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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
2016
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
Júri: Presidente: Doutora Maria Cristina de Castro Maia de Sousa Pimentel, Professora
Catedrática e Membro do Conselho Científico, da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa
Doutora Maria João Quintas Lopes Baptista Neto, Professora Associada com
Agregação, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
2016
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AGRADECIMENTOS
que esta tese se concretizasse. Mas também de uma forma geral agradeço à República
Federativa do Brasil, que vem incentivando indiscriminadamente estudantes e
pesquisadores a fazerem intercâmbios de conhecimento e de cultura, tão importante,
para que o país cresça e se transforme em uma nação socialmente mais igualitária.
Obrigada aos dois melhores Presidentes da República: Dilma Roussef e Lula da Silva.
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RESUMO
A presente pesquisa busca entender o programa iconográfico desenvolvido nas
igrejas das Veneráveis Ordens Terceiras do Carmo, do Brasil, a partir dos sete Passos da
Paixão de Cristo: Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo da Flagelação, Cristo da
Coroação de espinhos, Ecce Homo, Senhor dos Passos e Cristo Crucificado. Trata-se,
portanto, de estudar as sete esculturas devocionais dos diferentes momentos da Paixão
de Cristo, que cumpriam uma dupla função: participar do programa iconográfico das
igrejas brasileiras e da Procissão do Triunfo, realizada pelos irmãos terceiros carmelitas,
nos séculos XVII e XVIII. Essa procissão fechava o tempo da Quaresma, aberto pelos
irmãos leigos franciscanos, com a Procissão das Cinzas.
Tem ainda como objetivo tecer considerações sobre a Ordem de Nossa Senhora
do Carmo, Antiga Observância e Descalços, partindo da origem no Monte Carmelo, na
Palestina, a sua introdução no território português e, a partir do século XVI, a sua
instalação no Brasil. A seguir, determinar a origem das Ordens Terceiras do Carmo,
como reflexo da sociedade da Península Ibérica, e o envolvimento dos leigos na
encomenda e confecção dos seus altares e na própria construção das suas Igrejas.
Buscou-se também valorar a importância das procissões na religiosidade popular e, em
particular, da Procissão do Triunfo, com a devoção aos Passos da Paixão de Cristo,
pelos irmãos leigos carmelitas, principal festividade da Ordem Terceira.
O tema da Paixão de Cristo ganhou importância no final da Idade Média, a
partir da espiritualidade desenvolvida pelas ordens mendicantes e pela Devotio
Moderna, que certamente favoreceu o desenvolvimento de um forte caráter narrativo
nas cenas retratadas nas igrejas carmelitas. Procurou-se, então, relacionar as esculturas
às respectivas fontes textuais e imagéticas que pudessem ter servido de fonte de
inspiração, principalmente a partir do século XV, com as novas tecnologias de
reprodução gráfica.
Por fim, pretendeu-se estudar as esculturas a partir das leituras cabíveis à
História da Arte: técnica, iconográfica e estilística. O acervo foi inventariado e
fotografado em fichas de inventário, tornando-se o volume II desta tese. A partir da
inventariação, as esculturas foram agrupadas e estudadas entre si e comparativamente a
similares de outras igrejas, a partir das características que apresentavam, tentando
enquadrá-las nos estilos de época: barroco e rococó, com alguns exemplares alcançando
o neoclassicismo, de princípios do século XIX.
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ABSTRACT
The present research seeks to understand the iconographic program developed at
the churches of the Venerable Third Orders of Carmo in Brazil, focused on the seven
Steps of Christ’s Passion: Christ at the Garden of Olives, Christ Imprisioned, Christ
Whipped, Christ Crowned with Thorns, Ecce Homo, Lord of Steps and Crucified.
Therefore, the work deals with studying the seven liturgical sculptures of the different
moments of Christ’s Passion, which bore a double role: participating in the
iconographic program of Brazilian churches and in the Procession of Thriumph,
developed by the Third Order of Carmelite brothers in the 17th and 18th centuries. That
Procession closed the Lent season, opened by the lay Franciscan brothers with the
Procession of Ashes.
This study also aims at establishing insights on the Order of Our Lady of Carmo,
formely Observance and Barefeet, starting from its origin in Mount Carmel, in
Palestine, through its introduction into the Portuguese territory and, as the 16th century,
its setting up in Brazil. Then it seeks to determine the origin of the Third Orders of
Carmo as a reflex of the society in the Iberic Peninsula and the laymen’s envolvement
in ordering and erecting their altars and in the construction of their churches itself. The
research also seeks to value the importance of the processions in popular religiousness
and, in particular, of the Procession of Triumph, with the devotion of the lay Carmelite
brothers to the Steps of the Passion of Christ, the main festivity of the Third Order.
The Passion of Christ theme became important at the end of the Middle Ages,
from the spirituality developed by the Begging Orders and by Devotio Moderna, which
certainly favored the development of strong narrative character in the scenes portrayed
in the Carmelite churches. It seeks then to relate the sculptures to the corresponding
textual and imagery sources tha could have served as inspiration, mainly from the 15th
century, with the new graphic reproduction technologies.
The final purpose is studying the sculptures based on applicable readings to Art
History: technical, iconographic and stylistic. The colection was surveyed and
photographed in very simple inventory cards, becoming the second volume of this
thesis. As from inventory, the cards were grouped and studied among themselves, and
comparatively, with similar ones from other churches, based on their features,
attempting to fit them into the styles of the period: Baroque and Rococo, with some
instances reaching the neoclassical period of the beginning of the 19th century.
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ÍNDICE
VOLUME I
Lista de abreviaturas………………………………………………………………….14
Lista de ilustrações …………………………………………………………………...15
1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………………....23
PARTE I
PARTE II
AS IMAGENS DE CRISTO DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO:
iconografia e função
PARTE III
AS IMAGENS DO CRISTO DAS VENERÁVEIS ORDENS TERCEIRAS DO
CARMO: técnica, forma e estilo
5. ESCULTURA …………………………………………………………………….355
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 08 – Igreja dos Carmelitas da Antiga Observância de Olinda, Pernambuco. Foto de 1859,
do fotógrafo austríaco Augusto Stahl, ainda com o convento e a igreja da Ordem Terceira,
demolidos em princípios do século XX.
Fig. 09 – Convento e Igreja conventual, e, Igreja dos Terceiros de Nossa Senhora do Carmo,
Salvador, Bahia.
Fig. 10 – Complexo arquitetônico dos Carmelitas da Antiga Observância de Santos, São Paulo.
‘Porto de Santos em 1822’, Benedito Calixto (óleo sobre tela, 1922) e postal do começo do
século XX.
Fig. 11 – Antiga igreja conventual do Carmo e igreja da Ordem Terceira do Carmo, do Rio de
Janeiro. Gravura de Debret, primeira metade do século XIX.
Fig. 12 – Fig. 12 – Antigo convento e Igreja do Carmo, São Luís, Maranhão. Postal do começo
do século XX.
Fig. 13 – Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Belém, Pará. Desenho de J.L Righini.
Fig. 15 – Antigo convento e Igreja conventual dos Carmelitas da Antiga Observância, e, Igreja
da Ordem Terceira, João Pessoa, Paraíba.
Fig. 18 – Convento de Santo Alberto, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja de Santa
Teresa, Goiana, Pernambuco. Foto de Augusto Stahl, c. 1859.
Fig. 21 – Igreja e Convento de Nossa Senhora do Carmo, e Igreja de Santa Teresa da Ordem
Terceira do Carmo, Recife, Pernambuco.
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Fig. 24 – Convento e Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e, Igreja do Senhor dos Passos, São
Cristóvão, Sergipe.
Fig. 25 – Igreja conventual, convento e Igreja de Ordem Terceira de Santa Teresa, Cachoeira,
Bahia.
Fig. 29 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira, Campos dos Goytacazes, Rio
de Janeiro.
Fig. 31 – Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo, São Paulo. Foto de Militão Augusto de
Azevedo, do século XIX, com o aspecto original, incluindo o convento e a sua igreja.
Fig. 32 – Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes,
São Paulo. Aspecto atual e foto do começo do século XIX.
Fig. 33 – Complexo arquitetônico do ‘Hospício’ e Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Itu, São
Paulo.
Fig. 34 – Convento e Igreja dos Carmelitas Descalços, atual Museu de Arte Sacra, Salvador,
Bahia.
Fig. 36 – Convento e Igreja de Santa Teresa, Ordem Segunda, dos Carmelitas Descalços, Rio de
Janeiro.
Fig. 40 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São João del Rei, Minas Gerais.
Fig. 44 – Largo da Praça XV, antigo Largo do Paço, com o convento e as duas igrejas,
conventual e dos Terceiros, ao fundo, e na esquerda o Palácio dos Vice-reis.
Fig. 46 – Grande Paixão, de Dürer: Oração no Horto; Prisão; Flagelação; Ecce Homo; Cristo
com a cruz às costas; e, Crucificação.
Fig. 54 – Gravura Klauber (Acervo Biblioteca Nacional, Portugal) e Cristo, Passo da Prisão,
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas Gerais.
Fig. 55 – Senhor Jesus dos Prodígios, estampa e obra escultórica. A estampa foi desenhada por
M. de Mattos e esculpida (gravada) por João Cardini. A escultura é provavelmente da primeira
metade do século XVIII, em madeira policromada.
Fig. 56 – Tarja, portada da Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais. Observar o elemento
distintivo entre os Calçados e os Descalços: a cruz no cume do Monte do Carmelo.
Fig. 58 – Cristo da Flagelação, da Pedra Fria e Ecce Homo, atualmente na Igreja dos Terceiros
de São Francisco, Ouro Preto.
Fig. 59 – Cordeiro, porta lateral, Igreja de São Pedro de Rates, Póvoa do Varzim, Porto.
Fig. 60 – Crucificados: túmulo Inês de Castro, Alcobaça e túmulo Bispo D. Pedro, Catedral de
Évora.
Fig. 62 – Programa iconográfico do altar-mor da Igreja dos Terceiros do Carmo de Faro: Nossa
Senhora do Carmo, ladeada pelos papas São Telésforo e São Dionísio, no andar superior; e
Santo Elias e Santo Eliseu, no andar inferior. Ao centro, ladeando o sacrário, São José e São
João Batista Menino.
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Fig. 65 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Porto, Portugal, e, Itu, São Paulo, Brasil.
Fig. 66 – Cristo da Prisão, Igreja do Carmo, Campos, Rio de Janeiro e, Salvador, Bahia. E
Cristo Preso, pintura do Padre Jesuíno do Monte Carmelo, São Paulo, Museu Afro, São Paulo.
Fig. 69 - Senhor dos Martírios, Museu Nacional Arte Antiga, Oficina de Nuno Gonçalves (?)
Fig. 71 – Senhor dos Passos, túmulo de D. Inês de Castro, Mosteiro de Alcobaça, Portugal.
Fig. 72 – Senhor dos Passos, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais, Brasil, e, Manuel Inácio da Costa, Igreja dos Terceiros, Salvador, Bahia.
Fig. 73 – Soldados tirando a sorte, António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Congonhas, Minas
Gerais, Brasil.
Fig. 76 – Cristo Crucificado, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos, São Paulo.
Fig. 77 – Cristo Crucificado, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Itu, São Paulo.
Fig. 83 – Crucificados, Igrejas do Carmo, Mogi das Cruzes (SP), Recife (PE), Belém (PA), São
Paulo (SP), Campos dos Goytacazes (RJ), Itu (SP), Cachoeira (BA) e Ouro Preto (MG)
Fig. 84 – São Miguel Arcanjo, Frei Cipriano da Cruz, Museu Nacional Machado de Castro.
Fig. 85 – Retábulo de Nossa Senhora da Conceição e de Santa Teresa, Igreja do Carmo, Évora e
Igreja dos Terceiros, Faro, Portugal.
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Fig. 86 – Retábulo dos Terceiros, Igreja do Carmo, Évora. No nicho central foi instalada uma
imagem de gesso do Sagrado Coração de Jesus, do século XX.
Fig. 88 – Santo Amaro e Virtude: Temperança, Igreja e Sacristia do Mosteiro Tibães, Braga.
Fig. 91 – São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora do Rosário, Igreja de Nossa Senhora da Pena,
Lisboa.
Fig. 93 – Santana Mestra, Museu Nacional de Arte Antiga e Nossa Senhora do Carmo,
Machado de Castro (?), Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Faro.
Fig. 94 – Triunfo das Artes, Joaquim José de Barros Laborão, Museu Nacional de Arte Antiga.
Fig. 95 – Santana, Virgem, São Joaquim, Frei José de Santo Antônio Vilaça Mosteiro Tibães,
Braga.
Fig. 96 – Apostolo, Ceia de Cristo, Hodart, 1530, barro, Museu Nacional Machado de Castro.
Fig. 100 – Cristo Crucificado, da atual capela de Nossa Senhora da Boa Morte (Senhor Jesus
dos Aflitos) e Crucificado do Museu da Sé, Évora.
Fig. 102 – Nossa Senhora da Conceição, João Gonçalo Fernandes, originaria da Matriz de São
Vicente, hoje no Museu de Arte Sacra, Santos, São Paulo; e, Nossa Senhora das Maravilhas,
Museu de Arte Sacra, Salvador, Bahia.
Fig. 103 – São Lourenço, Capela de São Lourenço dos Índios, Niterói, Rio de Janeiro.
Fig. 104 – São José, Museu das Missões, São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil.
Fig. 105 – Nossa Senhora de Monserrate, detalhe, Frei Agostinho da Piedade, Museu de Arte
Sacra, Salvador, Bahia.
Fig. 107 – Nossa Senhora de Monserrate, Frei Domingos da Conceição, Mosteiro de São Bento,
Rio de Janeiro.
Fig. 108 – Anjo Tocheiro, Simão da Cunha, Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro.
Fig. 109 – Nossa Senhora de Macunaíba, Convento franciscano, Angra dos Reis, Rio de
Janeiro.
Fig. 111 – São João da Cruz e São Simão Stock, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
Igreja do Carmo, Sabará, Minas Gerais.
Fig. 112 – Anjo sorridente, púlpito, Igreja do Carmo, São João del Rei, Minas Gerais.
Fig. 115 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Pará. Observar
os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo, Coroação de
espinhos, Ecce Homo e Crucificado).
Fig. 116 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Faro, Portugal.
Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado).
Fig. 117 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Itu, São Paulo,
Brasil. Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado).
Fig. 118 – Anjo do Passo do Cristo no Horto, Ouro Preto, Minas Gerais.
Fig. 119 – Cristo Preso e Cristo da flagelação, Manuel Martins, 1731, Igreja da Ordem Terceira
do Carmo, Faro
Fig. 121 – Rostos do Senhor Preso e Ecce Homo, detalhe das mãos do Ecce Homo, José de
Almeida, 1758, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Lisboa.
Fig. 122 – Senhor do Horto e da Coroação de espinhos, primeira metade do século XVIII,
Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Horta, Ilha do Faial.
Fig. 123 –Cristo da Prisão e da Flagelação, segunda metade do século XVIII (?), Igreja da
Ordem Terceira do Carmo, Porto, Portugal.
Fig. 124 – Senhor da Flagelação e Ecce Homo, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Tavira e
Ecce Homo, de Manuel Martins, da Igreja dos Terceiros de Faro.
Fig. 125 – Nossa Senhora do Carmo, foto inventário de Tavira, Lameira e foto da visita à igreja
em 2016.
Fig. 126 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos, Ecce Homo e Nossa Senhora
da Piedade, Igreja conventual de Moura, Portugal.
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Fig. 127 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo, Igreja dos
carmelitas da Antiga Observância, Évora.
Fig. 128 – Cristo da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo, Igreja dos
Terceiros do Carmo, de Beja.
Fig. 130 – Ecce Homo, Manuel Inácio da Costa, Igreja dos Terceiros de Salvador.
Fig. 131 – Senhor Morto, Manuel Inácio da Costa, Museu da Ordem Terceira do Carmo,
Salvador.
Fig. 132 – Cristo Crucificado, Simão da Cunha, 1763, altar-mor da Igreja dos Terceiros do
Carmo, Rio de Janeiro.
Fig. 133 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Pedro da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira
do Carmo, do Rio de Janeiro e de Itu.
Fig. 134 – Cristos da Coroação de Espinhos, Pedro da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira do
Carmo, do Rio de Janeiro e de Itu.
Fig. 135 – Cristos da Flagelação, detalhe do rosto, Pedro da Cunha, Igrejas da Ordem Terceira
do Carmo, Itu e Rio de Janeiro.
Fig. 136 – Cristo da Prisão, detalhe, Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais.
Fig. 137 – Cristo Crucificado, Igreja do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais.
Fig. 138 – Cristo Crucificado, altar-mor, Igreja dos Terceiros de Cachoeira, Bahia.
Fig. 140 – Ecce Homo, da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Cachoeira, Bahia.
Fig. 143 – Crucificados, sob o coro e do altar-mor (Senhor Morto), Igreja da Ordem Terceira do
Carmo de Mogi das Cruzes, São Paulo.
Fig. 145 – Cristo da Prisão, Igreja do Carmo, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.
Fig. 146 – Cristos da Prisão das Igrejas de Itu, São Paulo e Santos. Observar a finalização dos
bigodes em voluta (caracol) e o desenho da boca.
Fig. 147 – Cristo com a cruz às costas, e o pé direito, Igreja dos Terceiros do Carmo, Cacheira,
Bahia.
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Fig. 148 – Cristos da Flagelação, da Igreja dos Terceiros Franciscanos, dos Terceiros
Carmelitas e da Igreja conventual Carmelita, de Recife, Pernambuco.
Fig. 149 – Cristos da Flagelação, Igreja dos Terceiros Carmelitas, João Pessoa, Paraíba, de
Horta, na ilha do Faial e de Goiana, Pernambuco. E, por último, do Acervo do Museu de Arte
Sacra de Paraty, Rio de Janeiro.
Fig. 150 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Igrejas da Ordem Terceira de Goiana e João
Pessoa.
Fig. 151 – Cristo da Flagelação, gravura Klauber cth., sc. Et exc., e Igreja dos Terceiros de
Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro e de Mogi das Cruzes, São Paulo.
Fig. 152 – Cristos da Flagelação, detalhe perizônios, Igrejas de Recife, Itu e Santos.
Fig. 153 – Cristos da Flagelação, perizônios, Igrejas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
Fig. 156 – Crucificados, altar-mor dos Carmelitas Calçados e dos Descalços, e, altar lateral da
igreja dos Calçados, Évora.
Fig. 161 – Crucificados, Igreja dos Terceiros, Recife, provável origem portuguesa, e, o de
Simão da Cunha, do Rio de Janeiro.
Fig. 163 – Crucificados, Igrejas de Belém, Itu, São Paulo e Campos dos Goytacazes.
Fig. 165 – Cristo Crucificado, Igreja dos Terceiros, Santos, São Paulo.
Fig. 166 – Cristo Crucificado, Igreja dos Terceiros, João Pessoa, Paraíba.
Fig. 167 - Crucificados das igrejas dos Terceiros do Brasil: A – Santos, SP; B – Cachoeira,
Bahia; C – Itu, São Paulo; D – Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro; E – Recife,
Pernambuco; F – Rio de Janeiro, Capital; G – São Paulo, Capital; H – João Pessoa, Paraíba; I –
Belém, Pará; J – Mogi das Cruzes, São Paulo; L – Ouro Preto, Minas Gerais; e M – Salvador,
Bahia.
Fig. 168 – Cristo da Flagelação, Igreja de Nossa Senhora das Dores, Porto Alegre, RS.
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1. INTRODUÇÃO
“As imagens não foram introduzidas na Igreja sem causa razoável. Elas derivam de três
causas: a incultura dos simples, a frouxidão dos afetos e a impermanência da memória. Elas
foram inventadas em razão da incultura dos simples, que não podendo ler o texto escrito
utilizam as esculturas e pinturas como se fossem livros para se instruir nos mistérios de nossa
fé. Da mesma forma, elas foram introduzidas em função da frouxidão dos afetos para que
aqueles cuja devoção não é estimulada pelos gestos do Cristo recebidos por intermédio dos
ouvidos sejam provocados pela contemplação dos olhos do corpo em sua presença nas
esculturas e pinturas, já que na realidade o que se vê estimula mais os afetos do que o que se
ouve [...] Finalmente por causa da impermanência da memória, já que o que se ouve é mais
facilmente esquecido do que o que se vê [...]. Assim, por um dom divino, as imagens foram
executadas nas igrejas para que as vendo nos lembremos das graças que recebemos e das
obras virtuosas dos santos”.1
Pensando na principal motivação para esta tese, os Cristos dos Passos da Paixão
das Veneráveis Ordens Terceiras do Carmo do Brasil, ocorre-me uma lembrança
longínqua, quando menina, era levada pela mãe à missa dos domingos na Igreja dos
Terceiros do Carmo de minha cidade natal (Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro).
Lembro que não me sentia atraída pelo conteúdo da cerimônia, que, naquela igreja, em
particular, continuava a ser realizada em latim. No entanto, algo me perturbava naquele
ambiente, me impressionava. Hoje, não tenho dúvidas de que era a visão dos Cristos nos
altares em suas roupas de tecido ou quase nus, com cabeleiras postiças.
1
MENOZZI, Daniele apud OLIVEIRA, Myriam A. R. de, ‘A escultura devocional na época barroca,
aspectos teóricos e funções’, publicado em Revista BARROCO, nº 18, Ouro Preto, 2000, p. 247.
24
Como objetivo secundário, era necessário, para entender o objeto de estudo, que
se conhecessem os encomendantes destas esculturas. Portanto, foi primordial fazer um
resumo da história da Ordem do Carmo no Brasil, desde as primeiras fundações até o
fim do século XVIII e princípio do XIX. Como datas limites, fixamos o ano de 1580,
com a primeira fundação carmelita em Olinda, e o de 1808, data da chegada da Família
25
Real ao Brasil. Com isso, intentou-se demostrar o papel desempenhado pela Ordem
Carmelita na missionação das populações e a importância dos irmãos terceiros na
sociedade do século XVIII no território brasileiro.
Para além da pesquisa local, fez parte do projeto a utilização de fontes textuais e
iconográficas, presentes nas principais bibliotecas do Brasil e de Portugal. Portanto, por
um longo período, foram lidas as crônicas dos carmelitas e todas as publicações
dedicadas ao assunto nas bibliotecas do Rio de Janeiro e de Lisboa. Visitamos ainda o
Arquivo Central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil, na
cidade do Rio de Janeiro, compilando toda a documentação das pastas arquivísticas dos
monumentos estudados. E, por último, o Arquivo da Província Carmelitana de Santo
Elias, na cidade de Belo Horizonte (MG). Boa parte da documentação ali existente,
pertence a fase mais recente da Ordem do Carmo, dos séculos XIX e do XX.
Não se poderia omitir desta introdução, uma pequena parcela das muitas obras
de referência utilizadas nesta tese, para lembrar os que tiveram a capacidade de atrair
novos pesquisadores para a continuidade a seus trabalhos. Para elaborar a parte I,
referente à Ordem Carmelita, foi consultada a obra do cronista da Ordem do século
XVIII, frei Manuel de Sá. Embora se restrinja a poucos monumentos, traz descrições
bastante detalhadas dos primeiros complexos carmelitas de Portugal. A seguir, de frei
Balbino Velasco Bayón, o recente livro A história da Ordem do Carmo em Portugal,
publicada em 2001. Ambos frades da Antiga Observância, portanto, dedicados à história
dos Carmelitas Calçados. Para o estudo dos Descalços, o autor consultado foi frei
Belchior de S. Anna, responsável pelo tomo I da obra Chronica de carmelitas
descalços, particular do reyno de Portugal, e provincia de Sam Felippe. Apesar de os
Carmelitas Descalços só possuírem quatro conventos no Brasil, dois dos quais
femininos, acredita-se que as Ordens Terceiras sofreram grande influência dos textos de
Santa Teresa.
passado, dentre eles o texto do Dr. Carlos Moura. As coleções apresentam textos
didáticos, de fácil acesso ao público em geral, representativos da herança deixada pelo
Dr. Reynaldo dos Santos.
Nestes três anos e meio de pesquisa e redação da tese, dois momentos merecem
referência especial. O primeiro, foi a visita à cidade de Goiana, interior de Pernambuco,
no Brasil e o segundo, a oportunidade de presenciar, na Semana Santa de 2016, a
Procissão do Triunfo, extinta nas igrejas estudadas e reativada na bucólica cidade de
Tavira, em Portugal. Em Goiana, a emoção ocorreu pela possibilidade de ter, ao alcance
das mãos, os objetos deste estudo, pois, na maioria das vezes, a aproximação, tão
necessária, só é possível através de binóculos ou da lente fotográfica. A cidade fica
entre duas importantes capitais, João Pessoa e Recife. A visita ao Convento de Santo
Alberto e sua igreja, a princípio, pareceu infrutífera, pois a igreja dos terceiros estava
fechada (para obras e férias). No entanto, aos poucos, ela se transformou na
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Como de praxe, no Brasil, os monumentos das grandes cidades são os mais bem
estudados, existindo maior número de publicações sobre os complexos carmelitas do
Rio de Janeiro, de Salvador e Recife do que a respeito das demais cidades. Outros
conjuntos chegaram a ser sinalizados por especialistas, como Germain Bazin, que teve
um olhar voltado para os complexos de Cachoeira, na Bahia, de São Paulo (via Angra
2
Nas cidades de Itu e Lucena, são consideradas as últimas fundações (Hospícios) da era colonial (séculos
XVI, XVII e XVIII), pois o século XIX foi um período estagnado. Em princípios do século XX, houve
um revival com a vinda de frades europeus, e, com as novas fundações conventuais. Atualmente, a
Província Carmelitana de Santo Elias. ligada a Antiga Observância, possui 17 conventos, e os da
Província dos Carmelitas Descalços de São José, outros tantos.
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dos Reis) e para as igrejas dos terceiros de Minas Gerais. Foi surpreendente e
gratificante a constatação de que os monumentos carmelitas de regiões e cidades, tais
como João Pessoa (PB) e Marechal Deodoro (AL), começam a ser tornar assunto de
pesquisa para historiadores locais, interessados em recuperar e valorizar a história de
sua região. Em contrapartida, Goiana, que nos causou tão boa impressão, continua
aguardando a dedicação dos historiadores da região, assim como São Cristóvão (SE).
Para finalizar, caberia esclarecer que não era nossa intenção fazer a história da
Ordem do Carmo de Portugal. O interesse se restringia à Ordem Carmelita no Brasil,
porém, como uma é consequência da outra, fez-se necessário voltar o olhar para
31
Portugal e suas igrejas carmelitas. Também por esse motivo vem a escolha do
doutoramento na Universidade de Lisboa, sob o generoso auspício do professor Vítor
Serrão, e as inúmeras e prazerosas andanças pelo território português à procura de
igrejas carmelitas.
PARTE I
Perún, ‘aquele que toca o tambor dos céus’. Por isso, alguns mosteiros lhe são
dedicados nessa região3.
A questão do Profeta Elias e a Ordem do Carmo foi polêmica no cerne da Ordem
Carmelita e contestada pelas outras Ordens4 porém, para os religiosos carmelitas foi
vista como tradição que deveria ser mantida. Frei Belchior de S. Anna, na obra
Chronica dos carmelitas descalços afirma que, tradicionalmente, a origem da ordem
está associada ao Profeta Elias, mas, fisicamente, a Ordem começou com os eremitas
que viviam no Monte Carmelo, na Palestina, e não no tempo de Elias5.
Porém, a verdade é que apenas encontraremos referência documental sobre os
monges que viviam no Monte Carmelo no começo do século XII depois de Cristo, na
Palestina, e, pouco depois na Europa. Da mesma forma, o Profeta Elias só aparecerá na
Regra da Ordem de 12816. Segundo o historiador da Ordem em Portugal, Manuel Maria
Wermers, “a Regra, com a data tradicional de 1209, nem sequer menciona Elias e tão
somente fala de uma Fonte (mais tarde acrescentaram ‘de Elias’), junto da qual viviam
os eremitas do Carmelo. A regra transformada em 1247 tão pouco. A ‘Ignea Sagitta’,
uma apologia virulenta da vida eremítica, escrita em 1270, pelo Geral Nicolau, o
Francês, parece ignorar qualquer ligação entre santo Elias e a Ordem do Carmo”.
3
RÉAU, Louis, Iconografía del arte Cristiano. Iconografía de la Biblia. Antigo Testamento, Tomo I,
volume I, Barcelona, Ediciones del Serbal, 2007, p. 400 e 401. (primeira edição 1960 ?)
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Tudo teve início quando Jean Bolland preparava a publicação da Acta Santorum, uma série de volumes
nos quais os testemunhos relacionados à vida de cada santo seriam avaliados, com o objetivo de separar o
que era fato do que era lenda. Um dos seus colaboradores foi o jesuíta belga Daniel van Papenbroeck
(1628-1714), que era contra a origem da Ordem do Carmo ser associada ao Profeta Elias, atitude
contestada pelos carmelitas de Flandres. A querela só foi resolvida quando o Papa Bento XIII, em 1727,
permitiu a veneração do profeta Elias nas igrejas carmelitas, dando assim, razão à Ordem. Foi permitido
inclusive à Ordem Carmelita colocar uma estátua do Profeta Elias, como seu fundador na Igreja de São
Pedro no Vaticano. Ver: SEBASTIAN, Santiago, Contrareforma y barroco, Madrid, Alianza editorial,
1989, p. 240.
5
S. ANNA, P. Fr. Belchior de, Chronica de carmelitas descalços, particular do reyno de Portugal, e
provincia de Sam Felippe, Tomo I, pelo P. Fr. Belchior de S. Anna, leitor de Theologia no seu collegio de
Coimbra. Chronista e indigno Filho da mesma província e natural do lugar do Grajal, Lisboa, com licença
da Inquisição, Ordinário, e Paço, Na officina de Henrique Valente de Oliveira, anno 1657. No mesmo
volume, encontramos os tomo II e III. Segundo referência da Biblioteca Nacional de Portugal, também
foram escritos: Tomo II: SACRAMENTO, João Frei. [...]. Lisboa Occidental: na Officina Ferreyrenciana,
1721. Tomo III: JESUS MARIA, Joseph Frei. [...]. Lisboa: na Officina de Bernardo Antonio de Oliveira,
1753.
6
Ver: ZIMMERMAN, Benedict, ‘The Carmelite Order’ publicado em The Catholic Encyclopedia, Vol.
3, New York, Robert Appleton Company, 1908, Disponível em:
http://www.newadvent.org/cathen/03354a.htm
37
7
WERMERS, Manuel Maria, A Ordem Carmelita e o Carmo em Portugal, Lisboa/ Fátima, União
Gráfica / Casa Beato Nuno, 1963, p. 16.
8
Santo Alberto Vercelli, conhecido como patriarca de Jerusalém, nasceu na Cidade de Parma, Itália, em
1149 e morreu em São João do Acre, Jerusalém, em 1214. Escreveu a primeira regra para a comunidade
de eremitas que vivia no Monte Carmelo, em Haifa, Jerusalém, por volta de 1205-1214. Regra que foi
aceita pelo Papa Honório III em 1226, pela carta Ut vivendi normam.
9
BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., A história da Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa,
Paulinas, 2001, p. 21.
10
Idem, ibidem, p. 19.
11
Idem, ibidem, p. 21.
12
Idem, ibidem, p. 21.
38
13
As primeiras fundações foram no deserto de Frontaine, na Ilha de Chipre e na Sicilia. A seguir,
chegaram à Inglaterra, nas cidades de Aylesford e Hulne, à França em Aygalades, e à Itália.
14
[...] o II Concílio de Lião [Lyon] estabeleceu e aceitou um grupo de quatro [ordens], às quais esta
designação [mendicantes] pode ser aplicada: a ordem dos Frades Pregadores, a dos Menores, a dos
Carmelitas e a dos Eremitas de Santo Agostinho. Ver: VILAR, Hermínia Vasconcelos, ‘Os frades
mendicantes’, publicado em AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.), História religiosa de Portugal, Rio de
Moura, Círculo de Leitores, 2000, p. 228.
15
AZEVEDO, Fr. Miguel de, Regra da Ordem Terceira da mai santíssima, e soberana senhora do monte
do Carmo, (extraída da regra, que Santo Alberto patriarca XII, de Jerusalém escreveo para Brocardo, e
os mais eremitas, que ao pé da Fonte de Elias moravão no monte Carmelo. Aprovada pelo santíssimo
Padre Sixto IV.), Lisboa, Regia Officina Typografica, 1790. (MDCCXC)
16
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 23. Outros autores afirmam que o Concílio de Latrão
tentou por ordem na proliferação das instituiçõess religiosas. Os futuros fundadores deviam adoptar uma
das regras já existentes, canonicamente aprovadas, por esse motivo os carmelitas tiveram dificuldade de
ver a sua regra aprovada. LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João e VECHINA, Frei José Carlos,
Retábulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, Faro, Universidade do Algarve, 2015, p. 9.
17
Simão Stock foi o sexto Geral da Ordem. Nasceu na cidade de Kent, na Inglaterra, em 1175, e morreu
em 1285 (segundo RÉAU, Louis. Iconografía del arte Cristiano... p. 229, São Simão teria vivido,
portanto, 110 anos). Uma das lendas de sua vida conta que esteve a viver por um tempo num tronco de
uma árvore (como eremita) e por isso foi-lhe acrescentado o sobrenome stock (tronco). Porém, o principal
episódio que será representado iconograficamente, foi quando recebeu o escapulário da própria Virgem,
descrito da seguinte forma pelo Padre Manoel de Sá, nas Memórias históricas sobre a Ordem Carmelita, a
partir de uma pintura: ‘[...] nosso glorioso Padre, e ilustre confessor são Simão Stock, que no painel se vê
copiado aquele singular favor, que Maria Santíssima Senhora Nossa lhe fez, descendo do céu, para lhe dar
a preciosa joia do Sagrado Escapulário: o que sucedeu na forma seguinte: sendo este prodigioso santo o
sexto Geral da Ordem, no governo Latino, se levantou contra ele uma terrível perseguição, recorreu a
Senhora com copiosas lágrimas e repetidos suspiros, rogando-lhe quisesse honrar esta religião com algum
favor especial, pelo qual fosse conhecida por sua; e fazia a súplica nesta forma: “Ó flos carmeli, vitis
florigera, splendor Coeli, virgo puerpura, singularis, Mater mitis, sed viri nescia, Carmelitis da
39
alterará a regra, que será, então, aprovada pela Bula Quae ad honorem conditoris de
Inocêncio IV. Nesta nova regra, a vida solitária, que se tentava manter na Europa, sofreu
mudanças. Permitiu-se que os religiosos se encontrassem à hora das refeições, assim
como nas Horas Canônicas para rezarem em conjunto. O silêncio foi imposto de forma
mais atenuada, sendo necessário respeitá-lo durante a noite. Os dias deveriam ser
dedicados à formação dos noviços e ao apostolado. De Superior Geral ao Santo oficial
da Ordem foi um passo. A partir dessa mudança, Simão Stock ficou para sempre ligado
à Ordem e à importância do Escapulário do Carmo18.
A Ordem espalhou-se pela Inglaterra e pela Europa, ainda no século XIII.
Fundaram-se novas comunidades em Cambridge (1247), Oxford (1253), Paris (1259) e
Bolonha (1260). Seguiram-se as fundações no Norte da Europa e ainda no Capítulo
Geral de Londres, em 1254, determinou-se que se fizessem fundações em Yspania (que
compreendia os diferentes reinos na península Ibérica, incluindo Portugal)19. Como
veremos mais adiante, a primeira fundação da ordem carmelita em Portugal ocorreu na
vila de Moura, um pouco antes disto, em 1251, e deveu-se aos Cavaleiros da Ordem de
Malta, que, segundo contam, trouxeram diretamente de Jerusalém alguns monges que
viviam no Monte Carmelo.
Os séculos XIV e XV foram de expansão para a Ordem Carmelita na Europa,
incluindo a instituição dos ramos feminino e leigo. O primeiro convento feminino dos
carmelitas na Europa foi fundado em 1452, e teve papel preponderante nesta empreitada
o geral da Ordem, Padre João de Soreth20, que com a colaboração da Beata Francisca de
Ambrósio, conseguiu a fundação do Convento de Vannes, aprovado no Capítulo
Provincial, em Colônia. A este primeiro convento, seguiram-se outras fundações,
privilegia Stella Maris”. Ouviu a Senhora os seus gemidos e despachou a sua petição na madrugada do
dia décimo sexto do mês de julho do ano do nascimento de seu sacratíssimo filho, de 1251, aparecendo-
lhe na cidade de Cantabrigia no Reino da Inglaterra, assistida dos coros angélicos, e cercada de um divino
resplendor, com o sagrado escapulário nas mãos, o qual lhe entregou, dizendo: “Hoc erit signum tibi, &
cunctis Carmelitis privilegium, quod in pie moriens eternum nom patietur incendium”. SÁ, Manoel de,
Fr., Memorias historicas da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Provincia de Portugal... Lisboa
Occidental, na officina de Joseph Antonio da Sylva, impressor da Academia Real, MDCCXXVII (1727),
p. 140.
18
O escapulário é um sacramental, instituído por via eclesiástica e oferecido unicamente a quem dava
provas de merecê-lo. Porém, como não se conhece o momento da morte, dever-se-ia usá-lo sempre. Foi
definido na Bula Sabatina, concedida pelo Papa João XXII, em 1322, e confirmada em 1409, pelo Papa
Alexandre V. O seu culto acentuou-se após a confirmação dos privilégios, em 1530, pelo Papa Clemente
VII, organizando-se, então, a Confraria do Escapulário.
19
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., Op. cit., p. 31.
20
Carmelita francês, Jean Soreth (João Soreth), foi Prior Geral da Ordem (1451-1471), quando restaurou
e promoveu a observância regular. Principal responsável pela instalação da Ordem Segunda, com a ajuda
da Beata Francisca de Ambrosio, fundaram o convento de Vannes na França.
40
21
O Concílio de Trento constituiu o 19º Concílio da Igreja. Realizou-se na cidade de Trento, na Itália, de
1545 a 1563. Concílios são reuniões eclesiásticas compostas basicamente de autoridades e estudiosos em
teologia, com o intento de discutir e regulamentar as doutrinas da Igreja. O principal objetivo do de
Trento foi discutir e determinar como seria a resposta da Igreja aos reformadores. Foi convocado pelo
Papa Paulo III e interrompido três vezes, mas as suas decisões tiveram vida longa, pois permaneceram
válidas até o Concílio Vaticano II, em 1966. Coube também ao concílio o papel de emitir o maior número
de decretos dogmáticos e reformas, as quais produziram resultados sobre a fé e a disciplina da Igreja. No
primeiro período, participaram, de Portugal, o bispo do Porto, Frei Baltazar Limpo, carmelita e os
teólogos dominicanos Frei Jerónimo de Azambuja e Frei Jorge de Santiago, e ainda o franciscano Frei
Francisco da Conceição. Acérrimo executor do Concílio, o arcebispo de Braga, Frei Bartolomeu dos
Mártires, promulgou-o para Braga no sínodo bracarense e adaptou-o a toda a metrópole no IV Concílio
Provincial Bracarense de 1566.
22
Teresa nasceu em Ávila, Espanha, como Teresa de Cepeda y Ahumada (1515-1582). Professou-se aos
22 anos de idade, no Convento da Encarnação, em Ávila. Viveu durante anos em estado doentio, com
sensações estranhas, que a faziam perder os sentidos, ter visões, ouvir vozes e que acabavam culminando
nos seus famosos êxtases. Escreveu a sua autobiografia em 1562, na qual relatou suas visões e seus
êxtases. Quando passou desta fase de extrema espiritualidade, começou a fase de extremo trabalho,
criando o novo ramo da Ordem Carmelita, os Descalços e fundando 17 conventos.
41
Quatro anos depois de sua fundação, o Convento de São José recebeu a visita do
Geral da Ordem, Frei João Batista Rubeo23, que não só aprovou as mudanças, mas
também, garantiu a possibilidade de novas fundações femininas e masculinas. Numa
propagação rápida, foram fundados os Conventos de Medina do Campo, Convento de
São José (1567); Malagón, Convento de São José, e, Valladolid, Convento de Nossa
Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Carmo (1568); Toledo, Convento de São
José; e, Pastrana, Convento de Nossa Senhora da Conceição (1569); Salamanca,
Convento de São José (1570); Alba de Tormes, Convento de Nossa Senhora da
Anunciação (1571); Segóvia, Convento de São José do Carmo (1574), Beas de Segura,
Convento de São José do Salvador; e, Sevilla, Convento de São José (1575); Caravaca
da Cruz, Convento de São José (1576); Villanueva de la Jara, Convento de Santana
(1580); Palência, Convento de São José de Nossa Senhora da Rua (1580); Sória,
Convento da Santíssima Trindade (1581) e Burgos, Convento de São José de Santana
(1582). Fundou-se ainda, em 1582, na cidade de Granada, o Convento de São José, por
Ana de Jesus.
No Livro das fundações, a Santa descreve os anos de intensa atividade
fundacional. Narra ainda como levou a reforma para o ramo masculina da Ordem, com a
ajuda de João da Cruz24, seu grande companheiro espiritual, fundando então, em 1568, o
primeiro convento masculino dos Descalços em Duruelo (1568), ao qual se seguiram os
de Pastrana (1569), Mancera e Alcalá de Henares (1570). E, por fim, relata de que
modo, em 1581, no Capítulo Geral da Ordem em Alcalá, foi criada a Província de São
José, por breve Pia consideratione, do Papa Gregório XIII, sendo o primeiro Prior o
Padre Gracián25.
23
João Batista Rubeo foi Geral da Ordem do Carmo, muito próximo de Santa Teresa de Jesus. Italiano de
nascimento, ele se responsabilizou pela Visita Canônica às Terras Lusas, que, segundo a documentação,
se restringiu à cidade de Lisboa, onde se encontrava em 1556. Inaugurou o Capítulo Provincial em 13 de
dezembro desse mesmo ano, regressando, em seguida, a Salamanca, pois se sabe que, em fevereiro do ano
seguinte, já lá estava. Nas palavras de Bayón ‘a satisfação que o geral da ordem experimentou no Carmo
de Lisboa foi indescritível. [...].’ BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 118-120.
24
João de Yepes y Alvarez nasceu em Fontiveros (1542) e morreu em Úbeda (1591). Ficou conhecido
com o nome de João da Cruz, por ser esse objeto o único que possuía em sua cela no convento Carmelita
para o qual entrou em 1563. Estudou na Universidade de Salamanca e junto a Teresa de Ávila reformou a
Ordem Masculina Carmelita, sendo considerado o primeiro carmelita descalço do ramo masculino
(Excalceatorum primus parens).
25
O Livro das Fundações nasceu como fruto da obediência ao Padre Jerónimo Ripalda, S.J., reitor de
Salamanca, que no ano de 1573, lhe aconselha a descrever por escrito as suas fundações, quase como um
relato de confissão. Neste mesmo ano escreveu os nove primeiros capítulos. Os capítulos 10 e 11 foram
escritos em Segóvia. Os próximos capítulos (12-19) foram escritos em locais e datas impossíveis de fixar.
Em outubro e novembro de 1576, no Carmelo de Toledo, concluirá a sua obra escrevendo os capítulos 20
a 27. No entanto, ao retomar a sua atividade descreveria ainda os quatro últimos conventos fundados, nos
42
capítulos 28 a 41. SANTA TERESA de Jesus. Obras completas, Marco de Canaveses, Edições Carmelo,
2015, p. 593-595.
26
RODRIQUEZ, Fr. O., The Third Order of the Teresian Carmel, its origin and history, Roma,
Teresianum, 1980. Disponível em: http://helpfellowship.org/OCDS%20Lessons/Lesson%2011.htm
27
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos, Retábulos da Ordem
dos… op. cit., p. 14-29.
28
RODRIQUEZ, Fr. O., The Third Order … op. cit.
43
constituciones, cap. 3., que nos prohibe admitir baxo nuestra proteccion y gobierno à
lós dichos Terceros y Terceras; para esta santa província de Indias donde no hay
Carmelitas calzados, há dispensado la religion, y El M. R. P. General de la reforma de
Santa Teresa, que goza y obtiene la misma autoridad que el de la Observância, com
acuerdo de su Venerable difinitorio, tiene concedida facultad à los RR. PP.
Provinciales de Ella para que puedan fundar dicha Orden Tercera donde convenga
[...]”.29
A segunda reforma da Ordem carmelita ocorreu por volta do ano de 1600,
quando Frei Pierre Thibault tentou restabelecer a Observância dos primeiros tempos aos
frades da cidade francesa de Rennes, na província de Tourain. O objetivo principal,
como na reforma Teresiana, foi resgatar o espírito de vida em comum, baseado no
princípio da oração e contemplação, porém, sem a criação de um novo ramo. A eclosão
desse movimento ocasionou vários conflitos, visto que parte dos regulares não
concordava com os preceitos difundidos pelos reformados, desencadeando novas
divisões na Ordem. Os Observantes de Rennes conseguiram se fixar em outros locais da
Europa, chegando até o Brasil, nos Conventos de Goiana, Recife e João Pessoa, no
nordeste30, graças, em boa parte, aos esforços do programa reformador do Frei João
Baptista Rossini, Prior Geral da Ordem.
Outra importante manifestação que testemunha a mudança espiritual da Igreja
como reflexo dos acontecimentos dos séculos XVI e XVII, fruto, sem dúvida, também
das resoluções de Trento, foram as canonizações de santos Modernos, originários das
novas congregações e ordens religiosas, em particular, dos carmelitas. O caso mais
espetacular para a Ordem Carmelita foi o processo de beatificação, que se deu em 1614
(24 de abril) e, a seguir, a canonização, em 1622, da Santa Teresa de Ávila.
Acrescentamos ainda as canonizações de Santa Maria Madalena de Pazzi (1669) e de
São João da Cruz (1726), formando a tríade de santos carmelitas da era Moderna. Da
mesma época, são as canonizações da dupla de fundadores dos Jesuítas: Santo Inácio de
Loiola e São Francisco Xavier, ambos em 1622.
29
SANTA TERESA, Fr. Manuel de, Instructorio espiritual de lós terceros, terceras, y beatas de nuestra
señora del Carmen. De la venerable tercera orden de nuestra Senõra del Carmen de San Sebastian de la
ciudade de México, Reimpreso en la imprenta de la calle de Santo Domingo, año de 1816, p. 27-28.
(primeira edição 1741)
30
PIO, Fernando, O convento do Carmo de Goiana e a reforma Turônica no Brasil, Recife, Comissão
organizadora e executiva das comemorações do IV centenário do Povoamento de Goiana, 1970.
44
45
31
SÁ, Fr. Manoel, Memorias historicas da Ordem de Nossa Senhora do Carmo da Provincia de
Portugal. Parte Primeira que entregou na Academia Real de Historia Portugueza, e ao Reverendissimo
Padre Mestre Fr. Gaspar Pizolante, Doutor na Sagrada Theologia, Geral, Visitador, e Commissario
Apostolico de toda a dita Ordem da antiga Observancia, e Grande de Hespanha da primeira classe,
offerece, e dedica o Mestre Fr. Manoel de Sá, Filho, Ex-provincial, e Definidor da mesma Provincia,
46
estudo do Convento de Lisboa. De Frei Joseph Pereira de S Anna, restaram, dos quatro
volumes das suas Chronicas dos carmelitas da antiga e regular observancia nos reynos
de Portugal, Algarves e seus domínios32, somente os dois volumes impressos nos anos
de 1745 e de 1751. Consta que o terceiro e o quarto, ainda manuscritos, foram
consumidos pelo fogo que se seguiu ao terremoto de 1755. Para os Carmelitas
Descalços, reformados por Santa Teresa, ver principalmente do Frei Belchior de S.
Anna e outros que continuaram a obra Chronica de carmelitas descalços, particular do
reyno de Portugal, e provincia de Sam Felippe33.
Estudos mais recentes sobre a Ordem do Carmo, tanto da ala dos Calçados
quanto dos Descalços, são encontrados em obras gerais sobre a História da Ordem do
Carmo. Para os Carmelitas da Antiga Observância, é significativo o livro do religioso da
comunidade, Frei Balbino Velasco Bayón34, e concernente aos Descalços em Portugal, a
referência é a obra de Frei David do Coração de Jesus35. Podemos ainda citar as obras
dos historiadores Manuel Wermers36 e Pinharanda Gomes37.
Chronista Geral da dita Ordem, nestes Reynos, e seus Domínios, Qualificador e Revedor do Santo
Officio, Acadêmico Supranumerário da Academia Real da Historia Portugueza, Examinador das três
Ordem Militares, e Consultor da Bulla da Cruzada, Lisboa Occidental, na officina de Joseph Antonio da
Sylva, Impressor da Academia Real, MDCCXXVII (1727). Primeira edição 1702. (Exemplar da
Biblioteca Nacional de Lisboa, originário à Livraria d’Alcobaça) e Noticias do real convento do Carmo
de Lisboa ocidental [manuscrito]/ extraídas de vários livros impressos e manuscritos, reduzida a forma
histórica pelo prezentado Frei Manoel de Sá, do ano de 1721 Manuscrito adquirido pela Biblioteca
Nacional de Lisboa em 2001. E ainda do mesmo autor Memorias históricas dos illustrissimos arcebispos
e bispos e escritores portugueses da ordem de nossa senhora do Carmo, reduzidas a ordem alfabética,
1724.
32
S. ANNA, Frei Joseph Pereira de, Chronica dos carmelitas da antiga e regular observancia nos reynos
de Portugal, Algarves e seus domínios, Lisboa, Antonio Pedroso Galram, tomo I, 1745. E tomo II, 1751.
33
S. ANNA, P. Fr. Belchior de, Chronica de carmelitas descalços,… op. cit.
34
BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., op. cit.
35
CORAÇÃO DE JESUS, David do. OCD, A reforma teresiana em Portugal, Lisboa, 1962.
36
WERMERS, Manuel Maria, A Ordem carmelita… op. cit.
37
PINHARANDA GOMES, J., Imagens do Carmelo Lusitano. Estudos sobre história e espiritualidade
Carmelita, Lisboa, Paulinas, 2000, e O Carmo em Loures, Loures, Comunidade Paroquial de Santo
António dos Cavaleiros, 1979, entre outras.
47
38
MASCARENHAS, J. Fernandes, A origem da Ordem do Carmo em Portugal, nas suas relações com a
Ordem da Malta, Separata do Jornal de Moura, 1954, p. 3.
39
Esta é uma tese defendida pela literatura carmelitana espanhola, entre eles, a de Frei Balbino Velasco
Bayón no seu livro dedicado ao Carmelo Português.
40
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 25.
41
D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431), o Santo Condestável, hoje, São Nuno de Santa Maria,
canonizado pelo Papa Bento XVI, em 26 de abril de 2009. Terá nascido em Flor de Rosa, localidade perto
de Crato, área central de Portugal. Teve vida civil normal, casou-se e teve três filhos e chegou a general
com sucessos na luta pela independência contra Castela. Depois da morte da esposa, tornou-se frade
carmelita e viveu até a morte no Convento de Lisboa, que ajudou a fundar. É de sua linhagem, feminina,
pois só a filha sobreviveu, e casou-se com Afonso, o primeiro Duque de Bragança, começando a
linhagem dos Bragança, que se tornariam reis de Portugal (1640-1910), Reis do Brasil (1815-1822), com
D. Pedro I e Império do Brasil (1822-1889), com D. Pedro II.
48
novo convento. No entanto, este só viria a ser doado à Ordem do Carmo, em 1423, por
ocasião da celebração do primeiro Capítulo, quando se elegeu Afonso de Alfama42.
Nesse Capítulo, também se elaborou o primeiro estatuto da Ordem Carmelita
portuguesa, confirmado em 1424 por D. João I. Tal estatuto definiu que os irmãos da
ordem deviam seguir o culto adotado em Jerusalém. Dispôs também sobre outras
questões do dia a dia da comunidade, como: tocar o órgão em todos os dias de festa e no
dia da Virgem o sermão deveria ser comemorativo à Mãe de Deus. Estabeleceu ainda
que os frades em boas condições de saúde deveriam se reunir duas vezes por dia, de
manhã e ao fim da tarde, para a oração, além da obrigatoriedade de se cantar
diariamente, nas completas, a Salve-Rainha, entre outras normas.
Cronologicamente as fundações Carmelitas da Antiga Observância masculinas,
em Portugal, seguiram a seguinte ordem: Moura (c. 1251), Lisboa (1389), Colares
(1450), Vidigueira (1496), Tapada de Beja (1526), Évora (1531), Coimbra (c.1536),
Lagoa (1550), Torres Novas (1558), Setúbal (1598), Alverca (c. 1600), Camarate
(1602), Faial, Horta (1649) e Lordelo (?)43.
Dos primeiros conventos, pouco restou para testemunhar a época da fundação.
Do cenóbio de Moura, reedificado no século XVI, ainda se conserva na atual igreja
alguma lembrança da arquitetura do seu princípio, na área entre a capela mor e a
sacristia44. O plano arquitetônico é de nave única com capelas laterais profundas, onde
estão posicionados alguns retábulos de épocas e estilos diversos.
Sílvia Ferreira, na sua tese de doutoramento, apurou que para a execução do
altar-mor da igreja de Moura foi o contrato firmado com “Manuel Rodrigues Pedroso,
morador da cidade de Lisboa. [...] estão contratados em ele Manoel Machado fazer
toda a obra do retábulo da capela mor do convento do Carmo da Villa de Moura [...]
tudo revestido de entalhado e as ilhargas da capela mor [...] que ele Manoel Machado
tem assinado [...] e toda a dita obra posta e assentada em seu lugar por conta e risco e
despesa dele Manoel Machado por todo o mês de novembro próximo que vem neste
presente ano e por preço toda a dita obra de setecentos mil reis [...]”45.
42
Pedro DIAS, A arquitetura gótica portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.
43
A datação ora discriminada foi baseada na pesquisa de Frei Balbino Velasco Bayón.
44
Igreja e claustro do Convento do Carmo, ficha de inventário da antiga DGMEN, atual IHRU, nº IPA
PT 40210070005, em www.monumentos.pt, em maio 2013.
45
ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, nº 12A (actual nº 1), cx. 76, L° 328, fls. 52 v°-53, publicado por
Ayres de CARVALHO, ‘Documentos Artísticos (...)’, p. 20, Apud FERREIRA, Sílvia Maria Cabrita
Nogueira Amaral da Silva, A talha barroca de Lisboa (1670-1720). Os artistas e as obras, 3 Volumes,
Tese de Doutoramento em História, especialidade Arte, Património e Restauro, Universidade de Lisboa,
49
Faculdade de Letras, Departamento de História, orientada pelo Professor Doutor Vítor Serrão, 2009, p.
397-398.
46
Idem, ibidem, p. 398.
47
SERRÃO, Vítor e CAETANO, Joaquim Oliveira, Pintura em Moura, séculos XVI, XVII e XVIII,
Moura, Câmara Municipal de Moura, 1999, p. 35 e 38. “Ocupa a totalidade da parede testeira de uma
capela localizada na nave, do lado da Epístola. Foi mandado executar, ao redor de 1596, pelos
instituidores desta capela, o fidalgo João Lopes Alvarinho e sua mulher Maria Gonçalves, segundo
consta de uma inscrição existente numa parede lateral. Atribui-se o entalhe a António Vaz, mestre
imaginário mourense, que executou um outro retábulo neste templo. […]”. Ver também LAMEIRA,
Francisco e FALCÃO, José António, Retábulos da Diocese de Beja, [Faro], Departamento de Arte e
Humanidades da Universidade do Algarve/ Beja, Departamento Património Histórico e Artístico da
Diocese, 2013, p. 47. (Promontoria Monográfica História da Arte 05).
50
48
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 516. ‘[...] para além da assistência a outras
cerimônias nas igrejas da vila, celebrar-se-ia com a maior solenidade possível a procissão chamada do
Triunfo, com imagens da paixão, na sexta-feira anterior ao Domingo de Ramos. Era soleníssima, tal
qual, segundo vimos, a de Lisboa’.
49
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 214.
51
estatutos especiais50. O convento e sua igreja foram vendidos, restando apenas a igreja,
que hoje está numa propriedade particular.
50
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 374.
51
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 235.
52
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Beja, vol. XII, Lisboa, Academia
Nacional de Belas Artes, 1992, p. 377.
53
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 235.
52
O Covento de Beja, segundo o Padre Manuel de Sá, teve seu início na capela de
São Miguel, fundada em um “[...] monte junto à cidade de Beja [...] no ano de 1495,
[...] por um virtuoso ermitão daqueles, que então intitulavam da pobre vida, o qual,
sendo natural da mesma cidade, se chamava Pedro Alfonso, [...]”58. Em 1526, a capela
se transformou na do Convento de Nossa Senhora do Carmo da Tapada de Beja.
Quando o culto à Virgem do Carmo se espalhou pelo Alentejo, monges vindos do
Convento da Vidigueira se instalaram no lugar. Mudaram algumas vezes de local, e
retornaram à capela de São Miguel, em 163059.
54
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 377- 386.
55
CARRUSCA, Suzana Andreia do Carmo, A azulejaria barroca nos conventos da ordem do Carmo e da
ordem dos Carmelitas Descalços em Portugal, Tese de doutoramento apresentada na Universidade de
Évora, 2014, p. 123.
56
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 377- 386.
57
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, Imprensa
Nacional, Casa da moeda, 1983, p. 217.
58
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 256.
