboa, do século XVIII,
actividade documentada em 1711. Bibliografia: Virgílio Correia. Entalhadores de Lisboa, século XVII e
XVIII, publicado em Águia, 2ª série, vol. XIV, op. cit., volume II, p. 16.
376

ausência de obras, além das poucas datadas, e de fontes arquivísticas, não permite
conhecer a formação profissional do escultor. Os quatro santos em pedra da fachada da
Igreja Jesuítica de Alcalá de Henares, de 1624, constituíram provavelmente uma das
primeiras encomendas recebidas pelo artista. Segundo Martin Gonzáles, essas obras
aparentam um sentimento próprio da ‘melancolia portuguesa’714. Em Portugal,
confeccionou duas esculturas para a Igreja de São Domingos de Benfica, arredores de
Lisboa, no ano de 1636. A Nossa Senhora do Rosário, bela e serena, característica
constante na imaginária portuguesa e o Cristo Crucificado, cuja iconografia, segundo
Carlos Moura, “é andaluza, manifesta no uso dos quatro pregos e na posição quase
vertical dos braços, sustenta[m] com eficácia uma sensibilidade contida, sem a
dimensão radicalmente trágica do misticismo espanhol”715. São duas excelentes
esculturas devocionais, ao gosto português. A anatomia corporal do Cristo “resume as
convenções e interdições da época sobre o corpo nu, permitindo-se apenas a sua
exibição dolorosa sob a forma do paradigmático exemplo cristão”716.
Aparece citado também como o autor dos quatro santos jesuítas do altar-mor da
Igreja da antiga Casa Professa de São Roque, cujo retábulo “É mandado executar pelo
Pe. Diogo Monteiro, por volta de 1628. Em 1630 são encomendadas em Madrid ao
escultor português Manuel Pereira as quatro imagens para os nichos. […]”717.
Outro nome mencionado constantemente nas publicações sobre artífices da
madeira é o do escultor e santeiro Manuel Dias, da cidade de Lisboa, falecido em 1754.
Conhecido pela alcunha de o pai dos Cristos em virtude de sua perícia na talha dos
Crucificados, teve oficina na Calçada de Santo André, em Lisboa e fez parte da
Irmandade de São Lucas, desde 1713718. É o autor do Crucificado em cedro da capela-
mor da Sé de Évora, assim como a Nossa Senhora do Socorro da Igreja do Carmo,
também de Évora. Ainda lhe são atribuídas as imagens do maravilhoso São Miguel, da
Igreja de Nossa Senhora da Pena, de Lisboa, e possivelmente a Nossa Senhora do
Rosário, do altar vizinho, de fatura similar. Peças avantajadas, movimentadas e de
grande força decorativa. Os panejamentos apresentam movimentos exacerbados, sem

714
Martin Gonzáles apud, MOURA, Carlos, verbete «Manuel Pereira », publicado em Dicionário da arte
barroca..., p. 351-352.
715
Idem, bidem, p. 352.
716
Verbete « Escultura », publicado em PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte
Barroca ... p. 168.
717
LAMEIRA, Francisco, O retábulo da Companhia de Jesus em Portugal: 1619-1759, [Faro],
Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, 2006, p. 55.
(Promontoria Monográfica História da Arte 02)
718
PAMPLONA, Fernando, Dicionário de pintores op. cit., tomo I, p. 203-204.
377

serem antinaturais, de vocabulário barroco. O São Miguel, particularmente, é uma peça


única, na sua exuberante armadura de soldado romano, marcada pelo penacho que
arremata o capacete e as asas abertas, prontas para o voo.

Fig. 91 – Nossa
Senhora do Rosário e São
Miguel Arcanjo, Igreja de
Nossa Senhora da Pena,
Lisboa.

Fig. 92 – Santo Onofre, José de Almeida, Museu Nacional de Arte Antiga.

Outro personagem do século XVIII é o escultor José de


Almeida (1708-1769), natural de Lisboa, que, com financiamento de D.
João V, foi estudar em Roma, tornando-se discípulo de Carlo Monaldi.
“Como referia Cirilo Volkmar Machado, na sua Colecção de
Memórias, […] era “aparentado com muitos e bons artistas”719.
Possui uma plêiade de peças atribuídas a sua mão, tanto em mármore
quanto em madeira, tais como: Santo Onofre (hoje no Museu Nacional
de Arte Antiga), Cristo da Trindade, os sete Cristos dos Passos da
Paixão, que saíam na procissão do Triunfo, do Carmo de Lisboa, pesquisados por Célia
Nunes Pereira720 que serão abordados detalhadamente nos próximos subitens; São
Camilo, para a igreja de mesma invocação; Senhora da Vitória e Senhora das Virtudes,
em São Domingos, Lisboa, acabadas pelos seus discípulos Antônio Machado e

719
MACHADO, Cirilo Volkmar, apud VALE, Teresa Leonor M., Um português em Roma… op. cit.,, p.
11.
720
PEREIRA, Célia Nunes Santos, A arte na Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo… op. cit.
378

Francisco Antônio; Cristo e anjos de adoração para a capela-mor de Mafra, esculturas


substituídas por outras de mármore e colocadas em Santo Estevão, Alfama721.
José de Almeida fez ainda em colaboração com seu irmão Félix Vicente de
Almeida, arquiteto e entalhador, a talha de um coche de D. João V, hoje no Museu
Nacional dos Coches e outros que serviram na entrada do embaixador Melo e Castro,
em Roma, como informa o Visconde de Juromenha722. Foi mestre de Machado de
Castro no desbaste do mármore e também de Francisco Xavier, Antônio Machado e
Francisco Antônio. Quanto a Félix Vicente de Almeida, arquiteto e entalhador da Casa
Real, são poucas as informações sobre ele, além da já citada parceria com o irmão, na
talha dos coches, e do parentesco com o arquiteto e pintor Inácio de Oliveira Bernardes,
seu sogro.
O escultor Joaquim Machado de Castro (1731-1822) será a figura mais
importante da segunda metade do século XVIII e início do XIX. Natural de Coimbra,
filho do escultor barrista Manuel Machado, foi aprendiz de José de Almeida em Lisboa
e, em Mafra, trabalhou 14 anos na oficina de Alessandro Giusti. Formou numerosos
aprendizes e seguidores. Para Machado de Castro o escultor, o artista, não se confunde
com ao artífice. Se a este se exige apenas o domínio da técnica e o conhecimento dos
materiais, ao escultor pede-se-lhe conhecimentos suplementares de natureza teórica.
Assim, na sua formação são imprescindíveis os estudos de Geometria, de História
(Sagrada, Profana e Mitológica), de Filosofia, de Anatomia, sem esquecer os autores
antigos, sobretudo os latinos, […]723.
A estátua equestre de D. José I em bronze, hoje ainda na Praça do Comércio, na
baixa lisboeta, encomenda do Marquês de Pombal é a obra que o representa. Objeto de
um estudo do próprio Machado de Castro, essa obra mereceu particular atenção de
diversos historiadores portugueses724, principalmente pelas dificuldades técnicas da sua
execução.
Fato curioso acontece com a produção escultórica litúrgica de Machado de
Castro: há um número exorbitante de atribuições, pois toda obra erudita condizente com

721
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo I, p. 57-58. E Teresa Leonor M. Vale intenta fazer
um ‘ensaio de um catálogo’ de sua obra, onde discute as atribuições entre outros casos. Ver VALE,
Teresa Leonor M., Um português em Roma… op. cit., p. 23-71.
722
Idem, ibidem, tomo I, p. 53. E SANTOS, Reynaldo, A escultura em Portugal, Lisboa, Bertrand Irmãos,
1950, 2 º vol., 66-67.
723
‘Tratados de escultura’, publicado em Dicionário de arte barroca, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p.
945.
724
Veja-se, por exemplo, FRANÇA, José Augusto, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Lisboa, Livros
Horizontes, 1965.
379

a segunda metade do século XVIII, de excepcional qualidade, lhe foi atribuída, mesmo
que suas características formais se distanciassem de seu estilo. Na última exposição
direcionada a esse artista, levada a cabo no Museu Nacional de Arte Antiga, buscou-se,
através de alguns textos publicados no excelente catálogo produzido para a ocasião,
discutir essas atribuições725. Um dos aspectos que não poderíamos deixar de citar é o
caráter erudito das obras em geral da lavra de Machado de Castro. Mesmo seguindo
uma iconografia tradicional para a identificação dos santos devocionais, o escultor teve
rompantes de ‘extrema criatividade’, como na fatura do Santo Elias da fachada da
Basílica da Estrela. Acrescentou, além dos atributos convencionais, as tábuas dos
mandamentos, específicos de Moisés ao Profeta fundador do Carmo726. E ainda é
conhecido o caso da Nossa Senhora da Encarnação, da igreja de mesmo nome em
Lisboa, que apresenta um interessante conflito com a irmandade cliente, motivada pelo
fato de Machado de Castro ter introduzido uma segunda figura de Anjo na
representação do grupo da Encarnação.

Fig. 93 – Santana Mestra, Museu Nacional de Arte Antiga727, e


Nossa Senhora do Carmo, Machado de Castro (?), Igreja da Ordem
Terceira do Carmo, Faro.

725
O virtuoso criador, Joaquim Machado de Castro, 1731-1822. Catálogo da exposição… op. cit.
726
‘Desvio que de modo algum pode ser atribuído a factores de ordem formalista, carece sobretudo de
uma justificatição de índole iconográfica. Personagem do antigo Testamento, considerado pelos
carmelitas como o primeiro fundador da Ordem, a sua especificidade é claramente assinalada pela
presença das “Tábuas da Lei”, num paralelismo imagético com a representação de Moisés.’
SALDANHA, Sandra Costa, ‘Iconografia Carmelitana no Convento de SS. Coração de Jesus à estrela:
imagens e paradigmas escultóricos setecentistas’, publicado em VALE, Teresa Leonor M. e COUTINHO,
Maria João Pereira (coord.), Lisboa e as ordens religiosas, Lisboa, 2010, p. 41-49.
727
Grupo escultórico de Santa Ana ensinando a Virgem é atribuido pelo Museu Nacional de Arte Antiga,
aos escultores José de Abreu do Ó, Tomás Lopes e Machado de Castro, datada de 1783-84.
380

Características do estilo pessoal de Machado de Castro são os fartos


panejamentos que envolvem e ocultam o corpo do personagem representado. A
compleição robusta das figuras era designada pelo próprio artista de ‘tamanho natural
corpulento’. O tratamento anatômico é clássico: as mãos possuem dedos finos,
minuciosamente esculpidos, os rostos, levemente reclinados para um dos lados,
demonstram uma expressão serena, não importando o momento representado.
A partir do Dicionário de Pamplona, citaremos escultores que nomeadamente
apresentam obras identificadas na cidade de Lisboa. A maioria trabalhou, antes do
terremoto, na oficina de Mafra e depois no laboratório de Machado de Castro. O
primeiro é Félix Adauto (ou Adaústo), ativo na primeira metade do século XVIII.
Devem-se-lhe as estátuas dos evangelistas do altar-mor da igreja de São Miguel de
Alfama, em Lisboa, “que se contam entre os exemplares mais originais da nossa
estatuária barroca, pelo adelgaçamento grecóide das figuras e pela agitação das
roupagens”728. Em 1724, trabalhava já nas obras de São Miguel de Alfama. O contrato
relativo às referidas estátuas é de 1725 e o recibo de 1726, este também assinado pelo
mestre carpinteiro Francisco Duarte, que colaborou na obra729. Outro escultor do século
XVIII foi Faustino José Rodrigues (1760-1824), discípulo predileto de Machado de
Castro, ao qual passava as encomendas mais importantes do seu ‘Laboratório de
Escultura’, sendo, inclusive, nomeado para substituí-lo na direção da Aula de Escultura
das Obras Públicas, que fundou em Lisboa. Para Machado de Castro, Faustino possuía o
dom da graça, isto é, o dom dado por Deus a quem é servido730.
Joaquim José de Barros Laborão (1760-1820) foi discípulo de João Grossi e do
entalhador João Paulo da Silva (1751-1821). Montou oficina própria e substituiu Giusti
na chefia da Escola de Mafra. Da sua obra, destacam-se as estátuas Honestidade,
Diligência, Desejo e Decoro, do vestíbulo do Palácio Nacional da Ajuda, o baixo-relevo
do tímpano da igreja do Palácio da Bemposta e o painel de barro, representando a
alegoria a D. Maria I, o Triunfo das Artes731, no Museu Nacional de Arte Antiga. Possui
algumas esculturas figurando nos retábulos das igrejas de Lisboa, que podem ser

728
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo I, p. 18.
729
Idem, ibidem, tomo I, p. 18.
730
Idem, ibidem, tomo V, p. 77-78.
731
Esse painel pertenceu a Coleção de D. Fernando II, sendo doada ao Museu Nacional de Arte Antiga
em 1915. Sabe-se que em 1893, estava catalogada como um dos bens do rei que ia ser vendidos em leilão.
Disponível em : http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg= 250
381

identificadas a partir de uma referência segura, como a Nossa Senhora da Conceição do


Museu Municipal de Portalegre, datada de 1796. Especializou-se na confecção de
presépios, entre eles o da Igreja do Sacramento, outrora de Carnide732.

Fig. 94 – Triunfo das Artes, Joaquim José de Barros Laborão, Museu Nacional de Arte
Antiga733.

Saindo de Lisboa, rumo ao norte, as escolas do Porto e de Braga serão um


excelente foco que perdurará por longos séculos na arte do entalhe e da execução de
esculturas devocionais. Porém, o mais autóctone do barroco foi Braga, […] a visão
plástica dos seus mestres regionais, constitui um dos capítulos mais palpitantes da
história do barroco nacional […]734. No começo, com os artífices ligados às oficinas
religiosas, particularmente a dos beneditinos, como vimos, pelas mãos do Frei Cipriano
da Cruz (1645-1716). Robert Smith cita autores que o identificou como sendo
exclusivamente “imaginário”, “como dizia Fr. Marcelino da Ascensão, nas suas notas
biográficas, ou, segundo as palavras do alfaiate Domingos Antunes, ‘bom oficial de
fazer santos’, trabalhando em castanho e ‘carvalho do Norte”735.
Da região de Braga existe dois escultores reconhecidos e estudados, graças às
pesquisas de Robert Smith, além do escultor Frei Cipriano da Cruz (1645-1716):
Marceliano de Araújo (1690-1769)736 e Frei José de Santo Antônio Vilaça (1731-

732
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo III, p. 171-172. Ver verbete: ‘Laborão, Joaquim
José de Barros (1762 - 1820), sculptor’, por António Filipe Pimentel, publicado em Grove Art Online,
Published online January 1998 | e-ISBN: 9781884446054
733
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=250888
734
SANTOS, Reynaldo, A escultura em Portugal, 2º vol, p. 71.
735
SMITH, Robert, Frei Cipriano da Cruz,… op. cit., p. 30
736
SMITH, Robert C., Marceliano de Araújo. Escultor Bracarense, Porto, Nelita Editora, 1970, p. 81.
382

1809)737. O primeiro também era entalhador, produziu obras de excelente fatura, como
atestam as belas esculturas do retábulo da Misericórdia de Braga, como o grupo da
Visitação do Coroamento. Sua influência alcançou outras cidades portuguesas,
chegando até o Brasil.
Já o segundo, seguindo a tradição deixada por Cipriano da Cruz e pela ordem
beneditina, destaca-se mais como entalhador do que escultor. Robert Smith cita, a partir
da documentação, relaciona uma boa produção escultórica de sua lavra, como se pode
ver nas imagens que figuram o altar-mor de Tibães e no grupo de Santana e São
Joaquim de um dos retábulos da nave. Sua influência parece ter ficado restrita aos
Mosteiros Beneditinos da
região.

Fig. 95 – Santana, Virgem, São


Joaquim, Frei José de Santo
Antônio Vilaça Mosteiro Tibães,
Braga.

Braga apresenta ainda um quarto imaginário com obra identificada como sendo
do escultor de Barcelos, Miguel Coelho com atividade registrada entre 1698 e 1742738.
É comparado com o trabalho de Marceliano de Araújo, sendo um artista polivalente, fez
imagens, entalhou e esculpiu. Tudo leva a acreditar que teve uma boa oficina, com
muitos colaboradores, entre eles ficaram os nomes de José Coelho da Fonseca, que era
seu sobrinho, que também foi seu fiador na obra dos retábulos da Misericórdia de
Caminha; e, Manuel Machado, seu genro e que o substituiu nas obras da Misericórdia
de Ponte de Lima. “Miguel Coelho é um nome cimeiro das elites artísticas inólito pela
qualidade, diversidade e quantidade de obra produzida. Insólito também pelo tempo em
que se manteve activo. Morre em 1743 com 71 anos, morre pobre, em Ponte de Lima

737
SMITH, C. Robert, Frei José de Santo Antonio Ferreira Vilaça, p. p. 521-522.
738
OLIVEIRA, Eduardo Pires de, André Soares e o rococó do Minho, Tese de Doutoramento apresentada
a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2011. Ver também, CARDONA, Paula Cristina
Machado, ‘Miguel Coelho: um insólito artista da talha dourada’, publicado em Revista da Faculdade de
letras. Ciências e Técnicas do Património, Porto, vol. IX-XI, 2010-2012, p. 418-438. Disponivel em:
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/11406.pdf.
383

onde é sepultado”739.Coimbra sempre foi reconhecida pela produção escultórica em


pedra, particularmente a de Ançã, de fins do gótico (segunda metade do século XV) e
dos séculos XVI e XVII, com os três escultores franceses em atividade na cidade:
Nicolau de Chanterene, João de Ruão, Odarte (Hodart), já vistos no início deste
capítulo. A grande proliferação de artistas franceses em Portugal neste período fez com
que o especialista, também francês, Germain Bazin fizesse a seguinte observação: “[…]
na pessoa de Nicolau de Chanterene, a França perdeu em proveito de Portugal um de
seus melhores artistas, não apresentando nenhum do mesmo valor sob o reinado de
Francisco I. Outro francês, Hodart, é um paradoxo, como, na Espanha, Juan de Juni,
pois a França não apresenta e jamais apresentará algo que se aproxime desse
expressionismo; os instintos barrocos dos artistas franceses não podem libertar-se
senão fora da França ou em caráter excepcional? E, finaliza, bem longe de ter o talento
de Nicolau Chanterene, João de Rouen, o terceiro escultor francês da escola de
Coimbra contribui para dotar Portugal de figuras do novo estilo, talhadas em pedra,
porém, de tipo mais banal. Esses três deixam atrás de si uma escola indígena cujos
membros voltam-se prontamente para os caracteres autóctones [...]”740.

Fig. 96 – Apostolo, Ceia de Cristo, Hodart, 1530, barro, Museu


Nacional Machado de Castro.

O escultor Manuel da Rocha, segundo Nogueira Gonçalves, formou-se


provavelmente na Espanha, mais precisamente na região de Valladolid, de onde trouxe
certas características, diríamos os panos armados da Nossa Senhora da Apresentação
passível de encontrar nas obras dos carmelitas Descalços de Ávila (Santa Teresa) e
ainda no Convento da Encarnação de Madrid, da lavra de Gregório Fernández. Porém o
seu “estilo [é] solidário com a tradição portuguesa, menos dramatizante do que a

739
CARDONA, Paula Cristina Machado, ‘Miguel Coelho: um insólito artista da talha dourada’,
publicado em Revista da Faculdade de letras. Ciências e Técnicas do Património, Porto, vol. IX-XI,
2010-2012, p. 418-438, p. 433. Disponivel em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/11406.pdf.
740
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura… op. cit., p. 20-21.
384

espanhola”. Oriundo da região portuense, foi para Coimbra, já artista formado, procurar
trabalho nas obras do colégio universitário, onde exerceu a sua atividade na segunda
metade do século XVII741.

Fig. 97 – Altar da Virgem, entre Nossa Senhora da Apresentação e Nossa Senhora da


Conceição, Manuel da Rocha, 1530, Museu Nacional Machado de Castro. Nossa Senhora da
Conceição, Gregório Fernández, Mosteiro da Encarnação, Madrid.

Tem um bom número de obras a ele atribuídas nas principais igrejas e museus da
cidade de Coimbra: Sé Nova, capela da Virgem, capela de Santo Antônio, ambos da
segunda metade do século XVII. No Museu Nacional Machado de Castro está o
retábulo de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, 1647-1676, proveniente do
Mosteiro de Santa Clara e a escultura de Nossa Senhora da Apresentação,
provavelmente do terceiro quartel do século XVII. Segundo o Museu, são duas obras
que emanam “religiosidade, reforçada pela delicadeza dos rostos das crianças que as
acompanham, espelha a arte nacional deste período”742.
Quanto ao francês Claude Joseph Courrat Laprade (1682-1738) foi, sem dúvida,
a grande personalidade de fins do século XVII e princípios do XVIII, dado a conhecer
em primeira mão por Ayres de Carvalho743. “É tido como o mais notável escultor
estrangeiro que trabalhou em Coimbra depois da Renascença744. Chegou a Portugal
muito jovem, colaborou em diversas obras, desde a reforma da Universidade de
Coimbra, levada a cabo pelo reitor Nuno da Silva Teles, até a confecção das estátuas

741
GONÇALVES, António Nogueira, Manuel da Rocha… op. cit.
742
Texto Escultura, Museu Nacional Machado de Castro. Disponível em:
http://www.museumachadocastro.pt/pt-PT/coleccoes/ContentDetail.aspx?id=615
743
CARVALHO, Ayres de, D. João V e a arte do seu tempo, vol. II, Lisboa, 1962, p. 205-241.
744
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo III, p. 184.
385

alegóricas para as cadeiras dos professores. Obra de maior peso foi o Pórtico na Via
Latina, no Paço das escolas, no qual introduz motivos ornamentais do barroco francês.
Em 1703, fixa-se em Lisboa, com oficina na freguesia do Sacramento e se casa
com Joanna Gaubert. Realiza inúmeras obras em talha para igrejas nacionais, em
colaboração com outros mestres trabalhando sempre nas figuras alegóricas e nos
detalhes dos altares, tais como: os Atlantes do altar-mor de Nossa Senhora da Piedade
em São Roque (1705). Colabora com Domingos Pacheco no altar-mor da igreja da Pena
(1714 e 1715). Na confecção de esculturas devocionais, executa para o altar-mor da Sé
do Porto, as imagens de São João Nepomuceno, São Basílio, São Bento, São Bernardo
(1729) e um pouco antes, por encomenda do cabido para os retábulos laterais da Sé de
Viseu as imagens de São Pedro e de São João Baptista e Santana (1723). Esta última,
atualmente, no Museu Grão Vasco, foi executada para o altar de Santa Ana, “[…] mas
que já em 1758 tinha sido apeada e substituída, em virtude da alteração da invocação
do altar para Nossa Senhora do Rosário. A Santa Ana e a Virgem é uma escultura de
vulto a três quartos, escavada no verso, conjunto destinado a ser observado de um
ponto de vista único e frontal, como acontece com numerosa imaginária de altar, em
que o trabalho de acabamento posterior é muito mais sintético. Os numerosos
drapeados das vestes, plissados e curvilíneos, surgem 'animados' de movimento,
reforçado pela inclinação da cabeça da santa e o texto das
Escrituras, colocado diagonalmente sobre a perna
esquerda”745.

Fig. 98 – Santana Mestra, Claude Laprade, 1723, Museu Grão Vasco.

A escultura na cidade de Évora apresenta uma grande


diversidade de tipologias concernente a imaginária devocional, a
partir dos encomendantes das diversas instituições religiosas ali
fixadas, sem elaborar uma tipologia que pudesse ser chamada de
eborense. Sofre, portanto, influências diretas das outras regiões, principalmente de
Lisboa, pela proximidade e pela facilidade de comércio. São testemunhas disso as belas
imagens dos santos franciscanos do altar-mor da igreja de São Francisco e a excepcional
Nossa Senhora das Dores, do coro alto da Catedral, que podem ser lisboetas.

745
Informação disponível no site do Museu Grão Vasco. Disponível em
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=207398
386

Porém, observando os três monumentos carmelitas da cidade (igreja de ordem


primeira dos Calçados e Descalços e de ordem segunda dos Calçados), verifica-se que
eles apresentam um belo conjunto de imagens de excelente qualidade, que acompanham
a talha dos respectivos altares e suas tipologias estilísticas. Na igreja dos Calçados,
podem-se apontar as duas imagens do altar dos terceiros, de excelente fatura, assim
como um excepcional grupo do Calvário de um dos altares laterais, peças de vestir de
épocas diversas, e um Cristo já Morto, de ar ingênuo e excepcional desenho. Enquanto,
na igreja dos Descalços, com talha da segunda metade do século XVIII, figuram santos
imponentes e expressivos, porém, com características mais padronizadas e de pouca
expressão.

Fig. 99 – Calvário,
detalhe do Senhor Morto,
Igreja do Carmo, Évora.

Alguns Crucificados chamam a atenção, desde o da Sé, do escultor lisboeta


Manuel Dias746, que veremos em detalhe no último capítulo, e ainda, o imponente
Senhor Jesus dos Aflitos, da Capela de Nossa Senhora da Boa Morte da Catedral, que
segundo Túlio Espanca é uma imagem hierática, gótica, foi uma encomenda do bispo
cardeal, o infante D. Afonso, de cerca de 1530747; assim como o que figura no acervo do
Museu da própria Sé, já da segunda metade do século XVIII, que exibe uma acentuada
torção do tórax, grande sofrimento, parecendo querer arrancar-se da cruz.

746
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évora…, op. cit., p. 31.
747
Idem, ibidem, p. 33-34.
387

Fig. 100 – Cristo Crucificado, da atual capela de Nossa Senhora da Boa Morte (Senhor Jesus
dos Aflitos) e exposto no Museu, Sé, Évora.

Quanto ao sul do país, mais precisamente a região do Algarve, os inventários das


obras escultóricas estão prontos, graças ao projeto de Francisco Lameira e de sua
equipe. Nomes e obras foram identificados, tais como o do escultor e entalhador Manuel
Martins, autor dos sete Cristos da Igreja do Carmo do Faro, que serão analisados
acuradamente mais adiante neste capítulo. Embora não seja este um
dos nossos objetivos, conseguimos perceber uma boa quantidade de
imagens do Senhor Morto, a partir do simples folhear dos volumes.
São peças de fatura rústica, alongadas, cabeleiras expressivas,
algumas ainda à maneira dos Cristos medievais, sem nenhum senso
de naturalidade. Apesar de deitados, alguns apresentam perizônios de
caimento fictício. Braços e pernas maioritariamente paralelos.

Fig. 101 – Senhor Morto, Igreja do Carmo, Tavira.


(Fonte: LAMEIRA, Francisco, Inventário… )

Para finalizar, citamos o escultor Jacinto Vieira, mencionado, pela primeira vez,
pelo historiador Reynaldo dos Santos. Nos últimos anos, tornou-se assunto destacado de
Susana Costa Saldanha748. Foi um especialista no desbaste da pedra, esculpiu santos

748
SALDANHA, Susana Costa, ‘De “singular idea, e engenho”: Novos dados sobre o escultor
setecentista Jacinto Vieira’, publicado em Revista Museu, IV Série, nº 21, 2014, p. 43-60. Disponível em
388

para fachadas (Mosteiros de Santo Tirso de Riba de Ave e São Bento da Vitória no
Porto) e interiores, com destaque para o impressionante conjunto de monjas e santos,
que figuram na nave da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Arouca, incluindo uma
belíssima Anunciação. Em Portugal, só conhecemos suas obras em pedra (de Ançã), da
qual consegue tirar o melhor, incorporando espírito à fria matéria. Quando esteve fora
do país, produziu três baixos-relevos em madeira policromada, com episódios da vida
de Santo Inácio de Loyola, na Espanha, onde recebe a alcunha de ‘eminente escultor e
arquitecto português’749.

Concluindo, Portugal possui um excelente acervo de esculturas devocionais, que


está à espera de estudos detalhados. Isso torna impossível resumir tipologicamente, a
partir de escolas regionais e de técnicas específicas. É necessário um trabalho árduo de
catalogação das obras nas igrejas de cada região, além de um acurado trabalho de
pesquisa arquivística e de um estudo comparativo, a fim de se indicarem novos
caminhos, para surgirem nomes e novas atribuições, e também, acrescentarem novas
informações às já conhecidas. Não temos dúvidas de que muitos nomes estão perdidos
no conjunto excepcional de obras escultóricas que povoam, ainda e apesar de tudo, as
igrejas do país.

5.2 Escultura devocional nos séculos XVII e XVIII no Brasil

Até meados do século XVIII, o Brasil só conheceu a escultura que estava nos
altares das suas igrejas, isto é, esculturas devocionais, representando santidades às quais
a população recorria em momentos de aflição. Introduzida pelos colonizadores,
diretamente do Reino, a “exploração da Terra de Santa Cruz fez-se sob a égide do
Calendário Litúrgico, cuja sucessão de santos cotidianos determinou a denominação
dos acidentes geográficos ao longo da costa, aninhando-se as povoações incipientes
invariavelmente em volta de uma capela dedicada ao santo padroeiro, ao Senhor Bom
Jesus ou à Virgem Maria em diversificadas invocações”750.
Essas esculturas devocionais se enquadraram nas três fases estilísticas reinantes
em Portugal para o período, definindo, sucessivamente, uma fase maneirista ou

http://www.academia.edu/12672312/2014-e_singular_idea_e_engenho_Novos_dados_sobre_o_escultor
_setecentista_Jacinto_Vieira
749
SALDANHA, Susana Costa, ‘De “singular… op. cit., p. 53.
750
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa no Brasil’, publicado em Mostra do
redescobrimento, módulo Barroco, São Paulo, Bienal de São Paulo, 2000, p. 47.
389

protobarroca, no século XVII e décadas iniciais do XVIII, uma fase barroca


propriamente dita, entre 1720 e 1770, aproximadamente, compreendendo o nacional e o
joanino, e um período rococó de 1770 em diante, que se prolongou até princípios do
século XIX, em diversas regiões.
As primeiras esculturas chegaram da Metrópole, pelas mãos dos colonizadores.
E assim que começou a fixação da população em vilas, com suas instalações
eclesiásticas, incluindo as ordens religiosas, surgem também as primeiras obras
confeccionadas em território brasileiro, advindas das oficinas conventuais. A primeira
matéria-prima utilizada foi o barro cozido, material facilmente encontrado em todo o
território e um dos poucos manuseados pelos nativos brasileiros. A pedra só foi
apreciada tardiamente e em menor escala. No entanto, houve exceções, como a região
da Paraíba, com o excepcional exemplo da Igreja conventual do Carmo de João Pessoa
e da Nossa Senhora da Guia, de Lucena, estudados no capítulo III. Na arquitetura, a
pedra terá uma função estrutural, além de aparecer também nas fachadas, substituindo
os umbrais de madeira de portas e janelas, assim como em tarjas ou ainda em tímidos
nichos, quase sempre vazios. O desenvolvimento de exuberantes portadas é um evento
típico da segunda metade do século XVIII, na região das Minas, talvez, influenciado
pela importação das obras em lioz do Reino, como as portadas da Igreja da Ordem
Terceira do Carmo do Rio de Janeiro, em 1760, e do Carmo de Belém do Pará, para só
citar as igrejas estudadas nesta tese.
Quanto aos estudos sobre a escultura devocional/litúrgica no Brasil, a escassez é
a mesma de Portugal. Desde o trabalho monográfico e pioneiro de Germain Bazin,
Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil751, tivemos algumas publicações específicas
do médico e apaixonado por nossa imaginária, Eduardo Etzel752. O estudo mais
relevante, no entanto, foi efetuado por Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira como tema
central da Mostra do Redescobrimento, que homenageava os 500 anos do
descobrimento do Brasil. O módulo de arte barroca dedicou-se exclusivamente às
esculturas devocionais. O texto do catálogo faz um apanhado histórico da nossa imagem
devocional, desde as origens, passando pelas oficinas conventuais no século XVII, até o
desenvolvimento das escolas regionais (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco,
Maranhão e Bahia) do século XVIII, já sob a responsabilidade de profissionais leigos, a

751
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura... op. cit..
752
ETZEL, Eduardo, Imagem sacra brasileira, São Paulo, Melhoramentos / EDUSP, 1979, e, Arte sacra
berço da arte brasileira, São Paulo, Melhoramentos, 1984.
390

partir de encomendas de irmandades e de ordens terceiras. Esse texto é, portanto, a base


do resumo que se apresenta a seguir, introduzindo o estudo específico dos Cristos
esculpidos para as Ordens Terceiras do Carmo, objetivo desta tese.
Trata-se, portanto, de esculturas produzidas pelas oficinas conventuais de
jesuítas, franciscanos, carmelitas e beneditinos, no século XVII. Submetidas a padrões
estéticos e iconográficos pré-estabelecidos pelas Ordens, são maioritariamente
esculturas de “grandes proporções, posturas hieráticas, contenção de formas e
expressões severas, repetindo com poucas diferenças os tipos portugueses usados como
modelos”753.
As obras referenciais sobre as ordens religiosas no Brasil foram publicadas
originalmente por religiosos das próprias instituições. Assim temos, para a Ordem
beneditina, os livros de Dom Clemente da Silva Nigra754, para os franciscanos, os
levantamentos históricos feitos, entre outros, pelo Frei Basílio Rower755 e, para os
jesuítas, a História da Companhia de Jesus no Brasil, do Padre Serafim Leite756.
Infelizmente, os Carmelitas não contaram com um pesquisador que abarcasse todo o
território brasileiro, e talvez, por esse motivo, seja a ordem menos estudada até o
momento. Sobre os carmelitas, existem as publicações do Frei André Prat, com o livro
sobre as missões do norte, estudo relevante, apesar da restrição geográfica 757. Do
mesmo autor, é possível encontrar apontamentos manuscritos, conservados nas pastas
arquivísticas dos monumentos carmelitas, no Arquivo central do IPHAN, no Rio de
Janeiro758.
Tal qual ocorreu em Portugal, no Brasil, o século XVIII será dedicado aos
monumentos e obras encomendadas pelos leigos, a artífices também leigos,
possibilitando, dessa maneira, segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o

753
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit..
754
SILVA-NIGRA, O.S.B., dom Clemente da, Os dois escultores frei Agostinho da Piedade – frei
Agostinho de Jesus e o arquiteto frei Macário de São João, Salvador, Universidade Federal da Bahia,
1971. E ainda, SILVA-NIGRA, O.S.B., Dom Clemente da, ‘Escultura colonial no Brasil’, publicado em
ARAÚJO, Emanoel, O universo mágico do barroco brasileiro, São Paulo, Fiesp, 1998.
755
RÖWER, O.F.M. frei Basílio, Páginas da história franciscana … op. cit..
756
LEITE, Padre Serafim, S. J. (1880-1969), História da Companhia de Jesus no Brasil, Lisboa/Rio de
Janeiro, Portugália/Civilização Brasileira, 1938-50, 10 v. Edições recentes: LEITE, Serafim, História da
Companhia de Jesus no Brasil, São Paulo, Loyola, 2004, e uma reedição fac-similar, publicada pela
Itatiaia Editora em 2006.
757
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas sobre as missões carmelitas… op. cit.
758
Esses apontamentos faziam parte de um manuscrito único, que foi desmembrado e disponibilizado nas
pastas relativas a cada monumento, segundo a narrativa do escritor Mario de Andrade, que teve acesso ao
conjunto do manuscrito quando ainda estava íntegro, por ocasião de sua pesquisa sobre o pintor Jesuíno
do Monte Carmelo, conforme relata na sua obra. Ver: ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte…,
op. cit.
391

desenvolvimento de escolas regionais: baiana (Bahia e Sergipe), pernambucana


(Pernambuco, Paraíba e Alagoas), carioca (Rio de Janeiro), maranhense e paraense
(Maranhão e Grão-Pará) e por último, a mineira (Minas Gerais). Acrescentaríamos a
introdução de uma possível escola na região de São Paulo, iniciada com a escultura
bandeirante, culminando com as chamadas ‘paulistinhas’, já em pleno século XIX.
Seguindo a publicação de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o estudo das
esculturas devocionais no Brasil teve um grande desenvolvimento a partir do trabalho
realizado pelo IPHAN, na década de 90 do século passado, de inventariar o acervo
religioso dos monumentos tombados do território nacional. Algumas regiões, após a
catalogação e os levantamentos básicos da documentação, publicaram estudos e textos
em anais de seminários e congressos. Em duas delas, saíram livros de referência,
desenvolvidos por seus especialistas. Assim surgiram as publicações sobre Minas
Gerais e Maranhão759.
Segundo Frei Agostinho de Santa Maria, as primeiras esculturas devocionais que
chegaram eram encomendadas em Lisboa, “por se obrarem naquela cidade com muita
perfeição”760. Dentre as pouquíssimas esculturas devocionais do século XVI
encontradas ainda em território brasileiro, está a “Nossa Senhora das Maravilhas,
doada por dom João III à recém-fundada cidade de Salvador pelos idos de 1550”761.
Atualmente, localiza-se no acervo do Museu de Arte Sacra da Bahia, juntamente com
uma Nossa Senhora de Guadalupe, um pouco mais tardia. Ambas receberam
revestimentos de prata no século XVII.

759
Iniciados em 1986 por Minas Gerais, com o apoio da Fundação Vitae, os inventários estenderam-se
aos estados do Maranhão, da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Para o Maranhão, ver BOGÉA,
Kátia Santos; RIBEIRO, Emanuela Sousa e BRITO, Stela Regina Soares, Olhos da alma. Escola
maranhense de imaginária, São Luís, 2002. E, para Minas Gerais, ver a obra coordenada por COELHO,
Beatriz Ramos de Vasconcelos (org.), Devoção e arte: imaginária religiosa em Minas Gerais, São Paulo,
EDUSP, 2005. Quanto aos artigos, ver principalmente os publicados na Revista IMAGEM do Ceib
(Centro de estudos da imaginária brasileira), passando por análise formal, iconográfica e intervenções de
conservação e restauro.
760
SANTA MARIA, Frei Agostinho, Santuario Mariano, e historia das imagens milagrosas de Nossa
Senhora. E das milagrosamente aparecidas, em graça dos pregadores e dos devotos da mesma Senhora.
Tomo Primeiro, que compreende as imagens de Nossa Senhora, que se veneram na corte, e cidade de
Lisboa, que consagra, oferece e dedica à soberana imperatriz da glória Maria Santíssima debaixo do seu
milagroso título de Copacabana, Fr. Agostinho de Santa Maria, exdefinidor geral da Congregação dos
Agostinhos Descalços deste Reyno, & natural da Vila de Estremoz, Lisboa, Na oficina de Antonio
Pedrozo Galrão, 1707. A obra toda comporta 12 volumes, começa com Lisboa, percorre todo o território
português e parte das colônias. Disponível em: https://archive.org/details/santuariomariano01sant. O
volume relativo ao estado do Rio de Janeiro foi recentemente reeditado: Rio de Janeiro, INEPAC, 2005.
761
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit, p. 47.
392

Fig. 102 – Nossa Senhora da Conceição,


João Gonçalo Fernandes, originaria da Matriz de
São Vicente, hoje no Museu de Arte Sacra, Santos,
São Paulo; e, Nossa Senhora das Maravilhas,
Museu de Arte Sacra, Salvador, Bahia.

Ainda do século XVI, são as imagens da


Virgem com o Menino e a Nossa Senhora da Conceição das
Matrizes de Itanhaém e São Vicente, no estado de São Paulo, tradicionalmente
atribuídas ao português João Gonçalo Fernandes, juntamente com um Santo Antônio, da
mesma Igreja de São Vicente762. Essas Virgens foram consideradas por Myriam
Andrade Ribeiro de Oliveira “as primeiras imagens autenticamente ‘nacionais’ de
nossa história”, isto porque, incorporaram características do tipo mameluco local:
proporções atarracadas, rostos roliços e panejamento colado ao corpo763. E,
possivelmente, a da Matriz de Itanhaém, possa ter servido de cabeça de série para uma
tipologia de imagens da Virgem, desenvolvida nesta região, no século XVII,
“apresentando soluções semelhantes de postura, cabeleira solta nos ombros e base
trabalhada em composição ternária de querubins”764.
Do século XVII, vem uma boa parte das imagens que se encontram nas
fundações dos Jesuítas no litoral do Brasil, desde Belém do Pará, passando pelo
nordeste e sudeste, chegando às Reduções, no extremo sul do atual Brasil, fronteira com
Paraguai, Uruguai e Argentina. Para Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, “[…] é fácil
compreender o ar de família e a relativa uniformidade estilística que caracteriza as
imagens das fundações e uma mesma ordem religiosa, mesmo separadas por grandes
distâncias em pontos diferentes do território brasileiro”765.
De origem portuguesa são certamente as esculturas que restaram nos retábulos
da antiga igreja de Santo Inácio do Rio de Janeiro e que hoje se encontram na Igreja de
Nossa Senhora do Bonsucesso: Santo Inácio e São Francisco Xavier, com posturas
muito similares, panejamento de caimento reto com pregueado fino. Assim também o

762
ETZEL, Eduardo, Arte sacra, berço da arte.. op. cit. p. 22.
763
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 47-48.
764
Idem, ibidem, p. 99.
765
Idem, ibidem, p. 48.
393

excepcional São Lourenço, do primitivo aldeamento de São Lourenço dos Índios de


Niterói. Essa escultura, num primeiro momento, foi considerada por Germain Bazin
uma das obras-primas da escultura seiscentista brasileira. “Será preciso ver uma
produção do ‘atelier’ do Colégio do Rio de Janeiro na belíssima estátua de São
Lourenço, [...] é uma das obras primas da arte lusitana do século XVII; o corpo
mergulhado na capa do diácono é bastante banal, porém, a cabeça, [...] deixa ver uma
liberdade de volumes, uma expressão de máscula autoridade que evoca certas obras da
Renascença italiana na primeira metade do século XV. [...] Mas será talvez portuguesa
esta estátua de São Lourenço?766

Fig. 103 – São Lourenço, Capela de São Lourenço dos Índios,


Niterói, Rio de Janeiro.