59
Altar-mor da Igreja do Convento de Nossa Senhora do Carmo, entalhado entre 1743-47 : “Foi mandado
executar pela comunidade conventual ao redor de 1743. Em 1747, por ocasião da tomada de posse do
padroado deste cenóbio, o morgado Martinho Janeiro Cebolinho comprometeu-se a mandar dourar o
retábulo e a pintar a cobertura da capela, o que ocorreu segundo o previsto. A maquineta com a imagem
“de vestir” do orago resulta de uma intervenção posterior.” LAMEIRA, Francisco e FALCÃO, José
António, Retábulos da Diocese de Beja, [Faro], Departamento de Arte e Humanidades da Universidade
do Algarve/ Beja, Departamento Património Histórico e Artístico da Diocese, 2013, p. 105. (Promontoria
Monográfica História da Arte 05)
53
60
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 46
61
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 276-277.
62
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 47.
63
LAMEIRA, Francisco e GOULART, Artur, Retábulos de Évora, [Faro], Departamento de Arte e
Humanidades da Universidade do Algarve, 2014, p. 103. (Promontoria Monográfica História da Arte 09).
54
64
ALMEIDA, Lopes de, apud, BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 148.
65
VERGÍLIO CORREIA e NOGUEIRA GONÇALVES, Inventário artístico de Portugal, cidade de
Coimbra, vol. II, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1947, p. 132-138.
55
66
Idem, ibdem, p. 132-138.
67
SMITH, Robert, A talha em Portugal, Lisboa, Livros Horizontes, 1962, p. 38.
68
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit., p. 217 e 223.
56
69
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 280.
70
AZEVEDO, Miguel de, apud, AA.VV, Inventário das Ordens Monásticas e Conventuais. Ordem de
São Bento, Ordem do Carmo, Ordem dos Carmelitas Descalços, Ordem dos Frades Menores, Ordem da
Conceição de Maria, Lisboa, Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo Direcção de Serviços de
Arquivística, 2002, p. 135.
71
CASTRO, Baptista, apud PINHARANDA GOMES, J., ‘Camarate e ... op. cit., p. 32-33.
72
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 479-482. Ver: SERRÃO, Vítor, As Igrejas do
Salvador, São Tiago e São Pedro de Torres Novas. Arquitetura e equipamentos artísticos. Disponível em:
https://www.academia.edu/6596244/As_Igrejas_do_Salvador_S%C3%A3o_Tiago_e_S%C3%A3o_Pedro
_de_Torres_Novas._Arquitetura_e_Equipamentos_Art%C3%ADsticos.
73
Os bens do David Negro foram dados ao santo Condestável, por doação de D. João I, em 1422. David
Negro, na realidade era judeu (David Ibn Jachia Negro ou David bem Guedelha) nascido em Portugal e
falecido em 1385, foi almoxarife das Alfândegas de Lisboa, no reinado de D. Fernando. Posição que não
era vista com bons olhos pelos cristãos dado ser judeu, e, quando o rei faleceu, o seu sucessor D. João I,
acoima David Negro de traidor, e procede ao confisco dos seus bens, que então foram doados a título de
recompensa ao santo Condestável. Ver: ‘Os bens de David Negro’, publicado em PINHARANDA
GOMES, J.. O Carmo em Loures, Loures, Comunidade Paroquial de Santo António dos Cavaleiros, 1979,
p. 25-27.
74
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 279.
57
75
PINHARANDA GOMES, J., ‘Camarate e .... op. cit., p. 31-32.
76
BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo. Património da Cidade da Horta, Dissertação de Mestrado em
estudos do Património apresentada ao Departamento de Ciências Sociais e Gestão da Universidade
Aberta, sob a orientação pelo Professor Doutor Pedro Flor, 2010.
77
História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta (1871) e nos Anais do Município da Horta
(1943) citados por Idem, ibidem, p. 33-35.
78
BIGA, Ágata, Idem, ibidem, p. 33-35.
58
“Não sentiu assim a seráfica nossa madre santa Thereza, a quem o amor de
Deus fazia apetecível e fácil o caminho da cruz, e inspirada por Deus no ano de 1562, a
24 de agosto fundou em Ávila o convento de São Joseph, em que renunciada a
mitigação, abraçou a mesma regra, mostrando que a graça em todo o tempo, e em toda
a circunstancia de acontecimentos é poderosíssima para seus efeitos e que a
capacidade da natureza para receber seus influxos, e não resistir a seus impulsos,
sempre é uma por mais que nosso amor próprio pretenda sem escusa escusarmos.”79
79
S. ANNA, P. Fr. Belchior de, op. cit., p. 5 e 6.
59
Chão (Divino Espírito Santo, 1595)80, Figueiró dos Vinhos (Nossa Senhora do Carmo,
1600) e Coimbra (São José, 1603).
Depois da criação da Província de São Filipe, em 27 de outubro de 1612,
instituíram-se os Conventos de Aveiro (Nossa Senhora do Carmo, 1613) e do Porto
(Nossa Senhora do Carmo, 1617), e ainda os de Viana do Castelo, também dedicado a
Nossa Senhora do Carmo (1618); Buçaco (Santa Cruz, 1628); Santarém (Santa Teresa
de Jesus, 1646)81; Olhalvo (Nossa Senhora da Encarnação, 1648); Braga (Nossa
Senhora do Carmo, 1653); Setúbal (Santa Teresa de Jesus, 1660) e novamente em
Lisboa (Corpus Christi, 1661), Carnide/ Lisboa (São João da Cruz, 1681); Tavira
(Nossa Senhora do Carmo, 1737/47); Vila do Conde (Nossa Senhora do Carmo, 1755)
e, finalmente, Faro (Nossa Senhora do Carmo, 1766).
A Ordem Carmelita reformada por Santa Teresa teve um início próspero em
Portugal, que foi mantido ao longo de todo o século XVII e XVIII. A hipótese que se
levanta para explicar tamanho sucesso foi a subordinação de Portugal ao domínio de
Espanha, no chamado período Filipino (1580-1640). E por outro lado, é notória a
devoção de Filipe II (I de Portugal) à Santa Teresa, patrocinando muitas fundações e
transformando a devoção em um próspero ‘empreendimento político’82. Foi através de
um intenso mecenato que a Ordem se expandiu de forma tão extraordinária. Porém,
mesmo após a Restauração de Portugal, em 1640 e dos 28 anos de guerras seguintes, as
fundações dos Carmelitas Descalços no território português não sofreram grandes
mudanças.
A arquitetura utilizada nos cenóbios dos Descalços portugueses, diferentemente
dos da Antiga Observância que não tiveram uma tipologia especifica, teve um modelo a
ser seguido, desenvolvido na Espanha, na tradição de Juan de Herrera e do Real
80
Os Carmelitas permaneceram aqui pouco tempo devido a febres malignas, que muito atacavam os
religiosos. O capitão A. da Fonseca, erudito investigador de assuntos regionais, chegou à conclusão de
que, muito perto do convento, existiu um pântano de águas infecciosas, o que causou a morte de alguns
religiosos.
81
Sobre a igreja de Santarém, existe o livro apologético de Frei Antonio de Santo Caetano (Da Ordem
dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, natural de Santarem). Apografia métrica, e triunfal
narraçam do plausível apparato, que a illustre família carmelitana majestosamente consagrou ao
Maximo dos Sacrametos na sua translação para o sumptuoso Templo, que à Senhor do Monte do armo
generosamente se erigio na muyto nobre, & sempre leal Villa de Santarem, a oyto de settembro de 1708.
Sendo Prior do ditto Mosteyro o M. R. P. M. Fr. Antonio da Assunpçam, offerecida o Senhor Luis
Alvares da Costa, fidalgo da casa de sua magestade, & cavalleyro professo da Ordem de Christo. Lisboa:
Na officina de Manoel, & Joseph Lopes Ferreyra, MDCCVIII.
82
ESQUIVIAS, Beatriz Blasco e, ‘Utilidad y belleza en la arquitectura carmelitana: las Iglesias de San
José y La Encarnación’, publicado em Anales de Historia del Arte, 2004, 14, p. 143-156, p. 152,
disponivel em http://web.archive.org/web/20111225230447/http://www.ucm.es/BUCM/revistas/ghi
/02146452/articulos/ANHA0404110143A.PDF.
60
Mosteiro de São Lourenço, dito El Escorial. Os conventos dos descalços tiveram desde
o início também o suporte dos arquitetos do rei, o primeiro convento feminino de Ávila,
cuja igreja é “considerada a primeira de carmelitas descalços feita de raiz”83, tem o
plano concebido pelo arquiteto régio Francisco de Mora (1552-1610)84, que se
empenhou pessoalmente na construção, pela devoção especial que tinha à Santa,
buscando no projeto abarcar os ideais ascéticos e espirituais de Teresa. Foi neste
convento que Santa Teresa teve a sua propria cela e onde começou a escrever, o seu
Livro das Fundações85.
Porém, o modelo conventual que permaneceu só seria definido com a construção
do Real Monastério de la Encarnacíon, em Madrid, “fundado por la reina Margarita de
Áustria en 1610, en un terreno cedido por ella misma en las inmediaciones del Alcázar
Real, estableció el modelo definitivo de fachada carmelitana sin ser cenóbio de
carmelitas, pues se edificó para las monjas augustinas recoletas que todavía lo
habitan”86.
Porém, de acordo com o pesquisador espanhol José Miguel Muñoz Jiménez, o
Convento da Encarnacíon, tinha como primeiro destinatário as freiras Carmelitas
Descalças, e por esse motivo, o arquiteto escolhido para a obra foi Frei Alberto da
Madre de Deus (1575-1635), arquiteto oficial dos Descalços. O que não chegou a
ocorrer devido a oposição dos padres gerais do Carmelo, que acharam difícil conciliar
os ditames de pobreza de sua ordem com uma obra patrocinada pela realeza “[...] del
trato continuo de Palacio, que de tanta vecindad se ha de seguir forzosamente en las
entradas en su clausura y visitas frecuentes de deudos y conocidos [...]”87. Porém, o
modelo desenvolvido pelo arquiteto dos Descalços foi mantido e o convento entregue as
agustinas recoletas.
Após a morte de Francisco de Mora em 1610, Frei Alberto da Madre de Deus e
também o sobrinho de Francisco de Mora, Juan Gomes de Mora (1586–1648) deram
continuidade ao estilo em um grande número de complexos de Carmelitas Descalços na
Espanha e em Portugal, cuja tipologia seguirá a da Encarnacíon de Madrid, chegando à
Lisboa (segundo Horta Correia, com modificações setecentistas), Évora, Aveiro,
83
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal e algumas
notas sobre arquitectura de igrejas de freiras’, publicado em 14,5 ensaios de história e arquitectura,
Coimbra, Almedina, 2007, p. 263. (edição original de 2001)
84
Francisco de Mora (1552-1610) acompanhou o Rei Filipe II, e I de Portugal, quando da sua visita a
Portugal, período que Portugal esteve subordinado ao estado espanhol.
85
ESQUIVIAS, Beatriz Blasco e, ‘Utilidad y belleza... , p. 152.
86
Idem, ibidem, p. 153.
87
Idem, ibidem, p. 154.
61
Cascais e outros. Esta influência poderá ser vista também nos dois conventos
masculinos do Brasil (Olinda e Salvador). Para o historiador Horta Correia constituíram
autênticas réplicas do protótipo inicial espanhol88. “Consiste o estereótipo numa igreja
em cruz latina abobadada, com cúpula no cruzeiro e nártex profundo. A fachada, de
severidade escorialesca, desenha-se com forma de retábulo encimado por frontão
triangular ladeado por esferas sobre plintos cúbicos. Três arcos, sendo o central mais
elevado, formam a galilé, sobre a qual se repete uma composição tripartida constituída
por uma grande janela central, acompanhada a um e outro lado pelas armas do reino e
da congregação”89.
Quanto ao programa decorativo deveriam seguir os ditames estabelecidos pela
própria Ordem através de Santa Teresa e pelo Concilio de Trento, sobriedade, decoro e
contenção decorativo. “Em el año de 1609 se hizo um decreto acerca de los retablos
mayor y colaterales, para los quales se mando hacer um modelo comum para toda la
Ordem, que sea moderado com solas dos pilastras o colunas llanas, al modo de algunos
que ya aí executado, quitadas las demasias de todo ló que es relieve y figuras de busto y
outro qualquera excesso”90.
Porém, na prática não é o que veremos, apesar de muitas dessas construções
conventuais não resistirem aos séculos vindouros, com percurso similar ao ocorrido
com os conventos da Antiga Observância e das demais construções monásticas e
conventuais portuguesas, devido a lei de extinção das Ordens e das catástrofes naturais.
Alguns sobreviveram, mas, completamente descaracterizados, tanto na arquitetura com
adaptações para novas funções, quanto nas áreas internas, com o desmantelamento da
decoração. A talha era removida e deslocada, objetos menores, como quadros e
esculturas, acabaram em acervos museológicos ou em posse de particulares.
Um exemplo interessante é o primeiro Convento dos Descalços de Lisboa
(Nossa Senhora dos Remédios) que teve a igreja vendida em 1890 à igreja evangélica
Lusitana e no convento hoje está instalada a rede hoteleira, York House. Portanto,
arquitetonicamente manteve boa parte do projeto original, no entanto, o recheio da
88
HORTA CORREIA, José Eduardo, ‘A arquitectura - maneirismo e 'estilo chão'’, publicado em
SERRÃO, Vítor (org.), História da arte em Portugal. O Maneirismo, Vol. VII, Lisboa, Publicações Alfa,
1986, p. 92-135.
89
Idem, ibidem, p. 126-127.
90
Decretos y actas y outras ordenaciones [...] de la religion de Descalços de Nuestra Señora del Carmen
[...], apud, LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da
Ordem ... op. cit., p. 47.
62
igreja desapareceu, talhas, pinturas e esculturas, exceção são alguns painéis azulejados
que permanecem fixados as paredes, em áreas pouco visíveis.
O conjunto arquitetônico de Figueiró dos Vinhos manteve certa integridade. Em
1642 foi destinado a Colégio de Artes e depois ao ensino da Filosofia. Em 1844 quando
da extinção das Ordens, residiam no convento 16 padres e 4 irmãos, que logo após
tiveram que abandonar o convento. Algumas dependências foram concedidas por carta
de lei de 20 de agosto de 1861 à Misericórdia da vila, para estabelecer um hospital.
Outra parte foi destinada aos serviços da Câmara Municipal, Tribunal, administração do
Concelho e Cadeia. Em 1951, a Câmara municipal restaurou a igreja91.
O Convento de Nossa Senhora do Carmo de Aveiro teve o padroado de d. Brites
de Lara e sua igreja estava pronta em 1623, sendo solenemente inaugurada no dia 24 de
abril. Como os demais conventos foi extinto em 1834, quando havia 6 sacerdotes, 2
leigos e 4 estudantes92.
O Convento do Porto teve a fundação decidida em 1617, e a obra teve início
dois anos mais tarde. Em 1622 já estava parcialmente ocupado e a igreja foi inaugurada
em 1628, no dia da Virgem do Carmo. Foi casa de professos, quando no Capítulo Geral,
celebrado no Convento dos Remédios de Lisboa em 1787 decidiu-se que servisse
também de noviciado para os estudantes destinados às casas do ultramar português. O
número seria de apenas vinte noviços. Sofreu alguns infortúnios, como o assalto das
tropas francesas em 1809 e finalmente foi extinto em 183493.
O Convento de Viana do Castelo teve a pedra fundamental lançada em 1621, em
1625 já tinha condições de receber os primeiros frades. A igreja foi inaugurada em
1647. Foi extinto em 1836 e aproximadamente cem anos depois os frades retomaram o
convento.
Uma das características da Ordem dos Carmelitas Descalços era a posse de um
deserto, para a vida contemplativa. Alocados em subidas, com capelas próprias à
meditação e ao voo místico, permitindo o retiro e a oração solitária dos religiosos. O
local escolhido para a Província de Portugal foi a Serra do Buçaco. Oferta [...] do
Bispo-Conde, D. João Manuel, em 1628. Eram terras da mitra conimbricense, cuja
doação à Ordem foi confirmada pelo Papa Urbano VIII, pelo Breve Apostólico de 8 de
fevereiro de 1629. Baseava-se numa construção de um só andar, sem artifício e pobre.
91
Idem, ibidem, p. 16.
92
Idem, ibidem, p. 15.
93
Idem, ibidem, p. 15.
63
No meio da serra estariam alojadas ermidas para que os religiosos pudessem passar
algum tempo como eremitas, em solidão e em oração. A lei de extinção manteve o
complexo sem permissão de venda, e em 1856 passou aos cuidados da Administração
das Florestas do Reino. No século XX recebeu a classificação de imóvel de interesse
publico pelo decreto 22.973 da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais94.
A história da reforma Teresiana em Portugal dos séculos XVII e XVIII foi de
sucesso. Dos antigos conventos alguns retornaram à direção da Ordem no século XX,
tais como os de Braga, Viana do Castelo e Aveiro, e, novos foram construídos, como o
magnífico complexo de Fátima. Nos dois primeiros séculos de existência os Carmelitas
Descalços contabilizaram cerca de trinta e três fundações masculinas e femininas, em
Portugal.
Não foi uma Ordem com papel decisivo no serviço missionário de além-mar,
mas deixaram boas construções por onde andaram. No Brasil, como já citado, estiveram
apenas em Olinda e Salvador, conventos masculinos, e no Rio de Janeiro e São Paulo,
femininos, que veremos em detalhe no próximo capítulo. Tentaram instalar-se também
na África, em particular em Angola onde ainda resta a igreja conventual, na cidade de
Luanda. Porém, quando da lei de extinção de 1834, Angola ainda era colônia
portuguesa, e com isso também sofreu a extinção das ordens religiosas. O convento dos
Carmelitas Descalços serviu de quartel e a Igreja foi cedida a Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência, atualmente é uma igreja paroquial sob a invocação de Nossa
Senhora do Carmo e foi declarada Monumento Nacional pelo decreto de 18 de julho de
194595. A igreja manter-se-á de pé, após a independência de Angola, com um valioso
recheio de azulejos, telas e pinturas da primeira metade do século XVIII.
94
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem...
op. cit., p. 19-20.
95
Idem, ibidem, p. 17-18.
64
96
AZEVEDO, Fr. Miguel de, Regra da Ordem Terceira da mai santíssima,... op. cit.
97
Em Portugal, o primeiro convento feminino foi dos franciscanos no Porto, em 1257, e as Dominicanas
estavam presentes em Vila Nova de Gaia, desde 1345. NOGUEIRA, Renato de Sá, ‘O espaço eclesiástico
em território português (1096-1415)’, História da Religião em Portugal, Vol. 1, Lisboa, p. 166.
98
LE GOFF, Jacques, São Francisco de Assis, Rio de Janeiro/ São Paulo, Record, 2010, p. 17-18.
99
SPIRA, Juliano de, apud LE GOFF, Jacques, op. cit., p.148.
65
100
Roma, Arquivo Geral Ordem do Carmo, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 284.
66
101
Para maiores informações ver: ‘Arquitectura de mulheres, mundo de homens. Intervenções da
DGEMN em edifícios de Mosteiros femininos extintos (1930-1950)’, publicado em GOMES, Paulo
Varela, 14,5 ensaios de história e arquitectura, Coimbra, Almedina, 2007, p. 263. (edição original de
2001)
102
WERMERS, Frade Manuel Maria, op. cit., p. 76.
103
O Prior Geral da Ordem Carmelita, João Soreth, quando esteve de passagem pela Bretanha, visitando
os conventos masculinos da Ordem, encontrou-se com Francisca de Ambrosio, uma nobre de certa posse,
e a convence a fundar o primeiro convento feminino da França, em Vannes. Francisca foi viver no local,
cinco anos depois da sua fundação em 1468.
67
104
‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal e algumas notas sobre arquitectura
de igrejas de freiras’, publicado em GOMES, Paulo Varela, 14,5 ensaios de história e arquitectura,
Coimbra, Almedina, 2007, p. 263. (edição original de 2001)
105
Em Portugal, do ramo feminino fundaram-se o Convento da Esperança de Beja (1542) que se iniciou
com duas castelhanas e o Convento da Conceição de Lagos (1557) cujas primeiras freiras vieram de Beja.
Posteriormente, fundaram-se o Mosteiro de Tentúgal (1560) e o Convento de São José de Guimarães
(1704). SIMÕES, João Miguel, Contributo para o estudo do Convento de Nossa Senhora da Conceição
de Lagos. Disponível em http://www.academia.edu/1787675/ Contributo_ para_o_ Estudo_do
Convento_de_Nossa_Senhora_da_Conceicao_de_Lagos. Acessado em 15 de janeiro 2014.
106
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 109-110.
107
Informações disponibilizadas em um códice guardado nos Reservados da Biblioteca Nacional. In:
SIMÕES, João Miguel, op. cit.
68
esteve sob a administração da Santa Casa de Misericórdia, que o geriu até 1975, ano em
que transitou para os serviços de saúde (Hospital Civil)108.
Não é possível detectar uma tipologia para os conventos femininos dos
carmelitas da Antiga Observância. Segundo Varela Gomes, os conventos femininos
tinham tradicionalmente que ser construídos “paralelos às ruas da cidade e com coros
aos pés – e, portanto, com acesso lateral –, tinha poderosas raízes culturais, muito
antigas em território português, que foram abruptamente reforçadas no século XVI”109.
108
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 267-272.
109
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras… op. cit., p. 263.
110
Para ver um pequeno histórico dessas instituições do ramo feminino dos Carmelitas Descalços,
recorrer à obra de CORAÇÃO DE JESUS, David do. OCD., op. cit., p. 111-156. Apesar de confiável,
devemos alertar para um erro na obra com relação ao Brasil: o dia da proclamação da independência do
Brasil foi 07 de setembro de 1822, e não 27 de setembro, como informado na página 94. ‘Como se vê, não
eram poucas as actividades que os Terésios desenvolviam no Brasil, numa hora difícil em que esta
grande nação americana preparava a independência, proclamada em 27 de setembro de 1822.’
111
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 21.
69
de Santo Alberto, espaço impar com talha barroca em ótimas condições de conservação,
acompanhado da capela ‘de dentro’, espaço exclusivo das religiosas.
Segundo Paulo Varela Gomes, o convento ‘das Albertas’ apresenta a tipologia
tradicional aos conventos e mosteiros femininos europeus e não o modelo espanhol dos
Descalços. “Tratava-se, [...] de uma igreja de entrada publica lateral e coro alto a
poente. Por debaixo do coro tinha uma entrada secundária a eixo ligando à portaria
conventual com ‘roda’, por sua vez aberta para a rua. À mão direita da cabeceira da
igreja havia um latero-coro e vemos um comungatório com roda, também à direita”112.
Modelo que teve influência arquitetônica das resoluções do Concilio de Trento,
tais como: “clausura absoluta, incluindo a separação clara e total das igrejas de dentro
e de fora; vida em comum das freiras proibindo-se alojamentos individuais; proibição
dos bispos entrarem na igreja de dentro só podendo atender as freiras junto à janelinha
da clausura (Cap. VII); proibição de se conservar na igreja de dentro o Santíssimo
Sacramento que devia estar ‘in publica Ecclesia’ (Cap. X)”113.
Ainda segundo Paulo Varela Gomes, este primeiro modelo, que seguiu o
tradicional dos conventos femininos portugueses, só irá ser repetido em outro convento
feminino dos carmelitas Descalços, cem anos mais tarde nos Cardaes, de Lisboa. No
período entre as duas construções, adotou-se o modelo espanhol divulgado
especificamente pelos Carmelitas Descalços, tanto para o ramo feminino como para o
masculino, que vimos no subitem anterior.
O Convento de Santa Teresa de Jesus de Carnide foi fundado em 1642, pela
Madre Micaela Margarida, sobrinha de D. João IV, em terrenos doados por João Gomes
da Mata, correio-mor do reino. “Em 1637 havia já por ventura projectos
arquitectónicos mas a construção só arrancou sob o patrocínio dos Braganças. A igreja
definitiva foi construída a partir de 1662 como reza a crônica e confirma uma inscrição
no cunhal esquerdo da fachada: M. F. IONNIS IIII LUSITANIAE REGIS. HOC OPUS
STRIXIT ANNO DNI MDCLXII. Ou seja, ‘Maria, Filha de João IV Rei de Portugal
construiu esta obra no ano do Senhor de 1662’. A inscrição refere-se à infanta d. Maria
(1643-1693), filha ilegítima de D. João IV, patrocinadora mais importante do convento,
112
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal...’
publicado em 14,5 ensaios de história e... op. cit, p. 269.
113
Idem, ibidem, p. 275.
70
onde viveu. A porta de madeira da igreja está datada de 1667, assinalando o fim das
obras”114.
Foi extinto em 1891, quando da morte da última freira. Restam, no local, a Igreja
e parte do convento, este último teve áreas reconstruídas após o terremoto, ambos estão
em bom estado de conservação. A igreja é um belíssimo edifício, fachada com frontão
triangular e corpo retangular, de nave única estreita e alta. Tem um coro alto que corre
sobre a porta única da fachada, e um segundo coro lateral à direita da capela mor.
Mantem alguma função de culto e o convento abriga uma residência para idosos.
O Convento de São João Evangelista de Aveiro iniciado por D. Brites de Lara,
teve, depois de sua morte, a obra continuada pelo duque de Aveiro, D. Raimundo de
Lencastre. Foi fundado em 1658 e a igreja quase um século depois, em 1748. Foi
extinto em 1879, a igreja manteve-se íntegra, porém, alinhada paralelamente à rua.
“Tinha duas portas, uma lateral e outra no eixo sob o coro alto. Esta última dava, como
nas Albertas e nos Cardais, para a portaria conventual. Tinha também latero-coro à
capela-mor. A portaria e o coro alto foram demolidos depois de 1905 para se alargar a
rua”115. Da arquitetura conventual pouco restou, o que resistiu está modificado e serve à
nova função, Fórum Municipal.
O Convento de Nossa Senhora da Conceição, de Lisboa, fundado em 1681, por
iniciativa de D. Luísa de Távora, no lugar de Cardaes, na zona ocidental de Lisboa, foi
extinto com o falecimento da última freira, em 1876, e o edifício, destinado à instituição
de beneficência. A belíssima igreja, com decoração interna em talha barroca do período
nacional e joanino, obteve em 1940 a classificação de imóvel de interesse público e,
posteriormente, de Monumento Nacional.
A igreja e a decoração interna mantiveram-se em perfeito estado de conservação,
apenas com alterações devocionais, pois, o edifício passou da posse dos carmelitas para
o padroado das irmãs dominicanas. Hoje, neste sítio, existe o Museu de Arte Sacra que
ocupa partes do convento e a igreja, e o restante do edifício é local de acolhimento
cedido à Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos. Segundo Paulo Varela
Gomes o conjunto beneficiou “de nunca ter mudado realmente de funções. Foi
114
Idem, Ibidem, p. 270.
115
Idem, ibidem, p. 270.
71
116
Igrejas de dentro e de fora, é uma características dos conventos femininos, quando a clausura não
possibilitava que as freiras pudessem assistir a Missa na igreja destinada aos leigos. Idem, ibidem, p. 246.
117
Idem, ibidem, p. 272.
118
O cerco à cidade do Porto durou aproximadamente um ano, com a retirada das tropas miguelistas, e o
retorno da cidade aos liberais liderados por D. Pedro IV. No final do cerco, D. Pedro IV, num acto de
reconhecimento para com a cidade e as suas gentes, que se mantiveram sempre fiéis aos ideiais liberais,
atribuiu-lhe a Grã-Cruz da Torre e Espada, o epíteto de ‘Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta
Cidade do Porto’. Ver: http://www.viva-porto.pt/conteudos/edicoes/pdfs/dezembro-2010/atraves_tempos
.pdf
119
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 23.
72
120
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal...’
publicado em 14,5 ensaios de história e... op. cit, p. 272.
121
OLIVEIRA, António José de ‘A atividade mecenática do Arcebispo D. José de Bragança nos
conventos femininos vimaranenses’, Boletim de trabalhos históricos, série III, vol. II, p. 76-90.
122
GOMES, Paulo Varela, ‘As igrejas conventuais de freiras carmelitas descalças em Portugal...’
publicado em 14,5 ensaios de história e... op. cit, p. 272.
73
123
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I: arquitectura e escultura’, publicado em RODRIGUES,
Dalila (coord.), Arte Portuguesa da pré-história ao século XX, Lisboa, Fubu editores, 2009, p. 53-54.
124
Idem, ibidem, p. 53.
125
Idem, ibidem, p. 53.
74
126
Aqui não vamos confundir a fundação da Ordem Terceira do Carmo com a Confraria do escapulário,
que alguns autores consideram como sendo um desdobramento da segunda. No entanto, a Ordem
Terceira do Carmo é, provavelmente, um desdobramento da Confraria do Escapulário, ou do Bentinho,
muito mais antiga, pois se filia na dádiva do escapulário de Nossa Senhora a São Simão Stock, e nas
visões do Papa João CCII, definidas por este Pontífice na Bula Sabatina, dada em Avinhão, a 2 de março
de 1322, e mais tarde confirmada por Alexandre V, Clemente VI, Paulo III, Pio V, Gregório XIII, Paulo
V e Clemente X. In: SANTISSIMA TRINDADE, Fr. Tomás da, apud LAMEIRA, Francisco;
LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ... op. cit., p. 25.
75
127
WERMERS, Manuel Maria, op. cit., p. 83.
128
Theodor Stratius, General of the Calced Carmelitas, composed in 1635 a new rule, revised in 1678,
which is still observed among the tertiaries of the Calced and the Discalced Carmelites. It prescribes the
recitation of the canonical office, or else of the Little office of the Blessed Virgin, or, in its place, of the
Pater noster and Ave Maria to be said thirty-five times a day, five times in lieu of each of the canonical
hours; also half an hour's meditation every morning and evening; fasting on all Fridays and also on
Wednesdays and Saturdays from 14 September till Easter, abstinence during Advent and Lent, and
various works of mortification, devotion, and charity. […] publicado em BEDE, Jarrett; HECKMANN,
Ferdinand; ZIMMERMANN, Benedict; OLIGER, Livarius; JOUVE, Odoric; HESS, Lawrence e
DOYLE, John, ‘Third Orders’, The Catholic Encyclopedia, Vol. 14, New York, Robert Appleton
Company, 1912. 27 Jan. 2016 <http://www.newadvent.org/cathen/14637b.htm>.
129
Regra da terceira ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo, Lisboa, 1630. BAYÓN, Balbino
Velasco, O. Carm., op. cit., p. 292-293. Não foi possível apurar a origem desta informação, nem encontrar
um exemplar da citada obra, nas Bibliotecas pesquisadas.
130
Idem, ibidem, p. 303.
76
131
AZEVEDO, Fr. Miguel de. Regra da Ordem Terceira da mai santíssima,..., p. 5 e 6.
77
132
RODRIQUEZ, Fr. O., The Third Order … op. cit.
133
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 489.
78
134
ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Porto/ Lisboa, Livraria civilização, 1968
(nova edição preparada e dirigida por Damião Peres), p. 164.
135
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 40.
136
São eles: o primeiro do ano de 1625, ano da morte de Marqueza Nunes, que foi terceira carmelita em
Moura; o segundo, dois testemunhos de terceiros, de 1649. In: BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op.
cit., p. 512.
137
Idem, ibidem, p. 514.
79
A Ordem Terceira de Lisboa foi instituída em data incerta, também por volta do
ano de 1600, e documentalmente sabe-se que já existia em 1636. Como acontece com a
de Moura, a maior dificuldade de estabelecer a data correta da sua origem deve-se à
inexistência de documentos comprobatórios de sua fundação no atual Arquivo da
Venerável Ordem Terceira do Carmo em Lisboa, uma vez que quase tudo foi perdido
com datação anterior ao terremoto de 1755.
Na pesquisa para o Doutoramento a especialista em retábulos lisboeta, Sílvia
Ferreira, relaciona um contrato feito em 1669, para a obra do arco e teto da capela da
Ordem Terceira, com o entalhador Francisco Lopes, que deveria ser entregue em agosto
de 1670, ao custo de 400 mil réis138. E na pesquisa para a Dissertação de mestrado sobre
o Convento carmelita e a Ordem Terceira da cidade de Lisboa, a pesquisadora Célia
Nunes Santos Pereira encontrou documentos anteriores ao terremoto139.
Descrições e informações indiretas nos são dadas nas crônicas dos Freis Manuel
de Sá e Pereira de Santana. Esses autores descrevem a existência de uma capela,
localizada no claustro do Convento, no século XVII, utilizada pelos irmãos terceiros
para as suas celebrações. Nela havia uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, “[...]
vulgarmente chamada Nossa Senhora dos terceiros, por ser a que, em um altar portátil,
presidia a todos os exercícios da ordem feitos na igreja, e a que saía nas procissões
sobre um riquíssimo andor de prata, ia já acompanhada das imagens de São Simão
Stock e do Papa João XXII. Para além destas imagens, a Ordem Terceira possuía
outras de santos carmelitas [...] Num inventário de 1707, enumeram-se quatro
relicários de prata lavrada com relíquias [...] e a imagem do Senhor Morto”140.
A Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, era composta de
pessoas abastadas, que além de realizar as festas da Virgem e procissões, também
ajudavam no melhoramento das igrejas ou dos conventos aos quais estava subordinada.
Frei Manoel de Sá conta que os irmãos da Venerável Ordem Terceira de Lisboa, em
1720, sob a liderança do prior Manoel de Távora e Cunha, mandaram “[...] tirar o
azulejo antigo e por outro do melhor, que se faz nesta corte, dividido em painéis de
138
ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, nº 12 A, (atual nº 1), cx. 53, Livro 215, fls. 94-95, apud
FERREIRA, Sílvia Maria Cabrita Nogueira Amaral da Silva, op. cit., p. 594.
139
Termos e determinações de Meza 1751-1841, Lº 289, e uma pasta de recibos de receitas e despesas
efectuadas entre 1754 e 1758 (573 – AVOTC – Despeza 1754-1758, caixa 32). PEREIRA, Célia Nunes
Santos, A arte na Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa (1389/1755) – contributos
para o seu estudo cripto-histórico, Dissertação de Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro,
sob a orientação do Professor Dr. Vítor Serrão, no Departamento de História da Arte, da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, 2010, 2 Vols.
140
SÁ, Fr. Manoel, apud, BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit.,. 496-497.
80
santos da ordem. No mesmo tempo mandaram fazer cinco primorosas capelas, em que
tem quadros dos Passos da Paixão de Cristo Senhor Nosso [...]”141. Lamentamos que o
terremoto de 1755 tenha destruído qualquer lembrança deste período. A atual Ordem
Terceira do Carmo de Lisboa habita uma capela no segundo andar do edifício do antigo
hospital, no largo do Carmo, junto às ruínas do convento. Neste edifício, estão os
Cristos, dos Passos da Paixão, documentalmente assinados e datados, por José de
Almeida, executados em 1759, portanto, posteriores ao terremoto.
A Ordem Terceira do Carmo de Lisboa festejava a Ascensão e a Natividade de
Nossa Senhora, o dia de Todos os Santos e o dia de Nossa Senhora da Conceição.
Porém, a festa mais importante era a Procissão do Triunfo do Nosso Senhor Jesus
Cristo, que abria os festejos da Semana Santa e fechava a Quaresma. No início do
século XVIII, contava com um número extraordinário de irmãos, de ambos os sexos,
cujas esmolas, oferendas, legados e benfeitorias permitiram, além da realização das
festas e das obrigações, a construção e a remodelação da Igreja e o sustento de um
hospital.
As Ordens Terceiras ditas ‘independentes’ na realidade foram o resultado da
devoção particular de um grupo de pessoas a uma determinada ordem religiosa, que se
reúnem e resolvem instituir oficialmente uma associação de terceiros. Podem ou não
estar subordinadas às ordens primeiras, em alguns casos, o vinculo existiu, mas por
motivos diversos, foi perdido ao longo dos séculos. Temos, portanto, em Portugal cinco
casos, nas cidades de Funchal, fundada em 1652, Beja, anterior a 1690; Faro, em 1713,
Viseu, em 1733, e Pombal, em 1726.
141
SÁ, Fr. Manoel, op. cit., p. 178.
142
Documento referindo-se à Ordem Terceira do Carmo de Beja, concessão de certos privilégios aos
terceiros. In: Arquivo Distrital. Convento do Carmo de Beja, maço 8. Apud BAYÓN, Balbino Velasco,
O. Carm., op. cit., p. 560-563.
81
143
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 174. A autorização está entombada
no Livro nª 6 de Registos da Câmara de Beja, e a decisão de se reedificar o edifício, para esse efeito,
partiu do definitório conventual do Carmo de Lisboa, dado em escritura pública de 22 de abril de 1736.
144
O altar-mor “[…] Foi mandado executar pela Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo
depois de 1766, data da conclusão da Igreja, desconhecendo-se a identidade dos artistas intervenientes
na concepção do risco e no entalhe. Túlio Espanca situou-o na esfera de influência da escola eborense,
nomeadamente de profissionais que desenvolveram actividade em Beja, como Luís João Botelho, Manuel
de Abreu do Ó e Sebastião de Abreu do Ó.” LAMEIRA, Francisco e FALCÃO, José António, Retábulos
da Diocese de Beja, op. cit., , p. 105.
145
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 177.
82
146
SÁ, Manoel de, Fr, op. cit., p. 267-268.
147
Esta peça participou da exposição: As vozes do silêncio. Imaginária barroca da Diocese de Beja.
Publicada em FERREIRA, Jorge M. Rodrigues, As vozes do silêncio. Imaginária barroca da Diocese de
Beja, catálogo da exposição, Lisboa, Estar editora, 1997, p. 90-99. Ainda fizeram parte da exposição
outras duas peças pertencentes à Igreja do Carmo: Santa Teresa e Santo Elias, p. 100-109.
148
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico... Beja, op. cit., vol. XII, p. 177-178.
83
seus sucessores da oficina, Tomé da Costa, seu genro, e Francisco Xavier Guedelha. O
retábulo de São Vicente Ferrer, hoje de São José, foi ajustado pelos dois e deveria ser
feito à imitação do de Santa Teresa, em 1751149.
Na sacristia, na lateral direita da igreja, guardada em nichos parietais, estão
esculturas de Cristos dos Passos da Paixão executadas, em 1731, por Manuel Martins, o
mesmo entalhador do altar-mor e do retábulo de Santa Teresa. Cristos que foram
estofados e encarnados pelo pintor Clemente Velho de Sarre, no mesmo ano. O
conjunto é composto de nove imagens da Paixão de Cristo, nomeadamente o Cristo no
Horto, o Cristo da Prisão, o Cristo da Flagelação, o Cristo da Coroação de espinhos
(Senhor da Pedra Fria), o Ecce Homo, o Cristo com a cruz às costas, o Crucificado e o
Senhor Morto, segundo o historiador todas de vulto pleno, e ainda, Nossa Senhora da
Soledade, de roca150, que veremos em detalhe no capítulo IV.
A fundação da Ordem Terceira do Carmo, de Viseu, deu-se na Ermida de Santa
Catarina (anteriormente conhecida como Santo Amaro), possivelmente em 1733. A
nova igreja foi benta em 1738 e concluída alguns anos depois. Em 1764, o altar-mor
estava pronto para ser dourado e pintado pelo Mestre pintor Francisco de Sousa Peixoto.
O mesmo se passou um ano depois com o arco cruzeiro e os altares laterais. Porém,
nesta segunda rodada, o pintor contratado, foi um ‘mestre estrangeiro’, Pascoal José
Parente. Como as demais Ordens Terceiras, a de Viseu celebrava, com grande
solenidade, a Procissão do Triunfo, na sexta-feira anterior ao Domingo de Ramos151.
Existe no interior da Igreja de Viseu um belíssimo altar-mor de talha joanina,
dois colaterais, na parede do arco cruzeiro e outros dois nas laterais da nave, de talha
ligeiramente posterior. No altar-mor, figura a Virgem do Carmo. Nos altares do
cruzeiro, estão Santo Elias, fundador espiritual dos carmelitas, em dimensões
desproporcionais, e São José, devoção pessoal de Santa Teresa. Nos altares laterais,
situam-se as esculturas de Santa Teresa, ladeada pela Virgem italiana Santa Cristina,
orago inicial da capela, e de Santa Teresinha de Jesus, escultura em gesso policromado,
já do século XX. No altar da esquerda estão entronizados São João da Cruz, ladeado por
Santo Amaro e São João Evangelista. Em um cômodo no andar superior, estão
guardados dois exemplares formalmente idênticos do Cristo sob a invocação do Ecce
149
LAMEIRA, Francisco, A talha no Algarve durante o Antigo Regime, Faro, Câmara Municipal de Faro,
2000, p. 158-160 e LAMEIRA, Francisco, Retábulo no Algarve, [Faro], Departamento de História,
Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, 2007, p. 123. (Promontoria Monográfica História
da Arte 03)
150
Idem, ibidem, p. 224-226.
151
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 559-560.
84
Homo (de dimensões diferentes), assim como um maravilhoso Senhor Morto, cuja
presença é constante nas igrejas terceiras carmelitas, pois também executavam a
Procissão do Enterro.
A igreja dos terceiros de Viseu, portanto, só possui um dos Cristos passiveis de
realizar a Procissão do Triunfo. Porém, uma observação se faz necessária: pintados nos
medalhões centrais da mesa nos altares de São José, de Santo Elias e no dedicado a São
João da Cruz, figuram símbolos da Paixão de Cristo. No primeiro, uma coroa de
espinhos, no segundo, os três cravos, ladeados pela lança e pela esponja e, no terceiro, a
cruz com duas escadas. Pareceu-nos um forte indício de que originalmente poderiam ter
sido dedicados a outros donos.
Sabemos da existência da Ordem Terceira do Carmo de Pombal, pois existe uma
carta enviada aos terceiros de Lisboa, em 1776 e outra de 1813, constatando a
necessidade de se reedificar o altar-mor e laterais da então igreja.
152
SÁ, Fr. Manoel de, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 567.
85
153
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Concelho de Évora, vol. VII, Lisboa, Academia
Nacional de Belas Artes, 1966, p. 49.
154
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 569.
155
CARVALHO, Apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 571.
156
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 564-566.
86
157
SÁ, Fr. Manoel de, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm. op. cit., p. 564.
158
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 573-575.
159
FERREIRA, Anabela, ‘Breve história do convento de São Romão’, publicado em CIRA Boletim
cultural, 11, p. 105-121. Disponível em: http://www.cm-vfxira.pt/uploads/document/file/870/2b-breve-
historia-convento-sao-romao.pdf
160
GANDARIAS, Documentos, Apud, Idem, ibidem, p. 573-575
87
161
Informação que nos parece estranha, pois o normal era que as ordens terceiras estivessem subordinadas
às ordens primeiras, ou fossem independentes. Pois os conventos femininos carmelitas eram na sua
maioria de clausura, isto é, não havia permissão para as religiosas manterem contato com o mundo
exterior. Idem, ibidem, p. 575
162
Bayón cita ainda outra fonte, que conta a história de a Ordem Terceira ter conseguido adquirir de
Roma, em 1825-26, a relíquia do corpo de um jovem mártir chamado São Vicente, o Moço, que ficou
exposto num dos altares laterais. SOEIRO, Penafiel, apud, Idem ibidem, p. 575. Parece que a igreja já
não existe e se desconhece o paradeiro da relíquia.
163
Idem, ibidem, p. 577.
164
Idem, Ibidem, p. 577.
165
História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta (1871) e nos Anais do Município da Horta
(1943), apud, BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo... op. cit., p. 33-35.
88
citado por Biga, não havia até 1717, outra Igreja ou Convento do Carmo nos Açores,
para além do templo do Faial166.
A capela dos Terceiros ficava contígua à Igreja conventual, possuía um
belíssimo altar-mor de estranhíssimo desenho, composto de três pares de colunas retas,
frontão raionado interrompido por elementos decorativos em curvas. Nas laterais,
estavam localizados, então, os oito nichos para os Passos da Paixão de Cristo,
inventariados pela historiadora citada, de dimensões quase naturais167.
Como supôs Bayón, baseado no Padre Júlio Rosa, o conjunto foi uma
encomenda ao escultor régio de D. João V. Como o reinado deste soberano se estendeu
por toda a primeira metade do século XVIII, é possível datar as peças como
pertencentes ao segundo quartel deste século, que irá coincidir com a análise estilística
como veremos mais à frente168.
Em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, dos Açores, a notícia é de que houve
uma irmandade dedicada a Nossa Senhora do Carmo, estabelecida em 1766, na igreja da
Misericórdia e não uma Ordem Terceira, como supúnhamos. Em 1768, colocaram a
imagem de Nossa Senhora do Carmo num dos altares laterais da Igreja169. Vários altares
de Irmandades da Virgem do Carmo estão presentes em Igrejas Matrizes e outros
edifícios religiosos, assim como os da Irmandade do Escapulário. Ainda no Funchal,
encontramos uma residência feminina das carmelitas descalças, o antigo Convento da
Encarnação, fundado em 1660, extinto quando a última religiosa morreu em 1890 e
demolido em 1906. Dele restou apenas a capela de Nossa Senhora da Encarnação170.
Bayón menciona esta última Ordem Terceira como independente, tendo sido
instituída em 1652, pelo Padre Luís do Rosário, na igreja da Encarnação. Porém, em
1656 lançam a pedra fundamental para a igreja própria. Igreja que teve a “capela-mor
[...] mandada executar por Pedro Gonçalves Brandão, cujo mausoléu, armoriado e
suportado por dois leões, figura junto à parede lateral esquerda”. A igreja parece ainda
possuir boa imaginária, cuja procedência é lisboeta: “uma Nossa Senhora de Monte do
Carmo, de madeira policromada e dourada, do século XVII; uma Pietá policromada e
166
Idem, ibidem, p. 33-35.
167
Idem, ibidem, p. 39.
168
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm..., op. cit., p. 577.
169
Idem, ibidem, p. 577.
170
GOMES, Eduarda Maria de Sousa. O Convento da Encarnação do Funchal. Subsídios para a sua
história, 1660-1777, Região Antónoma da Madeira, Secretaria regional de turismo e cultura/ Centro de
estudos de história do atlântico, 1995, p. 17-18.
89
171
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm..., op. cit., p. 519-522.
172
Idem, ibidem, p. 527.
173
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 27-28.
90
pela pintura do forro em perspectiva, que apesar de ter sido executada já em princípios
do século XIX, mantém as estruturas composicionais do rococó”174.
O altar-mor segundo Francisco Lameira foi “ajustado, no dia 9 de Agosto de
1780, pelo entalhador Patrício Malatesta, estrangeiro, regulado pelo desenho ou
prospecto feito pelo mestre Domingos de Almeida, este último da cidade de Lisboa,
pela importância de 920$000 réis, fora o custo da madeira175.”
O edifício dos Terceiros do Porto é da segunda metade do século XVIII, porém a
Irmandade foi instituída num dos altares laterais da antiga igreja conventual em 1736 e
os estatutos foram providenciados: “El Superior Provincial, Fr. José de Santa
Eufrosina, delego la preparación de lós estatutos de esta V. O. T. al Prior del
Convento, Fr. Mauricio de Jesus Maria y José, y el M. R. P. Nicolás de Jesús Maria,
General dos Carmelitas Descalzos de la Congregación de España, los aprobó en le
Definitorio General celebrado en Pastrana el dia 24 de Mayo de 1751 y lós rubrico en
el Convento de San Hermenegildo, em Madrid, el dia 9 de Julio del mismo año. Fueron
impresos en Coimbra en El año 1756”176.
A construção da igreja só teve início em 1756, com o lançamento da pedra
fundamental, em terreno comprado junto à igreja da ordem primeira, em escritura
publica de compra e venda de 13 de maio do ano de 1751. O risco definitivo, entretanto,
data de 1762, com a igreja abrindo ao culto apenas em 1768. O projeto do edifício
coube a José de Figueiredo Seixas, com algumas intervenções de Nicolau Nasoni177.
Esta é a única igreja dos Terceiros em Portugal à maneira das encontradas no
Brasil, isto é, com as duas igrejas lado a lado, estando a conventual ao centro, seguida
do próprio convento de um lado e da igreja dos leigos do outro. E ainda, é a única que
apresenta o programa decorativo incorporando os sete Cristos dos Passos da Paixão nos
altares da nave e da capela-mor, inseridos em arcadas rasas, separados por pilastras com
capitéis compósitos. A fatura da talha dos altares é de autoria conhecida, o altar-mor foi
174
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso no Brasil e seus antecedentes
portugueses, São Paulo, Cosac & Naify, 2002, p. 162
175
LAMEIRA, Francisco, Retábulo no Algarve, [Faro], Departamento de História, Arqueologia e
Património da Universidade do Algarve, 2007, p. 111. (Promontoria Monográfica História da Arte 03)
176
SANTA TERESA, Frei Higino de, apud LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA,
Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ... op. cit., p. 2.8.
177
QUARESMA, Maria Clementina de Carvalho, Inventário Artístico de Portugal. Cidade do Porto,
Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1995, Vol. XIII, p. 188. E ainda segundo José Fernandes
Pereira, em Arquitetura barroca em Portugal, Lisboa, Ministério da Educação e Cultura, 1986, p. 120.
[...] Seixas foi o autor da igreja da Ordem Terceira do Carmo, iniciada em 1756, cujos planos da
fachada foram alterados em 62, após crítica de Nasoni. [...]
91
178
Idem, ibidem, p. 189.
179
Idem, ibidem, p. 189.
180
Ainda hoje existe um altar dedicado a Nossa Senhora do Carmo na Igreja da Santa Casa da
Misericórdia de Vila Real, cujo risco pode ser atribuído a André Soares da Silva do terceiro quartel do
século XVIII, podendo ser da oficina bracarense. Ver: LAMEIRA, Francisco, Retábulos das
Misericórdias Portuguesas, [Faro], Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade
do Algarve, 2009, p. 147. (Promontoria Monográfica História da Arte 04)
181
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 29.
182
Idem, ibidem, p. 29.
92
O grupo dos sete Cristos da Procissão do Triunfo tinha como principal função o
uso nas celebrações específicas da Ordem: no quarto domingo da Quaresma e na
procissão do Triunfo na última sexta-feira da Quaresma ou no Domingo de Ramos. Em
Portugal, poucos casos, também tiveram a função devocional, quando as imagens
faziam parte do programa decorativo das igrejas, como na Igreja dos Terceiros do Porto.
Sabemos, via fonte documental, de descrições e narrativas, que era comum, nos séculos
XVII e XVIII, a celebração da Procissão do Triunfo. Portanto, muitos dos grupos que
participaram dessa manifestação religiosa não sobreviveram aos séculos. Na maioria das
igrejas, alguns exemplares escultóricos dos Cristos, utilizados na procissão em estudo,
restam hoje esquecidos, alguns ainda são utilizados nas celebrações da Semana Santa.
183
Do lado norte fica a capela dos Terceiros contígua à igreja, com rico e elevado retábulo, com oito
nichos laterais para as imagens do Triunfo da Paixão de Cristo e o nicho central para um grande
crucifixo e sobre o altar a imagem do Senhor Morto, esculturas de rara beleza, do escultor régio de D.
João V tem [sic] 15,95 m de comprimento por 5,9 m de largura e 7,48 m de alto até a cimalha». Em
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 358. E ainda: SERRÃO, Vítor, As Igrejas do
Salvador…, op. cit.
93
184
Datas referenciadas a partir da publicação do BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., A história da
Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, 2001. Pode haver discordância com outros textos e
outras pesquisas.
94
185
Datas referenciadas a partir da publicação: BAYÓN, Frei Balbino Velasco, O. Carm., A história da
Ordem do Carmo em Portugal, Lisboa, Paulinas, 2001. Pode haver discordância com outros textos e
outras pesquisas, exemplo para os conventos femininos:
Em Portugal, do ramo feminino fundaram-se o Convento da Esperança de Beja (1542) que se iniciou
com duas castelhanas e o Convento da Conceição de Lagos (1557) cujas primeiras freiras vieram de
Beja. Posteriormente, fundaram-se o Mosteiro de Tentúgal (1560) e o Convento de São José de
Guimarães (1704). SIMÕES, João Miguel, Contributo para o estudo do Convento de Nossa Senhora da
Conceição de Lagos. Disponível em http://www.academia.edu/1787675/ Contributo_ para_o_ Estudo_do
Convento_de_Nossa_Senhora_da_Conceicao_de_Lagos
95
186
Datas e fundações referenciadas a partir da publicação: LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José
João; e VECHINA, Frei José Carlos, Retábulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, Faro, Universidade
do Algarve, 2015 (Promontoria monográfica História da Arte, 11), p. 14-29.
96
187
Datas e fundações referenciadas a partir da publicação: LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José
João; e VECHINA, Frei José Carlos, Retábulos da Ordem dos Carmelitas Descalços, Faro, Universidade
do Algarve, 2015 (Promontoria monográfica História da Arte, 11).
97
188
CAMPOS, Adalgisa Arantes, Arte Sacra no Brasil colonial, Belo Horizonte, c/arte, 2011, p. 31.
189
SALVADOR, Frei Vicente do, História do Brasil. Livro primeiro em que se trata do descobrimento
do Brasil, costumes dos naturais, aves, peixes, animais e do mesmo Brasil. Escrito na Bahia, a 20 de
dezembro de 1627. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/bn000138.pdf
101
190
MARIA, Frei Joseph Jesus, Thesouro Carmelitano, Manifesto, e offerecido aos Irmãos, e Irmans da
Veneravel Ordem Terceira da rainha dos Anjos, e Mãi de Deos, Senhora do Carmo, Lisboa , Na Officina
de Miguel Manescal da Costa, impressor do santo Officio, anno M DCC LXIII (1758), p. 175. (Primeira
edição 1705)
191
FILHO, Nestor Goulart Reis, Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial, São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo, Imprensa oficial do estado, 2000, p. 74.
192
O Padroado era um sistema político em que o sumo pontífice concedia ao rei e seus descendentes o
monopólio das navegações, ou seja, o direito de conquistar novos territórios e as terras dos ‘infiéis’. Do
pacto com a Santa Sé, ficou a autorização para os monarcas construírem e manterem as igrejas e casas
religiosas e fundarem dioceses. Cabia-lhes também a jurisdição sobre as autoridades eclesiásticas, que
compreendia a nomeação de bispos e a circulação dos clérigos nos novos territórios. O Padroado
Português não foi concedido em uma única determinação papal. Resultou de concessões adquiridas
mediante negociações entre Portugal e Roma. A primeira bula Dum Di Versas, de 1452, do Papa Nicolau
V concedia ao rei D. Afonso V e a seus descendentes a possibilidade de subjulgar todos os reinos e as
terras de muçulmanos e infiéis, além de possuir os seus bens. A bula seguinte, Romanus Pontifex, de
1455, estabeleceu que os Reis portugueses poderiam fundar e erigir igrejas, além de proverem o clero nas
conquistas. Calisto III concedeu à Ordem de Cristo – que tinha o Infante D. Henrique como o regedor – o
direito de padroado, de cobrança de dízimos e de administração espiritual dos espaços conquistados pelos
portugueses. Até, finalmente, a bula Aeterni Regis Clementia, de 1481, do papa Sixto IV, que reafirmou
os direitos e deveres da Coroa portuguesa. Maiores informações em: FARIA, Patrícia Souza de, A
conversão das almas do Oriente – franciscanos, poder e catolicismo em Goa: séculos XVI e XVII. Tese
de Doutoramento em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008, p. 77-78.
102
193
KEHL, Luís Augusto Bicalho, Simbolismo e profecia na fundação de São Paulo: uma casa de
Piratininga, São Paulo, Terceiro Nome, 2005, p. 41.
194
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas sobre as missões carmelitas no Extremo Norte do Brasil
(séculos XVII-XVIII), Recife, 1941.
103
195
LORETO COUTO, D. Domingos, Desagravos do Brasil e glorias de Pernambuco, Recife, Prefeitura
da cidade do Recife / Secretaria de Educação e Cultura / Fundação de cultura cidade de Recife, 1981, p.
188-189. (Primeira edição de 1904, feita a partir dos manuscritos de 1757)
104
196
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit.
197
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Resumo Histórico’, Pasta de Inventários dos complexos arquitetônicos
carmelitas do Brasil. Arquivo central do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),
Rio de Janeiro. Esses resumos constavam de algumas datas históricas e de uma descrição sumária de cada
monumento carmelita. Pensamos tratar-se de um primeiro estudo para uma futura publicação sobre os
Conventos da Ordem no Brasil.
198
SERZEDELO, Bento José Barbosa, (coord.), Archivo histórico da Venerável Ordem Terceira de
Nossa Senhora do Monte do Carmo, erecta no Rio de Janeiro, desde sua fundação em 1648 até 1872, Rio
de Janeiro, Typographia Perseverança, 1872.
199
SARMENTO, Therezinha de Moraes ‘Breve relato sobre a Igreja do Carmo’, publicado em Anais do
Museu Histórico Nacional, XV, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, 1965.
200
FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro, publicadas na REVISTA do
Instituo Histórico e Geográfico Nacional, volumes 86 (140), 1919; 88 (142), 1920; 89 (143), 1921; 93
(147), 1923 e 95 (149), 1924.
105
da igreja, embora não dedique uma linha sequer ao acervo escultórico: os exemplares
201
dos Cristos da Paixão dos altares laterais . Ainda, de grande utilidade da série de
guias publicados pelo IPHAN e Monumenta, são os dois guias dedicados às Igrejas
barrocas e rococós das cidades de São João del Rei e Tiradentes; e de Ouro Preto e
Mariana, ambos coordenados por Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira com a
colaboração no primeiro de Olinto Rodrigues dos Santos Filho e no segundo de
Adalgisa Arantes Campos202.
Com relação aos Estados de Pernambuco e Paraíba, podem ser encontrados
alguns estudos dos historiadores locais Pereira da Costa203, Fernando Pio204 e Fernando
Ponce de León205. Recentemente, saiu o guia das Igrejas barrocas e rococós de Olinda e
Recife, de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira e Emanuela Oliveira206, e, publicou-se
a tese de doutoramento de André Cabral Honor207 sobre o Carmo de João Pessoa. No
que se refere ao estado da Bahia, encontramos diversos estudos sobre o Convento
Carmelita de Cachoeira, entre eles, o de Valentim Calderón, do ano de 1976208 e, há
pouco, a pesquisa coordenada por Maria Helena Ochi Flexor209. Também da mesma
autora, foi publicado, em dois volumes, o guia das igrejas e conventos de Salvador. A
edição de ambos os trabalhos coube ao IPHAN e Monumenta210.
201
LOPES, Antonio Francisco, A história da construção da igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora
do Carmo, Rio de Janeiro, Publicações do SPHAN/ Ministério da cultura e saúde, 1942.
202
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos, Barroco e rococó
nas igrejas de Tiradentes e São João del Rei, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2008. E OLIVEIRA,
Myriam Andrade Ribeiro de e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó nas igrejas de Ouro Preto
e Mariana, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2010.
203
COSTA, F. A. Pereira da, Anais Pernambucanos, 9 volumes, e ainda especifico sobre o Carmo
pernambucano: A Ordem Carmelitana em Pernambuco, Recife, Arquivo Público Estadual, 1976. (Esta
última obra ficou manuscrita e inédita até a edição de 1976. O autor viveu de 1851 a 1923. Logo, é
provável que este manuscrito tenha sido redigido nas duas primeiras décadas do século XX).
204
PIO, Fernando, O convento do Carmo de Goiana e a reforma Turônica no Brasil, Recife, Comissão
organizadora e executiva das comemorações do IV centenário do Povoamento de Goiana, 1970.
205
LEÓN, Fernando Antônio Dantas Ponce de, Carmelitas descalços – Terésios – em Pernambuco.
Padroado e Vida Conventual, Recife, Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História
da Universidade Federal de Pernambuco, 1996.
206
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SOUZA, Emanuela, Barroco e rococó nas igrejas de
Recife e Olinda, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2014.
207
HONOR, André Cabral. O verbo mais que perfeito. Uma análise alegórica da cultura histórica
carmelita na América Portuguesa, Belo Horizonte, Fino Traço, 2013. E ainda, HONOR, André Cabral,
‘Memórias azuis: a formação da Ordem Carmelita na azulejaria do Carmo em João Pessoa’, publicado e
Mneme, revista de humanidades, Anais do II encontro internacional de história colonial, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Cairó, v. 9, nº 24, set/out. 2008. Disponível em
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais .
208
CALDERON, Valentim, O Convento e a Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Salvador, 1976.
209
FLEXOR, Maria Helena Ochi; LACERDA, Ana Maria e SILVA, Maria Conceição Barbosa da Costa
(Org.), Conjunto do Carmo de Cachoeira. Brasília DF, IPHAN/ Monumenta, 2007.
210
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia, Brasília/DF, IPHAN/ Monumenta, 2011.
106
211
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte Carmelo’, Publicações do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, nº 14, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1945. Reeditado
com texto apurado, notas e um dossiê de documentos: ANDRADE, Mario de, Padre Jesuíno do Monte
Carmelo, São Paulo, Nova Fronteira, 2011.
212
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas: barroco e rococó, São Paulo, UNESP/ Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2003.
213
LUCCOCK, John, Notes on Rio de Janeiro, and the southern parts of Brazil; taken during a residence
of ten years in that country, from 1808-1818, London, Samuel Leigh, 1820. (Notas sobre o Rio de Janeiro
e partes meridionais, Rio de Janeiro, Livraria Martins, 1942. Tradução: Milton da Silva Rodrigues).
214
DEBRET, Jean Batista, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia /
Edusp, 1989. (Primeira edição: Paris, 1831)
215
KOSTER, Henry, Viagens ao nordeste do Brasil, 2ª Ed., Recife, Secretaria de Educação e Cultura do
estado de Pernambuco, 1978.
216
SAINT HILAIRE, Viagem à província de São Paulo, São Paulo, 1945. Auguste de Saint Hilaire
desembarcou no Brasil na comitiva do embaixador no Brasil, Duque de Luxemburgo, com o intuito de
pesquisar e adicionar espécimes para a coleção do Museu de História Natural da França, ficando, no
Brasil, de 1816 a 1822.
217
Estiveram, no Brasil, o inglês Robert Walsh, em 1829, como capelão da comitiva de Lord Stranford, e
o americano Thomas Ewbank, em 1846, entre outros.
107
218
Ver de CAMPOS, Adalgisa Arantes, ‘Piedade barroca, obras artísticas e armações efêmeras: as
irmandades do Senhor dos Passos em Minas Gerais’ publicado em Anais do VI colóquio luso-brasileiro
de História da Arte, Rio de Janeiro, CBHA/ PUC-Rio/ UERJ/ UFRJ, 2004. E ‘Aspectos da Semana Santa
através das Irmandades do Santíssimo Sacramento’ publicado em Revista Barroco, 19, Belo Horizonte,
Centro de pesquisa do Barroco Mineiro.
219
SÁ, Fr. Manoel de, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 178.
220
SÁ, Fr. Manoel, Memórias históricas dos illustrissimos arcebispos, bispos e escritores portuguezes da
Ordem de Nossa Senhora do Carmo, reduzidas a Catalogo Alfabetico, e a seu protector augustissimo el
Rey D. João V. Lisboa Oriental, Officina Ferreyriana, MDCCXXIV (1724). Disponível em:
https://books.google.pt/books?id=W6ddAAAAcAAJ&pg=PA5&lpg=PA5&dq=S%C3%81,+Fr.+Manoel,
+Mem%C3%B3rias
221
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit, p. 28.
108
sumptuosa Igreja Catedral, a Misericórdia com magnífico templo, [...] nos que olham
para o nascente estão edificados os sumptuosos conventos do Patriarca São Francisco,
e Carmo [...]”222.
222
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 145.
109
223
Os holandeses estiveram no litoral do nordeste do Brasil na primeira metade do século XVII (1630-
1654), nas cidades de Salvador, Olinda e Recife conseguindo permanecer por algum tempo. Afirma-se
que a invasão foi uma consequência do domínio espanhol sobre a península ibérica e os Países Baixos,
quando, então, se proibiu o comércio do açúcar com o Brasil, principal investimento holandês da época.
224
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana em Pernambuco, Recife, Edição do Arquivo Público
Estadual/ Secretaria da Justiça, 1976, p. 102.
110
225
MENEZES, José Luiz Mota, ‘Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Olinda, Pernambuco’ publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo. Arquitetura e urbanismo,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 145-146.
226
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana … op. cit., p. 114.
227
‘Em Olinda, deve ter sido fundada antes de 1695. [...]’. BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit.,
p. 199.
228
LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl. Obra completa em Pernambuco e Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Capivara, 2001, p. 66 e 67.
229
Impressões tiradas da visita a Igreja do Carmo de Olinda em janeiro de 2015.
230
Segundo Bayón, a expedição que chegou a Salvador trazia os padres carmelitas Alberto de Santa
Maria, Belchior do Espírito Santo e Damião Cordeiro. BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p.
181.
231
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia..., op. cit., p. 71.
111
232
‘Igreja e Convento do Carmo de Salvador’, Pasta de Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
233
TERENO, Maria do Céu Simões, ‘Conventos carmelitas em Évora (Portugal) e Salvador (Brasil)’
publicado em Atas do ciclo de conferências sobre o “Convento de Nossa Senhora dos Remédios e a
Ordem do Carmo em Portugal e no Brasil”, Évora, 2013. Disponível em http://www2.cm-
evora.pt/conventoremedios/Atas/comunica%C3%A7%C3%B5es/ceu_tereno.pdf
112
altar-mor, de gosto neoclássico, está estruturado em dois pares de colunas retas frisadas,
fruto de reformas do século XIX. Permanece, no entanto, o frontal da mesa do altar, em
prata lavrada, do século XVIII, característica ímpar da ordem carmelita no Brasil. Os
altares do transepto e os laterais são de épocas diversas, datando desde fins do século
XVIII, de gosto rococó, até o XIX e o XX, nos estilos neoclássico e eclético.
O altar-mor, apesar das reformas e da entronização de esculturas do século XIX,
atribuídas a Antonio Machado Peçanha, manteve o programa iconográfico típico das
igrejas carmelitas: Virgem do Carmo, ladeada pelos santos fundadores, Santo Elias e
Eliseu. Segundo Maria Helena Flexor, a pintura do teto da nave, de boa qualidade, é
atribuída “[...] a José Joaquim da Rocha. No entanto, há quem a atribua a José Pinhão
de Matos, por se tratar de pintura sobre madeira. Este fez obras na ordem terceira,
antes do incêndio do fim do século XVIII, mas não consta ter trabalhado na ordem
primeira”234.
A sacristia é uma das mais bonitas das igrejas carmelitas do Brasil. Situada
perpendicularmente à capela-mor, manteve a decoração interna do século XVIII. Nela
sobressai a obra de talha dourada, que inclui um forro em caixotão curvilíneo (trevo),
com painéis pintados representando cenas da vida de Santo Elias. O pequeno altar tem
ao centro um Crucificado e a talha parietal de pouco volume, cobre os espaços entre as
janelas e armários, com fixação de santos devocionais da Ordem: os papas São
Telésforo e São Dionísio, os bispos São Pedro Tomás e Santo André Corsini, obras
requintadas em madeira policromada e dourada, em tamanho quase natural. Ainda é
possível apreciar na sacristia o conjunto de azulejos com temática carmelitana, que
segundo Santos Simões, “apesar das “restaurações” é um belo exemplo de acerto da
decoração com a arquitetura. São os azulejos de fabricação de Lisboa, de oficina
modesta e de época vizinha de 1720-30”235.
Destaque deve ser dado ao Cristo da Flagelação, que atualmente se encontra na
sacristia, mas esteve por muito tempo na capela do noviciado. Essa escultura já foi
atribuída aos dois maiores nomes da imaginária baiana: Francisco das Chagas e Manuel
Inácio da Costa. Porém, acreditamos tratar-se de obra de autor desconhecido, que
também confeccionou o São Pedro de Alcântara, da Igreja dos Franciscanos. Ambas
extravasam a emoção através do contorcionismo do corpo, pleno de sofrimento,
234
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia..., op. cit., vol. 2, p. 85.
235
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822), Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1965, p. 106.
113
236
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro, ‘A imagem religiosa no Brasil’, publicado em Arte Barroca,
Catálogo da exposição 500 anos, São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 2000, p. 64.
237
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos da Bahia..., op. cit., vol. 2, p. 90 e 91.
238
‘Ordem Terceira do Carmo de Salvador’, Pasta de Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
114
239
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Ordem Terceira do Carmo de Salvador’, Resumo Histórico, Pasta de
Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
240
Para melhor entendimento do estilo rococó. Ver: OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó
religioso no Brasil … op. cit..
241
RÉSIMONT, Jacques, ‘Os escultores baianos Manoel Inácio da Costa e Francisco das Chagas ‘o
Cabra’’, publicado em Revista Barroco, 14, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais,
1986/9, p. 101-118.
115
242
Transcrição feita pelo historiador Dr. Carlos Ott, no dia 10 de maior de 1954, do Livro das Resoluções
de 1709-1744, (ano de 1732, fls. 169 r-v), pertencente ao Arquivo da Ordem Terceira do Carmo, de
Salvador. Cópia carbono existente nas pastas de inventário, Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
243
‘Auto de Posse’ e ‘Confirmação da doação que Joze Adorno tinha feito aos Pes. da Capella da Graça’
em Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, XVIV, 2ª parte, p. 237 e seguinte ‘Ordem
Terceira do Carmo de Santos’, Pasta de Inventários, Arquivo central do IPHAN, Rio de Janeiro.
116
244
Inaugurado em 7 de setembro de 1923, guarda os restos mortais de José Bonifácio de Andrada e Silva,
de seus três irmãos políticos, com detalhes da história que culminou na independência do Brasil.
245
O Breve de Reforma da Província Carmelita Fluminense, emitido em 20 de julho de 1784 pelo
Arcebispo de Tyro, de comum acordo com a Rainha, D. Maria I, colocou o Bispo do Rio de Janeiro, D.
José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, no cargo de Visitador e Reformador dos
Carmelitas. No início da Reforma, o convento do Rio de Janeiro dispunha de 09 fazendas e 72 casas. Uma
das mais importantes razões da intervenção foi o acúmulo de dívidas da Ordem, originárias da ‘má
administração’ do patrimônio, que resultava, por um lado, no endividamento da Ordem perante as
comunidades e, por outro, na acumulação de fortunas pessoais dos membros da alta hierarquia Carmelita.
Tais atitudes possibilitaram que os superiores preservassem hábitos e práticas da vida profana, além de
associarem negócios da ordem com negócios particulares, tanto dos frades quanto de suas famílias. Essa
reforma foi, na realidade, a continuação da política levada a cabo pelo governo iluminado do rei D. José,
via Marquês de Pombal, e que franciscanos e beneditinos já haviam incorporado através dos Novos
Estatutos da Universidade de Coimbra, especialmente o Convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro; o
Convento de São Francisco em São Paulo e o Seminário de Olinda. Para maiores informações, ver:
BEBEDETTI FILHO, Francisco, A reforma da província carmelita fluminense (1785-1800), Dissertação
de Mestrado apresentado ao Departamento de História da Universidade São Paulo, São Paulo, 1990, p.
56-57, e MOLINA, Sandra Rita, Des(obediência), barganha e confronto: a luta da Província Carmelita
Fluminense pela sobrevivência (1780-1836), Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de
História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1998.
246
ANDRADE, Mário de, “Padre Jesuíno do Monte... op. cit., p. 158.
247
MONTEIRO, Raul Leme, Carmo. Patrimônio da história, arte e fé, São Paulo, s/ Ed., 1978, p. 6-7.
248
Tipologia mencionada por Mario de Andrade em Relatório enviado à Diretoria do SPHAN (Rodrigo
de Melo Franco) em 1942: “[…] pude fazer uma observação de algum interesse a respeito da arquitetura
tradicional carmelitana, pelo menos no Brasil. Dela fiz participar ao Dr. Lucio Costa. Trata-se de curioso
dispostivo, tão bem exemplificado nas duas Carmos de Santos, nesta sexta região, das igrejas Primeira e
Terceira serem construídas como corpos gêmeos de um mesmo edifício, com uma tôrre só fazendo de
corpo central. Esse era o dispositivo dos Carmos, de São Paulo e das de Angra dos Reis. Não posso
garantir ainda si este curioso partido é exclusivamente carmelitano, nem si só é observado no Brasil, e
nesta região central do país. Mas julgo fornecer a V. S. um prolema por solucionar.”
118
tarde, nos conventos do Estado de São Paulo: “[...] O monumento mais interessante é o
conjunto formado pelas duas igrejas do convento e dos terceiros do Carmo, que devem
ter sido construídas numa época tardia do século XVIII. Um arquiteto teve a ideia
original de geminar as duas igrejas, e cada fachada forma uma suave ondulação de
cada lado de um campanário, cuja envergadura reforça o conjunto. A mesma
disposição era encontrada no Carmo de São Paulo e no Carmo de Angra dos Reis [...].
Parece que esse templo, de estilo mais antigo que o de Santos, seja o protótipo [...]”249.
As duas igrejas externamente mantêm a unidade do estilo, fachadas despojadas e
simples, no limite da rua. Nas palavras de Bazin, formam uma “suave ondulação de
cada lado do campanário”. As entradas principais estão centralizadas, sob um segundo
andar com três janelas, que dão para o coro. Os dois frontões são em curvados, mas o da
Ordem Terceira mostra-se um pouco mais elaborado. Ao centro, ambos possuem um
óculo trilobado.
A igreja conventual é de nave única retangular e capela-mor profunda. Possui
nove altares: o altar-mor, dois no falso transepto e seis na nave, em estilos e faturas de
diversas épocas. O altar-mor apresenta duas colunas torsas do joanino sobre mísulas e
frontão com uma excepcional tarja rococó, na qual se pode identificar a montanha e as
três estrelas, símbolo da Ordem Carmelita. Os altares laterais estão localizados em
arcadas rasas. Os dois do transepto são da mesma época dos dois primeiros laterais, a
partir da entrada, apenas de dimensões maiores. Possuem duas colunas retas
externamente e dois quartelões simplificados internamente, pousados sobre mísulas
sinuosas. No frontão, temos uma graciosa tarja de perfil rococó.
Os quatro altares laterais centrais, aproveitaram duas colunas torsas adaptadas a
uma estrutura decorativa neoclássica, possivelmente uma invenção do século XIX.
Entronizados, frente a frente, nos dois mais próximos ao arco cruzeiro, temos os pais da
Virgem: São Joaquim e Santana, excelentes peças de madeira policromada e, nos
centrais, Santa Teresa e São José, de gesso policromado.
Nos dois primeiros altares, a partir da entrada, estão a Virgem e a Nossa Senhora
da Boa Morte, de um lado, e uma cópia em gesso da Nossa Senhora de Montesserrat, do
Monastério beneditino espanhol, provavelmente do século XX, no do outro lado.
A instituição da Ordem Terceira no convento de Santos deu-se em data incerta.
Sabe-se que a igreja dos leigos teve a pedra fundamental lançada em 04 de setembro de
249
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa barroca no Brasil, vol. 2, Rio de Janeiro, Editora Record,
1980, p. 251. (1ª edição 1956)
119
1752, dia de Santa Rosa de Viterbo, mas só foi benta em 08 de abril de 1760 pelo
visitador Frei Bento de Sant’Ana250.
A igreja da Ordem Terceira possui um conjunto retabular homogêneo, composto
de seis altares laterais, de mesma tipologia, distribuídos pela nave única. O altar-mor é
um pouco mais recente e está estruturado em duas colunas retas, caneladas, com o
quarto inferior marcado horizontalmente por uma linha de elementos fitomórficos. Toda
a estrutura é simplificada, com ornatos neoclássicos aplicados em planos lisos.
Os seis altares laterais parecem ter sido aproveitados de algum monumento do
século XVII, pois apresentam uma tipologia híbrida: com uma parte antiga composta de
duas colunas torsas do Nacional apoiadas sobre mísulas entre painéis retangulares com
folhas de acanto em talha gorda. O frontão comporta uma pintura central representando
um santo carmelita, ladeada por duas pilastras e elementos decorativos fitomórficos.
Essa estrutura lembra ainda os modelos portugueses do Maneirismo, como os da igreja
nova de Santa Clara de Coimbra, nesta última tendo ao centro um relevo narrativo e no
Carmo esculturas. A esta estrutura interna parece ter sido acrescentada uma coluna de
fuste quadrado, nas duas laterais, entremeadas por painéis com apliques decorativos.
Possivelmente foram acrescentados quando adaptados aos atuais espaços. Finalizando
no topo do retábulo há uma tarja raiada com a insígnia estranhamente dos ‘Descalços’,
ligada ao conjunto por apliques de guirlandas de flores.
Dos seis altares laterais, dois foram deslocados para intervenções de restauro, e o
primeiro à direita a partir da entrada já está ‘restaurado’, destacando-se dos demais por
apresentar cores claras, com fundo branco e elementos decorativos realçados por filetes
dourados, inclusive com a transmutação do pássaro fênix em um pombo. Cores que não
condizem com o estilo dos retábulos, cujo dourado deveria estar predominante sobre
fundos de tons fortes251. O restauro é válido, pois permite que vejamos com detalhes a
forma e o bom entalhe, mas, nesse caso, enfatiza a falta da interdisciplinaridade das
diversas áreas (do restaurador com o historiador de arte) e de um bom estudo pré-
intervenção, com prospecções adequadas e uma boa leitura formal.
Nesses retábulos, encontramos o conjunto dos seis Passos da Paixão de Cristo,
que será estudado em detalhe no próximo capítulo. A partir da porta de entrada,
podemos identificar: Flagelação e Coroação; Prisão e Ecce Homo (deslocado); e, Horto
250
‘Igreja da Ordem Terceira do Carmo da cidade de Santos, São Paulo’, Pasta de Inventário, Arquivo
central do IPHAN, Rio de Janeiro.
251
Esta era a situação da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santos, em novembro de 2014.
120
252
WERMERS, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm, op. cit., p. 182.
253
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, Barroco e rococó nas igrejas do
Rio de Janeiro, Brasilia/DF, IPHAN/ Monumenta, 2006, p. 61.
121
Com três portas na fachada, a igreja de nave única e capelas laterais profundas,
coberta por abóbada de berço, também sofreu algumas reformas no século XIX.
Diferentemente da fachada, a decoração interna conseguiu manter a integridade do
estilo rococó, atribuído ao Mestre Inácio Ferreira Pinto, com destaque para os altares
laterais e o arco-cruzeiro, que já estavam concluídos em 1785. O aspecto da capela é o
de uma preciosa e delicada sala de festa, onde predomina o branco com detalhes
sobressalentes em dourados. “As complementações posteriores foram a substituição da
primitiva capela do Santíssimo, à esquerda do arco-cruzeiro, pela neoclássica atual, e
o aprofundamento das arcadas, configurando capelas laterais, com espaço
provavelmente tomado aos corredores externos de circulação”254.
254
Idem, ibidem, p. 62-63. Espaços que foram decorados no século XIX, pelo artista alemão Thomas
Driendl, com delicados ornatos dourados, que até mesmo um olhar experimentado não distingue, à
122
O estilo dos retábulos dos altares do Mestre Inácio Ferreira Pinto e do seu então
ajudante, Mestre Valentim, estrutura-se no uso das colunas torsas salomônicas e no
coroamento em frontão de linhas sinuosas, com anjos ajoelhados nas laterais. Já a talha
do arco-cruzeiro tem como motivo central, uma tarja coroada por um dossel, com o
monte Carmelo e três estrelas, emblema da Ordem do Carmo. Nas laterais destacam-se
as habituais aletas curvilíneas, decoradas com rocalhas, típicas do rococó carioca.
Há que se destacar na antiga igreja conventual do Carmo do Rio de Janeiro, a
pintura do forro da capela-mor, hoje reduzida a um painel longilíneo com a
representação da Virgem do Carmo entregando o escapulário a São Simão Stock,
atribuída ao pintor José de Oliveira Rosa. E, nas representações em molduras ovais,
decorando o pavimento superior da nave, entre as tribunas, pinturas de José Leandro de
Carvalho, que também executou o quadro móvel da boca da tribuna do altar-mor. No
período colonial a pintura representava a família real aos pés da Virgem do Carmo,
hoje, na mesma posição, figuram os santos carmelitas. Vem da época do Império a
imagem de mármore de carrara de São Pedro de Alcântara, instalada na capela do arco
cruzeiro e oferecida pelo imperador D. Pedro I, bem como o expressivo Crucificado,
doado por D. Pedro II, que se encontra na sacristia. A atual escultura da Virgem do
Carmo do altar-mor é peça do imaginário de São João del Rei, Osni Paiva, do século
XXI, exemplificando uma tradição que continua em terras mineiras.
Fato curioso passou-se com os santos devocionais desta capela. Quando os
carmelitas saíram do edifício para se instalar no novo convento na Lapa, levaram
consigo as principais esculturas devocionais dos altares. Por isso, se desejássemos
conhecer o programa iconográfico original deste monumento, deveríamos recorrer à
Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa. Lá estão os Santos Elias e Eliseu, do altar-
mor, e ainda excelentes conjuntos escultóricos, tais como a Sagrada Família e os dois
santos pestilentos, São Roque e São Sebastião, ajoelhados. Este último, num gesto
inusitado, segura as flechas, em vez de tê-las pelo corpo255.
A história da Igreja dos Terceiros Carmelitas do Rio de Janeiro é conhecida
graças à publicação feita de parte do arquivo pelo seu secretário Bento José Barbosa
primeira vista, dos originais do século XVIII. Assim como a capela do Santíssimo, ela só é visível a partir
da região do arco cruzeiro. Foram mantidas a decoração da arcada e o espaço anterior da capela primitiva,
mudando apenas o retábulo ao fundo.
255
JUSTINIANO, Fátima, ‘São Sebastião. Padroeiro da cidade do Rio de Janeiro’, publicado em Revista
IMAGEM Brasileira, nº 4, Belo Horizonte, Centro de estudos da imaginária brasileira, 2009, p. 137-140.
123
256
SERZEDELO, Bento José Barbosa (coord.), Archivo histórico... op. cit.
257
BATISTA, Nair, ‘Valentim da Fonseca e Silva’, publicado em Revista do SPHAN, nº 4, 1940.
258
‘Era outra das metamorfoses quase infindáveis da Virgem e do Menino – uma metamorfose criada
para satisfação especial dos marinheiros portugueses, que deviam rodear o promontório sul-africano.
Visitando-a nesse local, costumavam assegurar-se (e alguns ainda asseguram) uma travessia a salvo,
levantando os olhos até a Senhora da Lanterna e deixando alguma coisa em sua caixa de esmola’.
Publicado em EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade
de São Paulo e Livraria Itatiaia, 1976 (edição original: 1869), p. 141.
259
OLIVEIRA, Myriam Andrade de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 69.
260
NAIR BATISTA, ‘Valentim da ..., op. cit.
124
261
PESSÔA, José Simões Belmont, ‘Igreja da Ordem Terceira do Monte do Carmo, Capela do Noviciado
e Oratório de Nossa Senhora da Boa Esperança’ publicado em MATTOSO, José (direção), Património de
origem portuguesa no mundo… op. cit.,, p. 304.
262
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa..., op. cit., vol. 2, p. 149.
125
Em resumo, até fins do século XVI, com datação confirmada, existiam no Brasil
quatro conventos da Ordem Carmelita da Antiga Observância: Olinda, Salvador, Santos
e Rio de Janeiro. E outros tantos de data incerta: João Pessoa, Vitória e Angra dos Reis.
Esses três últimos podem ter sido fundados nos últimos anos do século XVI. Os séculos
vindouros serão o período áureo das Ordens Regulares no Brasil, e por consequência,
também da Ordem Carmelita. Portugal viu o número de religiosos carmelitas crescerem
nos seus quadros. Com a abundância de irmãos, muitos eram, então, enviados
anualmente para a colônia265. A partir do Regestum de Chizzolae266, os quatro primeiros
conventos brasileiros formavam “um vicariato, como consta das actas do capítulo que
se celebrou em Lisboa, em 15 de janeiro [de 1595], presidido por Chizzola”267, tendo
como casa mãe da Ordem no Brasil o Convento de Olinda.
No século XVII, veremos transparecer as decisões do Concílio de Trento na
arquitetura e nos programas decorativos das igrejas, principalmente nas escolhas das
venerações dos santos e relíquias dos conventos carmelitas. Ainda como consequência
das transformações do século XVI, teremos a continuidade das reformas teológicas nas
263
Para detalhes, ver OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 71-
72.
264
Idem, ibidem, p. 73.
265
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 32
266
Padre-Geral Fr. João Estevão Chizzola foi o celebrante do Capítulo, onde se tirou novas Normas e
recomendações para os conventos de clausura, conhecidas como Regestum Chizzolae. Como Geral da
Ordem, esteve em visita canônica a Portugal em 1594, visitou Lisboa, Coimbra, Évora, Beja e Vidigueira.
O documento original está em Roma, no Arquivo geral da Ordem Carmelita e foi pesquisado por:
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 126-128.
267
Idem, ibidem, p. 183.
126
268
Segundo Frei Básilio Röwer, as fundações franciscanas foram: Olinda (1585), Salvador (1587),
Igaraçu (1588), Paraíba (1589), Vitória (1591), Recife (1606), Rio de Janeiro (1606), São Francisco do
Conde (1629), Sirinhaen (1630), São Paulo (1636), Santos (1639), Cassarebú (1649), Paraguaçu (1649),
Cairu (1650), Angra dos Reis (1650), Itanhaem (1655), Sergipe del Rei (1657), Amparo (1659), Penedo
(1660), Alagoas (1660) e Boa Viagem (1710). Ver, Páginas da História Franciscana no Brasil,
Petropolis, Vozes, 1941.
269
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 217.
270
Idem, ibidem, p. 219.
271
Segundo Bayón, além dos três conventos, a Vigararia da reforma, até 1745, havia fundado os seguintes
hospícios que nunca chegaram a ser conventos: Hospício de Nossa Senhora da Luz, em Goiana; hospício
de Nossa Senhora da Guia, nos subúrbios da cidade de Paraíba (hoje município de Lucena, do qual
trataremos neste capítulo, pois da primitiva fábrica restou a interessante igreja); hospício do Carmo, no
arraial do Coronel, freguesia de Nossa Senhora da Mata, perto de Olinda; hospício de Nossa Senhora da
Piedade, no litoral deste nome, vizinho da cidade de Recife, em terrenos com capela, adquiridos por
128
segundo Convento dos Carmelitas Descalços (1686). Percorrendo o litoral para o sul,
estão os interessantes complexos arquitetônicos carmelitanos nas cidades históricas de
Marechal Deodoro e Santo Amaro de Brotas, no estado de Alagoas; e São Cristóvão, no
do Sergipe. Na Bahia, em Cachoeira no Recôncavo baiano, e novamente em Salvador,
onde se construirá o segundo Convento dos Carmelitas Descalços (1665). Uma
curiosidade da Ordem Carmelita em território brasileiro é a constatação do número
reduzido de conventos ligados aos Descalços. Foram só dois conventos de Ordem
Primeira dos Descalços, nas cidades de Olinda e Salvador, portanto, nestas duas cidades
ainda hoje existem dois conventos de cada ramo: da Antiga Observância e dos
Descalços.
No Sudeste, depois dos conventos do Rio de Janeiro e de Santos, os frades
instalam-se, na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Partindo do Rio de Janeiro a
caminho de Vitória, existe ainda hoje, na cidade de Campos dos Goytacazes, um
conjunto carmelita, do qual restou a Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Carmo, e parte de uma construção que parece ter sido um hospício para recolha dos
frades de passagem. Ao sul do estado do Rio de Janeiro, na cidade de Angra dos Reis, o
atual complexo foi iniciado com a instalação também de um hospício (com o título de
Nossa Senhora da Assunção) (1593), transformado em Convento alguns anos depois.
No estado de São Paulo, depois de Santos, seguiram-se as fundações na cidade de São
Paulo, capital, e nas de Mogi das Cruzes e de Itu272.
Espirito Santo outro convento; […].” SÁ, Fr. Manoel, Memórias históricas dos illustrissimos arcebispos,
bispos e escritores portuguezes da Ordem de Nossa Senhora do Carmo… opus cit., p. 44-46.
130
273
SIMONSEN, Roberto Cochrane, História econômica do Brasil (1500/1820), 8ª ed., São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1978, p. 358.
274
HONOR, André Cabral, op. cit., p. 27.
275
BAYÓN, Velasco, O. Carm., op. cit., p. 220.
276
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit., p. 56. Obra que foi a fonte de Velasco Bayón
para o quadro sinopse dos ‘logares’ e aldeamentos dos índios, fundados e cristianizados pelos carmelitas.
BAYÓN, Velasco O. Carm., op. cit., p. 236-242. Também para a região ver os textos de AMORIM,
Maria Adelina, Os franciscanos no Maranhão e Grão-Pará. Missão e cutura na primeira metade do
seiscentos, Lisboa: Universidade Católica, 2005; e; Idem, A Missionação franciscana no estado do Grão-
131
O mesmo religioso André Prat esclarece que com a lei da extinção das Ordens
em Portugal, “[…] ficou inteiramente acéfala a vigaria do Maranhão, na qual se
compreendiam os conventos do Pará e que até então estava sujeita à Província de
Lisboa. Surgindo dissenções entre os religiosos do Pará e os do Maranhão, foram
aqueles desligados em 1841 da Vigararia a que pertenciam e incorporados à Província
Carmelitana Fluminense: continuando a Ordem no Maranhão a manter-se sobre si,
com personalidade jurídica própria, sem dependência de outra congregação ou
província religiosa”277.
3.2.1 Maranhão, São Luís, Convento de Santa Ana das Cruzes (1616)
Pará e Maranhão (1622-1750). Agentes, estruturas e dinâmica, Lisboa, Universidade de Lisboa, 2011,
com documentos publicados sobre os carmelitas na região: vol. II, p. 331-332; 343, 344, 537-544, etc.
277
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas... op. cit., p. 198.
278
BAYÓN, Velasco O. Carm., op. cit., p. 107.
132
estava situado “[...] no meio da cidade de São Luiz, com o frontispício para o poente,
tem duas torres, uma de cada banda, as janelas dos dormitórios são para a parte do
mar, tem” uma boa cerca, povoada de muitas e variadas plantas frutíferas, toda
murada de pedra e cal. A igreja tem 160 palmos de comprido e 50 de largo. A capela-
mor é muito formosa, o seu comprimento são 40 palmos, a largura 30, a tribuna é de
talhas cobertas de tintas e ouro e é a melhor que há na cidade. Tem uma milagrosa
imagem de Nossa Senhora Mãe Santíssima, de seis palmos; da parte do Evangelho está
nosso proto-patriarca, S. Elias, e da parte da Epístola nosso Padre Elizeu. Dentro,
nesta capela-mor, há coro que tem duas ordens de cadeiras de pau de cedro,
curiosamente lavrado. Saindo da capela-mor, tem duas capelas colaterais, a da parte
do Evangelho é de santa Luzia, a da parte da Epístola, de Santo Amaro.
Dentro do cruzeiro há duas capelas, a da parte do Evangelho tem a milagrosa
imagem de Cristo Nosso Senhor com a cruz às costas, que está recolhido em uma
pequena tribuna; a principal nobreza desta terra serve a esse Senhor em uma bem
organizada irmandade. A parte da Epístola é do Santíssimo Sacramento. Em uma
tribuna está a Senhora da Piedade, e da parte de fora dela as imagens da Senhora da
Penha de França e da Guia. É a Senhora festejada nestes títulos com grande
solenidade [...]”279.
O religioso ainda relata a existência de uma excelente livraria dos Padres da
igreja, composta de muitos livros sobre teologia e filosofia. Infelizmente hoje só
encontramos no local uma igreja do século XX, dedicada a Nossa Senhora do Monte
Carmelo. Ao lado ainda podemos ver um edifício, que muito provavelmente era o
convento, remodelado. O atual conjunto já não se encontra mais aos cuidados da Ordem
Carmelita, e sim dos padres redentoristas, depois de ter sido abandonado desde fins do
século XIX, permaneceu, no entanto, a devoção a Virgem do Carmo, dando identidade
histórica ao local.
279
SÁ, Fr. Manoel, Memórias dos arcebispos, apud BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm., op. cit., p. 267.
133
280
Em 2007, resolvemos fazer a viagem pelo rio Amazonas, de Manaus a Belém. Desistimos na cidade de
Santarém, meio do caminho, depois de uma semana num barco de porte médio, que ficava a maior parte
do tempo isolado no meio do largo rio, seguindo lentamente, sem contato com as margens. A partir de
Santarém, pegamos um voo de hora e meia, que nos deixou em Belém, em vez de mais cinco dias pelo
rio. A narrativa dessa viagem tem a intenção de valorizar o trabalho desses missionários, pois se, em
pleno século XXI, a viagem ainda é monótona e longa, podemos imaginar nos séculos XVII e XVIII.
134
pela de cantaria, encomendada em Lisboa, entre os anos de 1750 e 1756. Isto porque a
igreja antiga não suportou o peso da fachada em pedra, precisando ser demolida e
reconstruída. Para a sua reconstrução, entra em cena o arquiteto italiano Antonio
Landi281, figura que terá grande importância na cidade de Belém. “A fachada [da igreja
conventual] cuja autoria se desconhece, rasgada por tripla arcada, com nártex e coro
alto, seguindo uma tipologia comum em templos da ordem, foi montada encostada à
nave da igreja, que não resistiu ao peso e teve que ser demolida. Foi então que
interveio Landi com um projeto para um novo templo, com a obrigação, porém, de
manter a fachada feita em Lisboa”282.
A obra foi inaugurada em 1766 e o projeto tinha planta em forma de cruz latina
e uma capela-mor quadrada rematada por cúpula, que não chegou a ser construída. A
capela-mor manteve a talha dourada, do período barroco, porém, os altares laterais já
são de gosto neoclássico, de princípios do século XIX.
284
MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho, O contributo de António José Landi para as artes decorativas
no Brasil colonial: (composições retabulares em madeira, estuques, e pintura de quadratura), Porto,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
136
285
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p.187.
286
SÁ, Fr. Manoel, Memórias históricas... op. cit., cap. LXIV, p. 329-330.
137
A fachada da igreja do Carmo tem o corpo principal retangular, ladeado por duas
torres. Uma portada singela decora a porta principal. Cinco janelas estão alojadas no
segundo andar, sendo duas no espaço das torres. Um frontão triangular com um
sugestivo movimento convexo foi aplicado sobre a estreita cimalha superior. À direita,
um pequeno cômodo, que parece ser tudo o que sobrou do convento, apresenta uma
porta centralizada e um óculo circular. Sobre a porta há uma portada com um escudo,
magnificamente talhado, representando as armas da Ordem.
A decoração interna apresenta um vasto repertório de estilos. Os altares foram
sendo construídos lentamente, por isso encontramos o belo retábulo-mor e o púlpito no
barroco joanino, com revoadas de anjos e querubins, em madeira policromada e dourada
e o retábulo da capela do Santíssimo já rococó. Apresenta na nave e capela-mor um
“silhar de 9 azulejos de alto, conforme com os protótipos ornamentais policromos de
almofadas e florões sobre fundos marmoreados de fabricação corrente das oficinas de
Lisboa, entre 1795-1805”288.
287
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Convento e Igreja do Carmo, Alcântara’, Resumos históricos, Pasta de
Inventários, Arquivo central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
288
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 188.
138
3.3.1. Paraíba
O atual estado da Paraíba fazia parte da capitania de Itamaracá até ser criada a
capitania da Paraíba, em fins do século XVI. Neste principio, esteve constantemente nas
mãos dos estrangeiros, primeiro dos franceses, que vinham com a intenção de comerciar
289
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘Pia da sacristia do convento do Carmo de Alcântara’,
Laudo Técnico, Pasta de Inventários, Arquivo Central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro.
290
Em visita à cidade de Alcântara (1999) para a curadoria da exposição 500 anos dos descobrimentos,
deparamos com essas mesmas esculturas: Nossa Senhora do Carmo, Santo Elias e Santo Eliseu, na
reserva técnica do Museu Regional da cidade. Tivemos, então, a oportunidade de vê-las de perto. São
quase de tamanho natural e de excelente fatura.
291
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Convento e Igreja do Carmo, Alcântara’, Resumos históricos, Pasta de
Inventários, Arquivo central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
139
com os nativos o pau-brasil e depois dos holandeses, que permaneceram por cerca de 40
anos, até, novamente o domínio dos portugueses. A base da economia sempre foi o
plantio da cana de açúcar.
Os carmelitas vieram na expedição de Frutuoso Barbosa, fidalgo português, para
fundar o primeiro convento da Ordem do Carmo, na cidade da Parayba (hoje João
Pessoa). Porém, o destino não quis e a armada acabou indo parar em Pernambuco. Lá os
religiosos fundaram o convento de Olinda, como vimos no começo deste capítulo. Anos
depois, alguns frades carmelitas chegaram a João Pessoa, onde ergueram um convento e
a igreja, e, ainda aldeias, e na cidade de Lucena, edificaram um hospício, com a capela
de Nossa Senhora da Guia.
292
SÁ, Fr. Manoel, apud PINTO, Irineu Ferreira, Datas e notas para a história da Paraíba, Paraíba,
Imprensa oficial, 1908, p. 32.
140
293
HONOR, André Cabral, op. cit., p. 25.
294
CARVALHO, Juliano Loureiro de, ‘Igreja de Santa Teresa e Casa de Oração (Ordem Terceira do
Carmo)’, publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op.
cit., p. 120-121.
141
púlpitos, dois nas paredes laterais, como de praxe, e, dois na parede do arco cruzeiro. Os
quatro podem ser utilizados, pois possuem escadas de acesso. E o mais curioso: eles
apresentam a mesma tipologia formal, possuindo ornatos em estilo rococó. Foram,
portanto, confeccionados em períodos próximos.
Frei Lino do Monte Carmelo descreveria este templo como o melhor da
província carmelita, por ser todo em pedra, “até mesmo a talha e relevos dos seus
altares, colunas, nichos e tudo o mais que concerne à beleza de um altar, sobressaindo
em todos o dourado polido”295.
A planta da nave apresenta os cantos do arco cruzeiro chanfrados, elemento que
introduz movimentação ao espaço. As paredes da nave e a capela-mor estão decoradas
com barrados de azulejos, integrados aos altares, com temática ligada à ordem
carmelita. Segundo Santos Simão, os azulejos são magníficos exemplares do tipo
oficinal lisboeta, de cerca de 1750296. Na nave o tema dos quadros pertence ao
hagiológio carmelita com Nossa Senhora do Carmo dando o escapulário a diversos
santos. A pintura é cuidada e tem principal interesse nos fundos de paisagem e na
vegetação. “[...] Na capela mor há dois grandes painéis, de mesmo tipo dos azulejos da
nave, [...] Representam do lado do evangelho, Nossa Senhora do Carmo entre anjos,
aparecendo a um grupo de frades ajoelhados, entre os quais se destaca, na frente, o
que está nimbado: São Simão Stock. Do lado da epístola vemos Nossa senhora do
Carmo abrigando sob o manto religiosos e monges [...]”297
O altar-mor apresenta dois pares de colunas torsas entremeadas por motivos
fitomórficos e frontão superior que acompanha a terminação curva do forro, composto
de elementos diversos, estando ao centro a tarja com o símbolo da ordem, sustentada
por dois anjos. Sobre a mesa uma maquineta guarda a imagem da Virgem do Carmo, de
pequena proporção, e, nos entremeios das colunas Santo Elias e Santo Eliseu, peças de
grandes dimensões e fatura local. No topo do trono vemos hoje um Senhor do Sagrado
Coração de Jesus de gesso policromado que não se integra a composição do retábulo.
Os altares laterais estão estruturados em duas colunas retas, com o ramo
fitomórfico enrolado, ao modelo do retábulo mor, porém sem a torção. A base destes
quatro retábulos é pesada composta pela mesa e duas camadas horizontais decoradas
com tarja vazada de gosto rococó ao centro. O frontão superior é desproporcional, muito
295
MONTE CARMELO, Frei Lino, apud CARVALHO, Juliano Loureiro de, op. cit., p. 121.
296
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 209.
297
Idem, ibidem, p. 210.
142
pequeno, tem ao centro o mesmo tipo de tarja dos elementos estruturais da base. Os
santos entronizados nestes altares, são no da direita o Senhor dos Passos, e, no da
esquerda a Sagrada Parentela, ao centro a Virgem, São José e o Menino Jesus, nos
entremeios das colunas Santana e São Joaquim. Nos dois colaterais há duas pinturas
representando Nossa Senhora do Rosário e Santa Teresa, assim como, existem dois
painéis ovais, acima dos altares, de um lado com a pintura de Nossa Senhora do Carmo
e do outro o êxtase de Santa Teresa.
298
HONOR, André Cabral, op. cit., p. 24.
143
3.3.2 Pernambuco
A vila de Goiana que deu nome ao rio que a cerca, no século XVIII, segundo
palavras do frade franciscano Loreto Couto, ficava “[...] a treze léguas de Olinda, e oito
de Igarassu, tem mais de 600 vizinhos, é governada por um capitão mor, Juiz ordinário,
o ouvidor. O convento de Nossa senhora do Carmo é magnífico. A igreja paroquial e a
da misericórdia são suntuosas, e quatro templos muito asseados e ricos. Nesta
freguesia são moradores quase dez mil pessoas de confissão”300.
Sabemos, portanto, que na singela cidade existiam outros sete templos, incluindo
o dos Carmelitas, para uma população de dez mil pessoas de ‘confissão’. As
informações sobre a história do complexo arquitetônico dos Carmelitas, incluindo o
Convento de Santo Alberto, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja de Santa Teresa
dos Terceiros, são escassas.
299
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana… op. cit..
300
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 169.
146
Fig. 18 – Convento de Santo Alberto, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja de Santa
Teresa, Goiana, Pernambuco. Foto de Augusto Stahl, c. 1859 (Fonte: LAGO, Bia Corrêa do,
Augusto Stahl. Obra completa em Pernambuco e Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Capivara,
2001, p. 77 e 78; e, https://www.google.pt/maps)
Germain Bazin informa que o convento foi fundado em 1666 pelo provincial da
Ordem, Frei Alberto do Espírito Santo. Foi reconstruído em 1678, data em que se
lançaram os alicerces do atual, pelo prior geral, André Vidal de Negreiros, que deixou
em testamento, em 1680, 120 arrobas de açúcar branco por ano ao convento, por um
período de 10 anos. Um ano mais tarde, o convento conseguiu um subsídio anual para a
sua construção301.
A edificação conventual situa-se ao redor de um claustro retangular, avarandado
internamente, em dois andares. No primeiro, arcos plenos dão acesso ao jardim e, no
segundo, fechado, a luz penetra através de janelas retangulares. A impressão é a de que
houve obras de renovação na estrutura arquitetônica deste claustro, pois está desprovido
de qualquer elemento em pedra calcária, como observado na fachada e em outras igrejas
301
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa ... op. cit., vol. 2, p. 120.
147
da cidade. Bazin acredita que a entrada do convento se dava por um pequeno alpendre,
do qual ainda restam as duas colunas adossadas na parede302, varanda que ainda existia
e pode ser vista na foto de Augusto Stahl, de cerca de 1860303.
A construção atual talvez seja de 1719, data que se encontra na pintura do teto
da portaria, a qual representa os profetas Elias e Eliseu, e em duas das três tarjas com
textos manuscritos do cruzeiro situado defronte à igreja, cuja tipologia é própria dos
conventos franciscanos. Aliás, esse cruzeiro apresenta, segundo Germain Bazin,
influência oriental e a seguinte inscrição: VOS FRN EM ELEVANTAR ESTS CRUS
TA /IMPORTANTE SER / HU SERAPHIM AMANTE QUIZESTE / SIGNIFICAR.
O CAMINHAN Q VAS ESTA OBRA Q A QUI / VEZ A VIRGE DO / CARMO A
FES POSTO Q AFONSO A FAZ / 1719304.
É um extraordinário cruzeiro, hoje integrado a uma praça arborizada, diluído na
nova paisagem da cidade, perdendo um pouco o seu caráter monumental, que ainda
transparecia na foto de Augusto Stahl305. Na realidade, existem três tarjas manuscritas
no cruzeiro, falta, portanto, uma das inscrições ao texto apresentado pelo historiador
francês Germain Bazin. A inscrição faltante seria: LAOS SE RAPHINS FORT [...] AO
// aquelle throno de luzes // de suas azas ires cruzes // em q se crucificavão // E 1719 A
Unindo as três partes, o texto original, podendo variar a ordem, ficaria assim:
302
Idem, ibidem, p. 120.
303
Augusto Stahl, c. 1859, publicado em LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl... op. cit., p. 77 e 78.
304
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa ... op. cit., vol. 2, p. 120.
305
Foto de Augusto Stahl, c. 1859, publicada em LAGO, Bia Corrêa do, Augusto Stahl ... op. cit., p. 77 e
78.
148
convento, e, em fins do século XVII aderiu à Reforma Turônica. Motivo pela qual não
conhecemos o andar das obras de sua edificação, pois houve muitas desavenças entre os
frades calçados e os reformados: “O padre fr. João de S. José com o favor del Rey D.
Pedro II, introduziu a reforma da Província da Turônica em França, fazendo lhe sua
majestade mercê, que se erigisse o convento, no sitio que hoje se acha, por decreto, que
se acha registrado no L. 7 dos registros da Secretaria deste governo, em vinte e dois de
Maio de 1687; não tem determinado número de religiosos, ao presente vivem [1757]
neste magnífico convento quarenta e cinco”306.
306
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 163.
151
307
MENEZES, José Luiz Mota, ‘Igreja e Convento do Carmo. Recife, Pernambuco, Brasil’ publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit.,, p. 164-165.
152
esses que, mais tarde, foram firmados com algumas ampliações, por ato do Padre
Visitador, lavrado no convento do Carmo de Recife, em 1704308.
Em 1710, “mediante as competentes licenças foi a Ordem solenemente
trasladada para a sua Igreja, na qual continuou o exercício de suas funções309, sem, no
entanto, devolverem a capela ao Convento, o que só ocorreu em 1752, depois de
algumas querelas resolvidas amigavelmente entre a Ordem Terceira e os frades do
Convento. A construção da igreja dos terceiros começou por volta de 1700, no terreno à
esquerda e recuada em relação à Ordem primeira, sendo concluída em 1737310.
A atual fachada é de estilo pombalino, com portadas em pedra de lioz,
importadas de Lisboa. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, “estas portadas
contrastam pitorescamente com o desenho sinuoso da cimalha e frontão concluídos em
1793, típicos do rococó pernambucano”311. Parece ter sido uma constante da Ordem do
Carmo, no Brasil, a importação de portadas e elementos decorativos de Lisboa, pois o
mesmo fato se passa com a igreja de Belém e a do Rio de Janeiro.
A Igreja é dedicada a Santa Teresa, portanto, no altar-mor, sobre a mesa,
encontra-se a sua imagem, acompanhada pela de São José e a de Nossa Senhora do
Carmo. No centro do altar temos o Crucificado, que fecha o programa iconográfico dos
Passos instalados nos altares laterais. Em descrição do frade Loreto Couto, os terceiros
carmelitas, tinham, na primeira metade do século XVIII, “[...] uma famosa igreja de
admirável arquitetura, com sete capelas de maravilhosa talha dourada. Compõe-se esta
ilustre ordem de 2000 irmãos, que se empregam em obras de piedade, e devoção. As
suas festividades e procissões fazem com toda pompa e solenidade”312.
A atual decoração não é mais a primitiva, em estilo barroco, mas sim, da
primeira metade do XIX, em estilo neoclássico. A igreja foi remodelada em 1813, pelo
entalhador Felipe Alexandre Silva, que trabalhou nela até cerca de 1830. Possivelmente,
nessa reforma ocorreu a troca dos retábulos, mantendo, porém, nos nichos, as belíssimas
308
PRAT, Fr. André, O. Carm., ‘Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Recife’, Resumos históricos, Pasta
de Inventários, Arquivo central do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
309
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana ... op. cit., p. 149. Ver pesquisas recentes de
CANHA, Elaine Cristina, ‘A Ordem terceira do carmo e a sua atuação em Pernambuco nos séculos XVIII
e XIX’, publicado em Mneme, revista de humanidades, Anais do II encontro internacional de história
colonial, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Cairó, v. 9, nº 24, set/out. 2008. Disponível em
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais .
310
MENEZES, José Luiz Mota, ‘Capela da Ordem Terceira do Carmo de Santa Teresa, Recife,
Pernambuco, Brasil’ publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no
mundo… op. cit.,, p. 165-166.
311
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SOUZA, Emanuela, Barroco e rococó... op. cit.
312
LORETO COUTO, D. Domingos, op. cit., p. 157.
153
e mais coisas necessárias para a dita obra. E para este efeito ordenamos a vós, como
prefeito da fábrica, que lhes deis toda autoridade, e a assistência oportuna para o fim
que desejamos em honra de Deus, veneração dos seus santos, e ornamento do nosso
templo Vaticano. [...]. Dado no nosso Palácio Apostólico no Vaticano, em 26 de junho
de 1725. Benedicto P.P. XIII”313.
A identidade destes santos aparece na obra o Thesouro Carmelitano, de Frei
Joseph Jesus Maria314, grande êxito editorial, com mais de seis reedições ao longo do
século XVIII. No capítulo XVII, De alguns santos da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo, o cronista apresenta uma lista de 30 nomes, divididos entre
Mártires, Confessores e Virgens e Penitentes: “Classe de Mártires: Santo Eduardo Rey
de Inglaterra, Santa Efigenia, Santa Silvania, Santa Flavia Domitila, Santa Tecla,
Santa Basilia, São Proto, São Jacinto, Santa Leocadia, Santa Eugenia.
Classe de Confessores: Santo Esperidião Bispo, São João Vesco, Santo Amador,
Santo Henrique de Grey, São Luís Rei de França. (Este santo [...], foi terceiro de todas
as quatro ordens mendicantes, a saber, do Carmo, Agostinho, Franciscano e
Dominicano; [...])
Classe de Virgens e penitentes: Santa Angela de Arena, Santa Isabel rainha da
Bohemia, Santa Maria Egipciaca, Santa Verônica, Santa Arcângela de Trino, Santa
Petronila, Santa Melania, Santa Ângela princesa de Bohemia, Santa Joana de Regio,
Santa Cirila, Santa Alexandra, Santa Marinha, Santa Theodora, Santa Pelagia, a Beata
Francisca de Ambroize”315.
Parece-nos evidente que os santos carmelitas de Recife foram simplesmente
colhidos dentre a relação do autor. Assim como podemos imaginar,
também, que exemplares desse livro se encontravam com certa
facilidade nas Livrarias dos Conventos Carmelitas, no Brasil e, em
particular, em Pernambuco.
313
SÁ, Fr. Manoel, Memorias historicas..., op. cit, p. 533.
314
Frei Joseph Jesus Maria, tem nacionalidade portuguesa, nascido em Lisboa, no dia 30 de outubro de
1660. Vestiu o hábito em 1679 ainda em Lisboa e fez a profissão em Goiana, Pernambuco um ano depois.
De regresso a Portugal, por razões familiares, exerceu o cargo de Comissário da Ordem Terceira,
primeiro em Vila Franca de Xira e depois em Lisboa, onde morreu em 1727. Cf. BAYÓN, Balbino
Velasco, O. Carm., op. cit., p. 338.
315
MARIA, Frei Joseph Jesus, Thesouro Carmelitano... op. cit., p. 175.
155
316
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 275.
158
317
FILHA, Maria Berthilde Moura, ‘Igreja e Convento do Carmo São Cristóvão, Sergipe, Brasil’,
publicado por MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 214-
216.
318
‘Convento e Igreja do Carmo de Sergipe’, Pasta de Inventário, Arquivo central do IPHAN, Rio de
Janeiro.
319
Transcrição feita no dia 20 de agosto de 1960, pelo Dr. Carlos Ott. Inventários de 1780 e 1820. Os
inventários estavam registrados no Livro de Receita e Despesa, Inventário do Convento do Carmo de São
Cristóvão, fls. 45-47v e 56v-57. Documentos pertencentes ao Arquivo do Carmo de Salvador.
160
320
Esse forro da sacristia já mereceu alguns estudos: ORAZEM, Roberta Bacellar, Análise da arte e da
história do período colonial dos Carmelitas Descalços em São Cristóvão/ SE, Universidade Federal de
Sergipe. Da mesma autora ‘A presença de Santa Teresa de Jesus em Igrejas de Ordem Terceira Carmelita
em Bahia e em Sergipe’, publicado em XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009. E ainda
ORAZEM, Roberta Bacellar, ‘Um importante modelo de santidade feminino contrarreformista: Santa
Teresa d’Ávila e sua representação nas igrejas de associações de leigos carmelitas em Sergipe e Bahia
colonial’, publicado em Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá (PR) v. III, nº 9, jan/2011.
Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html.
321
‘A ordem Terceira possui um pequeno claustro de três arcadas de cada lado, cujos arcos são
decorados com uma concha, motivo encontrado na porta da fachada e no lavabo da sacristia, o que nos
leva a pensar que este claustro pertence à mesma série de trabalhos da igreja’. BAZIN, Germain,
Arquitetura religiosa... op. cit., vol. 2, p. 178.
161
3.3.5 Bahia
Fig. 25 – Convento e Igreja conventual, e, Igreja de Ordem Terceira de Santa Teresa, Cachoeira,
Bahia. (Fonte: https://www.google.pt/maps )
322
LACERDA, Ana Maria, ‘Convento e Igreja do Carmo de Cachoeira, Bahia, Brasil’ publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 80-81.
163
Paço da Câmara, a Casa da Moeda, quartel, pensão e hospital. Hoje foi transformado em
uma pousada.
A Igreja conventual tem fachada compartimentada. No primeiro andar, uma
galilé de cinco arcos na altura da rua e dois na lateral, estes são rebatidos no segundo
andar por janelas que iluminam internamente o coro alto. O frontão central sinuoso é
aplicado sobre uma cornija retilínea. Na falta das torres sineiras, que não chegaram a ser
concluídas, foram implantados dois pequenos frontões sinuosos, repetindo a tipologia
do central, que, na opinião de Germain Bazin, tem influência chinesa, e está presente no
rococó de Portugal323.
Existe uma terceira torre situada à direita, recuada da linha principal da rua,
como na igreja conventual de São Cristóvão. A planta é simples, composta de nave
única, corredores laterais superpostos por tribunas e capela-mor profunda. Do seu
interior, restou pouco da primitiva fábrica. Ficaram azulejos em uma das capelas da
nave, segundo Santos Simões, “são dois painéis de pintura azul, de tipo figurado, com
enquadramentos concheados, de transição para o rococó: entre os elementos
ornamentais já está bem definida a ‘asa de morcego’ e outros termos gramaticais deste
gosto. A figuração, também convencional, representa alegorias bíblicas – Transporte
da arca da aliança, e O milagre da multiplicação dos pães – [...] o desenho é correcto,
acusando as características da fabricação lisboeta do período da grande produção
setecentista. [...] se devam datar do período de 1760-70”324.
E há ainda quatro colunas salomônicas primorosamente entalhadas do altar‐mor,
forros com pintura ilusionista atribuída à escola de Antônio Simões Ribeiro e José
Joaquim da Rocha, e a belíssima decoração rococó da sacristia (1780). Nesta última,
existem também altar em talha joanina, dois arcazes e lavabo em pedra de lioz. Vale
ressaltar o conjunto de esculturas do século XVIII, em sua maioria depositadas no
Museu da Ordem Terceira.