O padre Serafim Leite resumiu, em uma obra, a


totalidade de nomes de artistas e artífices mencionados na
documentação pesquisada. Destacam-se os nomes do padre
João Correia, natural da cidade do Porto, do entalhador
também português Manuel Manços, autor do retábulo
principal da antiga igreja do colégio do Rio de Janeiro, de Manuel João, que executou
obras para a antiga igreja jesuíta de Belém, e ainda do padre austríaco João Xavier
Traer, que treinou indígenas, assim como de seu conterrâneo Antônio Sepp von
Rechegg, nas missões do Rio Grande do Sul. Ainda são conhecidos dois destes índios,
Manuel Ângelo e Faustino, que colaboraram na obra dos púlpitos da Igreja de São
Francisco Xavier, em Belém do Pará767.
As esculturas devocionais jesuítas têm uma característica marcante: refletem a
forma do suporte, isto é, são confeccionadas deixando-se à mostra a forma dos troncos
cilíndricos de madeira, à maneira de Miguel Ângelo com o bloco de mármore. A
escultura encaixa-se nos limites da tora de madeira, sem emendas ou contornos
salientes. Vale lembrar a forte influência espanhola nas missões do sul, mas também nas
obras da companhia, principalmente no século XVII. No século XVIII, já se percebe a
incorporação de outros modelos e de novos valores estéticos, alguns da própria cultura

766
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura... op. cit., p. 44.
767
LEITE, Serafim, Artes e ofícios dos jesuítas no Brasil (1549-1760), Lisboa, Brotéria, 1953.
394

guarani. Como vimos acima, foi comum a presença de jesuítas de diferentes


nacionalidades no Brasil, entre eles, o italiano José Brasanelli e o austríaco Antônio
Sepp von Rechegg. Este último tem uma interessante obra que descreve, através de
cartas, as suas experiências nas missões768. Segundo testemunho do próprio padre Sepp,
os índios guaranis tinham “[…] olhos de lince [...] para a imitação. Não precisam
absolutamente de mestre nenhum, nem de dirigente que lhes indique e os esclareça
sobre as regras das proporções. Se lhes puseres nas mãos alguma figura ou desenho,
verás daí a pouco executada uma obra de arte, como na Europa não pode haver igual
[...]”769.

Fig. 104 – São José, Museu das Missões, São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil.

Quanto à ordem beneditina, possui o maior número de


artífices identificados, graças às pesquisas desenvolvidas por Dom
Clemente da Silva-Nigra, monge no convento do Rio de Janeiro
em princípios do século XX e responsável pela biblioteca do
Mosteiro. Os nomes desvendados pelo religioso foram: Frei
Agostinho da Piedade (1580-1661), Frei Agostinho de Jesus
(1610-1661) e Frei Domingos da Conceição da Silva (1643-1718).
Tradicionalmente a ordem utilizou o barro cozido como principal
suporte para as suas obras. Frei Domingos da Conceição da Silva foge à regra e utiliza a
madeira como matéria-prima para as suas peças. Os três possuem obras representativas
nos mosteiros de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.

768
SEPP, S.J., padre Antônio, Viagem às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos, Belo Horizonte/São
Paulo, Itatiaia/ Edusp, 1980. (primeira edição 17xx) Livro publicado a partir de cartas escritas pelo
religioso: As cartas escritas pelo padre Antônio Sepp em 1691 e dirigidas, em grande parte, a seu irmão
Gabriel von und zu Rechegg, escritas tanto em latim, a língua utilizada pela Companhia, como em
alemão, sua língua materna, constituem o mais antigo documento escrito sobre as reduções ao longo do
rio Uruguai e, consequentemente, sobre parte do atual Rio Grande do Sul. Intitulado Viagem às Missões
Jesuíticas (tradução) e tendo sido editado em 1698, o livro reunindo parte deste material continha, na
edição inicial publicada pelo irmão, apenas cinco cartas. Para maiores informações, ver: LARA, Carlos,
‘As Cartas do Padre Antônio Sepp SJ’, publicado em Revista Latino-Americana de História, Vol. 3, nº.
10, Agosto de 2014 © by PPGH-UNISINOS. Disponível em:
http://www.academia.edu/8126883/As_Cartas_do_Padre_Ant%C3%B4nio_Sepp_SJ
769
SEPP, S.J., padre Antônio, Viagem … op. cit., p. 225-226.
395

Frei Agostinho da Piedade chegou ao Brasil ainda jovem, com presença


documentada entre 1619 e 1661, ano de seu falecimento770. Deixou três obras
‘assinadas’ e datadas, atitude pouco usual para o período. São elas: Nossa Senhora de
Monteserrate, padroeira da ordem beneditina, datada de 1636, que inclui o nome do
encomendante771, a Santana Mestra e um Menino Jesus. As duas primeiras se encontram
atualmente no Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia. A Virgem de
Monserrate está sentada com o menino Jesus no colo e uma deliciosa representação da
Serra de Montesserate sendo literalmente identificada pela ferramenta ‘serra’ na mão de
dois anjos, na base da obra772. A terceira peça é conhecida como Menino Jesus de
Olinda, pertencente ao Mosteiro de São Bento, e tem o Menino sentado sobre um
coração em chamas.
Fig. 105 – Nossa Senhora de Monserrate, detalhe,
Frei Agostinho da Piedade, Museu de Arte Sacra, Salvador,
Bahia.

Com base nessas três obras assinadas, Dom


Clemente da Silva Nigra, atribuiu-lhe a série de bustos-relicários, de propriedade da
Ordem Beneditina, de Salvador. Após 1642, não há mais registro de obras do escultor
para o Mosteiro, pois teria abandonado sua arte, “cumprindo ordem de seus
superiores”, para administrar a fazenda beneditina de Itapoã e em seguida servir como
capelão da Igreja da Graça, em Salvador773.

Fig. 106 – Bustos relicários, Museu de


Arte Sacra, Salvador, Bahia.

770
O nome de Frei Agostinho da Piedade aparece sob forma de assinatura no Livro velho do Tombo do
mosteiro da Bahia, nos dias 17 de maio de 1620; 16 de dezembro de 1634 e dias 9 e 17 de abril de 1636.
As crônicas são mudas quanto ao seu talento de escultor, mas ele assinou três estátuas. As pacientes
pesquisas feitas por Dom Clemente nos catálogos do mosteiro desde 1575, data da chegada dos
beneditinos à Bahia, não tendo encontrado nenhum outro monge com este nome, permitiram-lhe concluir
pela identidade entre o signatário das três esculturas e o capelão de Nossa Senhora da Graça, morto em
1661 – tanto mais que o misticismo desse padre um pouco inocente não deixa de corresponder ao
espírito dessas obras. BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura…, op. cit., p. 33.
771
‘Frei Agostinho da Piedade religioso sacerdote de são bento fez esta imagem de nossa senhora por
mandato do mui devoto Diogo de Sandoval e fê-la por sua devoção 1636’. Idem, ibidem, p. 33.
772
Idem, ibidem, p. 33.
773
SILVA NIGRA, O.S.B. dom Clemente da, Frei Domingos da Conceição – O escultor seiscentista do
Rio de Janeiro, Salvador, Tipografia Beneditina. 1950. E SILVA-NIGRA, O.S.B., dom Clemente da, Os
dois escultores frei Agostinho … op. cit., p. 17; e ainda ‘Escultura colonial no Brasil’, publicado em
ARAÚJO, Emanoel, O universo… op. cit.
396

Frei Agostinho de Jesus, possivelmente discípulo do primeiro, nasceu no Rio de


Janeiro. Esteve no Mosteiro de São Bento da Bahia, onde professou seus votos.
Posteriormente, viajou para Portugal, onde se ordenou por volta de 1630. Existem
diferenças estilísticas na obra dos dois Agostinhos, “[…] as imagens de frei Agostinho
da Piedade caracterizam-se por um pronunciado arcaísmo, de tradição ainda
renascentista. Os corpos são estruturados em cânones geométricos depurados, e os
rostos, de grande nobreza, refletem profunda espiritualidade e paz interior –
espiritualidade essa toda feita de introspeção e silêncio, como bem convém a um monge
contemplativo, que tem no encontro com Deus pela oração seu objetivo maior774.
Enquanto as de Agostinho de Jesus apresentam um ar de doçura, nas formas roliças e
espírito ingénuo775.
Foi o responsável por um grande número de obras para as fundações beneditinas
de São Paulo, de onde irradiou uma escola de barro cozido, conhecida como imaginária
bandeirante. Entre as obras, estão: São Bernardo (c. 1650), Santo Amaro, São Bento e
Santa Escolástica para o Mosteiro de São Paulo; Nossa Senhora da Purificação, do
Mosteiro da região de Parnaíba, hoje no Museu de Arte Sacra de São Paulo776.
Para a Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, a evolução destas esculturas em
barro cozido pelos mosteiros paulistas “por mais de um século em circuito fechado
favoreceu inegavelmente a criatividade dos barristas de São Paulo, que introduziram
precocemente na imaginária religiosa brasileira valores expressivos e estéticos de
cunho marcadamente regional, conferindo-lhe uma originalidade própria, aspecto que
só se tornaria uma constante nas demais regiões a partir de meados do século
XVIII”777.
E finalmente, o português Frei Domingos da Conceição da Silva, natural de
Matozinhos, na periferia da cidade do Porto. Aparece na documentação a partir de 1669,
trabalhando no Mosteiro de São Bento, da cidade do Rio de Janeiro. Faz obras de
entalhe e esculpe figuras para a talha da nave, sob a direção do arquiteto Frei Bernardo

774
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 50.
775
SCHUNK, Rafael, Frei Agostinho de Jesus e as tradições da imaginária colonial brasileira, séculos
XVI e XVII, São Paulo, Cultura Academica/ editora UNESP, 2013. E as obras de referencia tradicionais,
sobre a escultura paulista: LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira, A imaginária paulista: esculturas, São
Paulo, Pinacoteca do Estado, 1999; e, LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira, Escultura colonial brasileira:
panorama da imaginária paulista no século XVII, São Paulo, livraria Kosmos, 1979.
776
PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imáginaria retabular colonial em São Paulo, estudos
iconográficos, São Paulo, 2015, Tese (Doutorado em Artes Visuais), Universidade Estadual Paulista,
Orientador: Professor Dr. Percival Tirapele.
777
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 51.
397

de São Bento, que estava remodelando a igreja conventual. Torna-se religioso apenas
em 1690, quando fica viúvo, casa a única filha e morre em 1717.

Fig. 107 – Nossa Senhora de Monserrate, Frei Domingos da


Conceição, Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro.

Fig. 108 – Anjo Tocheiro,


Simão da Cunha, Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro.

Algumas esculturas possuem documentação


comprobatória, como a Nossa Senhora de Monserrate e os santos fundadores, São
Bento e Santa Escolástica, do altar-mor da igreja conventual do Rio de Janeiro, além de
um Cristo Crucificado, situado no coro dos monges. “Estas imagens são de excepcional
qualidade e refletem, em versão barroca, o mesmo tipo de espiritualidade concentrada,
próprio da ordem beneditina. Os corpos são robustos, as proporções atarracadas e o
panejamento de pregas miúdas tratado com grande sensibilidade”778. Ainda da sua
fatura são outros dois Crucificados, identificados por Dom Clemente da Silva Nigra,
nos mosteiros do Rio de Janeiro e de Olinda, que, em termos estilísticos, não
apresentam o mesmo vigor do Crucificado do coro do Rio de Janeiro. No século XVIII,
aparecerá um novo escultor envolvido nas obras do Mosteiro Beneditino do Rio de
Janeiro, o escultor leigo Simão da Cunha, autor dos dois exuberantes anjos tocheiros,
posicionados na entrada da capela-mor do Mosteiro do Rio de Janeiro e que serão
analisados mais adiante, no item referente aos artistas leigos e às escolas regionais.
No texto do catálogo da Bienal, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira chama a
atenção para o caráter popular das esculturas das oficinas franciscanas e carmelitas
assim como para o forte apelo emocional, características que se enquadram na
espiritualidade destas duas ordens, principalmente a dos franciscanos, que tem um
profundo envolvimento com as populações locais. Os franciscanos, mais do que os

778
Idem, ibidem, p. 51.
398

carmelitas, estavam presentes nas atividades diárias: recolhendo esmolas; “fazendo


visitas aos moradores, à mesa dos quais sentavam-se com frequência; benzendo
oratórios e santos domésticos; catequizando e ensinando as primeiras letras, sobretudo
aos pobres das áreas rurais; confessando; prestando assistência espiritual aos
enfermos e moribundos; atuando como capelães em fortalezas e santas casas de
misericórdia; acompanhando os condenados ao patíbulo”779. Já os carmelitas
percorreram caminho similar aos franciscanos, tanto no aspecto do convívio diário com
as populações, quanto com as classes mais abastadas das populações, porém, em menor
número.
O princípio das duas ordens se deu na cidade de Olinda, os carmelitas em 1580,
depois de uma tentativa frustrada na Paraíba, e os franciscanos, em 1585. Expandiram-
se rapidamente, acompanhando os passos da colonização. Também, nessas duas ordens,
é possível constatar a preferência pelo uso do barro cozido, logo nas primeiras
construções e esculturas produzidas neste suporte, como as de São Francisco, Santo
Antônio, Santo Elias e Santo Eliseu.
Mais comum aos franciscanos, as esculturas em barro ainda estão presentes em
boa quantidade dos conventos do litoral (Cabo Frio, Rio de Janeiro e Angra dos Reis).
Em menor número, aparecem também em alguns conventos dos carmelitas (Conventos
de Angra dos Reis, Santos e São Paulo). Da oficina franciscana, Dom Clemente da
Silva-Nigra identificou uma série, que atribuiu a um escultor por
ele denominado de Mestre de Angra a partir da Virgem da
Conceição, do Convento de São Bernardino, de Angra dos Reis,
atualmente conservada na Igreja Matriz. Além desta, atribui-lhe as
imagens-relicários de Santa Inês e Santa Apolônia da Igreja da
Ordem Terceira da Penitência de São Paulo e uma Natividade, na
igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção, da cidade de Cabo
Frio780.

Fig. 109 – Nossa Senhora de Macunaíba, Convento franciscano, Angra


dos Reis, Rio de Janeiro.

779
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 52.
780
Ver principalmente a dissertação de Mestrado de GOMES, Rafael Fontenelle, A imaginária
franciscana na antiga capitania do Rio de Janeiro: elementos para seu estudo, Dissertação de Mestrado
em Artes visuais, orientado pela Dra. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2011. E para a região paulista: PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imáginaria retabular
colonial … op. cit..
399

Com o alvorecer do século XVIII, as oficinas das ordens religiosas perdem


terreno para os artistas leigos, que chegam a partir da descoberta do ouro na região das
Minas. O Rio de Janeiro torna-se a sede do governo, e muitas igrejas são reedificadas ou
remodeladas, como o caso específico da igreja conventual e da dos terceiros do Carmo.
A consequência direta dessas transformações, será “[…] a ascensão dos artistas leigos
de todos os setores ligados à encomenda e à execução de imaginária religiosa,
acentuando as diferenças regionais que levariam à caracterização de escolas
autônomas em pontos diversos do território nacional”781. Portanto, o século XVIII se
tornará o período das associações religiosas, conhecidas pelo nome de confrarias,
irmandades e ordens terceiras, ocasionando a decadência das oficinas conventuais e a
ascensão dos artistas leigos, contratados e pagos pelas Irmandades nas novas igrejas que
se construíam. Essas transformações aceleram o processo evolutivo, levando à
elaboração de uma escultura devocional, que começa a apontar para um caráter nacional
e uma diversificação regional, surgindo então, as já citadas escolas regionais: Bahia,
Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Maranhão.
Na Bahia, a cidade de Salvador, capital do governo até 1763, e centro
administrativo eclesiástico, com o bispado instituído em 1554, se transformará num dos
polos de maior incremento da produção escultórica da época, mantendo-se assim até o
século XIX. A produção é intensa, considerada como produção em série de esculturas
em madeira policromadas, cujos florões multicoloridos são a marca registrada da sua
origem, podendo ser encontradas espalhadas por todo o território brasileiro. “Além do
aspecto exterior colorido e vibrante, as imagens baianas apresentam gestos e atitudes
refinadas e os panejamentos são elaborados com grande sentido erudito, conferindo às
imagens o aspecto suntuoso. Dentre os escultores identificados o de maior projeção foi
Manoel Inácio da Costa (1762-?), com vasta produção que inclui as representações
dramáticas do Cristo da Paixão”782, inclusive os da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo, que serão abordados com maior acuidade no próximo subitem.
Visitando a cidade, em 1839, o pastor Daniel Kidder surpreendeu-se com a
quantidade de fábricas de imagens que ali havia, expondo “santos, crucifixos e objetos

781
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 59.
782
Idem, ibidem, p. 59. Para Bahia, ver principalmente RÉSIMONT, Jacques, ‘Os escultores baianos
Manoel Inácio da Costa e Francisco das Chagas, “o Cabra”’ publicado em Revista BARROCO, Belo
Horizonte, UFMG, 1986-1989.
400

litúrgicos em profusão”783. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, essa


produção em série para venda deixou marcas determinantes na imaginária baiana de
pequeno e médio porte, tais como: repetição de fórmulas e soluções, perda de
expressividade e do requinte técnico, mas também o refinamento dos gestos e atitudes, a
movimentação erudita dos panejamentos e a policromia de cores vivas com douramento
vibrante, de efeito vistoso e atraente784.
Marieta Alves relaciona, em seu Dicionário de Artistas e Artífices na Bahia785,
cerca de vinte escultores ativos em Salvador no século XVIII: Félix Pereira
Guimarães786, Francisco das Chagas787, alcunhado “o Cabra”, artista de fama lendária e
ainda, Manuel Inácio da Costa788, Bento Sabino dos Reis e Domingos Pereira Baião789.
Ainda na região, um pouco mais ao norte, na capitania de Sergipe del Rei, na
margem sul do rio São Francisco, existiu um mestre de nome desconhecido, que deixou
um conjunto de imagens requintadas, já de gosto rococó, chamado provisoriamente de

783
KIDDER, Daniel P, Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, São Paulo, Martins/Edusp,
1972, p. 40.
784
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 61.
785
FLEXOR, Maria Helena Ochi. Autorias e atribuições: a escultura na Bahia dos séculos XVIII e XIX.
Separata de Museu, IV série, 7, 1998. E OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘O Aleijadinho e o
Mestre Valentim’, publicado em ARAÚJO, Emanoel (org.), A Mão Afro-brasileira. Significado da
contribuição artística e histórica, São Paulo, Tenenge, 1988, p. 55-76.
9
LEITE, José Roberto Teixeira, ‘Negros, pardos e mulatos na pintura e na escultura brasileira do século
XVIII’ publicado em ARAÚJO, Emanoel (org.), A mão afro-brasileira..., cit., p.13-54.
786
Félix Pereira Guimarães nasceu e morreu em Salvador (c.1736-1809). Entre as obras que lhe foram
atribuídas documentalmente por Marieta Alves, figuram as imagens de São João Evangelistas e Maria
Madalena, executadas em 1777-78 para a Ordem Terceira do Carmo (não identificados), o São Pedro
esculpido em 1785 para o altar-mor da igreja do mesmo nome e a padroeira da Igreja de Nossa Senhora
da Saúde e Glória, datada de 1791.
787
Francisco das Chagas ganhou fama por ser pardo. Foi contratado, em 1758, pela Ordem Terceira do
Carmo de Salvador para a confecção de três imagens de Passos da Paixão do Cristo, que nunca puderam
ser identificadas, pois desapareceram no incêndio que arrasou a igreja em 1788.
788
Manoel Inácio da Costa nasceu na Vila de Cairu, no sul da Bahia por volta de 1793, e morreu em
Salvador (c. 1763-1857), com mais de 90 anos. No seu inventário declara que era solteiro e que teve três
filhos com Ana Joaquina, também solteira. (Testamento, seção judiciária, capital, 1857, Arquivo público
do Estado da Bahia, 6 fls. Ms.) Na extensa relação de obras que lhe são atribuídas, poucas têm
documentação comprobatória, com certeza é o Cristo Crucificado, da Igreja do Pilar de Salvador, de
1834. Pela análise comparativa, D. Clemente da Silva-Nigra lhe atribuiu os dois Cristos da Paixão do
Museu de Arte Sacra. Podem ser relacionadas como características suas o tratamento vigoroso da
anatomia, com esquematizações ao nível dos ombros de largura excessiva e do abdômen contraído, e o
perizônio de drapeado abundante, com movimento sinuoso. A documentação sobre este artista ver PÊPE,
Suzane de Pinho, ‘O escultor baiano Manuel Inácio da Costa: dados bibliográficos e principais obras
atribuídas’, publicado em Revista Imagem, Belo horizonte, vol. 1, nº 1, 2001, p. 183-189.
789
Manuel Querino credita ao mulato Bento Sabino dos Reis o título de “chefe da escola de escultura de
seu tempo”, incluindo entre seus discípulos Domingos Pereira Baião, autor de um grande número de
imagens espalhadas em igrejas de Salvador e do interior do Estado.
401

Mestre de Sergipe. Muitas dessas esculturas estão presentes nas igrejas da cidade e no
Museu de Arte Sacra, de São Cristóvão, antiga capital do estado790.

Fig. 110 – Nossa Senhora da Vitória, Matriz de São Cristóvão,


Sergipe.

Na margem norte do rio São Francisco, incorporadas à


capitania de Pernambuco, localizavam-se as cidades de Olinda,
Recife, Marechal Deodoro e João Pessoa, esta última na
Paraíba, que só se torna autônoma em 1799. Elas apresentaram
um tipo de imaginária de extremo requinte e erudição, assim como uma policromia de
grande apuro técnico, com douramento integral dos panejamentos sobre motivos
ornamentais originais. As expressões fisionômicas podiam ser individualizadas e
variadas, reproduzindo, inclusive, os tipos locais, como veremos nos Cristos dos
Terceiros carmelitas de Goiana e de João Pessoa ou caracterizar uma importação
portuguesa, tornando-se padronizadas, como as dos Cristos da Ordem Terceira do
Carmo, de Recife. “As imagens de Goiana, por exemplo, podem ser reconhecidas pela
fisionomia amatronada de suas Madonas, de faces largas e queixo duplo, ao passo que
as de Olinda têm rostos mais delicados e ingênuos. As de Recife apresentam maior
diversidade, variando de tipologias provavelmente inspiradas em peças portuguesas
importadas, como em algumas imagens da igreja conventual e da Ordem Terceira do
Carmo, até tipos caboclos locais”791. Entre os escultores conhecidos na região figuram
nomes com pouca repercussão, tais como João Pereira792, Antônio Spangler Aranha793 e

790
CARVALHO, Eliane Maria Silveira F., Museu de Arte Sacra de Sergipe, Aracaju, Fundação Banco do
Brasil, 1991, p. 42 e 119.
791
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 71.
792
João Pereira é conhecido pela assinatura de um contrato datado de 11 de agosto de 1746, para a
execução das esculturas em pedra de Santo Antônio e Nossa Senhora da Conceição a serem colocadas nos
nichos dos arcos da ponte de Recife. Após a demolição da mesma, foram recolhidas às igrejas da Madre
de Deus e do Divino Espírito Santo, e, atualmente integram o acervo do Museu Franciscano de Arte
Sacra, de Reife.
793
Antônio Spangler Aranha tem apenas uma obra atribuída com base em documentação histórica. Trata-
se do São Diogo de Alcalá, entronizado em 1748 em um dos nichos do altar-mor da Igreja de Nossa
Senhora do Amparo de Olinda.
402

Luís Nunes794, merecendo também referência o nome de Manoel da Silva Amorim795,


este último já em pleno século XIX796.
Na região do Maranhão e do Grão-Pará, onde a ligação com a Metrópole era
constante, a influência desta será direta, o que se percebe pela utilização, em Belém do
Pará, após a fixação do arquiteto italiano Antonio Landi, do vocabulário de inspiração
clássica, na segunda metade do setecentos. A escola maranhense foi identificada após a
finalização dos inventários no estado797, que revelou um interessante acervo de imagens
ainda existentes, principalmente nos Museus e nas igrejas da região. “Entre as
características que identificam as imagens maranhenses estão o cânon baixo das
esculturas, de proporções atarracadas e robustas, os rostos largos com olhos pequenos
e queixo duplo e o curioso detalhe das fartas cabeleiras repartidas ao meio e caindo em
cascatas de cachos sinuosos independentes nas costas e nos ombros”798. Fartas
cabeleiras que também estão presentes nas imagens masculinas, como nos Cristos. Essa
tipologia pode ser vista ainda no restante da região, chegando até a Belém do Pará,
sugerindo a irradiação de tipologias para outros centros do Norte, cuja origem está, com
certeza, na instalação dos jesuítas no local. São esculturas devocionais, que apresentam
um ar de família com as imagens das Reduções do sul do país, das oficinas dos jesuítas.
Minas Gerais, devido à extração do ouro, principal fonte de riqueza do século
XVIII, desenvolveu, segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, a mais requintada
versão colonial da talha rococó e de uma escola de imaginária diversificada, cambiando
do popular ao erudito799. Entre todos os escultores já identificados, Aleijadinho, Antônio
Francisco Lisboa (1738-1814) é o mais importante. “Não existe mais dúvida de que teve

794
O nome de Luiz Nunes vem referenciado como autor do grupo de São Francisco recebendo as chagas
do Crucificado, executado em 1765–1766 para a capela do Hospital da Ordem Terceira de São Francisco
de Recife.
795
Manoel da Silva Amorim (1780-1873) nasceu e faleceu em Recife. Entre as obras que lhe são
atribuídas, estão Nossa Senhora das Dores, do Mosteiro de São Bento de Olinda, e, com documentação
comprobatória, as imagens de Santa Clara e São Luís, rei da França, para os retábulos da nave da igreja
de São Francisco, e, a pequena Nossa Senhora da Ajuda, entronizada em 1867, no altar-mor da Capela
Dourada.
796
Ver COSTA, Pereira da, ‘Estudo histórico retrospectivo sobre as artes em Pernambuco’, publicado na
Revista do Instituto Archeológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, 54:3-45, ano
XXXVIII, 1900, e PIO, Fernando, Imagens, arte sacra e outras histórias, Recife, Museu Franciscano de
Arte Sacra, 1977, do mesmo autor, A Ordem Terceira de São Francisco de Recife e suas Igrejas, Recife,
s/ed., 1975.
797
Ver Monumentos Históricos do Maranhão, São Luís, SIOGE, 1979, coordenado pelo museólogo
Oswaldo Gouveia Ribeiro. E o Inventário de Bens Móveis e Integrados, coordenado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, publicou a obra BOGÉA, Kátia Santos; RIBEIRO, Emanuela
Sousa e BRITO, Stela Regina Soares, Olhos da alma… op. cit.
798
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 71.
799
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘Escultura colonial brasileira, um estudo preliminar’,
publicado em Revista BARROCO, n 13, Belo Horiozonte, UFMD, 1985, p. 7-32.
403

oficina própria com grande número de aprendizes e a partir da sua obra exerceu
grande influência nas características das imagens mineiras, mais contidas e discretas
do que as baianas e pernambucanas, porém com extraordinária força expressiva. Filho
natural do arquiteto e mestre de obras português Manuel Francisco Lisboa e de uma de
suas escravas africanas, o Aleijadinho nasceu e passou toda a sua vida em Ouro Preto,
onde morreu em 1814 aos setenta e seis anos de idade”800.
Para ver o número de obras atribuídas a Aleijadinho, é importante ter acesso aos
dois catálogos de sua obra e estudá-los. O primeiro deles, do historiador francês
Germain Bazin801, da década de 50, é o mais completo, com toda a sua obra escultórica,
incluindo a produção em pedra e madeira. E o segundo, mais recente, de Myriam
Andrade Ribeiro de Oliveira e de dois especialistas do IPHAN, publicado em 2002802,
concentrou-se na sua produção em madeira policromada.

Fig. 111 – São João da Cruz e São Simão


Stock, Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho, Igreja do Carmo, Sabará, Minas
Gerais.

Destacaremos aqui os dois santos


em madeira policromada, pertencentes à
Igreja do Carmo de Sabará, São Simão
Stock e São João da Cruz, documentados e datados de 1777-1778, considerados obras-
primas da segunda metade do século XVIII. O entalhe e a policromia dos santos
constituíam o que havia de mais erudito nas terras mineiras. São esculturas que tendem
ao naturalismo e revelam um extraordinário requinte decorativo. Aliás, essa é uma
característica da região de Sabará: policromias requintadas, executadas por um pintor de
nome ainda desconhecido, que merecia ser identificado. O panejamento tem um
movimento suave e caimento natural, com pontas ligeiramente esvoaçantes. Porém, o
ponto de relevância das obras está nos olhos, ou no olhar, direcionado e penetrante.
Do último catálogo das esculturas devocionais destacamos as principais
características da obra do Aleijadinho de caráter devocional: “nas fisionomias, os traços

800
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 67.
801
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura … op. cit..
802
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues e SANTOS, Antonio
Fernando Batista dos, O Aleijadinho e sua oficina… op. cit..
404

habituais de seu estilo pessoal, presentes inclusive nas peças secundárias executadas
por colaboradores: bigodes nascendo diretamente das narinas, desenho peculiar dos
olhos, com acentuação dos lacrimais, sobrancelhas altas em linha contínua com o
nariz, lábios entreabertos de desenho sinuoso e arcada superior dos dentes aparente. É
curioso notar que esta tipologia fisionômica, inspirada em gravuras germânicas, nada
tem a ver com o tradicional protótipo português ou com o facies da população mestiça
local, ao contrário do que seria de esperar”803.
Como a escola mineira foi a mais estudada, teve o maior número de artífices da
madeira desvendados. Tudo começou com a publicação do Dicionário de Artistas e
Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, de Judith Martins804, que revelou
um bom número de artífices da madeira, os quais eram ignorados devido ao sucesso de
Aleijadinho. Nos últimos anos, porém, com o fim dos Inventários do IPHAN, passaram
a ser divulgados muitos nomes, desde os de origem portuguesa, Francisco Xavier de
Brito805 e Francisco Vieira Servas (1720-1810)806, até os já nascidos na região.
Na descendência de Aleijadinho, além dos seus discípulos e seguidores
imediatos, pode-se citar seu meio irmão, o padre Félix Antônio Lisboa (1755-1838),
nascido e falecido em Ouro Preto. Rodrigo Ferreira Bretas informa “[…] ter [ele]
praticado a estatuária sob as vistas do Aleijadinho, que dele dizia que só podia esculpir
carrancas, e nunca imagens”807. As imagens documentadas de São Pedro e São Paulo,
descobertas há alguns anos na Igreja do Bom Jesus de Pirapetinga, são obras rudes no
entalhe, com panejamentos caindo de forma dura, compensada até certo ponto pela
expressividade dos gestos e das fisionomias808.
Existe ainda um grande número de obras identificadas, mas cujos nomes dos
executores permanecem desconhecidos, com ou sem características similares às de
Aleijadinho. O mais conhecido é o Mestre de Piranga, assim chamado pelo fato de ter

803
Idem, ibidem, p. 67.
804
MARTINS, Judith, Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, Rio
de Janeiro, Publicações do IPHAN, 1974. 2 v.
805
HILL, Marcos César de Senna. Le sculpteur Francisco Xavier de Brito: état de la question et analyse
de son oeuvre de la Chapelle de la “Penitência” de Rio de Janeiro, Université Catholique de Louvain-la-
Neuve, Faculté de Philosophie et Lettres, Departement d’Histoire de l’Art, 1991.
806
COELHO, Beatriz Ramos de Vasconcelos, ‘Francisco Vieira Servas. Anjos, arcanjos e querubins’,
publicado em Revista IMAGEM, Belo Horizonte, v.1, nº 1, p. 137-147, 2001; e, RAMOS, Adriano Reis,
Francisco Vieira Servas, o grande artista português do barroco mineiro, publicado em Telas & Artes, Belo
Horizonte, 7:22-31, ano I, jun. 1998 ; e RAMOS, Adriano Reis, Francisco Vieira Servas e o ofício da
escultura na capitania das Minas do Ouro, Belo Horizonte, Instituto cultural Flávio Gutierrez, 2002.
807
BRETAS, Rodrigo José Ferreira, Traços biográficos relativos… Apud OLIVEIRA, Myriam Andrade
Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 68.
808
MIRANDA, Selma Melo, ‘Arquitetura Religiosa no Vale do Piranga’, publicado na Revista Barroco,
Belo Horizonte, UFMG, 13, 1984/5.
405

peças atribuídas provenientes da região do Vale do Rio Piranga, ao sul de Ouro Preto.
Os aspectos de rudeza escultórica, assinalados na obra do Padre Félix, são aqui ainda
mais acentuados: ombros exageradamente largos, panejamentos talhados de forma
sumária em sulcos profundos e movimentos circulares nas mangas e na altura dos
joelhos. Nos rostos, chamam a atenção os olhos grandes e esbugalhados, que valem
como uma assinatura do autor. Entre as boas peças de grande porte que lhe são
atribuídas, uma das mais fortes é a Nossa Senhora da Conceição do Museu Mineiro de
Belo Horizonte, infelizmente despojada da policromia original809.
No acervo do Museu Mineiro de Belo Horizonte, situam-se três imagens,
provenientes de uma capela rural da região de Barão de Cocais, que foram tomadas
como ponto de partida para a identificação de um mestre dessa região, cujas esculturas
se encontram ainda hoje nas igrejas e capelas locais. A mais interessante delas é o São
José de Botas, de olhar distante e feições de grande suavidade, com o Menino Jesus
tranquilamente adormecido no braço esquerdo, conhecido como Mestre de Barão de
Cocais810.
Um terceiro escultor é o Mestre de Sabará, identificado, em 1986, pela equipe de
inventários do IPHAN, cujas imagens encontram-se na Igreja de São Francisco da
cidade de Sabará: Nossa Senhora dos Anjos, o orago São Francisco e um Senhor Morto
extremamente expressivo. No acervo do Museu Mineiro, existe uma Nossa Senhora da
Soledade, que pode ser também de sua lavra. “Entre as características que identificam
seu estilo pessoal, além do […] ‘ar de família’ com as imagens do Aleijadinho, podem
ser citados os olhos com pesada pálpebra superior, o recorte típico dos lábios, unidos
ao nariz por um acentuado sulco mediano, e um peculiar desenho de orelha com ampla
cavidade longitudinal”811.

809
Generalizou-se entre os colecionadores a denominação “Piranguinha” para peças de menores
dimensões ou de fatura mais popular, como assinalado por SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos,
‘Aspectos da imaginária luso-brasileira’, publicado em Revista IMAGEM, Belo Horizonte, v.1, nº 1, p.
63-79, 2001. Ainda do mesmo autor agora sobre o Mestre da Igreja de São Francisco: SANTOS FILHO,
Olinto Rodrigues dos, ‘Mestre da Igreja de São João Evangelista de Tiradentes', publicado em Boletim
CEIB, Belo Horizonte, vol. 1, n 4, set. 1997, p. 1-2.
810
RAMOS, Aline, Mestre Barão de Cocais, publicado em
http://www.academia.edu/9144680/Mestre_Bar%C3%A3o_de_Cocais.
811
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 69.
406

Alguns nomes ficaram conhecidos a partir dos inventários. São eles: Manoel
Dias de Assis e Sousa812 e Joaquim Francisco de Assis Pereira (1813-1893)813. Outros,
porém, ainda demandam estudos: Garcia de Sousa e Vicente Fernandes Pinto, em
Mariana, Antônio da Costa Santeiro (c. 1746 - ?), em
Tiradentes, e, em São João del Rei, Valentim Correia Paes,
Manoel Dias (ativo a partir de 1790), Vicente Fernandes Pinto
(atuante no início do século XIX), Mestre do Cajuru (ativo a
partir de c. 1770) e ainda o Mestre dos Anjos Sorridentes (ativo
a partir de c. 1770).

Fig. 112 – Anjo sorridente, púlpito, Igreja do Carmo, São João del
Rei, Minas Gerais.

Quanto à escola ‘carioca’, foi sempre deixada de lado por sofrer influência direta
da Metrópole, seja através de obras importadas seja por meio de artífices portugueses
que trabalharam na cidade. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o Rio de
Janeiro possui o “[…] volume de importações mais intenso que o de qualquer outra
cidade brasileira ao longo dos séculos XVIII e XIX”814. Porém, visitando as igrejas da
cidade e as do interior do Estado, é possível distinguir uma imaginária exatamente como
nas demais regiões, influenciada pelas oficinas religiosas (franciscanos, beneditinos e
carmelitas) e pelas obras eruditas importadas. Trata-se, portanto, de uma escola
‘fluminense’ e não apenas ‘carioca’, pois, desta maneira, englobar-se-ia não só a cidade,
mas também as regiões periféricas que tiveram uma importante vida social815.

812
É o autor de cinco imagens de madeira para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, e
provavelmente de outras nas igrejas de São Francisco de Mariana e Bom Jesus de Pirapetinga. Datadas
do período entre 1800 e 1801, as imagens de Santa Efigênia, Santo Elesbão e Santa Catarina de Siena,
da citada igreja de Ouro Preto, podem ser tomadas como referência para a análise de seu estilo algo
estereotipado, embora de razoável domínio técnico. As proporções são alongadas, os panejamentos retos
caem em pregas miúdas e as feições são delicadas e de expressão ausente, reproduzindo a facies
portuguesa, algo deslocada no caso das representações de santos negros. Ver: OLIVEIRA, Myriam
Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 69. A mesma autora ainda acredita que os
entalhadores cadastrados no dicionário de Judith Martins com os nomes de Manuel Dias, Manuel Dias da
Silva e Manoel Dias de Assis e Souza sejam a mesma pessoa.
813
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imaginária sacra em São João del-Rei. Ontem e hoje.’
publicado no Boletim do CEIB, v. 14, p. 1-4, 2010.
814
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 72.
815
Compreende-se por escola fluminense a imaginária feita na cidade do Rio de Janeiro, mas também a
área de influência, demais regiões do estado: ao sul, Paraty e Angra dos Reis; ao Norte, Campos dos
Goytacazes, Cabo Frio, Itaboraí, entre outras. E ainda existe uma área determinada como funda da baía de
Guanabara, que pode ter um acervo interessante, para o assunto, ver as publicações do INEPAC: xx. E
para o Rio de Janeiro : WEISZ, Suely de Godoy, ‘Um estudo da imaginária setecentista carioca’,
407

Os principais artífices da madeira com atividade documentada no Rio de Janeiro


setecentista foram: Francisco Xavier de Brito (que foi depois para Minas Gerais), Simão
da Cunha816, Pedro da Cunha817, Domingos de Araújo Landim818 e, por último, o mais
conhecido e estudado, carioca, o mulato, Valentim da Fonseca e Silva, conhecido como
Mestre Valentim819, além de seu ajudante José da Conceição.
Mestre Valentim faleceu em 1813. Parece que viveu um tempo em Portugal, na
infância. Sua obra escultórica devocional se resume a apenas duas imagens, que, na
realidade, deveriam figurar na fachada da igreja dos Militares, e hoje, se encontram no
acervo do Museu Histórico Nacional820. Foi o primeiro a trabalhar o ferro fundido na
cidade do Rio de Janeiro, confeccionando esculturas para os parques e monumentos da
cidade.
Sintetizando, em palavras simples, o estudo sobre as escolas regionais do Brasil,
diríamos, como disse tão bem Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira: […] que as
imagens baianas agradam de imediato, as mineiras surpreendem e fascinam, as

publicado na Gávea, Revista de História da Arte e Arquitetura, Rio de Janeiro, PUC, 7:113-5, 1989; e
FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários do Rio de Janeiro setecentista: Simão da Cunha e
Pedro da Cunha’, publicado em Gávea. Revista de História da Arte e Arquitetura, nº 7, Rio de Janeiro,
PUC, 1989, p. xx-xx. E ainda as teses de FABRINO, Raphael João Hallack, Os furtos de obras de arte
sacra em igrejas tombadas do Rio de Janeiro (1957-1995), Dissertação no Mestrado em Preservação do
Patrimônio Cultural, INPHAN, 2012; e GOMES, Rafael Fontenelle, A imaginária franciscana na antiga
capitania do Rio de Janeiro… op. cit.,; e RABELO, Nancy Regina Mathias, Escultura religiosa
fluminense e as vistas pastorais do Cônego Pizarro em 1794-95, Tese de Doutoramento em Artes
Visuais, orientado pela Dra. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Universidade Federal do Rio de
Janeiro 2009.
816
Simão da Cunha (?-1774) originário de Braga, tem a primeira atividade registrada em 1717, na
documentação do Mosteiro de São Bento, onde deixou os dois Anjos Tocheiros da entrada da capela-mor
e as Santas Beneditinas das capelas falsas da entrada da nave, entre outras obras. Essas obras foram
realizadas em parceria com o artista José da Conceição. ‘Simão da Cunha casou-se no Rio de Janeiro
(Candelária, Livro, v. fl. 225) em 1750 com Mariana Joaquina. Registrou três filhos (Candelária, Livro
VI, fls. 335, 350 e 371, 1751, 1753 e 1754. […] em 1763 recebeu 54$000 da Ordem do Carmo pelo que
se pagou a Simão da Cunha a conta da imagem do Sr. Bom Jesus do Calvo. Que a meza mandou fazer.
Recebe a denominação de Mestre entalhador nos livros de despesa da ordem; recebeu da mesma
instituição 50$000 pelo resto do feitio da imagem do Sr. do Calvário; em 1768 recebeu 8$000 da Ordem
Terceira da Penitência pelo feitio do Menino Jesus para servir nas noites de Natal e 1$120 pelo diadema
de Nossa Senhora da Soledade; a imagem do Ecce Homo da Ordem Terceira da Penitência foi atribuída
ao artista por D. Clemente da Silva Nigra. MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia, Entre o
artifício e a arte: pintores e entalhadores no Rio de Janeiro setecentista, Rio de Janeiro, Secretaria
Municipal de Cultura e Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro, 2009, p. 169-170. E, SILVA-NIGRA,
O.S.B., dom Clemente da. Construtores e Artífices … op. cit., p. 149-51.
817
Pedro da Cunha (?-1799) é o responsável pelas seis representações de Passos da Paixão dos retábulos
da nave da igreja dos terceiros carmelitas que serão analisados no próximo subitem, assim como também
é da sua lavra a Santa Teresa de Ávila do nicho da esquerda do altar-mor.
818
Domingos de Araújo Landim, bracarense, tem seu período de atividade documentada no Rio de
Janeiro entre 1778 e 1796. Foi citado no dicionário de Judith Martins pelo fato de ter exercido por mais
de uma vez o cargo de ‘Avaliador das Obras Pertencentes à Arte de Escultor’.
819
CARVALHO, Anna Maria Fausto de, Mestre Valentim, São Paulo, Cosac & Naify, 1999.
820
Essas esculturas apresentam um acabamento sumário, não fazendo jus à fama do artista e à sua perícia
técnica, revelada nas esculturas civis em bronze, como os famosos jacarés do Passeio Público ou o grupo
do Caçador Narciso e da Ninfa Eco, atualmente no Jrdim Botânico.
408

pernambucanas deleitam pelo apuro técnico, as do Rio de Janeiro impressionam, mas


mantêm o espectador à distância (como as portuguesas, com as quais têm uma
identificação mais próxima), e as maranhenses comovem pela simplicidade expressiva.
E que a fusão de todas compõe um mosaico ao mesmo tempo uno e diversificado,
configurando um dos mais autênticos produtos da arte do país821.