A partir de 1928, o Convento esteve abandonado por um longo período, sem
serventia. Só muito mais tarde, o IPHAN intervém, com uma grande obra de restauro na
sua estrutura arquitetônica. O Convento, transformado em pousada, perdeu praticamente
toda a decoração móvel, mas manteve as características conventuais: claustro central,
portaria, e celas, que se transformaram em quartos.
323
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., vol. 2, p. 12.
324
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 56-57.
164
325
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., vol. 2, p. 13.
326
Idem, ibidem, vol. 2, p. 13.
327
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p.61.
165
328
Idem, ibidem, p.62.
329
‘Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Bahia’, Pasta de Inventários, Arquivo central do Instituto
Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro.
166
delicadas. Para Maria Helena Ochi Flexor, “atribui-se sua execução ao mestre pintor
José Teófilo de Jesus, mas não há prova documental dessa autoria”. O artista teria feito
as pinturas do teto em algum momento, entre 1802 e 1847. São onze quadros,
distribuídos em toda extensão da nave, desde o arco cruzeiro até o coro, com temática
concentrada em fatos narrativos da história carmelita330.
Para a estudiosa da região, Roberta Bacellar Orazem, existe uma predileção em
representar Santa Teresa de Ávila nas pinturas da igreja. Das trinta e duas pinturas
existentes, oito são de temática teresiana331, muito lógico, sendo ela a padroeira da
Igreja. Duas estão no forro do coro e outras seis, no teto da nave central, incluindo,
cinco com representação da vida de São João da Cruz, parceiro de Santa Teresa nas
questões místicas e na Reforma dos Descalços. As cenas sobre a vida de Santa Teresa
são: “o Casamento místico de Santa Teresa com Jesus Cristo; a Transverberação ou o
Êxtase de Santa Teresa; A Virgem do Carmo e o Menino Jesus entregam os
escapulários para os santos reformadores da Ordem – Santa Teresa de Jesus e São
João da Cruz; as quatro principais devoções da Ordem do Carmo: Virgem Maria,
Menino Jesus, Profeta Elias e Santa Teresa de Ávila; Jesus Cristo entrega o seu
Sagrado Coração para Santa Teresa de Ávila na presença da Santíssima Trindade, São
João da Cruz e a monja; São José de Botas guia Santa Teresa de Jesus e monjas
carmelitas descalças”332.
Se comparada à igreja conventual, parece que só por intercessão da Virgem do
Carmo ou de Santa Teresa, e, mais plausível, pelo uso e zelo da Irmandade atuante na
cidade, pode-se explicar a sobrevivência desta igreja em perfeito estado de conservação.
É uma preciosidade a decoração interna, ao integrar altares barrocos de diferentes fases
com os azulejos rococós, as pinturas entre tribunas e púlpitos, e o forro, criando uma
ambientação exuberante e, ao mesmo tempo, complexa e harmoniosa.
A igreja de Cachoeira possui os sete Cristos dos Passos da Paixão, mas,
diferentemente das ordens terceiras já estudadas, eles não ficam nos altares da igreja,
330
FLEXOR, Maria Helena Ochi; LACERDA, Ana Maria e SILVA, Maria Conceição Barbosa da Costa
(Org.), Conjunto do Carmo de Cachoeira, op. cit., p. 75.
331
Santa Teresa foi escolhida patrona dos leigos, independente de estarem eles ligados ao Carmelo da
Antiga Observância ou aos Descalços. Um fato interessante, talvez, em decorrência desta escolha, é o uso
da tarja dos Descalços nas igrejas da Ordem Terceira, até mesmo naquelas construídas ao lado de um
convento da Antiga Observância, como na igreja de Recife. Na Igreja conventual da mesma cidade a tarja
é dos Calçados e a da fachada da Ordem Terceira é dos Descalços. É, também, o caso de praticamente
todas as igrejas mineiras, em São João del Rei na fachada a tarja é dos Calçados e a tarja do altar-mor é
dos Descalços.
332
ORAZEM, Roberta Bacellar, ‘Um importante modelo de santidade feminino contrarreformista: Santa
Teresa d’Ávila ... op. cit.
167
mas na sala dos santos. Estão acomodados num armário de portas compridas decorado à
‘chinoiserie’. Cinco esculturas do conjunto apresentam a curiosidade de ter traços
fisionômicos com um suave repuxado dos olhos. Por esse motivo, costuma-se dizer que
vieram de Macau. Porém, observando-as melhor, não nos pareceu possuírem nenhuma
outra característica que pudessem enquadrá-las na arte oriental.
À primeira impressão, diríamos terem sido feitas por um mesmo artesão, que
lhes dera características tipológicas idênticas, a partir de um modelo (uma escultura ou
uma gravura) de olhos repuxados, ou ainda, incutindo nas imagens características da
população da região, os índios do continente americano possuem características
mongóis. O Crucificado e o Senhor dos Passos estão nos retábulos da Igreja, o primeiro,
no altar-mor e o segundo, no altar colateral, à direita. O Senhor dos Passos parece ser
um pouco anterior aos demais, porém o Crucificado foge ao estilo, assunto que iremos
abordar com mais detalhes no capítulo específico.
O atual estado do Espírito Santo fazia parte da capitania com o mesmo nome, do
donatário português Vasco Fernandes, que fundou em 1535, a atual cidade de Vila
Velha. Porém o local era muito vulnerável aos ataques dos grupos indígenas que viviam
na região, e também, das nações estrangeiras, franceses e holandeses que buscavam
riquezas. Desta maneira a capital foi transferida para a Ilha de Santo Antonio, na Baia
de Vitória. A então Vila Nova do Espírito Santo foi fundada em 8 de setembro de 1551.
É uma das três capitais do Brasil localizada em uma ilha.
O estado estava situado entre as principais cidades do então conhecido Brasil, o
que despertou interesse de todas as ordens religiosas, mas principalmente dos jesuítas,
que fundaram importantes aldeias e colégios na região e que ainda hoje podem ser
visitados: Anchieta, antiga Aldeia de Reritiba e Aldeia dos Reis Magos. Localidades
que se encontram em regiões estratégicas, ao norte e outra ao sul da atual capital,
Vitória. Desta maneira, servindo de parada e estalagem para os viajantes no longo litoral
brasileiro.
Na cidade de Vitória ainda é possível encontrar igrejas representativas das
principais organizações religiosas do período colonial, a catedral, Igrejas de Irmandades
como Nossa Senhora do Rosário e São Gonçalo Garcia e resquícios de algumas ordens
religiosas: jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas. Infelizmente com o
desenvolvimento da cidade, a grande maioria foi mascarada com reformas no século
XIX e XX, como é o caso do complexo dos carmelitas que veremos a seguir. Para nossa
lástima, muito deteriorado e descaracterizado ao longo dos últimos dois séculos, mas
que ainda mantém a Igreja conventual e o convento de pé, com outras funções e outros
donos.
333
FILHO, Pedro Canal (org.), O convento de Nossa Senhora do Carmo, Vitória, Edufes, 2010. (Vitória
em Monumentos, serie 1, vol. 2)
170
Senhora das Neves. A construção passou, então, para as mãos do poder civil, servindo
de quartel.
Quando se criou a Diocese do Espírito Santo, em 1895, pela Bula Papal
Sanctissimo Nostro, de Leão XIII, o convento retornou para as mãos de religiosos,
porém, não mais dos Carmelitas. Serviu, então, de colégio feminino, com a instalação
do Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, quando se substituiu a padroeira e se criou
a Associação das Filhas de Maria334.
A igreja conventual, nesta época, também recebeu uma nova decoração interna.
O altar-mor teve desenho de André Carloni, e foi executado pelo italiano Giuseppe
Giovaroti335, nada restando do período colonial. Hoje o convento está aos cuidados da
Mitra, e a igreja continua aberta ao público. Nela ainda acontecem diversas
manifestações religiosas.
334
FILHO, Pedro Canal (org.), op. cit.,
335
Giuseppe Giovaroti, entalhador italiano, foi o primeiro a chegar a Vitória, em 1894. Entre outras obras,
fez o Teatro Melpômene, inteiramente construído em madeira (pinho-de-riga) importada da Suécia, daí o
apelido que recebeu de "Teatro de pau”. Para esta obra, veio também, o decorador Spiridione Astolfoni,
natural da província de Pádova, Itália, em 1895, que tinha um jovem patrício André Carloni, então com
13 anos, como ajudante.
171
336
Ver neste capítulo o Convento de Santos e Rio de Janeiro.
172
com arcadas no andar inferior e varandas no piso superior, que perdeu duas alas laterais,
só restando as que ladeiam a igreja e a fachada.
O crescimento da Ordem na cidade foi rápido no século XVII. Conta-se que, em
1623, já estava pronta a ‘igreja nova’ em terrenos doados por Dona Custódia Moreira,
inclusive onde havia em funcionamento também uma irmandade dos leigos337. As duas
igrejas do conjunto mantêm externamente a unidade do estilo: fachadas despojadas e
simples, na mesma linha da rua, dando para um pátio espaçoso. Ambas apresentam
portas centralizadas e três janelas no segundo andar que iluminam o coro alto. Os
frontões semicurvados tendem à verticalidade e apresentam volutas nas extremidades.
Na igreja dos Terceiros, o frontão termina em ponta triangular e, na dos frades em um
segundo frontão minúsculo. Os frontões têm, ao centro, um óculo trilobado, sendo que o
da Ordem Primeira é um pouco mais elaborado.
Na fachada da igreja conventual a portada tem trabalho de cantaria com o
arenito da região. O mesmo material é usado nas cercaduras das janelas, inclusive, nas
da igreja da Ordem Terceira.
A igreja conventual apresenta planta retangular com a implantação da capela-
mor a partir do arco cruzeiro. A decoração interna está restrita ao altar-mor e dois
altares laterais, o primeiro já de princípios do século XIX. Sabemos, pelo catálogo de
uma exposição idealizada no Convento em 1995, que o programa iconográfico da Igreja
do Carmo é o comumente empregado pelo Carmelo no Brasil: Nossa Senhora do Carmo
ladeada de Santo Elias e Santo Eliseu no altar-mor. Quanto aos altares laterais, eram
dedicados a Santa Teresa, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora da Conceição,
Santo Antônio e Santa Bárbara. Hoje as invocações do altar-mor foram mantidas, e nos
dois altares colaterais estão Nossa Senhora do Rosário e Menino ao centro, ladeada por
São Joaquim e São José. No do lado da epístola encontramos Nossa Senhora da Saúde,
ao centro, ladeada por São João Batista e Santa Luzia.
337
‘O Carmelo em Angra dos Reis’, Catálogo da exposição, Angra dos Reis, 1995.
173
ficou como o testemunho da sua fundação, pois, muito pouco se conseguiu apurar de
sua história.
Internamente a igreja possui três retábulos: o altar-mor e dois laterais na nave. O
altar-mor mais antigo pode ser de princípios do século XIX, com colunas retas, apoiadas
em mísulas, marmorizadas. O coroamento é vazado contendo uma pequena tarja ao
centro com a insígnia da Ordem. O programa iconográfico do altar-mor apresenta um
pequeno Crucificado no topo do trono, ladeado, de um lado, pelas Santas Mães
(Santana, Virgem e Menino Jesus) e São Luís, Rei de França. Sob a mesa do altar numa
maquineta há uma exuberante Virgem do Carmo, de origem portuguesa e da primeira
metade do século XVIII.
Os dois altares laterais inseridos em arcadas rasas, têm como elementos de
suporte duas tímidas colunas estriadas de fuste reto, e coroamento simples, com uma
tarja ao sabor de um sol resplandecente, ao centro os três cravos e as cordas,
confirmando a invocação nele contida, Senhor dos Passos. Sob o arco superior da
arcada há duas aletas laterais, elementos que segundo Myriam Andrade Ribeiro de
Oliveira é uma particularidade da escola do rococó carioca338, e, ao centro, uma segunda
tarja, agora com o véu com a Santa Face da Verônica. No altar da direita temos
entronizada Santa Teresa, boa escultura de princípios do século XVIII.
Na atual sacristia existe um oratório de parede, de vocabulário rococó, com uma
das cenas dos Passos da Paixão de Cristo: o Senhor dos Passos. Estão representados
quatro personagens, sendo ao centro o Cristo com a cruz às costas, de pé, caminhando.
Ao seu lado encontramos três soldados romanos, que não parecem estar a importuná-lo,
mas ao contrário, parecem prontos a ajudá-lo no longo percurso. Os relevos dos
personagens são em entalha alto, (3/4), de pequenas dimensões, de boa talha, e podiam
integrar um programa iconográfico maior, que não foi concretizado.
Felizmente a igreja ainda apresenta alguns espécimes de escultura de boa
factura, porém, o acervo vem sendo destruído por reformas bem intencionadas, sem a
preocupação com critérios de conservação intervencionista.
338
‘Tipicamente carioca é a decoração da parte superior das arcadas, uma tarja de linhas sinuosas com
duas aletas laterais’. Publicado em OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima,
op. cit., p. 28. E OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso… op. cit.
174
339
Carta do Vice-Rei d. Luís de Vasconcellos e Sousa, apud MOLINA, Sandra Rita, Des(obediência),
barganha e confronto: a luta da Província Carmelita Fluminense pela sobrevivência (1780-1836),
Dissertação de Mestrado defendida no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1998, p. 90.
340
A igreja da Ordem Terceira do Carmo de Campos não possui tombamento federal (IPHAN), nem
estadual (INEPAC) ou municipal.
175
região, Alberto Lamego e Júlio Feydit341. E a segunda data em questão é o ano de 1797,
que figura na cartela acima da porta principal da igreja. É possível, portanto, que sejam
essas as datas de início e de conclusão das obras da igreja.
341
LAMEGO, Alberto, Terra Goitacá. A luz de documentos inéditos, Paris, 1913, e FEYDIT, Julio,
Subsídios para a História dos Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Edições Esquilo, 1979. (Edição
comemorativa dos festejos do Santíssimo Salvador, 1979) Segundo este último historiador, a Ordem
Terceira do Carmo tinha uma pequena capela insuficiente e acanhada, em proporção aos recursos da
irmandade e, por isso, em 1778, pediu à Câmara os terrenos onde hoje se acha edificada a sua igreja. No
livro de registros de 1779-1783, na folha 49 verso, se acha a seguinte carta:
“O Juiz Presidente e mais officiaes da câmara, que servimos n´esta Villa de Sam Salvador Parahiba do
Sul e seu termo, o prezente anno, etc. Fazemos saber aos que esta nossa prezente carta de datta virem
que a nós nos enviaram a dizer por sua petição retro escripta, o Irmão Prior e mais Irmaons da
Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo desta sobredita villa o contheúdo,
pedindo-nos em fim e concluzão da mesma, fosse-mos servidos conceder-lhes as terras que pediam na
mesma petição, na forma que n´ella se vê expressada, a qual petição sendo nos aprezentada e por nós
vista lhe pozemos por nosso despacho retro escripto: que lhes concedia-mos as duas dattas na fórma do
estylo, sem prejuízo de terceiro o mais que se achasse inteirados os mais confrontantes pagando de foro
duzentos réis de qe assignariam termo na forma de sua carta de datta que lhes passaria na fórma
praticada. Sam Salvador em câmera, de 8 de Dezembro de 1778. Queiroz, Crespo, Pereyra, Faria. Por
bem do qual nosso despacho se passou aos ditos suplicantes a prezente carta de datta pela qual lhes
damos e conferimos e lhes havemos dadas e conferidas para a dita sua venerável Ordem Terceira de
Nossa Senhora do Monte do Carmo d´esta Villa as referidas duas dattas de chaons que pedem de seis
braças de testada cada huma datta na rua ou estrada geral que sahe do Concelho para o Queimado,
entre os chaons que já possuem e o muro de Domingos Fernandes Rocha, fazendo fundos para a Capella
da ditta Senhora, e bem assim todas as mais sobras de chaons que houverem devolutos na mesma
paragem depois de inteirados os mais confrontantes de chaons o fundo que direitamente lhes pertencer
sem prejuízo de terceiro, na forma de estylo, pagando annualmente de foro duzentos réis de que
assignarão termo no competente Livro deste Senado, em cujos chaons farão cazas dentro de um anno e
não as fazendo ficarão devoluptas para se poderem dar a quem as pedir, o que assim cumprirão. E por
firmeza tudo lhes mandamos passar a prezente por nós assignada e sellada com o signete que perante
nós serve que se registrará. Dada e passada nesta Villa em Câmara, de 8 de Dezembro de 1778, e eu
Francisco Franco Henrique de Miranda, Escrivão da Câmara o subscrevi. O juiz João Gomes da Motta,
os vereadores José Gomes Crespo, José Joaquim Pereira. O Procurador João Peixoto de Faria, O
Syndico da Ordem 3ª Luis Caetano de Souza”.
176
A decoração interna é toda em estilo rococó, com pequenas alterações feitas por
reformas ao longo dos séculos. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o Rio de
Janeiro teve uma escola regional do rococó com características originais encontradas
também na igreja dos Terceiros de Campos, o que dá ao estilo uma área de abrangência
maior do que se pensava, chegando ao norte do Estado do Rio de Janeiro, e ao sul como
veremos na igreja dos Terceiros de Angra dos Reis.
O conjunto de talha é harmonioso, composto de altar-mor, arco cruzeiro, seis
altares laterais, dois púlpitos, coro, molduras de portas e de tribunas. O forro da capela-
mor acompanha a talha do período e o da nave é composto por painéis com pinturas
assinadas (ilegível) e datadas de 1967. Numa foto da década de 30 do século passado,
do acervo do Arquivo Central do IPHAN, verificamos que os 24 painéis emoldurados
por losangos, eram pintados à maneira da pedra mármore (jaspeado)342.
342
‘Ordem Terceira do Carmo, Campos dos Goytacazes’, Pasta de Inventário, Arquivo central do
IPHAN, Rio de Janeiro.
177
343
OLIVERIA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso... op. cit., p. 183-196.
344
Nas tribunas, foram identificados seis emblemas relacionados aos carmelitas: a coroa, o escudo da
ordem, o escapulário (sinal da aliança da Virgem com a Ordem através da entrega do escapulário a São
Simão Stock, em 1251), um lírio, um livro com a pena (símbolo de Santa Teresa, reformadora da Ordem)
e, finalmente, o símbolo de Santo Elias, uma mão segurando a espada flamejante.
345
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso... op. cit., p. 196.
178
e São João da Cruz. No teto, ao centro, a pintura de Santo Elias subindo aos céus na
carruagem de fogo, de caráter popular, emoldurada por alguns elementos decorativos
singelos.
“Pelo sertão, a nove léguas do rio de São Vicente, está a vila de São Paulo, na
qual há um mosteiro da Companhia de Jesus, outro do Carmo, e nos tem sinalado sítio
para outro de nossa seráfica ordem, que nos pedem queiramos edificar há muitos anos,
com muita instância e promessas [...]”346.
346
SALVADOR, Frei Vicente do, História do Brasil... op. cit. Disponível em:
http://livros01.livrosgratis.com.br/bn000138.pdf
179
347
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas: Barroco e rococó, São Paulo, Imprensa oficial do estado de
São Paulo/ Unesp, 2004, p. 174.
180
348
Militão Augusto de Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1837 e faleceu em São Paulo, no ano de
1905. Foi um importante fotografo do século XIX, mas, também esteve envolvido na carreira de ator,
atuando na Companhia Joaquim Heleodoro (1858-60). Em 1887, edita o ‘Álbum comparativo das vistas
da cidade de São Paulo’, introduzindo o tipo de fotografia paisagística urbana, em moda na Europa. É o
responsável também pelos álbuns: Vistas da Cidade de São Paulo, 1863; Álbum de vistas da Cidade de
Santos, 1864-65; Álbum de vistas da Estrada de Ferro Santos Jundiaí, 1868 e Álbum Comparativo de
Vistas da Cidade de São Paulo (1862-1887).
349
BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira, ‘Igreja da Ordem Terceira do Carmo. São Paulo, São Paulo,
Brasil’, publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit.,,
p. 331.
181
entanto, a igreja passou por grandes reformas nos anos de 1906 e de 1929. A reforma
mais intensa foi a do último ano, quando a igreja vizinha e o convento foram destruídos.
A planta da igreja dos Terceiros é de nave única e capela-mor profunda. A talha
do altar-mor coube ao entalhador Pedro Ludovico, que, segundo Percival Tirapeli, foi
substituído, no fim do século XVIII, pela do mestre José de Oliveira, que também fez o
trono e o forro da capela-mor350.
O altar-mor é uma peça de bom entalhe, que guarda resquícios do rococó,
estruturado em dois pares de colunas retas, apoiadas em mísulas. O frontão mostra
elementos decorativos flamejantes, aplicados sobre pequenos pilares. Tal estrutura se
repetirá na talha das igrejas do Carmo de Mogi e de Itu, embora com diferente fatura. O
pesquisador Bonazzi da Costa descreve-os como “[...] fragmentos de arcos compostos
de volutas às quais se aplicou uma leve torção, tornando-as anamóficas”351. Ao centro,
fechando o coroamento, uma bela tarja com rocalhas vazadas. As tribunas acompanham
a decoração do retábulo-mor e permitem a entrada de luz do lado direito, o que acaba
proporcionando uma boa iluminação.
Entronizada no altar-mor, está a Virgem do Carmo, ladeada pelos santos
fundadores dos Descalços: São João da Cruz e Santa Teresa. As esculturas são do
século XIX, em gesso policromado. O belíssimo Crucificado, de provavel importação
portuguesa do século XVIII, que fecharia o sétimo Passo da Paixão e deveria estar
presente neste altar, foi deslocado para a entrada da nave, à esquerda.
Compensando a simplicidade da talha dos retábulos laterais, que, segundo
Percival Tirapele, é de fins do século XVIII, mas que formalmente parecem entoar já
um neoclássico do século XIX, temos as esculturas dos Cristos da Paixão. Peças de bom
entalhe, porém, de fatura ingênua, e de linguagem formal distante da do Crucificado.
Podem ter sido confeccionados por um entalhador da região, do século XIX, enquanto o
Crucificado é típico do XVIII, assunto que retomaremos no próximo capítulo.
Todavia, muito valiosas, na Igreja dos Terceiros de São Paulo, são as pinturas
que ornam os tetos da capela-mor e da nave. Executadas pelo pintor Jesuíno do Monte
Carmelo, foram consideradas por Mário de Andrade a obra mais plástica que o artista
deixou, a que “menos se preocupa desenhisticamente de contar, mas a que mais
350
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 206-211. BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira.
Igreja da Ordem Terceira do Carmo... op. cit., p. 331.
351
COSTA, Bonazzi da, apud TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 208.
182
A vila de Mogi das Cruzes foi fundada em 1560 por Braz Cubas, que no ano
seguinte teria fundado um acampamento, o qual mais tarde deu origem ao arraial. Em
1608, Gaspar Vaz recebe a região em sesmaria e em 1611 os moradores pedem a
elevação do povoado em vila. O que oficialmente acontece neste mesmo ano, com o
nome de Vila de Santana de Mogy-Mirim, que significa ‘rio das cobras’, denominação
que os índios davam ao trecho do rio Tietê, acrescido do nome da padroeira introduzida
pelos portugueses.
Fig. 32 – Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das
Cruzes, São Paulo. Aspecto atual, foto do começo do século XIX. (Fonte: Acervo IPHAN e
https://www.google.pt/maps )
Os carmelitas finalizam o seu convento na cidade por volta do ano de 1633, mas
a autorização para a obra foi dada em 1629, quando a Câmara concedeu as terras ao
provincial frei João da Cruz. Os primeiros frades a residir em Mogi foram frei Manoel
352
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte... op. cit.,.
183
353
GRINBERG, Isaac, História de Mogi das Cruzes, São Paulo, Saraiva, 1961, p. 26.
354
‘Livro de Receita e Despesa da Ordem Primeira de Nossa Senhora do Carmo’, fls. 144, 144 v e 151.
Transcrição do documento, Pasta de Inventário, no Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
355
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 252.
356
PEREIRA, Danielle Manoel dos Santos, A pintura ilusionista no meio norte de Minas Gerais -
Diamantina e Serro - e em São Paulo - Mogi das Cruzes (Brasil), Dissertação (mestrado), Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2012. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/86897>
184
A irmandade dos Terceiros foi instituída em 1698, por frei Manuel Ferreira da
Natividade, anexa ao convento357. A atual igreja foi reedificada no ano de 1762, do lado
direito do templo conventual, separadas pela torre, repetindo o padrão tipológico
encontrado na região, iniciado em Angra dos Reis, como vimos. Sabe-se que houve um
pedido de reconstrução da primitiva capela apresentado à Mesa da Irmandade em 1755,
na mesma época da reedificação da igreja conventual, conforme a transcrição abaixo:
“[...] com a mudança que se fez da Igreja deste convento ficaram eles suplicantes com a
357
Histórico. Igrejas da Ordem 1ª e 3ª de Nossa Senhora do Carmo de Mogi das Cruzes (SP), Pasta de
Inventário, Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
185
358
‘Livro de Atas da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes’ 1762-1855, fl. 12. Pasta
de Inventário, Arquivo Central do IPHAN, Rio de Janeiro.
359
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 254.
360
PEREIRA, Danielle Manoel dos Santos, A pintura ilusionista ... op. cit, p. 196.
186
A cidade de Itu tem fama de ser a terra dos exageros, mas ainda possui um
interessante conjunto arquitetônico religioso e civil remanescente dos séculos XVIII e
XIX. Da Ordem carmelita restou apenas a Igreja dos Terceiros, com a torre posicionada
à direita, na linha da rua. Neste caso acreditamos que não existiu a igreja conventual
nem o convento, pois, na documentação transcrita, percebemos que nunca houve
permissão para tal, mas apenas para a criação do hospício: “[...] devido a uma ordem
régia de D. Pedro, datada de 1702, ficou decidido não se permitir ‘novo convento na
vila de Itu’ que não fosse o dos franciscanos já existentes. Os terceiros carmelitanos
existiam na vila desde pelo menos, 1716, assistidos apenas por um frade comissário
mais um companheiro. Mas tanto o povo como a própria Câmara de Itu, secundada
pela de Sorocaba, achavam ‘que os religiosos do convento de Antoninhos [...] não eram
suficientes para tanto povo. Todos eles pediram, em 1720, a sua majestade a fundação
de uma casa carmelita. Mas como obstava a sobredita ordem régia de 1702, pediram
não um convento, mas um hospício, isto é, uma casa não formada, cujo superior tinha o
título de presidente, e não o de prior. Não consta o teor da resposta, mas o hospício se
fundou e dele faz menção frei Apolinário em 1730; logo, foi entre 1720 e 30. Os
religiosos do Carmo aboletaram-se nas dependências dos Terceiros e a Casa conservou
sempre o nome de Hospício, com que figura no relatório de 1764 e que ainda teve
361
TIRAPELI, Percival, Igrejas paulistas... op. cit., p. 256.
187
depois de 1820, ano em que a capela passou para o domínio dos frades, apesar de o
número dos religiosos chegar em 1764 a doze”362.
362
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte... op. cit., p. 155-156.
363
CÉSAR, Joaquim Leme de Oliveira, ‘Notas históricas de Itú’, publicado em Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, V. 25 (1925), 1928, p. 43-90.
188
lado, sobre a cimalha, acham-se representados três pares de santos Papa, Bispo e
Cardeal.
O conjunto de retábulos, que hoje se encontra na nave, segundo Oliveira César,
teve que ser alterado depois de 1780, quando chegaram sete esculturas, representando
Cristos dos Passos da Paixão, encomendadas ao artista português, Pedro da Cunha, que
residia no Rio de Janeiro. Isso porque, ao chegarem, verificou-se que as peças não
cabiam nos nichos dos altares que estavam sendo feitos. Oliveira César conta a seguinte
história: “Em 26 de janeiro de 1777, deliberou a mesa que o procurador promovesse a
cobrança do que se devia à Ordem, para satisfazer o importe das 07 imagens para a
procissão do Triunpho, que estavam encomendadas a Pedro da Cunha, do Rio de
Janeiro. Em 15 de agosto do mesmo ano de 1779, sendo submetida ao Prior da Ordem
o P. João Leste Ferrez, resolveram mandar fazer os seis altares para as imagens do
Triunpho, assim com as sete charolas para as mesmas. Foi contratado tudo com o
Mestre Miguel Francisco, pelo risco que apresentou, [...] Mas, passados três anos a 12
de agosto de 1781, é que observavam que os altares ‘principiados’ não estavam em
relação às imagens, resolveram, portanto, adotar outro risco, que é o dos atuais
altares, a 80$000 rs cada um, [...] com prazo de ano e meio.
Tem lugar aqui a verificação de um facto. Não se menciona a vinda das
imagens, lacuna proveniente de falta da folha no velho livro. Mas, parece certo, que foi
nesta época que elas chegaram, porque é então, à vista delas, que reconheceram a
desproporção dos altares e mudaram de plano. [...] Consta de assuntos, que mal se
podem ler, que o transporte das imagens, de Santos para aqui, coube cada uma a 08
irmãos terceiros, os quais forneceram os carregadores pretos ou índios para trazerem-
nos em rede. Toda a despesa de transporte montou a 15$000”364.
Os altares refeitos, que tudo leva a crer sejam os atuais, já apresentaram o
formulário formal neoclássico – com colunas retas e pintura imitando mármore,
lembram o estilo pombalino das igrejas de Lisboa, pós-terremoto. Os retábulos estão
alocados em arcadas rasas, praticamente no alinhamento das paredes e estruturados em
duas colunas retas nos cantos e dois quartelões/colunas cerca do nicho central. O
arremate superior é simples: um tímido dossel, tendo, ao centro, uma elegante tarja. O
altar-mor repete o modelo, em maiores proporções, com dois pares de colunas retas. O
frontão superior, ou melhor o arremate superior, compõe-se de uma estrutura decorativa
364
CÉSAR, Joaquim Leme de Oliveira, Notas históricas de Itú... op. cit., p. 53.
189
rendada, tendo ao centro uma tarja central, de belíssimo desenho sinuoso, com a
insígnia da Ordem.
365
PONCE DE LÉON, Fernando. ‘O Convento do desterro – Santa Teresa, de Olinda – e a arquitetura
carmelitana’, publicado em Separata da Revista Museu, IV Série, nº 6, 1997, p. 127.
190
371
SERMAM DA ESCLARECIDA e sempre gloriosa virgem S. Teresa de Jesus. Fundadora dos
carmelitas descalços. Pregado em esta cidade da Bahia, pelo M. R. P. M. Fr. Antonio da Piedade,
religioso de Nossa Senhora do Monte do Carmo, aos 17 de outubro do anno de 1697. Em o terceiro dia da
festa, que os religiosos descalços fizerão na aparição do novo templo, Lisboa, Na Real oficina Herdeiros
de Miguel Deslandes, 1703.
372
LINS, Eugénio Ávila, ‘Igreja e Convento de Santa Teresa. Salvador, Bahia, Brasil’, publicado em
MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 185.
373
LINS, Eugénio Ávila, Igreja e Convento de Santa Teresa, op. cit., p. 185.
192
Fig. 34 – Convento e Igreja dos Carmelitas Descalços, atual Museu de Arte Sacra,
Salvador, Bahia. (Fonte: https://www.google.pt/maps )
A fachada possui uma galilé de três arcadas do final do século XVII, sem torre,
mas com um campanário-arcada recuado em relação à fachada, como o encontrado na
igreja dos Carmelitas Descalços de Ávila e também na dos Carmelitas de Trinidad de
Salamanca, igreja construída na mesma época374. O partido de sua fachada é de linhas
clássicas, frontão triangular estruturado sobre tramo retangular. “[...] constituído de três
corpos que formam um retângulo encimado por um frontão triangular com uma
espadaña num dos lados. No primeiro corpo, estão inseridos três arcos, que formam o
pórtico de entrada do templo. O que está localizado no centro possui maior altura; no
segundo, está inserido um nicho, no qual é colocada uma imagem; no último, uma
janela central é ladeada por dois escudos, nos quais estão inscritas as armas do reino e
as insígnias da Ordem, respectivamente”375.
No segundo terço horizontal, há uma janela, ladeada por brasões da Ordem, em
relevo. Logo abaixo, um nicho central, com a escultura da Virgem do Carmo, imagem
moldada em barro pelo escultor e ceramista Jair Brandão, no século XX, quando da
restauração da fachada. O modelo foi a escultura de mesma invocação, datada de
1670376.
No interior, a igreja ainda apresenta na nave, quatro altares de gosto barroco, e,
no cruzeiro dois já de gosto neoclássico (d. Maria). Infelizmente, o altar-mor foi
substituído, bem mais tarde, por um retábulo de pedra. Restou hoje, no alto, quase a
subir aos céus, a preciosa escultura de Santa Teresa em madeira policromada. Nela, a
374
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa…, op. cit., p. 34.
375
LINS, Eugénio Ávila, Igreja e Convento de Santa Teresa, op. cit., p. 185.
376
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos... op. cit., vol II, p. 139.
193
santa direciona o olhar para o alto e é agraciada com o dom do Divino Espírito Santo,
simbolizado por uma pomba.
A igreja segundo Santos Simões “está decorada com azulejos na parte inferior
das paredes fundeiras, das capelas laterais e do transepto [...], azulejos do tipo de
vasos e golfinhos azuis, incluindo cercadura de folhas contorcidas. O interior dos oito
confessionários colocados a entrada da nave sob o coro tem um lambril de 9 azulejos
de altura [...] são do tipo de figura avulsa, modelos vulgares de flores e bichos, cantos
de estrelinhas”.
E ainda, “na parte alta da nave, ao nível do coro e ainda neste, foram colocados
entre as janelas 12 painéis [...] onde pintaram outras tantas figuras de santos
abrigados sob dosséis imitando damasco. Cada painel tem sua legenda respeitante ao
santo representado e assim ficamos a conhecer uma galeria de santos carmelitas e que
são: São Brocardo; S. Avertano; S. Ipizidião (S. Esperidião); São Cirillo; S. Pedro
Thomas; São Pelisphezo; S. Angelo; São Bertholdo; S. Andre te zuleno (S. Andre
Tezulano); S. Geraldo; S. Serapião; S. Dionizio, Papa carmelita (Papa de 259 a
268)”377.
Na entrada, sob o coro, e no tramo seguinte, as capelas estão dispostas de forma
curiosa. Cada capela é dividida em dois confessionários por arcadas de mármore de
Estremoz. Ao fundo de cada nicho uma grade de ferro permite ao padre, no outro lado
da parede, ouvir o penitente. Tal disposição remonta ao século XVII. O convento
desenvolve-se em torno de um claustro quadrado. A igreja ocupa um desses lados,
destacando-se em relação ao restante do conjunto.
Ainda é possível encontrar decoração com azulejos na “sacristia nas paredes
livres de armário e do lavabo [...], sobre a porta está um pequeno painel [...] pintura
azul e no qual se vê o brasão da Ordem do Carmo, ladeado por dois anjinhos e
encimado por coroa real. Na parte inferior uma tarja onde se escreveu a legenda
latina: pro zelatus sum pro Domino Deo exercit... E ainda, no coro foi colocado
[azulejos], do tipo de vasos e golfinhos como os da nave, e quatro painéis próprios se
identificam: Ego substitui, Ego zigavi (sic); Ego erexi (Santa Teresa), Ego adjuvi (S.
João da Cruz), este com as letras da direita para a esquerda”. Para Santos Simões, os
azulejos da sacristia e os da escada, são de meados do século XVII, e os restantes, de
pintura azul, terão feito parte da encomenda datada de 1738378.
377
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 93.
378
Idem, ibidem, p. 94.
194
379
Para maiores detalhes sobre as funções que o Convento e a Igreja dos Carmelitas Descalços de
Salvador exerceram no século XIX e XX, assim como as obras de restauração do século XX, ver,
FLEXOR, Maria Helena Ochi, Igrejas e conventos... op. cit., vol II, p. 127-136.
380
Para Bazin, a fundação se deu após 1661, data em que o capitão-mor retornou de Lisboa, após seu
governo de Angola. Faleceu em Pernambuco, em 1680 e foi enterrado na igreja, bem como sua esposa,
falecida em 1689 e que foi amortalhada no hábito de Santa Teresa. Ver: BAZIN, Germain. A arquitetura
religiosa ... op. cit., vol. II, p. 130.
195
381
PONCE DE LÉON, Fernando, O Convento do desterro... op. cit., p. 125.
382
“[…] juntamente com os dois retábulos colaterais, foi mandado executar na mesma campanha de obras
pelos responsáveis da comunidade conventual, no terceiro quartel do século XVIII. Desconhece-se a
identidade dos profissionais responsáveis pelo risco e pelo entalhe destes três exemplares, seguramente
com oficina aberta em Olinda.” Ver: LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei
José Carlos. Retábulos da Ordem ... op. cit., p. 196.
196
383
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa barroca ... op. cit., vol. II, p. 130.
384
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 240-241.
385
Idem, ibidem, p. 241.
197
No Brasil existiram dois conventos dos carmelitas de ordem segunda, ambos dos
Descalços. A partir da relação de conventos femininos no Brasil, publicada por Caio
Boschi, durante o período colonial, só existiria o convento de Santa Teresa no Rio de
Janeiro, fundado em 1750387, que seguia a regra carmelita reformada de Santa Teresa.
Apesar da informação acima deparamos com uma segunda referência a um convento,
também dedicado a Santa Teresa, do ramo dos Descalços, na cidade de São Paulo388.
Porém, este último pode ter sido uma casa de Recolhimento e não propriamente
um convento, já que a Coroa portuguesa não desejava o estabelecimento deste tipo de
edificação, devido a escassez de mulheres brancas no Brasil389. Portanto, em 1685, foi
edificado o recolhimento de Santa Teresa, que apesar do nome, não estava subordinada
a uma ordem religiosa, foi a opção formal para acomodar as senhoras oriundas das
famílias abastadas da população, que necessitavam por motivos diversos de serem
resguardadas. Tal recolhimento já não existe, tendo sido destruído no século XX, e as
poucas irmãs transferidas para o bairro dos Perdizes, para novamente em 1948, serem
desalojadas e levadas para o então recém-construído convento do Jabaquara. Restaram
da construção colonial as famosas pinturas que hoje se encontram na Igreja da Ordem
Terceira do Carmo, da cidade de São Paulo e um maravilhoso Cristo Crucificado,
atualmente no Museu de Arte Sacra de São Paulo390.
386
MENEZES, José Luiz Mota. ‘Igreja e Convento de Santa Teresa. Olinda, Pernambuco, Brasil’,
publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 148.
387
BOSCHI, Caio, ‘Ordens regulares, clero secular e missioneira no Brasil’, publicado em
BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti (dir.), História da expansão portuguesa, Lisboa,
Círculo de Leitores, 1998-1999, p. 302.
388
Mário de Andrade na publicação sobre o Padre Jesuíno do Monte Carmelo fala dos [...] quadros e um
teto em caixotão para o convento das freiras de santa Teresa (hoje as pinturas estão no Museu da Cúria
Metropolitana e as pinturas do teto estão na Ordem Terceira - corredor). ANDRADE, Mário de, ‘Padre
Jesuíno do Monte... op. cit., p. 97.
389
‘Em 1732, acatando as sugestões de seus representantes no ultramar, D. João V mandou promulgar o
famoso alvará que proibia a saída de mulheres para o reino sem sua autorização.’ Ver: ALGRANTI, Leila
Mezan, Honradas e devotas: mulheres da Colônia (Estudo sobre a condição feminina através dos
conventos e recolhimentos do sudeste – 1750-1822), Tese de Doutoramento, Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letrasl e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1992, p. 74.
390
O Recolhimento de Santa Teresa, ficava à Praça da Sé, embora inicialmente fosse destinado ao
abrigo de moças para o serviço de Cristo, sem uma regra conventual professa, já havia uma intenção de,
posteriormente converter-se em convento, o que só veio ocorrer em 1918, quando se tornou Mosteiro da
198
Ordem das Carmelitas Descalças de Santa Teresa, sendo transferido em 1923 para novas instalações no
bairro de Perdizes (São Paulo) e, posteriormente, em 1948, para um novo espaço no bairro do
Jabaquara, na mesma cidade, cedendo o prédio para a instalação da Pontifícia Universadade Católica
de São Paulo. Ver: PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imáginaria retabular colonial em São Paulo,
estudos iconográficos, São Paulo, 2015, Tese (Doutorado em Artes Visuais), Universidade Estadual
Paulista, Orientador: Professor Dr. Percival Tirapele, p. 401.
391
Gomes Freire de Andrade e Castro, (Juromenha, 1685 - Rio de Janeiro, 1763) nobre e administrador
português. Primeiro Conde de Bobadela título agariado em 1758. Foi governador e capitão-general da
Capitania do Rio de Janeiro durante trinta anos, entre 1733 e 1763. No Rio de Janeiro, junto ao sargento-
mor José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765), realizou obras como o Aqueduto da carioca e a casa dos
Governadores (1743) e incentivou a construções de dois conventos femininos, o Convento de Santa
Teresa e o da de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, das irmãs clarissas (demolido em 1911).
392
MACEDO, Joaquim Manuel de, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro (1862-1863), Brasília,
Senado Federal, 2005, p. 151 (primeira edição 1863), Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000070.pdf . E com maior detalhamento em
LISBOA, Balthazar da Silva, ‘Fundação do Convento de Santa Thereza pela Bemaventurada Jacinta
Rodrigues Aires, sobre a proteção do Conde de Bobadela’, publicado em Annaes do Rio de Janeiro, tomo
VII, Rio de Janeiro, Typ. Imp. E const. de Seignot-Flancher, 1835, p. 378-516.
199
Fig. 36 – Convento e Igreja de Santa Teresa, Ordem Segunda, Carmelitas Descalços, Rio de
Janeiro. (Fonte: Vista do Aqueduto da Carioca e do Convento de Santa Tereza, Leandro
Joaquim (1738-1798), 1790, acervo do Museu Histórico Nacional394, RJ e
https://www.google.pt/maps )
393
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 73.
394
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:LeandroJoaquim-1790-Arcos.jpg
200
395
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e JUSTINIANO, Fátima, op. cit., p. 75.
396
Idem, ibidem, p. 78.
201
397
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 182
398
ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil, Belo horizonte, 1969, p. 132. (primeira edição:
Lisboa, Officina Real Deslandesiana, 1711)
202
399
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó ... op. cit.,
p. 20.
400
Idem, ibidem, p. 20.
401
SALLES, Fritz Teixeira de, Associações religiosas no ciclo do ouro, Belo Horizonte, Universidade de
Minas Gerais, 1963, p. 36-37.
203
Fig. 37 – Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Ouro Preto, Minas Gerais. (Fonte:
https://www.google.pt/maps )
402
BURTON, Richard Francis, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, São Paulo/ Belo Horizonte,
Editora da USP/ Itatiaia, 1976, p. 307.
204
403
MARTINS, Judith, Dicionário de artífices e artesões de Minas Gerais, Volume 1, p. 381-390. O valor
foi de 50 oitavas de ouro para a realização do projeto, incluindo a sua execução.
404
BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., p. 73.
405
As paredes deveriam ser “feitas de pedra, cal e areia com toda a segurança [...] e toda a pedra que
levar as ditas paredes e seus alicerces”; o enquadramento dos vãos (das portas e janelas e das tribunas),
“hão de ser de cantaria lavrada, com toda a perfeição”. Para os púlpitos seria empregada a “cantaria
tosca de Itacolomy”, assim como nos “seis arcos das capelas na forma que mostra a planta, e suas voltas
serão feitas em lajes do morro”. E ainda que os telhados, seriam de telha “da melhor que houver” e de
“cantaria os repartimentos necessários para as sepulturas em todo o corpo da igreja e capela-mor, para
se assentarem as tampas de tábua”. Ver: LOPES, Francisco Antônio, História da Construção ... op. cit.,
p. 21 e 22.
406
SANTOS, Paulo Ferreira, Subsídios para o estudo da arquitetura religiosa em Ouro Preto, Rio de
Janeiro, Kosmos, 1951, p. 170 e 171.
205
407
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa... op. cit., p. 74.
408
Igreja do Carmo de Ouro Preto, Pasta de Inventário, Arquivo central do IPHAN, Rio de Janeiro.
409
SANTOS SIMÕES, J. M., Azulejaria portuguesa... op. cit., p. 199.
206
gerais, o estilo dos precedentes. Foram executados por Aleijadinho, em parceria com o
entalhador Justino Ferreira de Andrade e seus oficiais entre 1807 e 1809. Os dois altares
restantes, juntamente com os púlpitos, foram confeccionados por Justino Ferreira de
Andrade, entre 1812 e 1814, que irá confeccionar também o retábulo do consistório em
1819410.
Note-se ainda que as sanefas (ou guarda-pós) introduzidas por Aleijadinho
anexaram-se ao coroamento de todos os demais altares da nave, compondo um conjunto
homogêneo. A pintura e a policromia desses altares, bem como dos púlpitos e da tarja
do arco cruzeiro, couberam a Manoel da Costa Ataíde, em 1827411.
O frontal das mesas dos dois altares de Aleijadinho apresenta relevos que
constituem talvez os únicos com este tipo de trabalho: no de São João Batista, tem-se a
imagem do profeta Jeremias na prisão, e no de Nossa Senhora da Piedade, a paciência
de Jó, cercados por inscrições alusivas aos temas relativos aos dois profetas.
Em 1789 a Ordem do Carmo deliberou que se fizessem os púlpitos a partir do
risco, que já se encontrava pronto, do desenhista lisboeta João Gomes Batista, abridor
de cunhos, atuante em Vila Rica, falecido em 1778412. Contudo, apenas em 1812, os
mencionados púlpitos foram ajustados por Justino Ferreira de Andrade, assim como os
dois últimos altares da nave, como vimos acima.
A pintura dos dois forros – capela-mor e nave – foi executada pelo pintor
italiano Ângelo Clerici, em 1908 e 1909, e não se harmoniza com o conjunto, de fins do
século XVIII e primeira metade do XIX. A pintura do forro da sacristia é de Manoel
Ribeiro Rosa, pintor mulato. Tratou-se de uma oferta feita pelos irmãos sacristãos no
ano de 1805. Excelente pintura tendo no primeiro plano o assunto principal, e fundos
com paisagens que bastavam por si só.
O programa iconográfico da Igreja do Carmo de Ouro Preto apresenta os sete
Cristos dos Passos da Paixão, exceção no estado de Minas Gerais. No altar-mor
encontramos a Virgem do Carmo, ladeada por Santo Elias e Santa Teresa, imagens de
roca e de boa fatura de rostos. Já o Crucificado, que deveria estar aí presente, foi
deslocado para o altar do consistório, no segundo andar. Fato interessante, que deve ser
mencionado, é o de que, na documentação da igreja, os altares laterais são sempre
410
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa... op. cit., p. 74.
411
A tarja do arco é atribuída a Aleijadinho. Ver COSTA, Martins, Lygia, ‘O Aleijadinho na capela-mor
do Carmo, Ouro Preto’ publicado em De Museologia e Políticas de Patrimônio, Rio de Janeiro, IPHAN,
2002. Vale ressaltar que a insígnia da tarja pertence aos Carmelitas Descalços.
412
MENESES, Ivo Porto, ‘João Gomes Baptista’, publicado em Revista Barroco, 5, Belo Horizonte,
(1973): 99-128.
207
413
Para maiores informações, ver BRUSADIN, Lia Sipaúna Proença, Os Cristos da Paixão da Ordem
Terceira do Carmo de Ouro Preto (MG), Dissertação de Mestrado sob a orientação da Dra. Maria Regina
Emery Quites, defendida no Programa de pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
414
OLIVEIRA, Myriam e ARANTES, Adalgisa, Barroco e rococó ... op. cit., v. I, p. 21.
208
415
Livro de Termos, fl. 108, citado por BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., p. 63.
209
e Francisco Xavier Carneiro, que assinou, em 1826, o contrato para o douramento dos
altares. As obras se estenderam até 1835, quando foram instalados os relógios das
torres.
O principal interesse da igreja do Carmo de Mariana está na sua fachada, que
constitui, segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, “uma curiosa reinterpretação
de temas recém-introduzidos na região. O impacto maior vem das torres redondas,
projetadas para trás do frontão, como em São Francisco de Ouro Preto, mas sem o
movimento rotativo. A referência a esta última igreja volta, aliás, na ênfase dada ao
alteamento da cimalha acima do óculo, com alargamento inusitado para alcançar
visualmente o limite interno das torres, servindo de base ao movimento do frontão”416.
Possui a volumetria retangular, uma bela portada em pedra-sabão azulada, ao centro, a
tarja com a insígnia da Ordem dos Descalços: a montanha encimada pela cruz com três
estrelas, sendo coroada por dois anjos, esculpidos por Sebastião Gonçalves Soares e
posicionados sobre a entrada principal. No segundo
andar, duas janelas iluminam o coro, e, fechando o
corpo retilíneo, uma cimalha recortada em arco
pleno de pedra-sabão, sobre a qual foi aplicado um
largo frontão sinuoso, com volutas e um pequeno
óculo ao centro.
416
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O Rococó religioso .... op. cit., p. 226.
210
A Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São João del Rei instalou-se na cidade
por intercessão de irmãos leigos do Rio de Janeiro. A autorização para construir um
templo, concedida pelo bispo do Rio de Janeiro, Dom Antônio de Guadalupe, veio em
10 de dezembro de 1732. A capela-mor foi benta em dezembro de 1734 e o restante da
igreja, terminado em 1759. A decoração, entretanto, estendeu-se até o século XIX.
Fig. 40 - Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São João del Rei, Minas Gerais.
(Fonte: https://www.google.pt/maps )
417
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e ARANTES, Adalgisa, Barroco e rococó... op. cit., volume
II, p. 131.
418
Livro de Termos, fl. 32 v e 140. Citado por BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa... op. cit., volume
II, p. 101.
211
419
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso … op. cit., p. 234.
420
Igreja do Carmo de São João del Rei, transcrição do Livro de Termos, fl. 38, Pasta de Inventário,
Arquivo central do IPHAN, Rio de Janeiro.
212
anjos, de rosto largo e sorriso nos lábios, que também podem ser vistos na decoração
parietal da capela-mor421.
A decoração interna de talha foi concluída e modificada no século XIX. A
policromia, contudo, parece não ter sido concluída. Apenas dois altares laterais
receberam destaque com filetes dourados, os demais se mantiveram na cor branca,
talvez ainda, na camada de preparação. Acreditamos que o mesmo tenha ocorrido com
as atuais invocações dos altares laterais. Hoje, neles, estão entronizados os Cristos dos
Passos da Paixão. Porém sabemos que, pelo menos, três das atuais esculturas são obras
do século XX e XXI, feitas por dois entalhadores da região: Osni Paiva e Fernando
Pedersini. Até algum tempo atrás, as invocações presentes eram de santos da ordem. É
possível que a mudança se deva, principalmente, ao atual desenvolvimento do turismo
religioso no Brasil, cuja matriz vem da Europa, via Portugal, onde existe um projeto de
revigoramento, que inclui todos os santuários do caminho de Santiago422.
421
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de e SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos, Barroco e rococó
... op. cit..
422
O projeto Revitalização do Caminho Português para Santiago de Compostela tem como
principalobjetivo o revigoramento dos santuários e pequenas capelas que faziam parte do caminho
português que levava à cidade de Santiago de Compostela, no norte da Espanha, em fins da Idade Média.
Mas também possibilitou o desenvolvimento de diversas pesquisas institucionais e acadêmicas, que
incluíram congressos, palestras e publicações sobre o assunto. Para maiores informações:
http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/nacional/caminhos-de-santiago-autarquias-do-norte-e-centro-
apostam-na-revitalizacao-do-percurso-portugues
423
PASSOS, Zoroastro Viana, ‘Em torno da história de Sabará’, publicado em Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1940.
213
Fig. 41 – Igreja da
Ordem Terceira do
Carmo, Sabará, Minas
Gerais.
(Fonte: https://www.google.pt/maps )
424
[...] Livro 1º de Despesa da Ordem, sob a rubrica Despezas que teve o Thesoureiro desta Ordem
Terceira João Antunes no ano de 1773 para o 1774, consta o pagamento de 168$000 feito a Antonio
Francisco Lisboa, sem no entanto especificar o serviço, porém, a coincidência do ano em que a mesma
ocorreu com a data inscrita sobre os ornatos da portada da igreja levar-nos-ia a induzir que o trabalho
do aleijadinho ali tenha sido a execução daqueles ornatos [...] fls 83. ANDRADE, Rodrigo de Melo
Franco de, ‘Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho’, publicado em Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 02, 1938, p. 259.
214
A primeira bandeira que chegou perto da região do Tijuco, era liderada por
Jerônimo Gouveia, por volta do fim do século XVII (1691). O arraial do Tijuco (atual
Diamantina) teve a sua criação no ano de 1713, a partir da descoberta e exploração do
ouro no vale do córrego do Tijuco. Em 1720 Bernardo da Fonseca Lobo encontrou
produto mais rentável, pedras preciosas, e principalmente, diamantes, que acabaram
dando nome à cidade. Os diamantes fizeram convergir para as áreas do Tijuco a
ambição dos habitantes das terras vizinhas, transformando o arraial em lugar de
esplendor e grande luxo. Foi a partir do Tijuco que os bandeirantes seguiram rumo ao
norte até atingirem as cidades do centro-oeste brasileiro, Goiás Velho e Cuiabá, nos
atuais estados de Goiás e Mato Grosso.
O arraial cresceu em ritmo acelerado, especialmente na época dos contratadores
de diamantes Felisberto Brant (1748‐1751) e João Fernandes de Oliveira (1759‐1771),
figura lendária da história local, famoso pelo romance com a célebre Chica da Silva,
425
FONSECA, Claudia Damasceno, ‘Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Sabará, Minas Gerais, Brasil’,
publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 452.
215
escrava negra que se tornou a rainha do arraial. Em 1831, o Tijuco foi elevado à
categoria de vila, com o nome de Diamantina e, em 1838, à de cidade.
A Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no então arraial do Tijuco, foi instalada
na segunda metade do século XVIII. A arquitetura da região se distancia tecnicamente
das outras regiões das Minas, pela inexistência da matéria-prima pedra calcária, comum
às outras regiões, e escassa na região de Diamantina. A arquitetura, portanto, será
despojada, simples, de madeira e adobe.
426
‘Ordem Terceira do Carmo de Serro’, Pasta de Inventários, Arquivo do IPHAN, Rio de Janeiro.
216
A igreja foi benta em julho de 1781, quando as obras estavam, senão concluídas,
pelo menos bastante adiantadas. A edificação destaca-se no alto de uma imponente
escadaria em forma de cálice e possui um adro contido por arrimos de pedra, seguindo o
padrão regional, com a estrutura em madeira aparente e adobe. A fachada tem o tramo
central com frontão triangular, porta com verga curva e duas janelas no nível do coro.
Entre estas últimas, medalhão esculpido em madeira, com a representação da Virgem e
de São Simão Stock, encimado por um óculo.
Lateralmente, as duas torres de secção quadrada são destacadas do corpo da
igreja; possuem telhados piramidais e janelas alinhadas com as do coro. Internamente
existe um belo conjunto de talha policromada e dourada, em estilo rococó composto de
arco‐cruzeiro, altares laterais, púlpitos. A capela‐mor abre‐se em arcadas para os
prolongamentos laterais da sacristia posterior; as paredes são decoradas com pinturas de
cenas religiosas, emolduradas por rocalhas. O forro é pintado em perspectiva
arquitetônica, tendo, no medalhão central, a representação da Virgem do Carmo com o
Menino.
427
FONSECA, Cláudia Damasceno Fonseca, ‘Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Serro, Minas Gerais,
Brasil’ publicado em MATTOSO, José (direção), Património de origem portuguesa no mundo… op. cit.,
p. 464.
217
3.8 Concluindo
428
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas ... op. cit.
429
COSTA, F. A. Pereira da, A Ordem Carmelitana … op. cit., p. 179. O autor cita: Hospício de Nossa
Senhora da Guia na Paraíba (Lucena) [ainda existe a igreja]; Hospício da Piedade; Hospício de Nossa
Senhora da Luz do Japomim e de Nossa Senhora da Conceição do Jiqui; Hospício de Guadalupe da Barra
de Camaragibe (Convento de Nossa Senhora d’Agua de Lupe); Hospício do Arraial e o Hospício que a
ordem reformada possuía em Lisboa, para os seus frades.
218
hoje só restam treze edificações, pois, as das cidades de Olinda e Vitória foram
destruídas no último século. No Brasil, no século XIX, não houve uma lei de extinção
das ordens religiosas como em Portugal, mas tivemos a proibição da entrada de novos
noviços, o que acarretou um período de estagnação e de abandono dos monumentos,
situação registrada também nas demais ordens religiosas.
Quanto ao ramo dos Descalços no Brasil, não possuíram Ordens Terceiras, pois
nas cidades de Salvador e Olinda, já existiam conventos dos Calçados, com as suas
respectivas Ordens Terceiras. Espelho do que ocorreu em Portugal, onde, apesar de ter
um número muito maior de conventos masculinos dos Descalços, só houve a instituição
de três Ordens Terceiras: Porto, Tavira e Vila Real, todas do século XVIII.
Outro ponto a realçar da distinção entre os dois ramos (Antiga Observância e
Descalços) é a tipologia das suas construções. Os Calçados em Portugal não tiveram um
modelo identitário, pois seus edifícios englobam estilos desde fins da Idade Média até o
século XVII. Por outro lado, os Descalços iniciam suas fundações no século XVI,
desencadeando um boom construtivo nos dois séculos subsequentes, deste modo,
estabelecendo um estilo arquitetônico próprio. Essa tipologia, estudada e definida pelos
principais historiadores da ordem, gerou a tipologia, desenvolvida a partir dos
conventos espanhóis, que foi levado a Portugal, e também ao Brasil430.
Em relação às Igrejas de Ordens Terceiras, além das quinze instituídas nos
conventos masculinos, existem outras seis, de fundação independente e duas, vinculadas
possivelmente a hospícios. Neste último grupo, estão as Ordens Terceiras das cidades
de Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro, de Itu, no de São Paulo. As
seis independentes localizam-se no Estado de Minas Gerais, fruto da proibição da
entrada das ordens religiosas regulares na região. A da cidade de Lucena, na Paraíba, é
na realidade uma igreja estabelecida em um hospício, e não pertencia aos leigos.
Cronologicamente o primeiro complexo carmelita instalado no Brasil foi o da
cidade de Olinda (1580). Pouco mais de cinquenta anos depois, será instituída a
primeira Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, não em Olinda, como
seria de esperar, mas, em Salvador, no segundo convento fundado no Brasil (1586). A
instituição aconteceu no ano de 1636, tendo como padroeira Santa Teresa de Jesus,
porém, a licença de construção de uma igreja própria só se deu em 1644, confirmada
pela Bula Pontifícia de 1695. A instituição de Ordens Terceiras ocorreu praticamente ao
430
Assunto abordado no subitem sobre os Descalços, que não será retomado neste momento.
219
431
As Ordens Terceiras foram instituídas em: Salvador (1636), Rio de Janeiro (1648), Angra (século
XVII, primeira metade), São Cristóvão (1666), São Paulo (1676), Recife (1689), Mogi (1689), Cachoeira
(1691), João Pessoa (1717), Marechal Deodoro (1744), Santos (1752), Belém (1777) e Goiana (século
XVIII). Ainda tivemos as Ordens Terceiras de Olinda (1694) e Vitória (século XVIII) e as relacionadas
ao hospícios de Itu (1716) e Campos dos Goytacazes (1778).
221
432
A partir do século XV foram fundados os conventos de Colares (1450) e de Vidigueira (1496), no
XVI: Tapada de Beja (1526), Évora (1531), Coimbra (c.1536), Lagoa (1550), Torres Novas (1558),
Setúbal (1598), Alverca (c. 1600), e do XVII, Camarate (1602) e Horta, na ilha do Faial (1649).
223
demais conventos fundados, com o agravante de que a maioria não sobreviveu intacta
aos terremotos que arrasaram o território português em épocas diversas e da fatídica lei
de extinção das ordens religiosas, do século XIX, que destruiu e descaracterizou grande
parte dos monumentos.
Apesar do quadro devastador, foi possível encontrar três conjuntos com os três
elementos, convento, igreja conventual e dos terceiros: na Ilha do Faial e nas cidades do
Porto e de Tavira, estes dois últimos pertencente ao ramo dos Descalços. A cidade de
Faial sofreu um tremor de terra recente que abalou a estrutura do que restou da igreja do
‘Carmo’, atualmente sob o auspício da Ordem Terceira. Até a lei de 1834, era uma
igreja conventual. “O convento do Carmo situa-se numa grande plataforma, na zona
mais alta da cidade, [...]. A igreja mantém o essencial do que era em meados do século
XVIII, quando a construção deve ter terminado, posto que a sua origem seja anterior. A
frontaria é imponente, com três andares, ladeada por duas torres [...] e um frontão
mistilíneo, ao centro, onde se vê o brasão dos carmelitas. Depois sucedem-se três
ordens de vãos, janelas de sacada, nos mais altos, e portas no térreo, acedendo-se
daqui a uma enorme nave abobadada, em forma de canhão, terminada numa capela-
mor da mesma largura, precedida de amplo transepto. [...] Os altares são já de meados
do século XVIII”433.
Observando a planta deste complexo, vê-se, à sua direita, a capela original da
ordem terceira, com acesso pela portaria. A construção da capela dos Terceiros iniciou-
se em 1759, ampliando uma antiga sacristia que existia no espaço sob a torre. Na lateral
esquerda, está o edifício do antigo convento, hoje independente e ocupado pela guarda
nacional. Portanto, apesar de apresentar os três elementos, a igreja dos leigos não
constituiu uma construção independente, mas a adaptação de uma antiga sacristia.
Já o complexo carmelita do Porto, apesar de pertencer ao ramo dos Descalços,
apresenta modelo bem próximo ao complexo dos carmelitas do Rio de Janeiro, com
igreja conventual e dos leigos, lado a lado, e convento à direita. Analisando as datas,
sabe-se que o convento foi fundado em 1617, e a ordem terceira, instituída em 1736,
com arquitetura das duas igrejas já do século XVIII. Porém, vale ressaltar que a Ordem
Terceira do Carmo do Porto é a única que possui programa iconográfico à maneira do
Brasil, com os sete passos da Paixão de Cristo nos altares da igreja. Esse assunto será
433
DIAS, Pedro, Arte de Portugal no Mundo – Açores, Vol. 3, Público, s.l., 2008, p. 77-79.
224
esmiuçado mais adiante, pois, neste caso, as esculturas parecem ser do século XVII, e os
altares da segunda metade do século XVIII.
Devido à grande diferenciação e diversidade de estilos construtivos e
decorativos da Ordem Carmelita em Portugal, torna-se inviável dizer que houve um
estilo Carmelita na Metrópole. Falta aos Calçados o que os Descalços tiveram a partir
da fundação da Ordem por Santa Teresa, o boom construtivo, concentrado nos séculos
XVII e XVIII434.
Acreditamos que os conjuntos carmelitas do Brasil se desenvolveram
gradativamente a partir do modelo tradicional português e a igreja dos leigos veio em
decorrência da vontade dos irmãos de terem um templo próprio e o crescimento de cada
região. E neste ponto, demonstram uma maior autogerencia com relação aos leigos
franciscanos e aos poucos dominicanos, pois construíram igrejas completamente
independentes fisicamente. Sabemos que houve desavenças entre os frades e os leigos, a
ponto de algumas igrejas conventuais serem reconstruídas assim que as dos leigos eram
finalizadas e aparentavam maior opulência do que as dos frades, caso ocorrido no Rio
de Janeiro, como pode ser apreciado nesta antiga gravura do século XIX, com a igreja
conventual ainda com a antiga fachada.
Fig. 44 - Largo da Praça XV, antigo Largo do Paço, com o convento e as duas igrejas,
conventual e dos Terceiros, ao fundo, e na esquerda o Palácio dos Vice-reis. (Fonte: Um
Passeio pela cidade do Rio de Janeiro, Joaquim Manuel de Macedo, disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000070.pdf )
434
Não se faz necessário dissertar, neste momento, sobre “Os Descalços e seu modelo de igreja à maneira
das espanholas” além do que foi desenvolvido no subitem do capítulo I.
225
PARTE II
AS IMAGENS DE CRISTO DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO:
iconografia e função.
230
231
435
A entrada no tempo da Quaresma é marcada pela Quarta-feira de Cinzas, responsável pelo surgimento
do ritual de imposição das cinzas, e da realização da procissão de Cinzas, pela Ordem Terceira de São
Francisco. Era atribuição das irmandades do Santíssimo Sacramento a elaboração do ofício de imposição
das cinzas. Através dela, o devoto recebia do sacerdote uma marcação na fronte, o sinal da cruz. As
cinzas configuradas em cruz apontavam para a brevidade da vida, para a necessidade de se fazer
penitência e para a promessa de ressurreição àquele que compreendesse a natureza precária do mundo
terreno. Do ponto de vista da cultura material, a procissão de Cinzas foi mais relevante que o ofício
propriamente dito. Mas é interessante ressaltar que ambos apresentam o mesmo fundamento, isto é, a
lembrança da morte - o memento mori, da vaidade humana - o vanitas e do sacrifício. Para maiores
informações, ver: CAMPOS, Adalgisa Arantes, ‘Quaresma e Tríduo sacro nas Minas Setecentistas:
Cultura material e liturgia’, publicado em Revista Barroco, Belo Horizonte, 17(1993/6): 209-219.
232
Trata-se, portanto, de setenta por cento das igrejas dos terceiros do Brasil que
possuem, ainda hoje, os sete Passos da Paixão. Excluíram-se apenas quatro igrejas do
estado de Minas Gerais, os dois casos do Maranhão, que não conseguimos apurar a
existência das Ordens Terceiras e as igrejas das cidades de Olinda e de Vitória, que não
sobreviveram aos anos de abandono.
É importante salientar que as cenas representadas nas igrejas das Ordens
Terceiras do Carmo foram sempre as mesmas, escolhidas dentre os fatos ocorridos nos
últimos dias da vida terrena de Cristo, normalmente chamado do ciclo da Paixão. Os
sete momentos foram transformados escultoricamente, com pequenas variantes de
postura do Cristo. Os principais estudiosos da iconografia cristã, os franceses Émile
Mâle e Louis Réau436, com suas obras de referencia funcionaram como ponto de apoio
para este capítulo. Para a pesquisa do assunto concernente ao mundo ibero-americano,
recorremos também às teses do espanhol Santiago Sebastian437. E, finalmente, ao
estudar o Brasil e o mundo luso-brasileiro, foi fundamental o trabalho sobre o escultor
brasileiro, Antônio Francisco Lisboa, do francês Germain Bazin438.
A principal fonte textual para a representação do Cristo é, sem dúvida, o Novo
Testamento: os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. As quatro narrativas
divergem em alguns pontos, mas narram desde o Anúncio do Nascimento. Perpassam
pela infância, que é mostrada em pequenos flashes. Omitem o período da adolescência e
a primeira fase adulta, enfatizando a vida de Cristo dos 30 aos 33, os anos de maior
atividade. É quando Ele escolhe os seguidores (apóstolos), acontecem os principais
milagres, é processado e morre na cruz em Jerusalém, para a Redenção dos pecados do
mundo. O texto bíblico não acaba na morte, testemunha ainda os atos post-mortem,
pois, como o filho de Deus, Cristo terá o privilégio de ressuscitar e perpetuar-se por
toda a vida.
Aos textos bíblicos haverá complementações de alguns episódios, buscando
informações para as passagens omissas. Utilizará, então, textos não oficiais, chamados
436
MÂLE, Émile, L’art religieux du XIIIe siècle en France. Étude sur l’iconographie du moyen âge et
sur ses sources d’inspiration, Paris, Libraire Armand Colin, 1958. (Assunto desenvolvido na Tese de
doutoramento, Paris, 1899). E, RÉAU, Louis, Iconografia del arte cristiano. Iconografía de la Biblia.
Nuevo Testamento. 5 volumes, Barcelona, Ediciones del Serbal, 2008. (Primeira edição: Iconographie de
l’Art Chrétien, P.U.F., 1957)
437
SEBASTIAN, Santiago, El Barroco Iberoamericano. Mensaje iconográfico, Madrid, Ediciones
Encuentro, 1990. E do memso autor : Contrarreforma y barroco : lecturas iconográficas e iconológicas,
Madrid, Alianza Editorial, 1989.
438
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil, Rio de Janeiro, Record, 1978, p. 220
e 221. (Primeira edição: 1963)
233
de apócrifos, aqueles que a Igreja dos primeiros Concílios não legitimou, mas eram
acessíveis aos artistas, os quais buscavam neles detalhes que pudessem aproximar os
fatos bíblicos do cotidiano dos fiéis.
A representação de Cristo, com ênfase no ciclo da Paixão é relativamente bem
descrita nos Evangelhos. No entanto, existem informações adicionais vindas de fontes
diversas, principalmente, quanto aos episódios narrados de forma resumida. Um bom
exemplo é a cena da Flagelação, que teve, ao longo dos séculos, mudanças significativas
a partir de complementação para o que, nos textos evangélicos, não passava de simples
palavras: flagelação e ou açoite.
Além dessas informações adicionais aos textos bíblicos, uma dificuldade sentida
pelos artistas foi como representar fisicamente o próprio Cristo, já que neste assunto os
textos bíblicos são nulos. Segundo a tradição, os retratos do Cristo podiam ter o caráter
aquiropoetas, isto é, obtidos do contato físico com o próprio Cristo, sem a intervenção
humana ou quiropoetas, isto é, imagens do seu tempo feitas pela mão humana439. Entre
os primeiros, estão os conhecidos dois Sudários, um obtido por Verônica (Vero ícone),
quando limpou o suor da face de Cristo na subida para o Calvário e, o outro, o Sudário
de Turim. Trata-se da mortalha de Cristo, isto é, do tecido utilizado para cobri-lo no
sepultamento, onde ficaram impressas as marcas do seu corpo e das suas feridas440.
O segundo tipo de retrato de Cristo, os quiropoetas, tem como principal
representante o Santo Vulto de Lucca, escultura em madeira atribuída a Nicodemos. O
Santo Vulto de Lucca é, na realidade, um Crucificado, que, segundo a lenda, teve o
corpo esculpido por Nicodemos, e o rosto, por anjos. A história conta que Nicodemos
não conseguia representar a fisionomia de Cristo. Então, numa manhã, por milagre,
encontrou a obra pronta, fruto de trabalho angelical. Ouviu uma voz ordenando-lhe que
a lançasse ao mar. Obediente, assim o fez. A escultura foi parar nas costas da Toscana e,
desde o século VIII, está na cidade italiana de Lucca. Porém, as características, tanto
técnica quanto formal e iconográfica, desmentem a lenda, pois a identificam como
pertencente ao século XII. “É um tipo de Cristo oriental, barbudo e vestido com uma
túnica larga denominada colobium. Para preservar os pés do beijo feroz dos fiéis, os
habitantes de Lucca, tiveram a ideia de calçá-lo com sapatos de prata”441.
439
A palavra aquiropoeta, procede do grego medieval (“mão” e “fazer”ou “criar”), pode ser traduzida por
“feito sem mãos humanas”. O seu contrário é quiropoeta, isto é, feito pela mão humana.
440
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 23-32.
441
Idem, ibidem, p. 30-31.
234
442
Para maiores esclarecimentos, ver a obra do próprio CERQUEIRA PINTO, Antonio, História da
prodigiosa imagem de Christo Crucificado que com o título de Bom Jesus de Bouças se venera no lugar
de Matozinhos, na Luzitana, Lisboa Occidental, Na Officina de Antonio Isidoro de Fonseca, 1737. E
ainda os textos de FERREIRA, J. A. Pinto, A escultura do “Bom Jesus de Bouças”. (Nótula histórica e
etnográfica), Porto, Edições Marânus, 1958; CLETO, Joel, ‘Nicodemos e o Senhor de Matosinhos,
emergências de um mito europeu’, publicado em JORGE, V. O. e MACEDO, J. M. C. (Orgs.), Crenças,
Religiões e Poderes. Dos indivíduos às sociabilidades, Porto, Afrontamento, 2008. (Coleção Biblioteca
das Ciências Sociais/Antropologia; 13), p. 385-392. Disponível em
http://joelcleto.no.sapo.pt/textos/Matosinhos/NicodemoseSenhorMatosinhos. E ainda de MANIÉS,
Alexandre, O Crucificado Bom Jesus de Matosinhos. Estudo técnico e restauro de uma escultura
medieval, Tese de mestrado apresentado a Universidade Católica, Porto, 2014.
235
sua Mãe [...]”. Essa tradição se conserva até os dias de hoje na Igreja Grega, onde
papas e monges não cortam os cabelos nem a barba.
No Ocidente, veremos conviver o Cristo do tipo oriental, com um Cristo jovial e
imberbe, em Majestade ou Bom Pastor, cuja origem está nos modelos clássicos. Um
exemplo muito interessante é o da Basílica de São Vital em Ravena. Neste monumento,
é possível encontrar os três tipos de representações do Cristo: no mosaico da abside,
Cristo é representado jovem (imberbe) em Majestade, franqueado por dois anjos e pelo
orago da igreja, São Vital e Santo Eclésio. Seguindo em direção à nave, sob o arco
cruzeiro, existem 13 medalhões figurativos. No central, vemos Cristo de cabelos longos
e barba, ao gosto oriental, ladeado por seis outros santos, incluindo São Paulo e São
Pedro, simetricamente. E, finalmente, na cúpula da capela-mor, encontra-se o Cordeiro.
É um interessante exemplo de três representações simbólicas do Cristo, em um único
monumento, mostrando a influência de diferentes culturas numa determinada região e
época da Europa.
Nos seus estudos, Émile Mâle e Louis Réau dividem o ciclo temático da vida de
Cristo em três fases: Infância, Vida Pública e Paixão. Na Idade Média, a infância de
Cristo recebeu um tratamento especial, pois havia uma ênfase na devoção ao menino
Jesus e a sua mãe, a Virgem Maria. As representações da vida pública não passavam de
duas ou três cenas, tendo o Batismo no rio Jordão, como a principal. E, finalmente, a
Paixão: iniciava-se com a entrada triunfal em Jerusalém, seguia-se a Ceia, podendo vir
acompanhada do lava-pés, e terminava com a Crucificação, a parte terrena. O
importante era realçar a sequência posterior à morte de Cristo: a Descida da cruz, a
Ressurreição, a Descida ao limbo, as Aparições de Cristo à Virgem, a Madalena, a
Tomé e outros e, finalmente, a sua Ascensão. Não houve, até fins da Idade Média,
necessidade de representar Cristo humilhado, açoitado e crucificado. Este último,
quando representado, terá o aspecto de um Cristo triunfal, só aparecerá morto na cruz, a
partir do século XIII443.
Para o historiador Louis Réau, o ciclo da Paixão de Cristo só teve um papel
privilegiado na arte cristã, a partir do fim da Idade Média, convertendo-se, ao longo dos
séculos seguintes, no principal tema. As razões para isso foram o seu caráter dogmático
e litúrgico. Os sacrifícios da Redenção e da Ressurreição são os dois dogmas essenciais
443
MÂLE, Émile, L’art religieux du XIIIe siècle en France..., op. cit., p. 91-102.
236
444
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 444-447.
445
Idem, ibidem, p. 410.
446
Exemplum era um relato breve dado como verídico e destinado a ser inserido em um discurso. Podia
ser um sermão, para convencer uma audiência através de uma lição salutar.
237
447
VARAZZE, Jacopo de, Legenda Áurea. Vida de santos, São Paulo, Companhia das Letras, 2013.
Tradução do latim, apresentação, notas e seleção iconográfica: Hilário Franco Junior. (Primeira edição:
Jacopo de Varazze. Arcebispo de Gênova, c. 1229-1298).
448
Para maiores detalhes sobre o imaginário do barroco português, ver o verbete publicado em PEREIRA,
José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p.
231-233.
449
SERRÃO, Vítor, A trans-memória das imagens. Estudos iconológicos de pintura portuguesa (séculos
XVI-XVIII), Lisboa, Edições Cosmos, 2007, p. 7.
238
também azulejos tem sido objeto de pesquisa pelo menos nos últimos 50 anos. No
Brasil, o estudo inicia-se, na década de 40 do século passado, com o trabalho pioneiro
sobre gravuras e pinturas do período colonial da pesquisadora do IPHAN, Hannah
Levy450. Por longo tempo, poucos foram os acréscimos a esse trabalho. Porém, se o
objeto de pesquisa for substituído por acervos escultóricos, em particular pelas
esculturas devocionais, muito pouco foi publicado, tanto no que se refere à arte
portuguesa quanto à luso-brasileira, dos séculos XVII e XVIII.
Neste estudo, entendemos documento iconográfico/imagético como todas as
obras figurativas, preferencialmente de caráter religioso, que tenham como suporte o
papel e possibilitem a reprodução (tiragens) de forma manual ou mecânica.
Descartamos desta tese os desenhos e as reproduções de motivo ornamental e os
tratados teóricos sobre arquitetura de Serlio, Vignola, Palladio e Scamozzi.
As reproduções figurativas religiosas podiam cumprir diferentes funções, desde
servir de inspiração para novas obras de arte a se tornarem elas mesmas o objeto
devocional. No primeiro contexto, encontram-se os livros litúrgicos ilustrados, tais
como Missais e Bíblias, com reproduções feitas de obras dos grandes mestres do
Renascimento, Maneirismo e Barroco e as séries de gravuras devocionais, publicadas
em álbuns temáticos confeccionados a partir de um tema central, normalmente a vida de
um santo.
Era através das gravuras que o grande público conhecia as obras-primas dos
principais representantes da pintura renascentista e barroca, disseminadas pela Europa.
Um bom número de gravadores de todos os países dedicou-se a reproduzir pinturas,
monumentos e ruínas da Itália. Rubens foi um dos que mais se interessou em ter as suas
obras difundidas através das gravuras, chegando a patrocinar uma oficina de gravadores
encarregados de copiar suas obras451.
No caso dos álbuns iconográficos, as gravuras tinham também a função de fixar
o tipo iconográfico, isto é, de recomendar assuntos mais pertinentes para serem
representados a partir da vida de um santo recém-canonizado ou não. Encomendava-se a
confecção de estampas com passagens e cenas de sua vida que merecessem ou
devessem ser retratadas segundo a ortodoxia.
450
LEVY, Hannah, ‘Modelos europeus na pintura colonial’, publicado em Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, vol. 8, Rio de Janeiro, 1944.
451
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, O aparecimento do livro, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000, p. 143. (primeira edição Paris, 1958).
239
452
RUGGERI, Ugo, Dürer, Lisboa, Editorial do livro, 1979, p. 12.
453
MOURA, Carlos, ‘Uma poética da refulgência: a escultura e a talha dourada’ publicado em História
da Arte em Portugal. O limiar do Barroco, vol. 8, Lisboa, Alfa,1986, p. 95.
240
454
SOUSA, Conceição Borges de, ‘A mensagem e a imagem. A influência da gravura europeia nos
marfins orientais’ publicado em MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho e CORREIA, Ana Paula Rebelo
(coord), Iconografia e fontes de inspiração. Imagem e memória da gravura europeia, Actas 3º Colóquio
de Artes Decorativas, Lisboa, Museu de Artes Decorativas Portuguesas/ Fundação Ricardo do Espírito
Santo Silva, 2011, p. 243-256.
455
SERRÃO, Vítor, ‘Os programas imagéticos na arte barroca portuguesa: a influência dos modelos de
Lisboa e a sua repercussão nos espaços luso-brasileiros’, estudo publicado em SOARES, Maria Micaela
(dir.), MECO, José (coord.), Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (número especial de
homenagem a Irisalva Moita), IV série, n.º 95, 1º tomo, s.l.: s.e., 2009, p. 149–186.
456
ALMEIDA, Patrícia Roque de, ‘Azulejaria do claustro do cemitério do Mosteiro de São Marinho de
Tibães. Os painéis perdidos’, publicado em PATRIMONIO Estudos, nº 10, Lisboa, IPPAR / Instituto
português do Patrimônio Arquitectonico, 2007, p. 71-80 e, ainda da própria autora, a dissertação de
Mestrado O azulejo do século XVIII na arquitetura das Ordens de São Bento e de São Francisco no Entre
Douro e Minho, Porto, Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, 4 v., 2004.
457
MARINHO, Lúcia, ‘Carmelitas Descalços: representação dos fundadores da Ordem em três painéis de
azulejos’, publicado em GlazeArch2015 International conference Glazed ceramics in architectural
heritage, p. 41-55. Disponível em https://www.academia.edu/13793179/, acessada em 16/12/2015. Sobre
o assunto, ver outros artigos publicados por Lúcia MARINHO, atualmente para o doutoramento com o
tema: Santa Teresa de Jesus na azulejaria e pintura do século XVIII. Orientada pelo Professor Dr. Vítor
Serrão, na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa.
458
ALMEIDA, Patrícia Roque de, ‘A abordagem das fontes iconográficas da azulejaria portuguesa’,
publicado em João Miguel dos Santos Simões. 1907-1972. Investigador, Museólogo, Historiador do
Azulejo e da Cerâmica, Lisboa, Ministério da Cultura/ Instituto Português dos Museus e da Conservação
/ Museu Nacional do Azulejo, 2007, pp. 107-117.
241
gravuras e azulejos, e a importância dos álbuns temáticos para a fixação dos programas
iconográficos da recém-instituída Ordem dos Carmelitas Descalços, nas figuras de
Santa Teresa e São João da Cruz.
459
O inventário de bens do pintor mineiro Manoel da Costa Athaíde, falecido em 1830, relaciona um
‘Dicionário francês’, ‘hum livro da Bíblia estampado’ e ‘hum dito Segredo das Artes’ em dois tomos.
460
Como é o caso da Bíblia de Demarne, ou Histoire Sacrée de Ia Providence et de la Conduite de Dieu
sur les Hommes Depuis le commencement du Monde jusqu’aux Temps prédits dans l’ Apocalypse, Tireé
de l’ Ancien et du Nouveau Testament Representée, En cinq cent Tableaux Gravez d’ aprés Raphael et
autres grand maitres et Expliquée par des paroles même de I’Ecriture en Latin et en François, 3 volumes
in qto Dédieé a La Reyne Par Demarne Architecte et Graveur Ordre de Sá Magesté, publicada em Paris,
em 1728-30, pertencente à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. A obra é composta de 500 gravuras.
Como o próprio autor introduz no título, 52 delas foram inspiradas em trabalhos de Rafael no Vaticano.
Podiam ainda ser adquiridas separadamente.
461
SILVA, Áurea Pereira da, ‘Notas sobre a influência da gravura flamenga na pintura colonial do Rio de
Janeiro’, Revista Barroco, Belo Horizonte, n.10, p.35-59, 1978/1979.
242
462
Orientandos da professora Doutora Adalgisa Arantes Campos: Alex Fernandes Bohrer e Camila F. G.
Santiago. Do primeiro: BOHRER, Alex Fernandes, Um Repertório em reinvenção: apropriação e uso de
fontes iconográficas na pintura colonial, publicado em Revista Barroco, 19, Belo Horizonte, Centro de
Pesquisas do Barroco Mineiro, 2005 e BOHRER, Alex Fernandes, ‘Mecenato e Fontes Iconográficas na
Pintura Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34’, publicado em Anais do XXIV Colóquio do Comitê
Brasileiro de História da Arte, Belo Horizonte, 2004 e a Tese de doutoramento: A Talha do Estilo
Nacional Português em Minas Gerais: Contexto sociocultural e produção artística, (2015). A professora
Doutora Maria Beatriz de Melo Souza tem uma linha de pesquisa Arte e Devoção: cinco séculos de
história do livro religioso ilustrado, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, que estuda os livros de temática cristã produzidos na Europa entre os séculos XIV-
XVIII, ilustrados com iluminuras pintadas ou gravadas.
463
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, ‘Gravuras europeias e o Aleijadinho’ publicado em O Estado de
São Paulo, Suplemento Cultural, Vol. 136, número III, 10/06/1997, p. 3-4.
464
SEBASTIÁN, Santiago, O programa iconográfico de Congonhas do Campo: integração do Brasil na
espiritualidade da contra-reforma, publicado na Revista BARROCO, 12, Minas Gerais, UFMG, 1989, p.
259-269.
465
SOBRAL, Luis de Moura, A Madalena da Crucificação de Congonhas: uma discrepância
iconográfica ou um passo esquecido?, o estudo foi publicado na Revista BARROCO, 12, Minas Gerais,
UFMG, 1989, p. 191-196.
243
466
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O rococó religioso… op. cit., p. 91-92.
467
Ver, entre outros, as obras de RUEDA, Marta Fajardo de, ‘Del grabado europeio a la pintura
americana’, publicada em Historelo, 2011, p. 191-214; BARGELLONI, Clara, ‘Difusión de modelos:
grabados y pinturas flamencos e italianos en territorios americanos’ publicado em HACES, J. Gutiérrez
(Ed.), Pintura de los Reinos: Identidades compartidas. Territórios del mundo hispánico, siglos XVI-
XVIII, Madrid, 2010, p. 964-1007 e MEJÍA, Vives, El arte colonial y lós grabados , 2010, p. 58-60. Ver
ainda, sobre o assunto, os artigos indicados no site Project on the Engraved Sources of Spanish Colonial
Art (PESSCA): <http://colonialart.org/resources/printed>
468
OLIVEIRA, Myriam, op. cit., p. 91-97. DORNN, Francisco Xavier, Letania Lauretana de la Virgen
Santissima, Valencia, 1768. (Edição facsimilar de 1980).
469
SOARES, Ernesto, Inventário da colecção de registos de santos, Lisboa, 1955, p. XVII.
244
470
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 56-60.
471
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 136.
472
Idem, ibidem, p. 141. Em pleno século XXI, ainda existem pequenos livros feitos a partir de matrizes
entalhadas na madeira, no nordeste brasileiro, na chamada, literatura de cordel. As novas tecnologias
estão mudando o paradigma, mas ainda é possível encontrar exemplares feitos a partir desse processo,
porém, ele se encontra em plena decadência.
473
O Sacramentário continha as orações recitadas pelo celebrante durante a missa cantada (colecta,
postcomunio e o canon da missa). In: FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria da Graça,
Dicionário do livro, Coimbra, Almedina, 2008, p. 1102
245
474
ALBARIC, Michel e DEBERT, Aline, ‘Décor et images des missels de rite latin’, publicado em
CARACCIOLO, Maria Teresa e LE MEN, Ségolène, L’Illustration, essais d’iconographie, Histoire de
l’art et iconograhie, collection dirigée par catherine MONBEIG GOGUEL. Klincksieck, 91-101.
475
Missal é o manual litúrgico que contém as partes recitadas e cantadas da missa para os dias do ano e as
festas religiosas, com a indicação das cerimônias que as acompanham. Os primeiros missais apareceram
nos finais do século X, início do XI. Durante este século, convivem com o sacramentário, mas, no
decurso do século seguinte, este desaparece em favor do missal. O Missal romano era utilizado para o
culto segundo o rito romano. In: FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria da Graça,
Dicionário do livro. Da escrita ao livro electronico, Coimbra, Almedina, 2008, p. 781.
476
Sanctorale, seção do livro litúrgico que contém os textos para as celebrações das festas dos santos,
exceto para aquelas que caíam entre 24 de dezembro e 13 de janeiro, também conhecidas sob o nome
próprio dos santos; [...] as celebrações natalinas, eram incluídas no Temporale, normalmente uma seção
separada nos manuscritos litúrgicos medievais. In: FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria
da Graça, Dicionário do livro... op. cit., p. 1105.
477
NATALI, Hieronymo (Societatis IESV, Theologo), Evangelicae Historiae Imagines Ex ordine
evangeliorum, qua Toto anno in Missae Sacrificio recitantur, In ordinem temporis vitae Christi digestae,
publicado em Antuerpia em 1593.
478
PEREZ, Marie-Félicie, ‘L’Illustration des ouvrages liturgiques édités à Lyon aux XVIIe et XVIIIe
siècles’, publicado em CARACCIOLO, Maria Teresa e LE MEN, Ségolène, L’Illustration, essais
d’iconographie, Histoire de l’art et iconograhie, collection dirigée par catherine MONBEIG GOGUEL.
Klincksieck, 104-113. A autora conclui que havia o uso indiscriminado de gravuras, que podiam ser
cópias ou simplesmente inspiradas nas gravuras mais antigas, principalmente as desenhadas e esculpidas
pelos irmãos Wierix, assim como gravuras inspiradas e gravadas a partir das pinturas de Rubens.
Reproduções feitas para a família Galle não tinham a preocupação de informar a origem da fonte de
inspiração. O processo era fazer novas provas de antigas gravuras, por outros gravadores, reimprimi-las
com os nomes dos novos gravadores, perdendo, assim, a fonte original. Porém, a partir de um estudo
comparativo, facilmente se identifica a gravura original.
246
Passeri e Antón Wierix. [...]”479. Exemplares desta obra chegaram às livrarias dos
Colégios jesuíticos de todos os continentes, da China à América.
As Bíblias estavam presentes em todas as igrejas e ganharam uma maior
divulgação para o público leigo a partir dos exemplares traduzidos nas línguas
vernaculares, nos séculos XV e XVI. Bíblia é o nome comumente empregado para o
conjunto de textos do Antigo e Novo Testamento. Existiram exemplares manuscritos e
iluminados, porém, a mais famosa é a conhecida como Bíblia de 42 linhas, que foi
considerada o primeiro livro impresso, em latim, por Johan Gutenberg, John Füst e
Peter Schöffer em Mogúncia, entre 1450-55.
Entre os exemplares ilustrados, tornou-se célebre a tipologia conhecida como
Biblia Pauperum (Bíblia dos pobres), cuja primeira edição, de 1430, foi considerada o
mais antigo livro religioso xilográfico. Consistia numa série de miniaturas ilustrando
cenas da vida do Cristo acompanhadas de cenas do Antigo Testamento e figuras dos
profetas. Alguns autores dizem que foram populares no meio do clero inculto e dos
leigos, pelo seu caráter didático. Outros, porém, acreditam que se destinavam aos de
maior poder econômico, pois eram edições volumosas e caras480.
As primeiras ilustrações feitas no suporte madeira (xilogravuras) se
caracterizavam por apresentar um desenho ingênuo e ser impressas apenas em um dos
lados do papel. “Admite-se a hipótese de que este expediente servisse também ao padre
como uma espécie de referência ou guia temático que funcionava como ponto de
partida para as suas pregações, ajudando-o a mostrar a unidade da Bíblia”481.
Segundo Émile Mâle, a Bíblia dos pobres foi excepcionalmente popular servindo
como fonte para muitos artistas e para obras de diferentes suportes. “As tapeçarias de
Chaise-Dieu e as da Catedral de Reims são inspiradas nessas obras; o mesmo sucede
com uma tapeçaria da Catedral de Sens, e uma outra de Chalon-sur-Saône. Os doze
vitrais de Saint Chapelle de Vic-le-Comte são ainda copiados da Bíblia dos Pobres e do
Speculum. O mesmo acontece com certas esculturas do portal central de Saint-Maurice
de Viena-do-Delfinado, ou do grande portal da catedral de Troyes. O mesmo se passa,
ainda, com os esmaltes de Limoges e alguns pequenos cofres de marfim esculpido”482.
479
SERRÃO, Vítor, Entre a China e Portugal: temas e outros fenómenos de miscigenação artística, um
programa necessário de estudos, disponível em https://www.academia.edu/19764171/.
480
FARIA, Maria Isabel Ribeiro de; e PERICÃO, Maria da Graça, Dicionário do livro... op. cit., p. 137.
481
Idem, ibidem, p. 138.
482
MÂLE, Émile, apud FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 130.
247
483
MARINHO, Lúcia, ‘Carmelitas Descalços: representação dos fundadores da Ordem em três painéis de
azulejos’, publicado em GlazeArch2015 International conference Glazed ceramics in architectural
heritage, p. 41-55. Disponível em https://www.academia.edu/13793179/Carmelitas, acessada em
16/12/2015. Sobre o assunto, ver outros artigos publicados por Lúcia MARINHO. Atualmente trabalha
em pesquisa de doutoramento com o tema: Santa Teresa de Jesus na Azulejaria e Pintura do século
XVIII, orientada pelo Professor Dr. Vítor Serrão, na Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa.
484
COLLAERT, A., C. Galle, Vita S. Virginis Teresiae a Iesu Ordinis Carmelitarum Excalceatorum piae
restauratricis, Antuérpia, Apud Ioannem Galleum, 3ª edição, Antuérpia, Apud Ioannem Galleum, 1630.
Biblioteca Nacional de Portugal, Secção de Iconografia, E. A. 14//6 P., fls 138-162. [Primeira edição:
1613) URL: http://purl.pt/6368/2/P140.html. Ver: MARINHO, Lúcia, ‘Carmelitas Descalços... op. cit.
485
WESTERHOUT, A. V., Vita effigiata della serafica vergine S. Teresa di Gesù fondatrice dell’Ordine
Carmelitano Scalzo, Roma, 1716. Biblioteca Nacional de Madrid: ER_1619. Ver: Idem, ibidem.
486
LEESDAEL, F., Obras espirituales, qve encaminan a vna alma, a las mas perfecta union com Dios,
en transformacion de amor por el extatico, y sublime Doctor Mystico el Beato Padre San Jvan de la Crvz,
Sevilha, 1703. Ver: Idem, ibidem.
248
491
PANOFSKY, Erwin, The life and art of Albrecht Dürer, New Jersey, Princeton University Press,
1963, p. 4-5
492
Idem, ibidem, p. 4-5.
250
Fig. 46 – Grande Paixão, de Dürer: Oração no Horto; Prisão; Flagelação; Ecce Homo; Cristo
com a cruz às costas; e, Crucificação.
493
Idem, ibidem, p. 8.
494
Passio domini nostri Jesu: ex Hieronymo Paduano, Dominico Mancino, Sedulio et Baptista Mantuano
per fratrem Chelidonium collecta, cum figuris Alberti Dureri Novici Pictoris. Nuremberg: Hieronymus
Holzel, 1511.
495
KURTH, Willi (ed.), The complete woodcuts of Albrecht Dürer, New York, Dover Publication inc., s/
data, p. 121-127 e 214-218.
251
496
Passio Christi ab Alberto Durer Nurenbergensi effigiata cum varii generis carminibus Fratris
Benedicti Chelidonii Musophili. Nuremberg: Albrecht Dürer, 1511. Apud, KURTH, Willi (ed.), The
complete … op. cit, p. 127.
497
KURTH, Willi (ed.), op. cit., p. 222-258.
252
O uso da técnica xilográfica ajuda a dar corpo e drama às cenas, pois permite o
contraste forte de preto e branco, assim como os traços são bem definidos. As cenas são
narrativas, buscam contar o drama da Paixão através das figuras. Apesar de se tratar de
um artista do Renascimento, Dürer experimenta composições assimétricas, deslocando
o personagem principal, prenúncio do gosto que está por vim. A definição anatômica
dos personagens perpassa o desenho escultural, gerando uma atmosfera de naturalidade,
típica de um artista que se especializou no modelo vivo. O resultado é um desenho de
grande vigor, expresso no contraste da técnica da xilogravura, criativo na composição, e
que, sem dúvida, serve de inspiração para obras escultóricas.
498
NATALI, Hieronymo (Societatis IESV, Theologo), Evangelicae ... op. cit.. Ver também MATTOS,
Manuel Cadafaz de, ‘As Gravuras Flamengas dos irmãos Wierix em Circulação na China e (re) impressas
por Matteo Ricci e Cheng Dayue’, publicado em LISBOA, João Luís (Org.), Cultura – Revista de
História e Teoria das Idéias, Lisboa, Publicação do Centro de História da Cultura da Universidade Nova
de Lisboa, 1997. Vol. IX – O Livro e a Leitura.
255
503
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 472.
MÂLE, Émile, L'art religieux après le Concile de Trente. Étude sur l'iconographie de la fin du XVI e, et
504
Émile Mâle menciona que foi com as determinações do Concílio de Trento, que
se considerou como original a coluna de Roma e sua representação tornou-se um
balaústre de mais ou menos 60 cm. O certo é que só ocorrerá a substituição da coluna
alta por uma baixa, a partir do final do século XVI e princípios do XVII, inclusive é
possível encontrar gravuras, posteriores ao livro do Padre Nadal, de Jerônimo Wierix,
com a coluna baixa.
Porém, não é nossa intenção determinar o momento exato da mudança do
modelo a ser seguido. Nas três estampas que apresentamos a seguir, é possível ver a
evolução do tema. Na primeira, de Jerônimo Wierix, Cristo, centralizado, está no
momento da sua fixação a uma coluna baixa. Ainda vem acompanhado por dois
algozes. O instante é anterior ao martírio, pois não apresenta as marcas do flagelo. Esse
momento se repete na gravura de Lucas Vorsterman I (1595-1651), pertencente ao
Rijksmuseum, na Holanda. Em ambos exemplos a coluna lembra muito o modelo da
que se encontra na Igreja, de Roma. Cristo só aparecerá completamente isolado e preso
à coluna baixa, na gravura do artista anônimo flamengo, idealizada a partir do desenho
de Abraham Diepenbeeck (c. 1596-1675). Tal exemplo nos remete imediatamente às
obras escultóricas dos Cristos da Flagelação, apesar de o momento ainda ser anterior ao
flagelo, com Cristo sem hematomas ou feridas decorrentes do castigo. Acreditamos que,
somente ao longo do século XVII, com a acuidade do gosto pelo drama e pelo
sofrimento, típicos da devoção do período barroco, as marcas do sofrimento aparecerão
impressas no corpo do Cristo: feridas e hematomas. Não esquecendo que o Cristo com o
corpo exageradamente ensanguentado devido às inúmeras feridas foi comum no norte
da Europa como veremos adiante. Além das marcas do flagelo em feridas também há o
testemunho da dor ocasionando o corpo contorcido, que tendo as mãos fixadas a coluna
baixa, forçava uma atitude de submissão.
259
505
Gravura, Mauquoy-Hendrickx 1978-83, cat. 297. Fine Arts Museum of San Francisco. Image Base,
1963.30.11202/ item 325A
506
Gravura, Gerhard Seghers (1591-1651) (Rijstmuseum Website)
507
ca. 1670, Gravura, Abraham Diepenbeeck (ca. 1596-1675). KNIPPING, John B. (1974) Iconography
of the Counter Reformation in the Netherlands. Nieuwkoop/Leiden, B. de Graaf/A. W. Sijthoff.
508
SOBRAL, Luis de Moura, ‘Gravuras e hermenêutica. Os casos da chamada Sala dos Encantos da
Música do Paço Ducal de Vila Viçosa e da Sala da Enciclopédia da Biblioteca Joanina de Coimbra 193’,
publicado em Actas do III Colóquio de Artes Decorativas - Iconografia e fontes de inspiração - imagem
e memória da gravura europeia, Lisboa, 2009, p. 193-202.
260
toda a vida intelectual e espiritual, em que a Igreja ocupava um lugar tão importante,
em que a cultura era essencialmente oral, o uso de um processo gráfico que permitisse
multiplicar as imagens piedosas revelava-se bem mais necessário do que a imprensa.
Fazer penetrar por todo o lado as imagens dos santos que, até então, apenas se viam
em torno dos capitéis, nos portais, nas paredes e nos vitrais das igrejas; difundir as
suas lendas, permitir a todos contemplar à vontade, em sua casa, os milagres de Cristo
e as cenas da Paixão, fazer reviver as personagens da Bíblia, evocar o problema da
morte, mostrar a luta dos anjos e dos demónios à volta da alma do moribundo, tal foi o
papel essencial das imagens xilográficas, cuja necessidade se fez sentir bem antes e
bem mais intensamente do que a de reproduzir em numerosos exemplares, textos
literários, teológicos ou científicos (que, até então, permaneciam manuscritos) apenas a
pedido de um punhado de doutores e de clérigos”509.
A fixação do modelo era essencial, pois a identificação do personagem devia ser
rápida, para que fiéis, nos momentos de aflição, não se confundissem. No século XIV,
ou um pouco antes, aparecem os primeiros conjuntos de imagens populares de caráter
religioso, produzidas, num primeiro momento, pelas oficinas conventuais, nos claustros
dos mosteiros, para serem vendidas ou distribuídas aos milhares nas peregrinações ou à
porta das igrejas e nas feiras510.
Já nos séculos XVII e XVIII, a confecção de registros de santos fica a cargo de
editoras leigas, especializadas neste tipo de impressão. No entanto, eles jamais deixaram
de ser produzidos também por religiosos, e até hoje, nesta tradição, existem editoras,
religiosas ou não, responsáveis pela fatura desse tipo de ‘santinhos’, utilizando técnicas
contemporâneas e de muito menos qualidade estética.
Nos séculos XVI, XVII e XVIII, as estampas religiosas cumpriam a principal
função de suprir, de forma barata, a necessidade de as pessoas possuírem um objeto para
a devoção particular. Podiam estar impressas nos seus livros de oração ou ainda ser
vendidas em folhas soltas como pequenos souvenirs, algumas incluíam até invólucros
decorados (pequenas maquinetas de vidro, ou apenas molduras forradas de tecidos e
laços de fita). Eram objetos de baixo valor monetário, reimpressos anualmente,
movimentando um mercado incipiente, pois o papel, com o manuseio constante,
degradava-se rapidamente.
509
FEBVRE, Lucien e MARTIN, Henri-Jean, op. cit., p. 55.
510
Idem, ibidem, p. 58.
261
511
Texto introdutório dos Registos de santos, no sítio da Biblioteca Nacional de Lisboa, disponível em:
http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=108&Itemid=144&lang=pt
262
Fig. 53 – Coroação de
espinhos e Caminho do
Calvário, Klauber sc. et
exec. (Acervo Biblioteca
Nacional, Portugal)
“Com relação aos registros avulsos, que até hoje não foram catalogados de
forma sistemática, gozavam os mesmos de tal popularidade, que praticamente
dominaram o comércio internacional de estampas religiosas, a partir de meados do
século XVIII, atingindo inclusive as Américas hispânica e portuguesa. Em artigo
publicado em 1979, chamamos a atenção para possíveis influências desses registros na
arte do Aleijadinho”513. Um exemplo muito interessante que pode comprovar essa
afirmativa de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira é a gravura dos Klauber da
Biblioteca Nacional de Portugal, com a representação da face de Cristo, quando
confrontado com as esculturas do Cristo, dos Passos da Paixão do Santuário do Bom
Jesus de Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais, no Brasil.
512
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó religioso… op. cit., p. 94.
513
Idem, ibidem, p. 94. A historiadora refere-se ao seu artigo, já mencionado aqui, publicado no jornal
Estado de São Pauo: ‘Gravuras europeias e o Aleijadinho…’ op. cit..
263
514
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade de São
Paulo e Livraria Itatiaia, 1976, p. 186. (edição original: 1869)
264
515
EWBANK, Thomas, op. cit., p. 186.
516
Gravuras e estampas que podem ser visitadas em: http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/home.aspx
265
Fig. 55 - Senhor Jesus dos Prodígios, estampa e obra escultórica. A estampa foi
desenhada por M. de Mattos e esculpida (gravada) por João Cardini517. A escultura é
provavelmente da primeira metade do século XVIII, em madeira policromada. (Fonte:
SOARES, Ernesto. Registos ... p. 300)
517
Manuel de Mattos nasceu em Sardoal em 1750 e faleceu em Lisboa em 1818. Foi pintor de flores, de
paisagem e escultor. Já João Cardini foi gravador do século XVIII, viajou a Londres, onde gravou, em
1813 e 1814, três retratos. Ver: D BÉNÉZIT, E., op. cit., Portanto, a gravura em questão deve ser datada
como pertencente ao último quartel do século XVIII ou às duas primeiras décadas do XIX
518
SERRÃO, Vítor, A trans-memória... op. cit., p. 11.
266
519
As três vias, purgativa, iluminativa e unitiva, na teologia, representam o caminho que a alma deve
seguir para a vida em perpétua comunhão com Deus, começando pela expiação dos pecados, passando
pela iluminação da alma até a união final.
520
BLUTEAU, Raphael, Vocabulário portuguez e latino, Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de
Jesus, 1712, p. 467.
267
também que outras instituições religiosas -pois, até esse momento, os franciscanos
tinham a primazia na representação e divulgação da via-sacra, uma vez que eram os
guardiões da via dolorosa na Terra Santa- pudessem alocar uma via-sacra nas suas
dependências, independente da origem. Portanto, as cenas fixadas neste decreto papal
foram as seguintes: 1 – Cristo condenado; 2 – a entrega da cruz (a cruz lhe é dada); 3 –
a primeira queda; 4 – o encontro com Maria; 5 – a ajuda de Simão Cirineu; 6 – o
encontro com Verônica; 7 – a segunda queda; 8 – o encontro com as mulheres de
Jerusalém; 9 – a terceira queda; 10 – a retirada da túnica (lhe é sacada a túnica); 11 – a
crucificação; 12 – a morte na cruz; 13 – o descendimento; 14 – o enterro521.
A Paixão de Cristo, incluindo o caminho do calvário, foi sendo enriquecida,
desde a Idade Média, a partir de textos apócrifos e da representação do Teatro dos
Mistérios522, com a incorporação de novos personagens, como a Virgem dolorosa e
Verônica. A primeira aparece representada desmaiando, o que será mal visto pelos
preceitos da contrarreforma e, posteriormente, abolido, restando apenas a Virgem
lacrimosa. E a segunda, ao ajudar Cristo, secando a sua face, terá o privilégio de ganhar
a impressão da verdadeira face no seu véu (vero ícone), que passará a ser um tema
corrente na arte.
Os passos, representados nas igrejas carmelitas, fazem parte do ciclo da Paixão
de Cristo, contendo apenas duas cenas do caminho da via-sacra: Senhor com a cruz às
costas e o Crucificado. A via dolorosa de Jerusalém inspirou a criação de diversos
santuários com os momentos finais da vida de Cristo, em igrejas europeias, e, a partir do
século XV, nos ditos Sacros Montes. Posteriormente, as Irmandades do Senhor dos
Passos também divulgaram o tema através de pequenas capelas dispostas pelas ruas das
521
ALSTON, George Cyprian, ‘Way of the Cross’, publicado em The Catholic Encyclopedia, Vol. 15,
New York, Robert Appleton Company, 1912. 24 Jan. 2016
<http://www.newadvent.org/cathen/15569a.htm>.
522
Os Mistérios (Mystère), também chamados de Jeu (drama) da Paixão, constituíam a mais importante
criação do teatro religioso medieval, conservando-se do século XII ao XV. Os temas eram extraídos do
Antigo e Novo Testamento, sendo a Paixão de Cristo o principal deles. Tinham a finalidade de transmitir
ao povo, de forma acessível, a história da religião, dos dogmas, que a língua culta da época (o latim)
ocultava aos iletrados. Seguiam sempre o ritual litúrgico: Natal, Páscoa, Corpus Christi, etc. A princípio,
eram representados no interior das igrejas, pelos religiosos. Com o tempo e a fama, atingiram as ruas e
ganharam muitos figurantes e complexas encenações. Os mistérios atraíam multidões e podiam, em
determinadas épocas do ano, durar dias. O mais célebre de todos, Le Mystère de la Passion de Arnould
Gréband, montado por volta de 1450, era composto de trinta e cinco mil versos. Foi proibido pela Igreja,
pois se tornou abusivo, misturando temas religiosos e profanos. In: VASSALO, Lígia, O Teatro
Medieval. (disponível em: http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/teatro/index05.html) Manifestação
semelhante se encontra ainda hoje na cidade-teatro de Nova Jerusalém, no agreste do estado do
Pernambuco, no Brasil. Lá a Paixão de Cristo é encenada por uma multidão de figurantes, escolhidos
entre a população local, e artistas televisivos, que representam as personagens centrais e, de acordo com a
fama, mudam a cada ano. Para mais detalhes, ver: http://www.novajerusalem2015.com.br/
268
Os Sacros Montes, segundo Louis Réau, foi um tipo de devoção, instituída pela
ordem franciscana, a partir do desejo de multiplicar o benefício espiritual e material da
peregrinação à Terra Santa, e, em particular, à Igreja do Santo Sepulcro523. Os
franciscanos receberam a incumbência de guardar os lugares santos em Jerusalém. Os
Sacros Montes, no começo, comportavam sete estações, pois o número sete era
considerado sagrado. Porém, no século XVI, por iniciativa também dos franciscanos, e
especialmente do pregador italiano Leonardo de Porto Maurizio, o número de estações
duplica, chegando a quatorze. Em 1731, esse número foi oficializado pelo Papa Bento
XIV.
Para o historiador de arte Germain Bazin, esse tipo de lugar era importante, na
Idade Média, devido à dificuldade de se peregrinar aos Lugares Santos, o que levou a
sua reprodução em diversos países. Sendo o caminho da cruz uma subida, nada mais
natural que fosse situado na encosta de uma montanha. O mais célebre de todos, foi,
segundo o historiador, o santuário de Vallaro, no Piemonte italiano, que, em 1491,
inaugurou o tema do sacro monte, ou montanha sagrada, tornando-se, mais tarde, um
dos grandes motivos da cenografia religiosa barroca524.
Ainda conforme Bazin, “[...] quanto ao uso do vocábulo statio, ele aparece,
desde a época paleocristã, com um significado litúrgico, designando um velório ou
‘vigília’ com jejum, que se costumava fazer junto aos túmulos dos mártires, à noite e ao
amanhecer. Na Antiguidade pagã, o vocábulo tinha o sentido de plantão,
frequentemente comparada à de um soldado. Com a continuação, o vocábulo statio
aplicou-se às paradas feitas durante uma peregrinação – por exemplo, às paradas em
cada uma das sete igrejas de Roma, que se devia visitar num dia para se alcançar
indulgência plenária”525.
Os sacros montes, a partir do século XV, se multiplicam pela Europa. Os ibero-
americanos utilizaram o termo “passos” para determinar cada etapa da via crucis, pois
523
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 484 e 485.
524
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura..., op. cit., p. 220 e 221.
525
Idem, ibidem, p. 222.
269
se calculava a distância exata entre as estações a partir dos passos dados por Cristo. Na
Alemanha, a devoção se consagrava por capelas e cenas esculpidas em relevos, que
representavam as diversas estações. Um dos mais importantes foi o esculpido por Adam
Kraft (c. 1460-1509), na cidade de Nuremberg. Essa devoção se espalhou por toda a
Europa, tendo os franciscanos como grandes divulgadores. Os famosos baixos relevos
de Adam Kraft, em número de sete, são conhecidos como The seven falls, isto é, as sete
quedas, pois, em todos eles, Cristo se encontra quase ao solo, sucumbido pelo peso da
cruz, ou já ao solo526.
Émile Mâle, mais uma vez, vê, no Teatro dos Mistérios, a origem dessa
popularidade dos Sacros Montes. Apesar de as encenações não ocorrerem em montes,
realizavam-se ao ar livre e podiam prolongar-se por vários dias527. Além do Teatro dos
Mistérios, analisado por Mâle, Germain Bazin credita o papel de promover os sacros
montes também às obras literárias piedosas e descritivas dos lugares santos, publicadas
em fins do século XV e XVI, que, a partir da imprensa, foram reproduzidas e divulgadas
rapidamente528.
“Depois das colunas com baixos-relevos, usuais no século XV, [...] cada
estação transformou-se numa capela, em que um grupo esculpido, pintado em cores
naturais, evoca, de maneira realista, o episódio da Paixão que se quer comemorar [...]
todo o monte transforma-se em uma enorme cenografia que, graças a um mundo de
estátuas, alojadas em verdadeiros pequenos palácios, celebra a história da humanidade
vista do ângulo cristão, começando pela criação, prosseguindo pela Encarnação e
526
[…] called "Seven Falls of Christ", that is to say Stations of the Cross representing Christ tottering
and falling under the weight of His Cross, […] They were completed about 1490, and are now in the
Germanic Museum at Nuremberg. […]. GIETMANN, Gerhard, ‘Adam Krafft’, publicado em The
Catholic Encyclopedia, Vol. 8, New York, Robert Appleton Company, 1910. 24 Jan. 2016
<http://www.newadvent.org/cathen/08695b.htm>.
527
MÂLE, Émile, op. cit., p. 45. Um exemplo interessante da importância das obras literárias e do teatro é
o Sermão da Sexagésima, do Padre Antonio Vieira: Vai um pregador pregando a paixão, chega ao
Pretório de Pilatos, conta como a Cristo fizeram rei de zombaria; diz que tomaram uma púrpura, e lha
puseram aos ombros ouve aquilo o auditório muito atento. Diz que teceram uma coroa de espinhos, e que
lha pregaram na cabeça: ouvem todos com a mesma atenção. Diz mais que lhe ataram as mãos, e lhe
meteram nelas uma cana por cetro: continua o mesmo silêncio, e a mesma suspensão nos ouvintes.
Corre-se neste passo uma cortina, aparece a imagem do Ecce Homo: eis todos prostrados por terra; eis
todos a bater nos peitos, eis as lágrimas, eis os gritos, eis os laridos, eis as bofetadas: que é isto? Que
apareceu de novo nesta Igreja? Tudo o que descobriu aquela cortina, tinha já dito o pregador. Já tinha
dito daquela púrpura, já tinha dito daquela coroa, e daqueles espinhos, já tinha dito daquele cetro, e
daquela cena. Pois se isto então não fez abalo nenhum, como fez agora tanto? Porque então era Ecce
Homo ouvido, e agora é Ecce Homo visto: a relação do pregador entrava pelos ouvidos: a representação
daquela figura entra pelos olhos. Ver: MARQUES, João Francisco, ‘A palavra e o livro’, publicado em
História religiosa de Portugal,... p. 291.
528
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura..., op. cit., p. 227-228.
270
529
Idem, ibidem, p. 228.
530
Idem, ibidem, p. 237.
531
[...] No Bom Jesus de Bouças (Matosinhos), que ainda em 1692, no dia da sua festa principal, teria
acolhido mais de 20 000 visitantes, em 1726, uma parte dos múltiplos rendimentos da sua irmandade
eram aplicados à criação de um novo retábulo e de um trono para a imagem principal, profusamente
decorados com talha barroca. As obras no interior da igreja prolongar-se-iam até à segunda metade do
século XIX. Outras vezes, eram renovações arquitectónicas mais profundas que constituíam o meio
preferido para dar novo alento a devoções já existentes. Foi o que sucedeu no Bom Jesus do Monte onde,
após 1721, a introdução de capelas com cenas da Paixão, fontes, escadórios, terreiro, pórtico, e a
construção de uma igreja principal, seguindo o modelo dos sacros-montes italianos, revitalizou o
santuário, cujas obras de ampliação só terminaram em 1853. [...] Ver: PENTEADO, Pedro,
‘Peregrinações e santuários’, publicado em História religiosa de Portugal, op. cit., p. 355.
271
532
BURY, John, ‘Santuários do Norte de Portugal e sua influência em Congonhas’, publicado em
publicado em A arquitetura e a arte do Brasil colonial, São Paulo, Nobel, 1991. Reedição: Brasilia,
IPHAN/MONUMENTA, 2006, p. 231-232. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/files/johnbury.pdf
533
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O Aleijadinho e o Santuário de Congonhas, Monumenta /
IPHAN, 2006.