5.3 As esculturas dos Cristos da Paixão: técnica

[...] Era justo que um discurso dirigido a Deus fosse hiperbólico, amplificado,
enfático, exaltado. E esse discurso devia ter a sua retórica, a sua técnica, que o ligavam
às técnicas do trabalho diário, pois que, se a salvação só se consegue pelas obras e a
técnica é um fazer obras ordenadas e eficazes, as técnicas são meios de salvação. Já
nos primeiros anos do século, São Francisco de Sales anunciara que nos salvamos
desempenhando nosso papel no mundo, o soberano como soberano, o artesão como
artesão, a criada como criada [...]822.

Os passos da Paixão de Cristo, embora não se tenham desenvolvido


obrigatoriamente em todas as igrejas terceiras dos carmelitas de Portugal e do Brasil,
quando presentes, diferentemente dos sacros montes ou via sacras, são sempre
representados pelos mesmos episódios da vida de Cristo: Cristo no Horto (Oração no
Monte das Oliveiras); Cristo da Prisão (Senhor Preso); Cristo da Flagelação (Senhor à
Coluna); Cristo da Coroação de espinhos (Senhor da Pedra Fria); Ecce Homo (Eis o
Homem); o Cristo com a cruz às costas (Senhor dos Passos) e, no altar-mor, no ápice da
dor, o Cristo Crucificado, fechando o ciclo. Vale acrescentar ainda que, quando
presentes, todos apresentam características técnicas muito similares, isto é, os Cristos
das Ordens Terceiras do Carmo são de madeira, com aplicação das técnicas comumente
empregadas nas camadas de preparação e da policromia. Dos sete, três são do tipo
comumente conhecidos como santo de ‘vestir’ e quatro, de talha completa, vulto pleno.
Determinada pela encomenda, a destinação original das esculturas é também
fator determinante de suas características devendo ser levada em consideração no
contexto da pesquisa. Quatro funções principais podem ser assinaladas às esculturas
religiosas do período colonial brasileiro, funções estas que geraram tipologias

821
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 75.
822
ARGAN, Giulio Carlo, História da arte como história da cidade, São Paulo, Martins Fontes, 1993.
409

diferenciadas com tratamento específico de aspectos técnicos, estilísticos e


iconográficos. Quatro funções seriam “[…] a exposição em retábulos de igrejas ou
capelas, o uso em procissões e outros rituais católicos a céu aberto, a participação em
conjuntos cenográficos, notadamente vias-sacras e presépios, e a inclusão em oratórios
do culto doméstico”823.
A imensa maioria das esculturas devocionais do período barroco e rococó
destinava-se à exposição em retábulos, cujas principais características técnicas são a
frontalidade, o entalhe simplificado do verso, policromias exuberantes e com muito
dourado. Ainda havia a necessidade de alguma expressividade, tendo em vista o
impacto que deveriam causar à distância, para qual o artifício dos olhos de vidro foi de
vital importância. Expressividade que devia transparecer na fisionomia, e na “retórica
gestual dos movimentos do corpo”824.
A intenção de dar às esculturas a aparência de “figurações vivas” atinge o ponto
culminante nas imagens processionais, destinadas a serem vistas de perto e sob ângulos
variados, cujas tipologias foram discutidas no capítulo especifico825. O tipo iconográfico
mais comum foi o Senhor dos Passos, figura ativa nas manifestações da Semana Santa,
e nas Igrejas Matrizes da maioria das cidades brasileiras.
As esculturas que participavam de grupamento cenográfico, de tamanho
próximo ao natural figuravam nos Sacro Montes, que já tivemos a oportunidade de
mencionar, e em miniaturas fazendo parte dos populares presépios, ligados às
festividades da Semana Santa e do ciclo do Natal. Estes últimos, maioritariamente em
barro cozido, podiam ser montados com um número mínimo de peças: Virgem, Menino
Jesus e São José, ou em grandes encenações montadas em vitrines, descrevendo o
percurso dos reis Magos no caminho percorrido até Belém, e comportar um número
exagerado de personagens, muito comum na cultura portuguesa, vide o da Basílica da
Estrela, atribuído ao Machado de Castro.
A devoção particular foi sempre um dos pontos centrais do devocionário cristão,
deste a Idade Média, através dos livros, das estampas e na Idade Moderna com a
diversidade de novas técnicas também com imagens de pequenas dimensões,
823
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A escultura devocional…’, op. cit., p. 263.
824
Idem, ibidem, p. 264.
825
Ver tese de doutoramento defendida por Maria Regina Emery Quites, ‘Imagem de vestir: revisão de
conceitos através de estudo comparativo entre as Ordens Terceiras Franciscanas no Brasil’, Campinas:
UNICAMP, 2006. (Apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas / IFCH – Universidade Estadual de Campinas) E ainda, QUITES, Maria Regina Emery, A
imaginária processional em Minas Gerais e sua conservação, publicado no Boletim do Ceib, Belo
Horizonte, vol. 1, nº 5, dez. 1997, p. 1-2.
410

principalmente da Virgem Maria e do Menino Jesus, acompanhados ou não do pai e dos


avós maternos São Joaquim e Santana, de maneira a protegerem os lares. Mas, também
é possível encontrar os tradicionais crucifixos e os santos protetores das necessidades
humanas mais imediatas, a exemplo de São Sebastião (peste e doenças infecciosas),
Santo Antônio (casamentos e objetos perdidos), São Cristóvão (morte súbita), e
inúmeros outros, dependendo do imaginário regional. Podiam estar localizados em
simples suportes, colocados a margem em algum aposento ou em ricos oratórios e até
mesmo em capelas particulares826.

5.3.1 Fonte e disseminação dos conhecimentos (Tratados técnicos)

Se os artesãos trabalhavam no sistema oficinal medieval, como podiam progredir


e aprender outras técnicas, além da do seu mestre? Será a necessidade de classificar e
ordenar o mundo que dará início à era dos manuais e tratados técnicos. Os primeiros
serão os dedicados à arquitetura, à semelhança dos da Antiguidade Clássica. Depois
virão os primeiros manuais para os ofícios mecânicos e a separação das técnicas
laborais das artes em geral, pintura, escultura, têxteis, ferragens, etc.
Na Itália, em fins do século XIV, portanto, no Renascimento, surge o Libro
dell’arte, do pintor e teórico Cennino Cennini827, c. 1370. É considerado o primeiro
tratado moderno de pintura, com descrição e metodologia da produção laboral de obras
de arte. Apesar de se restringir à arte da pintura, o capítulo CXIII, Como começar a
pintar sobre painéis, descreve em detalhes a preparação da madeira para a feitura de
painéis, que engloba técnicas e materiais normalmente utilizados também para a fatura
de esculturas policromadas em madeira. O Manual aconselha a utilizar madeiras
cortadas na estação correta, para que estejam bem secas e também recomenda evitar as
áreas com nós, pois são regiões frágeis.
Para Umberto Baldini, o manual de Cennini não é um simples manual mecânico
de regras, “[...] and the author takes great pains to find the exact words for his step-by-
step description of the artist’s task. From every instructive page, beyond the technical

826
Um museu especialmente dedicado ao tema dos oratórios foi inaugurado há alguns anos em Ouro
Preto. Ver Catálogo do Museu do Oratório. Coleção Ângela Gutierrez. Belo Horizonte: Instituto Cultural
Flávio Gutierrez, 1999.
827
CENINI, Cenino, apud, BALDINI, Umberto, Primavera. The restoration of Botticelli’s masterpiece,
New York, Harry N. Abrams, 1986, p. 35-68. Atualmente, já disponível na versão inglesa do livro do
próprio CENNINI, Cennino D' Andrea, Il Libro dell' Arte. The Craftsman's Handbook. The Italian "Il
Libro dell' Arte", traduzido por Daniel V. Thompson, Jr., New York, Dover Publications, Inc. 1933, by
Yale University Press. Disponível em : http://www.noteaccess.com/Texts/Cennini/Contents .htm.
Acessado em 15/06/2015.
411

rules and precepts, there breathes in almost sublime sense of the value of the artist’s
work. This work is essentially linked to the seasons of the year, to nature and animals,
and to the lifeblood of man, all of which, in turns, dominate the artist’s function in the
eternal cycle of change and renewal”828.
Detalha desde o preparo da madeira até os materiais das camadas da policromia,
que incluíam a cola feita de pele de animal (carneiro), dissolvida em água e a
incorporação dos ingredientes e de pigmentos a fim de obter a cor desejada para as
tintas. Com o intuito de saber o ponto certo da cola, os artistas deveriam sentir a
pegajosidade na palma da mão. A primeira camada sobre a madeira deveria ser uma
mão de cola, chamada de encolagem. A cola deveria ser dissolvida em 2/3 de água,
devidamente aquecida em banho-maria, e aplicada ainda quente com a ajuda de um
pincel, de preferência num dia seco e ensolarado, para que a secagem ficasse perfeita, e
o polimento resultasse numa superfície lisa.
Ao compor a camada de preparação para a policromia, deveriam ser
selecionados diferentes tipos de gesso. Na primeira camada de gesso grosso, aplicava-
se, sobre a madeira, o chamado de Volterra, dissolvido na cola animal e aquecido. O
processo de secagem duraria cerca de dois dias e duas noites, e só, então, dever-se-ia
lixar a superfície para um bom polimento. Sobre essa camada de gesso grosso, passava-
se uma de gesso fino, feito com sottile. Para a fabricação do sottile, o gesso deveria ser
purificado, ficando de molho em uma determinada quantidade de água por um mês ou
até a água evaporar quase completamente. O gesso, então, assumiria o aspecto de uma
massa de pão (panni), que, trabalhada com as mãos, ganharia a consistência de uma
panqueca. Por isso, segundo Cenini, o artífice deve ter certa habilidade neste trabalho.
Mais uma vez, a massa é aquecida em banho-maria e aplicada. Espera-se novamente o
tempo de secagem (dois dias) e, por fim, lixa-se até ficar imaculadamente lisa, tipo
marfim. Só então o painel estaria pronto para receber a pintura.
Nos painéis, também se utilizava a aplicação de folhas metálicas. Cenini
recomendava o uso do bolo (terra natural de cor vermelha misturada com clara de ovo)
sobre a preparação branca, a fim de proporcionar um tom aquecido ao ouro. Na sua
narrativa, descreve a maneira como as folhas de ouro devem ser cortadas e aplicadas
sobre o bolo umedecido. E lembra que não se devem desperdiçar as sobras, pois
poderão ser reaproveitadas no futuro. Para o polimento, deve-se utilizar uma pedra

828
BALDINI, Umberto, op. cit., p. 43.
412

preciosa (esmeralda ou topázio), um pedaço de ágata, ou um dente de animal. É


aconselhável, ainda, realizá-lo em um dia úmido de inverno.
Para o mundo Ibérico, importante foi o livro do espanhol Francisco Pacheco, de
1649829, direcionado também aos pintores. A obra apresenta técnicas, incluindo as
utilizadas para a policromia das esculturas, nas diferentes facetas entre pintura de
carnações, pintura dos estofamentos e do douramento. No preparo do suporte,
recomenda-se primeiro remover a resina da madeira, reparar os nós e rachaduras e,
finalmente, aplicar uma fina camada de gesso, antes das cores. Podia-se sobrepor a folha
de ouro a toda a superfície da escultura, porém, segundo o autor, era tradicional não
aplicá-la nas áreas da carnação, onde deveria ter uma boa base, deixando o dourado para
o estofamento.
No estofamento descrito por Pacheco, aconselha-se sobrepor uma camada de
tinta têmpera sobre o ouro, removendo com um fino instrumento de metal, a partir de
um desenho, no qual poderia haver o predomínio da cor ou do metal. O ouro deveria ser
polido, ou mate, ou ‘damasquinado’. Essa fase comportava ainda técnicas decorativas
em relevo, tais como punções, marcas feitas a partir de carimbos e entrelaçados,
oferecendo infinitas possibilidades. Com o incremento da produção, ele recomenda o
uso de métodos menos extravagantes830.
Em Portugal, segundo Vítor Serrão, o número de tratados, “posto que muito
importante no caso de teorizadores como o renascentista Francisco de Holanda, é na
verdade residual: apenas se assinalam como autores de referência nos séculos XVI e
XVII, o citado Francisco de Holanda, Filipe Nunes, Francisco de Sólis, o anônimo
frade da Ordem de Cristo que escreveu o Breve tractado de iluminaçam cerca de 1630,
o dominicano Frei Tomás Aranha, o arquitecto Luís Nunes Tinoco, o escritor Félix da
Costa Meesen e, de certo modo também, o diplomata António de Sousa de Macedo, com
considerações valiosas sobre as artes do tempo”831.

829
PACHECO, Francisco, Arte de la pintura su antiguedad y grandezas. Descrivense lós hombres
emeinentes que há auido en ellea, assi antiguos como modernos, del dibujo, y colorido; del pintura al
temple, al olio, de la iluminiacion y estofado, del pintaral fresco, del lãs encoranaciones, de polimento, y
de mate; del dorado, bruñido, y mate. Y enseña El modo de pintar todas lãs pinturas sagradas, Sevilla,
Simon Faxado, impressor de libros, 1649. Disponível em: https://books.google.es/books?id=iJRGCke79Y
UCprintsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0.
830
PACHECO, Francisco, op. cit..
831
SERRÃO, Vítor. “Acordar as cores...”: os pigmentos nos contratos de pintura portuguesa dos séculos
XVI e XVII, publicado em AFONSO, Luís Urbano (Ed.), The Materials of the image. As matérias da
imagem, Lisboa, Cátedra de Estudos Sefarditas, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, p. 97-
132, p.104. Em nota, o autor informa que o tratado de Francisco de Sólis Vida de alguns pintores,
esculptores, e architectos, de 1696, está desaparecido.
413

De todos os citados por Vítor Serrão, o de Filipe Nunes é direcionado às técnicas


da pintura, Arte da pintura, symmetria e perspectiva, editado em 1615, incluindo os
processos decorativos, identificados com os nomes das padronagens têxteis que
tentavam imitar: brocado, damasco ou belas sedas. “Primeiramente, sobre o ouro, que
quereis estofar, haveis de dar uma mão, ou duas de Alvayade, concertado com gema de
ovo, o qual se concerta assim: Tomai a gema sem clara, e botai-lhe uma ponta de água,
e depois batei-a muito bem, e com esta composição haveis de consertar as cores, como
se fora cola, ou goma. Depois de dadas estas mãos de Alvayade, que fique a figura
muito alva, ide então colorindo o damasco, ou tela, ou ramos, ou passarinhos, ou o que
quiseres, que então servem aqui as cores da iluminação com esta composição da gema
de ovo, e servem os realços todos, depois de tudo lavrado ao pincel, e enxuto, ide então
riscando, e abrindo a pintura com um estilo de pau, ou de prata, ou um ponteiro duro
do que quiseres, e ficareis descobrindo o ouro, aonde vos parecer bem, e para fazerem
uns alcachofres, como tem o brocado, fazeis um ferro, como punção, em que esteja
aberto o modo, que melhor vos parecer, e com ele punçais. E quando o ouro não tomar
bem a cor do Alvayade primeira, misturai lhe uma ponta de fel”832.
Apesar de esses tratados não terem sido direcionados aos escultores, sabe-se que
os artífices portugueses tinham o conhecimento necessário para a boa fatura de suas
obras em madeira policromada, pois nos chegaram obras extraordinárias e tecnicamente
apuradíssimas. Isso até o advento do Artefactos Symmetricos e Geometricos, cujo
próprio autor, Padre Ignácio de Piedade Vasconcelos833, diz ser o livro pioneiro na
língua portuguesa que contém informações laborais sobre escultura. Nesse aspecto, é
bem instrutivo, faz boas considerações técnicas, tais como se a madeira “[...] ainda
estiver verde não convém, (em quanto assim estiver) que se obrem dela figuras, porque
tem o perigo de se abrir em rachas, quando for secando, e depois de desbastada
quando se for entalhando, ao tempo de secar vai abrindo”834. Informa também sobre os
diferentes tipos de madeira, sendo o cedro o mais utilizado para a feitura de imagens de
bastante grandeza. Para trabalhos menores, porém, usava-se o jenipapo, já que
“permitia todas as miudezas que lhe quisessem fazer”. E ainda, “neste Reyno temos o

832
NUNES, Filippe, Arte da pintura, symmetria, e perspectiva, Lisoba, Officina de João Baptista Alvares,
1767 (Primeira edição : 1615), p. 98-99. Disponível em : http://purl.pt/777/3/#/12
833
VASCONCELLOS, Ignácio de Piedade, Artefactos symmetricos e geométricos, Lisboa, 1733.
834
Ver o verbete: ‘Tratados de escultura’ publicado em PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário
da Arte Barroca..., op. cit., p. 495-496.
414

Buxo, que em toda a parte logra a primazia entre todas as mais madeiras, para lhe
imprimirem todas as filigranas, que lhe quiserem abrir [...]”835.
O Manual do Padre Vasconcelos discutia, além disso, problemas de
representação do corpo humano e questões relativas aos materiais utilizados. O autor
trata do barro, da pasta, do metal e da madeira, ocupando-se das potencialidades físicas
de cada um destes materiais, omite a pedra e dá prioridade “ao barro, em alusão ao
nascimento do primeiro homem”836. De meados do século XVIII é o livro de José Lopes
Baptista, Prendas da adolescência ou adolescência prendada, que retoma a obra de
Piedade Vasconcelos, acrescentando experiências ao trabalho em mármore. No final do
século, em 1788, o escultor Machado de Castro escreverá Discurso sobre a utilidade do
desenho837, em que o autor separa as funções do escultor criador a do artífice mecânico.
“Para Machado de Castro o escultor, o artista não se confunde com o artífice. Se a este
se exige apenas o domínio da técnica e o conhecimento dos materiais, ao escultor
pedem-se-lhe conhecimentos suplementares de natureza teórica [...]”838. Com visão
diferente de todos os manuais discutidos até o momento, nessa obra, a escultura em
madeira foi relegada ao segundo plano. O foco do estudo será o trabalho escultural com
o metal, de que o monumento em homenagem a D. José I para a praça do comércio é
exemplo. No Brasil, segundo pesquisa feita pelo historiador Nireu Oliveira Cavalcanti,
a partir dos catálogos dos livreiros, das relações de bibliotecas particulares e das listas
dos livros enviados de Lisboa para o Rio de Janeiro, é possível encontrar os principais
manuais de arquitetura, tais como os de Leon Battista Alberti, Ferdinando Galli de
Bibiena, Guarane Guarani, Andrea Paladio, e as regras de Vignola, traduzidas para o
português. No entanto, com relação às técnicas laborais das oficinas dos entalhadores e
escultores só foi encontrado um exemplar do Manual do Padre Ignácio da Piedade
Vasconcellos839.

835
VASCONCELLOS, Ignácio de Piedade, apud, ALVES, Natália Marinho Ferreira. A arte..., op.cit., p.
178.
836
PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte Barroca..., op. cit., p. 495.
837
MACHADO DE CASTRO, Discurso sobre a utilidade do desenho, Lisboa, António Rodrigues
Galhardo, 1788. Disponível em: http://purl.pt/320/1/index.html#/23/html
838
PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte Barroca..., op. cit., p. 495-496.
839
« [...] as obras portuguesas mais importantes eram: Methodo lusitano de desenhar as fortificaçõens das
praças regulares, e irregulares, de Luis Serrão Pimentel, editado em 1680; Engenheiro Portuguez, de
Manoel de Azevedo Fortes, publicado em 1728; Artectos Symetricos, e geométricos, advertidos e
descobertos pela industriosa perfeição das Artes, Esculturaria, Arquitectonica, e da Pintura do padre
Ignacio da Piedade Vasconcellos; Estampas, do Padre Antonio da Annunciaçam da Costa, editado em
1733; Exame de artilheiros, de Joze Fernandes Pinto Alpoim, cuja primeira edição data de 1744, e o
Exame de bombeiro, do mesmo autor, publicado em 1748 ». CAVALCANTI, Nireu Oliveira, O Rio de
415

5.3.2 As esculturas devocionais no Brasil – técnica e materiais

Quase tudo que restou das manifestações humanas de antigas eras são objetos
tridimensionais pétreos: formas toscas, lascadas, figuras disformes ou desgastadas, etc.
A pedra sempre foi o suporte preferido para as obras tridimensionais. Apesar de
existirem objetos de barro, madeira, ossos e outros materiais, estes estiveram
continuamente em segundo plano. Feitos de matéria perecível, sua existência se
abreviava. No período greco-romano, a pedra era o material preferido para esculpir, por
ser considerado nobre. Os gregos a pintavam, já os romanos preferiam na própria cor -
mármore branco -, matéria-prima abundante na região do mediterrâneo. No período
medieval, a pedra constituiu a base da construção, principalmente das belíssimas
catedrais, cabendo às esculturas em pedras o papel de tímidos complementos
decorativos. No Renascimento, foi redescoberta e novamente ganhou o status de
matéria nobre, com destaque para o mármore. De todos os materiais, ela realmente é o
que melhor resiste ao tempo, por suas características: grão duro e pouco porosa, o que
torna o objeto bastante resistente. Entretanto seu entalhe se faz mais difícil.
E a madeira, porque se tornou a matéria preferencial para as esculturas
devocionais dos séculos XVII e XVIII, na Península Ibérica? Talvez porque, neste caso,
não bastasse a forma estética. Era necessário criar empatia. Era preciso que o objeto
perdesse o seu caráter escultural para ganhar um cunho cultual. E a madeira provocava,
nos espaços religiosos, esse fascínio especial nos fiéis. Por isso, apesar de a pedra
constituir um material nobre, será a madeira o escolhido para a fatura das esculturas
devocionais. Madeira que agregará a policromia como acabamento final das obras,
incorporando além da matéria, o espírito, em forma de cor, a imitar a vida.
A técnica laboral das esculturas em madeira policromada, tem sua origem nos
países nórdicos, herança medieval, incorporada pela Península Ibérica com tal
graciosidade e criatividade que se tornará a principal manifestação de Espanha e de
Portugal, nos períodos do estilo barroco e rococó. Será utilizada na decoração interna
das igrejas, recobrindo totalmente os ambientes, com talha parietal, altares, e imagens
devocionais.

Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2004, p. 284.
416

5.3.2.1 Os artífices da madeira

Os limites de funções entre os artífices da madeira – entalhadores, escultores,


marceneiro, carpinteiro – eram imprecisos nos séculos XVII e XVIII, em Portugal e no
Brasil. Em Portugal, no século XVII, esses profissionais eram classificados como
oficiais mecânicos e estavam lado a lado com ferreiros, tanoeiros e canteiros. Um
entalhador podia tanto fazer a obra de talha de um retábulo quanto esculpir a imagem
que nele seria entronizada, e ainda construir um cadeiral, uma sacada ou um púlpito.
Exceção, talvez, fossem os termos imaginário e santeiro, os quais identificavam o
artesão que tinha a função específica de fazer imagens e santos.
Rudolf Wittkower, escrevendo sobre as especificidades de cada categoria, afirma
que só a partir do Renascimento italiano, com a visão humanística do mundo, as artes
começaram a ser vistas dentro de categorias individualizadas. E que, na Idade Média,
“[...] quase não se conhecia o termo escultor com o significado de artista,
especificamente do artista que trabalha em três dimensões. A terminologia medieval
era bastante diferente da nossa e, além do mais, a diferenciação entre os vários grupos
profissionais desenvolveu-se muito lentamente. Durante muito tempo, não houve
distinção alguma entre arquiteto, pedreiro, canteiro, etc. os termos latinos artifex (que
podemos traduzir por ‘artista’ ou ‘escultor’) e operarius (que significa ‘trabalhador’)
eram usados indistintamente. Assim, o canteiro castelhano e os escultores franceses
pertenciam à mesma categoria profissional, [...]. O grande escultor italiano Nicola
Pisano é mencionado num documento de 1266 como magister lapidum, que, na época,
significava tanto arquiteto quanto escultor. Mais de duzentos anos depois, inclusive,
num documento póstumo de 1483 (isto é, já em meados do Renascimento), Donatello
ainda era chamado de scarpellator, ou seja, canteiro”840.
Em Portugal, essa diferenciação só será sentida em fins do século XVIII ou já
em pleno século XIX, com a introdução das Academias. Vítor Serrão demonstrou que
os pintores a óleo, de fins do século XVI e princípios do XVII, pretenderam e
conseguiram certa emancipação com relação aos pintores a têmpera e douradores, cujo
trabalho seria mais técnico, sem grande criatividade. Tal emancipação se deu quase que
exclusivamente com os pintores a óleo, e não foi por um longo período. Pela primeira

840
WITTKOWER, Rudolf, op. cit., p. 35.
417

vez, o foco mudou na visão do mundo e das artes, buscando-se a emancipação de uma
determinada classe artística, em detrimento de outras841.
O Dicionário de Raphael Bluteau, do começo do século XVIII, diferencia a arte
da ciência, e classifica-a em dois ramos: artes liberais e artes mecânicas. Ambas são
divididas em sete, “a saber: as Artes Liberais, [...], Gramatica, Rhetorica, Lógica,
Aritmética, Musica, Architectura, Astrologia [...] & o das artes mecânicas, que também
são sete principais, das quais dependem todas as mais; Agricultura, Caça, Guerra,
todos os ofícios Fabris, a Cirurgia, as artes de tecer & navegar, [...]”. Portanto, todos
os ofícios que estavam baseados no fazer laboral com as mãos estavam incluídos nas
artes mecânicas. Os responsáveis por produzir as artes mecânicas eram conhecidos
como os homens de artes, oficiais e artífices842.
No século XVII, ainda acompanhando o discurso do professor Vítor Serrão, os
“praticantes de escultura, entalhe, imaginária, ensamblagem e carpintaria [usavam] de
modo mais ou menos indistinto a terminologia”843. O mesmo autor dá-nos o exemplo de
um ‘Contrato de servidão e aprendizado da arte da escultura’, onde Gonçalo Rodrigues
identificado como “‘imaginário e entalhador’ obriga-se a ensinar a sua arte, por tempo
de oito anos, a um moço de nome José, de catorze anos, filho de ‘Manuel Vaz,
carpinteiro, morador na vila de Moura’”. Isso demonstra que o artífice com permissão
de trabalho formava uma oficina, acolhia um número de ajudantes por um determinado
tempo, e, deste modo, passava os conhecimentos que possuía, ou, nas palavras do
documento, revelava “os segredos do ofício, formando-o para obreiro nas suas
empreitadas, etc..”844.
Ainda nesse artigo, Vítor Serrão informa o corpus da produção remanescente do
escultor Gonçalo Rodrigues, “vinte e sete esculturas em madeira (castanho, carvalho e
nogueira), seis de barro, e dezoito de pedra, o que perfaz um acervo de cinquenta e
uma peças adstríveis ao cinzel do escultor maneirista”845. Interessante constatar que um
mesmo oficial tinha habilidade para manejar diferentes tipos de suporte, de fazer laboral
distinto, incluindo a modelagem do barro, o entalhe da madeira e o esculpir da pedra.
Para finalizar, também informa os tipos de madeiras utilizadas no fazer escultórico no
Norte de Portugal.

841
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit.
842
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário portuguez… op. cit., Tomo 2, p. 480.
843
SERRÃO, Vítor, ‘O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues… op. cit., p. 148-149.
844
SERRÃO, Vítor, ‘O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues… op. cit., p. 148-149.
845
Idem, ibidem, p. 165.
418

Essa opinião é compartilhada pelos pesquisadores da região Norte, como a


Doutora Natália Marinho Ferreira Alves, ao assegurar que os ofícios que utilizavam a
madeira como matéria-prima – marceneiros, carpinteiros, torneiros, ensambladores,
aparelhadores, escultores, entalhadores e imaginários – tinham limites muito tênues. Era
comum esses oficiais desempenharem até mesmo três ou quatro dessas funções. No sul,
Francisco Lameira conseguiu apurar que além de muitos artistas e artífices nacionais e
estrangeiros, que percorriam o Algarve, alguns se fixando definitivamente na região
abrindo oficinas, sem, no entanto, esclarecer como eram denominados, diz que as
oficinas eram “[…] quinze de talha e escultura e oito de pintura e douramento,
[…]”846.
No Brasil, veremos o modelo se repetir, em menor escala e com maior amplitude
de funções, pois a mão de obra era mais escassa do que em Portugal. Os modelos eram
padronizados, pelas gravuras ou pelas obras que serviam de fonte de inspiração. Na
dissertação de mestrado sobre a arte de entalhar no Rio de Janeiro setecentista, a
pesquisadora Márcia Bonnet conclui que, “no caso dos entalhadores, escultores,
imaginários e santeiros os limites entre um ofício e outro parecem quase inexistir. Já as
funções de imaginário e santeiro percorreram caminhos distintos: “a expressão
imaginário foi utilizada com maior frequência apenas entre os anos 1686 e 1712: é
possível que o termo estivesse caindo em desuso, mas não a função. É provável que ela
tenha se deslocado para a de escultor e/ou para a de santeiro (que aparece apenas
depois de 1751), com as quais se confunde no que diz respeito à própria natureza do
ofício”847.
Tanto os artífices quanto os construtores que atuaram no Brasil no século XVIII
não dispunham de cursos oficiais em que pudessem aprender as técnicas e os ofícios.
Em 1738, foi criado o curso de Artilharia, com a coordenação do engenheiro José
Fernandes Pinto Alpoim848, porém, este era restrito aos militares e a alguns poucos
civis. A transmissão do saber se fazia, a exemplo de Portugal, por meio do contato
pessoal entre mestre e aprendizes, e, havia ainda a incorporação de escravos, alguns
como simples ajudantes para o trabalho mais bruto, porém, outros demonstravam
verdadeiras habilidades com a arte de esculpir. Os mestres podiam ter um número

846
LAMEIRA, Francisco, O maior entalhador e escultor setecentista Algarvio – Manuel Martins,
publicado em Actas do Congresso Internacional do Barroco, Porto, 1991, p. 224-226.
847
BONNET, Márcia, Entre o artifício e a arte… op. cit., p. 36.
848
José Fernandes Pinto Alpoim (Portugal, 1700 - Brasil, 1765) foi militar português, engenheiro e um
dos principais nomes da arquitetura do Brasil, principalmente da cidade do Rio de Janeiro, no século
XVIII.
419

determinado de aprendizes, estipulado pelas irmandades embandeiradas. Também era


esta instituição que dava a carta de aprovação, devidamente registrada na Câmara, ao
modelo da corte e da Casa dos Vinte Quatro849.
Pertencer a uma irmandade no Brasil colonial representava um compromisso de
envolvimento ativo na vida da instituição. Segundo Caio Boschi, para bem entender as
irmandades coloniais, faz-se necessário diferenciar as irmandades de obrigação em
oposição às de devoção, distinguindo-as pela forma de organização, pois as de devoção,
na sua maioria, já existiam a partir da escolha de um orago e o ato formal só legitimava
uma situação já existente. “Assim estabeleceu-se no novo território um tipo de
associação que tem por fundamento básico o direito natural, para só posteriormente se
organizar como entidade de direito positivo [...] via Igreja ou Estado”850. Para as
ordens terceiras, a seleção era muito mais rigorosa e os irmãos mesmo vivendo como
seculares, estavam vinculados a uma ordem religiosa, seguindo as regras de uma vida
cristã perfeita, aprovadas pela Igreja. “Via de regra, as Ordens Terceiras se
caracterizavam por serem associações das camadas mais elevadas, sendo a
composição do seu quadro mais sofisticada [...]”851 transformando as suas capelas em
verdadeiros centros de vida social.
Em pleno século XIX, para o viajante inglês John Luccock, as artes produzidas
em terras brasileiras, “[...] eram praticadas da maneira mais formalista e aborrecida
possível. Cada trabalhador se considera iniciado em algum mistério que apenas eles e
os de sua confraria podiam compreender [...] o número exato das várias espécies de
profissões mecânicas não se poderia averiguar sem dificuldade, e, talvez, que o esforço
necessário para tanto não fosse compensado por um resultado satisfatório [...] não
conseguiam ganhar muito em 1808, considerava-se um operário bem pago, com meia
pataca, menos que um xelim, por dia. Mas o afluxo de estrangeiros e a multiplicação
das necessidades, dentro em pouco, elevaram o valor do trabalho, e em grau
extravagante. Deu isso motivo a que surgisse uma nova classe social, composta de

849
Estes artífices, em Portugal, agrupavam-se em corporações, representados pela Casa dos Vinte e
Quatro (órgão que constava um juiz de cada profissão), para defenderam seus interesses na vida local e
profissional através dos seus delegados. A corporação teve sua origem no século XV e funcionou até
1834, sofrendo algumas modificações no seu estatuto ao longo deste tempo. O Brasil não possuiu
instituição similar, ficando cada oficio subordinado a um juiz, que, por sua vez, era controlado pela
Câmara Municipal. Competia a esse juiz e a Câmara fornecer, após exames, a carta de habilitação, que
dava o direito, ao exercício da profissão, ao estabelecimento de loja, a ter ajudantes e aprendizes e, até
mesmo, a executar obras sobre a sua responsabilidade.
850
BOSCHI, Caio, Os leigos e o poder (Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais),
São Paulo, Ática, 1986, p. 17.
851
Idem, ibidem, p. 20.
420

pessoas que compravam escravos para o fim especial de instruí-los nalguma arte útil
ou oficio, vendendo-os em seguida por preço elevado, ou alugando seus talentos e
trabalho”852.
Já o que chamou a atenção do viajante inglês Thomas Ewbank, em visita à
cidade do Rio de Janeiro, foi o serviço prestado pelos escravos, “trabalhando como
carpinteiros, pedreiros, calceteiros, impressores, pintores de cartazes e ornamentos,
fabricantes de carruagens e escrivaninhas e litógrafos. É também verdadeiro que
esculturas em pedras e imagens sagradas em madeira são frequentemente feitas com
admirável habilidade pelos escravos e negros libertos. Vê-se mendigando no Catete um
homenzinho grisalho, velho africano, outrora considerado excelente escultor, mas que
agora é um alcoólatra inveterado. O vigário mencionou recentemente um escravo que
trabalha maravilhosamente em escultura sagrada na Bahia. Todas as espécies de
ofícios são executadas por homens e rapazes negros”853.
Percebemos, desta forma, que a padronização das técnicas laborais utilizadas
neste período, incluindo a metodologia do conhecimento e do saber, era passada de
oficina para oficina, de mestre para aprendiz. Poucos foram os manuais técnicos das
artes que chegaram às poucas bibliotecas e estaleiros do Brasil. E ainda, se comparando
à Metrópole, no Brasil, não havia tanta diversidade nem de materiais nem de mão de
obra. Então, em muitos casos, haverá adaptações locais de técnicas e materiais, devido à
facilidade de obtenção de um, em detrimento de outro, o que, algumas vezes, significará
uma vantagem, pela produção de peças únicas.
As esculturas devocionais dos séculos XVI, XVII e XVIII, em Portugal e no
Brasil, apresentam basicamente a mesma técnica laboral, herança dos países nórdicos
que, durante a Idade Média, foram os grandes mentores no uso da madeira policromada
e dourada, em painéis, retábulos e esculturas. Em Portugal, encontram-se excelentes
trabalhos em madeira policromada a partir do século XV, porém, o ápice da técnica se
deu nos séculos XVII e XVIII, com o uso de madeira recobrindo os interiores das
igrejas. O trabalho era dividido entre o oficial da madeira nas várias especificidades
examinadas acima, e o pintor, este podia ser também dividido nas especialidades: de

852
LUCCOCK, John, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil, Belo Horizonte,
Livraria Itatiaia/ EDUSP, 1975, p. 16.
853
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade de São
Paulo e Livraria Itatiaia, 1976 (edição original: 1869), p. 152/153.
421

dourado e de estofado; de têmpera e fresco e de imaginária de óleo854. Essa técnica


chegou ao Brasil e se espalhou pelos monumentos religiosos do período.
A madeira é o suporte que nos interessa, pois foi o principal material utilizado
para as esculturas devocionais, cuja técnica foi desenvolvida a partir da confecção dos
painéis pintados da Idade Média. A madeira empregada nos painéis e nas esculturas era
originária das florestas das redondezas das cidades e dos países. Assim, encontrava-se o
choupo na Itália, o pinho silvestre e o choupo na Espanha, o carvalho em Flandres e no
Norte da França e a nogueira, o castanho e a tília no sul da França855.
Em Portugal, na literatura pesquisada, a principal madeira utilizada foi o
carvalho proveniente das florestas ao Norte da Europa, importado de Flandres, com a
vinda de peças prontas ou matéria-prima para a fatura dos painéis e das esculturas. A
Professora Natália Marinho Ferreira Alves demonstrou, através de pesquisa documental,
que os artistas portugueses preferiam o carvalho, por ser uma madeira dura e de fácil
entalhe, e quase sempre importada do Norte da Europa. Utilizavam ainda o castanho das
zonas limítrofes, considerado de ótima qualidade856.
Preferência identificada também por Vítor Serrão quando informa que os
retábulos “da primeira metade do Quinhentos deviam ser feitos, de acordo com a
documentação e os exemplos remanescentes, de bordos de Flandres, o carvalho do
Báltico importado das cidades flamengas. Casos houve em que o carvalho se usava nos
painéis e outro tipo de madeira nos suportes, e em encomendas tardias, ou em áreas
regionais com menos recursos, alguns retábulos foram realizados sobre pranchas de
carvalho português ou sobre outras madeiras (castanheiro ou til, por exemplo). No
primeiro contrato de 1506 com Arnao de Carvalho para o retábulo da Sé de Lamego
diz-se taxativamente: toda a maçonaria que entrar na dita obra fora dos pilhares será
de bordo de flandes. [...] embora a imaginária de vulto estivesse a cargo de escultores e
o douramento e policromia do conjunto fosse dado a pintores de têmpera (douradores)
ou, em alguns casos, a grandes mestres que também exerciam essa modalidade, como

854
Segundo Vítor Serrão, havia uma diferença entre os profissionais que eram habilitados para a pintura a
óleo, e os habilitados para a pintura a têmpera e douradores. Os primeiros conseguiram certa
independência criativa, enquanto os segundos eram considerados meros artesãos das técnicas decorativas
dos estofamentos dos santos. Para maiores informações: SERRÃO, Vítor, Maneirismo... op.cit., p. 183-
190, no capítulo 6, 6.1 – as modalidades do ofício.
855
Informações citadas no livro da francesa Gilberte Emile Mâle. Portanto, o foco da obra são os países
europeus e, principalmente, a França. EMILE-MÂLE, Gilberte, Restauration des peintures de chevalet,
Paris, Office du Livre, 1986.
856
FERREIRA-ALVES, Natália Marinho, A arte da talha no Porto na época barroca. (Artistas e
clientela. Materiais e técnica), Porto, Arquivo histórico/ Câmara Municipal do Porto, 1989, p. 179.
422

foi o caso de Francisco Henriques e seus colaboradores em São Francisco de


Évora”857.
O francês Germain Bazin, quando questiona a origem de um conjunto de
retábulos do século XVII, pertencentes ao antigo colégio Jesuítico do Morro do Castelo,
na cidade do Rio de Janeiro, diz que “[...] o grande requinte de sua execução evidencia
serem de autoria de um excelente artesão e chegou-se mesmo a pensar que os jesuítas
tivessem mandado vir da metrópole esses altares, porém, a análise da madeira revelou
que foram talhadas em freijó ou louro-amarelo, madeira que existia bem próximo do
Rio, na floresta de Cabo Frio. Isto nos leva a crer que tenham sido executados in loco
por um artesão português, talvez um jesuíta [...]”858.
E ainda esclarece em nota que os retábulos portugueses não eram esculpidos em
madeira colonial, mas em madeira de castanheiro que, nas províncias do sul, eram
importadas do norte859. No entanto, sabemos que houve um interesse grande pelas
madeiras brasileiras, principalmente para a confecção de grades, de púlpitos
abalaustrados, tais como o jacarandá ou ‘pau santo’ e pau-preto860.
O pesquisador de Braga, José Vieira Gomes, na sua dissertação de mestrado,
menciona o exemplo do entalhador André de Almeida, residente na Rua das Flores, que,
em contrato, no ano de 1649, descreve detalhadamente o tipo de madeira que deveria
utilizar para fazer “o púlpito e grades da Igreja da Santa Casa da Misericórdia do
Porto, em substituição de outras grades com pilares de pedra de jaspe e os balaústres e
bancos de pau jacarandá e com guarnições e novetes de bronze […]”861.
Segundo Natália Marinho Ferreira Alves, a “referência à madeira do Brasil é
frequente em documentos da época, como, por exemplo, no contrato de 06 de Fevereiro
de 1700, pelo qual o marceneiro António de Azevedo Fernandes do Colégio da
Companhia de Jesus de Coimbra (actual Sé Nova), [...] específica que balaústres
deverão ser ‘todos de pau preto do Brasil’. Também em 28 de Julho de 1715 refere-se à

857
SERRÃO, Vítor, A Diocese do Funchal..., op. cit, p. 111-145.
858
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa..., op. cit., p. 282.
859
Idem, ibidem, p. 282.
860
SMITH, Robert, C., Agostinho Marques, “enxambrador da cónega”, Barcelos, Livraria Civilização,
1974, p. 61.
861
MIRÓ, Eva Pascual, Apud, GOMES, José Vieira, A talha e a arte de entalhar. Manual do Ofício,
madeiras e ferramentas, Dissertação de Mestrado, sob a orientação da Dra. Natália Marinho Ferreira
Alves, defendida na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004.
423

chegada do Brasil de uma remessa de toros de madeira para as obras do Mosteiro de S.