272
534
Vale lembrar que a primeira obra de Santa Teresa de Avila, Caminho de perfeição, saiu em 1583, na
cidade de Évora, mercê do mecenato do arcebispo D. Teodósio de Bragança.
535
Citado por ELIADE, Mircea, Tratado de história das religiões, Lisboa, Edições Cosmos, 1977, p. 141.
273
536
ESTATUTOS DA VENERAVEL Ordem terceira de Nossa senhora do Monte do Carmo. Novamente
impressos com as reformas feitas pelo meza conjunta de 29 de setembro de 1848, sendo prior da Ordem
o Irmão Prior jubilado João Baptista Lopes Gonçalves, reimpresso em 1895, Rio de Janeiro, Typ. e
Papelaria Neves, p. 42.
537
Durante o período em questão, os religiosos do Padroado Português espalharam-se por três
continentes. No Brasil, além dos padres da Companhia (1549), estabeleceram-se os carmelitas, em 1580,
e os franciscanos, em 1585. E, sucessivamente, mercedários (1642), capuchinhos (1642), oratorianos
(1659), carmelitas descalços (1665), clarissas (1677), dominicanos (1678) e agostinianos (1693). Vários
destes grupos limitaram-se a abrir conventos nos principais centros urbanos, pelo que não tiveram um
papel relevante na evangelização do território.
538
Fritz Teixeira Sales afirma que as irmandades religiosas do estado de Minas Gerais, no Brasil, no
século XVIII, apresentavam as seguintes categorias socioeconômicas: os brancos, as classes dirigentes e
os reinóis se agruparam nas Irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Conceição e
São Miguel e Almas; os comerciantes ricos, os donos de lavras e os funcionários da Coroa, nas Ordens
Terceiras de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo; os negros escravos, nas Irmandades do
Rosário, de São Benedito e Santa Efigênia; os escravos crioulos, forros e mulatos, na Irmandade de Nossa
Senhora das Mercês, e os pardos, na de São Gonçalo Garcia. Ver: SALES, Fritz Teixeira de, Associações
religiosas no ciclo do ouro, Belo Horizonte, UFMG e Centro de Estudos Mineiros, 1963 (Coleção
Estudos 1).
274
539
PENTEADO, Pedro, ‘Peregrinações e santuários’, publicado em ... p. 356.
540
VIDE Dom Sebastião Monteiro da, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, feitas, e
ordenadas pelo illustrissimo, e reverendissimo Senhor 5º Arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho
de sua Magestade, poposta e aceitas em o Synodo Diocesano, que o dito Senhor celebrou em 12 de junho
do anno de 1707, Impressas em Lisboa no ano de 1719, e em Coimbra em 1720 com todas as licenças
necessarias, e ora reimpressas nesta capital. São Paulo, Na Typographia 2 de dezembro de Antonio
Louzada Antunes, 1853, p. 254, p. 192. Disponível em : http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222291.
275
541
BONICENHA, Wallace, apud FILHO, Pedro Canal (org.), ‘O convento de Nossa Senhora do Carmo’,
Vitória, Edufes, 2010, p. 31.
542
Para ver detalhes dos Passos de Paraty, ver: http://www.paraty.com.br/passos_da_paixao.asp
543
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó nas igrejas de
Ouro Preto e Mariana, Brasília, DF, Iphan / Programa Monumenta, 2010, vol. 2, p. 152.
276
544
Principal forma simbólica da representação de Cristo é como o Cordeiro em sacrifício, ostentando o
Estandarte da Ressurreição. A morte de Cristo na Cruz foi identificada com o sacrifício do cordeiro
pascal, cuja cerimônia foi estabelecida por Moisés. O Cordeiro é o próprio Cristo Salvador, cujo sangue
foi derramado para salvar os homens. Daí a sua associação com o sacramento da Eucaristia. Para maiores
detalhes, ver: EUSÉBIO, Maria de Fátima, ‘A apropriação cristã da iconografia Greco-latina: o tema do
Bom Pastor’, publicado em Máthesis, 14, Coimbra, 2005, p. 9-25.
545
José Antonio Falcão esclarece que o simbolismo do Agnes Dei é complexo, mas que, ao longo dos
séculos, quatro tipologias podem ser definidas claramente: o cordeiro idílico, apoiado num rochedo de
onde manam os quatro rios do Paraíso e acompanhado por um cajado e um vaso de leite; o cordeiro
crucífero, ajoelhado com uma cruz e a jorrar sangue da ferida aberta no seu flanco; o cordeiro vexilífero,
a apertar uma cruz com estandarte contra o peito, aludindo à Ressurreição e, por último, o cordeiro
apocalíptico, com o Livro dos Sete Selos. Por vezes, essas versões aparecem combinadas. Ver:
FALCÃO, José António, ‘O Mistério de Cristo na revelação Artística’, publicado em Catálogo da
Exposição do Grande Jubileu do Ano 2000 “Cristo Fonte de Esperança”, Porto, 2000, p. 31.
546
VERGILIO CORREIA e NOGUEIRA GONÇALVES, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de
Coimbra II, Lisboa, Academia Nacional de Belas Artes, 1947, p. 162.
547
REAL, Manuel Luís, ‘Agnus Dei’, publicado em Cristo fonte de esperança. Catalogo da Exposição do
grande jubileu do ano 2000, Porto, 2000, p. 175.
277
548
ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, ‘O Românico’, publicado em História da arte em Portugal.
Volume 3, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, p. 163.
549
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évora, op. cit., Estampa 37.
278
de espinhos. Similar, porém de caráter mais naturalista, é o do Cruzeiro, que ainda hoje
pode ser visto na Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães.
Quanto às cruzes processionais, metálicas, e às peças do mobiliário sacro das
igrejas, Correia de Campos, na obra intitulada Imagens de Cristo em Portugal, arrola
uma boa quantidade dessas que contêm as representações dos Crucificados, seguindo os
mesmos modelos utilizados até então: Cristo vivo (triunfal e com coroa real) e, com o
avançar da Idade Média, o Cristo morto (sofredor e com coroa de espinhos)550.
Quanto aos Crucificados de madeira, existe um pequeno grupo inventariado,
quase todos fora dos seus locais de origem. Gustavo de Matos Sequeira, no Inventário
Artístico de Portugal, Distrito de Santarém, relaciona três exemplos: o de Santa Iria, o
de Almoster, e o Cristo negro do Museu Machado de Castro. Para esse autor, o mais
antigo é o Crucificado de Santa Iria de Santarém, pois apresenta o formato “[...]
arcaico, com a singularidade de a figura apresentar o braço direito pendido da cruz. A
modelação do dorso, onde a linha contornante das costelas se define com violência, o
alongado das mãos, o enrolado do cabelo, a ausência da coroa de espinhos, o não
cruzamento dos pés, o saio ainda comprido, levam a colocar esta escultura na primeira
metade do século XIII, anterior, portanto, aos Cristos de Almoster e do Museu
Machado de Castro”551.
O Crucificado de Santa Iria, é, portanto, um Cristo de olhos fechados,
expressivo na sua magreza e na flexão do corpo, devido à soltura de um dos braços da
cruz. Anatomicamente, porém, é um tanto estilizado. Apesar de não possuir a coroa de
espinhos e apresentar os pés paralelos, tem os olhos fechados. Correia de Campos
conjectura se essa escultura não pertenceria a uma Descida da cruz552.
O Crucificado de Almoster é, sem dúvida, já do tipo Morto com coroa de
espinhos, olhos fechados e fisionomia triste e sofredora. A policromia, dramática e
sanguínea, acompanha a tipologia dos Cristos espanhóis. No volume quatro da obra
História da arte portuguesa, Pedro Dias, afirma que não existem muitos Cristos
Crucificados deste período, [...] pelo que é problemática a integração destes
exemplares na evolução da arte portuguesa. Sabemos que muitas destas imagens se
perderam, dado serem de madeira, pelo que hoje não podemos dizer se haveria uma
550
CORREIA DE CAMPOS, Imagens de Cristo em Portugal, Lisboa, Livraria Bertrand, (d/1948).
551
SEQUEIRA, Gustavo de Matos, Inventário artístico de Portugal, Distrito de Santarém, Lisboa, 1949,
p. 6. O autor explica que o Cristo tem o braço pendido, devido a um milagre ocorrido no ano de 1300.
552
CORREIA DE CAMPOS, op. cit., p. 154.
279
553
DIAS, Pedro, ‘O Gótico’ publicado em História da arte em Portugal, Volume 4, Lisboa, Publicações
Alfa, 1986, p. 122.
554
FERNANDES, Carla Varela, ‘PATHOS - The bodies of Christ on the cross. Rhetoric of suffering in
wooden sculpture found in Portugal, twelfth - fourteenth centuries. A few examples’, disponível em:
https://www.academia.edu/5252172/PATHOS_-_The_bodies_of_Christ_on_the_cross.
555
Cristo, Museu Grão Vasco. Informação disponível em:
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=1039135
280
556
GOULÃO, Maria José, ‘Expressões artísticas do universo medieval’, publicado em RODRIGUES,
Dalila (coord.), Arte Portuguesa. Da pré-história ao século XX, volume 4, Lisboa, Fubu editores, 2009, p.
77.
557
CORREIA DE CAMPOS, op. cit., p. 142
558
GOULÃO, Maria José, op. cit., p. 78.
281
Fig. 60 – Crucificados:
túmulo Inês de Castro,
Alcobaça e túmulo
Bispo D. Pedro,
Catedral de Évora.
dos motivos por meio de moldes559, técnica que parece se aplicar muito bem a estas
duas placas.
Na pequena cena do Crucificado, Cristo está fixado à cruz por três cravos e tem
a cabeça caída para a direita. O perizônio é um tecido amarrado nas duas laterais. De um
dos lados, Maria, de mãos postas, olha para frente, e do outro, João Evangelista segura o
livro e apoia a cabeça na sua mão esquerda. Este Crucificado se encontra na mesma
linha evolutiva do Cristo do Túmulo de Isabel de Aragão. Entretanto, talvez seja
anterior àquele, pois os braços presos horizontalmente na cruz ligam-no ao tipo
Triunfal, enquanto o segundo em V, pendente ao peso do corpo, incorpora mais
sofrimento à cena.
Na prática, constata-se que as mudanças iconográficas acompanharam as
transformações ocorridas na arte europeia do período, com certa defasagem temporal.
Quanto aos Crucificados de madeira, por terem restado poucos exemplos, como
observou o Historiador Pedro Dias, torna-se difícil estabelecer uma linha evolutiva da
tipologia desses Cristos do período medieval.
Ainda com representação das cenas da Paixão de Cristo, está no Museu
Municipal de Portalegre, uma montagem de doze placas em relevo de barro cozido
policromado, datável do século XVI, com cenas da Paixão de Cristo. De cima para
baixo, são identificadas como: Ceia, Horto, Prisão, Cristo perante Pilatos (que talvez
seja um Ecce Homo), Flagelação, Coroação de espinhos ou Senhor da Pedra Fria,
Senhor dos Passos e Crucificado. No tramo inferior, Descida da cruz, Lamentação,
Sepultamento e Ressurreição. Temos, portanto, oito cenas da Paixão propriamente dita,
cuja fonte parece ter sido já a série de gravuras do artista alemão Dürer, como observou
o Sr. Anísio Franco560.
Com o foco voltado para esculturas de vulto do Cristo da Paixão no mundo
português, encontramos um interessante Senhor da Paciência, também do Museu
Municipal de Portalegre. Segundo Heitor Patrão, é um tipo de Cristo muito singular à
região de Portalegre, “vindo a constituir um patrimônio da Terra, integrado nos
chamados ‘Barros de Portalegre’, de inspiração e técnica diferentes dos ‘barros de
Extremoz’”561. É, sem dúvida, a iconografia típica do Senhor da Paciência, algumas
559
GOULÃO, Maria José, op. cit., p. 14.
560
FRANCO, Anísio, ‘Retábulo da Paixão’, publicado em Catálogo da Exposição do Grande Jubileu do
Ano 2000 “Cristo Fonte de Esperança”, Porto, 2000, p. 126 e 127.
561
PATRÃO, Heitor, ‘Cristo (Senhor da Paciência)’, publicado em Catálogo da Exposição do Grande
Jubileu do Ano 2000 “Cristo Fonte de Esperança”, Porto, 2000, p. 124.
283
vezes confundido com o Senhor da Pedra Fria, com a Coroação de espinhos, ou ainda
com o Senhor das Lamentações, este último já apresentando, nas mãos e nos pés, as
feridas decorrentes dos cravos que o fixaram à cruz. O Senhor da Paciência é o
momento da espera pelo fim próximo, quando, sentado, Cristo apoia, em uma das mãos,
a cabeça, em atitude de resignação total.
562
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I,… op. cit, p. 11.
285
nas cidades do Brasil existirem além da Igreja Matriz, que privilegiava a devoção dos
brancos, pelo menos duas igrejas de irmandades, ligadas aos negros e aos pardos: Nossa
Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Amparo ou Nossa Senhora das Mercês. Além
das instalações conventuais com ou sem as suas ordens terceiras, na grande maioria
franciscanos e carmelitas.
As irmandades do Rosário reuniam os escravos africanos, alforriados ou não. No
altar principal de suas igrejas, era entronizada a padroeira Nossa Senhora do Rosário e
nos lugares secundários santos negros: São Benedito, Santo Antônio de Cartegerona,
Santa Efigênia e Santo Elesbão, estes últimos também presentes nas igrejas conventuais
e dos leigos franciscanos e carmelitas.
Quanto às igrejas da Irmandade ligadas aos pardos, tinham como invocação
principal Nossa Senhora do Amparo ou Nossa Senhora das Mercês. Nas igrejas de
Nossa Senhora das Mercês, têm presença constante os santos fundadores: São
Raimundo Nonato e São Pedro Nolasco. Nos altares laterais, não podia faltar São
Gonçalo Garcia, filho de português com mãe indiana, que morreu em Nagasaqui, em
1597, e pertencia ao grupo dos Mártires do Japão.
Nas igrejas conventuais, é habitual encontrar santos relativos a cada ordem
religiosa. No altar-mor, foi comum ter uma invocação mariana ladeada pelos santos
fundadores e ou pelos mais populares. Assim, nas igrejas dos franciscanos, está Nossa
Senhora da Conceição entre São Francisco e Santo Antônio; nas dos beneditinos, Nossa
Senhora de Monteserate entre São Bento e Santa Escolástica; nas dos dominicanos,
Nossa Senhora do Rosário entre São Domingos e São Gonçalo do Amarante ou Santa
Catarina de Siena. E, finalmente, nas igrejas carmelitas, que serão analisadas a seguir
com maior detalhamento, Nossa Senhora do Carmo, entre Santo Elias e Santo Eliseu,
podendo este último ser substituído por Santa Teresa.
566
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit., p. 46.
288
Na prática, ainda hoje, apesar das mudanças e dos atropelos que a vida religiosa
portuguesa sofreu principalmente no século XIX, e no XVIII, com o terremoto, é
possível encontrar, nas igrejas de Ordem Primeira do Carmo de Portugal, descritas
resumidamente nos dois primeiros capítulos, a tríade Virgem do Carmo, ladeada por
Santo Elias e Santo Eliseu. Este último, nas igrejas dos Descalços, era trocado por Santa
Teresa.
No Brasil, ocorre o mesmo. É constante a presença, nos altares-mores das igrejas
conventuais, da Virgem do Carmo e dos santos fundadores, Santo Elias e Santo Eliseu.
Chegam a estar presentes em oitenta por cento das igrejas carmelitas conventuais que
ainda possuem os seus altares intactos.
Nos altares laterais, aparecem, diversificadamente, os santos citados
anteriormente, com predileção para os carmelitas: São Simão Stock, Santo Alberto, São
João da Cruz e Santa Maria Madalena de Pazzi e para a sagrada família de Cristo:
Santana, São Joaquim e São José.
Altares laterais:
Altares laterais:
Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Cristo da Flagelação
Crucificado
6 João Pessoa, Altar-mor: Altar-mor:
Paraíba Sagrado Coração de Jesus (séc. XX CRUCIFICADO
– gesso) Santa Teresa / NS do Carmo / S. João
Santo Elias / NS do Carmo / Santo da Cruz (?)
Eliseu (séc. XVIII)
Altares laterais:
Altares laterais:
NS Carmo (pintura)/Santa Teresa Senhor dos Passos / Cristo no Horto
(pintura) Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Sagrada Família Cristo da Flagelação
Senhor dos Passos
Santana / São Joaquim
7 Angra dos Altar-mor: Altar-mor: Crucificado
Reis, Rio de Virgem do Carmo (roca) séc. Santas Mães (Santana, Virgem e
Janeiro XVIII Menino Jesus) / NS do Carmo /São
Santo Elias / Santo Eliseu (séc. Luís Rei de França
XVII)
Altares laterais: Senhor dos Passos /
Altares laterais: Santa Teresa, NS Santa Teresa
da Saúde, NS da Conceição, Santo
Antônio e Santa Bárbara
8 Belém, Pará Altar-mor: Altar-mor:
NS do Carmo (séc. XIX) NS do Carmo entrega escapulário S.
São Bento (?) (séc. XVIII) / Santa Simão Stock (roca – séc. XVIII)
Alberto (séc. XVIII) Santo Elias / Santo Eliseu (séc. XVIII)
9 São Luís, - -
Maranhão
10 Alcântara, Altar-mor: -
Maranhão Virgem do Carmo
Santo Elias / Santo Eliseu
Altares laterais:
11 Goiana, Altar-mor: Altar-mor: Crucificado
Pernambuco NS do Carmo Atares laterais:
Santo Elias / Santo Eliseu Senhor dos Passos / Cristo no Horto
Santa Teresa / São João Batista Ecce Homo / Cristo da Prisão
Cristo da Coroação de espinhos /
Altares colaterais: Cristo da Flagelação
São José (gesso – séc. XIX)
Santo Alberto (séc. XVII)
NS da Boa Morte
Altares do transepto:
Senhor dos Passos
Crucificado (séc. XVIII)
NS da (Apresentação? sem
Menino) (roca)
Altares laterais:
293
19 Lucena, Altar-mor: -
Paraíba Crucificado
Santo Elias /Nossa Senhora da
Guia/ Santo Eliseu
Altares laterais:
20 Cabo de Altar-mor:
Santo Altares laterais:
Agostinho,
Pernambuco
Altares laterais:
Senhor dos Passos (São José )
Cristo no Horto (Santa Luzia)
Ecce Homo (Nossa Senhora da Piedade)
Cristo da Prisão (São João Batista)
Cristo da Coroação de espinhos (São Manuel)
Cristo da Flagelação
Crucificado (consistório)
Fig. 62 – Programa iconográfico do altar-mor da Igreja dos Terceiros do Carmo de Faro: Nossa
Senhora do Carmo, ladeada pelos papas São Telésforo e São Dionísio, no andar superior; e
Santo Elias e Santo Eliseu, no andar inferior. Ao centro, ladeando o sacrário, São José e São
João Batista Menino.
As invocações principais dos altares laterais são: Santa Teresa, Santo Alberto,
São José (em altar originalmente de São Vicente Ferrer) e São Simão Stock. Nos nichos
dos intercolúnios desses altares, figuram: Santo Ângelo e Santa Maria Madalena de
Pazzi, no primeiro; São João Nepomuceno e Santo Antonio, no segundo; Nossa Senhora
da Conceição e São João da Cruz, no terceiro e os dois santos negros Santo Elesbão e
Santa Efigênia, no último.
567
Não foi exclusividade da Ordem Carmelita, o uso dos Crucificados no alto dos tronos dos retábulos-
mores, pois esta era uma das indicações presente nas Constituições: « […] e no que toca a preferencia
dos lugares, que entre si devem ter nos altares, declaramos, que sempre as Imagens de Cristo nosso
Senhor devem preceder a todas, e estar no melhor lugar ; e logo as da Virgem nossa Senhora ; […] »
VIDE Dom Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit., p. 256.
568
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro e CAMPOS, Adalgisa Arantes, Barroco e rococó... op. cit., vol.
1, p. 86.
297
Os dois altares do arco cruzeiro são dedicados ao Senhor dos Passos e a Nossa
Senhora das Dores. E, nos quatro altares laterais, localizam-se quatro importantes santos
leigos, três deles de origem real, numa demonstração do quanto podiam ser importantes
os leigos carmelitas, assim como o Santo Eduardo, no altar-mor, rei da Inglaterra: Santa
Joana, princesa de Portugal, Santa Isabel, rainha de Portugal, São Luís, rei de França, e,
no último, Santo Esperidião.
298
569
BAYON, Balbino Velasco, O. Carm., História da Ordem ... op. cit.. Ver, para Moura, as páginas 512-
517; Évora as páginas 566-568.
299
o mais interessante seja o da Capela dos Alvarinhos, da igreja conventual de Moura, que
“[...] ostenta um soberbo retábulo dos finais do século XVI, com a sua estrutura de
entalhe maneirista de derivação serliana, enquadrando pinturas sobre madeira e uma
peça de escultura com Nossa Senhora da Piedade, ao centro.
As tábuas, que representam Cristo Ressuscitado (medalhão superior, [...]),
ladeado por duas tábuas de anjos segurando os símbolos da Paixão, [...], Ecce Homo e
Cristo com a cruz às costas, Flagelação e Calvário [...], ladeando o nicho central (onde
se integra uma correcta composição escultórica de Nossa Senhora da Piedade)”570.
Nesse mesmo altar e no da frente, acham-se três esculturas: Cristo da Flagelação
(sem a coluna), Ecce Homo, ladeando a Virgem da Piedade, e, por fim, a Coroação de
espinhos, no fronteiro. A igreja ainda possui um Senhor dos Passos de outra época e
alguns bons Crucificados. Segundo Balbino Velasco Bayón, o Convento Carmelita de
Moura comportou uma Ordem Terceira em época indeterminada e seus religiosos foram
responsáveis pela Procissão do Triunfo, conforme o compromisso regia. “Apesar da
escassez de notícias, deve ter tido grande importância, a julgar pelos livros
manuscritos que se conservam, [...] Entre estes manuscritos, destaca-se o chamado
Compromisso da venerável Hordem terceyra de Nossa Senhora do Monte do Carmo,
sita no real Convento da Mesma Senhora da Villa de Moura, de 1755”571. O retábulo
desta igreja talvez contenha a mais antiga representação iconográfica dos Passos da
Paixão de Cristo em Igrejas carmelitas em Portugal, tanto na pintura dos painéis, como
nas esculturas, o que será abordado quando se tratar da análise formal das obras
escultóricas.
570
SERRÃO, Vítor e CAETANO, Joaquim Oliveira, A pintura em Moura, … op. cit., p. 38-40.
571
BAYÓN, Balbino Velasco, O. Carm, A história da Ordem... op. cit., p. 513.
300
mas de angustia moral”572. Esta mesma cena pode conter três episódios distintos: Jesus
simplesmente orando, Jesus orando e sendo confortado por um anjo e Jesus despertando
os apóstolos.
A representação do Senhor no Horto deve a sua origem à igreja oriental do
século VI, mas o tema só se tornou popular no fim da Idade Média. Isso porque, neste
período, procurou-se o efeito dramático, que é facilmente reconhecido na prece
angustiada de Jesus e no sono dos discípulos. Dürer tratou o assunto pelo menos cinco
vezes em gravuras e desenhos, variando a posição do Cristo ajoelhado e do anjo, que
ora segura o cálice ora a cruz ou ainda o cálice rematado por uma cruz, como vimos nos
dois exemplos citados anteriormente. Traduzida em pintura, quase sempre se vê Jesus
de joelhos, ao centro, orando; acima, o anjo apresentando o cálice e, abaixo, os três
apóstolos dormindo.
A representação escultórica da cena tem por base o evangelho de Lucas, pois
este é o único que posta Cristo de joelhos a orar. Acompanhando a ação, está o Anjo
que o reconforta, figura que, segundo Louis Réau, foi tomada de empréstimo ao Antigo
Testamento, na prefiguração do profeta Elias, que, desesperado, à sombra de uma
árvore, sem forças, é então, reconfortado por um anjo573. Nos conjuntos escultóricos dos
sacros montes, a cena incorpora cinco personagens, como no Santuário de Congonhas
no Estado de Minas Gerais, no Brasil, obra máxima do escultor Antônio Francisco
Lisboa. Nesta cena, encontramos Cristo ajoelhado, orando, tem o olhar direcionado para
o anjo que segura o cálice e uma cruz, e, ao fundo, os três apóstolos a dormir574.
572
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 444-447.
573
Idem, ibidem, p. 444-447 e Antigo Testamento, II Reis, 19, « Elias em desespero e quase morto,
encosta-se a uma árvore e dorme, quando lhe aparece um anjo com pão cozido e água. Fortalecido pela
comida, o profeta caminha durante 40 dias e 40 noites até o Monte Horeb ». Na versão cristã, esta cena é
a prefiguração da agonia do Cristo no Monte das Oliveiras, pois Elias, à beira da morte, é consolado por
um anjo da mesma maneira que Cristo o foi.
574
Para maiores informações, ver: OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, O Aleijadinho e o Santuário do
Bom Jesus de Matosinhos, Brasília, Monumenta, 2006.
301
A composição desse passo nas igrejas carmelitas não permite uma boa fruição
estética, pois falta criatividade na adaptação da escultura principal ao quase sempre
exíguo espaço interno dos camarins dos altares: Cristo ajoelhado está de lado, já que
deve direcionar o olhar para o Anjo com o cálice, posicionado ao alto em uma das faces
laterais internas. Porém a incorporação do segundo personagem à cena só ocorre em
quatro igrejas: Porto, em Portugal, e, em Recife, Itu e Ouro Preto, no Brasil. Melhor
solução aparece na igreja do Porto, onde Cristo e anjo, apesar de muito próximos, estão
proporcionalmente harmoniosos. O contrário se passa nas composições de Recife e Itu
na qual Cristo olha para um minúsculo anjo, em Recife posicionado sobre um
gigantesco monte de aspecto tosco. É provável que essa composição não seja a original,
e sim, fruto da intervenção do século XIX, quando todos os altares foram modernizados.
E em Itu, apesar de o anjo ter um tamanho desproporcional, muito pequeno, está bem
adaptado ao espaço interno do retábulo. Em Ouro Preto ocorre o oposto, o anjo é grande
se comparado ao tamanho do Cristo, que o olha e se admira surpreendido.
Fig. 65 – Cristo no Horto, Igreja do Carmo, Porto, Portugal, e, Itu, São Paulo, Brasil
com o olhar levantado aos céus. Neste caso, a gestualidade deveria ser de mãos postas
em oração, o que, hoje, só acontece em quatro exemplares, e, em um deles, existe o
anjo. No entanto, como são imagens de vestir, permitem que os braços se movimentem
e ganhem novos gestos. Portanto, com uma simples mudança no posicionamento dos
braços, as mãos espalmadas para baixo poderiam virar mãos postas em oração. O
exemplar de Ouro Preto é o único que apresenta o gesto das mãos de surpresa e recuo. E
o exemplar de cidade de São João del Rei obra do final do século XX, do escultor local
Osni Paiva, que o representou com as mãos espalmadas para baixo, indicando surpresa,
sem a presença do anjo. Assim como, o único exemplar a apresentar sangue escorrendo
pela face é o da cidade de Cachoeira, podendo ser também relacionado ao Evangelho de
Lucas, único a mencionar o fato de Cristo transpirar gotas de sangue, um pouco antes do
aparecimento do anjo.
na seguinte ordem: traição e beijo de Judas; corte da orelha de Malco e fuga dos
apóstolos. Ainda podemos encontrar, ao final, cenas relativas aos apóstolos Pedro e
Judas: a negação e o arrependimento do primeiro e o remorso e o enforcamento do
segundo.
Os resumos das narrativas contam que, quando estava Jesus a orar no Monte das
Oliveiras, vê chegarem, conduzidos por Judas, alguns soldados. Judas vai ao seu
encontro e o beija para indicar o homem procurado dentre todos os apóstolos presentes,
pois Tiago era fisicamente muito parecido com Cristo. O evangelho de João narra que
Jesus identifica-se aos soldados: “Sou eu a quem buscais!”, estes retrocedem e caem.
Cristo, porém, deixa-se atar sem resistência. Pedro é o único dentre os apóstolos que
tenta uma reação, cortando a orelha do enviado do sumo sacerdote, Malco, mas é
repreendido por Cristo que a restitui ao dono575.
A prisão de Cristo foi um tema desenvolvido a partir do final da Idade Média,
conseguindo grande popularidade, pois a traição e enforcamento de Judas e o
arrebatamento da cólera de Pedro são sentimentos humanos que os colocavam no
mesmo nível dos fiéis. Nas duas gravuras de Dürer (Grande Paixão e Pequena Paixão) o
destaque passa da prisão de Cristo para o beijo de Judas, na Pequena Paixão e para
Pedro a ameaçar Malco, na Grande. Em ambas, o número de personagens, entre
soldados e apóstolos, é grande e a atmosfera que os envolve, movimentada, com
espadas ao ar e bandeirolas flamejantes. No primeiro plano, está Pedro com a espada a
ameaçar Malco, tímido na série conhecida como grande Paixão e quase tão importante
quanto o beijo de Judas, na pequena.
A versão escultórica pode apresentar um grande número de personagens ou se
reduzir à figura do Cristo com as mãos amarradas. No Passo da Prisão de Cristo, do
Santuário de Congonhas, aparecem oito personagens: Cristo, de pé, ao centro, segura a
orelha de Malco, que Pedro, a sua esquerda, acabara de arrancar com a espada.
Acompanham a cena Tiago, Malco, ajoelhado, sem a orelha e a sangrar, porém ainda
com a espada em punho para se defender e quatro soldados.
A solução encontrada nas igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, para a cena do
Senhor Preso, foi reduzir a cena à figura única do Cristo, que, de pé, traz as mãos
amarradas à frente e tem o olhar resignado. O rosto e as mãos são os pontos focais da
composição, mas a fisionomia, via de regra, é serena, ou melhor, pouco expressiva. As
575
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 452-454.
304
mãos aparecem sempre juntas, com o braço direito sobre o esquerdo, exceção é o Cristo
da cidade de Campos, que tem braços flexionados na altura do peito, estando, por isso,
as mãos um pouco mais altas.
São geralmente imagens ‘de vestir’, exceto o exemplar da igreja de Salvador,
que apresenta entalhe completo. Nele, Cristo está nu, tem apenas o
perizônio amarrado à cintura e leva uma capa vermelha curta. A
imagem não corresponde à ação narrada nos evangelhos, pode ter sido
uma interpretação errônea ou uma adaptação, pelo artista, de uma peça
sua, já existente.
na Itália, no século XVI576. Detalhe que identifica, portanto, não o momento da prisão,
mas o seu interrogatório religioso diante de Anás, cena divulgada em pintura, menos
comum em esculturas, e, única do tema nesta série de esculturas dos terceiros carmelitas
do Brasil.
Quando se colocam as esculturas lado a lado, percebe-se a importância do
cuidado com os detalhes da indumentaria e dos atributos, cujo crédito deve ser dado às
pessoas envolvidas com a Irmandade. No século XIX, pode-se ver a preocupação com a
limpeza e o asseio das peças nos estatutos dos terceiros carmelitas, da cidade do Rio de
Janeiro. No seu capítulo 18, item 07, afirma que “[...] é do dever da [...] Irmã Mestra
mandar lavar e engomar toda a roupa da capela de Nossa Senhora do Amor Divino do
Noviciado, bem como promptificar quatro anjos para as procissões de nossa Ordem,
sendo dois para cada uma delas, pelo seu cargo é isenta da joia alguma, salvo se por
sua devoção o quiser fazer. E ainda que [...] pertence especialmente às nossas Irmãs
Zeladoras o contínuo cuidado de tudo que pertence ao decente ornato das Sagradas
Imagens de Nosso Redentor Jesus Cristo colocada nos altares de nossa igreja e bem
assim da de Nossa Senhora Mãe Santíssima e Santa Teresa”577.
Nessas citações, observa-se que, em pleno século XIX, as mulheres eram bem-
vindas nas irmandades e, neste caso em particular, na do Carmo, pois lhes eram
reservadas funções específicas. Hoje, quando se visita o interior do Brasil,
principalmente, em Minas Gerais e se encontra as senhoras da comunidade a cuidar das
igrejas e dos santos com todo o carinho, percebe-se a importância deste envolvimento
para a preservação dos nossos monumentos, herança de outras eras, que estão quase a
acabar.
576
SEBASTIÁN, Santiago, El barroco … op. cit., p. 137-138. Detalhe bem observado na tese de
mestrado da pesquisadora BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit., p. 94-95.
577
ESTATUTOS..., op. cit., p. 44.
306
blasfêmia, pois afirmou ser o Filho de Deus. Em seguida, conduzido ao Pretório, foi
condenado como agitador por ter se intitulado Rei dos Judeus.
Isso só ocorreu porque a Judeia, naquele tempo, era uma província romana,
então, a última instância pertencia ao representante do governo romano. Do processo
religioso, destacam-se as seguintes cenas: comparecimento diante de Anás (cena do
segundo passo da Igreja de Ouro Preto); comparecimento diante de Caifás, quando é
condenado à morte, e o primeiro escárnio de Cristo ou o Cristo dos impropérios. A
seguir, vem o processo político: Pilatos envia Cristo diante de Herodes Antipas, que se
desculpa; retorna, então, diante de Pilatos; a escolha entre Cristo e Barrabás; Pilatos
lava as mãos; a flagelação de Cristo atado a uma coluna; o segundo escárnio ou
coroação de espinhos; e, finalmente, Cristo é apresentado ao povo, Ecce Homo. Dessas
cenas, as que nos interessam, em particular, são as três últimas, pois estão presentes nas
igrejas carmelitas.
A flagelação, Cristo da flagelação, ou Senhor atado à coluna, é mencionada
pelos quatro evangelistas (Mateus, 27: 26; Marcos, 15: 15; Lucas 23: 16-22 e João, 19:
1). De modo sucinto, dizem que Jesus foi açoitado ou simplesmente castigado, sem
mencionar a coluna. Mais uma vez, o tema torna-se comum no século XV, com as
confrarias dos flagelados e com as igrejas de peregrinação, como a de Wies na Baviera,
dedicada ao Cristo Flagelado ou ainda através das descrições pormenorizadas e
dramáticas, presentes na obra da mística sueca Santa Brígida578.
Cristo está vestido apenas de um tecido amarrado à cintura, chamado de
perizônio ou pano da pureza. O normal era que os condenados à flagelação recebessem
40 chibatadas, número usual prescrito pela lei mosaica579. Porém, segundo as revelações
da Santa Brígida, a crueldade do suplício de Cristo foi enorme, tendo recebido 5.475
açoites. “Por mucho tiempo, Santa Brígida habia deseado saber cuantos latigazos
habia recibido Nuestro Senor en Su Pasion. Cierto dia se le aparecio Jesucristo,
diciendole: Recibi en Mi Cuerpo cinco mil, cuatrocientos ochenta latigazos; son 5.480
578
Santa Brígida (1302-1373) foi uma religiosa sueca, escritora e fundadora da ordem do Santíssimo
Salvador (1346), que era consagrada, ao mesmo tempo, à Paixão de Cristo e à Compaixão da Virgem.
Casou em 1320 com Ulf Gudmarson, com quem foi em peregrinação a Santiago de Compostela. Ficou
viúva aos 40 anos com oito filhos (entre eles a também santa, Catarina da Suécia). Depois da morte do
marido, retirou-se para o Convento Cistercente de Alvastra e, dedicou-se totalmente à penitência e à
oração. As suas visões e revelações foram transcritas em latim pelo prior do Convento, Pedro de Skninge.
Seus escritos influenciaram as Meditações do Pseudo Boaventura e a renovação da iconografia cristã de
fins da Idade Média. Morreu com setenta e um anos, e foi canonizada em 1391, pelo Papa Bonifácio IX.
Ver: RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, op. cit., tomo 2, volume 3, p. 244-245.
579
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 471.
307
azotes. Si quereis honrarlos en verdad, con alguna veneracion, decid 15 veces el Padre
Nuestro; tambien 15 veces el Ave Maria, con las siguientes oraciones, durante un ano
completo. Al terminar el ano, habreis venerado cada una de mis Llagas”.580
Já que a tradição colocou uma coluna na cena, esta variou ao longo dos séculos.
No fim da Idade Média, nos manuscritos e nas poucas representações pictóricas e
escultóricas, é fina e alongada. No período moderno, torna-se pequena e larga, como já
descrito anteriormente.
A cena pode ainda ganhar um grande número de verdugos ou, o mais comum,
três, e também alguns espectadores. Com o apelo ao patético, as personagens eram
escolhidas de maneira aleatória. Podiam ser desde Pilatos, que teria acompanhado o
castigo, até a própria Virgem, presença assegurada pelas Revelações de Santa Brígida e
que, não aguentando o sofrimento do Filho, desvanece e desmaia pela primeira vez.
Nas primeiras representações, Cristo, desnudo, está preso de costas à coluna, de
maneira que os golpes só podiam ser dados sobre o peito. Já, em outras, ele aparece
atado de frente, recebendo, então, os golpes nas costas. O próprio Dürer o retratou nas
duas posições, na gravura da grande Paixão, está de costas e, na pequena Paixão, de
frente. Mais tarde, com o uso da coluna baixa, os soldados podiam açoitá-lo, ao mesmo
tempo, pela frente e pelas costas, nenhuma parte escapava da tortura. “Nas imagens
alemãs do século XV, Cristo tem o corpo coberto por manchas roxas e sua carne
atormentada chora lágrimas de sangue. As feridas de sangue parecem mais um padrão
decorativo estampado do que feridas reais, por estarem tão bem organizadas ao longo
de todo corpo”581.
Em Congonhas, no Brasil, Cristo é representado atado a uma coluna baixa e tem,
ao seu redor, quatro soldados a açoitá-lo. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de
Oliveira, a coluna, “sempre esteve presente ao lado do Cristo nas interpretações
plásticas da cena da Flagelação, onde sua presença se justifica, tanto por razões de
equilíbrio da composição, quanto pela necessidade lógica de um suporte ao qual atar o
condenado para o suplício”582.
Como era de praxe nos altares das igrejas terceiras carmelitas, ele se encontra
solitário, de frente, com as mãos amarradas à coluna, a qual, em um único exemplo, a
580
SUÉCIA, Santa Brigida, Las profecias y revelaciones. Disponível em: http://www.santos-
catolicos.com/santos/santa-brigida-de-suecia/santa-brigida.php
581
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 474.
582
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de, O Aleijadinho e o..., op. cit.,p. 46.
308
Igreja do Carmo do Porto, é fina e alongada, enquanto, nas demais igrejas do Carmo,
tanto de Portugal como do Brasil, baixa e grossa.
No Brasil, a coluna baixa pode variar de tipo: pilar e balaustrada. No exemplar
de Salvador na Bahia, o perfil é quadrado, demonstrando ser obra de avançada época, já
no espírito do neoclássico. Portanto, o conjunto do Porto, mostra-se iconograficamente
como tendo utilizado uma fonte de inspiração mais antiga, com a prevalência da
frontalidade, um movimento mínimo de avançar da perna e o enlaçar a coluna com os
braços. Nos Cristos posteriores, o corpo sofre diversas contorções para poder se adequar
ao tamanho da coluna. Isso resultará num gesto largo, enfatizado com as mãos atadas de
um lado e a cabeça virada para o outro, que iremos estudar detalhadamente no próximo
capítulo. O momento representado é sempre o posterior ao flagelum, pois, Cristo ainda
está amarrado à coluna, embora já apresente, no corpo, as marcas do castigo (feridas e
hematomas) e maioritariamente apresentam a marca da bofetada na face lateral
esquerda.
CRISTO DA FLAGELAÇÃO
Localidade Braços Cabeça Coluna Coluna – perfil
Direita Direita
Esquerda Esquerda
Belém (PA) X Frente X Circular / baixa
pilar
João Pessoa (PB) X Baixa / X Circular / baixa
esquerda pilar
Recife (PE) X Baixa / X Circular / baixa
esquerda balaústre
Goiana (PE) X Baixa / X Circular / baixa
direita balaústre
Salvador (BA) X Alta X Quadrada / baixa
Cachoeira (BA) X Baixa X Circular / baixa
Balaústre
Rio de Janeiro X Baixa / X Circular / baixa
(RJ) frente pilar
Campos dos X Baixa / X Circular / baixa
Goytacazes (RJ) frente pilar
São Paulo (SP) X Baixa/ X Circular / baixa
frente balaústre
Itu (SP) X Baixa / X Circular / baixa
frente pilar
Mogi das Cruzes Frente Baixa / X Circular / baixa
(SP) frente pilar
Santos (SP) X Baixa/ X Circular / baixa
frente balaústre
Ouro Preto (MG) X Baixa / X Circular / baixa
frente balaústre
São João del Rei Frente Baixa / X Circular / baixa
(MG) frente balaústre
583
SUÉCIA, Santa Brigida, op. cit..
311
Em todos os Cristos dos altares laterais das Igrejas terceiras do Carmo, ele é
representado solitário, sentado, vestido do perizônio e de uma capa vermelha curta de
tecido natural, quando ainda existe. Traz, no corpo, as marcas da flagelação. Os
atributos são a coroa de espinhos, capa vermelha e cana verde na mão. O primeiro é
uma constante, já o último nem sempre está presente. O padrão iconográfico foi
habitualmente o mesmo, mudando apenas a forma estética final: o posicionamento das
pernas, cruzadas ou com ligeiro avançar de uma delas. As mãos se encontram
normalmente à frente, com o braço direito sobre o esquerdo. Pode ainda apresentar o
gesto de segurar algo na mão direita. Neste caso, é o Senhor da cana verde.
Também pode ser chamado de Senhor da Pedra fria, denominação que aparece
com mais frequência na documentação do século XVIII. A pedra fria também não tem
muitas variantes, maioritariamente é um suporte em L, retangular, em cuja lateral
perpendicular, estreita, senta-se o Cristo. A base do L serve de apoio aos pés. O
simulacro de pedra é conseguido pela policromia, marmoreada, imitando o mármore em
cores suaves ou fortes.
584
OLIVEIRA, Myriam A. R. de, O Santuário do Bom Jesus de Matozinhos e suas restaurações,
Brasília, Monumenta, 2011.
312
585
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 479.
586
Idem, ibidem, p. 479.
587
Fonte : http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=249003
313
as tarjas da entrada das capelas estava previsto a colocação do Ecce Homo, na quinta
capela. Nas Igrejas terceiras carmelitas, a sua representação é da figura solitária, de pé,
vestindo o perizônio e a capa vermelha, podendo ter as mãos amarradas segurando a
cana verde. Na cabeça, leva a coroa de espinhos e, no corpo, as marcas da flagelação.
Não foram encontradas mudanças importantes na tipologia iconográfica. Todos os Ecce
Homo das igrejas do Brasil apresentam posturas semelhantes, ocorrendo, em alguns
casos, variação no posicionamento dos braços, que podem estar cruzados a altura do
peito (Belém) ou a altura da cintura da maioria dos exemplares. Os atributos repetem-se.
A coroa de espinhos, capa curta e a cana verde são constantes,
porém nem sempre estão presentes. Como são atributos que podem
ser removidos facilmente, com o uso, acabam por se perder.
Novamente a exceção se faz pela escultura da Igreja de Ouro Preto,
que acrescentou uma pequena balaustrada, evidenciando a cena do
Pretório, com a sua apresentação ao povo.
588
Tácito, Anales XV, apud, RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 480.
314
mesmos a sua cruz até o local do suplício. Os evangelhos oferecem versões diferentes
do caminho do calvário. Segundo Mateus (27: 3), Marcos (15: 21) e Lucas (23: 26),
Jesus teve a ajuda de Simão Cirineu, pois estava esgotado pelos castigos anteriormente
impostos: a flagelação e a coroação de espinhos. Já João (19:16) diz que Cristo carregou
sozinho a cruz até o seu destino final.
A representação típica na arte ocidental do Senhor dos Passos é o Cristo
solitário, com a cruz às costas, ajoelhado, sofrendo com o peso da
cruz. É, porém, um tema de longa data. Nas representações mais
antigas, principalmente nos manuscritos, Cristo aparece vestido de
túnica roxa, de pé, caminhando. Na cabeça, tem a coroa de
espinho, mas não sofre, pois, a cruz é pequena e leve. Trata-se, na
realidade, da representação do sofrimento simbólico.
Fig. 71 – Senhor dos Passos, Túmulo de D. Inês de Castro, Mosteiro de Alcobaça, Portugal.
Mais uma vez, foi só, no fim da Idade Média que a cruz tornou-se grande e
pesada, com a intenção de apiedar os fiéis para o sofrimento do Redentor589. Será
representado de túnica roxa, coroado de espinhos e carregando às costas a cruz pesada,
podendo estar de pé, ou com um ou os dois joelhos ao solo. Nas pinturas e gravuras,
como na série do artista alemão Dürer, o caminho até ao topo do monte está repleto de
personagens, dentre os quais muitos soldados, que zombam dele. Cristo está ajoelhado
ao solo, ora com a cabeça levantada e os braços voltados para Maria, que tenta ajudá-lo
ora completamente exaurido com as duas mãos ao solo.
589
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 479.
315
Enquanto esperava para ser crucificado, Cristo sentou-se numa pedra, desnudo,
momento identificado como Senhor da Paciência, cena confundida, muitas vezes, com a
coroação de espinhos. Essa também é uma criação do século XIV, na tentativa de
preencher o intervalo de tempo entre o chegar e a crucificação propriamente dita. Cristo
nu, espera pela morte. Pode estar ainda coroado de espinhos e
trazer as mãos atadas, ou, o mais usual, ter a cabeça apoiada em
uma das mãos sobre o joelho, em atitude de espera.
590
http://www.geira.pt/museus/Coleccoes/index.asp?id=33
317
ver o filho despojado de sua túnica, tira o véu da cabeça e o cinge em torno da cintura
do Cristo591.
Na Crucificação propriamente dita, podemos discernir dois momentos: a fixação
de Jesus na cruz e o momento em que morre preso a ela. No primeiro, de origem
bizantina, é comum encontrar a cruz estendida no chão, como no Passo de Congonhas
do Campo, no Brasil. Segundo a ordem dos fatos, depois de fixado à cruz, os soldados,
com ajuda de cordas, levantam-na, fixando-a no buraco cavado anteriormente no chão.
Outra interpretação, menos comum, Cristo sobe uma escada e, apoiando os pés no
supedanum, deixa que os soldados fixem os seus braços e pés na cruz592.
591
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 490-491.
592
Idem, ibidem, p. 492-493.
593
Idem, ibidem, p. 496-497.
594
https://en.wikipedia.org/wiki/Holy_Face_of_Lucca
318
na palma, o tecido frágil desta se abriria, pois não seria capaz de aguentar o peso do
corpo. Por esse motivo, a fixação no punho seria o mais indicado. Mesmo assim, os
artistas sempre colocaram as feridas do Cristo, assim como São Francisco, na palma das
mãos595.
595
RÉAU, Louis, Iconografía de los santos, Nuovo Testamento, op. cit., p. 499-500.
320
4.5.8 Concluindo
ter servido de fonte textual para seis cenas representadas pela Irmandade de leigos
carmelitas. Entretanto não consistiu na única fonte, uma vez que João não narra o
primeiro Passo: Senhor no Horto. Mas, sem dúvida, constituiu a inspiração para dois
dos Passos: Ecce Homo e Senhor dos Passos, pois somente ele descreve o momento em
que Pilatos apresenta Jesus à multidão e ela lhe pede que o crucifique. É o único
também que determinou o sofrimento específico de Cristo ao carregar sozinho a cruz até
o alto do Gólgota.
Quanto ao Passo do Horto, é provável que tenha se inspirado no evangelho de
Lucas, pois é o que descreve Cristo ajoelhado orando e o surgimento do anjo que o
consola. Aos outros episódios, pode ter servido de fonte qualquer um dos quatro
evangelhos, pois são muito similares. Já, nos episódios extremamente concisos, como a
flagelação, é possível ainda a intervenção de outros textos. O único Evangelho que não
menciona a Coroação de espinhos é o de Lucas. Os demais narram que lhe foi colocada
uma capa, ou manto de cor púrpura, uma coroa de espinhos à cabeça e, nas mãos, a cana
verde.
E, para a confecção dos adereços e atributos que não possuem fonte textual nos
Evangelhos, recorreu-se ou aos textos apócrifos ou à tradição ao longo desses 2000 anos
ou, mais especificamente, ao longo dos primeiros 1500 anos, quando, então, foram
moldadas as principais cenas e imagens da Paixão de Cristo, que ainda são cultuadas.
Quanto as fontes iconográficas que serviram de inspiração para os Passos dos
irmãos leigos carmelitas, como vimos no subitem especifico, não é possível indicar uma
gravura específica ou o momento que determinou a mudança. Porém, podemos dizer
que foi uma evolução formal dos grupos representados nas obras de Dürer, do Padre
Nadal e até da família Klauber, através da seleção e elaboração da cena através do
personagem único acrescidos de elementos que o identificavam.
As esculturas dos Cristos dos Passos da Paixão das Ordens Terceiras do Carmo,
como objetos litúrgicos, encaixam-se em dois tipos específicos de funcionalidade:
participavam do ato litúrgico devocional diário, marcando presença nos altares das
igrejas das Ordens Terceiras do Carmo servindo de apoio emocional aos fiéis, que
podiam recorrer a orações e oferendas quando necessário e participando de rituais
322
específicos da época da quaresma, como o descrito pelo cronista da Ordem Frei Joseph
Pereira de S. Anna, “[…] só nas Sextas feiras da Quaresma se abrem [as capelas do
claustro) para se praticar o devotissimo exercicio dos Passos, que nossa comunidade
visita acompanhada dos Irmãos Terceiros […] 596. E descrita nos estatutos da Ordem
Terceira que os irmãos deviam participar da via sacra dos Passos do Senhor nas Sexta-
feiras da Quaresma, que se costumam fazer nos altares de nossa capela em que se
medita e representa cada um dos sete sagrados Passos, e com os motetos que a música
canta”597. Os mesmos Cristos tinham ainda a função processional, quando eram
carregados na última sexta-feira da Quaresma, antes do Domingo de Ramos, na
Procissão do Triunfo pelas ruas das cidades, sendo os andores conduzidos pelos irmãos
da Ordem Terceira.
As procissões eram, no período colonial, uma importante manifestação de fé da
Igreja Católica Apostólica Romana. Nos séculos XVII e XVIII, as procissões
encerravam um duplo valor simbólico: exteriorizavam uma piedosa ação como ato de
fé, ao mesmo tempo em que significavam uma demonstração de poder e riqueza. Em se
tratando de procissões subordinadas às Confrarias, Irmandades e Ordens Terceiras, este
último fator teve um grande peso. É bastante conhecida a existência de uma “saudável”
concorrência entre os militantes das ordens religiosas, em especial os franciscanos e os
carmelitas, no Brasil, que se rivalizavam, e apresentavam belos cortejos a procura de
uma maior audiência.
Situação similar é encontrada em Portugal, principalmente pós Trento, quando
inseriram a procissão no seu quotidiano. “[...] Não será, portanto, de estranhar que
tenha aderido com entusiasmo à política tridentina que se serviu da procissão,
enquanto espectáculo teatral de propaganda, para fazer vincar uma certa moralidade e
um certo tipo de conduta de vida cristã. A sociedade portuguesa estava profundamente
inserida numa mentalidade comandada pelos ritos da Fé”598.
Tais ritos e manifestações chegaram ao Brasil e tiveram vida longa, pois, em
pleno século XIX, o comerciante inglês John Mawe, presenciou e relatou que as
procissões eram “[...] suntuosas, grandes e solenes, [produzindo] um efeito chocante
596
S. ANNA, Frei Joseph Pereira de, Chronica dos carmelitas da antiga e… op. cit., tomo I, 1745, p. 762.
597
ESTATUTOS DA VENERAVEL Ordem terceira de Nossa senhora do Monte do Carmo. Novamente
impressos com as reformas feitas pelo meza conjunta de 29 de setembro de 1848, sendo prior da Ordem
o Irmão Prior jubilado João Baptista Lopes Gonçalves, reimpresso em 1895, Rio de Janeiro, Typ. e
Papelaria Neves, p. 42.
598
TEDIM, José Manuel, ‘A procissão das procissões. A festa do Corpo de Deus’, publicado em
PEREIRA, João Castelo-Branco (coord.), Arte Efémera em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001, p. 217.
323
599
MAWE, John, Viagem ao interior do Brasil, São Paulo e Belo Horizonte: Editora da Universidade de
São Paulo e Livraria Itatiaia, 1976, p. 72 (edição original: 1812). John Mawe (1764-1829) comerciante
inglês que esteve no Brasil de 1807-1811.
600
“[…] E os religiosos de Nossa Senhora do Monte do Carmo em Sexta Feira da Paixão. […]”. VIDE,
D. Sebastião, Constituiçoens… op. cit., p. 192. Pesquisando a região de Minas Gerais e a documentação
relativa aos terceiros carmelitas de Sabará e de Ouro Preto, Adalgisa Arantes Campos confirma a
competência da Irmandade do Carmo também pela procissão do Enterro, na Sexta-feira da Paixão. Ver:
CAMPOS, Adalgisa Arantes, Quaresma e Tríduo.., op. cit., p. 209-219.
601
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário … op. cit., Volume XX, Coimbra, 1712, p. 756.
602
Idem, ibidem., p. 756.
324
603
Verbete ‘Procissão’, Grande enciclopédia portuguesa e brasileira, Lisboa e Rio de Janeiro, Editorial
enciclopédia, 1945, vol. XXIII, p. 324-326.
604
Para a procissão de Corpus Christi em Portugal, ver artigo de TEDIM, José Manuel, op. cit., p. 217-
234.
605
COSTA, Martins da, op. cit., 1979, p. 24.
606
CONSTITUIÇÕES Synodaes do Bispado do Porto ordenadas pelo muyto illustre e reverendíssimo
senhor Dom frey Marcos de Lisboa, bispo do dito bispado &c. [sic]. Agora novamente acrescentadas com
o Estilo da Justiça, Coimbra, por Antonio de Mariz, à custa de Giraldo Mendez, livreiro, 1585, [14], p.
95-98.
325
acompanhada como convém, sendo certos que fazendo o contrario (o que deles não
esperamos) se procederá no caso contra eles como for justiça”607.
No Brasil, nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de D.
Sebastião Monteiro da Vide, esclarece, no seu título XIII, que as procissões eram uma
“[...] oração pública feita a Deus, por um comum ajuntamento de fiéis, dispostos com
certa ordem, que vai de um lugar sagrado a outro lugar sagrado. E é tão antigo o uso
delas na Igreja Católica, que alguns autores atribuem sua origem ao tempo dos
Apóstolos. São actos de verdadeira Religião, e Divino culto, com as auais
reconhecemos a Deus como a Supremo Senhor de tudo, e […] esperando da sua Divina
clemencia as graças, e favores que lhe pedimos para salvação de nossas almas,
remedio dos corpos, e de nossas necessidades. […] e o uso das procissões se guarde em
nosso Arcebispado, fazendo-se nelle as Procissões gerais, ordenadas pelo Direito
Canónico, Leis, e Ordenações do Reino, e costume deste Arcebispado, e também as
mais que nós mandáramos fazer, observando-se em todas a ordem, e disposição
necessária para perfeição, e magestade dos tais atos, assistindo-se neles com aquela
modéstia, reverencia e religião, que requerem estas pias e religiosas celebridades”608.
As procissões, nos séculos XVII e XVIII, período pós tridentino, tiveram uma
grande importância, pois constituíam um ritual de fé que se encaixava perfeitamente nos
fundamentos teóricos do espírito barroco: o triunfalismo, o uso da retórica persuasiva,
através da teatralidade e do ilusionismo, e a concepção de obras de arte totais. Portanto,
os monumentos religiosos do período barroco, assim como, as manifestações de fé
ligadas a eles, como as cerimônias religiosas, eram cercadas de pompa e ostentação. Na
verdade, eles se completavam, perdendo a funcionalidade fora dos seus contextos
originais.
Nas procissões, os santos não podiam simplesmente subir aos andores. Fazia-se
necessário todo um ritual de preparação, que, muitas vezes, ia desde a decoração dos
andores com flores, velas, tecidos e franjas, até o vestir o santo, nas imagens ‘de vestir’,
com roupas, joias, resplendores, etc. Depois, no cortejo, exigia-se o acompanhamento
de um séquito de personagens segurando instrumentos e (ou) bandeiras, de anjos, de
música e da recitação de orações em voz alta e (ou) cantos.
A devoção à Paixão de Cristo não era exclusividade de nenhuma ordem
religiosa, mas fruto da nova espiritualidade que a Igreja tentava implantar desde o
607
Idem, ibidem, p. 98.
608
VIDE, D. Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit., Livro 4, p. 256.
326
século XIV, inspirada na figura de São Francisco. Porém, foi só a partir da divulgação
do Devotio Moderna, buscando uma piedade mais ativa, através da prática da oração
mental e dos exercícios espirituais, que se acentuou “o cristocentrismo e valorizou o
estabelecimento de uma intimidade pessoal entre Deus e a alma, mais importante que
os ofícios corais e as cerimónias exteriores”609.
A busca pela espiritualidade a partir do exemplo de Cristo foi uma das questões
dos séculos XV ao XVII. Segundo Mafalda Ferin Cunha, um importante registro dessa
nova expressão foi o livro Imitação de Cristo, atribuído a Tomas Kempis. A ordem
carmelita, com a devoção à Paixão de Cristo, refletia, portanto, a espiritualidade da
época, o que pode ser testemunhado pelos escritos de Santa Teresa e de São João da
Cruz e que transparece na Regra dos Irmãos Terceiros.