Bento da Vitória do Porto, nas quais se incluíam os púlpitos”862.
No trabalho de José Vieira Gomes, o leque de madeiras abre-se para diversas
espécies que eram também utilizadas para a talha: “para além das madeiras brasileiras,
o jacarandá e demais espécies, como o pau-santo, o pau-preto e o pau-brasil, e de
madeiras nacionais como o carvalho, o castanho, o cedro, o jenipapo e o buxo,
refiram-se igualmente, ligadas à talha em Portugal, entre outras, o cipreste, a faia, a
nogueira, a cerejeira, o loureiro e o cedro”863.
Em estudo sobre os púlpitos da Igreja de Nossa Senhora da Pena de Lisboa, do
estaleiro do mestre Félix Adaucto da Cunha, autor também do púlpito da igreja da
Madre de Deus, seus autores demonstram um procedimento interessante, a utilização de
dois tipos de madeira na sua fabricação: “[...] podemos identificar a construção dos
corpos feita com blocos/pranchas de madeira assentes longitudinalmente, de espessura
variável e suficiente para que uma das faces fosse entalhada e esculpida em alto-relevo.
A madeira foi ensamblada aparentemente em uniões simples de topo, com recurso a
cola animal e reduzido número de pregos em ferro, tradicionalmente ausentes por
serem um obstáculo ao trabalho das goivas e formões, tapados pelas camadas de
preparação ou decoração pictórica.
Madeiras identificadas através da análise de amostras obtidas: uma delas é o
género Pinus sp., no caso em estudo Pinus sylvestris L. (casquinha), e a segunda foi
identificada como Castanea sativa Mill. (castanho). As madeiras de casquinha e
castanho foram muito utilizadas e comuns na época barroca, a casquinha como
estrutura e o castanho como suporte entalhado, não só pela facilidade de corte e de
entalhe, mas também pela resistência mecânica. [...] No caso em estudo pudemos
identificar, recorrendo a tabelas dicotómicas, a utilização de madeira de castanho para
o corpo dos púlpitos e de uma espécie de pinus para a parte estrutural e pormenores de
apoio à construção dos púlpitos”864.
Do ponto de vista técnico, quando se utiliza a madeira como suporte para obras
de arte, alguns pormenores (ou detalhes) devem ser levados em consideração. Primeiro,
o entendimento de que as madeiras possuem características específicas, podendo ser

862
FERREIRA ALVES, Natália Marinho, ‘Púlpito’, publicado em Dicionário de Arte Barroca ..., op. cit.,
p. 387- 388.
863
GOMES, José Vieira. A talha ..., op. cit., p. 31.
864
FERREIRA, Sílvia; MURTA, Elsa; SANDU, Irina Crina Anca e PEREIRA, Manuel Costa, Os
púlpitos da Igreja de Nossa Senhora da Pena, em Lisboa: um estudo histórico, estilístico, técnico e
material, publicado em Conservar Património 19 (2014) 5-20. Disponível em http://revista.arp.org.pt .
424

classificadas em Gimnospérmicas e Angiospérmicas. As madeiras Gimnospérmicas são


mais conhecidas como madeiras coníferas ou resinosas, logo, plantas sem flor, com
folha perene, característica dos climas temperados e frios, são normalmente madeiras
brandas, tais como o cedro, o cipreste, o abeto, o pinho e a sequoia. Já as madeiras
Angiospérmicas, ou seja, as madeiras folhosas, ao contrário das anteriores, têm flores e
perdem as folhas no inverno. São chamadas popularmente de madeiras duras. A este tipo,
pertencem árvores como a cerejeira, o pau-rosa, o pau-preto, o castanheiro e o carvalho,
a faia, entre muitas outras. Assim, podem-se dividir as madeiras em relação ao entalhe
escultórico, em duras, como o mogno, em semiduras, como o carvalho e a nogueira, e
em macias ou brandas, o caso do cedro.
Outra característica importante da madeira é a sua capacidade de contrair e de
expandir de acordo com as condições climáticas, isto é, a madeira é um material
higroscópico, devido às suas propriedades químicas e físicas. E finalmente, na sua
essência, a madeira é constituída por três direções principais, a transversal, radial e
tangencial, sendo mais resistente a nível transversal no que respeita a deformações sobre
pressão, porque esta direção é aquela que dispõe de uma minoria de fibras no tecido
lenhoso.
Observando todas essas características, os artesões sabiam como escolher uma
boa madeira para que a obra não ficasse propensa a abaulamentos, deformações e
rachaduras. Cortar na época certa, fazer a secagem correta e utilizar a parte central do
tronco eram conhecimentos que todo artesão desses séculos tinha por tradição laboral.
Uma vez cortado e seco (pelo tempo correto), o bloco de madeira estaria pronto
para ser esculpido ou entalhado. A partir do desenho pré-estabelecido, avaliava-se a
necessidade ou não de incorporar, ao bloco principal, emendas, que deveriam ser feitas
da mesma variedade de madeira utilizada nos volumes extras. Algumas partes da
escultura em madeira, como as mãos, por exemplo, eram executadas separadamente e
depois fixadas ao bloco principal, antes da policromia.
No século XVII, costumava-se trabalhar em um cavalete giratório, ou sobre uma
mesa, amarrando o bloco. O desbaste começava por ferramentas menos precisas
(cinzéis, goivas e formões) até conseguir o acabamento idealizado pelo artífice, tendo
sempre o cuidado de trabalhar no veio da madeira. Rosto, mãos e pés podiam receber
um tratamento especial, de entalhe mais delicado. Quando feitos em blocos separados,
facilitavam o árduo trabalho.
425

Com a escultura pronta, era hora de acrescentar as incrustações de materiais


específicos: olhos de vidro, dentes e unhas de marfim, pedras preciosas, resina ‘rubi’,
madrepérolas e, em alguns casos, detalhes do luxo imposto às indumentárias, como o
uso de pedras e rendas. Detalhes que faziam toda a diferença na escultura do século
XVIII, a qual buscava a mimese, a ilusão, podendo ser confundida com o real, mas
inspirando o irreal.
Os olhos de vidro devem ser fixados na parte interna da cabeça. Com um
simples golpe de um formão, posicionado na parte inferior do queixo, solta-se a parte
anterior da face. Nesta parte, escavam-se as duas órbitas, para, em seguida, fixar os
olhos de vidro, que podem ter o formato de bulbo ou de conta865. Procedimento idêntico
é feito se a escultura também receberá dentes e outros detalhes. Em seguida, fixa-se a
face no local original, aproveitando-se o sentido das fibras da madeira, de maneira que o
corte, após receber as camadas de policromia, fique imperceptível.
Feitas as incrustações, a escultura estará pronta para receber as camadas da
policromia. Nessa etapa, a obra passava para a mão de um ‘pintor a têmpera’ ou
‘dourador’, que iniciava o processo pela encolagem da peça, isto é, pela aplicação de
uma ou duas camadas de cola animal sobre o suporte, cuja principal propriedade é
nivelar e diminuir a porosidade da madeira, criando uma superfície mais regular e lisa a
fim de receber as demais camadas.
A camada seguinte, chamada de preparação, possui o papel mecânico de permitir
ao suporte tornar-se plano, nivelar as irregularidades e servir de isolante entre a
policromia e a madeira, evitando assim que haja futuras interações entre as camadas,
principalmente com a pictórica. Possui ainda um importante papel ótico, influenciando
na harmonia final da obra.
A camada de preparação branca foi a mais utilizada nos painéis dos primitivos, e
também nas esculturas e na talha das decorações das igrejas, pois adicionava uma
camada de grande luminosidade. Nas superfícies e esculturas que receberão as folhas
metálicas, é necessário, após a camada de preparação branca, aplicar uma camada
especial, ocre ou em tons terrosos, chamada de bolo (Armênia). Ela é composta de
terras naturais extremamente finas, misturadas a uma cola animal e a alguns aditivos

865
QUITES, Regina Emery, ‘O “olhar” na escultura: história, técnica e preservação’, publicado em
MELLO, Magno Moraes (Org.), Formas imagens sons. O universo cultural da obra de arte, Belo
Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais/ Clio gestão cultural e editora, 2014, p. 175-184.
426

(grafite e chumbo), a qual deverá ser reativada com água quando da aplicação das folhas
metálicas. O aspecto final do douramento poderá ser fosco ou brilhante.
O bolo dito da Armênia – pois, na Antiguidade, provinha dessa região, é,
portanto, um material da mesma família dos pigmentos ocres, indispensável ao
douramento. Segundo o metalurgista italiano Vonnoccio Biringuccio, Portugal fornecia
um dos três melhores bolos da Europa, com ótimas qualidades. Era abundante na região
de Estremoz. Da mesma forma, os pigmentos terrosos provinham de Sintra, como a
famosa à umbra, pigmento mencionado por Filipe Nunes como ‘sombra de Cintra’866.
Na constituição física da camada de preparação, dois materiais são os principais
constituintes: um aglutinante líquido e uma carga (material sólido e inerte). Esses
materiais variaram ao longo dos séculos e das regiões. O aglutinante aquoso feito a
partir da cola animal ou da caseína era misturado ao carbonato de cálcio e ao sulfato de
cálcio867.
Em Portugal, a descrição deste procedimento é citada pelo historiador Robert
Smith, para uma obra de talha: “era costume aparelhá-las [as superfícies] duas vezes
com cola para encher todas as fendas e irregularidades da madeira. Inseriam-se
espigas revestidas de lona nas rachas maiores [no caso da obra de talha], quando não
se empregavam grampos de metal. Polida a superfície, cobria-se de várias camadas de
gesso para receber umas demãos de bolo de uma terra vermelha própria para lhe dar
elasticidade essencial ao processo de brunir o ouro”868.
O aglutinante oleoso aparecerá no século XIV, ou um pouco antes. Adaptou-se
melhor às pinturas sobre tela, devido a sua flexibilidade compatível com as grandes
superfícies das pinturas, do que as friáveis preparações à base de água e cola animal.
Também será utilizado em obras escultóricas, nas áreas da carnação, pois produzirá
como resultado final um aspecto aveludado, criando verdadeiros simulacros da pele
humana.
A camada seguinte é a mais importante, pois consiste na parte visível da obra de
arte. Sua constituição física compreende a mistura de um pó colorido, comumente
conhecido como pigmento, com um aglutinante. Este último determinará o tipo de tinta.

866
CRUZ, Antonio João, ‘A proveniência dos pigmentos utilizados em pintura em Portugal antes da
invenção dos tubos de tintas: problemas e perspectivas’, publicado em As preparações na pintura
portuguesa dos séculos XV e XVI, Lisboa, Faculdade de Letras, 2013, p. 302-303. Disponível em:
https://www.academia.edu/7267111/A_proveni%C3%AAncia_dos_pigmentos_utilizados_em_pintura_e
m_Portugal_antes_da_inven%C3%A7%C3%A3o_dos_tubos_de_tintas_problemas_e_perspectivas.
867
EMILE-MÂLE, Gilberte, op. cit.
868
SMITH, Robert, A talha em Portugal, op. cit., p. 13.
427

Se for aquoso, teremos as aquarelas, nanquins e têmperas; se for oleoso, as tintas à base
de óleo. Os pigmentos podem ser de origem mineral, animal, vegetal, ou, a partir do
século XVIII, sintéticos. A principal propriedade dos pigmentos é absorverem, devido a
sua composição química, parte do espectro solar. A parte liberada é a que o caracteriza.
Assim um grão que parece preto é feito de uma matéria que absorve todas as outras
cores. O seu poder de cobertura está relacionado ao seu tamanho: quanto mais fino,
maior poder de cobrir uma superfície.
Desde a Pré-história, o homem faz uso de pigmentos, principalmente, das terras
coloridas que encontrava ao seu redor, do carvão que sobrava do seu fogo. Porém, foi só
no século XVIII, graças ao progresso da química, que a quantidade de pigmentos foi
consideravelmente aumentada. O conhecimento dos pigmentos é uma ferramenta muito
importante para a datação, a determinação da origem e, até mesmo, a identificação da
autenticidade de uma obra. Assim, sabe-se que uma obra que utilize o azul da Prússia é
posterior a 1704, data de sua síntese química869.
Outra característica importante dos pigmentos é a sua qualidade e o seu valor no
mercado. O uso de um determinado pigmento pode apresentar (ou oferecer) indícios
preciosos, como a importância da obra para a época, a relevância e a riqueza do seu
encomendante e, até, em alguns casos, o grau de apuro técnico do próprio artista,
conforme demonstrou Michael Baxandall: “o contrato de Ghirlandaio insiste em que o
pintor utilize cores de boa qualidade, sobretudo a do ultramarino. A preocupação que
se verifica nos contratos com a qualidade do pigmento azul, assim como do ouro, não
era sem fundamento. Depois do ouro e da prata, o azul ultramarino era a cor mais cara
e a mais difícil de se empregar. Existiam nuanças caras e baratas e outras substitutas
ainda mais econômicas, geralmente chamadas de azul alemão (o azul ultramarino era
fabricado a partir do pó do lápis-lazúli, importado a altos custos do Oriente; o pó era
diluído várias vezes para se extrair a cor, sendo que o primeiro extrato obtido – um
azul violeta intenso - era o melhor e mais caro. O azul alemão nada mais era que o

869
O azul da Prússia foi usado numa escultura erudita (E4-SA) e noutra popular (P2-VA) pouco depois
da sua descoberta no início do século XVIII, o que sugere que os pigmentos tinham origem semelhante,
independentemente da localização ou qualidade das oficinas. Para maiores detalhes, ver BARATA,
Carolina; CRUZ, António João; CARBALLO, Jorgelina; COROADO, João; MENDONÇA, Maria
Helena e ARAÚJO, Maria Eduarda, ‘Caracterização através de análise química da escultura portuguesa
sobre madeira de produção erudita e de produção popular da época barroca’, publicado em Quim. Nova,
vol., 36, nº 1, 21-26, 2013.
428

carbonato de cobre; sua cor era menos brilhante e, o mais grave, seu uso se revelava
instável, particularmente em afrescos) [...]”870
É interessante observar que, para a representação das figuras, havia uma
hierarquia de importância a partir do uso dos pigmentos, “[...] o ultramarino destinado
a Maria deve ser de qualidade correspondente a dois floris a onça, ao passo que para o
resto do quadro um ultramarino a um florim a onça será suficiente. Um toque violeta
mais ou menos intenso exprime a importância [...]”871 dos personagens. Em Portugal,
‘como he tão caro, não se usa muito’, conforme afirmou Filipe Nunes no seu tratado de
pintura. Era caro porque tinha que ser importado da Itália, a preço elevado872.
O aglutinante determinava o tipo de pintura. Se fosse aquoso, produzido a partir
das colas animais, tais como pele de animal, goma arábica ou caseína, a pintura ficava
(ou resultava) opaca, sem brilho. Se fosse feito a partir da emulsão do ovo, além de ser
uma pintura muito estável e resistente, conhecida como têmpera, podia apresentar certo
brilho com o uso da gema. Já os óleos permitiam uma pintura com brilho e transparente.
O óleo de linhaça foi o mais utilizado, por ser o mais secativo. Quando entra em contato
com o oxigênio, suas moléculas se oxidam, formando uma película superficial sólida,
que, com o tempo, vai secando o interior. A quantidade de óleo dependia diretamente
das propriedades físicas do pigmento: o branco de chumbo necessitava de 12% de óleo,
enquanto a sombra terrosa requeria até 75% para ser empregada em pintura.
Nas esculturas devocionais, o uso das folhas metálicas, principalmente o ouro,
foi fundamental na decoração das áreas onde se intencionava imitar os diferentes tipos
de tecidos. Tratava-se de uma das operações mais difíceis e dispendiosas, pois
necessitava de extrema perícia. É nesse momento que surge um artífice de grande
importância no processo do douramento, o mestre bate-folhas, o fornecedor da matéria-
prima – do ouro em folha – nas condições exigidas para a sua aplicação. As folhas
deveriam ser finíssimas, de tal modo que, quando aplicadas, cobrissem a superfície com
grande (ou bastante) eficiência.
O estudo efetuado por Natália Marinho Ferreira Alves, demonstrou que a relação
entre o dourador e o bate-folha era de absoluta dependência, a ponto deste último, em
algumas ocasiões, tornar-se o principal fiador para o trabalho arrematado pelo pintor

870
BAXANDALL, Michael, O olhar renascente. Pintura e experiência social na Itália da renascença,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, p. 20.
871
Idem, ibidem, p. 21.
872
CRUZ, Antonio João, ‘A proveniência dos pigmentos utilizados em pintura em Portugal..., op. cit., p.
301.
429

dourador. Segundo a mesma especialista, pouco foi registrado sobre a obtenção das
folhas de ouro dos séculos XVII e XVIII, mas se sabe que consistia primeiro na
aquisição da matéria-prima, o ouro, em estado bruto ou reaproveitado em cisalhas
(restos das folhas de ouro preparadas anteriormente). Seguia-se a fundição, feita em
cadinhos: o ouro bruto ou as cisalhas aquecidas deveriam chegar ao estado líquido
(quando se utilizava o ouro bruto era necessário remover as impurezas e acrescentar
outros materiais para formar uma boa liga). Por fim, despejava-se o produto num molde
para obter uma pequena barra de ouro873.
O próximo passo consistia na laminação, ato de bater meticulosamente o ouro
até formar as folhas. Em seguida, estas eram batidas até que extravasassem os limites do
molde (desbastador), de medida padronizada. Quando isso ocorria, aparavam-se os
bordos e as sobras eram reaproveitadas para novas folhas (cisalhas).
Normalmente vendia-se o ouro em conjuntos de 100 unidades, chamados de
livros, compostos de folhas de ouro (pães de ouro) finas, separadas por folhas de papel
fino. Elas oscilavam entre vinte e vinte e quatro quilates, o ouro apresentava uma cor
dourada intensa (ouro subido). Vendia-se por milheiros (dez livros de cem folhas / pães
de ouro)874.
Vítor Serrão, no artigo sobre o retábulo da Sé do Funchal, faz a seguinte
observação sobre a policromia e o custo de se dourar o cadeiral, “[...] razões ignotas
levaram a que o cadeiral se mantivesse ‘em cru’, com policromia, mas sem
douramento, até data tardia. Se em 1691-1696 se cumpriu esse desiderato: naquela
data, encarregou-se o funchalense António Lopes da tarefa do dourado das cadeiras
dos cônegos, mandando-se vir de Lisboa, para o efeito, 200 livros de ouro no valor de
171.660 rs e mais 81.500 rs de tintas azul, mas a solução foi polémica, como atesta em
1722 o cronista local Henrique Henriques de Noronha, pois se correu o risco de ‘lhe
tirar o dourar a fineza das cores’”875.
A última camada pictórica constituía a mais importante, pois deveria ser
admirada pelos fiéis. Entretanto, só apresentaria um excelente resultado caso as
camadas precedentes tivessem sido empregadas da maneira correta. Portanto, o seu
requinte e perícia deviam-se aos pintores que a realizavam. Era normal utilizar uma tinta
de base oleosa na área da carnação e, no estofamento, uma têmpera. Isso porque, na

873
FERREIRA-ALVES, Natália Marinho, A arte da talha..., op. cit., p. 179.
874
Idem, ibidem, p. 184.
875
SERRÃO, Vítor, A Diocese do Funchal..., op. cit., p. 111-145.
430

carnação das faces, mãos e pés, buscava-se a aparência aveludada da pele humana,
necessitando-se, portanto, de um acabamento esmerado. Para tal, chegava-se a polir a
região com a pele do estômago de carneiro. Já, nas áreas do estofamento, também
chamadas de panejamento, por ter a intenção de imitar os panos luxuosos da época,
aplicava-se a camada de têmpera sobre o douramento. Antes da sua secagem definitiva,
partes eram removidas a fim de deixar à mostra em dourado, os desenhos que se
pretendiam fazer. Aplicava-se esse douramento normalmente em toda a superfície, mas
ele também poderia ser aplicado em reservas, isto é, só nas áreas onde haveria a
remoção da camada pictórica superior. A seguir, serão discutidas as principais técnicas
utilizadas para obter os tão desejados tecidos luxuosos: esgrafiado, punção, o pastiglio,
e, ainda, ponta de pincel, entre outros.
Os estudos sobre os materiais constitutivos e as técnicas laborais das esculturas
policromadas vêm sendo intensificados, principalmente a partir dos trabalhos
interdisciplinares entre as áreas de restauro e história da arte. Muita importância teve
para a área os avanços tecnológicos e as pesquisas, com o uso de instrumentos
científicos que permitem ampliar, separar e identificar os materiais constitutivos das
camadas da policromia. Tais resultados, apoiados na documentação da época, podem
oferecer boas pistas sobre a identificação e a origem dos pigmentos. No exemplo do
estudo sobre policromia espanhola, citado por Vítor Serrão “[...] são abundantes os
elementos de caracterização das tintas e pigmentos utilizados, onde constam até
registos da utilização do ‘ocre de Portugal’ e do ‘almagre do Brazil’, junto dos
‘brancos de leche e a albayade de Venecia’, às ‘sombras de Ubieto’, ‘azul Niza’, ‘azul
fino de Sevilla’, ‘ocre de Flandres’, ‘añil gastado de cal de Pelaire’, ‘carmesí de
Alemania’, ‘carmín de Florencia’ e ‘almagre de Levante’ usados na policromia de
determinados retábulos em igrejas de Navarra”876.
O projeto POLICROMIA877, integrando Portugal, Espanha e Bélgica, constitui
um exemplo desses avanços. É formado por profissionais cujo principal interesse reside

876
GOÑI, P. Echeverría, ‘Policromia del renacimiento en Navarra’, apud SERRÃO, Vítor. Acordar as
cores..., op. cit., p. 102.
877
Congresso Internacional POLICROMIA, A escultura policromada religiosa dos séculos XVII e XVIII.
Estudo comparativo das técnicas, alterações e conservação em Portugal, Espanha, e Bélgica.
Patrocinado pelo Instituto Português de Conservação e Restauro, realizado em Lisboa, na Fundação
Caloute Gulbenkian, em novembro de 2002. Dos estudos publicados ver: SERCK-DEWAIDE, M, ‘Les
techiniques utilisées dans l’art baroque religieux des XVIIe et XVIIIe síecles au Portugal, en Espagne et
en Belgique’, publicado em Policromia. A escultura policromada religiosa dos séculos XVII e XVIII.
Estudo comparativo das técnicas, alterações e conservação em Portugal, Espanha, e Bélgica. Instituto
Português de Conservação e Restauro, Lisboa, (2002) 119-155.
431

no estudo dos materiais constitutivos e das técnicas empregadas na fatura das esculturas.
Sabe-se que as técnicas adquiridas pelos artífices tinham uma relativa disseminação,
chegando a diversas regiões, onde, com a incorporação de novos e diferentes materiais,
criavam-se variações, de acordo com as distintas interpretações dos artesãos.
O esgrafiado (palavra aportuguesada do italiano esgrafitto) consistia em recobrir
a folha metálica com uma camada colorida e, antes da sua completa secagem, remover,
com um estilete, as partes desejadas, segundo um desenho preestabelecido, permitindo,
assim, que a superfície metálica subjacente aparecesse. O esgrafiado dava excelentes
resultados, ornando a superfície da escultura com motivos impressionantes, bastando
que o pintor tivesse certa habilidade. Os motivos utilizados eram, em sua maioria,
fitomorfos, geométricos ou a mistura dos dois: do tipo guilhoché, isto é linhas paralelas,
retas ou curvas (formando, muitas vezes, figuras geométricas, tais como losangos ou
quadrados); do tipo vermiculura, tradicionalmente chamado de caminho sem fim, pois,
a partir de um ponto, vai se descrevendo uma linha sinuosa que preenche toda a
superfície desejada, sem fim. Ainda são encontradas pequenas estrelas, círculos e pontos
recobrindo a superfície na sua totalidade.
A punção, cujo nome vem dos carimbos metálicos utilizados para puncionar
desenhos na decoração ornamental de livros, foi, então, adaptada à decoração das
policromias. Tal qual ocorre no sistema de carimbo, fica uma marca sobre a superfície
do ouro, que deve ser aplicado à peça com a ajuda de uma pequena força proveniente de
um instrumento, normalmente um delicado martelo. O desenho criado pelos carimbos
metálicos era diversificado. Foram encontrados desde um simples ponto até círculos e
estrelas, conforme a moda e o gosto de cada pintor. Muitas vezes, esses pontos
aplicados ajudavam na delimitação dos desenhos para a técnica do esgrafiado, e, dava,
no final, o efeito de luz e sombra à pintura.
O pastiglio, do italiano pastiglia, que significa pasta, consistia normalmente num
relevo aplicado à superfície da escultura, antes da camada de policromia. A composição
dele podia ser obtida através da aplicação de várias camadas, a pincel, de gesso e cola
na superfície ou da fixação de materiais, tais como: cera, tecidos, linhas, barbantes
embebidos na preparação mais líquida. Em nossa dissertação de mestrado, dedicada ao
estudo das esculturas em madeira policromada de São Miguel Arcanjo, na cidade do
Rio de Janeiro, constatamos que o pastiglio estava presente em um grande número de
obras. Essa técnica permitia a aplicação (criação) de desenhos em volume, feitos a partir
da própria massa utilizada na preparação, nas áreas em que se intencionava criar a
432

aparência do metal: elmo e couraça. Alguns desses trabalhos exibiam uma técnica
primorosa878.
A técnica identificada como ponta de pincel nada mais era do que a utilização de
algumas pinceladas suaves e de cores diversas, sobre o desenho conseguido no
esgrafiado, com o intuito específico de fazer meio tons, criando áreas de luz e sombra, e
dando certa profundidade ao desenho. Existiram, no Brasil, variações dessa técnica.
Encontram-se, em algumas regiões, policromias feitas praticamente a partir do uso de
pincéis, com grandes florões aplicados à superfície do douramento em reserva, pois
neste caso, só o miolo das flores deveria ser dourado, como a policromia típica da
escola baiana879. Entretanto, em outros locais, como algumas regiões de Minas Gerais
de fins do século XVIII, a pintura já era composta de pequenas flores, sobre douramento
integral.
Havia ainda uma diversidade de técnicas decorativas, tais como veladuras, isto é,
camadas muito finas de tinta a óleo ou a têmpera, transparentes e coloridas, que se
executavam sobre camadas coloridas ou sobre as folhas metálicas. Foi muito utilizada
sobre a folha de prata, nos oratórios ditos mineiros, da segunda metade do século XVIII,
pois, desta maneira, protegiam-se da oxidação as folhas metálicas, principalmente, a
folha de prata, que exposta ao oxigênio escurecia rapidamente, e criava a sensação de
ser um metal colorido.

5.3.2.2 As técnicas adaptadas ao território brasileiro

As primeiras esculturas religiosas que chegaram ao Brasil acompanhavam os


homens do mar, nas suas viagens de exploração ao novo mundo. Na nau de Pedro
Álvares Cabral, estavam alguns padres e freis franciscanos, logo é provável que os
primeiros santos a aportarem no litoral do Brasil fossem os simpáticos e carismáticos
São Francisco e Santo Antônio, ou ainda, os específicos para a proteção da travessia

878
JUSTINIANO, Fátima, Il uccelo divino. Estudo iconográfico, técnico e formal das esculturas do São
Miguel Arcanjo da cidade do Rio de Janeiro no período colonial. Dissertação de Mestrado, sob a
orientação da Professora Doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, apresentada ao Programa de pós-
graduação em História da Arte, da Faculdade de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
1997.
879
FAUSTO, Cláudia Maria Guanais Aguiar, Padrões, cromatismos e douramentos na escultura sacra
católica baiana nos século XVIII e XIX, Dissertação de Mestrado em Artes Visuais, programa de pós-
graduação em Artes Visuais, Universidade Federal da Bahia, 2010. E ainda da mesma autora GUANAIS,
Cláudia, ‘Descrição da técnica e análise formal da policromia na imaginária baiana’, publicado na Revista
Ohun, Salvador, ano 3, n. 3, p. 37-71, 2007. Disponível em:
http://www.revistaohun.ufba.br/PDFs/artigo2.pdf .
433

marítima, tais como Nossa Senhora da Boa Viagem e São Pedro Gonçalves Telmo,
vulgo Santelmo.
Com a criação das primeiras vilas e a fixação das populações, vieram as Ordens
Religiosas e seus santos: jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas. Veremos
descortinar uma plêiade de santos: os jesuítas trouxeram os seus fundadores: Santo
Inácio e São Francisco Xavier, em imagens de madeira de grande formato; os
beneditinos, os gêmeos São Bento e Santa Escolástica, e ainda, Nossa Senhora de
Monteserrate em imagens introspectivas de barro cozido; os franciscanos, num primeiro
momento, São Francisco e Santo Antônio em barro, mas, com o avançar dos anos,
começam a aparecer belíssimas imagens de madeira de apelo fácil e gosto popular. Já os
carmelitas, desde o início, deram preferência às imagens eruditas da Virgem do Carmo
ou da sempre carismática Santa Teresa, em madeira.
As esculturas mais antigas ainda encontradas no Brasil são, portanto, as de
origem portuguesa, com já mencionado, presentes nas capelas jesuítas, tais como o São
Lourenço, da capela de São Lourenço dos Índios, na cidade de Niterói e as duas Virgens
da Conceição, pertencentes ao antigo colégio no Rio de Janeiro. Em Salvador, pode-se
encontrar a Nossa Senhora das Maravilhas, hoje acervo do Museu de Arte Sacra, tida
como uma das mais antigas que aportaram no Brasil. Foi trazida por D. Pero Fernandes
Sardinha, primeiro bispo da cidade de São Salvador, na Bahia, em 1551. A obra, no
entanto, recebeu, no século XVII, um revestimento de prata, que a transformou em
imagem relicário.
Os beneditinos adaptaram-se muito bem ao barro, matéria-prima presente em
todas as regiões do Brasil. Trouxeram essa tradição de Portugal, onde se destacaram as
escolas de Alcobaça e de Tibães. Os franciscanos e carmelitas utilizaram em menor
escala o barro, embora seja possível encontrar resquício de uma imaginária em barro
cozido, nos mais antigos complexos franciscanos, e, em menor número, nos carmelitas.
Os jesuítas nunca trabalharam o barro, sempre a madeira, que acabou por ser a escolha
final de todas as ordens e das futuras escolas regionais do século XVIII. Era abundante,
de fácil manejo e entalhe e, quando pronta, resistia bem ao tempo e às intempéries dos
percursos.
Em suma, no Brasil, é possível encontrar um bom número de imagens em barro
cozido, do século XVII, porém, a partir de fins do XVII e em todo o XVIII, a madeira
reinará absoluta. No século XVIII, ocorrerá a introdução do uso da pedra na decoração
434

das fachadas das Igrejas em peças importadas de Portugal ou de fatura local, nas regiões
onde houvesse pedras que permitissem o entalhe.
Examinando a literatura específica sobre escultura em madeira policromada no
Brasil, constata-se que muitos trabalhos têm sido publicados pelo CEIB880 (Centro de
estudos da imaginária brasileira), cuja intenção primeira, como o próprio nome indica, é
estudar as esculturas religiosas. Com base na literatura pesquisada, pode-se dizer que a
principal madeira utilizada como suporte para as imagens litúrgicas produzidas no
Brasil, foi basicamente a Cedrela fissilis vel, popularmente conhecida como cedro. “O
gênero cedro, da família Meliaceae, abriga [...] oito espécies de Cedrela encontradas
nos trópicos do novo mundo. Por fornecer madeiras com excepcionais características
físicas e organolépticas, isto é, a propriedade de impressionar os sentidos e distribuir-
se geograficamente por todo o neotrópico, o cedro tem sido exaustivamente explorado e
usado na região desde a pré-história. Os nativos já o empregavam para construir
embarcações e casas [...] foram os espanhóis que o batizaram de cedro, porque
associaram seu odor aromático a uma outra madeira denominada cedro na Europa.
[...] a identificação de uma madeira pela anatomia não permite, infelizmente,
identificar a espécie com absoluta segurança. Podemos dizer, entretanto, que a
comparação das amostras retiradas das esculturas, com amostras conservadas na
xiloteca do Museu Paraense Emílio Goeldi, mostrou que elas têm maior afinidade com
Cedrela fissilis, [...]”881.

Fig. 113 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Ouro Preto (Fonte:


BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão… op. cit.)

Contudo, também é possível encontrar esculturas em


madeiras, como pinho de riga, canela (Aniba sp. família Lauraceae),
pau de lacre (Vismia aff. cayenensys família Guttiferae), e outras,
porém, em menor quantidade. As imagens de vestir são um bom exemplo da variedade
e diversidade de madeiras. O Cristo no Horto da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de
880
O CEIB (Centro de estudos da imaginária brasileira) publica periodicamente quatro boletins ao ano e a
revista IMAGEM Brasileira, com as conferências e artigos dos Congressos, feitos de dois em dois anos.
881
LISBOA, Pedro Luiz Braga, ‘Uma madeira muito usada no barroco mineiro’, apud COELHO, Beatriz
Vasconcelos e QUITES, Maria Regina. Emery, Estudo da escultura devocional em madeira, Belo
Horizonte, Fino Traço, 2014, (64-65).
435

Ouro Preto possui cabeça, mãos e pés esculpidos em cedro, enquanto a armadura de
sustentação da imagem é de matéria-prima mais barata e ripas de madeiras variadas882.
Quanto às técnicas da policromia e da decoração, variavam conforme a erudição
do artesão, a região ou até mesmo a disponibilidade dos materiais. Geralmente
consistiam em encolagem, camadas de preparação, incluindo ou não o bolo necessário
ao douramento, e, a camada pictórica. No Brasil, o processo também era feito através de
uma associação entre o ‘escultor’ e o ‘pintor’. Quando o primeiro dava o trabalho por
finalizado, incluindo a incrustação dos olhos de vidro e do que mais necessitasse, o
segundo começava a aplicar as camadas da policromia. Começando pela encolagem, a
seguir, vinha a camada de preparação branca, de base aquosa (a carga podia variar entre
o carbonato de cálcio e o branco de chumbo). Nas áreas de imitação da pele humana –
carnações –, optou-se pela utilização da camada de base oleosa. O uso do bolo ocre foi
quase constante. O douramento podia ser integral ou em reserva, isto é, localizado
apenas nas áreas onde a policromia iria ser removida pelo pintor. O ouro ainda podia ter
o acabamento brunido ou fosco.
A camada pictórica foi primordialmente em têmpera, isto é, uma cola animal
mesclada aos pós com cores – pigmentos-, que chegavam de Portugal ou eram
confeccionados a partir de material local (as terras naturais davam excelente pigmento e
com uma grande variedade de tons, como a citada ‘almagre do Brazil’).
Tivemos esculturas tecnicamente de alto nível de erudição, feitas, com certeza,
pelas mãos de artífices portugueses. Porém, foi mais comum o uso de técnicas ditas
‘semieruditas’, isto é, feitas por artífices que não dominavam completamente o fazer
laboral. E também existiam casos em que o artista tinha o conhecimento técnico, mas
lhe faltavam as condições adequadas, o instrumental correto e o material apropriado.
Então, entrava em cena a sua criatividade. Desta maneira, os resultados obtidos podiam
ser inesperados e ímpares.
Na região de Sabará, em Minas Gerais, temos conhecimento de uma dupla de
artífices quase perfeita na confecção das esculturas devocionais, para não dizer perfeita.
O escultor é o tão conhecido Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho. Já o
pintor, ainda não foi identificado. O resultado do trabalho dos dois é excepcional, tanto
na forma, quanto na técnica. Os santos carmelitas – São Simão Stock e São João da
Cruz –, assentados nos nichos dos altares laterais da Igreja do Carmo de Sabará, são um

882
BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
436

bom exemplo dessa parceria. Essas esculturas unem o forte e personalizado entalhe de
Aleijadinho à ímpar e primorosa técnica decorativa da policromia.
Ainda sobre bons resultados de trabalhos duplos, é oportuno citar outra parceria
do escultor Aleijadinho, agora com o melhor pintor da região de Minas Gerais, Manuel
da Costa Ataíde (1762-1830), Mestre Ataíde. Os dois primeiros passos do Santuário de
Congonhas tiveram as mãos dos dois artífices. Até hoje a qualidade pictórica desses
passos supera a dos demais883.
Mestre Ataíde também exerceu a função de dourador. Testemunha esse seu
ofício o compromisso firmado por ele para fazer a pintura da nave e do douramento do
altar-mor da igreja de Nossa Senhora do Carmo, de Ouro Preto, transcrito por Antônio
Francisco Lopes. Neste documento, percebem-se as técnicas e as condições impostas
pelo artista para desenvolver um bom trabalho, que já havia sido iniciado por outros
artífices: “que este Altar mór fino e cola de pelica fina, e muito bem desposto de baixo
de regra e preceito para se apresentar um bom, e admirável dourado, estando nesta
altura deve-se agora seguir seu devido lixamento para lizura do mesmo Dourado, e
mais empregos da obra depois disto será bem espanado, e limpo seguindo-se outras 5
de mãos de bolo armenio em a mesma cola fina com a devida cautela e observância nas
diversas temperas que são necessárias, e costume, donde pende o bom ou mau êxito de
um Dourado.
Que estando desta sorte pronto do bolo armenio se começará a assentar a outo
em seus devidos lugares bem como tudo quanto for peças gerais de talha, biscates,
festões de flores, redondos, filetes, e meias canas das cimalhas, e molduras, repartindo-
se em seus lugares o que for devido e melhor gosto o que for justo para se lhe dar a cor
de fosco.
Que estando todo o Altar dourado como deve ficar se alvejará com três de mãos
de Alvaiade fino todos os lisos, e fundos da obra, e assim ficara de branda cor geral de
perola de azul da Prussia e nela o mais brando fingimento de pedra lazara, o que for
cimalhas, molduras, e alguns corpos maiores que animão e distinguem beleza e
valentia da obra, e assim ficara toda ela mais distinta e brilhante, e no presente
gosto”884.

883
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O Aleijadinho e o Santuário de Congonhas, Brasília,
Monumenta/IPHAN, 2006. E ainda da mesma autora Os Passos de Congonhas e suas restaurações,
Brasília, Monumenta/ IPHAN, 2011.
884
LOPES, Francisco..., op. cit., p. 85.
437

Nas esculturas de madeira de grandes dimensões, é frequente o recurso da


escavação pelo reverso, de forma a minimizar os efeitos da contração da madeira,
segundo as condições ambientais e, nos casos das imagens processionais, a deixá-las
mais leves para servirem às manifestações litúrgicas diversas: procissões e rituais
internos885. Em contrapartida, a maioria das esculturas religiosas de pequeno porte é de
madeira maciça. Segundo a professora Beatriz de Vasconcelos Coelho, todas as peças
ocas que foram examinadas no CECOR (Centro de conservação e restauração de bens
culturais móveis, pertencente à Universidade Federal de Minas Gerais) tinham uma
tampa bem fixada ao verso da imagem, com a policromia trabalhada sobre ambas as
partes, sem distinção, a fim de deixá-la invisível. Uma das duas esculturas dos santos
carmelitas, citadas acima, a de São João da Cruz, apresenta o interior escavado, e com
pequenos tacos de madeira fixados com cravos, utilizados como reforço do suporte.
“Em peças atribuídas ao entalhador e escultor português Francisco Vieira Servas, essa
escavação na parte posterior da imagem tem uma característica particular, [...]. Elas
são sempre divididas em duas partes separadas por uma faixa horizontal, compacta, na
altura da cintura. É o caso dos anjos tocheiros, da Basílica do Bom Jesus de
Matosinhos, em Congonhas [...]”886.
Porém, em alguns casos, ou apenas nas esculturas de grandes dimensões, não
ocorria a fixação de uma tábua de madeira para disfarçar a escavação do verso. Talvez
isso se devesse ao fato de essas esculturas permanecerem nos seus locais definitivos e
nunca serem removidas para os rituais litúrgicos. São esculturas grandes e pesadas,
como o caso dos santos beneditinos de Frei Cipriano da Cruz, que participaram da
exposição Josefa de Óbidos e a invenção do Barroco Português 887.
A escavação também se fazia nas imagens de vestir, quando a estrutura corporal
apresentava o aspecto anatomizado. É o caso dos exemplares da Ordem Terceira do
Carmo, de Ouro Preto, que podem ser apreciados através do belíssimo estudo técnico
feito por Lia Sipaúna Proença Brusadin, citado anteriormente.

885
Técnica laboral presente também nas esculturas portuguesa, ver: BARATA, Carolina; CRUZ, António
João; CARBALLO, Jorgelina e ARAÚJO, Maria Eduarda, ‘Os materiais e as técnicas usados numa
escultura barroca, do Museu de Santa Maria de Lamas, representando São Domingos’, publicado em
Conservar Património, nº 6, 2007, p. 21.
886
COELHO, Beatriz e QUITTES, Maria Regina Emery, op. cit., p. 69.
887
A exposição Josefa de Óbidos e a invenção do Barroco Português ocorreu no Museu Nacional de Arte
Antiga, em Lisboa, no ano de 2015. Estavam presentes, juntamente com as telas da artista de Óbidos, as
esculturas do Frei Cipriano da Cruz: Santa Gertrudes, São Gregório, Santo Amaro, Santa Escolástica e
Santa Francisca Romana. Tiveram a parceria na policromia do pintor Pascoal de Sousa, e todas elas
tinham os versos escavados e sem a proteção de tábuas de madeira.
438

Fig. 114 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Ouro Preto (Fonte:


BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit.)

Outra variante das esculturas em madeira é a quantidade de


blocos usados para obter o melhor resultado. Essa quantidade está
intimamente ligada ao tamanho e à forma que a escultura adquirirá depois de pronta.
Pontas excedentes de indumentárias esvoaçantes, braços e pernas soltas das esculturas
do século XVIII significavam maior número de blocos para a fabricação, pois só desta
maneira era possível dar corpo aos movimentos dançantes e ziguezagueantes que as
obras exigiam.
No geral, as mãos eram sempre entalhadas separadamente para serem fixadas na
etapa final. Um bom exemplo é a escultura de São Simão Stock, estudada pelo CECOR
para uma intervenção de conservação e restauro. A obra compõe-se de um número
reduzido de blocos, sem muitos excedentes, porém, as mãos são separadas e incluem
uma “perfuração para a colocação de um pino de madeira, que atravessa todo o punho,
determinando, assim, a posição exata em que deveriam ficar”888.
Quanto aos materiais empregados nas camadas de preparação e pictórica das
esculturas religiosas no Brasil, a pesquisadora Beatriz Coelho (2005), analisa que a
“base de preparação era sempre branca e constituída por cola animal mais a carga,
geralmente em duas partes principais que recebiam várias demãos. A primeira,
próxima ao suporte, ajudava a corrigir as imperfeições da talha e apresentava
impurezas; era composta por carbonato de cálcio (CaCO3), sulfato de cálcio (CaSO4),
ou caolim (silicato de alumínio bihidratado Al2O3 2SiO2 2H2O), componentes
encontrados em esculturas de Minas Gerais. A segunda camada de preparação era
mais fina, sem impurezas, poderia ser composta por carbonato de cálcio, ou por “gesso
sotille” ou gesso mate, o sulfato de cálcio bi-hidratado (CaSO4 2H2O)”889.
A camada pictórica era diferenciada para as áreas da carnação e dos
estofamentos. Nestes o bolo fazia parte da preparação, sendo sempre a última camada,
composta de várias demãos. Já, nas áreas da carnação, os ‘encarnados’, a “policromia

888
COELHO, Beatriz e QUITTES, Maria Regina Emery, Estudo da..., op. cit., p. 69.
889
COELHO, Beatriz, ‘Materiais e técnicas das esculturas policromadas’ publicado em COELHO,
Beatriz (org.), Devoção e Arte: imaginária religiosa em Minas Gerais, São Paulo, Edusp, 2005, p. 233-
280.
439

era feita em muitas demãos e camadas, comumente a óleo ou em têmpera oleosa. Os


pigmentos podiam ser o branco de chumbo, que era o carbonato básico de chumbo,
2PbCO3Pb (OH)2, conhecido também por alvaiade, este dava luminosidade; e o
vermelhão, vermelho puro, brilhante e muito opaco, sulfeto de mercúrio, HgS, para dar
o tom rosado”890.
Em suma, dizemos que as técnicas empregadas na Europa chegaram ao Brasil
via Portugal, e que os artífices possuíam o conhecimento necessário, e, o praticavam
com esmero. Percebemos também, que havia certa adaptação às condições materiais das
diferentes regiões, com bons e maus resultados. Dois exemplos excepcionais são os
santos carmelitas da Igreja do Carmo de Sabará. Fatura de Antônio Francisco Lisboa, e
policromia de um mestre não identificado, cuja destreza técnica está acima da média. A
observação dessas esculturas a partir do exame radiográfico demonstra uma excelente
técnica construtiva na fixação dos blocos, dos olhos de vidro, dos dentes de marfim, e,
da língua.
Em contrapartida, existiram esculturas com técnicas muito simples, sem o
aprendizado laboral. Um exemplo é a escultura do São Miguel Arcanjo 891, pertencente
ao Museu do Ouro de Sabará, em Minas Gerais, estudada na monografia do curso de
conservação e restauro do CECOR. Embora o artífice não possuísse nenhum
conhecimento técnico, é possível observar a criatividade que usou e o resultado que
obteve. Como tinha pouca habilidade para o entalhe, fez inúmeros elementos
decorativos separadamente, para então, fixá-los ao bloco principal por meio de tachas e
colas. Da mesma maneira, também é estranho o resultado obtido na policromia.
Resultado final, a escultura é tosca, bruta, dura, porém, a habilidade dos artífices em
querer fazer algo acima dos seus conhecimentos e acima da média do que existia na
região tornou-a uma peça ímpar.

5.3.3 Classificação das esculturas devocionais

Os sete cristos dos Passos da Paixão das Ordens Terceiras do Carmo


representam tipos iconográficos diferentes, subordinando, desta forma, características
tipológicas distintas na sua técnica de fabricação. Podemos dividi-los em dois grandes

890
Idem, ibidem, p. 256.
891
JUSTINIANO, Fátima, São Miguel Arcanjo. Estudo técnico, formal e iconográfico de uma escultura
em madeira policromada, Monografia do curso de especialização em Conservação e restauração
apresentada no Centro de Conservação e restauração de bens culturais móveis da Universidade Federal de
Minas Gerais, 1991.
440

grupos: de vulto pleno e imagens ‘de vestir’. Este último ainda abarcará subdivisões
devido a algumas variantes de soluções diversas. Porém, a constante das imagens de
vestir é o entalhe perfeito de rostos, mãos e pés, estes últimos quando necessários, e a
despreocupação com as áreas do corpo, pois estas serão recobertas com vestimentas de
tecidos naturais.
A conservadora da Universidade Federal de Minas Gerais, Maria Regina Emery
Quites, na sua tese de doutoramento sobre as imagens de vestir das Ordens Terceiras
franciscanas do Brasil, estudou as imagens de vestir e a sua função processional assim
como reviu os conceitos que identificavam as diversas peças, tendo em conta tipologias,
técnicas, materiais e ainda a problemática da conservação e do restauro892. No entanto,
não conseguiu fechar as terminologias, pois o trabalho se restringiu aos conjuntos dos
santos terceiros franciscanos, em particular, aos santos que saíam na Procissão das
Cinzas. A diversidade e a criatividade dos artífices para esse tipo de escultura foram
imensas.
Na busca de estudos portugueses sobre o assunto a fim de estabelecer uma
comparação com as tipologias traçadas pela pesquisadora brasileira, confrontamo-nos
com a dissertação de Mestrado de Diana Rafaela Martins Pereira, Imagens de vestir em
Aveiro: a escultura mariana do século XVII à contemporaneidade893, de 2014. Para
nossa surpresa, a autora, além de se basear em alguns trabalhos espanhóis, utilizou
como principal fonte do seu trabalho, a tese de doutoramento de Emery Quites,
acrescentando uma nova tipologia, ligada especificamente às imagens de vestir
femininas, em particular a da Virgem, assunto particular do seu estudo.
Neste estudo, procuramos unir as classificações tipológicas de Maria Regina
Emery Quites, às da pesquisadora portuguesa a fim de enquadrar os Cristos dos
terceiros carmelitas. Quando necessário, foram adicionadas algumas considerações,
divergindo das tipologias estruturadas pelas duas estudiosas ou complementando-as.
Segue uma descrição sumária das categorias desenvolvidas pelas autoras:
1 - Imagens ‘cortadas ou desbastadas’, que a pesquisadora portuguesa Diana
Pereira prefere chamar de ‘imagens adaptadas’, são aquelas que já foram esculturas de
vulto pleno e, por motivos diversos, sofreram alterações em sua estrutura original;

892
QUITES, Maria Regina Emery, Imagem de vestir:… op. cit., p. 245.
893
PEREIRA, Diana Rafaela Martins, Imagens de Vestir em Aveiro: A Escultura Mariana do Século XVII
à Contemporaneidade, Dissertação de Mestrado, orientada por Doutor Nuno Resende, apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2014.
441

2 - Imagens ‘anatomizadas’ são aquelas que apresentam os corpos esculpidos de


forma simplificada, sugerindo os volumes anatômicos, alguns muito toscos e outros
com definições dos volumes. As partes à mostra recebem um tratamento naturalista. Já,
as recobertas ganham a policromia de apenas uma cor, quase sempre azul.
Alguns dos Cristos dos terceiros carmelitas enquadram-se neste tipo. É
interessante observar que, mesmo quando a forma anatomizada do corpo será recoberta,
existe a diferença qualitativa da pintura da carnação, a fatura será de boa qualidade nos
rostos e mãos, e de aspecto mais simples no corpo. Nos Cristos, nota-se ainda que,
mesmo nos que estão nus, é constante a presença do pano de pureza, simplificado,
aplicado ao quadril. Segundo Emery Quites, pode-se tratar de uma questão de decoro,
para não serem representadas as partes íntimas894;
Neste tipo, a pesquisadora portuguesa incluiu um pequeno grupo que chamou de
imagens de ‘vestes sintetizadas’, peças que apresentam linhas, volumes e pregueados de
vestes, esculpidos com mais ou menos expressão ou detalhe, mas sem quaisquer
acabamentos que tenham como objetivo imitar o tecido, sendo apenas pintados com a
tal cor plana e única que indica que a peça terá de ser vestida com tecidos naturais. Em
alguns casos pode tratar-se da tal representação de uma roupa interior do “santo”,
mas cremos que noutros existe mesmo uma indicação de vestes “exteriores”895;
3 - Imagens ‘de roca’ são definidas com este nome pela semelhança com as
rocas de fiar, isto é, apresentam a estrutura corporal, ou só as pernas, composta por ripas
de madeira, na forma cônica. Era normal recobrir esta estrutura com uma tela ou tecido
de modo a esconder as ripas. O número de ripas e as formas que elas poderiam criar
eram imprevisíveis e variavam muito;
4 – E, como último item, as imagens com ‘técnicas mistas’ podem combinar
partes correspondentes a cada tipo descrito acima. Podem ter partes esculpidas
sinteticamente, com volumes anatômicos e ainda ripas de madeira.

Em todas essas variações, o elemento definidor será o uso das vestimentas


naturais, e, para quase todas, adotar-se-á algum tipo de articulação dos membros, com a
função de movimentar e variar o posicionamento das esculturas, isto é, de dar ‘vida ao
santo’. Mas também era oportuno para facilitar o ato de vestir o santo. As esculturas de

894
QUITES, Maria Regina Emery, Imagem de vestir..., op. cit., p. 253.
895
PEREIRA, Rafaela Martins, Imagens de vestir..., op. cit., p. 101-102.
442

vestir também se diferenciavam pelo uso ou não de cabelos naturais, de olhos de vidro,
de dentes de marfim e de língua esculpida separadamente.
Resumindo, as imagens de vulto pleno são aquelas que possuem talha inteira,
isto é, são totalmente entalhadas e policromadas, não possuindo articulações, foram
feitas para permanecerem em uma única posição, sem variações e sem movimentos.
Mas, podem receber alguma complementação de indumentárias de tecidos naturais, tais
como os Meninos Jesus, isolados ou nos braços de santos e as Virgens com os seus
mantos de tecido natural, e assim por diante.
Nesse grupo, ainda podem existir imagens que possuam alto nível de elaboração
técnica e decorativa, com excelente policromia e encarnação, mas que recebem algum
tipo de articulação. As engrenagens das articulações devem ser escondidas por materiais
que simulem a pele humana, como um pedaço de couro macio policromado, material
que foi muito utilizado. O exemplo mais comum dessas imagens, no Brasil, são os
Crucificados, que se transformam em Senhor Morto, comumente utilizado nas
comemorações da Semana Santa. Apresentam o mecanismo de dobra nos ombros,
recoberto por um couro policromado, permitindo, desta maneira, que os braços abram e
fechem de acordo com a necessidade do ato litúrgico. Outro exemplo deste grupo é o
santo guerreiro São Jorge, que saía montado em um cavalo de verdade na procissão de
Corpus Christi896. Para isso, possuía, nas pernas, um mecanismo de encaixe, que ficava
escondido pela própria armadura do santo.
As imagens ‘de vestir’ necessitam utilizar roupas, pois não possuem corpos
perfeitos. Eles são estilizados ou feitos a partir de ripas de madeira. Essas esculturas
possuem rosto, mãos e pés de talha e policromia de excelente qualidade, imitando o
real, entretanto o corpo deve ser escondido por vestes naturais. Esse grupo foi
subdividido pela Dra. Emery Quites nos quatro tipos analisados acima.
Dentro do possível, os Cristos dos terceiros carmelitas serão enquadrados nas
duas divisões e, quando as características permitirem, nas subdivisões também.
Portanto, para o estudo dos Cristos carmelitas, utilizar-se-á a classificação de forma
muito simples, dividindo-os nos dois grupos principais: os de ‘vulto pleno’ e os ‘de
vestir’. E, analisando suas particularidades, os ‘de vestir’ serão classificados (ou
organizados ou agrupados ou ordenados) segundo as diferentes tipologias definidas para
essas imagens.

896
QUITES, Maria Regina Emery, Imagem de vestir..., op. cit., p. 245.
443

5.3.4 Os Cristos da Paixão da Ordem Terceira do Carmo

No grupo dos sete Cristos das igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, temos um
conjunto tecnicamente homogêneo de cerca de 100 esculturas, todas em madeira com
aplicação de policromia. Acompanham as técnicas laborais descritas até o momento,
com particularidades definidas pelos tipos iconográficos: quatro são de vulto pleno e
três de vestir.

Fig. 115 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Belém, do Pará.
Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado).

Existem diferenciações quanto à habilidade do artífice em executá-las, ou quanto


à procedência, podendo ser portuguesa, importada, ou feita no Brasil, neste caso, por
artífice português ou já nascido no próprio Brasil, assunto que será tratado com mais
atenção no próximo subitem.
A homogeneidade passará também pelas dimensões. O conjunto mantém-se
dentro de medidas perto do natural. As variações decorreram do tipo iconográfico,
estando o Cristo de pé, ajoelhado ou sentado. Portanto, nos passos da Prisão, Flagelação
e Ecce Homo, as medidas serão compatíveis, assim como nos Cristos da Coroação de
espinhos. Haverá uma ligeira variação somente nas esculturas do Cristo no Horto e nas
do Senhor dos Passos, pois, nestes casos, pode ocorrer de o Cristo ter as pernas
flexionadas, com os dois joelhos a tocarem o solo ou apenas um.
Em média, as medidas são as seguintes para cada passo: Cristo no Horto, média
de 1,00 m, Cristo da Prisão de 1,20 m, Cristo da Flagelação de 1,20 a 1,30 m, Cristo
da Coroação de espinhos de 1,10 m, Ecce Homo de 1,20 a 1,30 m, Senhor dos Passos
de 1,10 m. Caso se pretenda saber sobre detalhes individualizados, consultar o volume
II com as fichas técnicas. Variação maior será encontrada nos Crucificados, com peças
menores do que o conjunto, como ocorre na igreja do Carmo de Faro, ou com Cristos
maiores do que o conjunto, como os da Igreja dos Terceiros de Campos dos Goytacazes.
444

Os tipos físicos e iconográficos dos Cristos dos Passos da Paixão dos terceiros
carmelitas tiveram como modelo, os importados da metrópole. Apesar de este programa
ter sido mais usual no Brasil do que nas Igrejas portuguesas, conseguimos localizar, em
Portugal, algumas igrejas que ainda os conservam, assim como outras que mantêm
resquícios de possíveis conjuntos.
O único conjunto português que tem os passos da Paixão nos altares laterais e
altar-mor, como no Brasil, é o da igreja dos Terceiros do Porto. Na igreja da cidade de
Beja também possui alguns passos nos altares, porém, os Cristos são de épocas distintas
e falta o passo do Ecce Homo. As igrejas de Lisboa, Faro, Faial e Tavira ainda possuem
os conjuntos completos, mas estes ficam acondicionados em espaços diversos, e,
portanto, a principal função era exclusivamente o uso processional. Nas igrejas de
Moura, Évora e Viseu, existem exemplares do Cristo de vulto pleno, sendo que a última
só dispõe do Ecce Homo.
Tivemos acesso à tecnologia de fabricação desses Cristos através dos Inventários
coordenados por Francisco Lameira897, no que diz respeito à igreja de Faro. Por meio do
trabalho monográfico de Ágata Biga898, com relação à igreja de Horta, na ilha do Faial.
E, finalmente, por intermédio das diversas publicações sobre o escultor José de
Almeida899, relacionadas às igrejas de Lisboa.
A tabela abaixo exibe o resumo da tipologia dos Cristos referente às técnicas
utilizadas na elaboração das peças portuguesas. Observe-se que foram incluídos os
remanescentes dos conjuntos das igrejas de Moura, Évora e Viseu: Flagelo, Coroação e
Ecce Homo.

CRISTOS Vulto pleno Imagens de vestir


Horto Lisboa; Faro; Horta; Beja

Prisão Lisboa; Faro; Horta; Beja

Flagelo Lisboa; Faro; Horta; Moura;


Évora; Beja

897
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve…Volume XII – Concelho de Faro. 1ª parte.
898
BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo... op. cit..
899
VALE, Teresa Leonor M., Um português em Roma …. op. cit. E mais recente, Um Português em Roma,
Um Italiano em Lisboa. Novos contributos sobre as obras dos escultores José de Almeida e João António
Bellini. Disponível https://www.academia.edu/9779360/Ainda_Um_Portugu%C3%AAs_em_Roma_Um_
Italiano_Lisboa. E a tese de mestrado da pesquisadora PEREIRA, Célia Nunes Santos, A arte na Igreja
do Convento de Santa Maria do Carmo … op. cit..
445

Coroação Lisboa; Faro; Horta; Moura;


Évora; Beja

Ecce Homo Lisboa; Faro; Horta; Moura;


Évora; Viseu

Cruz às Lisboa; Faro; Horta; Beja


costas

Crucificado Lisboa; Faro; Horta; Beja

Examinando a tabela, pode-se afirmar que as sete esculturas de Cristo dos Passos
da Paixão das Ordens Terceiras do Carmo portuguesas dividem-se nas tipologias até
agora consideradas. De vulto pleno são os tipos iconográficos do Flagelo, Coroação,
Ecce Homo e Crucificado. Imagens ‘de vestir’ são os tipos iconográficos do Horto,
Preso e Senhor dos Passos. Neste último grupo, há duas variedades: imagens
‘anatomizadas’, os conjuntos de Faro e de Lisboa, e imagem de ‘roca’, o grupo Faial.
Os conjuntos do Porto e de Tavira, não se ajustaram a nenhuma tipologia específica,
enquadrando-se, portanto, no grupo geral de imagens ‘de vestir’.

Fig. 116 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Faro, Portugal.
Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado). (Fonte: fotos preto e branco, LAMEIRA,
Francisco, Inventário artístico do Algarve…Volume XII – Concelho de Faro, itens 4.81, 4.82 e
4.86).

O Crucificado de todos os conjuntos é de vulto pleno, com cabelos entalhados.


As esculturas de Faro, tanto as de talha plena quanto as de vestir, possuem os cabelos
entalhados. Já, nas imagens da Ilha de Faial e de Lisboa, os cabelos são entalhados nas
de vulto pleno e, artificiais (perucas) nas ‘de vestir’. A maioria apresenta olhos de vidro
e os atributos comuns a cada passo iconográfico, como visto no capítulo anterior.
A seguir, os grupos pertencentes às igrejas brasileiras.
446

CRISTOS Vulto pleno Imagens de vestir


Horto Belém, João Pessoa, Goiana,
Recife, Salvador, São Paulo,
Santos, Mogi das Cruzes;
Cachoeira, Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro Itu,
Ouro Preto
Prisão Salvador Belém, João Pessoa, Goiana,
Recife, São Paulo, Santos, Mogi
das Cruzes Cachoeira, Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro, Itu,
Ouro Preto
Flagelo Belém, João Pessoa, Goiana, Recife,
Salvador, Cachoeira, Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro, São
Paulo, Itu, Santos, Mogi das Cruzes
Coroação Belém, João Pessoa, Goiana, Recife,
Salvador, Cachoeira, Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro, São
Paulo, Itu, Santos, Mogi das Cruzes
Ecce Homo Belém, João Pessoa, Goiana, Recife,
Salvador, Cachoeira, Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro, São
Paulo, Itu, Santos, Mogi das Cruzes
Cruz às Belém, João Pessoa, Goiana,
costas Recife, Salvador, Cachoeira,
Campos dos Goytacazes, Rio de
Janeiro, São Paulo, Itu, Santos,
Mogi das Cruzes.
Crucificado Belém, João Pessoa, Goiana, Recife,
Salvador, Cachoeira, Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro, São
Paulo, Itu, Santos, Mogi das Cruzes
Observações:
1 – Dentre as esculturas da cidade de Cachoeira, os cinco primeiros Cristos são todos de
uma mesma fatura. O Senhor dos Passos e o Crucificado pertencem a outra mão, podem
ser mais antigos.
2 – As informações técnicas das peças Horto, Prisão e Cruz às costas, da cidade de
Campos dos Goytacazes, de entalhe anatomizados, foram dadas por um funcionário da
Igreja, pois, nas fotos do inventário do INEPAC, as peças estavam vestidas e não existia
descrição da técnica empregada.
3 – As sete esculturas dos Passos, da cidade do Rio de Janeiro são de dois artistas
distintos, as dos altares foram confeccionadas por Pedro da Cunha, e o Crucificado, por
Simão da Cunha. O mesmo Pedro da Cunha recebeu encomenda para fazer os Cristos de
Itu.
447

Trata-se da repetição do padrão também com as esculturas dos terceiros


carmelitas brasileiros. Os tipos iconográficos em escultura de vulto pleno foram os da
Flagelação, da Coroação de espinhos, do Ecce Homo e Crucificado. Deste último tema,
não havia nenhum com articulação, que pudesse também servir de Senhor Morto. E são
imagens de vestir os exemplares do Horto, Prisão e Senhor com a cruz às costas.
Curiosamente, foi possível encontrar, em algumas igrejas carmelitas, um
exemplar do Senhor Morto com articulação no ombro. Isso porque essa escultura
participava das comemorações da Sexta-feira Maior, na Procissão do Enterro. O ritual
começava com a remoção do Cristo da Cruz e a sua colocação no esquife, e, então,
seguia pelas ruas da cidade. Ainda é possível testemunhar este ritual nas ruas de Ouro
Preto, em Minas Gerais, porém, hoje está a cargo das igrejas matrizes do Pilar e de
Antônio Dias. A Igreja do Carmo de Ouro Preto possui um Senhor Morto, com
articulações nos ombros, de fatura diversa dos sete Cristos dos Passos, sendo, portanto,
de época e estilo diferentes.
As imagens ‘de vestir’ também podem ser divididas em imagens ‘anatomizadas’
e imagens ‘de roca’. Os conjuntos de Belém, Cachoeira, Campos dos Goytacazes e Itu
compõem-se apenas de imagens anatomizadas, enquanto os exemplares de Ouro Preto e
Mogi constituem-se de imagens de ‘roca’. Os Cristos das igrejas restantes, Salvador,
João Pessoa, Goiana, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Santos não puderam ser
classificados pela impossibilidade de acesso às estruturas corporais.

Fig. 117 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Itu, São Paulo,
Brasil. Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado). (Fonte: Arquivo Central do IPHAN, Rio de
Janeiro, década de 30 do século passado)

Nas imagens ‘de vestir’, repete-se o padrão também quanto às articulações:


todas apresentam pelo menos uma articulação nos ombros. Porém, o mais comum é
ainda apresentarem-na nos cotovelos, já menos recorrente é a dos punhos. Nas pernas,
448

quando são anatomizadas, possuem articulações somente as representações do Senhor


do Horto e do Senhor dos Passos. Já a imagem do Senhor Preso articula-se apenas nos
cotovelos, por permanecer de pé e as mãos poderem vir amarradas à altura do quadril.
Quando as mãos estão amarradas a altura do peito as esculturas também apresentam
articulação nos ombros, observar o Cristo da Prisão da Igreja de Belém do Pará.
A indumentária das imagens ‘de vestir’ é constante, uma túnica longa, mas
também pode apresentar uma túnica branca, simples, como roupa de baixo, para dar
volume e ajudar a esconder a estrutura corporal. Na maioria dos exemplos, as imagens
têm cabeleiras naturais, mas algumas delas apresentam cabelos entalhados. Não havia
uma lógica na opção pelo entalhe ou não dos cabelos, talvez se tratasse apenas da
necessidade de levar menos tempo no entalhe, de ter um custo menor, ou ainda, de uma
menor perícia técnica do artífice.
Sem pretender fazer apologia das imagens ‘de vestir’, consideramos que elas
possuem técnica e estética próprias. Podem apresentar a função cultual, devocional e
processional, portanto, são obras multifuncionais. Servem ao culto nas igrejas como
exemplo para os sermões edificantes, na devoção particular nos retábulos, e ainda, nas
manifestações religiosas internas e públicas, participando das procissões. Enfim, fazem
parte do grande teatro sacro da arte religiosa do século XVII e XVIII. E as
indumentárias e adereços podiam transformá-las em peças únicas e extraordinárias.

5.3.4.1 Particularidades técnicas

O conjunto de esculturas da Paixão de Cristo das Ordens Terceiras do Carmo


apresenta uma técnica homogênea: quatro imagens são de vulto completo e três imagens
de vestir. Porém, observando a tabela referente às igrejas brasileiras, percebe-se de
imediato uma exceção, o Senhor Preso, da Igreja de Salvador. É o único exemplar desta
tipologia de vulto pleno. Está representado nu, com o perizônio amarrado à cintura, e
não, como de praxe, com a túnica longa de tecidos naturais. Tal representação acarreta
um problema litúrgico, pois Cristo só tem as vestes removidas, depois da condenação,
quando vai sofrer o castigo da flagelação.
Uma das hipóteses aventadas é a de que o artífice já possuía o exemplar do Ecce
Homo e tentou adaptá-lo à invocação de que necessitava. Porém, não é a única hipótese,
pois, se ele respeitou as demais tipologias, porque não a do Senhor Preso? Poderia ser
talvez a mudança da fonte de inspiração, com leitura iconográfica diferente. Ou ainda
449

uma fonte de inspiração com influências do neoclassicismo, que privilegiava o nu,


muito em voga em Salvador nos primeiros anos do século XIX, época da feitura dos
Cristos. Estes foram esculpidos após o incêndio que destruiu a igreja em 1789. Por isso,
a atual decoração da igreja, incluindo a talha retabular, as parietais e todas as imagens,
segue o gosto ‘moderno’, isto é, neoclássico.
A segunda particularidade vem do conjunto de Ouro Preto, que apresenta o uso
das máscaras de chumbo, uma técnica não comum ao mundo luso-brasileiro e,
possivelmente, até para o próprio artífice, pois as peças se encontram em processo de
degradação muito forte, com grandes perdas da policromia do rosto, deixando à mostra
sua estrutura interna. Tecnicamente, são esculturas em madeira, feitas a partir de
diversos blocos, em corpos anatomizados e em armações de ripas. A particularidade é o
uso das máscaras de chumbo na parte da frente do rosto. O artífice da madeira teve
apenas que nivelar a madeira para o encaixe da máscara, contornando a cabeça. Ao
pintor, coube a responsabilidade de aplicar as camadas da policromia900.
Não foi encontrado mais nenhum exemplar com técnica semelhante no Brasil,
assim como não se ouviu nenhuma descrição da técnica sendo empregada em
Portugal901. Porém, já havíamos discursado sobre o assunto, quando restauramos um
conjunto de esculturas equatorianas alguns anos atrás. Na época, concluiu-se que esta
era uma característica da escola de Quito, introduzida pelos espanhóis e utilizada, com
certo sucesso, pelos dois maiores escultores mestiços do período, Bernardo de Legarda
(ca. 1700-1773) e seu discípulo Manuel Chilli (ca. 1723-1796), conhecido pelo apelido
de Caspicara, justamente pela perfeição das faces das suas Virgens902. Sabe-se que, na
Quito da segunda metade do século XVIII, houve uma ‘industrialização’ da produção, o
que chamam de ““atalhos” da manipulação dos processos produtivos para o

900
Para maiores detalhes, ver o trabalho monográfico sobre os Cristos de Ouro Preto, em que a autora
discute a possibilidade, para a época, da manufatura das máscaras na própria cidade, ou na capital, Rio de
Janeiro. BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
901
Fizemos uma pesquisa individual com o nosso orientador Vítor Serrão e com o Carlos Moura.
Nenhum deles nunca ouviu falar do uso de máscaras de chumbo na confecção de esculturas policromadas
em Portugal.
902
Para maiores esclarecimentos, ver: JUSTINIANO, Fátima e AUDAY, Maria Assuncion,
‘Considerações sobre a restauração e conservação de esculturas equatorianas do período colonial’,
publicado em Anais do VII Seminário : Panorama atual da conservação na América Latina, Petropolis,
Abracor, 1994, p. 93-96. Bernardo de Legarda foi um importante escultor quitenho, mestiço, fez muitos
tipos iconográficos, sendo o principal a Imaculada Conceição (1734), da Igreja de São Francisco de
Quito, protótipo do que passou a ser conhecido como Virgem de Quito, muito copiada a partir daí. Teve
diversos discípulos, entre eles, Jacinto Lopez e Manuel Chili, conhecido como Caspicara (face de
madeira). O que mais chamava atenção nas suas esculturas era a policromia, excepcional, tanto nos
brocados quanto nas carnações. Os rostos, feitos a partir de máscaras de chumbo, recebiam uma
cuidadosa policromia, que ganhava contornos maravilhosos.
450

abastecimento da exportação. [...] foi uma produção seriada de forma que encurtasse o
tempo de produção e que resultasse em uma maior quantidade de obras”903. Para o
historiador citado acima, Kennedy-Troya, faziam-se santos e Virgens, mas nunca
Cristos utilizando as máscaras.
No Brasil, não são comuns esculturas com máscaras de chumbo, mas, existem
exemplos do uso de metal em partes da escultura, na maioria das vezes, o chumbo. Um
bom exemplo, citado no trabalho da pesquisadora Lia Brusadin, é o busto relicário de
Santa Luzia, do Museu de Arte Sacra de Salvador, de autoria do monge beneditino Frei
Agostinho da Piedade, do século XVII, proveniente da antiga Igreja do Colégio de Jesus
de Salvador, feito em metal e policromado. Comprovamos a existência, em Portugal, de
uma tradição de pintura sobre metal. Muitas são as pinturas de pequeno formato sobre
suporte metálico. A pintora Josefa de Ayala fez, em Óbidos, vários estudos de pequeno
formato sobre esse suporte, sempre na técnica a óleo904.
Entretanto, é mais usual utilizar o metal substituindo partes de esculturas, com o
intuito de protegê-las, como, por exemplo, a mão direita de São Jorge do Museu de
Mariana, a qual suporta o peso de uma espada de metal, que, durante a procissão de
Corpus Christi, ia levantada ao ar. Procedimento semelhante foi realizado na bota de
metal do Cristo de Lucca, na Itália, e também no pé de São Pedro, da escultura em
pedra, muito venerada no Vaticano. Nestes dois últimos casos, o intuito foi protegê-los
do toque dos fiéis, que causa o desgaste da pedra, no segundo caso, e da madeira, no
primeiro.
Nas peças de Ouro Preto, o uso da máscara de chumbo teve a intenção de
facilitar e apressar o trabalho. Entretanto, surge uma questão: seria possível fazer esse
tipo de trabalho na Ouro Preto da segunda metade do século XVIII ou na da primeira do
XIX? Os altares confeccionados foram feitos para abrigar os Cristos, fato comprovado
pelos atributos nas tarjas superiores, no entanto, só ficaram prontos em data avançada
do século XIX. Constata-se, numa simples observação, que as peças não se ajustam
perfeitamente aos seus camarins, são pequenas, necessitando de suportes extras na base.
Isso pode significar o desconhecimento, por parte do artífice que esculpiu as esculturas,
das medidas exatas dos nichos, realizando-os a partir de dimensões aproximadas, ou de
dimensões que se subordinavam ao tamanho das máscaras, pois era necessário manter

903
KENNEDY-TROYA, apud, BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit. p.
177.
904
Catálogo da exposição, Josefa de Óbidos e a invenção do barroco português..., op. cit.
451

uma relação harmoniosa de cânone, para não tornar as peças desproporcionais. Ou ainda
que as peças sejam anteriores aos altares, porém, neste caso, as medidas dos altares
poderiam ter se adequado melhor aos Cristos.
Resta, então, a possibilidade de as máscaras terem sido importadas da região
além Andes. Confirma-se esta hipótese pelo fato de as esculturas apresentarem a parte
estrutural do corpo feita em madeira local, provavelmente com a intervenção de mais de
um artífice, pelo menos dois, uma vez que existem diferenças na fatura das orelhas,
como registra Lia Brusadin905. Todavia esta hipótese nos parece mais lógica: as
máscaras foram importadas da região de Quito, no Equador, especificamente para a
Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto e um especialista em madeira confeccionou os
corpos nas proporções mais adequadas às máscaras, sem qualquer preocupação com as
dimensões do camarim do altar. Que poderia ser o mesmo que confecionou o anjo do
Passo do Cristo no Horto, excelente escultura com rosto arredondada, cabelos
entalhados e que apresenta certa similidade com os querubins dos altares entalhados por
Justino Ferreira de Andrade.

Fig. 118 – Anjo do Passo do Cristo no Horto, Ouro Preto,


Minas Gerias. (Fonte: BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos
da Paixão… op. cit.)

Quem as teria encomendado e por quê? São questões que


requerem ainda uma vasta pesquisa documental. Apesar de esta
igreja ter sido objeto de estudos e pesquisas documentais de
longa data, em nenhum momento, mencionou-se a aquisição ou a confecção dos Cristos.
O conjunto dos sete Cristos da igreja de Ouro Preto, como de costume, compõe-
se de três imagens de roca (Horto, Prisão e Senhor dos Passos) e quatro de talha
completa (Flagelo, Coroação, Ecce Homo e Crucificado). Seis delas estão nos altares
laterais da igreja e o Crucificado se encontra no altar da sala do consistório, no segundo
andar. Este último foi o único dos sete cristos que sofreu uma intervenção de restauro e
apresenta a policromia do rosto em perfeito estado. Por esse motivo, é possível conhecer
a sua estrutura tecnológica, inclusive, com a delimitação da máscara de chumbo, através

905
Para maiores informações, ver BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
452

de exame radiográfico, assim como a quantidade de blocos e a área oca no interior do


peitoral.
O uso das máscaras de chumbo determinou que os Cristos tivessem o mesmo
tipo fisionômico, sem demonstrar escultoricamente diferenças emocionais, tais como
resignação, tristeza, dor e sofrimento. Os Cristos têm, portanto, igual formato de rosto,
boca, nariz, idêntica marcação de sobrancelhas e o mesmo desenho e detalhe das barbas.
Ficou, portanto, para o pintor a responsabilidade de diferenciar, através da pintura, a
demonstração de sentimentos que deveria compartilhar com o fiel em cada passo
iconográfico.
Fato similar também ocorre com cinco dos sete Cristos da igreja dos Terceiros
da cidade de Cachoeira, na Bahia, e de Mogi das Cruzes, em São Paulo, que apresentam
a mesma tipologia de rosto, com traços fisionômicos idênticos, porém, nestes dois
exemplos, os rostos são entalhados, repetindo um único modelo. Parece se tratar de uma
simplificação do trabalho de entalhar, a fim de acelerar a produção, deixando a
diferenciação das características fisionômicas a cargo do pintor.
Tarefa que diferenciou esses conjuntos do restante. Normalmente, os facies dos
sete Cristos, nas esculturas de pleno vulto, são mais rebuscados, incluindo a cabeleira
entalhada e movimentada. Já, nas imagens ‘de vestir’, os rostos tornam-se mais simples,
podendo chegar a uma simplicidade quase total, com o uso de cabelos postiços. Por
isso, as imagens são entalhadas e pintadas com a cabeça lisa.

Foi ainda comum nas imagens ‘de vestir’ do tipo roca, o uso de um tecido (linho
ou algodão) cobrindo as ripas ou a fatura simplificada dos corpos, com a intenção de
esconder as formas rígidas das ripas de madeira, e, ao mesmo tempo, incutir um ar de
decência, necessário às imagens, conforme determinou o Concílio de Trento. Era dever
dos proprietários manter as esculturas bem cuidadas, com decoro e zelo. Assim, até os
Cristos anatomizados, possuíam perizônios entalhados toscamente na madeira, para
nunca parecerem que estavam nus, como é o caso da totalidade destas tipologias.
Nas imagens ‘de vestir’, havia sempre articulação nos ombros e nos cotovelos,
para possibilitar a mudança de posicionamento, facilitar na hora de vestir e trocar as
indumentárias e, ainda, permitir a variação iconográfica. Alguns exemplares do Cristo
do Horto e do Senhor com a cruz às costas possuíam articulação nos joelhos, porém, o
453

mais comum era a substituição da perna por ripas de madeira, sendo os pés fixados nas
pontas, quando havia a necessidade dos mesmos906.
A maioria das peças de vulto pleno e anatomizadas era oca, o que favorecia o
seu uso nos andores processionais, tornando-as mais leves, sem grande sacrifício para
os condutores dos andores. Há também uma justificativa técnica para tal: proteger a
madeira dos danos causados pelas mudanças climáticas, tais como rachaduras e
empenas, como se expôs no início deste subitem.
Uma característica das imagens de vestir que chama a atenção num primeiro
momento é o uso de cabeleiras naturais, isto porque, é difícil encontrá-las em boas
condições de conservação. Em alguns Cristos, principalmente na tipologia do Senhor
dos Passos, imprimem à escultura um ar assustador. Na nossa série de Cristos, não
existe um padrão para o uso ou não de perucas. No entanto, a maioria das imagens ‘de
vestir’ utiliza perucas de cabelos naturais. Nos exemplos analisados, o uso de perucas
ocorria maioritariamente nos Passos do Horto, do Cristo Preso e do Cristo com Cruz às
costas, enquanto os cabelos entalhados apareciam nos passos do Flagelo, Coroação,
Ecce Homo e Crucificado. Existem, porém, exceções: nas igrejas de Cachoeira, de Mogi
das Cruzes, de Campos dos Goytacazes e do Rio de Janeiro todos usam perucas, salvo
os Crucificados. Já os das igrejas de Salvador e de Itu apresentam cabelos entalhados.
Uma observação se faz necessária. Os Cristos de Itu e do Rio de Janeiro foram
confeccionados pelo mesmo escultor, Pedro da Cunha. Apesar disso, tecnicamente não
formam conjuntos homogêneos. No conjunto do Rio de Janeiro, todos usam peruca e,
no de Itu, todos têm os cabelos entalhados. É possível que, nas imagens de Itu, os
cabelos entalhados resultem de uma intervenção posterior, pois apresentam um aspecto
grosseiro. Tal intervenção pode ter sido motivada pela necessidade de facilitar o
cuidado com as imagens. As perucas são sempre um item que precisa de mais atenção.
Por serem cabelos naturais, necessitam de lavagens e escovação com certa frequência,
além de ser um item caro, que requer sucessivas trocas ao longo dos anos, assim como
as vestes, assunto do próximo subitem.
Os Crucificados eram um caso à parte, apresentavam talha completa, entalhes e
acabamentos de excelente qualidade. Também podiam utilizar cabelos naturais, um
subterfúgio usado para impressionar o fiel, tornando o momento mais dramático. Neles,

906
Ver, na tese de doutoramento da Dra. Maria Regina Emery Quites, o capítulo especifico sobre os
diferentes tipos de articulações: macho e fêmea, esfera bipartida, dobradiça, etc... QUITES, Maria Regina
Emery, Imagem de vestir..., op. cit..
454

a quantidade de blocos foi quase sempre constante: um bloco central, para a parte
principal do corpo, outros dois, para os braços abertos e um quarto, quando necessário,
para a ponta esvoaçante do perizônio. Este último, na cor branca, mas com a
possibilidade de receber douramento, vinha fixado à cintura do Cristo sobre si mesmo
ou com a ajuda de uma corda dupla.
A última particularidade que nos pareceu interessante destacar, é, entretanto,
óbvia. Trata-se da conservação das sete esculturas dos Passos da Paixão. As de talha
completa sobreviveram, com menos danos e em melhores condições, à ação do tempo
do que as três de vestir, como se pode testemunhar nos exemplares das igrejas
portuguesas de Évora, Viseu e Moura, onde possivelmente existiu todo o conjunto, pois
há referências ao seu uso na Procissão do Triunfo. No Brasil, na Igreja de São
Cristóvão, subsistem dois exemplares, que podem ter pertencido a um conjunto dos
Passos da Paixão: Cristo da Flagelação e da Coroação de espinhos, de vulto pleno,
peças interessantíssimas, de características regionais. No entanto, são de grandes
dimensões e não se ajustam aos altares laterais da igreja da Ordem Terceira, sendo,
portanto, provenientes de outro local, interior ou exterior à Ordem.
As imagens ‘de vestir’, por suas características técnicas, degradam-se com mais
facilidade devido ao uso ao longo do tempo, opinião compartilhada por Francisco
Lameira, responsável pelos Inventários da região do Algarve, que avalia o conjunto de
imagens processionais da cidade de Faro e compara os conjuntos de São Francisco com
os do Carmo. “Enquanto o primeiro é constituído por imagens em roca, encontrando-se
em más condições de conservação, motivadas também pela perenidade dos materiais, o
espólio carmelita é constituído por imagens de vulto perfeito, em bom estado,
guardadas em nichos individualizados na sacristia da Igreja”907.
As técnicas, apesar de constituírem um conhecimento adquirido, refletiam a
engenhosidade dos artífices, cuja finalidade foi criar empatia com o fiel, para a
realização do teatro sacro barroco. Com as vestes em tecido, acompanhadas de
cabeleiras e olhos de vidro, obtinha-se um naturalismo, que podia vir carregado de dor
ou, simplesmente, de resignação, qualidades devidas à cultura barroca. O bom artífice
poderia emular o modelo, segundo a encomenda e a iconografia, variando na sua
criação. Contudo, o mais importante era que as esculturas devocionais se apresentassem
dignamente executadas diante do fiel, conforme mandavam a decência e o decoro.

907
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… vol. XII, op. cit., p. 15-16.
455

Cabia ao devoto o voto positivo, venerando determinada imagem, ou desprezando-a


quando não lhe causava empatia. Segundo Vítor Serrão, desde a Idade Média, o artista,
“quando chamado a pintar ou a esculpir uma imagem sacra, era acima de tudo um
‘vates’, um homem inspirado por uma fé sincera, que ocultava a sua própria
personalidade de autor por detrás da criação feita, habitualmente, com o concurso de
outros membros da mesma ‘tenda’ ou ‘oficina’, e subordinado a interesses superiores
da sua corporação mesteral [...]”908.

5.4 Forma e estilo. Do Barroco ao Rococó

As esculturas dos Cristos dos Passos da Paixão pertencentes às Igrejas das


Ordens Terceiras do Carmo de Portugal e do Brasil reunidas formam um interessante
grupo. Comparando-as entre si e com outras obras do mesmo período, podem revelar
alguns pontos relevantes a respeito do gosto e da arte dos séculos XVII e XVIII.
Começaremos com os exemplares das Igrejas portuguesas, destacando os dois conjuntos
assinados e datados: da cidade de Faro, do escultor Manuel Martins, datado de 1731, e o
da cidade de Lisboa, datado de 1758, obra da última fase da carreira do excepcional
escultor José de Almeida. Trata-se, portanto, de dois conjuntos que podem caracterizar a
produção da primeira metade do século, um da escola de ‘Lisboa’ e outro da ‘Algarvia’.
A seguir, abordaremos os conjuntos sem autoria determinada, do Porto, da ilha de Faial
e de Tavira, e então, os exemplares que restaram nas demais igrejas dos Terceiros: Beja,
Viseu, Moura e Évora.
O primeiro grupo foi estudado por Francisco Lameira em sua tese de
doutoramento e em diversas publicações909, como já mencionado nesta tese. As
esculturas são, portanto, obras do escultor e entalhador algarvio Manuel Martins, que as
executou em 1731, e foram estofadas e encarnadas pelo pintor Clemente Velho de
Sarre, no mesmo ano. Formam um conjunto de nove imagens, nomeadamente o Senhor
no Horto, o Senhor Preso, o Senhor à coluna, o Senhor da Pedra Fria ou à Paciência, o
Ecce Homo, o Senhor com a cruz às costas, o Senhor Crucificado e o Senhor Morto,
todas em vulto perfeito e Nossa Senhora da Soledade de roca. As imagens do Senhor no
Horto e do Senhor Preso têm mesmo articulações nos braços, que permitem, por um
lado, uma melhor adaptação aos nichos envidraçados da sacristia da igreja e, por
908
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit., p. 52.
909
LAMEIRA, Francisco, A talha no Algarve… op. cit., p. 225-226.
456

outro, uma maior teatralidade quando são colocadas nos andores. Alguns adereços são
posteriores, nomeadamente as vestes que cobrem por completo algumas imagens e não
permitem ver a carnação dos corpos e as diversas chagas, nem o estofado da
vestimenta da cintura910.
Quanto à técnica, de acordo com o subitem anterior, as imagens dos Passos das
ordens terceiras tanto de Portugal quanto do Brasil podem ser divididas em dois grupos:
quatro imagens de vulto pleno (talha completa) e três imagens de vestir. As de talha
completa possuem o acabamento do entalhe e da policromia perfeitos e nenhuma
articulação, enquanto as de vestir (Horto, Preso e Cruz às costas) apresentam, na
estrutura corporal, diferenças de acabamento do entalhe e da policromia. As áreas que
devem ser recobertas com indumentárias de tecido natural apresentam entalhe e
policromia simplificado e, em alguns casos, são compostas por simples estrados de
madeira, na terminologia conhecida como imagens de roca.
Tal simplicidade também aparece no modelo tipológico dos dois grupos. Nas
obras de vulto pleno, os rostos são sempre mais elaborados do que nas de vestir. É
nítida, a existência de dois padrões fisionômicos distintos. Nas esculturas de talha
completa, o rosto possui maior definição dos traços fisionômicos, maior expressividade
e os cabelos, maioritariamente entalhados em cabeleiras volumosas, caem em cachos
pelos ombros e costas. Enquanto isso, nas imagens de vestir, os traços fisionômicos são
suavizados, menos expressivos e, em vez de cabelos entalhados, quase sempre são
utilizadas as cabeleiras postiças. Os traços condizem com o momento representado:
menos sofrimento, menos expressividade ou mais sofrimento e ação, mais drama.
Essas características estão presentes nas esculturas de Manuel Martins. Apesar
do excelente trabalho de entalhe, tanto nas imagens de talha completa como nas de
vestir, é visível a simplificação dos traços fisionômicos, e, como de praxe, da definição
anatômica dos corpos. O conjunto tem cabelos entalhados em todos os Cristos, porém,
nos Cristos de vestir, eles acompanham o rosto do Cristo em cachos retilíneos,
enquanto, nos Cristos de talha completa, os cabelos ladeiam a face e caem sobre os
ombros e costas em grandes cachos grossos e movimentados.