No Brasil, as procissões foram instituídas, quando da chegada dos portugueses,
pela figura do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, no ato da fundação da cidade
de São Salvador, segundo Luís da Câmara Cascudo. O Padre Manuel da Nóbrega
informou por carta de 9 de agosto de 1549, “haver realizado duas procissões solenes,
cânticos públicos e trombetas, a do Dia do Anjo (19 de julho) e a de Corpus Christi (19
de junho). Com danças e invenções à maneira de Portugal, ruas enramadas, grande
acompanhamento e jogando toda a artilharia que estava em terra”610.
Portanto, a “primeira solenidade celebrada com esplendor nesta heroica e leal
cidade foi a procissão do Corpo de Deus. Mas lembremo-nos também de que Tomé de
Sousa, pondo o pé em terra, na povoação do Pereira, a fim de dar início à fundação da
sede do governo da América portuguesa, fê-lo em ordem de procissão. Não em passo
militar, senão em andada de romaria. Logo os jesuítas adotaram e propagaram tais
atos devocionais, com caráter penitencial ou festivo, para atração da indianada e
edificação dos colonos. E a Bahia foi por séculos a terra das procissões”611.
Da Bahia, as procissões divulgaram-se por todas as Capitanias. Havia
procissões em honra da Virgem, como a de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do
Pará, em honra de Cristo, como a do Senhor do Bonfim, na Bahia e as dos santos
padroeiros, como São Sebastião, no Rio de Janeiro. Estas últimas são as mais típicas,
fechando o novenário de festas tradicionais. As procissões de penitência, com
609
CUNHA, Mafalda Ferin, Reforma e contra-reforma. (O que foi), Lisboa, Quimera, 2002, p. 77.
610
NOBREGA, P. Manuel de, ‘Cartas do Brasil’, apud, CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do
folclore brasileiro, Volume II, Rio de Janeiro, Edições de ouro, 1969, p. 475.
611
CAMPOS, João da Silva, ‘Procissões tradicionais da Bahia’, apud, CASCUDO, Luís da Câmara,
Dicionário do folclore..., op. cit., p. 475.
327
612
CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do folclore..., op. cit., p. 475-476.
613
AZEVEDO, Fr. Miguel de, Regra da Ordem Terceira da mai santíssima, e soberana senhora do
monte do Carmo, extraída da regra, que Santo Alberto Patriarca XII, de Jerusalém escreveo para
Brocardo, e os mais eremitas, que ao pé da Fonte de Elias moravão no monte Carmelo. Aprovada pelo
santíssimo Padre Sixto IV, Lisboa, Regia Officina Typografica, 1790 (MDCCXC). [Edição mais antiga:
Lisboa, na Regia Officina Typografica, anno M DCC LXXVIII (1778)]
614
Pela manhã semeia a tua semente, e à tarde não retires a tua mão, porque tu não sabes qual
prosperará, se esta, se aquela, ou se ambas serão igualmente boas. (Eclesiastes, 11: 6)
615
Idem, ibidem, p. 12.
328
616
AZEVEDO, Fr. Miguel de, op. cit., p. 56 e 62.
617
SANTA TERESA de Jesus, Obras completas, Canaveses, Edições Carmelo, 2015, p. 95.
618
COMPROMISSO da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo desta Vila de
Alcácer do Sal, Lisboa, Na impressão Regia, 1817.
329
Rio de Janeiro, os quais ainda assinalam a existência desse cortejo até data avançada do
século XIX619.
Porém, antes de descrever o ritual da Procissão do Triunfo, instituída
oficialmente no Compromisso dos Terceiros de Alcácer do Sal e no Estatuto do Rio de
Janeiro, torna-se necessário compreender o significado do termo triunfo. De acordo com
o Dicionário de Bluteau, “era pois, o Triunpho a maior honra, que os Romanos
concediam, e a mais pomposa e solene festa que se celebrava em Roma. [...]”. Para
conseguir essa honra, o candidato deveria ser aprovado em três instâncias, a saber, o
Exército, o Senado e o Povo. Aprovado, o Triunfador saía, então, “com uma coroa de
loureiro na cabeça, e distribuía ao povo os seus donativos e uma parte dos despojos do
inimigo [...]”620. Ainda faziam parte do cortejo, “[...] trombetas, touros destinados para
o sacrifício, carros alegóricos, estampas, pinturas [...] tudo em ouro, ou em prata, ou
em madeira dourada, ou em marfim [...] Finalmente aparecia o Triunfador em um
carro de marfim, redondo, dourado e de duas rodas, tirado por quatro cavalos brancos,
emparelhados [...] Andava ele com uma opa de púrpura, recamada com palmas de ouro
e demais do ramo de loureiro, que ele trazia na mão direita, tinha na mão esquerda um
ceptro de marfim. No meio de toda esta pompa ia um oficial detrás do Triunfador,
repetindo-lhe em altas vozes estas palavras: lembra-te que és homem, para abater com
esta lembrança o orgulho, que lhe podia causar a vaidade do aplauso. [...] Chegado ao
Capitólio, fazia a Júpiter um sacrifício, ao qual se seguia um magnífico banquete, e
depois o levavam ao seu palácio [...]”621.
A identificação deste relato com uma procissão católica pareceu imediata, como
também, com a procissão do Triunfo. Neste caso, o homenageado, único merecedor de
tal honraria, o Cristo, vinha com uma coroa de espinhos, a capa púrpura, manteve-se, e
na mão a cana como um cetro. Mas, diferente do rei pagão, que entrava em um carro de
marfim folheado a ouro, o Cristo como um simples mortal, entrava na cidade montado
em seu jumento, aprovado e aplaudido pelo povo, com ramos e grande festa.
O termo triunfo, em literatura, também podia significar um texto apologético em
homenagem a santos, pessoas, etc. Esse é o caso do texto do frade agostiniano, Antônio
de São Caetano, relatando em verso a procissão que decorreu quando da inauguração da
619
ESTATUTOS da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Novamente
impressos com as reformas feitas pelo meza conjunta de 29 de setembro de 1848, sendo prior da Ordem
o Irmão Prior jubilado João Baptista Lopes Gonçalves, reimpresso em 1895, Rio de Janeiro, Typ. e
Papelaria Neves.
620
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário portuguez… op. cit., p. 299-300.
621
Idem, ibidem, p. 300-301.
330
nova Igreja do Carmo, de Santarém, no ano de 1708: Apografia Metrica & triunfal
narraçam do plausível apparato, que a illustre Família Carmelitana majestosamente
consagrou ao Maximo dos sacramentos na sua translação para o sumptuoso Templo,
que à Senhora do Monte do Carmo...622. O texto em si nos pareceu ser uma
demonstração do empréstimo poético tirado à festa romana. Encontram-se abaixo
alguns pequenos fragmentos ilustrativos:
“No fim deste Triunfo inimitado,
Prodígio aos olhos, atração do agrado [...]
Uma carroça altiva,
Que os Romanos triunfos não puderam [...]
Por Mãe de Deus, Senhora do Carmelo [...]
Em outro pavimento [...]
Na Doutora gentil, Teresa Santa,
Donde um Anjo lhe afeta
No rico peito aponta de uma seta [...]
Na quartela, que a baixo se seguia
O Patriarca ía, Elias soberano [...]”623.
A procissão do Triunfo, estabelecida nos estatutos, não era a única manifestação
de fé que os terceiros deveriam seguir. Também participavam da “[...] razoura em todos
os segundos Domingos dos meses, [...], carregando a sacristia o andor em que vai
Nossa Mãe Santíssima, no fim do qual fará sempre o nosso Reverendo Comissário sua
prática espiritual, como complemento dos grandes frutos que a Igreja nos concede
nestes dias. A da Ressurreição do Senhor no Domingos da Páscoa, que também a
Ordem acompanha com o mesmo andor da Razoura, e a das candeias. [...] Está a
cargo de nossa Ordem no dia do grande jubileu da Quinta feira Maior, fazer com o
mais pomposo aparato possível a Exposição do Santíssimo na nossa capela,
iluminando-se este como é de costume. Igualmente celebrava a nossa Ordem no 1º
Domingo que seguir ao dia 16 de julho, a Festividade de Nossa Mãe Santíssima
Senhora do Carmo, com toda a solenidade havendo novenas, luminária e fogueiras na
622
CAETANO, Fr. Antonio de Santo, Apografia Metrica & triunfal narraçam do plausível apparato, que
a illustre Família Carmelitana majestosamente consagrou ao Maximo dos sacramentos na sua
translação para o sumptuoso Templo, que à Senhora do Monte do Carmo generosamente se erigio na
muyto nobre, & sempre leal Villa de Santarem a oyto de settembro de 1708. Sendo Prior do ditto
Mosteyro o M. R. P. M. Fr. Antonio da Assupçam, offerecida ao Senhor Luis Alvares da Costa, Fidalgo
da Casa de Sua Magestade, & Cavalleyro professo da Ordem de Christo, Lisboa, Na officina de Manoel
& Joseph Lopes Ferreyra, M. DCC. VIII. (1708).
623
Idem, ibidem, p. 27.
331
véspera, Missa cantada, música, sermão, e Senhor exposto; no que deve assistir a
Mesa, assim como a Procissão e encerramento. [...] Do mesmo modo festejará o dia de
Santa Teresa Nossa Matriarca, dia fausto na nossa Ordem havendo-se rito com toda a
grandeza e decência; [...] Conservar-se-ão os Santos Exercícios de meditações e
disciplinas da Ordem, como é costume, nas Segundas, Quartas e Sextas-Feiras do
Advento, assim como nas Segundas e Quartas da Quaresma, além dos mais atos
católicos que os Irmãos devem praticar por todo o ano, [...]”624.
Vieira Fazenda diz que até 1669 os Terceiros do Rio de Janeiro realizavam a
procissão do Enterro, […] mas nesse anno resolveu a Ordem do Carmo instituir outra
procissão, denominada do Triunpho, saindo anualmente a rua na Sexta-feira anterior a
da Paixão, ficando a de Sexta-feira maior, tal qual a presenciámos até 1873, último ano
em que teve lugar; porque os donos desta terra, os capadócios, os capoeiras e a flor da
gente, entenderam de assaltar na rua da Quitanda o anjo cantor para roubar as
custosas joias de brilhante, que lhe ornavam o peito e a cabeça625.
A descrição da Procissão do Triunfo, conforme o Compromisso da Venerável
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, da Vila de Alcácer do Sal, de
1817, no seu capítulo XXI diz o seguinte:
“A Procissão do Triunfo da Paixão de Cristo Nosso Senhor se fará Domingo de
Ramos com as Imagens, e todo o mais ornato, que a Ordem tem para esta ação: nela se
guardará toda a compostura, modéstia, e concerto que o ato pede para que mova à
devoção aos fiéis”626.
Segue a descrição de todo o cortejo e da hierarquia dos seus participantes,
estabelecida nos estatutos, que todos deveriam respeitar. O ápice do cortejo é o sétimo
andor, com o Senhor Morto, que deverá ser acompanhado pela Presidência na pessoa do
seu atual prior.
Os andores com os Cristos da Paixão seguiam a ordem temporal dos fatos
narrados no Novo Testamento e eram entremeados por figuras alegóricas, pessoas da
comunidade ou irmãos carregando os instrumentos da Paixão. Ainda participavam uma
figura feminina, representando Verônica, o Mestre de Noviço e todo o noviciado. Havia
também muita música: “Segue o primeiro Andor: o Senhor no Horto: com o Irmão Sub-
Prior do ano antecedente, e o Irmão do Culto Divino mais moço. [...] Segue-se o
624
ESTATUTOS DA VENERAVEL Ordem..., op. cit., p. 43-44.
625
FAZENDA, Vieira, ‘Antiqualha e memoria do Rio de Janeiro’, publicado em Revista do Instituto
Historico e Geográfico Brasileiro, vol. 93, p. 185-186.
626
COMPROMISSO.., op. cit., p. 37.
332
627
COMPROMISSO.., op. cit., p. 37.
333
628
ESTATUTOS..., op. cit, p. 41 e 42.
334
629
ROSA, José António Pinheiro e, Procissões de Faro, Faro, Separata dos Anais do Município, 1946, p.
53.
630
ROSA, José António Pinheiro e, op. cit., p. 56 -58.
336
Fig. 78 – Oito passos da Procissão do Triunfo, início do século XX (?). (Fonte: ROSA, José
António Pinheiro e, op. cit., p. 56 -58).
631
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve. A talha e a imaginária. Foram quinze tomos
do Concelho do Algarve: Albufeira, Olhão, Tavira, Aljezur, Castro Marim, Vila Real de Santo António,
Loulé, Lagos, Vila do Bispo, Faro, Portimão, Monchique, Silves, publicados entre 1989 a 2000. A
escultura em questão está arrolada no volume I do Tomo 12, (foto 4.95), de Faro, de 1995.
337
claustro da Igreja do Carmo, desde 1670. Da mesma forma, a “obra do azulejo mandou
fazer a Mesa da nossa Venerável Ordem Terceira no ano de 1720, sendo prior Manoel
Carlos da Cunha e Tavora, IV Conde de S. Vicente, e General de batalha do mar, &c.
No mesmo tempo mandou a dita Ordem lavrar naquelas paredes cinco primorosas
capelas com retábulos dourados, e finíssimos painéis, que representam a Jesus Cristo
nosso Redentor com a cruz às costas […]”632.
O itinerário da Procissão em Lisboa, em fins do século XVIII, era descrito da
seguinte forma: “[...] saía pela porta principal da igreja do Carmo em direitura ao
bairro chamado do Marquês e seguia pelo Chiado abaixo, tomando a calçada de Paio
Novais, saindo à Caldeiraria, e voltando pela Rua dos Douradores, e dos ourives do
ouro, entrava pela Rua Nova, e pela da Fancaria, voltava pelo Pelourinho até sair ao
Terreiro do paço, o qual atravessava, fazendo rosto ao arco que ficava por debaixo do
Palácio; daqui saía ao Arco do Ouro, donde voltava sobre a Trauqueta, buscando o
topo da Rua Nova do Almada, pela qual tornava a subir até ao Chiado, e Rua Direita
até a primeira travessa, pela qual entrava no Carmo voltando por junto das casas do
Marquês de Arronches, buscando o terreiro do Carmo e a porta principal da igreja.
Adiante ia o Pendão, precedido pelo Prior fidalgo mais antigo da Ordem com seu
companheiro, o Irmão Oficial mais antigo. Os cordões eram levados pelos secretários e
procuradores das mesas antecedentes. Seguiam-se os penitentes, entre o pendão e a
Cruz da Comunidade, e os irmãos terceiros [...]. O esquife do Santo Cristo era levado
por dois religiosos carmelitas calçados, dois descalços e dois clérigos. No fim da
Procissão, entre as imagens do Santo Cristo e a de Nossa Senhora da Soledade, iam os
mesários com os seus brandões acesos. A Procissão terminava com um sermão pregado
na Igreja do Carmo [...]”633
Do século XIX, encontram-se relatos de que a Procissão podia sair também no
Domingo de Ramos. Continuou a ser minuciosamente descrita como uma das mais
imponentes da cidade de Lisboa, cujo fulgor só cessaria em 1908 “por ação do espírito
revolucionário dominante”, voltando a ser restaurada, segundo São Payo, apenas em
meados do século XX634.
Entre a vasta multidão de leigos e religiosos que compunham esta celebração
processional, seguiam oito esculturas de vulto de tamanho natural representando os
632
S. ANNA, Frei Joseph Pereira de, Chronica dos carmelitas da antiga e… op. cit., tomo I, 1745, p. 762.
633
SÃO PAYO, apud BAYON, Balbino V. O. Carm., op. cit., p. 498-499.
634
Idem, ibidem.
338
Passos da Paixão, pela seguinte ordem: Cristo no Horto, Cristo Preso, Cristo atado à
coluna; Cristo da Cana Verde; Ecce Homo, Cristo com a cruz às costas, Cristo
Crucificado e Cristo Morto.
No relato do cronista J. Ribeiro de Guimarães, no livro Summario de Varia
Historia, de 1872, a procissão do Triunfo, na cidade de Lisboa, era composta de nove
imagens, que seguiam a seguinte ordem: “1º O Senhor orando no Horto; 2º O Senhor
preso; 3º O Senhor açoitado preso à coluna; 4º O Senhor sentado na pedra fria, ou da
Cana Verde; 5º O Senhor na varanda de Pilatos, ou Ecce Homo; 6º O Senhor com a
cruz às costas, ou dos Passos; 7º O Senhor Crucificado; 8º O Senhor Morto; 9º Nossa
Senhora da Soledade”635.
O autor ainda descreve as imagens como sendo de madeira, de tamanho natural e
de belas proporções. O escultor José de Almeida foi quem [...] as fez com certeza depois
do terramoto, e não em 1722, como dizem alguns iludidos talvez pela inscrição que
estava na cimalha da capela da Ordem, [...]. Essas esculturas serão motivo de estudo
formal e estilístico no capítulo seis.
635
GUIMARÃES, J. Ribeiro, op. cit., p. 181-190.
339
636
CAMPOS, Adalgisa Arantes, ‘Semana Santa na América portuguesa: pompa, ritos e iconografia’,
publicado em Actas do III Congreso Internacional del barroco Americano, Sevilha, Universidad Pablo de
Olavide, 2001, p. 1197-1212. Disponível em:
http://www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/3cb/documentosIn:/095f.pdf. Acesso em 15/09/2010.
637
Estatutos da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, 1755, Arquivo Paroquial de Nossa Senhora
da Conceição, Ouro Preto, pesquisados por CAMPOS, Adalgisa Arantes, Semana Santa..., op. cit., p.
1197-1212.
638
Idem, ibidem, p. 1197-1212.
340
639
PASSOS, Zoroastro Vianna, Em torno da história do Sabará, Rio de Janeiro, Ministério da Educação
e Saúde, 1940 (Publicações do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 5), p. 41, 43, 45 e
57.
640
Idem, ibidem, p. 45
641
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Petições de 1758 e 1759, fls. 5-7. Registro de
Patentes da Ordem 3ª do Carmo de Mariana, livro Q 32, pesquisado e publicado em CAMPOS, Adalgisa
Arantes, op. cit.
642
LANGE, Francisco Curt, História da Música nas irmandades do Arraial do Tejuco e Vila do Príncipe,
Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1983, p. 253-309.
341
Triunfo, pois, ainda é possível contemplar, na atual igreja, alguns dos Passos: Cristo da
Coluna, da Prisão, e, o Senhor Morto. Nos últimos anos, a igreja do Carmo de São João
tem tentado completar o programa iconográfico com os sete passos, para os seus altares.
Com esse intuito, encomendou alguns Cristos a artistas da região, que ainda esculpem à
maneira ‘barroca’.
A tradição religiosa em São João del Rei é muito forte, e, ainda hoje, se mantêm
ritos totalmente esquecidos em outros lugares, como: as Razouras, curta procissão ao
redor das respectivas Igrejas do Carmo e de São Francisco, no quarto Domingo da
Quaresma pela manhã; as três Procissões de Encomendação de Almas, com paradas em
cemitérios, encruzilhadas e cruzeiros, e, finalmente, portas de igrejas, à meia noite das
sextas-feiras da Quaresma, com os motetos da Paixão de Martiniano Ribeiro Bastos
(1835-1912), fundador da Orquestra do mesmo643.
Em relação à cidade do Rio de Janeiro, o comerciante Thomas Ewbank e o
pintor francês Jean-Baptiste Debret, relatam as experiências que tiveram sobre as
cerimônias religiosas praticadas no Brasil e, em particular, sobre a Procissão do Triunfo.
O primeiro, na obra Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil, diz ser as procissões “[…]
cerimônias da religião católica, introduzidas no Brasil pelos missionários portugueses,
conservaram seu caráter bárbaro, isto é, o exagero de que fora preciso revesti-las para
impressionar os índios, apresentando-lhes imagens esculpidas e coloridas de
gigantescas proporções. Esses missionários sentiram, com razão, que o aspecto dessas
figuras humanas, seres intermediários entre o homem e a divindade, faria nascer na
imaginação dos selvagens a ideia da grandeza e da força extraordinária do novo deus
imposto. Daí a origem das procissões brasileiras, imitadas das espanholas. Essa
espécie de cerimônia religiosa tornou-se, para a cidade do Rio de Janeiro, uma
oportunidade de luxo e de divertimento público e de exibição de trajes elegantes para
todas as senhoras, as quais aproveitam a festa para se mostrar nos balcões à passagem
do cortejo. Observe-se também a vaidade das irmandades religiosas de cada igreja,
cujo orgulho faz com que procurem se distinguir exigindo nesses passeios a extrema
riqueza dos ornatos que mantêm com grandes despesas sem, entretanto, tentar atenuar-
lhes o mau gosto” 644.
Informa-nos de que, na cidade do Rio de Janeiro, existiam “[...] oito procissões
principais: a de São Sebastião, a 20 de janeiro; dia do santo; a de Santo Antônio, no
643
CAMPOS, Adalgisa Arantes, op. cit..
644
DEBRET, Jean Baptista (1768-1848), Viagem pitoresca e histórica… op. cit., p. 32-34.
342
dia das cinzas, às quatro horas da tarde; a de Nosso Senhor dos Passos, na segunda
quinta-feira da Quaresma; a do Triunfo, na Sexta-feira que precede o Domingo de
Ramos; a do Enterro, na Sexta-feira Santa; a do Corpo de Deus, que se repete na
oitava, e finalmente a da Visitação de Nossa Senhora, a 2 de julho”645.
Ainda conforme a narrativa de Debret, “a Procissão do Triunfo sendo a quarta
do ano, saía na sexta-feira que precede o Domingo de Ramos, das quatro às cinco
horas da tarde, a população do Rio de Janeiro se reúne para ver sair da capela do
Carmo a procissão do Triunfo, isto é, dos sofrimentos e humilhações que compõem o
conjunto da Paixão de Nosso Senhor e cujas cenas esculpidas são carregadas em
procissão. [...] a guarda da polícia abre o cortejo; vem, em seguida, o estandarte roxo
no meio do qual a inscrição S. P. Q. R. (Senatus Populusque Romanus) bordada a
ouro; segue-se um anjo carregando uma cruz de madeira preta com filetes de ouro,
sobre a qual são pregadas duas palmas cruzadas encimadas por uma inscrição com
letras douradas.
Jesus Cristo constitui o assunto de cada um dos grupos executados em relevo e
em tamanho natural. O primeiro representa o Cristo ajoelhado, vestido com uma túnica
roxa escura. O segundo, o Cristo de pé, de mãos atadas e com uma túnica semelhante;
o terceiro, Jesus flagelado, de pé, e inteiramente nu; o quarto, Jesus já flagelado,
sentado com um caniço na mão e com as costas cobertas por pequeno manto de
brocado vermelho e ouro; o quinto representa ainda Jesus flagelado, de pé e com um
manto semelhante, porém mais comprido; o sexto figura Jesus com um joelho no chão,
carregando a cruz e vestido com uma túnica roxa lisa, apertada na cinta por um cordão
com uma ponta caída; o sétimo, finalmente, mostra Jesus Crucificado com o rosto
cercado de enormes raios dourados. Este último grupo é escoltado por seus grandes
círios de cera escura, retorcidos em espiral. Entre cada imagem esculpida caminham
anjos carregando os diferentes acessórios da paixão. Um dossel roxo é suspenso a oito
varais vermelhos e dourados e escoltados por oito lanternas. Segue-se outra imagem
esculpida, a da Virgem das Dores: veste um manto roxo-escuro e tem as mãos cruzadas
sobre o peito; oito espadas nuas dispostas em círculo parecem fixar-se no seu seio;
uma grande auréola dourada cerca-lhe os cabelos.
A dupla ala que ladeia a procissão compõe-se dos membros da irmandade da
capela do Carmo e dos monges da mesma ordem. A retaguarda é constituída por um
645
Idem, ibidem, p. 33.
343
646
DEBRET, Jean Baptista (1768-1848), Viagem pitoresca e histórica… op. cit., p. 32-34.
647
Idem, ibidem, p. 44.
344
espectadores. Tarde mais bela não poderia ser escolhida para o espetáculo. Soldados
puseram-se em fila. A multidão era compacta e logo se via a primeira imagem da série
emergindo da Igreja do Carmo. A irmandade se estendia desde a igreja, a uns cem
metros de onde eu estava. No seu uniforme de túnicas beges e munidos de bastões de
cera, apresentavam uma bela amostra dos exércitos da Igreja. Aqui e ali, alguém
apressado, ia e vinha, dando ordens, sobraçando sua candeia qual o bastão de um
marechal. Outros agarravam querubins alados pela mão e arrastavam-nos para a
frente, com se os tivessem capturado ou os tivessem abatido os seus bordões, a fim de
ornamentar a festa”648.
O comerciante inglês continua as suas impressões: a procissão era dirigida “por
soldados de cavalaria, de espada em punho, três a três; em seguida o estandarte, com a
inscrição S.P.Q.R.; depois irmãos e velas; um saco carmesim sustentado por uma viga
de prata, trazendo em cada ponta uma cadeia cuja cera está pintada de listas pretas em
espiral. Outros irmãos e velas; três anjos em linha o do meio, com um estandarte,
representava o arcanjo São Miguel. Usava um elmo reluzente, uma couraça de prata,
pantalonas de nanquim e sapatos escarlates. Suas asas eram matizadas diversamente e
a nuvem que trazia atrás de si era debruada de fitas (de papel). Seus braços estavam
nus. Eu preferiria que sua mãe tivesse guardado em casa os grandes brincos,
braceletes, anéis e colares.
1 – como a primeira imagem já se tivesse aproximado, os soldados calaram as
baionetas e fizeram ombro armas, para reverenciá-la. Representava A Paixão. Uma
grande estátua de Cristo ajoelhado com as mãos postas como numa prece. Gotas de
sangue rolam pelas suas faces pálidas. Um anjo, de três a quatro pés de altura, abaixa-
se e oferece-lhe o cálice. Três lanternas de prata estão acesas de cada lado, e uma fila
de soldados, de espada em punho, monta guarda.
2- segue-se uma longa fila de irmãos que precede um segundo andor, no qual
está Cristo perante Pilatos, pálido, exausto e submisso. Irmãos e anjos três a três.
3 – Cristo açoitado – esta imagem é quase nua: apenas um trapo cobrindo os
rins. Está amarrado por cordas a um pilar, e a face, o peito, as costas, as coxas, os
braços e as pernas estão pintados como que de coágulos de sangue – de realismo
horrível. Multidão de irmãos e de anjos.
648
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade de São
Paulo e Livraria Itatiaia, 1976 (edição original: 1869), p. 165-166.
345
649
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, op. cit., p. 165-166.
346
650
Idem, ibidem, p. 167.
651
LAMEGO, Dr. Alberto. Verdadeira notícia da fundação da Matriz de São Salvador, p. 204.
652
COSTA, F. A. Pereira da, Anais Pernambucanos… op. cit.
653
REIS, João José, A morte é uma festa, São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p. 68.
347
654
SALVÉ-RAINHA, Rui Simão Pereira, e LOPES, Délio Luís da Conceição, Procissões, Romarias e
Tradições de Tavira, Tavira, Tipografia Tavirense, 2013, p. 77.
348
657
Existem diversas versões para o significado correto do acrônimo, dependendo da declinação do 'R',
que pode ser Romanus (Senatus OU Populus) ou Romani (plural: Senatus E Populus). De toda forma,
Senatus Populusque Romanus é a versão presente na Coluna de Trajano, atualmente em Roma.
350
658
Texto proferido pelo Pároco responsável pelo chamamento de cada andor assim que ele saía da Igreja
dos Terceiros, e se encaminhava para se pocisionar dentro das alas da Procissão.
659
Idem, ibidem. O texto proferido pelo Pároco não elucida porque esta imagem é conhecida como
Senhor da Paciência.
660
Idem, ibidem.
351
661
Idem, ibidem.
662
Ver o capítulo específico sobre a iconografia dos Passos da Paixão de Cristo. A iconografia do Senhor
da Paciência, segundo Louis Réau, diferencia-se da representação da Pedra Fria ou Coroação de espinhos,
pela postura de uma das suas mãos, que apoia o queixo em atitude de resignação.
663
Idem, ibidem.
664
Idem, ibidem.
665
Idem, ibidem.
352
Cristo repete o motivo do Senhor dos Passos, é a árvore da vida, representada por dois
troncos arredondados, decorada por flores na parte traseira.
Oitavo andor: Senhor Morto. Depois de expirar, […] Jesus morre e é
transportado no tombinho, até o seu local de repouso. Sob o pálio, vai o tombinho com
a imagem do Senhor Morto666. Acompanhando o andor do Senhor Morto, vai o Padre,
que preside a procissão, com os seus acólitos. Acompanhando e carregando o esquife,
vão os representantes da Polícia de Segurança Pública de Tavira (oito policiais). O pálio
é carregado pelos militares do Regimento da Infantaria Número um de Tavira (também
em número de oito), e, a seguir, os membros das principais entidades da administração
da cidade: Presidente da Câmara, Presidente da
Assembleia Municipal e o Presidente da Junta de
Freguesia. É o local de honra da procissão do Triunfo.
A escultura do Senhor Morto vai ao esquife com um
véu branco rendado a cobri-la.
666
Idem, ibidem.
667
Idem, ibidem.
353
Fig. 84 – Crucificados, Igrejas do Carmo, Mogi das Cruzes (SP), Recife (PE), Belém (PA), São
Paulo (SP), Campos dos Goytacazes (RJ), Itu (SP), Cachoeira (BA) e Ouro Preto (MG)
PARTE III
5. ESCULTURA
“[…] para provar a nobreza [barro], antiguidade, dizem que Deus foi o
primeiro que a exercitou, formando o primeiro homem [...]”668.
668
PACHECO, Francisco, Arte de la pintura su antiguedad y grandezas. Descrivense lós hombres
emeinentes que há auido en ellea, assi antiguos como modernos, del dibujo, y colorido; del pintura al
temple, al olio, de la iluminiacion y estofado, del pintaral fresco, del las encoranaciones, de polimento, y
de mate; del dorado, bruñido, y mate. Y enseña El modo de pintar todas las pinturas sagradas, Sevilla,
Simon Faxado, impressor de libros, 1649, p. 20.
669
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário portuguez… op. cit., p. 234.
670
Ver o verbete escultura em: PEREIRA, José Fernandes (direção), Dicionário da Arte Barroca…op.
cit., 1989, p. 226-229.
671
PACHECO, Francisco, Arte de la pintura... op. cit., p. 21.
356
672
[...] ao esculpir sua estátua no mármore ou nalgum outro tipo de pedra em que aquela esteja
potencialmente contida, o escultor precisa eliminar as partes supérfluas e inúteis com a força de seus
braços e a golpes de martelo - um exercício bastante mecânico [...] 672. DA VINCI, Leonardo, apud
WITTKOWER, Rudolf, Escultura, São Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 87
673
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit., p. 58-59.
357
674
WITTKOWER, Rudolf, Escultura… op. cit., p. 129.
358
representa a Idade Média possui Deus; o da arte barroca, professa-o; ele é um ator,
vive em ato essa fé que prega aos homens. A fé não é conatural a seu ser, como na
Idade Média; é adquirida, e adquirida ao preço de um esforço incessante [...]
Plasticamente, o estado de santidade é então representado como um duplo movimento:
o santo aspira a Deus e Deus inspira o Santo. Estas duas correntes, ascendente e
descendente, produzem no ser uma comoção que se traduz nas imagens santas por uma
verdadeira torção do corpo, como se tivessem sido atravessadas por uma descarga
elétrica: os membros são projetados, as mãos convulsam, os drapeados revolvem-se. As
cabeças inclinam-se e os olhos reviram-se [...]”675.
Para a representação de Cristo, destacam-se os momentos finais da sua vida
terrena, com cenas de intenso sofrimento, concentradas nos Passos da Paixão. Apesar
de todo o sofrimento e envolvimento emocional, o Cristo que está preso à cruz é um
deus grego, herança do Renascimento italiano, acrescido de certa carga emocional,
transformando-se num misto de ideal de beleza e de emoção. A necessidade de atração
passava também pela identificação com o outro, do santificado com o fiel. Quanto mais
‘humano’ o representado, maior a empatia com o fiel. Este era um pressuposto das artes
como imitação ou mimésis676. Logo, as esculturas devocionais, dos séculos XVII e
XVIII, de regiões periféricas, como Portugal e Brasil, fugiam das grandes questões
estéticas que envolviam o mecenato de obras de arte de uma Itália renascentista ou
barroca. Em primeira instância, as esculturas devocionais funcionavam como agentes de
convencimento no intuito de angariar novos fiéis, em um período histórico de reformas,
perdas e contestações. Portanto, o escultor, santeiro ou imaginário era um fazedor de
imagens convenientes e convincentes, cuja escolha da matéria-prima influenciava
diretamente no desejado produto final.
675
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura… op. cit., p. 45.
676
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I: … op. cit., p. 110.
359
677
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura…, p. 22.
678
MOURA, Carlos, ‘Uma poética da refulgência… op. cit., p. 86-119.
679
SMITH, Robert C., Frei Cipriano da Cruz, escultor de Tibães, elementos para o estudo do barroco em
Portugal, Porto, 1968.
360
680
BORGES, Nelson Correia, ‘A escultura e a talha’, publicada em História da arte em Portugal.
Barroco e rococó, Vol. 9, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, p. 40-63 e 122-147.
681
PEREIRA, José Fernandes, ‘O Barroco do século XVII: transição e mudança e O barroco do século
XVIII: programas régios para a escultura’, publicado em PEREIRA, Paulo (direcção), História da arte
portuguesa. Lisboa: Círculo de leitores, 1997, p. 26-34 e p. 86-107.
682
PEREIRA, José Fernandes, O Barroco do século XVII..., op. cit., p. 99.
361
683
Idem, ibidem, p. 28.
684
Idem, ibidem, p. 31.
685
SERRÃO, Vítor, ‘O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues e a sua atividade no Norte de Portugal’,
publicado em Separata da Revista MUSEU, IV Série, nº 7, 1998, p. 137-173.
686
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I… op. cit..
362
687
Idem, ibidem, p. 86-87.
688
Idem, ibidem, p. 108.
689
Idem, ibidem, p. 109.
363
690
CARVALHO, Maria João Vilhena de e CORREIA, Maria João Pinto, ‘A escultura nos séculos XV a
XVII’, publicado em RODRIGUES, Dalila (coord.), Arte Portuguesa. Da pré-história ao século XX, Vol.
8, Lisboa, Fubu editores, 2009.
691
Sobre o tema, consultar os seguintes trabalhos: GRILO, Fernando, Nicolau de Chanterene e a
afirmação da escultura do Renascimento na Península Ibérica (c. 1511-1551), tese de doutoramento,
defendida no departamento de História da Arte da Universidade de Lisboa, 2001, e, ‘A Exaltação da Fé.
A escultura barroca no convento dos Cardaes’, publicado em O Convento dos Cardaes veios da memória,
Lisboa, 2003. Do MOURA, Carlos, A escultura de Alcobaça e a imaginária monástica-conventual (1590-
1700), Lisboa, 2006, tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, 2 vols. E ainda, LE GAC, Agnès e ALCOFORADO, Ana, Frei Cipriano
da Cruz em Coimbra, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2003.
364
Nacional de Arte Antiga no ano de 2012. O catálogo, com artigos dedicados à obra
escultórica do artista, privilegiou também a sua produção de esculturas devocionais692.
Além de tratar das questões que envolveram a encomenda da emblemática estátua
equestre de D. José, o catálogo traz, pela primeira vez, pesquisas versando sobre a sua
obra escultórica litúrgica. Diferentemente do que se passa com a maioria dos escultores
do período, com Machado de Castro, ocorre um fato interessante: toda escultura
devocional erudita e de grande porte, produzida em seu tempo, lhe é atribuída, como
uma forma de valorizar a obra.
Percebe-se uma tendência nos estudos sobre a escultura portuguesa de valorizar
obras identificadas e datadas, maioritariamente as importadas ou as executadas por
estrangeiros, em Portugal, que, desde fins da Idade Média, procuraram o país para o
desenvolvimento dos seus trabalhos. O historiador Vergílio Correia, no livro A
escultura em Portugal no século XVI, lembra que “[...] a obra pessoal do escultor
mediévico prende menos a atenção que a do arquiteto, atenuado o valor pela
abundância de produção e anonimato do trabalho. [...] o estudo da escultura
apresenta, por toda a parte, maiores dificuldades que o da arquitectura, não se
ajustando muitas vezes as classificações de um e outro ramo artístico”693. Relaciona,
em seguida, um bom número de estrangeiros que trabalharam em Portugal no período,
assim como, as influências que chegaram vindas do Norte, da França e da vizinha
Espanha, e o resultado destas inter-relações. Mostra, além disso, que as peças soltas
restantes do Medieval português, das quais o Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa) e
o Museu Machado de Castro (Coimbra) possuem belos conjuntos, revelam uma
predileção pela pedra, já que o país possui boas zonas de produção graníticas ao norte e
ao centro: “mármore da região de Évora, a pedra de Ançã na área mondegina e a
pedra de lioz na Estremadura, com Lisboa à cabeça, eram excelentes suportes para a
imaginária ou para a execução dos monumentos funerários: foi sobretudo através desta
diferenciação matérica e das suas correspondentes expressões formais que se forjaram
as identidades oficinais da escultura nacional”694. O uso da pedra está também
692
Para mais informação sobre a oficina pela qual Machado de Castro era o responsável, ver: O virtuoso
criador, Joaquim Machado de Castro, 1731-1822. Catálogo da exposição, Lisboa, Museu Nacional de
Arte Antiga, 2012.
693
CORREIA, Vergílio, A escultura em Portugal. No primeiro terço do século XVI, Coimbra, Imprensa
da Universidade, 1929, p. 5.
694
CARVALHO, Maria João Vilhena de e CORREIA, Maria João Pinto, ‘A escultura nos século XV a
XVII’, publicado em DALILA,... op. cit., p. 11.
365
695
Caso, por exemplo de: “retábulo da Sé de Viseu (c. 1502-1505, obra de colaboração luso-flamenga), o
de São Francisco de Évora (1509--1511, Francisco Henriques e colaboradores), o da Sé de Lamego
(Vasco Fernandes, 1508-1511), o de Santiago de Palmela (c. 1515-1520, Mestre da Lourinhã), o da
Madre de Deus de Xabregas (1515, Jorge Afonso e oficina), o de Nossa Senhora do Pópulo das Caldas
da Rainha (c. 1515-1517, Mestre da Lourinhã?), o do mosteiro de Jesus de Setúbal (c. 1520, Jorge
Afonso e colaboradores), o do Salvador no mosteiro de São Francisco de Lisboa (Gregório Lopes e
Jorge Leal, 1524-1525), etc”. SERRÃO, Vítor, ‘A Diocese do Funchal na História da Arte em Portugal: a
pintura quinhentista’, p. 111-145. Disponível em
https://www.academia.edu/14161593/A_Diocese_do_Funchal_na_Hist%C3%B3ria_da_Arte_em_Portug
al_a_pintura_quinhentista
366
696
SÁ, Sérgio O., Santeiros de Maia, Porto, edição do autor, 2002. O livro trata das Terras da Maia
(arredores da cidade do Porto), que, desde meados do século XIX, foram um centro de produção de arte
sacra, em madeira, de Portugal. Aborda os artistas e as oficinas que proliferaram na região, as obras que
de lá saíram para todo o mundo católico e as características estéticas e artísticas que marcaram essa
estatuária.
367
697
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… op. cit.
698
Um bom exemplo é o projeto de inventariação do patrimônio da Arquidiocese de Braga, que contempla
Igrejas e Museus do Concelho. Foi feita a catalogação das peças e sua publicação em pequenos livretos,
por especialistas de cada área: CARVALHO, Maria João Vilhena de, Viagem à escultura do Museu Pio
XII, Braga, 2008.
368
mudaram de endereços, indo para outras igrejas ou para Museus e particulares, assim
como toda a documentação a eles relacionada.
No dizer de Carlos Moura, a lei de extinção das ordens religiosas foi um desastre
patrimonial que continua, pois, os edifícios que não ganharam nova utilidade,
permaneceram fechados e muitos chegaram à beira da ruína ou à destruição completa.
Os que se salvaram tornaram-se um problema para as autarquias, que não sabem como
gerenciá-los, por apresentarem custos elevados em sua preservação ou ainda
necessitarem de obras complexas e caras de restauro699.
Trata-se de uma herança típica da Idade Moderna, marcada pela encomenda
eclesiástica, incluindo obras paroquiais e de ordens religiosas. Segundo Federico
Palomo, em 1750, havia em Portugal mais de 600 estabelecimentos, com cerca de
10.000 religiosos700. Foram tantas e tão diversas as instituições religiosas em Portugal,
que resolvemos relacionar algumas, a título de exemplo, através de uma passagem do
Padre Inácio da Piedade, discursando sobre a cidade de Santarém: “Havia catorze
conventos na vila, sendo três destes femininos. Assim, em Marvila, existiam Agostinhos,
Arrábidos, Marianos, Jesuítas, Agostinhos Descalços e Capuchas. Fora de Marvila
existiam Franciscanos, Dominicanas e Dominicanos, Trinitários, Clarissas,
Beneditinos e Franciscanos seculares”701.
Sobre o assunto, Francisco Lameira, no estudo dos retábulos da região do
Algarve, diz que numericamente existiram “cerca de duas dezenas de conventos
estabelecidos nos principais centros urbanos”, seis deles situados na cidade de Tavira:
São Francisco da Observância, Santo Antônio dos Capuchos da Piedade, Nossa Senhora
da Ajuda dos Eremitas de São Paulo, Nossa Senhora da Graça dos Agostinhos
Calçados, Nossa Senhora do Carmo dos Carmelitas Descalços e Nossa Senhora da
Piedade das Freiras Cistercienses; quatro em Faro: São Francisco da Observância, Santo
Antônio dos Capuchos da Piedade, Nossa Senhora da Assunção de Clarissas e Santiago
da Companhia de Jesus; três em Lagos: Trindade, capuchos da Piedade e Freiras
Carmelitas; três em Loulé: Agostinhos Descalços, Capuchos da Piedade e Freiras do
Espírito Santo; dois em Portimão: Companhia de Jesus e Capuchos da Piedade; um em
699
MOURA, Carlos. Assunto discutido nas aulas do segundo semestre de 2015, na disciplina Ordens
Monásticas em Portugal na Idade Moderna, do curso de Mestrado em Museologia, da Universidade Nova
de Lisboa.
700
PALOMO, Federico, A contra-Reforma em Portugal, 1540-1700, Lisboa, Livros Horizonte, 2006.
Coleçcão Temas de História de Portugal.
701
VASCONCELLOS, Padre Inácio da Piedade, História de Santarém Edificada, Lisboa Ocidental,
1740, tomo I, p. 20.
369
702
LAMEIRA, Francisco, A talha no Algarve…, p. 138 e 139.
703
RÖWER, O.F.M. frei Basílio, Páginas da história franciscana… op. cit..
370
704
Metodologia utilizada por Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira para estudar a imaginária religiosa no
Brasil, com vista à elaboração do texto para o catálogo da exposição dos 500 anos do Descobrimento do
Brasil. A Imagem religiosa no Brasil, exposição que se realizou na Fundação Bienal de São Paulo, em
2000, será o texto base do próximo subitem deste capítulo. Tentaremos apenas acrescentar alguns novos
elementos que surgiram nos últimos quinze anos. OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó
religioso… op. cit..
705
PEREIRA, José Fernandes, ‘Estética barroca I… op. cit., p. 88.
371
O barro é, com certeza, uma fonte renovável, podendo ser facilmente encontrado
em diferentes partes de Portugal. Observa-se que os monges de Alcobaça faziam as suas
esculturas a partir de planos horizontais, ocos. À medida que
os blocos cresciam, adicionava-se o próximo bloco, para só
posteriormente acrescentarem-se as partes mais delicadas,
como as mãos e o rosto. Desta maneira, o trabalho laboral
também funcionaria em conjunto: os monges menos
especialistas modelavam os corpos e os considerados
‘artistas’ ficavam com a fatura das mãos e dos rostos706.
706
MOURA, Carlos, A escultura de Alcobaça e a imaginária monástica-conventual ... op. cit.. E ainda do
mesmo autor: ‘Escultura portuguesa do século XVII, Jesuítas e beneditinos’, publicado em IV Colóquio
luso-brasileiro de história da arte, Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2000, p. 119-127.
707
LE GAC, Agnès; ALCOFORADO, Ana, Frei Cipriano da Cruz… op. cit.. E mais recentemente ver o
artigo: LE GAC, Agnès, OLIVEIRA, Paulo, COSTA, Maria João Dias e COSTA, Isabel Dias, ‘Retábulos
e imagens dos mosteiros beneditinos de Tibães e do Rio de Janeiro em confronto: identidades,
transferências e assimilações’, publicado em GLORIA, Ana Celeste (org.), O retábulo no espaço ibero-
americano, vol. I, p. 65-77. Disponível em
http://www.academia.edu/21661265/O_Ret%C3%A1bulo_no_Espa%C3%A7o_Ibero-Americano_
372
708
Os estudos sobre os franciscanos foram tema de um congresso em particular, coordenado pelo
CEPESE (Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade) realizado no Rio de Janeiro, em 2008:
III Seminário Internacional Luso-brasileiro, Os Franciscanos no Mundo Português. Artistas e Obras (Rio
de Janeiro, 24 a 26 de Novembro de 2008), em parceria com o Departamento de História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
373
íntegros. Pelo levantamento feito por Francisco Lameira, pode-se afirmar que os
conjuntos retabulares existentes são de épocas distintas e acompanham o estilo reinante
no momento da sua construção, ou, ainda, foram sendo confecionados ou remodelados
ao longo dos anos709.
709
LAMEIRA, Francisco; LOUREIRO, José João; e VECHINA, Frei José Carlos. Retábulos da Ordem ...
op. cit.,
710
“Do ponto de vista formal, há ainda mais algumas imagens que se podem atribuir a Marceliano de
Araújo, […] tenha feito outras imagens para os retábulos do transepto da igreja do Convento do Carmo
pois há grande similitude entre as que neles existem e outras atribuíveis a Marceliano, sobretudo entre a
de S. Ângelo, do Carmo e a de S. Bernardo, da igreja do Pópulo”. OLIVEIRA, Eduardo Pires de,
‘Revisitar Marceliano de Araújo’, publicado em Artistas e artífices e a sua mobilidade no mundo de
expressão portuguesa. Actas do VII Colóquio Luso – Brasileiro de História de Arte. Porto, Porto,
Departamento de Ciências e Técnicas do Património / Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
2005, p. 135 – 141, p. 140; republicado em “Misericórdia de Braga”, Braga, 2, 2006, p. 115 – 140.
711
OLIVEIRA, Eduardo Pires de, Braga. Percursos e memórias de granito e ouro, Porto, Campo das
Letras, 1999, p. 235.
374
Entre a nossa primeira visita e a última, passaram-se dois anos. Observamos que,
nesse período, houve uma mudança no altar de Nossa Senhora da Conceição. Apresenta
a Virgem centralizada, estando do lado direito Santa Bárbara e à esquerda São Bento.
São excelentes peças, de entalhe condizente com a talha, porém, causa estranhamento a
presença de um santo beneditino em espaço carmelita. Na última visita, foram
realocados os santos dos intercolúnios, São Marçal e São Sebastião, ausentes na
primeira visita. As esculturas têm dimensões exageradas para as pequenas mísulas de
apoio.
O século XVIII será um período de grande desenvolvimento para Portugal no
campo econômico e artístico, fruto das riquezas de suas colônias e da estabilidade
política do longo reinado de D. João V (1707-1750), rei que tinha um apreço especial
pela cultura e pelas artes. Lisboa, sede do poder político e econômico, como capital do
Império e principal cidade portuguesa setecentista terá os principais laboratórios de
encomendas religiosas do período. Mas também será a cidade aberta para o mundo e
375
712
Ver FALCÃO, José António e PEREIRA, Fernando António Baptista. José de Almeida. Escultor
setecentista. Lisboa: Editora Estar, 1996. E, mais recentemente, a publicação de VALE, Teresa Leonor
M., Um português em Roma, um italiano em Lisboa. Os escultores setecentistas: José de Almeida e João
António Bellini, Lisboa, Livros Horizontes, 2008.
713
PAMPLONA, Fernando de, Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em
Portugal, vol. II, Barcelos, Livraria Civilização editora, 1987. No primeiro volume, são citados quinze
artífices do século XVIII da cidade de Lisboa, cinco do Norte (Porto e Braga), quatro de Coimbra, e três
de locais diversos (São Miguel, Portalegre e cidade indeterminada); no segundo, temos vinte e um
artífices da cidade de Lisboa, seis do Norte, cinco de Aveiro, um de Faro e quatorze de cidades diversas;
no terceiro tomo, a grande maioria de artífices são dos que trabalharam em Lisboa (vinte e dois,
majoritariamente nas obras de Mafra e Queluz), com poucos exemplos de outras cidades, um para cada de
Lamego, Évora, Porto, Aveiro, Coimbra, Amarante e cinco sem determinar a origem. No tomo quatro,
tivemos um total de quarenta e três escultores, entre os oficios da madeira, apenas quatro imaginários e
dezesseis somente entalhadores. A grande maioria é de Lisboa, mas também é possível encontrar artífices
do Porto, Coimbra, Évora e pelo menos metade deles de local indeterminado. No volume cinco, tivemos
um número muito pequeno de artífices da madeira, com cerca de 20. A maioria dos verbete consiste em
pequenas citações do tipo: Calheiros (Antonio Martins) – entalhador de Lisboa, do século XVIII,
actividade documentada em 1711. Bibliografia: Virgílio Correia. Entalhadores de Lisboa, século XVII e
XVIII, publicado em Águia, 2ª série, vol. XIV, op. cit., volume II, p. 16.
376
ausência de obras, além das poucas datadas, e de fontes arquivísticas, não permite
conhecer a formação profissional do escultor. Os quatro santos em pedra da fachada da
Igreja Jesuítica de Alcalá de Henares, de 1624, constituíram provavelmente uma das
primeiras encomendas recebidas pelo artista. Segundo Martin Gonzáles, essas obras
aparentam um sentimento próprio da ‘melancolia portuguesa’714. Em Portugal,
confeccionou duas esculturas para a Igreja de São Domingos de Benfica, arredores de
Lisboa, no ano de 1636. A Nossa Senhora do Rosário, bela e serena, característica
constante na imaginária portuguesa e o Cristo Crucificado, cuja iconografia, segundo
Carlos Moura, “é andaluza, manifesta no uso dos quatro pregos e na posição quase
vertical dos braços, sustenta[m] com eficácia uma sensibilidade contida, sem a
dimensão radicalmente trágica do misticismo espanhol”715. São duas excelentes
esculturas devocionais, ao gosto português. A anatomia corporal do Cristo “resume as
convenções e interdições da época sobre o corpo nu, permitindo-se apenas a sua
exibição dolorosa sob a forma do paradigmático exemplo cristão”716.
Aparece citado também como o autor dos quatro santos jesuítas do altar-mor da
Igreja da antiga Casa Professa de São Roque, cujo retábulo “É mandado executar pelo
Pe. Diogo Monteiro, por volta de 1628. Em 1630 são encomendadas em Madrid ao
escultor português Manuel Pereira as quatro imagens para os nichos. […]”717.
Outro nome mencionado constantemente nas publicações sobre artífices da
madeira é o do escultor e santeiro Manuel Dias, da cidade de Lisboa, falecido em 1754.
Conhecido pela alcunha de o pai dos Cristos em virtude de sua perícia na talha dos
Crucificados, teve oficina na Calçada de Santo André, em Lisboa e fez parte da
Irmandade de São Lucas, desde 1713718. É o autor do Crucificado em cedro da capela-
mor da Sé de Évora, assim como a Nossa Senhora do Socorro da Igreja do Carmo,
também de Évora. Ainda lhe são atribuídas as imagens do maravilhoso São Miguel, da
Igreja de Nossa Senhora da Pena, de Lisboa, e possivelmente a Nossa Senhora do
Rosário, do altar vizinho, de fatura similar. Peças avantajadas, movimentadas e de
grande força decorativa. Os panejamentos apresentam movimentos exacerbados, sem
714
Martin Gonzáles apud, MOURA, Carlos, verbete «Manuel Pereira », publicado em Dicionário da arte
barroca..., p. 351-352.
715
Idem, bidem, p. 352.
716
Verbete « Escultura », publicado em PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte
Barroca ... p. 168.
717
LAMEIRA, Francisco, O retábulo da Companhia de Jesus em Portugal: 1619-1759, [Faro],
Departamento de História, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, 2006, p. 55.
(Promontoria Monográfica História da Arte 02)
718
PAMPLONA, Fernando, Dicionário de pintores op. cit., tomo I, p. 203-204.
377
Fig. 91 – Nossa
Senhora do Rosário e São
Miguel Arcanjo, Igreja de
Nossa Senhora da Pena,
Lisboa.
719
MACHADO, Cirilo Volkmar, apud VALE, Teresa Leonor M., Um português em Roma… op. cit.,, p.
11.
720
PEREIRA, Célia Nunes Santos, A arte na Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo… op. cit.
378
721
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo I, p. 57-58. E Teresa Leonor M. Vale intenta fazer
um ‘ensaio de um catálogo’ de sua obra, onde discute as atribuições entre outros casos. Ver VALE,
Teresa Leonor M., Um português em Roma… op. cit., p. 23-71.
722
Idem, ibidem, tomo I, p. 53. E SANTOS, Reynaldo, A escultura em Portugal, Lisboa, Bertrand Irmãos,
1950, 2 º vol., 66-67.
723
‘Tratados de escultura’, publicado em Dicionário de arte barroca, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p.
945.
724
Veja-se, por exemplo, FRANÇA, José Augusto, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Lisboa, Livros
Horizontes, 1965.
379
a segunda metade do século XVIII, de excepcional qualidade, lhe foi atribuída, mesmo
que suas características formais se distanciassem de seu estilo. Na última exposição
direcionada a esse artista, levada a cabo no Museu Nacional de Arte Antiga, buscou-se,
através de alguns textos publicados no excelente catálogo produzido para a ocasião,
discutir essas atribuições725. Um dos aspectos que não poderíamos deixar de citar é o
caráter erudito das obras em geral da lavra de Machado de Castro. Mesmo seguindo
uma iconografia tradicional para a identificação dos santos devocionais, o escultor teve
rompantes de ‘extrema criatividade’, como na fatura do Santo Elias da fachada da
Basílica da Estrela. Acrescentou, além dos atributos convencionais, as tábuas dos
mandamentos, específicos de Moisés ao Profeta fundador do Carmo726. E ainda é
conhecido o caso da Nossa Senhora da Encarnação, da igreja de mesmo nome em
Lisboa, que apresenta um interessante conflito com a irmandade cliente, motivada pelo
fato de Machado de Castro ter introduzido uma segunda figura de Anjo na
representação do grupo da Encarnação.
725
O virtuoso criador, Joaquim Machado de Castro, 1731-1822. Catálogo da exposição… op. cit.
726
‘Desvio que de modo algum pode ser atribuído a factores de ordem formalista, carece sobretudo de
uma justificatição de índole iconográfica. Personagem do antigo Testamento, considerado pelos
carmelitas como o primeiro fundador da Ordem, a sua especificidade é claramente assinalada pela
presença das “Tábuas da Lei”, num paralelismo imagético com a representação de Moisés.’
SALDANHA, Sandra Costa, ‘Iconografia Carmelitana no Convento de SS. Coração de Jesus à estrela:
imagens e paradigmas escultóricos setecentistas’, publicado em VALE, Teresa Leonor M. e COUTINHO,
Maria João Pereira (coord.), Lisboa e as ordens religiosas, Lisboa, 2010, p. 41-49.
727
Grupo escultórico de Santa Ana ensinando a Virgem é atribuido pelo Museu Nacional de Arte Antiga,
aos escultores José de Abreu do Ó, Tomás Lopes e Machado de Castro, datada de 1783-84.
380
728
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo I, p. 18.
729
Idem, ibidem, tomo I, p. 18.
730
Idem, ibidem, tomo V, p. 77-78.
731
Esse painel pertenceu a Coleção de D. Fernando II, sendo doada ao Museu Nacional de Arte Antiga
em 1915. Sabe-se que em 1893, estava catalogada como um dos bens do rei que ia ser vendidos em leilão.
Disponível em : http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg= 250
381
Fig. 94 – Triunfo das Artes, Joaquim José de Barros Laborão, Museu Nacional de Arte
Antiga733.
732
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo III, p. 171-172. Ver verbete: ‘Laborão, Joaquim
José de Barros (1762 - 1820), sculptor’, por António Filipe Pimentel, publicado em Grove Art Online,
Published online January 1998 | e-ISBN: 9781884446054
733
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=250888
734
SANTOS, Reynaldo, A escultura em Portugal, 2º vol, p. 71.
735
SMITH, Robert, Frei Cipriano da Cruz,… op. cit., p. 30
736
SMITH, Robert C., Marceliano de Araújo. Escultor Bracarense, Porto, Nelita Editora, 1970, p. 81.
382
1809)737. O primeiro também era entalhador, produziu obras de excelente fatura, como
atestam as belas esculturas do retábulo da Misericórdia de Braga, como o grupo da
Visitação do Coroamento. Sua influência alcançou outras cidades portuguesas,
chegando até o Brasil.
Já o segundo, seguindo a tradição deixada por Cipriano da Cruz e pela ordem
beneditina, destaca-se mais como entalhador do que escultor. Robert Smith cita, a partir
da documentação, relaciona uma boa produção escultórica de sua lavra, como se pode
ver nas imagens que figuram o altar-mor de Tibães e no grupo de Santana e São
Joaquim de um dos retábulos da nave. Sua influência parece ter ficado restrita aos
Mosteiros Beneditinos da
região.
Braga apresenta ainda um quarto imaginário com obra identificada como sendo
do escultor de Barcelos, Miguel Coelho com atividade registrada entre 1698 e 1742738.