910
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… op. cit., Vol. XII, op. cit. , p. 224-226.
‘Esculpidas em 1731 por Manuel Martins e estofadas e encarnadas pelo pintor Clemente Velho de Sarre,
no mesmo ano (ver apêndice documental, anexo 10), são o melhor testemunho da mestria técnica e
artística dos profissionais algarvios’.
457

Fig. 119 – Rostos do Cristo Preso


e Cristo da flagelação, Manuel
Martins, 1731, Igreja da Ordem
Terceira do Carmo, Faro

A Igreja de Faro possui uma oitava escultura representando a entrada de Cristo


em Jerusalém montado no burrinho, como foi visto no subitem sobre as narrativas da
Procissão do Triunfo. Passo estranho às narrativas da Procissão do Triunfo dos séculos
XVIII e XIX, ele parece constituir uma inovação do século XX. A obra escultórica que
o acompanha, porém, pode evocar a atmosfera das imagens de Manuel Martins. Não
tivemos acesso ao grupo. Segundo os Inventários do Algarve, é uma peça do século
XVIII911. Fica, então, a hipótese de uma possível atribuição ao mesmo escultor algarvio.

Fig. 120 – Senhor e o burro,


Igreja do Carmo (Museu),
Faro. (Fonte: LAMEIRA,
Francisco, Inventário artístico do
Algarve… Faro, item 4.95)

Do conjunto de Faro, vamos ao grupo de


imagens da igreja da Ordem Terceira de Lisboa,
esculpidas por José de Almeida (1708-1769) e datadas de 1758. Foram executadas pós-
terremoto, na fase madura da vida do escultor, o que talvez explique o seu caráter
nitidamente mais contido. Representam os mesmos passos e tinham como principal
função participar da Procissão do Triunfo: Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo da
Flagelação, Cristo da Coroação de Espinhos ou da Pedra Fria, Ecce Homo, Cristo com
a cruz às costas (Senhor dos Passos), Cristo Crucificado e Senhor Morto.

911
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… op. cit., p. 224-226.
458

Entre a documentação da igreja, foi encontrado o contrato efetuado entre o


escultor e a Ordem Terceira, datado de nove de outubro de 1758: “Por este por mim
assinado digo eu Joze de Almeida que tenho ajustado com o mês da venerável Ordem 3º
de Nossa Senhora do Carmo de Lisboa fazer sete Imagens dos Paços para a sua
Procissão do Triunfo que anualmente fazem na penúltima sesta feira da quaresma, a
saber: a Imagem do Senhor orando no horto; a do Senhor preso; a do Senhor atado à
Coluna; a do Senhor sentado na Pedra; a do Senhor Ecce Homo; a do Senhor dos
Paços e a do Senhor Crucificado ao vivo [...] por oitocentos mil réis [...] me obrigo a
dar a primeira e as duas últimas feitas perfeitamente e acabadas a tempo de se
poderem encarnar para servirem na Procissão do dito dia no ano próximo de 1759
[...]”912.
O conjunto, mais uma vez, mantém o padrão de quatro peças de talha completa e
três de vestir. No grupo de talha completa, é nítido o detalhamento dos rostos mais
expressivos. Assim como é notória a diferença de fatura entre as cabeças das obras de
talha completa (Cristo da Flagelação, Coroação de espinhos e Ecce Homo) e as dos
Cristos de vestir (Cristo do Horto, Preso e cruz às costas), realçada pela simplicidade
das imagens do segundo grupo, que devem portar cabeleiras postiças. Porém, os dois
padrões apresentam as mesmas soluções de boca carnuda, envolvida pela barba curta, de
mechas semiondulados, de olhos com pálpebras pesadas e ligeiramente caídas e de nariz
retilíneo. O que imprime certa expressividade é o ligeiro arquear da sobrancelha nas
obras de talha completa, inexistente nas de vestir. E seguramente os cabelos bem
desenhados em cachos ondulados, de caimento natural, que emolduram o rosto dos
Cristos de talha completa, funcionam como elemento diferenciador, ajudando na beleza
clássica destas obras. Quanto à percepção corporal, é corretíssima, tanto nos músculos
corporais, quanto na definição das mãos e dos pés, que exalam erudição. José de
Almeida conhecia o seu lavoro e o fazia com maestria.

912
Arquivo da Venerável Ordem Terceira do Carmo – Despeza 1758-1763, caixa 33/ documento não
numerado. Contrato ao qual vem anexados dez recibos de pagamento datados de 09 de março, 08 de
maio, 25 de junho, 5 de setembro, 19 de outubro, 19 de novembro de 1759 e ainda de 08 e 25 de janeiro,
12 fevereiro e 22 de março de 1760 – assinalando este último a altura em que deve ser concluída a
elaboração das esculturas na sua totalidade. Pesquisa efetuada para a dissertação de Mestrado de
PEREIRA, Célia Nunes Santos, A arte na Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo … op. cit. Ver
também: VALE, Teresa Leonor M., Um português em Roma, … op. cit.
459

Fig. 121– Rostos do Senhor Preso e Ecce Homo, detalhe das mãos do Ecce Homo, José de
Almeida, 1758, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Lisboa.

Segundo o cronista J. Ribeiro de Guimarães, estas imagens, de tamanho natural,


apresentam belas proporções. O escultor José de Almeida foi quem [...] as fez com
certeza depois do terramoto, e não em 1722, como dizem alguns iludidos talvez pela
inscrição que estava na cimalha da capela da Ordem, [...]. O terremoto provavelmente
arrasou o convento e o que nele havia. Além disso, seguindo o raciocínio de Ribeiro de
Guimarães, José de Almeida, em 1722, só teria 22 anos (ou menos, pois, segundo o
dicionário do Pamplona, seu nascimento se deu em 1708), e não seria lógico que com
tão pouca idade já lograsse fazer obras tão acabadas. Portanto, com justo fundamento
se deve crer que as imagens foram feitas depois do terremoto913.
Essa dedução foi confirmada pela pesquisadora Célia Nunes Santos Pereira,
como relatado anteriormente. E, em seguida, o cronista continua a exprimir suas
observações sobre as esculturas de José de Almeida. Apesar de ser um relato do século
XIX, cuja tendência era menosprezar as obras que não se exprimiam no gosto da época,
nota-se que o autor soube apreciar as esculturas ditas ‘barrocas’ do artista [...] os nus
das imagens dos Passos do Carmo apresentam correção e até elegância: os pés e as
mãos têm boas proporções, exceto nas articulações das falanges, que são grossas;
defeito singular, [...] pois quem desenhou a musculatura com tanta perfeição, era de
certo capaz de evitar semelhante defeito914. Defeito que pode ser considerado um
cacoete e que servirá de parâmetro para futuros estudos e tentativas de identificar a obra
do escultor.

913
GUIMARÃES, J. Ribeiro, Summario de Varia Historia. Narrativas, lendas, biographias, descripções
de templos e monumentos, estatísticas, costumes civis, políticos e religiosos de outras eras, Volume II,
Lisboa, Rolland & Semiond, 1872, p. 181-190.
914
Idem, ibidem, p. 181-190.
460

O Senhor atado à coluna chegou a ser admirado por Ribeiro de Guimarães pela
perícia do artista, que se expressa na excelente fatura das mãos. Apesar de se
encontrarem sobrepostas, o modelado da mão de baixo mantém-se no mesmo nível
técnico da de cima. Porém, nem tudo é perfeição para o cronista, que acha não ter sido o
escultor feliz nas cabeças das suas imagens, pois elas são inexpressivas: parece que não
são obras de quem com tanta arte esculpiu os corpos, mas de outro artista. Uma
exceção é a imagem do Senhor Crucificado, que infunde respeito pela naturalidade, e
nesta há alguma expressão. A posição da cabeça é muito artística, e toda a imagem
ostenta as mesmas formas elegantes e o mesmo desenho correto915.
As imagens do Cristo do Horto e da Prisão, identificadas como de roca, segundo
o autor, permitiam que se admirasse o talento do artista que as fez. Ribeiro de
Guimarães faz menção ainda ao esmerado trabalho escultórico do cíngulo, que, nas
pregas, imita o estilo de alguns escultores da época916.
Da igreja dos Terceiros de Lisboa, passemos ao conjunto da Ilha do Faial, na
cidade de Horta, grupo estudado pela pesquisadora Ágata Biga917, para a sua dissertação
de Mestrado. A instituição da Ordem terceira, neste convento, deu-se em 1678, porém,
somente na primeira metade do século XVIII, foi construída uma capela particular, a
partir do espaço de uma antiga sacristia. Com a extinção das ordens religiosas em 1834
e consequente dissolução da Ordem Primeira do Carmo no Faial, a propriedade da
Igreja foi entregue à Ordem Terceira Carmelita (constituída pelos membros leigos) por
portaria de 7 de junho de 1836, obtida por António de Ávila, futuro duque de Ávila,
situação que se manteve até à actualidade.918
Segundo Balbino Velasco Bayón, com base em informações obtidas do Pe. Julio
Rosa, as imagens da Paixão de Cristo ficavam [...] na capela dos Terceiros contígua à
igreja, com rico e elevado retábulo, com oito nichos laterais para as imagens do
Triunfo da Paixão de Cristo e o nicho central para um grande crucifixo e sobre o altar
a imagem do Senhor Morto, esculturas de rara beleza, do escultor régio de D. João V
[sic]919. Neste caso, os Cristos apresentam traços fisionômicos similares em todos os
momentos, desde o Horto até o Senhor dos Passos, a diferença estará na policromia,
carregada de feridas das cenas pós-flagelo e coroação de espinhos, e nos cabelos

915
Idem, ibidem, p. 181-190.
916
Idem, ibidem, p. 181-190.
917
BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo... op. cit..
918
Idem, ibidem, p. 33-35.
919
Informação dada pelo Padre Júlio da Rosa, citado por BAYÓN, Balbino Velasco. História da Ordem
do Carmo… op. cit, 2001, p. 358.
461

entalhados das obras de talha plena. Abundantes cabelos longos esculpidos em cachos,
que emolduram o rosto, deixando ver o lóbulo da orelha e caindo nas costas.

Fig. 122 – Rostos do Senhor do Horto e da


Coroação de espinhos, primeira metade do
século XVIII, Igreja da Ordem Terceira do
Carmo, Horta, Ilha do Faial. (Fonte: BIGA,
Ágata, A Igreja do Carmo – Património…)

Observando o detalhe fisionômico das esculturas do Cristo do Horto e da


Flagelação, é possível perceber a mesma preocupação em delinear os traços faciais, com
as sobrancelhas arqueadas e a boa definição de nariz e boca entreaberta, deixando
entrever os dentes. A barba serrada e curta contorna a boca, terminando em duas volutas
sobre o queixo.
A anatomia dos Cristos de talha completa denuncia um escultor erudito e
afinado com as tipologias da primeira metade do século XVIII. O corpo é
anatomicamente de boa estrutura óssea, e musculatura bem definida do tórax. O
perizônio vem amarrado sobre si mesmo no quadril, com um grande volume em V na
frente, deixando cair uma ponta esvoaçante no Crucificado, que também apresenta os
braços abertos em um suave Y.
O conjunto de esculturas da Igreja dos Terceiros carmelitas Descalços do Porto
acompanha, em princípio, as datas das obras de edificação do templo. Apesar de a
irmandade ter sido instituída um pouco antes, em 1736, a construção iniciou-se somente
em 1756, cujo projeto foi de José de Figueiredo Seixas. O templo estava concluído em
1762. Contudo, as campanhas decorativas estenderam-se ainda por longos anos, e os
retábulos das seis capelas da nave remontam a 1766-67, de autoria de José Dias Alves, e
o da capela-mor, de autoria de Francisco Pereira Campanhã, a 1773920. O douramento
dos altares laterais foi aplicado em 1770, por Domingos Francisco Vieira. Neles
figuram as seis representações dos Cristos da Paixão: Cristo no Horto, Cristo da Prisão,
Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos, Ecce Homo e finalmente o
Cristo com a cruz às costas. São altares que já seguem o repertório rococó, com a

920
CARVALHO, Rosário, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, publicado na sitio do DGPC. Disponível
em:http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/
classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/155835/
462

manutenção das colunas torsas. As esculturas dos Cristos estão em perfeita sincronia
com os espaços dos nichos, integradas, o que nos leva a crer que foram executadas
intencionalmente para esses locais. Existe ainda a escultura do Senhor Morto, sob o
altar do Senhor dos Passos921.
Uma notícia apurada sobre as obras escultóricas desta igreja dá conta da origem
de um Cristo Crucificado, que já esteve no altar-mor e que hoje se acha deslocado para
uma das laterais, abaixo do coro: o Senhor Jesus do Bom Despacho. Foi encomendado
em 1755, chegando de Roma, para a irmandade, instituída em 1761922. Ainda é possível
saber que esta escultura foi reencarnada em 1791, pelo pintor Domingos Francisco
Vieira, o mesmo que dourou o altar-mor923. Quanto aos Cristos presentes nos altares, as
notícias documentais os datariam de 1771, ou de data ligeiramente anterior924.
Estilisticamente formam um conjunto harmonioso, de gosto neoclássico: Cristos
alongados e com pouca definição muscular e óssea, e, pouca emotividade. Obteve-se o
destaque dos rostos através do uso de olhos de vidro coloridos, em verde esmeralda.
Iconograficamente retoma o gosto pela coluna alta, na cena da Flagelação.

921
QUARESMA, Maria Clementina de Carvalho, Inventário Artístico de Portugal… op. cit., p. 185-190.
922
Informação do Livro Primeiro de Eleições das Mesas, fl. 42 v., que diz o seguinte: “foi o que com
tanta devoção mandou vir de Roma à sua custa a mesma Imagem, e depois a enriquecera com o
resplendor de prata, e que ser juiz para ajudar ao gasto da sua veneração por toda a vida” sendo então o
Sr. Gautier eleito juiz perpetuo da confraria do Senhor Jesus do bom Despacho. Publicada em FREITAS,
Eugenio de Andrea da Cunha e, Memória histórica da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo da
cidade do Porto, Porto, 1956, p. 63.
923
Idem, ibidem, p. 64.
924
Segundo Eugenio de Andrea da Cunha e Freitas os altares laterais e as respectivas imagens são de
1771, discriminadas no Livro 2º de Despesas de obras: “Entrando a porta principal, o primeiro altar, na
nave, do lado da Epístola, é o do Senhor Preso à coluna, que data de 1771, e custou 740$700 rs.,
importando a imagem em 108$000. […] O segundo altar é o do Senhor Preso, que data também de 1771,
[…]” e assim por diante. O mesmo autor nos informa que as imagens foram encarnadas de novo em
1825-26 e retocadas em 1826-27, pelo mestre pintor Gaudêncio Lousada [Livro de Despesa de 1789-
1829]. Porém, páginas a frente o mesmo autor afirma que “embora os altares laterais datem de 1771, as
imagens devem ser um pouco mais antigas: Por acórdão de 13 de julho de 1766, a Mesa aceitou uma
imagem de N. Sra. da Soledade, que pretendia oferecer o Irmão Joaquim Ferreira de Veras, e consentiu
que viesse em procissão da igreja de Monchique, no mesmo dia que as do Senhor Ecce Homo e do
Senhor do Horto”. Mais adiante: “Daqui se conclui que, pelo menos as imagens do Senhor no Horto e do
Senhor Ecce Homo são de 1766, ou de pouco antes, porque então vieram para a Capela em solene
procissão saída de Monchique, em 27 de julho”. Idem, ibidem, p. 65-69.
Por análise comparativa as esculturas apresentam a mesma forma e estilo, portanto, formam um conjunto
harmonioso, que diríamos ser da segunda metade do século XVIII, já de linguagem neoclássica.
463

Fig. 123 – Rostos do Cristo da Prisão e da Flagelação, segunda metade do século XVIII (?),
Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Porto, Portugal.

O conjunto dos Passos da cidade de Tavira, únicas esculturas que ainda


participam da Procissão do Triunfo no Domingos de Ramos, estilisticamente e
iconograficamente deve pertencer à primeira metade do século XIX. As esculturas do
Cristo da Flagelação, da Coroação de espinhos, Ecce Homo, Cristo Crucificado e
Senhor Morto são datadas por Francisco Lameira, no inventário relativo à cidade, da
segunda metade do século XVIII925. Não estão inventariadas as imagens de vestir:
Cristo do Horto, da Prisão e com a cruz às costas, assim como a Nossa Senhora da
Soledade, estas duas últimas localizadas nos altares colaterais (do arco cruzeiro).
A Ordem Terceira de Tavira foi a primeira do ramo dos Descalços, em Portugal
e talvez até da Espanha, fundada em 1727, na igreja do antigo convento dos Eremitas de
São Paulo. Em 1747, a irmandade muda-se para o convento dos Carmelitas Descalços
cujas obras haviam sido iniciadas dois anos antes, no Alto de São Brás 926, local onde se
encontra até os dias de hoje.
A atual construção é da segunda metade do século XVIII, assim como sete dos
seus nove altares. O altar-mor foi dedicado ao Santíssimo Sacramento, estando a
Virgem do Carmo ao centro, em uma maquineta acima da mesa do altar, ladeada por
São José e São João Evangelista. Na nave, temos três devoções masculinas
confrontando três femininas: a partir da porta da entrada, à esquerda, Santo Antônio,
Santo Alberto, Santo Elias e, do lado direito, Santa Teresa, Santa Efigênia e Nossa
Senhora da Conceição. O altar-mor é de 1780, risco de Domingos de Almeida, de

925
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve…op. cit., Concelho de Tavira, itens 6.37, 6.38,
6.40 e 6.44.
926
Idem, ibidem, p. 27-28.
464

Lisboa e o entalhe de Patrício Malatesta, de Roma. Dos seis altares laterais, dois são
contemporâneos ao altar-mor, dos outros, não temos notícias. Os dois do arco cruzeiro
datam já do século XIX e são obra do entalhador sevilhano, Manuel Romero, que os fez
entre 1817 e 1821. Porém, a policromia, em marmoreados só foi aplicada algumas
décadas depois, mais precisamente em 1849, pelo Irmão António José Guimarães927.
As informações coletadas sobre a Procissão do Triunfo dizem que ela era de
responsabilidade dos frades conventuais, que a realizavam ainda no século XVIII. Os
andores saíam aos sábados do convento do Carmo para a igreja dos franciscanos, onde
pernoitavam, para retornarem, no Domingo de Ramos, à igreja dos carmelitas. Somente
em 1834, quando da extinção das ordens religiosas, as obras passaram aos cuidados dos
irmãos terceiros. Elas ficavam guardadas nas residências dos responsáveis pelos
andores, o que ainda ocorre. Constatamos que a escultura do Senhor da Pedra Fria
permanece na casa do responsável pelo andor na Procissão. Trata-se de um caso ímpar,
em que tanto a origem quanto os passos são específicos da região de Tavira. O Senhor
Preso é identificado como Senhor da Paciência, e o Senhor da Pedra Fria tem o braço
esquerdo a apoiar o queixo (normalmente identificado, esse sim, como o Senhor da
Paciência).
Quanto às esculturas, três dos Cristos: Flagelo, Morto e Crucificado pertencem
ao mesmo vocabulário formal. São figuras alongadas e esbeltas, com perizônios
amarados em torno de si mesmo, formando duas grandes ondas, que se entrelaçam ao
centro, na frente. Já o Senhor da Pedra Fria e o Ecce Homo se assemelham às obras de
Manuel Martins, da Igreja dos Terceiros de Faro. Observando os detalhes das feições
fisionômicas, assim como o desenho e a definição dos cabelos (principalmente nas
costas), dos narizes, orelhas, estes parecem revelar um gosto mais exacerbado (um tanto
rústico). O Ecce Homo é mais robusto, pernas fortes e tratamento do tórax bem
marcado, não apresentando o alongamento do Cristo flagelado. Portanto, é pertinente
supor que o Ecce Homo seja uma peça mais antiga, da primeira metade do século
XVIII, enquanto o restante do conjunto é da segunda, já de gosto rococó, quase
neoclássico.

927
SANTOS, Marco Sousa, ‘A actividade do entalhador sevilhano Manuel Romero em Tavira,
(Algarve)’, publicado em Laboratorio de arte, 25 (2013), p. 675-687.
465

Fig. 124 – Senhor da Flagelação e Ecce Homo, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Tavira e Ecce
Homo, de Manuel Martins, da Igreja dos Terceiros de Faro. (Fonte: LAMEIRA, Francisco, Inventário …
Tavira, itens 6.38 e 6.44 e LAMEIRA, Francisco, Inventário … Faro, item 4.83.)

Apesar das diferenças formais, também é possível cogitar a possibilidade de


essas peças terem sofrido muitas intervenções ‘reparadoras’, ‘modernizadoras’, e até de
‘restauro’ em níveis distintos, desfigurando-as. Percebemos, hoje, que apresentam uma
grossa camada de repintura, que busca intensificar a dramatização dos ferimentos.
Intervenção similar àquela por que passou a Nossa Senhora do Carmo, pertencente à
mesma igreja, que deu uma nova face ao querubim central e um novo Menino Jesus de
gesso policromado, foi posto no seu braço, além é claro da atual camada de repintura.
466

Fig. 125 – Nossa Senhora do Carmo, foto inventário de


Tavira, Lameira e foto da visita à igreja em 2016. (Fonte:
LAMEIRA, Francisco, Inventário… Tavira, item 6.43.)

Não foi possível obter informações


sobre os Cristos do Horto e da Prisão. No
entanto, sabe-se que as atuais imagens do
Senhor dos Passos e de Nossa Senhora da Soledade, da Procissão do Triunfo e dos
retábulos colaterais, são peças de 1849, estando as originais (do século XVIII ou XIX)
guardadas na atual sala-museu na própria igreja: […]‘à velha’ imagem do primitivo
Senhor dos Passos não restou outra alternativa senão a arrecadação, local inacessível
da igreja, até que em 1995 foi minimamente restaurada e com a merecida dignidade
integrada na sala-museu, onde se encontra928. Assim como o São João Evangelista e
Maria Madalena, presentes no andor do Cristo Crucificado, são obras de 1905, produção
‘A. A. Estrella. Esculp – Porto, 1905’929.
Por fim, os três conjuntos, dos quais restaram apenas as peças de talha
completa: os Cristos do Flagelo, da Pedra Fria e Ecce Homo, das igrejas de Moura,
Évora e Beja, sendo as duas primeiras igrejas conventuais e a última, de Ordem
Terceira. O conjunto mais interessante é o de Moura, pela dureza de entalhe, por uma
frontalidade excessiva e um ar de rusticidade dos corpos muito magros, com tratamento
do tórax esquemático. Peças ímpares, cheias de criatividade e quase impossível de se
atribuir uma datação, ou ainda, uma origem. Observem-se ainda os detalhes dos cendal,
amarrados com uma corda de diâmetro exagerado e desenho criativo do nó, na lateral do
Cristo, possivelmente inspirados nos perizônios dos Crucificados de marfim, de origem
oriental.

928
SALVÉ-RAINHA, Rui Simão Pereira, Ordem terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, Tavira,
Tavira, Tipografia Tavirense, 2015, p. 110-111.
929
Idem, ibdem, p. 108. Não encontramos estas imagens no Inventário do historiador Francisco Lameira,
nem o Senhor no Horto e nem o Senhor Preso.
467

Fig. 126 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de


espinhos, Ecce Homo e Nossa Senhora da Piedade, Igreja
conventual de Moura, Portugal.

Já as três esculturas de Évora são peças de gosto clássico, que apresentam certa
frontalidade, ligeiro movimento corporal e atitudes estáticas. O perizônio envolve o
quadril de Cristo como um saiote fixado na lateral esquerda, deixando uma sobra cair
em ponta tímida. Podem pertencer talvez, para Portugal, à segunda metade do século
XVIII ou já ao XIX. As duas de talha completa parecem ser de uma mesma origem, o
que não se pode afirmar do Senhor da Pedra Fria, que parece uma adaptação de um
Senhor dos Passos a um novo tema iconográfico, não possuindo a mesma qualidade dos
demais.

Fig. 127 – Cristo da Flagelação,


Cristo da Coroação de espinhos e
Ecce Homo, Igreja dos carmelitas da
Antiga Observância, Évora.

Do conjunto da Igreja dos Terceiros de Beja, foram destacados apenas o Cristo


da Flagelação e o da Coroação de espinhos, como peças que podem pertencer ao
período barroco, assim como o extraordinário Crucificado que figura em um dos altares
laterais. As demais peças parecem de épocas distintas, arranjadas de maneira a
formarem o atual conjunto. No entanto, falta a ele o Cristo Preso.
468

Fig. 128 – Cristo da Flagelação,


Cristo da Coroação de espinhos
e Ecce Homo, Igreja dos
Terceiros do Carmo, de Beja.

5.4.1 Os Cristos do acervo das Igrejas dos Terceiros Carmelitas do Brasil

Em relação aos conjuntos das Veneráveis Ordens Terceiras de Nossa Senhora do


Carmo do Brasil, veremos repetir as especificidades de Portugal, com as peças de talha
completa apresentando uma definição formal mais apurada do que as imagens de vestir.
No Brasil, também existem apenas três conjuntos com possibilidade de autoria
identificada e datados a partir de documentação: os das igrejas de Salvador, Rio de
Janeiro e Itu. Outros três apresentam particularidades que os tornam ímpares e de difícil
leitura: os das igrejas de Cachoeira, no Estado da Bahia, Ouro Preto, em Minas Gerais e
Mogi das Cruzes, em São Paulo. Diferentemente de Portugal, no Brasil, todos os Cristos
estão presentes nos altares laterais e altar-mor das igrejas, compondo o programa
iconográfico. A exceção é o conjunto de Cachoeira.
Os Cristos da Igreja de Salvador demonstram um gosto ‘moderno’, isto é, são
obras dos primeiros anos do século XIX, que já incorporaram o gosto neoclássico
incipiente na cidade. Os oito Cristos do acervo da Ordem Terceira do Carmo de
Salvador compreendem os sete passos da Paixão, que estão nos altares da igreja e o
Senhor Morto, hoje no Museu da instituição. Os Cristos foram confeccionados após o
incêndio que destruiu a igreja dos Terceiros no ano de 1789.
São obras atribuídas por Manuel Querino930 ao escultor baiano Manoel Inácio da
Costa (1763-1857), escultor mais importante da Bahia no período, que teve vida longa e

930
Manoel Raimundo Querino (1851-1923), artista, jornalista e professor escreveu, entre outras obras,
Artistas bahianos (1911) e As artes na Bahia (1913). Para mais informação sobre a historiografia baiana,
ver: FLEXOR, Maria Helena Ochi, Escultura barroca brasileira: questões de autorias, disponível em:
https://www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/3cb/documentos/39f.pdf e, em particular sobre o escultor
Manuel Inácio da Costa, ver o estudo do belga RÉSIMONT, Jacques, ‘Manoel Inácio da Costa … op. cit.,
p. 102-103.
469

nasceu e morreu em Salvador. Seu período de atuação compreende o último quartel do


século XVIII e toda a primeira metade do XIX. Como o artífice mais conhecido da
Bahia deste período, tem, consequentemente, um número exorbitante de obras
atribuídas a sua lavra, porém, a única que apresenta documentação comprobatória é o
Senhor do Bom Caminho (Cristo Crucificado), da Igreja do Pilar de Salvador, executado
em 1834. Dom Clemente da Silva-Nigra, por comparação, atribuiu-lhe outras obras,
inclusive, os dois Cristos da Paixão do Museu de Arte Sacra, de Salvador.

Fig. 129 – Cristos da Paixão, Museu de Arte Sacra, Salvador, Bahia.

Como teve vida longa, suas obras inserem-se


nos estilos predominantes do período: a fase final do
barroco, o rococó e o neoclassicismo. As esculturas da
Igreja dos Terceiros do Carmo de Salvador apresentam
já um caráter neoclássico. Foram esculpidas para a
reconstrução da igreja após o incêndio que a destruiu. Portanto, referem-
se basicamente à última década do século XVIII. Segundo Carlos Ott, o
neoclassicismo se introduziu na talha da Bahia, na capela da Irmandade do Santíssimo
Sacramento, da Catedral de Salvador, em 1789931. Logo, não é de se estranhar que
Manuel Inácio da Costa tenha se deixado influenciar pelo novo gosto, que, também,
inspirou a fatura dos retábulos da própria igreja dos leigos, como abordado no capítulo
específico.
Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o artista passeou pelo barroco
nos dois Cristos do acervo do Museu de Arte Sacra de Salvador, a ele atribuídos por D.
Clemente, peças de plástica vigorosa e de grande expressividade dramática. Visitou
ainda o rococó em figuras femininas, de grande suavidade de feições e panejamentos
sinuosos (Cristo Ressuscitado com Madalena, do Museu de Arte Sacra, e as santas
penitentes Madalena e Maria Egipcíaca, além da Nossa Senhora da Saúde e Glória, da

931
OTT, Carlos, História das artes plásticas na Bahia (1550-1900), Salvador, Alfa, 1992. Para
aprofundamento sobre o assunto: FREIRE, Luís Alberto Ribeiro, A talha neoclássica na Bahia, Salvador,
Obedrecht, 2000.
470

igreja de mesmo nome). Em ambos os casos, estas características são traduzidas pela
ótica nativa do escultor, que confere às imagens um inconfundível aspecto brasileiro e
baiano932. E chegou, finalmente, ao neoclassicismo, no conjunto dos Passos da Ordem
Terceira do Carmo. Neste exemplo, o modelado é lânguido, as expressões fisionômicas
são suaves e os panejamentos escorrem, seguros apenas pela corda dupla.

Fig. 130 – Ecce Homo, Manuel Inácio da


Costa, Igreja dos Terceiros de Salvador.

“Os de traços lisos e regulares,


apesar de sua boa fatura, traduzem um sentimentalismo artificial
(Cristo do Horto), de espírito acadêmico. Impressão análoga produzem os corpos, de
modulado liso e adocicado drapeado amolecido, levando mesmo à inconsistência
(Jesus da Flagelação). O resultado são imagens de devoção, de expressão cansada e
teatral, reveladoras da inadequação da estética acadêmica à representação de imagens
religiosas933.
Quanto ao Senhor Morto da mesma igreja, foi tradicionalmente atribuído ao
escultor Francisco das Chagas, artífice que não possui nenhuma obra identificada,
apesar de haver um documento da fatura de dois Cristos para os irmãos terceiros do
Carmo, obras destruídas no incêndio. Pela comparação estilística, pode-se dizer
seguramente que este Senhor Morto saiu da mesma mão do artífice que confeccionou os
Cristos dos altares: Manuel Inácio da Costa934. As características tipológicas são
semelhantes ao conjunto dos Passos. A diferença está na policromia, que, no Senhor
Morto, apresenta uma camada superficial marrom avermelhada, acentuando as chagas
das mãos e pés, atualmente quase negros pelo contato das mãos dos fiéis ao longo dos
anos, prática devocional comum com esse tipo de imagem.

932
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 64.
933
RÉSIMONT, Jacques, ‘Manoel Inácio da Costa e Franciso das Chabas, … op. cit., p. 102-103.
934
Ver RESIMONT, Jacques, ‘Manoel Inácio da Costa… op. cit. Opinião também partilhada pela por
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, ver OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa
…, op. cit..
471

Fig. 131 – Senhor Morto, Manuel


Inácio da Costa, Museu da Ordem
Terceira do Carmo, Salvador.

Também do acervo dos carmelitas, de Salvador, agora da Igreja conventual, é


um excelente Cristo da Flagelação, de vocabulário formal semelhante ao do São Pedro
de Alcântara, da Igreja dos franciscanos da mesma cidade. As duas obras apresentam
características formais excepcionais, se comparadas às obras produzidas no mesmo
período em Portugal e no Brasil. Sem dúvida, são as mais dramáticas das que se
conservam nas igrejas de Salvador e sua atribuição, ora a favor de Manoel Inácio da
Costa ora de Francisco das Chagas, constitui um problema a ser resolvido pelos
especialistas baianos. A dramaticidade exacerbada que refletem as aproxima da tradição
da imaginária hispânica. O São Pedro de Alcântara tem a expressão de ascetismo na
fisionomia cadavérica e nas mãos descarnadas, assim como o Cristo da Flagelação, com
sua coluna, encurva-se exageradamente, numa demonstração de dor suprema,
convulsionando pateticamente seus traços fisionômicos935. A hipótese mais lógica é que
se trate de imagens importadas, mas a questão permanece em suspenso até que estudos
técnicos e estilísticos mais aprofundados venham resolver definitivamente a questão936.
As esculturas da igreja dos Terceiros de Salvador foram atribuídas ao escultor
baiano Manuel Inácio da Costa, dos primeiros anos do século XIX (o incêndio ocorreu
no ano de 1788, a reconstrução da igreja e seu recheio se deram imediatamente após,
sendo o novo templo inaugurado em 1803). Os Cristos introduzem o vocabulário
neoclássico na Bahia, no alongamento das figuras, na languidez da matéria, na
expressividade contida e pouco dramática937.
Os dois conjuntos atribuídos ao escultor bracarense Pedro da Cunha estão
localizados nas igrejas dos terceiros carmelitas das cidades do Rio de Janeiro e de Itu.

935
Idem, ibidem, p. 67.
936
Idem, ibidem, p. 67.
937
RESIMONT, Jacques, ‘Os escultores baianos … op. cit.
472

Na primeira cidade, o seu nome aparece pela primeira vez em 1768, na documentação
da Santa Casa da Misericórdia, e, depois em diversas igrejas, entre elas, a da Ordem
Terceira do Carmo, como autor de seis Cristos para os altares laterais da nave, assim
como para fazer uma réplica da Santa Teresa, atualmente no nicho dos entrecolúnios do
altar-mor da igreja938. Fugindo do vocabulário formal das peças desta igreja, está o
Cristo Crucificado do altar-mor, executado por seu conterrâneo, Simão da Cunha. O
nome do escultor Simão da Cunha (?-1774) originário de Braga, com atividade
registrada no ano de 1717, foi revelado na documentação do Mosteiro de São Bento,
para o qual executou os dois Anjos Tocheiros que se encontram na entrada da capela-
mor e as Santas Beneditinas das capelas falsas da entrada da nave. Essas obras foram
realizadas em parceria com o artista carioca José da Conceição939. Também de sua
autoria, é o Cristo Crucificado, que figura no altar-mor da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo, do Rio de Janeiro, datado de 1763940. É dramático e realista, o tórax tem
vigoroso tratamento anatômico e o panejamento do perizônio flui com naturalidade,
caindo esvoaçante em ponta na lateral direita e criando certa sensualidade ao mostrar a

938
Assunto pesquisado por FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários do Rio de Janeiro
setecentista: Simão da Cunha e Pedro da Cunha’, publicado em Gávea. Revista de História da Arte e
Arquitetura, nº 7, Rio de Janeiro, PUC, 1989. Buscando a fonte destas informações, chegou-se a um
artigo da conservadora do Museu Histórico do Rio de Janeiro, Teresinha Sarmento, que se baseou nas
publicações na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do historiador Vieira Fazenda.
Em 1762 recebeu da Santa Casa 19$200 para fatura de uma cruz para a igreja; em 1768 recebeu da
Ordem Terceira de São Francisco da Penitência 2$880 pelo conserto de caixilhos, das sacras e
evangelhos, 3$870 por feitio de Nossa Senhora da Soledade, $960 por um caixilho novo, 4$200 pelo
trabalho das mãos; em 1780 recebeu da Ordem do Carmo 105$600 pela fatura da imagem de Santa
Tereza igual a do altar-mór para mandar para o Rio Grande para a Ordem do Carmo de lá (?), entre
1779-80 recebeu 54$280 por obra no andor dos passos e para pintar e dourar de novo e por outro ainda,
em 1781 recebeu da mesma instituição 30$000 por três imagens novas e despesas com o passo do Senhor
Morto, em 1782 recebeu da mesma instituição 14$400 pela reforma da imagem de Nossa Senhora da
Razoura. MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia, Entre artifício arte… op. cit., p. 169.
939
SILVA-NIGRA, O.S.B., dom Clemente da. Construtores e Artífices … op. cit., p. 149-151.
José da Conceição faleceu no Mosteiro de São Bento em 1755. Segundo o dietário do Mosteiro de São
Bento todas as imagens que vemos no corpo da igreja são de autoria de José da Conceição e Simão da
Cunha indistintamente. Em 1737 receberam do mosteiro os dois artistas, 372$800 pela talha de das
capelas, o grande para-vento, a talha que faltava em baixo do coro e dois anjos grandes para a entrada
da capela-mor; entre 1737-1739 é contratado para executar cinco imagens de Nossa Senhor Patriarca
de altura proporcionada para todas as fazendas. MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia,
Entre artifício arte… op. cit., p. 167.
940
Simão da Cunha casou-se no Rio de Janeiro (Candelária, Livro, v. fl. 225) em 1750 com Mariana
Joaquina. Registrou três filhos (Candelária, Livro VI, fls. 335, 350 e 371, 1751, 1753 e 1754. […] em
1763 recebeu 54$000 da Ordem do Carmo pelo que se pagou a Simão da Cunha a conta da imagem do
Sr. Bom Jesus do Calvo. Que a meza mandou fazer. Recebe a denominação de Mestre entalhador nos
livros de despesa da ordem; recebeu da mesma instituição 50$000 pelo resto do feitio da imagem do Sr.
do Calvário; em 1768 recebeu 8$000 da Ordem Terceira da Penitência pelo feitio do Menino Jesus para
servir nas noites de Natal e 1$120 pelo diadema de Nossa Senhora da Soledade; a imagem do Ecce
Homo da Ordem Terceira da Penitência foi atribuída ao artista por D. Clemente da Silva Nigra.
MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia, Entre artifício arte… op. cit., p. 169-170.
473

perna direita desnuda. É uma obra que denota o cuidadoso trabalho de talha na definição
dos traços fisionômicos e na configuração anatômica.

Fig. 132 – Cristo Crucificado, Simão da Cunha, 1763, altar-mor da Igreja dos Terceiros do
Carmo, Rio de Janeiro (Fonte: Acervo IPHAN, Rio de Janeiro)

Quanto a Pedro da Cunha (? – 1799), artífice também da região de Braga, Norte


de Portugal, é provável que pertença a uma geração posterior à de Simão da Cunha.
Apesar de terem o mesmo sobrenome, não existem provas de parentesco entre os dois.
Pedro da Cunha aparece na documentação da Ordem Terceira do Carmo do Rio de
Janeiro, da qual era irmão, a partir da segunda metade do século XVIII. Também dessa
época, é a menção a seu nome como autor das peças do Carmo de Itu, no interior de São
Paulo.
Para a datação das peças do Rio de Janeiro, leva-se em conta a data em que
foram entronizadas nos atuais altares941, e para a das esculturas de Itu, o momento da
chegada das obras, encomendadas no Rio de Janeiro. As informações sobre a Igreja de
Itu foram reveladas na publicação de Mário de Andrade sobre a obra do Frei Jesuíno do
Monte Carmelo942, a partir de artigos publicados na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, do historiador Ituano, Joaquim Leme de Oliveira César943,
que diz ter manuseado velhos livros da Irmandade, infelizmente desaparecidos, e faz o
seguinte relato:

941
FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários do Rio de Janeiro … op. cit.
942
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte... op. cit..
943
CÉSAR, Joaquim Leme de Oliveira, ‘Notas históricas de Itu’, publicado em Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, v. 25 (1925), 1928, p. 43-90.
474

Em 26 de janeiro de 1777, deliberou a mesa que o procurador promovesse a


cobrança do que se devia à Ordem, para satisfazer o importe das 7 imagens para a
procissão do Triunpho, que estavam encomendadas à Pedro da Cunha, do Rio de
Janeiro. Em 15 de agosto do mesmo ano de 1779, sendo submetida ao Prior da Ordem
o P. João Leste Ferrez, resolveram mandar fazer os seis altares para as imagens do
Triunpho, assim com as sete charolas para as mesmas. Foi contratado tudo com o
Mestre Miguel Francisco, pelo risco que apresentou, sendo (conservam-se os próprios
termos) os altares a duas dobras cada um 1 charola grande por 4 dobras menores 12
tostões (50$000), e seis charolas muito pequena a dobra cada uma, importando tudo
em 280$400, em 3 pagamentos a praso de ano. Mas, passados três anos a 12 de agosto
de 1781, é que observavam que os altares ‘principiados’ não estavam em relação às
imagens, resolveram, portanto, adoptar outro risco, que é o dos actuais altares, a
80$000 rs cada um, (hoje custariam 10 vezes mais) com praso de ano e meio944.
O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em viagem pela Província de São
Paulo, entre os anos de 1819 e 1820, passou por Itu e visitou as igrejas da cidade. Sobre
o templo carmelita, diz: […]a igreja é muito bonita e muito limpa, […]. De cada lado
da nave há três altares, cada um com uma grande imagem de madeira, vestida e
pintada, representando Jesus Cristo em várias fases da Paixão. Uma cortina impede
que o pó se acumule sobre as imagens. Não foi esquecido nenhum dos acessórios que
pudessem enfeitá-las, tais como grandes nimbos de prata, etc., mas nada disso as torna
mais belas. Entretanto, elas sempre são mostradas como obras de arte, e cada vez que
uma das cortinas era aberta o amável frade me olhava com olhar complacente,
tentando ver se eu compartilhava de sua admiração […]945.
O também francês Jean Baptista Debret, pintor, quando viveu na cidade do Rio
de Janeiro, entre os anos de 1820 e 1824, acompanhou a Procissão do Triunfo com as
obras da igreja dos Terceiros do Rio de Janeiro, como vimos no subitem sobre a
Procissão do Triunfo946. Portanto, ambos os conjuntos existiam na primeira metade do
século XIX nas duas cidades.
Observando as obras escultóricas, nossa primeira impressão é de estranhamento,
pois elas não formam um grupo uniforme. Parecem pertencer a dois conjuntos de
Cristos, esculpidos por artífices diferentes. Colocadas, lado a lado, as duplas de Cristo

944
Idem, ibidem, p. 53.
945
SAINT-HILAIRE, Auguste, Viagem à Província de São Paulo (1819-20), São Paulo, EDUSP,
Martins, 1972, p. 174.
946
DEBRET, Jean Batista, Viagem pitoresca e histórica… op. cit., p. 32-34.
475

de entalhe completo: Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce


Homo, constata-se que formalmente e estilisticamente são peças de origens distintas.

Fig. 133 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Pedro da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira
do Carmo, do Rio de Janeiro e de Itu.

Fig. 134 – Cristos da Coroação de Espinhos, Pedro


da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira do Carmo,
do Rio de Janeiro e de Itu.

No entanto, existem elementos afins entre os conjuntos, como a implantação da


figura sobre a base, firme, robusta, assim como a anatomia das pernas, apesar de
representarem posturas diferentes. O artífice teve dificuldade de esculpir
anatomicamente ambos os Cristos, principalmente na região dos braços e dos ombros. A
união com a estrutura peitoral apresenta imperfeição, que foi melhor resolvida nas peças
do Rio de Janeiro, assim como a ossatura e a musculatura mostram-se antinaturais947.
Além disso, não há harmonia na representação dos perizônios. Nas peças do Rio de
Janeiro, eles são simples panos envoltos em torno do quadril de Cristo com a ajuda de
uma corda, deixando cair uma ponta na lateral direita, enquanto, nas de Itu, o tecido é

947
Observar, nas peças do Cristo da Flagelação e da Pedra Fria, a linha dos mamilos que se encontra
visivelmente mais alto do que o natural, coincidindo, aproximadamente com a da terceira costela.
476

amarrado sobre si mesmo, formando dobras geometrizadas, também, com o caimento


em ponta na lateral direita.
Ainda é possível perceber um incômodo na implantação da cabeça, muito
pequena para o corpo musculoso na peça de Itu e mais natural na do Rio de Janeiro. A
maior divergência, no entanto, está na definição dos traços fisionômicos. Segundo Vera
Lemos, os Cristos de Pedro da Cunha do Rio de Janeiro apresentam como
características fisionômicas, o rosto oval, zigomas salientes, nariz descendo direto da
testa, sobrancelhas conjugadas em bico sobre o nariz, nariz afilado, lábio superior mais
fino que o inferior, sulco naso-labial, queixo encoberto pela barba, boca entreaberta com
dentes superiores aparentes, alguma expressão no rosto, olhos de vidro, assustados,
entalhe das orelhas mal resolvido948.

Fig. 135 – Cristos da Flagelação, Pedro da Cunha, Igrejas da Ordem Terceira do Carmo, Rio de
Janeiro e Itu.

O formato do rosto do Cristo de Itu é retangular, os zigomas são salientes, o


nariz é afilado e desce direto da testa franzida, entre as sobrancelhas arqueadas. O lábio
superior é mais fino que o inferior, o posicionamento da barba deixa o queixo
descoberto, a boca entreaberta com dentes superiores aparentes. O olhar é direcionado
para baixo com as pálpebras ligeiramente caídas, olhos de vidro, expressando dor.
Outro ponto discordante é a necessidade de todas as peças do conjunto do Rio de
Janeiro usarem cabelos postiços, enquanto as de Itu os têm entalhados949. Nos Cristos de
talha completa de Itu, o cabelo é repartido ao meio, desce em dois cachos com entradas

948
FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários … op. cit..
949
Acredita-se que, nas imagens de vestir, este entalhe foi uma complementação posterior, pela diferença
de qualidade em relação às peças de vulto pleno, como discursado no subitem sobre a leitura técnica das
obras.
477

na testa (que reforça o formato quadrangular do rosto), continua na lateral do rosto,


acrescido por uma pequena mecha em voluta (caracol) na altura da orelha. Ainda na
peça de Itu, a barba é composta de mechas onduladas, tendo os tradicionais dois cachos
à frente, é volumosa e está implantada praticamente da parte inferior do queixo,
deixando-o totalmente à mostra, assim como as laterais do rosto. Já, nas peças do Rio de
Janeiro, o volume da barba é pouco profuso e cobre o terço inferior do rosto, inclusive o
queixo, formando com o bigode um coração invertido ao redor da boca. O bigode, na
obra de Itu, é composto de mechas alongadas e serpenteadas, bem definidas, que
acabam em uma voluta (caracol). Enquanto isso, na peça do Rio, a mecha desce fina
praticamente das narinas, e vai engrossando como um fio de água até encontrar a barba.
São diferenças marcantes para dois conjuntos feitos praticamente ao mesmo
tempo e pelo mesmo escultor. Por mais que Pedro da Cunha tivesse uma equipe de
auxiliares no seu laboratório, haveria um tom único que denunciasse a lavra do escultor.
É um caso interessante, pois os documentos induzem a uma autoria que as obras não
confirmam. Não pretendemos esclarecer aqui a autoria dessas peças, nem mesmo definir
qual delas teria mais probabilidade de pertencer à oficina de Pedro da Cunha ou a sua
lavra. Para tal, seriam necessários mais dados. Fica, portanto, a sugestão de um assunto
à espera de futuras discussões.
Existem ainda dois casos excepcionais entre os conjuntos dos Passos das Igrejas
da Ordem Terceira do Carmo, no Brasil, os das cidades de Ouro Preto, em Minas Gerais
e de Cachoeira, na Bahia. Acrescentaríamos um terceiro, o da Igreja de Mogi das
Cruzes, em São Paulo, que acreditamos ser obra de data avançada do século XIX. As
duas primeiras igrejas já mereceram bons estudos, com publicações sobre a sua
construção e os elementos decorativos, porém, a autoria dos Cristos permanece
desconhecida. As obras de Ouro Preto foram assunto específico de uma dissertação de
Mestrado, da pesquisadora Lia Sipaúba Brusadin950. Já os Cristos do segundo conjunto,
da igreja de Cachoeira, ainda não mereceram uma boa análise formal e técnica, sendo
sempre mencionados como tipos exóticos de possível origem oriental951. Como os de
Ouro Preto, os Cristos de Mogi das Cruzes foram analisados, em uma Tese de

950
BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
951
A última obra sobre o conjunto arquitetônico carmelita de Cachoeira foi coordenada pela historiadora
baiana, FLEXOR, Maria Helena Ochi; LACERDA, Ana Maria e SILVA, Maria Conceição Barbosa da
Costa (Org.), Conjunto do Carmo de Cachoeira, op. cit.,
478

doutoramento sobre a imaginária do estado de São Paulo, que será discutida mais à
frente952.
Acrescentaríamos que os três grupos possuem um ponto em comum: as faces
padronizadas, sem as diferenciação que vimos citando ao longo deste subitem, isto é, as
três de vestir apresentam características fisionômicas mais suaves das quatro de vulto
pleno. Isto é, independente do momento representado, os Cristos apresentam a
fisionomia entalhada com suavidade, sem distinção emocional. O grau de emotividade
será conseguido ou não pela mão do pintor, a partir da introdução das cores e
principalmente das feridas decorrentes dos castigos impostos ao Cristo.
Nos exemplos da Igreja de Ouro Preto em Minas Gerais, a peculiaridade é a
utilização de uma técnica não usual na escultura luso-brasileira: a confecção dos rostos
a partir de máscaras de chumbo, aplicadas à estrutura da cabeça. Após a aplicação das
máscaras, os rostos eram, então, recobertos pelas habituais camadas de policromia. Essa
técnica possibilitou que todas as esculturas tivessem os mesmos traços fisionômicos,
cabendo ao pintor a definição dos momentos de maior sofrimento. Esse grupo apresenta
também algumas particularidades iconográficas, tais como: é o único Senhor Preso que
exibe uma ferida na lateral esquerda do rosto, oriunda da violência imposta pelo soldado
do sacerdote quando em sua presença, como vimos no capítulo específico. E ainda, o
Senhor do Horto demonstra uma reação de surpresa ante a visão do anjo, com um
posicionamento único das mãos, no Ecce Homo, incorporou-se uma balaustrada à cena,
demonstrando ser esta a cena da apresentação do Cristo ao povo no Pretório e, por fim,
o Senhor dos Passos encontra-se de pé, e não ajoelhado, como de costume. Constituem,
portanto, quatro elementos encontrados somente neste conjunto de Passos, dentre todos
os do Brasil.

Fig. 136 – Cristo da Prisão, detalhe, Igreja do Carmo, Ouro Preto,


Minas Gerais. (BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da
Paixão … op. cit.)

A leitura formal será feita a partir do Cristo


Crucificado, pois é a única peça que já passou por um

952
PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial em São Paulo, estudos
iconográficos, São Paulo, 2015, Tese de douramento apresentada na Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Artes, p. 447.
479

processo de restauro, enquanto as demais apresentam grandes perdas da policromia,


principalmente na área da máscara de metal, o que impossibilita uma boa leitura formal.

Fig. 137 – Cristo Crucificado, Igreja do Carmo, Ouro


Preto, Minas Gerais. (Fonte: BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão… op.
cit.)

O Cristo Crucificado apresenta boa proporção anatômica, plástica lânguida do


corpo e músculos pouco acentuados. O perizônio está preso ao quadril com a ajuda de
um cordão duplo, sua movimentação é suave e cai em ponta na lateral direita. Quanto
aos traços faciais, são harmoniosos e suaves, o Cristo Crucificado é expirante e a
colocação do olho de vidro, ligeiramente virado para cima, introduziu certa emotividade
ao personagem. Os olhos são ligeiramente repuxados, característica presente em uma
boa parte das obras sulamericanas, mas também em outras esculturas do período no
Brasil e também em Portugal, tais como nos Cristos de Cachoeira que veremos a seguir,
no da Flagelação de Goiana e ainda nas obras do Aleijadinho.
Trata-se, portanto, de um conjunto ímpar, de difícil leitura, que pode ter sido
importado da América espanhola. No entanto, há também a possibilidade de que
constitua uma importação só das máscaras, que seriam fixadas em estruturas corporais
produzidas na cidade de Ouro Preto. Esta última hipótese explicaria a péssima qualidade
da policromia, que se apresenta em avançado estado de degradação, consequência da
falta de conhecimento dos nossos artesãos para o uso de uma técnica incomum. A tese
de importação da obra pronta explicaria os elementos iconográficos diferenciados:
ferida na lateral do rosto do Cristo na cena da Prisão (ausente nas peças brasileiras), o
espanto do Cristo no Horto diante do anjo (em todas as peças brasileiras, o Cristo tem as
mãos em oração ou elas se abrem em um gesto largo à visão do anjo), a introdução da
480

balaustrada no Ecce Homo e o Senhor dos Passos de pé (o único Senhor dos Passos de
pé encontrado no mundo português é o de Faro, escultura de Manuel Martins). Tais
elementos, em sua maioria, são apreciados em obras do mesmo período, relativas à
América espanhola953.
Quanto ao conjunto de Cachoeira, compõe-se, na realidade, de cinco peças com
as mesmas características técnicas e formais (Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo
da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo) e de outras duas distintas
(Senhor dos Passos e Cristo Crucificado). A Igreja possui dois exemplares do Senhor
dos Passos, um, de provável origem portuguesa, posicionado ao centro da sacristia, e
outro, que figura no altar colateral direito da igreja dos terceiros. O Crucificado está no
topo do altar-mor. É a peça de fatura mais antiga do conjunto, podendo ser do mesmo
período do altar-mor, segundo quartel do século XVIII.
A escultura do Cristo com a cruz às costas do altar colateral, segundo
Calderón954, foi posta nesse local tardiamente, pois antes figurava ali uma Santa Teresa.
No entanto, não existe nenhum atributo no retábulo a indicar o orago original, as tarjas
da mesa e do coroamento não apresentam nenhuma insígnia e o atual Senhor dos Passos
faz par com a sua Mãe dolorosa, do altar da esquerda. O Senhor dos Passos está bem
adequado ao espaço interno do nicho e protegido por um vidro. Portanto, ambos são
imagens de roca e se acomodam perfeitamente ao espaço físico do altar. Com certeza,
eram os santos que participavam da Procissão do Triunfo.
O Crucificado do altar-mor é uma belíssima escultura de Senhor morto, com a
cabeça pendente sobre o ombro direito e boa plástica anatômica do tórax, com músculos
e cavidade óssea destacada. O perizônio tem um movimento artificial, preso na lateral
direita do Cristo por um grande nó, deixando cair uma ponta esvoaçante. É visível o
descolamento dos dois braços abertos em Y, que necessitam de uma urgente intervenção
de restauro.

953
Ver, para o estudo da iconografia: SEBASTIAN, S., El Barroco Iberoamericano. Mensaje
iconográfico, Madrid, Ediciones Encuentro S.A., 1990 e SCHENONE, Héctor, Iconografía del arte
colonial: Jesus Cristo,… e, para o da escultura da América espanhola, KELEMEN, Paul, Barroco and
Rococo in Latin America, 2 vols., New York, Dover Publications, 1967.
954
CALDERÓN, Valentim, O convento e a Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Salvador, UFBa,
1976.
481

Fig. 138 – Cristo Crucificado, altar-mor, Igreja dos Terceiros de Cachoeira, Bahia.

Os cinco Cristos dos Passos propriamente ditos, guardados no armário da


sacristia, compõem-se de duas imagens de vestir e três de vulto pleno. Apresentam,
assim como as obras de Ouro Preto, as mesmas características faciais, porém sem
aplicação de máscaras de chumbo955. Dependem, portanto, da policromia para distinguir
os momentos emocionais descritos em cada episódio. Neste caso, a distinção é feita
apenas pela presença ou não de feridas e do sangue escorrido: no Cristo no Horto, ele
escorre timidamente na testa e no pescoço956, no Cristo da Prisão, não há nenhum
sangue, enquanto no da Flagelação, existem feridas sanguinolentas por todo o corpo e,
por fim, nos Senhores da Pedra Fria e no Ecce Homo, aparecem feridas e sangue na
testa, decorrentes da coroa de espinhos, além das distribuídas pelo corpo.
No entanto, o que mais chama a atenção nos Cristos da cidade de Cachoeira são
as marcas orientais: olhos puxados e barbas finalizadas em duas pontas abaixo do
queixo, à moda ‘oriental’. Essas características levaram os pesquisadores à hipótese de
serem eles da região de Macau ou simplesmente orientais. Buscamos a origem dessas
atribuições, sem muito sucesso. Chegamos até Calderón957, e, anteriormente à Germain
Bazin958. Este último viu diversos elementos orientalizantes no conjunto carmelita de
Cachoeira, desde as terminações do frontispício da Igreja conventual aos armários do
consistório e da sacristia, cuja decoração procura imitar laca chinesa e paisagens.

955
Essas obras foram restauradas em 2007 pelo Estúdio Argolo. No relatório da obra, nenhuma menção
foi feita à existência de máscaras.
956
O Evangelho de Mateus (Mt 26, 37-38) menciona que um anjo teria vindo ao encontro de Jesus para
confortá-lo em um momento de profunda angústia, o que o teria levado a transpirar gotas de sangue.
957
CALDERÓN, Valentim, O convento e a Ordem… op. cit.
958
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa… op. cit., p.
482

Calderón, em sua obra sobre a igreja da Ordem Terceira, acrescenta a hipótese de as


esculturas terem tido a mesma origem do armário que as guarda, isto é, o Seminário de
Belém, antiga edificação jesuíta da cidade, que também apresentava esse tipo de
decoração959.
A marca chinesa na decoração de igrejas e da arte em geral nos séculos XVII e
XVIII é um assunto recorrente, estudado por diversos historiadores, estando presente
desde os trabalhos sobre a Capela de Nossa Senhora do Ó, de Sabará, no interior de
Minas Gerais, até os que se referem às igrejas no território português. O estilo costuma
ser chamado de ‘Chinesices’, do francês ‘chinoiseries’, comum na Europa e que chegou
ao Brasil via modelos e artistas portugueses960.
Os cinco Cristos apresentam a face arredondada, com olhos repuxados, bigodes
finos, e, uma barba que acaba em duas pontas acentuadas na base do queixo. Os corpos
são alongados e magros. Tais características aqui aparecem em fatura simplista, um
tanto ‘acadêmica’, no sentido de ser repetitiva. Essa influência pode ser notada também
em outros artífices mais preparados, como ocorre no Cristo da Flagelação de Goiana, e
ainda em algumas obras do maior escultor do período, Antônio Francisco Lisboa,
Aleijadinho. Observe que, no Cristo da Ceia de Congonhas, é possível detectar os olhos
alongados e a impostação da barba na parte de baixo do queixo, fechando em dois
cachos pontiagudos. O que não se compara é a qualidade escultórica do conjunto de
Cachoeira, com a excepcionalidade do de Aleijadinho. Seria possível supor que o
modelo que inspirou um se assemelhava ao que motivou os outros, porém, a
interpretação dos artífices foi completamente diferente.

959
Desde a pintura da sacrisita do Colégio Jesuíta de Salvador atribuído ao padre jesuíta Charles de
Belleville, que passou pela China, citado por SERRÃO, Vítor, ‘A pitura proto-barroca em Portugal
(1640-1706) e o seu impacto no Brasil colonial’, publicado em Revista Barroco, 18, Ouro Preto, 2000, p.
269-291. E anteriormente por Clarival do Prado Valladares: “as imagens estão em Cachoeira como
poderiam estar em Macau. Os traços orientais das faces, mais do que testemunhos artísticos, são
testemunhos da unidade da fé. A decoração do móvel muito o aproxima dos pintores do forro da sacristia
da Catedral, em Salvador, executada por Charles Belville, artista de longa permanência e aprendizagem
no oriente, e também do afresco da capela do claustro do Convento de Santa Teresa”. Publicado em
Nordeste histórico e monumental, vol. IV, Salvador, Obrecht, 1982-83, p. 379-380.
960
As chinesices foram uma moda decorativa divulgada na Europa barroca com a importação de tecidos
ornamentais, porcelanas, biombos e outros produtos do Extremo-Oriente. Sobre fundos de cores lisas,
vermelha, verde e azul imitando a laca chinesa, sobressaem, em dourado ou preto, figurinhas e paisagens
de inspiração oriental, com pagodes, pássaros, sobreiros, cenas de caça e pesca. Ver entre outros os
seminários sobre artes decorativas. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho e CORREIA, Ana Paula Rebelo
(coord), Iconografia e fontes de inspiração. … Opus cit., p. 243-256.
483

Fig. 139 – Cristos da Flagelação, de Goiana; Cristo da Prisão, do Aleijadinho, de Congonhas,


Minas Gerais.

Entenda-se aqui o escultor baiano e o pernambucano como artífices com boas


habilidades técnicas, que executaram suas peças dentro da ‘regularidade’ do que se fazia
no Brasil no período. O de Cachoeira é preso a um padrão,
enquanto o de Goiana, é já mais criativo. Porém, a obra do artista
mineiro tem a particularidade da mão do mestre.

Fig. 140 – Ecce Homo, da Igreja da Ordem Terceira do Carmo,


Cachoeira, Bahia.

Outra possibilidade levantada é a importação oriental. Entretanto o Professor Dr.


Pedro Dias afirma, em suas pesquisas, que nunca encontrou nenhuma referência
documental à exportação de esculturas produzidas em Macau e muito menos relações
dessa região com Cachoeira, na Bahia, nem mesmo de um possível comércio com o
tabaco produzido na região de Cachoeira961. Portanto, este é mais um caso que suscitaria
uma análise técnica das obras, para desvendar o tipo de madeira, os pigmentos e
aglutinantes, assim como os meios utilizados na fixação dos blocos, com ou sem o uso
de peças metálicas, de maneira a coletar novos indícios para as futuras pesquisas e
estudos destas obras ímpares no território brasileiro.

961
‘Acabei, há dois menses (24 de agosto de 2015), de terminar o inventário da Escultura, Pintura e
artes decorativas de Macau, para o Instituto Cultural de Macau, o que me levou vários anos de trabalho,
e com estudo dos acervos dos arquivos de Portugal e Macau, e o auxilio dos professores Jin Guo Ping e
Wu Zhiliang, para a documentação em Mandarim, e não encontrei qualquer referencia ao envio de
esculturas para o Basil, antes pelo contrário, o habitual para as próprias igrejas de Macau era serem
compradas nas Filipinas. Tecidos, objectos decorativos e mobiliário fabricado no Fujian, sim, e também
muita porcelana Jiangdjing, mas não escultura’. Depoimento do Professor Pedro Dias, dado em agosto
de 2015. Ver do professor Pedro DIAS, Mobiliário Indo-Português, 2013; Arte indo-portuguesa, Lisboa,
Almedina, 2009; e ainda; A escultura maneirista portuguesa, Coimbra, edições Minerva Coimbra, 2007.
484

O último conjunto citado é o da igreja dos Terceiros de Mogi das Cruzes,


interior de São Paulo. Apesar de tudo que foi escrito a respeito dele, parece se constituir
de esculturas confeccionadas no local (ou na região) por um artífice sem muita
habilidade, provavelmente na primeira metade do século XIX. No entanto, essas obras
já foram atribuídas à origem portuguesa962 e ao entalhador Pedro da Cunha, o mesmo
que confeccionou as obras do Rio de Janeiro e de Itu 963. A primeira é a atribuição mais
tradicional a estas peças, a segunda é uma nova hipótese levantada na tese doutoral de
Maria José Spiteri Passos, a partir da pesquisa feita pelo historiador Jurandyr Ferraz
Campos, que teve acesso a documentos que já não estão mais disponíveis.
Em comum com os outros dois grupos, os Cristos de Mogi das Cruzes
apresentam as feições idênticas e soluções de entalhe muito simplificadas. As
expressões fisionômicas são artificiais, sem expressividade nem apelo dramático. Neste
grupo, não incluiremos os dois crucificados que a igreja possui no altar-mor nem o da
parede lateral da nave, abaixo do coro, que exibem fatura diferente, de melhor qualidade
técnica e formal.
A pesquisa do historiador Jurandir Ferraz Campos revelou que, em 1791, quando
a igreja se encontrava em péssimo estado de conservação, esses Cristos ou os originais
foram levados para conserto. Conserto este que, na opinião do historiador, os
descaracterizou completamente964.
Já a história de que essas peças tenham sido executadas por Pedro da Cunha,
começa com as publicações do carmelita Frei Timóteo Van den Broek, no Jornal Folha
de Mogi, intitulado Notas históricas para a história de Mogi das Cruzes, no ano de
1955. Nessas publicações, o frade carmelita afirma não serem essas obras portuguesas,
como tradicionalmente se pensava, e sim encomendadas ao atelier do escultor Pedro da
Cunha, no Rio de Janeiro, ‘para os festejos do V Centenário do Santo Escapulário de
Nossa Senhora do Carmo, aqui celebrados, em 1750 e 1751, com a máxima
solenidade’965.

962
‘Os seus altares são em madeira lavrada e bem trabalhados. São destaques as imagens de Nossa
Senhora do Carmo, São João da Cruz e Santa Tereza, além dos Passos da Paixão, de origem portuguesa
do século XVIII, nos altares laterais’. BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira, ‘Igrejas do Convento e da
Ordem Terceira do Carmo. Mogi, São Paulo’, publicado em MATTOSO, José (direção), Património de
origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 284.
963
PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial…, p. 443.
964
Livro de Receitas e despesas de 1780 a 1822, f. 118 – relativo ao conserto das imagens, e f. 124 –
encarnação e policromia. Arquivo da Província Carmelitana de Santo Elias, Belo Horizonte, CAMPOS,
Jurandyr Ferraz, apud PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial…, p. 443.
965
Frei Timóteo Van den Broek, citado por CAMPOS, Jurandyr Ferraz, apud PASSOS, Maria José
Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial…, p. 447. A pesquisadora Maria José Spiteri Passos
485

Da mesma forma que tentamos fazer com as outras obras atribuídas a Pedro da
Cunha, das cidades de Itu e do Rio de Janeiro, também, neste caso, colocamos, lado a
lado, três exemplares de um mesmo tema iconográfico. Percebe-se, de imediato, que o
vocabulário formal é completamente diferente. Acrescente-se a isso uma queda na
qualidade técnica, tanto do entalhe, sem nenhuma definição da ossatura ou musculatura,
quanto dos detalhes fisionômicos, prejudicados por uma grossa camada de policromia
(que podem ser camadas de repinturas executadas no século XX).

Fig. 141 – Cristos da Flagelação, Rio de Janeiro, Itu e Mogi da Cruzes.

A única hipótese que se coloca de as esculturas de Mogi das Cruzes serem do


século XVIII é terem realmente sofrido uma remodelagem, que as descaracterizou
completamente ou terem sido executadas por um artesão com pouquíssimas habilidades
técnicas. Ele até alcança algum resultado bom no desenho do perizônio, mas, na
anatomia, deixa muito a desejar. Preferimos avaliá-las como peças únicas, de fatura
mais simples, produzidas em uma região, onde a erudição passou ao largo, e por isso,
testemunham as qualidades criativas imensuráveis dos artífices da região.

Fig. 142 – Cristo da Flagelação, Mogi das Cruzes, São Paulo.

Os dois crucificados de faturas distintas, do acervo


da igreja dos leigos de Mogi das Cruzes, são peças
excepcionais. O do altar-mor nos parece mais antigo

percebe uma relação formal entre estas peças e as atribuídas a Pedro da Cunha, semelhanças que
preferimos ver com alguma reserva.
486

(primeira metade do século XVIII) e o localizado sob o coro pode ser da época
construtiva da atual igreja dos terceiros966.

Fig. 143 – Crucificados, sob o coro e do altar-mor


(Senhor Morto), Igreja da Ordem Terceira do Carmo de
Mogi das Cruzes, São Paulo.

O Crucificado que está no altar-mor é atribuído ao entalhador João da Cruz967,


que confeccionou diversas obras para a igreja, desde o retábulo-mor e o nicho da
Virgem, até elementos decorativos de talha. Há menção a um pagamento, sem
especificar o valor, ao referido entalhador entre os anos de 1807 e 1808 para ‘[…] cavar
a imagem do Senhor Crucificado no trono’968. Como o verbo ‘cavar’ não era
habitualmente utilizado para a tarefa de entalhar ou esculpir, isso pode significar que ele
apenas arranjou uma maneira de fixar, na cruz, um Senhor Morto, que é uma imagem
articulada (com mobilidade no ombro) fixando-a definitivamente no altar-mor. Caso a
primeira hipótese se confirmasse, a obra em questão seria do começo do século XIX, o
que tipologicamente, não nos parece a melhor datação para a peça.
Trata-se, em suma, de um conjunto de esculturas de qualidade mediana, com
dois excelentes Crucificados. Os seis Cristos dos altares laterais são criativos. Sua
autoria ficará em aberto, esperando novas pesquisas e um bom estudo técnico a fim de
desvendar as possibilidades de essas esculturas terem sido realmente desbastadas e
remodeladas.
966
Para Maria José Spiteri Tavolaro Passos, o Crucificado que se encontra sob o coro apresenta elementos
que podem ser comparados com a obra de Pedro da Cunha, principalmente na resolução da musculatura e
na configuração do desenho dos pés. PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular
colonial em São Paulo,…, p. 447. Opnião que não partilhamos.
967
‘Livro de Receitas e Despesas da Ordem Terceira do Carmo (1764-1824)’, citado por CAMPOS,
Jurandyr Ferraz, apud Idem ibidem, p. 447.
968
Idem ibidem, p. 447.
487

Passemos, então, à análise formal do conjunto de peças anônimas, presentes nas


demais igrejas carmelitas do Brasil: Belém, João Pessoa, Goiana, Recife, Campos dos
Goytacazes, Santos e São Paulo, a partir de cada cena representada nos Passos da
Paixão. Servirão sempre como exemplo para comparação as obras aqui citadas e
analisadas das igrejas carmelitas de Portugal e do Brasil.

5.4.2 Cristo no Horto, Cristo da Prisão e Cristo com a cruz às costas

O estudo das imagens de vestir e de roca torna-se muito mais interessante a


partir de uma perspectiva técnica do que de uma formal ou estilística. Assim, podem-se
revelar soluções extremamente criativas para representar os corpos, desde os entalhados
sumariamente, como os Cristos de Faro ou de Itu, até maravilhosas ‘invencionices’
feitas a partir de estrados de madeira, como ocorre nas imagens de Ouro Preto.
No estudo da forma e do estilo dessas imagens, o horizonte se reduz bastante,
pois a abordagem é feita apenas a partir das partes de talha completa: rosto, mãos e pés.
É este o caso dos Cristos dos Passos do Horto e da Prisão, assim como o Senhor dos
Passos, porém, este último por ser a personificação do esforço físico ao extremo, após
os castigos e a longa caminhada carregando a cruz às costas, deixa transparecer muito
mais emotividade e sofrimento no rosto, quase sempre repleto de feridas e hematomas.
Analisaremos, num primeiro momento, os dois primeiros passos, enfatizando a forma
do conjunto, e, dos traços fisionômicos dos rostos. Todos os exemplares, excetuando, os
das Igrejas de Salvador e de Itu, necessitam de cabeleiras postiças, o que simplifica
ainda mais a fatura e o formato da cabeça.
Os Cristos dos dois primeiros passos estão ajoelhados e de pé, não deixando
transparecer nenhuma emoção corporal. Vestem uma longa túnica de tecidos naturais,
que cobre todo o corpo, algumas vezes com os pés à mostra, sem muita definição. As
mãos, em alguns exemplos, receberam um tratamento especial de entalhe com veias e
unhas. No entanto, são sempre esculturas sem grandes atrativos, devendo ganhar algum
interesse quando se incorporam as indumentárias, que, se bem cuidadas, podem fazer a
diferença.
Todos os Cristos do Passo do Horto apresentam o olhar direcionado para o alto,
fruto da fixação do olho de vidro, tendo a órbita cortada pela pálpebra superior,
enquanto, no Cristo Preso, o olhar esta voltado para baixo. Dentre as obras da região
488

Nordeste, nota-se a diferença de qualidade técnica e


plástica do conjunto da igreja de Recife, que será
utilizado como elemento de comparação para os outros
passos.
Fig. 144 – Cristo do Horto, Igreja dos Terceiros de
Recife, Pernambuco.

Os dois Cristos de Recife, mais enfático no Cristo


do Horto do que no Senhor Preso, apresentam um formato de rosto anguloso, marcado
com forte ossatura das têmporas e dos maxilares. O nariz é grande e a boca mediana,
entreaberta, deixando à mostra os dentes. O olhar para o alto é reforçado pela testa
franzida. A barba é farta e contorna a boca circularmente, deixando parte do queixo à
mostra. O bigode desce em três mechas finas serpentinadas, até encontrar a barba,
composta de pequenas ondulações na vertical, cobrindo todo o terço inferior do rosto.
A barba está repartida ao meio, no centro do queixo, em duas mechas tímidas na altura
do queixo.
Os Cristos das igrejas nordestinas de João Pessoa e de Goiana apresentam um
tipo físico inspirado no modelo recifense. No entanto, já foram fruto de mão de obra
local, o que lhes conferiu um caráter próprio e único. O conjunto de João Pessoa é mais
homogêneo, com os seis Cristos exibindo o mesmo perfil fisionômico. O conjunto de
Goiana, ao contrário, é heterogêneo. Nele, esses dois passos
são distintos, parecem, inclusive, se tratar de produção local,
com pouca expressão facial. O Cristo do Horto pode até já ser
obra do século XIX.

Fig. 145 – Cristo da Prisão, Igreja do Carmo, Campos dos


Goytacazes, Rio de Janeiro.

As obras do sudeste expõem faces com inspiração distinta. Os Cristos de


Campos dos Goytacazes, por exemplo, possuem um rosto muito alongado, de forte
ossatura, barba bem modelada em mechas onduladas, dividida ao centro do queixo,
distinguindo dois cachos. As peças do Rio de Janeiro e de Itu, já analisadas
anteriormente, não formam um conjunto homogêneo como se esperaria de obras
atribuídas ao mesmo artífice. Já as imagens das igrejas de São Paulo e de Santos,
acreditamos que podem ter sido inspiradas no modelo de Itu. Basta observar o desenho
do bigode e da barba. Os bigodes destas esculturas possuem um desenho muito distinto,
489

acabam em uma voluta (caracol) quando encontram a barba, enquanto esta é uma massa
de pouco volume, posicionada na parte inferior do rosto. Arriscaríamos afirmar que o
escultor que fez a obra de São Paulo foi o mesmo que fez a de Santos, cujo modelo pode
ter sido a peça de Itu. A hipótese poderá se confirmar com a observação também do
formato do rosto, do modelado da boca, assim como da expressão da testa, vivamente
marcada em V, entre os olhos.

Fig. 146 – Cristos da Prisão das Igrejas de Itu, São Paulo e Santos. Observar a finalização dos
bigodes em voluta (caracol) e o desenho da boca.

Quanto aos Cristos com a cruz às costas, foi uma iconografia intensamente
difundida na arte portuguesa e luso-brasileira. No Brasil, é difícil entrar numa igreja que
não possua um Senhor dos Passos. As esculturas dos terceiros carmelitas em nada
diferem de todas as outras que podem ser vistas pelas igrejas dos dois países.
Maioritariamente são imagens de vestir ou de roca. Só no século XIX, é que elas
passam a ser esculpidas na sua integridade, mas também deixam de participar
frequentemente das procissões. Um dos motivos de se fazerem as esculturas com corpos
de ripas é a necessidade de se tornarem leves, para serem carregadas nos andores das
procissões. Diríamos também que a maioria dos conjuntos apresenta o Cristo com um
dos joelhos ao solo e o outro flexionado. Dos complexos carmelitas, apenas no de Faro,
em Portugal, e no de Ouro Preto, em Minas Gerais, o Senhor está de pé. Logo, o Passo
representa a sua caminhada, e não uma das quedas.
Os rostos têm sempre um aspecto dramático, intensificado pelo uso da peruca de
cabelos naturais e da coroa de espinhos. O rosto magro apresenta chagas e hematomas
profundos e escuros. As mãos fortes seguram a grande cruz, apoiada no ombro
esquerdo. Os pés nem sempre são visíveis por baixo da túnica roxa, mas, quando podem
ser vistos, expõem pinturas dramatizadas com chagas e escorridos de sangue.
490

Fig. 147 – Cristo com a cruz às costas, e


pé direito, Igreja dos Terceiros do Carmo,
Cacheira, Bahia.

5.4.3 Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo

Para se analisar a forma e o estilo, os melhores exemplos, dentre as seis


representações dos Cristos, são, sem dúvida, os das cenas da Flagelação, da Coroação
de espinhos, do Ecce Homo, obras de vulto pleno, e do Crucificado. Nesses tipos
iconográficos, os Cristos apresentam-se despidos de roupas, na sua melhor forma física.
Como nos três passos anteriores, nestes, os Cristos de Recife e de Belém se destacam
pela excelente áurea corporal, pela fineza na definição dos detalhes fisionômicos, pela
teatralidade do gesto e ainda pela erudição dos perizônios movimentados, amarrados
quase sempre sobre si mesmo ao redor do quadril. Nos Cristos da Flagelação,
encontraremos um elemento novo, a coluna, que marcará a forma, intensificando a
teatralidade do gesto, a deformação do corpo e dando um caráter assimétrico ao
conjunto.
De tipologia de Cristo da Flagelação da Igreja dos Terceiros de Recife, são os
exemplares presentes no altar lateral da Capela Dourada dos Terceiros franciscanos e o
da portaria da Igreja conventual dos carmelitas. Destacamos, nestas obras, o vigoroso
tratamento anatômico, o movimento erudito dos perizônios, que formam uma dobra
491

exagerada em triângulo na parte da frente e deixam cair uma ponta volumosa na lateral
direita, esvoaçante. As mudanças estarão em pequenas diferenças formais, tais como: os
cabelos, em cachos mais movimentados e mais longos, ou ainda nas atuais policromias
e possíveis repinturas, que deixaram o exemplar franciscano pálido e o do convento
carmelita ensanguentado, cuja coluna, apresentam o mesmo desenho.

Fig. 148 – Cristos da


Flagelação, da Igreja dos
Terceiros Franciscanos, dos
Terceiros Carmelitas e da
Igreja conventual Carmelita,
de Recife, Pernambuco.

Acreditamos que esse modelo tipológico, vindo de Portugal, provavelmente de


Lisboa, inspirou uma plêiade de Cristos da Flagelação, pelo interior do Nordeste
brasileiro. São bons exemplos disso as duas imagens das igrejas dos Terceiros de João
Pessoa e de Goiana. De mesma herança tipológica, podemos também incluir os Cristos
Carmelitas da cidade de Horta, na ilha do Faial, e o que foi parar na Igreja de Santa
Rita, de Paraty, hoje Museu de Arte Sacra da cidade, no Estado do Rio de Janeiro.

Fig. 149 – Cristos da Flagelação, Igreja dos Terceiros Carmelitas, João Pessoa, Paraíba, de
Horta, na ilha do Faial e de Goiana, Pernambuco. E, por último, do Acervo do Museu de Arte
Sacra de Paraty, Rio de Janeiro.
492

As obras executadas nas igrejas dos Terceiros de Goiana e João Pessoa seguem o
cânone clássico, expondo uma compleição corporal com bom tratamento do tórax. Não
possuem o desenho exagerado de músculos nem a dramaticidade do gesto, presentes nos
três de Recife, muito menos a repetição do esquema fisionômico, idealizado. Nas peças
de João Pessoa e de Goiana, testemunhamos, na confecção das cabeças, a influência do
tipo físico regional, mais visível na obra de Goiana do que na de João Pessoa. Num
empréstimo poético ao grande Graciliano Ramos, diríamos que representaram o
vaqueiro nordestino da sua obra, caracterizado pelo resultado da miscigenação
continuada entre o colonizador europeu e os grupos indígenas dos sertões brasileiros,
cujos principais valores morais são a garra e a coragem para sobreviver a situações
adversas969.

Fig. 150 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Igrejas da Ordem Terceira de Goiana e João
Pessoa.
Já o acervo da região sudeste apresenta algumas mudanças nas características
corporais e fisionômicas. São obras mais padronizadas, de faces idealizadas. Não se
encontrou um tipo físico particular, antes o tipo físico importado através das estampas
ou de outras obras. As peças atribuídas ao bracarense Pedro da Cunha, já analisadas, são
o testemunho da execução de um escultor português in loco, pois repete o modelo que
trouxe em estampas ou no seu inconsciente, aquele que, por ventura, concebeu ou viu
ainda na sua terra, e fez parte do seu aprendizado nas oficinas locais. Destacamos, no
grupo de esculturas desta região, as da cidade de Campos dos Goytacazes e de Mogi das
Cruzes, nas quais percebemos o uso do modelo erudito. Porém, a solução encontrada
contribui para mostrar, na primeira, o que um artífice com talento é capaz de criar e, na
segunda, o que um artífice criativo, mas de pouco talento, pode executar.

969
Apesar da obra literária de Graciliano Ramos pertencer ao século XX, o seu Fabiano (vaqueiro) de
Vidas Secas é investido de coragem, força e dignidade, simbolizando o típico homem nordestino que luta
contra a desonestidade do patrão e a pobreza da região.
493

Fig. 151 – Cristo da Flagelação, gravura Klauber cth., sc. Et exc., (Fonte: Biblioteca
Nacional, Lisboa, Registos de Santos, cat. 04265); e Igreja dos Terceiros de Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro e de Mogi das Cruzes, São Paulo.

A partir dos detalhes do perizônio, também conhecido como cendal ou pano de


pureza, que tinha como intenção esconder as ‘indecências’ de Cristo, visualizamos duas
tipologias, de acordo com o uso ou não da corda dupla970. No primeiro grupo, o
perizônio prende-se ao quadril de Cristo sobre si mesmo e, no segundo, com a ajuda de
uma corda dupla. Fiquemos, portanto, com o Passo da Flagelação, representação do fim
de um momento de intensa ação. O perizônio procurará refletir o resultado dos fatos,
movimentando-se de acordo com a teatralidade da ação. O gesto será de dor, como em
um instantâneo fotográfico, evidenciando algumas tipologias de cendais

970
No Brasil, em 1707, ocorre a publicação das Constituições do Arcebispado da Bahia, que passam a
regular desde a fatura até o uso das imagens. Seu texto ordenava que […] as imagens de vulto se
[fizessem] daqui em diante de corpos inteiros, pintados e ornados de maneira que [escusassem] vestidos,
por ser assim mais conveniente e decente. VIDE, D. Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit.,
Livro 4, p. 697. Porém, quando às imagens já eram de vestir, […] ordenamos seja de tal modo que não se
possa notar indecência nos rostos, vestidos ou toucados, o que com muito mais cuidado se guardará nas
imagens da Virgem Nossa Senhora; porque assim como depois de Deus não se te igual em santidade e
honestidade, assim convém que sua imagem sobre todas seja santamente vestida e ornada”. Ver: VIDE,
D. Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit., p. 698.
494

Os perizônios sem a ajuda da corda dupla apresentam um tecido largo e


comprido, que permitirá facilmente o seu envolvimento no baixo ventre de Cristo,
formando dobras e um V volumoso, na frente. Ele é amarrado sobre si mesmo, na lateral
direita, de onde parte uma ponta exuberante de caimento natural. Neste conjunto, estão
os Cristos de Recife, João Pessoa e Goiana. É o mesmo modelo encontrado nas peças
importadas, como o Cristo da Flagelação da Capela Dourada. Também aparecerá, com
algumas mudanças, nas imagens de Campos dos Goytacazes, já sem o V na frente,
porém, volumoso e movimentado.

Fig. 152 – Cristos da Flagelação, detalhe perizônios, Igrejas de Recife, Itu e Santos.

Ainda sem a ajuda da corda, foram encontrados perizônios com tecidos mais
estreitos, que permitem o envolvimento do quadril, porém, com menos dobras e
excessos. Similares a uma faixa longa, estreita, terminam com um nó sobre si mesmo, o
caimento sempre em ponta na lateral direita, com pouco volume. São os perizônios dos
Cristos de Itu e de Ouro Preto. Finalizando, há um último grupo, com o perizônio
envolvendo o quadril, à maneira de um saiote, sem excessos, fixado também na lateral
direita, com o caimento bem natural, como nas peças de Santos e de Belém.
A tipologia com a incorporação da corda na fixação ao quadril do Cristo
apresenta uma diminuição do tamanho e da largura do tecido. Os perizônios tornam-se
uma faixa curta e estreita, que esconde mal as ‘indecências’ de Cristo. O tecido é, então,
arranjado de maneira a não cair, mesmo que pareça querer escorregar. São
principalmente as obras do fim do século, já de gosto rococó (sensual) vislumbrando o
neoclássico. Enquadram-se, neste grupo, as peças do Rio de Janeiro, Cachoeira, Mogi,
São Paulo e Salvador.
495

Fig. 153 – Cristos da Flagelação, perizônios, Igrejas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

No Passo do Ecce Homo, os perizônios mantêm a estrutura descrita acima,


porém com menor ênfase nas dobras e nas pontas, pois o momento representado é
estático, quando Cristo aparece ao povo no Pretório. O perizônio comportará menos
movimento e menos excessos. Vale lembrar ainda que, nesse Passo, o corpo do Cristo
não estaria tão exposto, pois, normalmente, levaria uma capa curta carmesim de tecido
natural.
Outro elemento essencial à representação formal do Cristo da Flagelação será a
presença da coluna, baixa, em todos os exemplos do Brasil e de Portugal. A exceção
será a da Igreja dos Terceiros do Porto, que apresenta o Senhor do Flagelo com uma
coluna alta. O seu fuste ganha formas diversas, a circular é a mais comum, embora
também tenha sido encontrada um único exemplo de fuste quadrado, a da Igreja dos
Terceiros de Salvador, já de gosto neoclássico. Dentre as colunas de fuste circular,
temos as do tipo reta e balaustrada.
O posicionamento da coluna na representação da Flagelação será a medida para
o movimento de contorcionismo do próprio Cristo. Nas primeiras peças, o movimento
partirá de extremos para ir lentamente se afastando de uma pose carregada para uma
atitude mais leve, similar a um movimento de um passo de dança elegante. Nas obras
mais antigas (primeira metade do século XVIII), Cristo está posicionado com o corpo
de frente, tem os braços forçadamente conduzidos para a direita, na direção da coluna
baixa, onde terá as suas mãos amarradas. O corpo mantém-se hirto, o quadril enviesa-se,
deixando todo o peso sobre a perna esquerda. A perna direita flexiona-se num segundo
plano. E a cabeça se volta totalmente para a esquerda, em atitude de repúdio e de
extremo sofrimento. Os ombros querem acompanhar o movimento dos braços, mas o
corpo não o permite, tornando a pose forçada e artificial, teatralmente dramática.
Com o avançar do século, os braços fazem um movimento circular largo
girando em torno do corpo, da direita à esquerda, para o novo posicionamento da coluna
496

baixa. O Cristo mantém praticamente a mesma postura do corpo, porém, com cabeça,
braços e pernas suavizados, acompanhando a coluna à esquerda. O quadril permanece
com o movimento enviesado, o peso do corpo passa, então, da perna esquerda para a
direita, o que, num segundo plano, induz a um tímido passo.
Todo o movimento parece um suave passo de dança, que durou exatamente o
tempo da mudança de gosto, do barroco ao rococó. Movimento, provocado pela
relocação da posição da coluna e o acompanhar dos braços girando em torno do corpo
da direita para esquerda. Assim como o peso do corpo, que passa da perna esquerda
para a direita. É um movimento delicado e suave, representativo de um gosto mais
requintado.
Ao fim do século XVIII e já no XIX, ressurge o gosto pela simetria, pela
composição triangular, estável, típica do neoclassicismo, que chega aos Cristos.
Veremos a volta de uma escultura mais frontal, insinuante no retorno dos braços, agora
em um movimento menor, para encontrar a coluna quase posicionada à frente, ou,
simplesmente pousar as mãos no capitel da coluna, como no exemplar de Salvador, cuja
principal característica é a mudança do fuste circular para o quadrado. Ou ainda a busca
pela frontalidade, independente do posicionamento.
Resta ainda fazer uma observação a respeito dos Cristos do Passo da Flagelação:
devem ser representados ainda sem a coroa de espinhos e sem as chagas na testa. Em
algumas esculturas, no entanto, ele já ganhou tal atributo e também as marcas deixadas
na sua testa, de onde escorre o sangue das feridas dos espinhos. Esse detalhe pode ser
visto nas esculturas de São Paulo, Santos, Recife, Salvador. Provavelmente, são peças
repintadas ou se trata de uma interpretação errônea do momento representado, por parte
do artífice responsável pela pintura.
Os Cristos da Coroação de Espinhos representam um momento estático, sem
muito drama, além, é claro, do causado pela dor dos espinhos penetrantes na face de
Cristo. Normalmente, Cristo está resignado, os panos cobrem o quadril e pousam na
pedra, pacificamente. Formalmente, os Cristos não apresentam muita diversidade, além
de um posicionamento ligeiramente diferente dos braços, à frente, e das mãos cruzadas
(quase sempre é à direita que segura a cana verde). As pernas flexionadas paralelas, no
máximo, podem transpassar a parte inferior, cruzando-as ou deixando um dos pés
avançar um pouco. A representação da base, a pedra fria, é sempre um volume
retangular estreito, que imita, através de uma pintura marmoreada, a superfície da pedra.
497

Trata-se, portanto, de, numa primeira constatação, identificar as obras


produzidas na primeira metade do século XVIII, de gosto barroco, ou seja, as que
apresentam a coluna baixa posicionada à direita e os corpos teatralmente contorcidos
pela dor, na plástica vigorosa dos corpos, na dramaticidade dos rostos e nos volumes
exagerados dos panos. Numa fase intermediária, a intenção é localizar as esculturas que
revelam a pose mais graciosa e delicada de gosto e feitio ‘rococó’. Com o avançar das
décadas, as esculturas vão lentamente perdendo os excessos, e ganhando elegância e
delicadeza. Algumas ainda mantêm uma plástica vigorosa dos corpos, porém, as poses
teatrais cedem lugar a posturas que se assemelham a um movimento de dança, os panos
simplificam-se e, procuram mostrar um pouco mais do corpo do Cristo, até mesmo com
sensualidade.

Fig. 154 – Cristo da Flagelação, evolução do movimento e da forma.


498

5.4.4 Crucificados

Os Crucificados pertencem a um amplo hemisfério de tipologias, presentes em


praticamente todos os altares-mores das igrejas como devoção principal ou como
Crucifixos de banqueta. O estudo comparativo vai se restringir a um pequeno número,
preferencialmente aos que tenham autoria comprovada e aos disponíveis nas igrejas
conventuais e nas de Ordens Terceiras do Carmo, de Portugal e do Brasil.
Na esfera dos Crucificados com autoria comprovada do século XVIII, não
podemos deixar de citar o ‘Pai dos Cristos’, o escultor lisboeta Manuel Dias, e o seu
excepcional Crucificado, atualmente no ático do altar-mor da Catedral de Évora, que
segundo Túlio Espanca é um “[…] vultuoso e imponente Crucifixo, que corre parelho
com as primeiras composições, desenhado pelo pintor Francisco Vieira Lusitano, em
1735 e esculpido pelo mestre lisbonense Manuel Dias (o pai dos Cristos), no ano de
1736, em madeira de cedro, foi armado no sítio em setembro de 1737. Custou 249 000
rs.”971
É sem duvida, uma peça belíssima, de plástica vigorosa, cabeça totalmente
pendente sobre o ombro direito, emoldurada por farta
cabeleira. A faixa larga do perizônio forma um volume
generoso ao redor do baixo ventre do Cristo, presa
sobre si mesmo, deixando cair uma ponta
movimentada.

Fig.155 – Crucificado, Manuel Dias (1736), Sé, Évora.


(BORGES, Nelson Correia, O barroco joanino…, op. cit.,
vol. 9, p 19)

Enquanto isso, nas igrejas carmelitas de Portugal conseguimos separar um bom


número de Crucificados, indiferentemente de ser da Antiga Observância ou dos
Descalços, formando um conjunto heterogêneo a partir de diversas tipologias. Três
exemplares estão presentes nas duas igrejas carmelitas da cidade de Évora. O mais
antigo parece ser o que está no altar-mor da Igreja dos Calçados, peça totalmente
frontal, incluindo a cabeça na vertical, olhos abertos e olhar direcionado para frente. O
tratamento do tórax é esquemático, com as costelas vincadas em relevos horizontais. O

971
ESPANCA, Túlio, Inventários Artísticos de Portugal. Distrito de Évora… op. cit., p. 31.
499

do altar-mor da Igreja dos Descalços tem complexão anatômica mais bem definida de
músculos, a cabeça pende sobre o ombro direito, as pernas estão flexionadas e os pés,
cruzados. O terceiro está no altar lateral da primeira igreja, tem a anatomia mais bem
definida um tanto esquematizada, as costelas marcadas em paralelo no tórax, assim
como formam a ferradura na marcação do ventre, ligeiramente protuberante. Em
comum os três apresentam os braços ainda na vertical, em T, e os perizônios são uma
longa tira de tecido enrolado no quadril do Cristo, presos na lateral direita, muito
simples nos dois exemplos da igreja dos Calçados e de tipologia mais complexa.
Os dois da Igreja dos Calçados poderiam ser do século XVII, um da primeira
metade e o outro já de meados. O da Igreja dos Descalços está bem adequado ao altar-
mor, apesar de não compartilhar formalmente do mesmo vocabulário, podendo
pertencer à primeira metade do século XVIII ou ainda ao fim do século anterior.

Fig. 156 – Crucificados, altar-mor dos Carmelitas Calçados e dos Descalços, e, altar lateral da igreja dos
Calçados, Évora.

Quanto aos Crucificados dos Passos das cinco igrejas dos Terceiros Carmelitas
de Portugal, são peças distintas. Entre eles, duas são datadas e com autoria conhecida:
os das Igrejas de Faro e de Lisboa. O primeiro, de 1736, e o segundo, de 1758, um da
escola do Algarve e o outro lisboeta. Os dois são Cristos vivos, de olhos abertos, cabeça
pendendo ligeiramente para o alto, uma para a direita e a outra para a esquerda.
500

Fig. 157 – Crucificados, Igrejas da Ordem Terceira do Carmo, Faro e Lisboa.

O de Manuel Martins tem uma cabeleira mais exuberante, enquanto o tratamento


do tórax é menos dramático do que no de José de Almeida. Em ambos, o tratamento do
tórax é simples, sem exageros, cabíveis de representar a realidade. Os perizônios
apresentam dois modelos distintos - o primeiro é uma faixa larga que se enrola no
quadril com ajuda de uma tímida corda (praticamente imperceptível), o segundo é um
tecido largo e volumoso que envolve com gosto o baixo-ventre do Cristo, formando
grandes dobras e uma ponta esvoaçante na lateral direita.

Fig. 158 – Crucificados, igrejas


dos Terceiros do Carmo, Porto e
Tavira.

As esculturas dos conjuntos do Porto e de Tavira são peças de faturas distintas.


A primeira, um Senhor Morto, naturalmente preso à cruz, sem drama, com uma boa
solução corporal e tórax definido. O de Tavira é uma peça alongada, macérrima e com
pouca marcação muscular. O primeiro está localizado no topo do altar-mor acompanha
estilisticamente a decoração interna da igreja. O segundo é uma escultura processional,
utilizada na Procissão do Triunfo, sem função determinada na igreja fora das datas
501

festivas. Ambas apresentam um perizônio de tecido natural cobrindo o de madeira de


desenhos interessantes. O do Porto é de linho branco, de desenho sóbrio, cobre
naturalmente o baixo-ventre de Cristo como um saiote; enquanto o segundo, forma um
grande laço à maneira de uma fita, também em tecido branco, profusamente decorado
com rendilhados, flores aplicadas e bordados a ouro, de desenho exagerado.

Resumindo em um parágrafo, nos perizônios dos Crucificados identificados,


encontramos desde o pequeno tecido estreito, que cobre catolicamente o baixo-ventre do
Cristo, sem excessos, deixando ou não cair uma ponta vertical naturalmente, à direita.
Em fins do século XVII e princípios do XVIII, passa a ser um tecido de grandes
dimensões, que com gosto, perpassa o quadril, formando volumes extras e caindo em
ponta esvoaçante. Na segunda metade do século XVIII, novamente diminui de tamanho,
agora por puro prazer, para permitir deixar à mostra o corpo desnudo do Cristo. O uso
do artifício da corda dupla permitia desvelar partes do corpo antes escondidas, com a
sobra caindo naturalmente na lateral direita ou esquerda.

A B C D
E F G H
502

I J L M
Fig. 159 – Perizônios: A – Aveiro; B e C - Évora, altar-mor e altar lateral; D – Évora,
Descalços; E – Frei Cipriano da Cruz, Tibães; F - Manuel Martins, Faro; G – Manuel Dias,
1736, Sé, Évora; H – José de Almeida, Lisboa; I – Recife, BR; J - Ilha de Faial; L – Frei José
Antonio, Sacristia, Tibães; e, M – Lisboa, altar colateral, Lisboa.

Dos doze Crucificados pertencentes aos conjuntos brasileiros, passíveis de


análise formal e estilística, a grande maioria está posicionada no altar-mor das Igrejas
dos Terceiros, e, pertence à segunda metade do século XVIII, com concentração nas
duas últimas décadas. Alguns poucos são da primeira metade (Recife e Cachoeira); e
outros do século XIX (Mogi das Cruzes, Salvador e Ouro Preto).
O Crucificado da igreja dos Terceiros de Recife é na realidade um Cristo da
Clemência, com a cabeça erguida e os olhos abertos. Faz parte de um grupo erudito, de
tratamento anatômico vigoroso, rosto muito expressivo, realçado pelos olhos de vidro, e
uma policromia que evidencia as feridas e os hematomas. Como ainda vive, o corpo
mostra-se ereto, os braços esticados em um largo T, pernas paralelas, com o pé direito
sobre o esquerdo. O rosto oval de olhos tristes e boca entreaberta deixando à mostra os
dentes superiores, é emoldurada por uma cabeleira
exuberante, repartida ao meio, caindo em cachos, sobre
o ombro esquerdo e as costas. É definitivamente um
rosto que procura convencer pelo drama.

Fig. 160 – Crucificado, Igreja dos Terceiros, Recife,


Pernambuco.

O corpo é vigoroso, com tratamento do tórax


marcado, destacando a ossatura das costelas e a barriga ligeiramente côncava. O baixo-
ventre está coberto com o perizônio enrolado no cordão duplo, movimentado, deixando
cair uma ponta naturalmente, na lateral direita.
503

Fig. 161 – Crucificados, Igreja dos Terceiros, Recife, provável origem portuguesa, e, o de
Simão da Cunha, do Rio de Janeiro.

O Crucificado da igreja dos Terceiros do Rio de Janeiro é uma peça de


corretíssima execução, do tamanho próximo ao natural, com características tipológicas
muito próximas ao Cristo anterior. Foi executado pelo escultor português, sitiado no Rio
de Janeiro, Simão da Cunha, em 1762. A fisionomia é expressiva, a plástica vigorosa,
com ênfase nos ossos e nos músculos, tendo as costelas destacadas em ferradura com a
barriga côncava. Segundo Vera Forman, o rosto tem formato quadrado, nariz pontudo,
sobrancelhas conjugadas sobre o nariz, olhos amendoados (ausência de olhos de vidro),
queixo quadrado proeminente com covinha e boca entreaberta972. Os cabelos estão
repartidos ao meio, com entalhe delicado e de boa definição, composto de cachos
laterais emoldurando o rosto e um longo descansando sobre o ombro direito. O corpo
tende ao próprio peso, levando os braços abertos a formarem um Y, e, as pernas
ganharem flexão. O perizônio apresenta-se extremamente movimentado, fixado ao
quadril do Cristo com a ajuda de um cordão duplo, do qual pode observar um laço
requintado na lateral direita. O pendão tem movimento ziguezagueante. De todos os
Crucificados aqui tratados, é o que apresenta o perizônio mais no espirito ‘berniniano’.
O Crucificado da Capela dos Terceiros de Belém, no Pará, pode pertencer a
esfera de obras portuguesas, está posicionado em um pequeno altar lateral. Peça
excepcional, com anatomia vigorosa, cabeça erguida, tipologia já vista no Cristo de

972
Detalhes fisionômicos recolhidos por Vera Forman, pois, apesar de um binoculo não conseguimos
distinguir os traços faciais deste Crucificado, devido a distancia da sua localização e da coroa de espinhos
que caiu e cobre metade do seu rosto. Publicado em FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres
imaginários do Rio de Janeiro setecentista: Simão da Cunha e Pedro da Cunha’, publicado em Gávea 7.
Revista de História da Arte e Arquitetura, Rio de Janeiro, PUC, 1989.
504

Recife. O que o difere dos anteriores é o tratamento do perizônio, neste caso, com
movimento menos artificial. Preso ao quadril com a ajuda da corda dupla, forma uma
bonita dobra em leque na frente, ocasionada pelo entrelaçamento do tecido na corda.
Perizônio que intenta desnudar em vários pontos do quadril, e, deixa cair uma ponta
natural, a partir de uma grande laçada na lateral direita. Rosto expressivo, olhar
direcionado para o alto, percebe-se até um simulacro de prazer.

Fig. 162 – Cristo Crucificado, Belém do Pará.

Os dois Cristos das igrejas de Cachoeira e de


São Paulo, ambos são Senhor morto, com a cabeça
pendendo sobre o ombro direito. Os perizônios movimentados, o primeiro amarrado
sobre si mesmo, e o segundo com ajuda do cordão duplo. Os tecidos são exagerados e
os pendões artificiais com bastante movimento. Diríamos que já são obras
confeccionadas no Brasil, por bons artífices, o de Cachoeira pertence à primeira metade
do século XVIII, enquanto o de São Paulo ao fim do século.

Fig. 163 – Crucificados, Igrejas de Belém, Itu, São Paulo e Campos dos Goytacazes.

Os Crucificados de Itu e de Campos dos Goytacazes acompanham a datação das


igrejas, último quartel do século XVIII. O primeiro é atribuído ao escultor Pedro da
505

Cunha973 e o segundo de artífice regional. São duas peças rigorosas na anatomia, aliás,
neste conjunto julgamos que todos os Crucificados são peças que privilegiam a forma
corporal, bem entalhada e de anatomia correta. O de Itu tem fisionomia mais expressiva,
ainda está vivo, com a cabeça voltada para o fiel; o de Campos, já morto, tem o rosto
alongado e quase sereno. Os braços, no primeiro em Y e o segundo quase na vertical.
Os perizônios, ao redor do quadril estão presos sobre si mesmo, sem ajuda do cordão
duplo. Os movimentos são contidos, naturais, enrolam-se de maneira a formar pregas e
dobras, geometrizadas no de Itu.

Fig. 164 – Crucificados de Itu e


Campos dos Goytacazes.

Os três últimos da série, de


Mogi das Cruzes, de Ouro Preto e de Salvador, apresentam gosto mais lânguido, os
corpos já não têm a plástica vigorosa dos anteriores, porém, são corretíssimos
anatomicamente. Os perizônio escorregam e diminuem de tamanho, preso no quadril
com a ajuda da corda, simples ou dupla, formam uma dobra retangular na frente,
desnudando e revelando o corpo do Cristo, com um acento ‘sensual’.

Fig. 165 – Crucificado, Igreja dos Terceiros, Santos, São Paulo. (Fonte:
Arquivo IPHAN, Rio de Janeiro)

Dois Crucificados fogem a todas as tipologias descritas


até o momento, são os de Santos, no Estado de São Paulo e o de
João Pessoa, no Estado da Paraíba, da mesma maneira que não acompanham o
respectivos conjuntos dos altares laterais. O da cidade de Santos parece ser o mais
antigo dentre todos os Crucificados, e, encontrava-se originalmente em altar da sacristia,
conforme uma fotografia, da década de 1930, do arquivo do IPHAN. Está preso à cruz
em quatro pontos, a anatomia corporal é tímida, sem grande dramatização, braços em Y,
pernas paralelas com dois cravos, um em cada pé. O modelo de perizônio enquadra-se
973
Para maiores esclarecimentos ver a questão da atribuição desta peça a Pedro da Cunha, no começo
deste capítulo.
506

na faixa simples, à maneira de um saiote, deixando cair uma ponta tímida na lateral
esquerda.
O de João Pessoa apresenta rigidez exagerada do corpo que o impulsiona numa
acentuada vertical, enfatizada pela cabeça levantada. Os braços
em Y denunciam o peso do corpo, que pende, apesar de ainda
estar vivo. Exibe ainda um lindo desenho do perizônio, à
maneira dos Cristos de Recife e Rio de Janeiro, tecido
avantajado preso no baixo-ventre com a ajuda de uma corda
dupla.

Fig. 166 – Crucificado, Igreja dos Terceiros, João Pessoa, Paraíba.

A título de comparação colocamos lado a lado os detalhes dos perizônios


relativos aos Crucificados das Igrejas do Carmo do Brasil com a intenção de observar
melhor e formular possível linha evolutiva dessa indumentária que, segundo Louis Réau
nada mais era do que o véu que a Virgem despojou para cobrir a nudez do Filho.
507

A B C D
E F G H
I J L M
Fig. 167 - Crucificados das igrejas dos Terceiros do Brasil: A – Santos, SP; B – Cachoeira, Bahia; C –
Itu, São Paulo; D – Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro; E – Recife, Pernambuco; F – Rio de
Janeiro, Capital; G – São Paulo, Capital; H – João Pessoa, Paraíba; I – Belém, Pará; J – Mogi das Cruzes,
São Paulo; L – Ouro Preto, Minas Gerais; e M – Salvador, Bahia.

Observando o gráfico acima, fica claro que, a maioria dos perizônios dos
Crucificados, e aqui vamos enfatizar esse dado, pois os mesmos conjuntos possuem
desenhos e tipologias diferentes para os perizônios dos Cristos da Flagelação e do Ecce
Homo, são do tipo faixa de tecido, larga ou fina, que precisa de uma corda para a sua
fixação ao baixo-ventre do Cristo (oito usam esse subterfúgio). O que confrontadas com
as possíveis datações destas peças: o Crucificado da Igreja de Recife, encabeça a lista,
pertencente à primeira metade do século XVIII, e a grande maioria concentra-se na
segunda metade do mesmo século, inclusive os possíveis portugueses de Simão da
Cunha e o da igreja de Belém. O de Santos é uma incógnita, pode ser o mais antigo
(século XVII), originário dos primórdios dos carmelitas na cidade.
508

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluirmos o estudo sobre as esculturas devocionais dos Passos da Paixão


de Cristo, presente nas Veneráveis Ordens Terceiras do Carmo, no Brasil, pensamos
que conseguimos atingir todos os objetivos iniciais. A compreensão do vasto hemisfério
em que estas obras estão inseridas e as suas diferentes funções nos séculos XVII e
XVIII, levou-nos a ampliar o foco da pesquisa para a vida da sociedade e para a História
da Ordem do Carmo. Esses Cristos cumpriam dupla função, retabular e processional. Na
primeira figurando nos retábulos e participando da liturgia diária das igrejas dos
terceiros carmelitas. Na segunda atuando na principal manifestação cultual desenvolvida
pela Irmandade dos leigos, a Procissão do Triunfo.
As procissões no período colonial além de ser um ato de fé, era também uma
manifestação de poder. A Procissão do Triunfo era a principal manifestação religiosa
dos leigos da Ordem Carmelita, concorrente direta da Ordem Franciscana, no território
brasileiro. As duas Ordens tiveram um desenvolvimento excepcional, na forma das suas
associações de Leigos, as Ordens Terceiras. E as procissões eram um acontecimento
nevrálgico para a vida social das populações, servindo de ponto de encontro, de
religiosidade, e até, de diversão. Durante o período em estudo, múltiplas eram as festas
religiosas e as suas manifestações públicas.
As esculturas devocionais, assim como todos os aparatos religiosos utilizados
para o ritual litúrgico eram regidos por diretrizes doutrinais, renovadas em Trento, e
disseminadas pelas constituições sinodais dos Bispados, e, em particular, para o Brasil,
das Constituições do Arcebispado da Bahia, celebrada no ano de 1707, e impressa em
Lisboa em 1719. Além, das diretrizes oficiais, toda obra religiosa, pressupõe a
existência do encomendante. Nas igrejas carmelitas, será a própria Ordem do Carmo,
que determinará as diretrizes e os programas iconográficos a serem realizados. Nos seus
altares estarão os personagens carmelitas mais importantes, tendo Nossa Senhora do
Carmo a primazia sobre todos, seguida dos profetas fundadores: Santo Elias e Eliseu,
para os Calçados, e, Santa Teresa e São João da Cruz, para os Descalços. Além desses,
encontraremos também as principais devoções hagiográficas relacionadas à ordem: São
Simão Stock, com o culto do escapulário; Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, que
elaborou a primeira regra para os eremitas do monte Carmelo e, no Brasil, Santo
Elesbão e Santa Efigênia, os dois santos negros da Ordem. Um destaque especial será
dado à santa reformadora da ordem, Santa Teresa, que está sempre presente nas igrejas
509

dos Descalços, mas também, dos observantes e, principalmente nas dos terceiros, como
uma das devoções de maior prestígio, influenciando nos temas decorativos e na própria
espiritualidade dos leigos.
Quanto à importância da Ordem Carmelita em Portugal e no Brasil, pode ser
verificado pelo número de construções existente nos dois países. Em, Portugal chegou-
se à soma de 15 fundações conventuais de Ordem primeira da Antiga Observância, e,
estranhamente 20 instituições de Ordens Terceiras. Isto se explica pelas fundações
independentes e pela sobrevivência de monumentos, principalmente igrejas conventuais,
sob a guarda dos leigos, após a lei da extinção Ordens Religiosas.
Foram apuradas ainda cerca de dez instalações carmelitas, seja de Ordem
Primeira ou de Terceira, das quais já não existe testemunho material, e, praticamente
nada restou da sua memória. Um caso curioso é o da cidade de Alcácer do Sal, da qual
existe um Compromisso da Ordem Terceira do Carmo no acervo da Biblioteca Nacional
de Portugal, do ano de 1817, utilizado nesta tese, e da qual não foi possível apurar
vestígio algum de sua existência arquitetônica na cidade. Foram ainda encontrados
cinco conventos femininos da Antiga Observância.
Não conseguimos apurar se houve uma tipologia arquitetônica própria dos
Carmelitas Calçados em Portugal: pelos motivos analisados na tese, sendo o principal a
grande variedade de datas de fundação dos monumentos. Quando houve uma
concentração construtiva, como no século XVI, não conseguimos arrolar os
monumentos existentes de maneira a fazer o estudo comparativo.
Quanto ao ramo dos Carmelitas Descalços o trabalho foi mais simples. Além de
algumas publicações que nos davam uma listagem geral, embora com divergências: a
ordem é mais recente, assim como a sua memória, tendo já merecido atenção de um
maior número de especialistas. Apurou-se a existência de 22 conventos masculinos e 11
femininos, e apenas três instalações de Ordens Terceiras, duas das quais com igrejas
próprias. Lembramos que os Descalços, no território brasileiro, tiveram vida mais
reduzida, com apenas quatro conventos, dois masculinos e dois femininos. Quanto aos
conjuntos arquitetónicos os Descalços mantiveram uma tipologia de frontispício e de
planta próprios, como foi assinalado pelos especialistas, e, discutido no capítulo
especifico.
No território brasileiro não houve a lei de extinção das ordens religiosas, mas,
leis que proibiram a entrada de novos noviços, comprometendo a sobrevivência das
ordens no século XIX. Certamente, esse período foi de estagnação e decadência das
510

instituições religiosas no Brasil. Existiram 21 fundações carmelitas da Antiga


Observância no Brasil. Deste total, três não chegaram a ser conventos, os das cidades de
Campos dos Goytacazes, Itu e Lucena, possivelmente, tiveram início como Hospício e
assim se mantiveram. Não existiu nenhuma construção feminina dos Calçados, e apenas
duas dos Descalços. Vinte e três foram as Ordens Terceiras instituídas no Brasil, todas
com igrejas próprias, numa demonstração do importante papel que os leigos tiveram no
período colonial, com destaque para o século XVIII. As edificações dos Terceiros e da
sua implantação nos complexos conventuais (convento e igreja de ordem primeira)
foram tratados no capítulo próprio.
A tipologia do complexo conventual foi o modelo tradicional utilizado em
Portugal e levado para o Brasil, sem novidades, apenas em dimensões menores. Os
conventos são de planta retangular com claustros centrais e igreja conventual à direita
ou à esquerda, formando uma única fachada na linha da rua. A novidade foi a
implantação da igreja dos Terceiros cujo modelo quase sempre repetia o da igreja
conventual, em menor escala.
A igreja dos Terceiros está localizada sempre lateralmente à igreja conventual
em posição independente (a única exceção é Belém do Pará que usou o modelo de
capela com entrada pela nave da igreja conventual, tipologia utilizado pelos
franciscanos no Nordeste brasileiro). Podemos classificá-las em duas tipologias. A
primeira rebatia a igreja conventual lateralmente, menor, independente, e recuada,
criando um perfil de simetria crescente que se destacava na paisagem das cidades
coloniais. E a segunda, já realçada por Germain Bazin foi o posicionamento das igrejas
lado a lado, independentes, separadas por um corredor, aberto ou fechado, onde era
instalada a torre de uso comum.
As plantas das Igrejas das Ordens Terceiras são do modelo tradicional
português, com nave e capela mor retangular. A grande maioria apresenta seis altares
laterais com os Passos da Paixão de Cristo na nave, e, o Crucificado no altar-mor. Em
alguns conjuntos, este último foi transferido para uma das paredes laterais da Igreja,
como em Itu e São Paulo, ou para um corredor lateral, como em Campos dos
Goytacazes. As exceções são o conjunto de Cachoeira, que desde o projeto inicial não
recebeu os Passos da Paixão e o de Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro. Nas
igrejas de São Cristóvão e de Marechal Deodoro, desconhece-se os programas
decorativos, pois, na primeira restaram os altares, porém sem as devoções originais, e na
segunda a perda foi total.
511

As esculturas dos Passos da Paixão que compõem os programas decorativos da


maioria das Igrejas dos Terceiros no Brasil, cumpriam, portanto, duas funções
específicas: retabular e processional. Participavam da principal manifestação dos
Terceiros Carmelitas, a Procissão do Triunfo fechando o período da Quaresma. No
Brasil, elas participavam também do programa iconográfico das igrejas, presentes nos
altares laterais e altar-mor. Restaram ao todo treze conjuntos de Passos da Paixão de
Cristo, dos quais, doze estão ainda presentes nos altares das igrejas das Ordens
Terceiras do Carmo no Brasil.
A devoção à Paixão de Cristo não foi exclusiva de nenhuma ordem religiosa,
mas a consequência de um novo tipo de espiritualidade desenvolvida no final da Idade
Média, inspirada na figura do São Francisco de Assis. Buscava uma piedade mais ativa,
através da prática da oração mental, da proibição de bens materiais, e, da imitação do
próprio Cristo. Portanto, buscava realçar a humanidade de Cristo, sendo a sua Paixão a
maior prova desta humanidade. As representações escultóricas dos Cristos da Paixão
buscavam expressar sentimentos de penitência, de dor e de piedade, característicos do
ser humano.
Quanto às fontes iconográficas que serviram de inspiração para os Passos dos
leigos carmelitas, como vimos, no subitem específico, não é possível indicar uma
gravura específica ou o momento que determinou a mudança. Porém, pode-se dizer que
foi uma evolução formal das séries retratadas pelas obras de Albrecht Dürer, ou dos
irmãos Wierix na obra do jesuíta Hieronymo Natali (Padre Nadal), e, até nas estampas,
já de gosto rococó da família Klauber, através da seleção e elaboração da cena através
da idealização do personagem único, acrescidos de elementos que o identificavam.
Quanto à leitura iconográfica, os sete Passos da Paixão, são sempre os mesmos:
Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de
espinhos, Ecce Homo, Cristo com a cruz às costas e Cristo Crucificado. Existiram
variações de nomenclatura, (como vimos no capítulo específico), sendo a principal
relativa a cena da Coroação de Espinhos, identificada como Senhor da Pedra Fria, e
ainda Senhor da Cana Verde, que algumas vezes também identificava o Ecce Homo. As
posturas, indumentárias e atributos, são constantes, com pequenas variações no
posicionamento das mãos nas imagens de vestir, pela possibilidade que a técnica
permite. Há ainda a perda de atributos em algumas cenas. Neste último item entra a
questão da presença ou não do Anjo, no Passo do Cristo no Horto, o que pode ter sido
um elemento constante, justificável pelo direcionamento do olhar do Cristo. Porém,
512

como imagem de vestir, de pequeno porte, na maioria dos casos, não resistiu aos anos
de uso e à degradação do tempo.
Pode-se ainda afirmar, que o momento representado nas cenas é sempre o
mesmo. A grande exceção é o conjunto de Ouro Preto, que apresenta elementos
iconográficos únicos e diferentes de todos os outros conjuntos: a postura de surpresa e
refutação no Passo do Cristo no Horto; a ferida na face do Cristo no Passo do Cristo da
Prisão; o balcão no Passo do Ecce Homo; e o posicionamento com o Cristo de pé no
Passo do Senhor com a cruz às costas (só o Cristo da Igreja de Faro, em Portugal, tem o
mesmo posicionamento).
Portanto, quando se confronta as obras com as possíveis fontes de inspiração,
fica claro que, houve um modelo tipológico que serviu de padrão para a elaboração do
conjunto. Porém, entre as estampas e as gravuras dos álbuns temáticos aqui estudados,
não foi possível determinar a fonte utilizada pelos Terceiros carmelitas nas suas igrejas.
Primeiro porque podemos ver as mesmas soluções em obras de outras instituições
religiosas. E segundo, por que gostaríamos de ter pesquisado os conteúdos das
bibliotecas que possivelmente existiram nos Conventos Carmelitas, assunto ao qual
dedicámos algum tempo, porém, com resultados inconclusivos.
Quanto à técnica é pertinente afirmar que existiram nos conjuntos dois tipos
diferentes de tipologia: três imagens de vestir e quatro de vulto pleno. Com a única
exceção do Cristo da Prisão da igreja dos Terceiros de Salvador, que é uma obra de
talha completa, enquanto o restante é de imagem de vestir. Analisando quanto à técnica,
os três exemplares de vestir apresentam uma maior simplificação na elaboração do
entalhe e da policromia, como não poderia deixar de ser, pois as partes recobertas pelas
indumentárias não mereceriam o mesmo tipo de acabamento das partes que seriam
deixadas à vista dos fieis, características gerais para as imagens de vestir e de roca.
Novamente a exceção à regra é o conjunto da igreja de Ouro Preto, por
apresentar faces de metal, técnica inusual na arte luso-brasileira. A aplicação de
máscaras confecionadas a partir de moldes, fixadas à região frontal do rosto, para então
serem recobertas pelas camadas de preparação e de policromia, é uma técnica usual na
América Latina, principalmente, na região Andina e na escola de Quito, no Equador.
Quanto à forma e ao estilo, os Cristos enquadram-se nos períodos estilísticos do
Barroco e Rococó, e alguns exemplares já apresentam o gosto neoclássico incipiente.
Esses estilos artísticos foram predominantes no Brasil dos séculos XVII, XVIII e
513

princípio do XIX, acompanhando os elementos retabulares, também em madeira


policromada.
Conclui-se que os Cristos da primeira metade do século XVIII apresentam uma
grande parcela dramática no tratamento dos corpos e das faces, e, perizônios de desenho
rebuscado e antinatural. Utilizaram-se de movimentos contrários e terminações
‘ziguezagueantes’, tradicionalmente de inspiração ‘berniniana’. Enquanto, os Cristos do
final do século apresentam forma suavizada, o gesto torna-se elegante e a escultura
ganha sensualidade nos corpos nus dos Cristos, sobretudo, nos Crucificados.
O Cristo da Flagelação é o que melhor demonstra a transformação da forma,
ocorrida durante o século XVIII, pois incluiu, um terceiro elemento, a coluna, que
conduzirá o movimento desenvolvido pelo próprio personagem. Movimento esse que
pode ser traduzido em um largo passo de dança. Principia-se com as representações
ainda do século XVII, com o Cristo abraçando uma coluna alta, de gosto Maneirista,
reintroduzida no neoclassicismo de fins do século XVIII e princípios do XIX. Passa-se,
então, para o Cristo preso à coluna baixa do Barroco e do Rococó.
O Cristo, então atuando, conduzirá os braços ao encontro da coluna, no início do
século, localizada à direita, e, com o avançar do século, passa para à esquerda. É a
evolução do momento estático do século XVII, para a ação, primeiro com o gesto
forçado, contorcido, da primeira metade do século XVIII, a seguir para um gesto suave
e um tanto afetado da segunda metade do século. Ação reforçada quando Cristo troca o
apoio da perna esquerda para a direta, à maneira de um passo de dança que dura cem
anos para se completar!
As obras de fins do século XVIII em Portugal e de princípios do século XIX, no
Brasil, como o exemplo português da Igreja do Porto, e nos das Igrejas de Nossa
Senhora das Dores, na cidade de Porto Alegre, no
Estado do Rio Grande do Sul, e da Igreja de São
Gonçalo, na cidade de Penedo, no estado de
Alagoas, no Brasil, testemunham a volta do Cristo
estático, abraçando uma coluna alta. Ou ainda
como no exemplo de Salvador, com Cristo
descansando as mãos sobre a coluna, neste caso
ainda baixa e de perfil quadrado.
Fig. 168 – Cristo da Flagelação, Igreja de São Gonçalo, Penedo,
Alagoas e da Igreja de Nossa Senhora das Dores, Porto Alegre, RS.
514

Acompanhando as características técnicas, as esculturas com relação à forma e


ao estilo, também revelam um tratamento simplificado nas imagens de vestir, e mais
elaborado, nas imagens de vulto pleno, independentemente de representar o mesmo
personagem em uma sequência lógica. Portanto, o Cristo deveria ter o mesmo tipo
fisionómico e físico, apenas com as marcas da acentuação do drama e do sofrimento nos
últimos passos. Porém, o que se observa é uma forma simplificada nos exemplares de
vestir, reforçada pelo uso das cabeleiras postiças.
Os Cristos de vulto pleno apresentam no conjunto aspecto mais requintado e
detalhista dos traços fisionómicos e das características físicas. Assim como, possuem
cabelos volumosos e cacheados, se comparados aos escassos exemplares que os
possuem entalhados nas imagens de vestir. Este fato pode ser explicado pela distinção
do tipo de representação dada a cada cena: nas duas primeiras a emoção do personagem
é totalmente introspectiva, com o Cristo agoniado e desapontado. Enquanto nas três
seguintes: a ação se instala com a aplicação dos castigos. No Senhor dos Passos o foco
recai para o esforço físico que transparece no rosto sofrido. Quanto aos Crucificados a
representação é mais intensa e expressiva quando o Cristo ainda está vivo, ou, suave
quando já morto e com a cabeça pendente.
Quanto à questão das peças de autoria conhecida, não existe problema com os
dois conjuntos portugueses, de Manuel Martins e de José de Almeida. Não podemos
dizer o mesmo em relação às atribuições ‘brasileiras’ a Manuel Inácio da Costa e a
Pedro da Cunha. No primeiro há um consenso geral, que concordamos sem contestar.
Porém, com o grupo de esculturas (seis do Rio de Janeiro e sete de Itu), atribuídas a
Pedro da Cunha, ao último quartel do século XVIII, algumas considerações devem ser
feitas.
As atribuições a Pedro da Cunha, merecem ser revistas e reavaliadas, pois,
quando se posiciona os dois conjuntos lado a lado, fica evidente o entalhe distinto dos
dois grupos. O conjunto de Cristos de Itu tem maior carga dramática, mais próximo do
gosto barroco, enquanto os Cristos da igreja do Rio de Janeiro, buscam a simplicidade
da forma, a naturalidade dos rostos, já prenunciando o gosto clássico que está a ser
instalado na cidade do Rio de Janeiro. Porém, merece ser mencionado que,
possivelmente, a obra de Itu pode ter servido de fonte de inspiração para os conjuntos de
Santos e de São Paulo (os Cristos apresentam o mesmo desenho de boca cerceada pela
barba e bigode, utilizando a mesma finalização em mecha a maneira de uma voluta).
515

Coloca-se como uma hipótese, a possibilidade da autoria das peças da igreja de


Itu, terem sido efetuadas por Simão da Cunha. No Rio de Janeiro, o Crucificado foi
executado por Simão da Cunha, e os seis Cristos restantes são atribuídos ao Pedro da
Cunha. O problema se coloca quando se compara os dois conjuntos, do Pedro da Cunha
do Rio de Janeiro com o de Itu. Existem diferenças marcantes entre os dois, que foram
feitos praticamente na mesma década. Por mais que Pedro da Cunha tivesse uma equipe
de auxiliares, haveria uma essência que denunciaria a sua mão. Tal fato não ocorre, são
conjuntos muito diferentes. É um caso interessante, pois os relatos de documentos
induzem a uma autoria que as obras não confirmam. Não pretendemos esclarecer aqui a
autoria dessas peças, apenas alargar a possibilidade de na realidade o conjunto de Itu
pertencer a Simão da Cunha. Teria sido executado um pouco antes da sua morte em
1774, para a igreja do Rio. Neste período, entretanto, recebe a encomenda para a Igreja
de Itu, encaminha o conjunto pronto, e só consegue entalhar um novo Cristo para a
Igreja do Rio de Janeiro, o Crucificado. É um assunto apaixonante que ficará em
aberto, necessitando de novas intervenções.
Ao encerrarmos esta etapa de trabalho sobre os Cristos dos Passos da Paixão
presentes nas Igrejas dos Terceiros Carmelitas do Brasil, temos consciência de que,
apesar de darmos os nossos objetivos por cumpridos, muito ficou ainda por investigar e
por discutir. Seria oportuno confrontar os Cristos com todas as obras produzidas pela
própria Ordem Carmelita, presente nos retábulos das igrejas da Ordem Primeira, assim
como com a produção local e regional. Uma linha seria seguir o caminho iniciado pelas
publicações decorrentes dos Inventários produzidos pelo IPHAN, certamente que
muitas revelações e novos casos de identificação poderiam surgir e enriquecer o
assunto.
Esperamos, no entanto, que no futuro possamos dar prosseguimento aos assuntos
aqui tratados, buscando fazer monografias sobre cada monumento tratado, que
incluiriam não apenas as obras escultóricas, mas também os ricos acervos retabulísticos
e pictóricos, ainda presentes nos conventos e igrejas da Ordem Carmelita no Brasil.
516

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Carmo generosamente se erigio na muyto nobre, & sempre leal Villa de Santarem a
oyto de settembro de 1708. Sendo Prior do ditto Mosteyro o M. R. P. M. Fr. Antonio da
Assupçam, offerecida ao Senhor Luís Alvares da Costa, Fidalgo da Casa de Sua
Magestade, & Cavalleyro professo da Ordem de Christo, Lisboa, Na officina de Manoel
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da antiga Observância, e Grande de Hespanha da primeira classe, offerece, e dedica o
Mestre Fr. Manoel de Sá, Filho, Ex-provincial, e Definidor da mesma Província,
Chronista Geral da dita Ordem, nestes Reynos, e seus Domínios, Qualificador e
Revedor do Santo Officio, Acadêmico Supranumerário da Academia Real da Historia
518

Portugueza, Examinador das três Ordem Militares, e Consultor da Bulla da Cruzada.


Lisboa Occidental, na officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia
Real, MDCCXXVII. Impressas à custa da mesma província. (Exemplar pertencente a
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Reverendo padre Mestre O D. Fr. Ruperto de Jesus, Lente jubilado em Theologia,
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519

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