É comparado com o trabalho de Marceliano de Araújo, sendo um artista polivalente, fez
imagens, entalhou e esculpiu. Tudo leva a acreditar que teve uma boa oficina, com
muitos colaboradores, entre eles ficaram os nomes de José Coelho da Fonseca, que era
seu sobrinho, que também foi seu fiador na obra dos retábulos da Misericórdia de
Caminha; e, Manuel Machado, seu genro e que o substituiu nas obras da Misericórdia
de Ponte de Lima. “Miguel Coelho é um nome cimeiro das elites artísticas inólito pela
qualidade, diversidade e quantidade de obra produzida. Insólito também pelo tempo em
que se manteve activo. Morre em 1743 com 71 anos, morre pobre, em Ponte de Lima
737
SMITH, C. Robert, Frei José de Santo Antonio Ferreira Vilaça, p. p. 521-522.
738
OLIVEIRA, Eduardo Pires de, André Soares e o rococó do Minho, Tese de Doutoramento apresentada
a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2011. Ver também, CARDONA, Paula Cristina
Machado, ‘Miguel Coelho: um insólito artista da talha dourada’, publicado em Revista da Faculdade de
letras. Ciências e Técnicas do Património, Porto, vol. IX-XI, 2010-2012, p. 418-438. Disponivel em:
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/11406.pdf.
383
739
CARDONA, Paula Cristina Machado, ‘Miguel Coelho: um insólito artista da talha dourada’,
publicado em Revista da Faculdade de letras. Ciências e Técnicas do Património, Porto, vol. IX-XI,
2010-2012, p. 418-438, p. 433. Disponivel em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/11406.pdf.
740
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura… op. cit., p. 20-21.
384
espanhola”. Oriundo da região portuense, foi para Coimbra, já artista formado, procurar
trabalho nas obras do colégio universitário, onde exerceu a sua atividade na segunda
metade do século XVII741.
Tem um bom número de obras a ele atribuídas nas principais igrejas e museus da
cidade de Coimbra: Sé Nova, capela da Virgem, capela de Santo Antônio, ambos da
segunda metade do século XVII. No Museu Nacional Machado de Castro está o
retábulo de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, 1647-1676, proveniente do
Mosteiro de Santa Clara e a escultura de Nossa Senhora da Apresentação,
provavelmente do terceiro quartel do século XVII. Segundo o Museu, são duas obras
que emanam “religiosidade, reforçada pela delicadeza dos rostos das crianças que as
acompanham, espelha a arte nacional deste período”742.
Quanto ao francês Claude Joseph Courrat Laprade (1682-1738) foi, sem dúvida,
a grande personalidade de fins do século XVII e princípios do XVIII, dado a conhecer
em primeira mão por Ayres de Carvalho743. “É tido como o mais notável escultor
estrangeiro que trabalhou em Coimbra depois da Renascença744. Chegou a Portugal
muito jovem, colaborou em diversas obras, desde a reforma da Universidade de
Coimbra, levada a cabo pelo reitor Nuno da Silva Teles, até a confecção das estátuas
741
GONÇALVES, António Nogueira, Manuel da Rocha… op. cit.
742
Texto Escultura, Museu Nacional Machado de Castro. Disponível em:
http://www.museumachadocastro.pt/pt-PT/coleccoes/ContentDetail.aspx?id=615
743
CARVALHO, Ayres de, D. João V e a arte do seu tempo, vol. II, Lisboa, 1962, p. 205-241.
744
PAMPLONA, Fernando, Dicionário... op. cit., tomo III, p. 184.
385
alegóricas para as cadeiras dos professores. Obra de maior peso foi o Pórtico na Via
Latina, no Paço das escolas, no qual introduz motivos ornamentais do barroco francês.
Em 1703, fixa-se em Lisboa, com oficina na freguesia do Sacramento e se casa
com Joanna Gaubert. Realiza inúmeras obras em talha para igrejas nacionais, em
colaboração com outros mestres trabalhando sempre nas figuras alegóricas e nos
detalhes dos altares, tais como: os Atlantes do altar-mor de Nossa Senhora da Piedade
em São Roque (1705). Colabora com Domingos Pacheco no altar-mor da igreja da Pena
(1714 e 1715). Na confecção de esculturas devocionais, executa para o altar-mor da Sé
do Porto, as imagens de São João Nepomuceno, São Basílio, São Bento, São Bernardo
(1729) e um pouco antes, por encomenda do cabido para os retábulos laterais da Sé de
Viseu as imagens de São Pedro e de São João Baptista e Santana (1723). Esta última,
atualmente, no Museu Grão Vasco, foi executada para o altar de Santa Ana, “[…] mas
que já em 1758 tinha sido apeada e substituída, em virtude da alteração da invocação
do altar para Nossa Senhora do Rosário. A Santa Ana e a Virgem é uma escultura de
vulto a três quartos, escavada no verso, conjunto destinado a ser observado de um
ponto de vista único e frontal, como acontece com numerosa imaginária de altar, em
que o trabalho de acabamento posterior é muito mais sintético. Os numerosos
drapeados das vestes, plissados e curvilíneos, surgem 'animados' de movimento,
reforçado pela inclinação da cabeça da santa e o texto das
Escrituras, colocado diagonalmente sobre a perna
esquerda”745.
745
Informação disponível no site do Museu Grão Vasco. Disponível em
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=207398
386
Fig. 99 – Calvário,
detalhe do Senhor Morto,
Igreja do Carmo, Évora.
746
ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évora…, op. cit., p. 31.
747
Idem, ibidem, p. 33-34.
387
Fig. 100 – Cristo Crucificado, da atual capela de Nossa Senhora da Boa Morte (Senhor Jesus
dos Aflitos) e exposto no Museu, Sé, Évora.
Para finalizar, citamos o escultor Jacinto Vieira, mencionado, pela primeira vez,
pelo historiador Reynaldo dos Santos. Nos últimos anos, tornou-se assunto destacado de
Susana Costa Saldanha748. Foi um especialista no desbaste da pedra, esculpiu santos
748
SALDANHA, Susana Costa, ‘De “singular idea, e engenho”: Novos dados sobre o escultor
setecentista Jacinto Vieira’, publicado em Revista Museu, IV Série, nº 21, 2014, p. 43-60. Disponível em
388
para fachadas (Mosteiros de Santo Tirso de Riba de Ave e São Bento da Vitória no
Porto) e interiores, com destaque para o impressionante conjunto de monjas e santos,
que figuram na nave da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Arouca, incluindo uma
belíssima Anunciação. Em Portugal, só conhecemos suas obras em pedra (de Ançã), da
qual consegue tirar o melhor, incorporando espírito à fria matéria. Quando esteve fora
do país, produziu três baixos-relevos em madeira policromada, com episódios da vida
de Santo Inácio de Loyola, na Espanha, onde recebe a alcunha de ‘eminente escultor e
arquitecto português’749.
Até meados do século XVIII, o Brasil só conheceu a escultura que estava nos
altares das suas igrejas, isto é, esculturas devocionais, representando santidades às quais
a população recorria em momentos de aflição. Introduzida pelos colonizadores,
diretamente do Reino, a “exploração da Terra de Santa Cruz fez-se sob a égide do
Calendário Litúrgico, cuja sucessão de santos cotidianos determinou a denominação
dos acidentes geográficos ao longo da costa, aninhando-se as povoações incipientes
invariavelmente em volta de uma capela dedicada ao santo padroeiro, ao Senhor Bom
Jesus ou à Virgem Maria em diversificadas invocações”750.
Essas esculturas devocionais se enquadraram nas três fases estilísticas reinantes
em Portugal para o período, definindo, sucessivamente, uma fase maneirista ou
http://www.academia.edu/12672312/2014-e_singular_idea_e_engenho_Novos_dados_sobre_o_escultor
_setecentista_Jacinto_Vieira
749
SALDANHA, Susana Costa, ‘De “singular… op. cit., p. 53.
750
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa no Brasil’, publicado em Mostra do
redescobrimento, módulo Barroco, São Paulo, Bienal de São Paulo, 2000, p. 47.
389
751
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura... op. cit..
752
ETZEL, Eduardo, Imagem sacra brasileira, São Paulo, Melhoramentos / EDUSP, 1979, e, Arte sacra
berço da arte brasileira, São Paulo, Melhoramentos, 1984.
390
753
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit..
754
SILVA-NIGRA, O.S.B., dom Clemente da, Os dois escultores frei Agostinho da Piedade – frei
Agostinho de Jesus e o arquiteto frei Macário de São João, Salvador, Universidade Federal da Bahia,
1971. E ainda, SILVA-NIGRA, O.S.B., Dom Clemente da, ‘Escultura colonial no Brasil’, publicado em
ARAÚJO, Emanoel, O universo mágico do barroco brasileiro, São Paulo, Fiesp, 1998.
755
RÖWER, O.F.M. frei Basílio, Páginas da história franciscana … op. cit..
756
LEITE, Padre Serafim, S. J. (1880-1969), História da Companhia de Jesus no Brasil, Lisboa/Rio de
Janeiro, Portugália/Civilização Brasileira, 1938-50, 10 v. Edições recentes: LEITE, Serafim, História da
Companhia de Jesus no Brasil, São Paulo, Loyola, 2004, e uma reedição fac-similar, publicada pela
Itatiaia Editora em 2006.
757
PRAT, Fr. André, O. Carm., Notas Históricas sobre as missões carmelitas… op. cit.
758
Esses apontamentos faziam parte de um manuscrito único, que foi desmembrado e disponibilizado nas
pastas relativas a cada monumento, segundo a narrativa do escritor Mario de Andrade, que teve acesso ao
conjunto do manuscrito quando ainda estava íntegro, por ocasião de sua pesquisa sobre o pintor Jesuíno
do Monte Carmelo, conforme relata na sua obra. Ver: ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte…,
op. cit.
391
759
Iniciados em 1986 por Minas Gerais, com o apoio da Fundação Vitae, os inventários estenderam-se
aos estados do Maranhão, da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Para o Maranhão, ver BOGÉA,
Kátia Santos; RIBEIRO, Emanuela Sousa e BRITO, Stela Regina Soares, Olhos da alma. Escola
maranhense de imaginária, São Luís, 2002. E, para Minas Gerais, ver a obra coordenada por COELHO,
Beatriz Ramos de Vasconcelos (org.), Devoção e arte: imaginária religiosa em Minas Gerais, São Paulo,
EDUSP, 2005. Quanto aos artigos, ver principalmente os publicados na Revista IMAGEM do Ceib
(Centro de estudos da imaginária brasileira), passando por análise formal, iconográfica e intervenções de
conservação e restauro.
760
SANTA MARIA, Frei Agostinho, Santuario Mariano, e historia das imagens milagrosas de Nossa
Senhora. E das milagrosamente aparecidas, em graça dos pregadores e dos devotos da mesma Senhora.
Tomo Primeiro, que compreende as imagens de Nossa Senhora, que se veneram na corte, e cidade de
Lisboa, que consagra, oferece e dedica à soberana imperatriz da glória Maria Santíssima debaixo do seu
milagroso título de Copacabana, Fr. Agostinho de Santa Maria, exdefinidor geral da Congregação dos
Agostinhos Descalços deste Reyno, & natural da Vila de Estremoz, Lisboa, Na oficina de Antonio
Pedrozo Galrão, 1707. A obra toda comporta 12 volumes, começa com Lisboa, percorre todo o território
português e parte das colônias. Disponível em: https://archive.org/details/santuariomariano01sant. O
volume relativo ao estado do Rio de Janeiro foi recentemente reeditado: Rio de Janeiro, INEPAC, 2005.
761
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit, p. 47.
392
762
ETZEL, Eduardo, Arte sacra, berço da arte.. op. cit. p. 22.
763
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 47-48.
764
Idem, ibidem, p. 99.
765
Idem, ibidem, p. 48.
393
766
BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura... op. cit., p. 44.
767
LEITE, Serafim, Artes e ofícios dos jesuítas no Brasil (1549-1760), Lisboa, Brotéria, 1953.
394
Fig. 104 – São José, Museu das Missões, São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil.
768
SEPP, S.J., padre Antônio, Viagem às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos, Belo Horizonte/São
Paulo, Itatiaia/ Edusp, 1980. (primeira edição 17xx) Livro publicado a partir de cartas escritas pelo
religioso: As cartas escritas pelo padre Antônio Sepp em 1691 e dirigidas, em grande parte, a seu irmão
Gabriel von und zu Rechegg, escritas tanto em latim, a língua utilizada pela Companhia, como em
alemão, sua língua materna, constituem o mais antigo documento escrito sobre as reduções ao longo do
rio Uruguai e, consequentemente, sobre parte do atual Rio Grande do Sul. Intitulado Viagem às Missões
Jesuíticas (tradução) e tendo sido editado em 1698, o livro reunindo parte deste material continha, na
edição inicial publicada pelo irmão, apenas cinco cartas. Para maiores informações, ver: LARA, Carlos,
‘As Cartas do Padre Antônio Sepp SJ’, publicado em Revista Latino-Americana de História, Vol. 3, nº.
10, Agosto de 2014 © by PPGH-UNISINOS. Disponível em:
http://www.academia.edu/8126883/As_Cartas_do_Padre_Ant%C3%B4nio_Sepp_SJ
769
SEPP, S.J., padre Antônio, Viagem … op. cit., p. 225-226.
395
770
O nome de Frei Agostinho da Piedade aparece sob forma de assinatura no Livro velho do Tombo do
mosteiro da Bahia, nos dias 17 de maio de 1620; 16 de dezembro de 1634 e dias 9 e 17 de abril de 1636.
As crônicas são mudas quanto ao seu talento de escultor, mas ele assinou três estátuas. As pacientes
pesquisas feitas por Dom Clemente nos catálogos do mosteiro desde 1575, data da chegada dos
beneditinos à Bahia, não tendo encontrado nenhum outro monge com este nome, permitiram-lhe concluir
pela identidade entre o signatário das três esculturas e o capelão de Nossa Senhora da Graça, morto em
1661 – tanto mais que o misticismo desse padre um pouco inocente não deixa de corresponder ao
espírito dessas obras. BAZIN, Germain, O Aleijadinho e a escultura…, op. cit., p. 33.
771
‘Frei Agostinho da Piedade religioso sacerdote de são bento fez esta imagem de nossa senhora por
mandato do mui devoto Diogo de Sandoval e fê-la por sua devoção 1636’. Idem, ibidem, p. 33.
772
Idem, ibidem, p. 33.
773
SILVA NIGRA, O.S.B. dom Clemente da, Frei Domingos da Conceição – O escultor seiscentista do
Rio de Janeiro, Salvador, Tipografia Beneditina. 1950. E SILVA-NIGRA, O.S.B., dom Clemente da, Os
dois escultores frei Agostinho … op. cit., p. 17; e ainda ‘Escultura colonial no Brasil’, publicado em
ARAÚJO, Emanoel, O universo… op. cit.
396
774
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 50.
775
SCHUNK, Rafael, Frei Agostinho de Jesus e as tradições da imaginária colonial brasileira, séculos
XVI e XVII, São Paulo, Cultura Academica/ editora UNESP, 2013. E as obras de referencia tradicionais,
sobre a escultura paulista: LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira, A imaginária paulista: esculturas, São
Paulo, Pinacoteca do Estado, 1999; e, LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira, Escultura colonial brasileira:
panorama da imaginária paulista no século XVII, São Paulo, livraria Kosmos, 1979.
776
PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imáginaria retabular colonial em São Paulo, estudos
iconográficos, São Paulo, 2015, Tese (Doutorado em Artes Visuais), Universidade Estadual Paulista,
Orientador: Professor Dr. Percival Tirapele.
777
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 51.
397
de São Bento, que estava remodelando a igreja conventual. Torna-se religioso apenas
em 1690, quando fica viúvo, casa a única filha e morre em 1717.
778
Idem, ibidem, p. 51.
398
779
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 52.
780
Ver principalmente a dissertação de Mestrado de GOMES, Rafael Fontenelle, A imaginária
franciscana na antiga capitania do Rio de Janeiro: elementos para seu estudo, Dissertação de Mestrado
em Artes visuais, orientado pela Dra. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2011. E para a região paulista: PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imáginaria retabular
colonial … op. cit..
399
781
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 59.
782
Idem, ibidem, p. 59. Para Bahia, ver principalmente RÉSIMONT, Jacques, ‘Os escultores baianos
Manoel Inácio da Costa e Francisco das Chagas, “o Cabra”’ publicado em Revista BARROCO, Belo
Horizonte, UFMG, 1986-1989.
400
783
KIDDER, Daniel P, Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, São Paulo, Martins/Edusp,
1972, p. 40.
784
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 61.
785
FLEXOR, Maria Helena Ochi. Autorias e atribuições: a escultura na Bahia dos séculos XVIII e XIX.
Separata de Museu, IV série, 7, 1998. E OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘O Aleijadinho e o
Mestre Valentim’, publicado em ARAÚJO, Emanoel (org.), A Mão Afro-brasileira. Significado da
contribuição artística e histórica, São Paulo, Tenenge, 1988, p. 55-76.
9
LEITE, José Roberto Teixeira, ‘Negros, pardos e mulatos na pintura e na escultura brasileira do século
XVIII’ publicado em ARAÚJO, Emanoel (org.), A mão afro-brasileira..., cit., p.13-54.
786
Félix Pereira Guimarães nasceu e morreu em Salvador (c.1736-1809). Entre as obras que lhe foram
atribuídas documentalmente por Marieta Alves, figuram as imagens de São João Evangelistas e Maria
Madalena, executadas em 1777-78 para a Ordem Terceira do Carmo (não identificados), o São Pedro
esculpido em 1785 para o altar-mor da igreja do mesmo nome e a padroeira da Igreja de Nossa Senhora
da Saúde e Glória, datada de 1791.
787
Francisco das Chagas ganhou fama por ser pardo. Foi contratado, em 1758, pela Ordem Terceira do
Carmo de Salvador para a confecção de três imagens de Passos da Paixão do Cristo, que nunca puderam
ser identificadas, pois desapareceram no incêndio que arrasou a igreja em 1788.
788
Manoel Inácio da Costa nasceu na Vila de Cairu, no sul da Bahia por volta de 1793, e morreu em
Salvador (c. 1763-1857), com mais de 90 anos. No seu inventário declara que era solteiro e que teve três
filhos com Ana Joaquina, também solteira. (Testamento, seção judiciária, capital, 1857, Arquivo público
do Estado da Bahia, 6 fls. Ms.) Na extensa relação de obras que lhe são atribuídas, poucas têm
documentação comprobatória, com certeza é o Cristo Crucificado, da Igreja do Pilar de Salvador, de
1834. Pela análise comparativa, D. Clemente da Silva-Nigra lhe atribuiu os dois Cristos da Paixão do
Museu de Arte Sacra. Podem ser relacionadas como características suas o tratamento vigoroso da
anatomia, com esquematizações ao nível dos ombros de largura excessiva e do abdômen contraído, e o
perizônio de drapeado abundante, com movimento sinuoso. A documentação sobre este artista ver PÊPE,
Suzane de Pinho, ‘O escultor baiano Manuel Inácio da Costa: dados bibliográficos e principais obras
atribuídas’, publicado em Revista Imagem, Belo horizonte, vol. 1, nº 1, 2001, p. 183-189.
789
Manuel Querino credita ao mulato Bento Sabino dos Reis o título de “chefe da escola de escultura de
seu tempo”, incluindo entre seus discípulos Domingos Pereira Baião, autor de um grande número de
imagens espalhadas em igrejas de Salvador e do interior do Estado.
401
Mestre de Sergipe. Muitas dessas esculturas estão presentes nas igrejas da cidade e no
Museu de Arte Sacra, de São Cristóvão, antiga capital do estado790.
790
CARVALHO, Eliane Maria Silveira F., Museu de Arte Sacra de Sergipe, Aracaju, Fundação Banco do
Brasil, 1991, p. 42 e 119.
791
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 71.
792
João Pereira é conhecido pela assinatura de um contrato datado de 11 de agosto de 1746, para a
execução das esculturas em pedra de Santo Antônio e Nossa Senhora da Conceição a serem colocadas nos
nichos dos arcos da ponte de Recife. Após a demolição da mesma, foram recolhidas às igrejas da Madre
de Deus e do Divino Espírito Santo, e, atualmente integram o acervo do Museu Franciscano de Arte
Sacra, de Reife.
793
Antônio Spangler Aranha tem apenas uma obra atribuída com base em documentação histórica. Trata-
se do São Diogo de Alcalá, entronizado em 1748 em um dos nichos do altar-mor da Igreja de Nossa
Senhora do Amparo de Olinda.
402
794
O nome de Luiz Nunes vem referenciado como autor do grupo de São Francisco recebendo as chagas
do Crucificado, executado em 1765–1766 para a capela do Hospital da Ordem Terceira de São Francisco
de Recife.
795
Manoel da Silva Amorim (1780-1873) nasceu e faleceu em Recife. Entre as obras que lhe são
atribuídas, estão Nossa Senhora das Dores, do Mosteiro de São Bento de Olinda, e, com documentação
comprobatória, as imagens de Santa Clara e São Luís, rei da França, para os retábulos da nave da igreja
de São Francisco, e, a pequena Nossa Senhora da Ajuda, entronizada em 1867, no altar-mor da Capela
Dourada.
796
Ver COSTA, Pereira da, ‘Estudo histórico retrospectivo sobre as artes em Pernambuco’, publicado na
Revista do Instituto Archeológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, 54:3-45, ano
XXXVIII, 1900, e PIO, Fernando, Imagens, arte sacra e outras histórias, Recife, Museu Franciscano de
Arte Sacra, 1977, do mesmo autor, A Ordem Terceira de São Francisco de Recife e suas Igrejas, Recife,
s/ed., 1975.
797
Ver Monumentos Históricos do Maranhão, São Luís, SIOGE, 1979, coordenado pelo museólogo
Oswaldo Gouveia Ribeiro. E o Inventário de Bens Móveis e Integrados, coordenado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, publicou a obra BOGÉA, Kátia Santos; RIBEIRO, Emanuela
Sousa e BRITO, Stela Regina Soares, Olhos da alma… op. cit.
798
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 71.
799
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘Escultura colonial brasileira, um estudo preliminar’,
publicado em Revista BARROCO, n 13, Belo Horiozonte, UFMD, 1985, p. 7-32.
403
oficina própria com grande número de aprendizes e a partir da sua obra exerceu
grande influência nas características das imagens mineiras, mais contidas e discretas
do que as baianas e pernambucanas, porém com extraordinária força expressiva. Filho
natural do arquiteto e mestre de obras português Manuel Francisco Lisboa e de uma de
suas escravas africanas, o Aleijadinho nasceu e passou toda a sua vida em Ouro Preto,
onde morreu em 1814 aos setenta e seis anos de idade”800.
Para ver o número de obras atribuídas a Aleijadinho, é importante ter acesso aos
dois catálogos de sua obra e estudá-los. O primeiro deles, do historiador francês
Germain Bazin801, da década de 50, é o mais completo, com toda a sua obra escultórica,
incluindo a produção em pedra e madeira. E o segundo, mais recente, de Myriam
Andrade Ribeiro de Oliveira e de dois especialistas do IPHAN, publicado em 2002802,
concentrou-se na sua produção em madeira policromada.
800
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 67.
801
BAZIN, Germain, Aleijadinho e a escultura … op. cit..
802
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues e SANTOS, Antonio
Fernando Batista dos, O Aleijadinho e sua oficina… op. cit..
404
habituais de seu estilo pessoal, presentes inclusive nas peças secundárias executadas
por colaboradores: bigodes nascendo diretamente das narinas, desenho peculiar dos
olhos, com acentuação dos lacrimais, sobrancelhas altas em linha contínua com o
nariz, lábios entreabertos de desenho sinuoso e arcada superior dos dentes aparente. É
curioso notar que esta tipologia fisionômica, inspirada em gravuras germânicas, nada
tem a ver com o tradicional protótipo português ou com o facies da população mestiça
local, ao contrário do que seria de esperar”803.
Como a escola mineira foi a mais estudada, teve o maior número de artífices da
madeira desvendados. Tudo começou com a publicação do Dicionário de Artistas e
Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, de Judith Martins804, que revelou
um bom número de artífices da madeira, os quais eram ignorados devido ao sucesso de
Aleijadinho. Nos últimos anos, porém, com o fim dos Inventários do IPHAN, passaram
a ser divulgados muitos nomes, desde os de origem portuguesa, Francisco Xavier de
Brito805 e Francisco Vieira Servas (1720-1810)806, até os já nascidos na região.
Na descendência de Aleijadinho, além dos seus discípulos e seguidores
imediatos, pode-se citar seu meio irmão, o padre Félix Antônio Lisboa (1755-1838),
nascido e falecido em Ouro Preto. Rodrigo Ferreira Bretas informa “[…] ter [ele]
praticado a estatuária sob as vistas do Aleijadinho, que dele dizia que só podia esculpir
carrancas, e nunca imagens”807. As imagens documentadas de São Pedro e São Paulo,
descobertas há alguns anos na Igreja do Bom Jesus de Pirapetinga, são obras rudes no
entalhe, com panejamentos caindo de forma dura, compensada até certo ponto pela
expressividade dos gestos e das fisionomias808.
Existe ainda um grande número de obras identificadas, mas cujos nomes dos
executores permanecem desconhecidos, com ou sem características similares às de
Aleijadinho. O mais conhecido é o Mestre de Piranga, assim chamado pelo fato de ter
803
Idem, ibidem, p. 67.
804
MARTINS, Judith, Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, Rio
de Janeiro, Publicações do IPHAN, 1974. 2 v.
805
HILL, Marcos César de Senna. Le sculpteur Francisco Xavier de Brito: état de la question et analyse
de son oeuvre de la Chapelle de la “Penitência” de Rio de Janeiro, Université Catholique de Louvain-la-
Neuve, Faculté de Philosophie et Lettres, Departement d’Histoire de l’Art, 1991.
806
COELHO, Beatriz Ramos de Vasconcelos, ‘Francisco Vieira Servas. Anjos, arcanjos e querubins’,
publicado em Revista IMAGEM, Belo Horizonte, v.1, nº 1, p. 137-147, 2001; e, RAMOS, Adriano Reis,
Francisco Vieira Servas, o grande artista português do barroco mineiro, publicado em Telas & Artes, Belo
Horizonte, 7:22-31, ano I, jun. 1998 ; e RAMOS, Adriano Reis, Francisco Vieira Servas e o ofício da
escultura na capitania das Minas do Ouro, Belo Horizonte, Instituto cultural Flávio Gutierrez, 2002.
807
BRETAS, Rodrigo José Ferreira, Traços biográficos relativos… Apud OLIVEIRA, Myriam Andrade
Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 68.
808
MIRANDA, Selma Melo, ‘Arquitetura Religiosa no Vale do Piranga’, publicado na Revista Barroco,
Belo Horizonte, UFMG, 13, 1984/5.
405
peças atribuídas provenientes da região do Vale do Rio Piranga, ao sul de Ouro Preto.
Os aspectos de rudeza escultórica, assinalados na obra do Padre Félix, são aqui ainda
mais acentuados: ombros exageradamente largos, panejamentos talhados de forma
sumária em sulcos profundos e movimentos circulares nas mangas e na altura dos
joelhos. Nos rostos, chamam a atenção os olhos grandes e esbugalhados, que valem
como uma assinatura do autor. Entre as boas peças de grande porte que lhe são
atribuídas, uma das mais fortes é a Nossa Senhora da Conceição do Museu Mineiro de
Belo Horizonte, infelizmente despojada da policromia original809.
No acervo do Museu Mineiro de Belo Horizonte, situam-se três imagens,
provenientes de uma capela rural da região de Barão de Cocais, que foram tomadas
como ponto de partida para a identificação de um mestre dessa região, cujas esculturas
se encontram ainda hoje nas igrejas e capelas locais. A mais interessante delas é o São
José de Botas, de olhar distante e feições de grande suavidade, com o Menino Jesus
tranquilamente adormecido no braço esquerdo, conhecido como Mestre de Barão de
Cocais810.
Um terceiro escultor é o Mestre de Sabará, identificado, em 1986, pela equipe de
inventários do IPHAN, cujas imagens encontram-se na Igreja de São Francisco da
cidade de Sabará: Nossa Senhora dos Anjos, o orago São Francisco e um Senhor Morto
extremamente expressivo. No acervo do Museu Mineiro, existe uma Nossa Senhora da
Soledade, que pode ser também de sua lavra. “Entre as características que identificam
seu estilo pessoal, além do […] ‘ar de família’ com as imagens do Aleijadinho, podem
ser citados os olhos com pesada pálpebra superior, o recorte típico dos lábios, unidos
ao nariz por um acentuado sulco mediano, e um peculiar desenho de orelha com ampla
cavidade longitudinal”811.
809
Generalizou-se entre os colecionadores a denominação “Piranguinha” para peças de menores
dimensões ou de fatura mais popular, como assinalado por SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos,
‘Aspectos da imaginária luso-brasileira’, publicado em Revista IMAGEM, Belo Horizonte, v.1, nº 1, p.
63-79, 2001. Ainda do mesmo autor agora sobre o Mestre da Igreja de São Francisco: SANTOS FILHO,
Olinto Rodrigues dos, ‘Mestre da Igreja de São João Evangelista de Tiradentes', publicado em Boletim
CEIB, Belo Horizonte, vol. 1, n 4, set. 1997, p. 1-2.
810
RAMOS, Aline, Mestre Barão de Cocais, publicado em
http://www.academia.edu/9144680/Mestre_Bar%C3%A3o_de_Cocais.
811
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 69.
406
Alguns nomes ficaram conhecidos a partir dos inventários. São eles: Manoel
Dias de Assis e Sousa812 e Joaquim Francisco de Assis Pereira (1813-1893)813. Outros,
porém, ainda demandam estudos: Garcia de Sousa e Vicente Fernandes Pinto, em
Mariana, Antônio da Costa Santeiro (c. 1746 - ?), em
Tiradentes, e, em São João del Rei, Valentim Correia Paes,
Manoel Dias (ativo a partir de 1790), Vicente Fernandes Pinto
(atuante no início do século XIX), Mestre do Cajuru (ativo a
partir de c. 1770) e ainda o Mestre dos Anjos Sorridentes (ativo
a partir de c. 1770).
Fig. 112 – Anjo sorridente, púlpito, Igreja do Carmo, São João del
Rei, Minas Gerais.
Quanto à escola ‘carioca’, foi sempre deixada de lado por sofrer influência direta
da Metrópole, seja através de obras importadas seja por meio de artífices portugueses
que trabalharam na cidade. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, o Rio de
Janeiro possui o “[…] volume de importações mais intenso que o de qualquer outra
cidade brasileira ao longo dos séculos XVIII e XIX”814. Porém, visitando as igrejas da
cidade e as do interior do Estado, é possível distinguir uma imaginária exatamente como
nas demais regiões, influenciada pelas oficinas religiosas (franciscanos, beneditinos e
carmelitas) e pelas obras eruditas importadas. Trata-se, portanto, de uma escola
‘fluminense’ e não apenas ‘carioca’, pois, desta maneira, englobar-se-ia não só a cidade,
mas também as regiões periféricas que tiveram uma importante vida social815.
812
É o autor de cinco imagens de madeira para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto, e
provavelmente de outras nas igrejas de São Francisco de Mariana e Bom Jesus de Pirapetinga. Datadas
do período entre 1800 e 1801, as imagens de Santa Efigênia, Santo Elesbão e Santa Catarina de Siena,
da citada igreja de Ouro Preto, podem ser tomadas como referência para a análise de seu estilo algo
estereotipado, embora de razoável domínio técnico. As proporções são alongadas, os panejamentos retos
caem em pregas miúdas e as feições são delicadas e de expressão ausente, reproduzindo a facies
portuguesa, algo deslocada no caso das representações de santos negros. Ver: OLIVEIRA, Myriam
Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 69. A mesma autora ainda acredita que os
entalhadores cadastrados no dicionário de Judith Martins com os nomes de Manuel Dias, Manuel Dias da
Silva e Manoel Dias de Assis e Souza sejam a mesma pessoa.
813
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imaginária sacra em São João del-Rei. Ontem e hoje.’
publicado no Boletim do CEIB, v. 14, p. 1-4, 2010.
814
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 72.
815
Compreende-se por escola fluminense a imaginária feita na cidade do Rio de Janeiro, mas também a
área de influência, demais regiões do estado: ao sul, Paraty e Angra dos Reis; ao Norte, Campos dos
Goytacazes, Cabo Frio, Itaboraí, entre outras. E ainda existe uma área determinada como funda da baía de
Guanabara, que pode ter um acervo interessante, para o assunto, ver as publicações do INEPAC: xx. E
para o Rio de Janeiro : WEISZ, Suely de Godoy, ‘Um estudo da imaginária setecentista carioca’,
407
publicado na Gávea, Revista de História da Arte e Arquitetura, Rio de Janeiro, PUC, 7:113-5, 1989; e
FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários do Rio de Janeiro setecentista: Simão da Cunha e
Pedro da Cunha’, publicado em Gávea. Revista de História da Arte e Arquitetura, nº 7, Rio de Janeiro,
PUC, 1989, p. xx-xx. E ainda as teses de FABRINO, Raphael João Hallack, Os furtos de obras de arte
sacra em igrejas tombadas do Rio de Janeiro (1957-1995), Dissertação no Mestrado em Preservação do
Patrimônio Cultural, INPHAN, 2012; e GOMES, Rafael Fontenelle, A imaginária franciscana na antiga
capitania do Rio de Janeiro… op. cit.,; e RABELO, Nancy Regina Mathias, Escultura religiosa
fluminense e as vistas pastorais do Cônego Pizarro em 1794-95, Tese de Doutoramento em Artes
Visuais, orientado pela Dra. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Universidade Federal do Rio de
Janeiro 2009.
816
Simão da Cunha (?-1774) originário de Braga, tem a primeira atividade registrada em 1717, na
documentação do Mosteiro de São Bento, onde deixou os dois Anjos Tocheiros da entrada da capela-mor
e as Santas Beneditinas das capelas falsas da entrada da nave, entre outras obras. Essas obras foram
realizadas em parceria com o artista José da Conceição. ‘Simão da Cunha casou-se no Rio de Janeiro
(Candelária, Livro, v. fl. 225) em 1750 com Mariana Joaquina. Registrou três filhos (Candelária, Livro
VI, fls. 335, 350 e 371, 1751, 1753 e 1754. […] em 1763 recebeu 54$000 da Ordem do Carmo pelo que
se pagou a Simão da Cunha a conta da imagem do Sr. Bom Jesus do Calvo. Que a meza mandou fazer.
Recebe a denominação de Mestre entalhador nos livros de despesa da ordem; recebeu da mesma
instituição 50$000 pelo resto do feitio da imagem do Sr. do Calvário; em 1768 recebeu 8$000 da Ordem
Terceira da Penitência pelo feitio do Menino Jesus para servir nas noites de Natal e 1$120 pelo diadema
de Nossa Senhora da Soledade; a imagem do Ecce Homo da Ordem Terceira da Penitência foi atribuída
ao artista por D. Clemente da Silva Nigra. MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia, Entre o
artifício e a arte: pintores e entalhadores no Rio de Janeiro setecentista, Rio de Janeiro, Secretaria
Municipal de Cultura e Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro, 2009, p. 169-170. E, SILVA-NIGRA,
O.S.B., dom Clemente da. Construtores e Artífices … op. cit., p. 149-51.
817
Pedro da Cunha (?-1799) é o responsável pelas seis representações de Passos da Paixão dos retábulos
da nave da igreja dos terceiros carmelitas que serão analisados no próximo subitem, assim como também
é da sua lavra a Santa Teresa de Ávila do nicho da esquerda do altar-mor.
818
Domingos de Araújo Landim, bracarense, tem seu período de atividade documentada no Rio de
Janeiro entre 1778 e 1796. Foi citado no dicionário de Judith Martins pelo fato de ter exercido por mais
de uma vez o cargo de ‘Avaliador das Obras Pertencentes à Arte de Escultor’.
819
CARVALHO, Anna Maria Fausto de, Mestre Valentim, São Paulo, Cosac & Naify, 1999.
820
Essas esculturas apresentam um acabamento sumário, não fazendo jus à fama do artista e à sua perícia
técnica, revelada nas esculturas civis em bronze, como os famosos jacarés do Passeio Público ou o grupo
do Caçador Narciso e da Ninfa Eco, atualmente no Jrdim Botânico.
408
[...] Era justo que um discurso dirigido a Deus fosse hiperbólico, amplificado,
enfático, exaltado. E esse discurso devia ter a sua retórica, a sua técnica, que o ligavam
às técnicas do trabalho diário, pois que, se a salvação só se consegue pelas obras e a
técnica é um fazer obras ordenadas e eficazes, as técnicas são meios de salvação. Já
nos primeiros anos do século, São Francisco de Sales anunciara que nos salvamos
desempenhando nosso papel no mundo, o soberano como soberano, o artesão como
artesão, a criada como criada [...]822.
821
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 75.
822
ARGAN, Giulio Carlo, História da arte como história da cidade, São Paulo, Martins Fontes, 1993.
409
826
Um museu especialmente dedicado ao tema dos oratórios foi inaugurado há alguns anos em Ouro
Preto. Ver Catálogo do Museu do Oratório. Coleção Ângela Gutierrez. Belo Horizonte: Instituto Cultural
Flávio Gutierrez, 1999.
827
CENINI, Cenino, apud, BALDINI, Umberto, Primavera. The restoration of Botticelli’s masterpiece,
New York, Harry N. Abrams, 1986, p. 35-68. Atualmente, já disponível na versão inglesa do livro do
próprio CENNINI, Cennino D' Andrea, Il Libro dell' Arte. The Craftsman's Handbook. The Italian "Il
Libro dell' Arte", traduzido por Daniel V. Thompson, Jr., New York, Dover Publications, Inc. 1933, by
Yale University Press. Disponível em : http://www.noteaccess.com/Texts/Cennini/Contents .htm.
Acessado em 15/06/2015.
411
rules and precepts, there breathes in almost sublime sense of the value of the artist’s
work. This work is essentially linked to the seasons of the year, to nature and animals,
and to the lifeblood of man, all of which, in turns, dominate the artist’s function in the
eternal cycle of change and renewal”828.
Detalha desde o preparo da madeira até os materiais das camadas da policromia,
que incluíam a cola feita de pele de animal (carneiro), dissolvida em água e a
incorporação dos ingredientes e de pigmentos a fim de obter a cor desejada para as
tintas. Com o intuito de saber o ponto certo da cola, os artistas deveriam sentir a
pegajosidade na palma da mão. A primeira camada sobre a madeira deveria ser uma
mão de cola, chamada de encolagem. A cola deveria ser dissolvida em 2/3 de água,
devidamente aquecida em banho-maria, e aplicada ainda quente com a ajuda de um
pincel, de preferência num dia seco e ensolarado, para que a secagem ficasse perfeita, e
o polimento resultasse numa superfície lisa.
Ao compor a camada de preparação para a policromia, deveriam ser
selecionados diferentes tipos de gesso. Na primeira camada de gesso grosso, aplicava-
se, sobre a madeira, o chamado de Volterra, dissolvido na cola animal e aquecido. O
processo de secagem duraria cerca de dois dias e duas noites, e só, então, dever-se-ia
lixar a superfície para um bom polimento. Sobre essa camada de gesso grosso, passava-
se uma de gesso fino, feito com sottile. Para a fabricação do sottile, o gesso deveria ser
purificado, ficando de molho em uma determinada quantidade de água por um mês ou
até a água evaporar quase completamente. O gesso, então, assumiria o aspecto de uma
massa de pão (panni), que, trabalhada com as mãos, ganharia a consistência de uma
panqueca. Por isso, segundo Cenini, o artífice deve ter certa habilidade neste trabalho.
Mais uma vez, a massa é aquecida em banho-maria e aplicada. Espera-se novamente o
tempo de secagem (dois dias) e, por fim, lixa-se até ficar imaculadamente lisa, tipo
marfim. Só então o painel estaria pronto para receber a pintura.
Nos painéis, também se utilizava a aplicação de folhas metálicas. Cenini
recomendava o uso do bolo (terra natural de cor vermelha misturada com clara de ovo)
sobre a preparação branca, a fim de proporcionar um tom aquecido ao ouro. Na sua
narrativa, descreve a maneira como as folhas de ouro devem ser cortadas e aplicadas
sobre o bolo umedecido. E lembra que não se devem desperdiçar as sobras, pois
poderão ser reaproveitadas no futuro. Para o polimento, deve-se utilizar uma pedra
828
BALDINI, Umberto, op. cit., p. 43.
412
829
PACHECO, Francisco, Arte de la pintura su antiguedad y grandezas. Descrivense lós hombres
emeinentes que há auido en ellea, assi antiguos como modernos, del dibujo, y colorido; del pintura al
temple, al olio, de la iluminiacion y estofado, del pintaral fresco, del lãs encoranaciones, de polimento, y
de mate; del dorado, bruñido, y mate. Y enseña El modo de pintar todas lãs pinturas sagradas, Sevilla,
Simon Faxado, impressor de libros, 1649. Disponível em: https://books.google.es/books?id=iJRGCke79Y
UCprintsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0.
830
PACHECO, Francisco, op. cit..
831
SERRÃO, Vítor. “Acordar as cores...”: os pigmentos nos contratos de pintura portuguesa dos séculos
XVI e XVII, publicado em AFONSO, Luís Urbano (Ed.), The Materials of the image. As matérias da
imagem, Lisboa, Cátedra de Estudos Sefarditas, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, p. 97-
132, p.104. Em nota, o autor informa que o tratado de Francisco de Sólis Vida de alguns pintores,
esculptores, e architectos, de 1696, está desaparecido.
413
832
NUNES, Filippe, Arte da pintura, symmetria, e perspectiva, Lisoba, Officina de João Baptista Alvares,
1767 (Primeira edição : 1615), p. 98-99. Disponível em : http://purl.pt/777/3/#/12
833
VASCONCELLOS, Ignácio de Piedade, Artefactos symmetricos e geométricos, Lisboa, 1733.
834
Ver o verbete: ‘Tratados de escultura’ publicado em PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário
da Arte Barroca..., op. cit., p. 495-496.
414
Buxo, que em toda a parte logra a primazia entre todas as mais madeiras, para lhe
imprimirem todas as filigranas, que lhe quiserem abrir [...]”835.
O Manual do Padre Vasconcelos discutia, além disso, problemas de
representação do corpo humano e questões relativas aos materiais utilizados. O autor
trata do barro, da pasta, do metal e da madeira, ocupando-se das potencialidades físicas
de cada um destes materiais, omite a pedra e dá prioridade “ao barro, em alusão ao
nascimento do primeiro homem”836. De meados do século XVIII é o livro de José Lopes
Baptista, Prendas da adolescência ou adolescência prendada, que retoma a obra de
Piedade Vasconcelos, acrescentando experiências ao trabalho em mármore. No final do
século, em 1788, o escultor Machado de Castro escreverá Discurso sobre a utilidade do
desenho837, em que o autor separa as funções do escultor criador a do artífice mecânico.
“Para Machado de Castro o escultor, o artista não se confunde com o artífice. Se a este
se exige apenas o domínio da técnica e o conhecimento dos materiais, ao escultor
pedem-se-lhe conhecimentos suplementares de natureza teórica [...]”838. Com visão
diferente de todos os manuais discutidos até o momento, nessa obra, a escultura em
madeira foi relegada ao segundo plano. O foco do estudo será o trabalho escultural com
o metal, de que o monumento em homenagem a D. José I para a praça do comércio é
exemplo. No Brasil, segundo pesquisa feita pelo historiador Nireu Oliveira Cavalcanti,
a partir dos catálogos dos livreiros, das relações de bibliotecas particulares e das listas
dos livros enviados de Lisboa para o Rio de Janeiro, é possível encontrar os principais
manuais de arquitetura, tais como os de Leon Battista Alberti, Ferdinando Galli de
Bibiena, Guarane Guarani, Andrea Paladio, e as regras de Vignola, traduzidas para o
português. No entanto, com relação às técnicas laborais das oficinas dos entalhadores e
escultores só foi encontrado um exemplar do Manual do Padre Ignácio da Piedade
Vasconcellos839.
835
VASCONCELLOS, Ignácio de Piedade, apud, ALVES, Natália Marinho Ferreira. A arte..., op.cit., p.
178.
836
PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte Barroca..., op. cit., p. 495.
837
MACHADO DE CASTRO, Discurso sobre a utilidade do desenho, Lisboa, António Rodrigues
Galhardo, 1788. Disponível em: http://purl.pt/320/1/index.html#/23/html
838
PEREIRA, José Fernandes (direcção), Dicionário da Arte Barroca..., op. cit., p. 495-496.
839
« [...] as obras portuguesas mais importantes eram: Methodo lusitano de desenhar as fortificaçõens das
praças regulares, e irregulares, de Luis Serrão Pimentel, editado em 1680; Engenheiro Portuguez, de
Manoel de Azevedo Fortes, publicado em 1728; Artectos Symetricos, e geométricos, advertidos e
descobertos pela industriosa perfeição das Artes, Esculturaria, Arquitectonica, e da Pintura do padre
Ignacio da Piedade Vasconcellos; Estampas, do Padre Antonio da Annunciaçam da Costa, editado em
1733; Exame de artilheiros, de Joze Fernandes Pinto Alpoim, cuja primeira edição data de 1744, e o
Exame de bombeiro, do mesmo autor, publicado em 1748 ». CAVALCANTI, Nireu Oliveira, O Rio de
415
Quase tudo que restou das manifestações humanas de antigas eras são objetos
tridimensionais pétreos: formas toscas, lascadas, figuras disformes ou desgastadas, etc.
A pedra sempre foi o suporte preferido para as obras tridimensionais. Apesar de
existirem objetos de barro, madeira, ossos e outros materiais, estes estiveram
continuamente em segundo plano. Feitos de matéria perecível, sua existência se
abreviava. No período greco-romano, a pedra era o material preferido para esculpir, por
ser considerado nobre. Os gregos a pintavam, já os romanos preferiam na própria cor -
mármore branco -, matéria-prima abundante na região do mediterrâneo. No período
medieval, a pedra constituiu a base da construção, principalmente das belíssimas
catedrais, cabendo às esculturas em pedras o papel de tímidos complementos
decorativos. No Renascimento, foi redescoberta e novamente ganhou o status de
matéria nobre, com destaque para o mármore. De todos os materiais, ela realmente é o
que melhor resiste ao tempo, por suas características: grão duro e pouco porosa, o que
torna o objeto bastante resistente. Entretanto seu entalhe se faz mais difícil.
E a madeira, porque se tornou a matéria preferencial para as esculturas
devocionais dos séculos XVII e XVIII, na Península Ibérica? Talvez porque, neste caso,
não bastasse a forma estética. Era necessário criar empatia. Era preciso que o objeto
perdesse o seu caráter escultural para ganhar um cunho cultual. E a madeira provocava,
nos espaços religiosos, esse fascínio especial nos fiéis. Por isso, apesar de a pedra
constituir um material nobre, será a madeira o escolhido para a fatura das esculturas
devocionais. Madeira que agregará a policromia como acabamento final das obras,
incorporando além da matéria, o espírito, em forma de cor, a imitar a vida.
A técnica laboral das esculturas em madeira policromada, tem sua origem nos
países nórdicos, herança medieval, incorporada pela Península Ibérica com tal
graciosidade e criatividade que se tornará a principal manifestação de Espanha e de
Portugal, nos períodos do estilo barroco e rococó. Será utilizada na decoração interna
das igrejas, recobrindo totalmente os ambientes, com talha parietal, altares, e imagens
devocionais.
Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2004, p. 284.
416
840
WITTKOWER, Rudolf, op. cit., p. 35.
417
vez, o foco mudou na visão do mundo e das artes, buscando-se a emancipação de uma
determinada classe artística, em detrimento de outras841.
O Dicionário de Raphael Bluteau, do começo do século XVIII, diferencia a arte
da ciência, e classifica-a em dois ramos: artes liberais e artes mecânicas. Ambas são
divididas em sete, “a saber: as Artes Liberais, [...], Gramatica, Rhetorica, Lógica,
Aritmética, Musica, Architectura, Astrologia [...] & o das artes mecânicas, que também
são sete principais, das quais dependem todas as mais; Agricultura, Caça, Guerra,
todos os ofícios Fabris, a Cirurgia, as artes de tecer & navegar, [...]”. Portanto, todos
os ofícios que estavam baseados no fazer laboral com as mãos estavam incluídos nas
artes mecânicas. Os responsáveis por produzir as artes mecânicas eram conhecidos
como os homens de artes, oficiais e artífices842.
No século XVII, ainda acompanhando o discurso do professor Vítor Serrão, os
“praticantes de escultura, entalhe, imaginária, ensamblagem e carpintaria [usavam] de
modo mais ou menos indistinto a terminologia”843. O mesmo autor dá-nos o exemplo de
um ‘Contrato de servidão e aprendizado da arte da escultura’, onde Gonçalo Rodrigues
identificado como “‘imaginário e entalhador’ obriga-se a ensinar a sua arte, por tempo
de oito anos, a um moço de nome José, de catorze anos, filho de ‘Manuel Vaz,
carpinteiro, morador na vila de Moura’”. Isso demonstra que o artífice com permissão
de trabalho formava uma oficina, acolhia um número de ajudantes por um determinado
tempo, e, deste modo, passava os conhecimentos que possuía, ou, nas palavras do
documento, revelava “os segredos do ofício, formando-o para obreiro nas suas
empreitadas, etc..”844.
Ainda nesse artigo, Vítor Serrão informa o corpus da produção remanescente do
escultor Gonçalo Rodrigues, “vinte e sete esculturas em madeira (castanho, carvalho e
nogueira), seis de barro, e dezoito de pedra, o que perfaz um acervo de cinquenta e
uma peças adstríveis ao cinzel do escultor maneirista”845. Interessante constatar que um
mesmo oficial tinha habilidade para manejar diferentes tipos de suporte, de fazer laboral
distinto, incluindo a modelagem do barro, o entalhe da madeira e o esculpir da pedra.
Para finalizar, também informa os tipos de madeiras utilizadas no fazer escultórico no
Norte de Portugal.
841
SERRÃO, Vítor, O Maneirismo e ... op. cit.
842
BLUTEAU, Pe. Raphael, Vocabulário portuguez… op. cit., Tomo 2, p. 480.
843
SERRÃO, Vítor, ‘O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues… op. cit., p. 148-149.
844
SERRÃO, Vítor, ‘O escultor maneirista Gonçalo Rodrigues… op. cit., p. 148-149.
845
Idem, ibidem, p. 165.
418
846
LAMEIRA, Francisco, O maior entalhador e escultor setecentista Algarvio – Manuel Martins,
publicado em Actas do Congresso Internacional do Barroco, Porto, 1991, p. 224-226.
847
BONNET, Márcia, Entre o artifício e a arte… op. cit., p. 36.
848
José Fernandes Pinto Alpoim (Portugal, 1700 - Brasil, 1765) foi militar português, engenheiro e um
dos principais nomes da arquitetura do Brasil, principalmente da cidade do Rio de Janeiro, no século
XVIII.
419
849
Estes artífices, em Portugal, agrupavam-se em corporações, representados pela Casa dos Vinte e
Quatro (órgão que constava um juiz de cada profissão), para defenderam seus interesses na vida local e
profissional através dos seus delegados. A corporação teve sua origem no século XV e funcionou até
1834, sofrendo algumas modificações no seu estatuto ao longo deste tempo. O Brasil não possuiu
instituição similar, ficando cada oficio subordinado a um juiz, que, por sua vez, era controlado pela
Câmara Municipal. Competia a esse juiz e a Câmara fornecer, após exames, a carta de habilitação, que
dava o direito, ao exercício da profissão, ao estabelecimento de loja, a ter ajudantes e aprendizes e, até
mesmo, a executar obras sobre a sua responsabilidade.
850
BOSCHI, Caio, Os leigos e o poder (Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais),
São Paulo, Ática, 1986, p. 17.
851
Idem, ibidem, p. 20.
420
pessoas que compravam escravos para o fim especial de instruí-los nalguma arte útil
ou oficio, vendendo-os em seguida por preço elevado, ou alugando seus talentos e
trabalho”852.
Já o que chamou a atenção do viajante inglês Thomas Ewbank, em visita à
cidade do Rio de Janeiro, foi o serviço prestado pelos escravos, “trabalhando como
carpinteiros, pedreiros, calceteiros, impressores, pintores de cartazes e ornamentos,
fabricantes de carruagens e escrivaninhas e litógrafos. É também verdadeiro que
esculturas em pedras e imagens sagradas em madeira são frequentemente feitas com
admirável habilidade pelos escravos e negros libertos. Vê-se mendigando no Catete um
homenzinho grisalho, velho africano, outrora considerado excelente escultor, mas que
agora é um alcoólatra inveterado. O vigário mencionou recentemente um escravo que
trabalha maravilhosamente em escultura sagrada na Bahia. Todas as espécies de
ofícios são executadas por homens e rapazes negros”853.
Percebemos, desta forma, que a padronização das técnicas laborais utilizadas
neste período, incluindo a metodologia do conhecimento e do saber, era passada de
oficina para oficina, de mestre para aprendiz. Poucos foram os manuais técnicos das
artes que chegaram às poucas bibliotecas e estaleiros do Brasil. E ainda, se comparando
à Metrópole, no Brasil, não havia tanta diversidade nem de materiais nem de mão de
obra. Então, em muitos casos, haverá adaptações locais de técnicas e materiais, devido à
facilidade de obtenção de um, em detrimento de outro, o que, algumas vezes, significará
uma vantagem, pela produção de peças únicas.
As esculturas devocionais dos séculos XVI, XVII e XVIII, em Portugal e no
Brasil, apresentam basicamente a mesma técnica laboral, herança dos países nórdicos
que, durante a Idade Média, foram os grandes mentores no uso da madeira policromada
e dourada, em painéis, retábulos e esculturas. Em Portugal, encontram-se excelentes
trabalhos em madeira policromada a partir do século XV, porém, o ápice da técnica se
deu nos séculos XVII e XVIII, com o uso de madeira recobrindo os interiores das
igrejas. O trabalho era dividido entre o oficial da madeira nas várias especificidades
examinadas acima, e o pintor, este podia ser também dividido nas especialidades: de
852
LUCCOCK, John, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil, Belo Horizonte,
Livraria Itatiaia/ EDUSP, 1975, p. 16.
853
EWBANK, Thomas, Vida no Brasil, São Paulo e Belo Horizonte, Editora da Universidade de São
Paulo e Livraria Itatiaia, 1976 (edição original: 1869), p. 152/153.
421
854
Segundo Vítor Serrão, havia uma diferença entre os profissionais que eram habilitados para a pintura a
óleo, e os habilitados para a pintura a têmpera e douradores. Os primeiros conseguiram certa
independência criativa, enquanto os segundos eram considerados meros artesãos das técnicas decorativas
dos estofamentos dos santos. Para maiores informações: SERRÃO, Vítor, Maneirismo... op.cit., p. 183-
190, no capítulo 6, 6.1 – as modalidades do ofício.
855
Informações citadas no livro da francesa Gilberte Emile Mâle. Portanto, o foco da obra são os países
europeus e, principalmente, a França. EMILE-MÂLE, Gilberte, Restauration des peintures de chevalet,
Paris, Office du Livre, 1986.
856
FERREIRA-ALVES, Natália Marinho, A arte da talha no Porto na época barroca. (Artistas e
clientela. Materiais e técnica), Porto, Arquivo histórico/ Câmara Municipal do Porto, 1989, p. 179.
422
857
SERRÃO, Vítor, A Diocese do Funchal..., op. cit, p. 111-145.
858
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa..., op. cit., p. 282.
859
Idem, ibidem, p. 282.
860
SMITH, Robert, C., Agostinho Marques, “enxambrador da cónega”, Barcelos, Livraria Civilização,
1974, p. 61.
861
MIRÓ, Eva Pascual, Apud, GOMES, José Vieira, A talha e a arte de entalhar. Manual do Ofício,
madeiras e ferramentas, Dissertação de Mestrado, sob a orientação da Dra. Natália Marinho Ferreira
Alves, defendida na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004.
423
862
FERREIRA ALVES, Natália Marinho, ‘Púlpito’, publicado em Dicionário de Arte Barroca ..., op. cit.,
p. 387- 388.
863
GOMES, José Vieira. A talha ..., op. cit., p. 31.
864
FERREIRA, Sílvia; MURTA, Elsa; SANDU, Irina Crina Anca e PEREIRA, Manuel Costa, Os
púlpitos da Igreja de Nossa Senhora da Pena, em Lisboa: um estudo histórico, estilístico, técnico e
material, publicado em Conservar Património 19 (2014) 5-20. Disponível em http://revista.arp.org.pt .
424
865
QUITES, Regina Emery, ‘O “olhar” na escultura: história, técnica e preservação’, publicado em
MELLO, Magno Moraes (Org.), Formas imagens sons. O universo cultural da obra de arte, Belo
Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais/ Clio gestão cultural e editora, 2014, p. 175-184.
426
(grafite e chumbo), a qual deverá ser reativada com água quando da aplicação das folhas
metálicas. O aspecto final do douramento poderá ser fosco ou brilhante.
O bolo dito da Armênia – pois, na Antiguidade, provinha dessa região, é,
portanto, um material da mesma família dos pigmentos ocres, indispensável ao
douramento. Segundo o metalurgista italiano Vonnoccio Biringuccio, Portugal fornecia
um dos três melhores bolos da Europa, com ótimas qualidades. Era abundante na região
de Estremoz. Da mesma forma, os pigmentos terrosos provinham de Sintra, como a
famosa à umbra, pigmento mencionado por Filipe Nunes como ‘sombra de Cintra’866.
Na constituição física da camada de preparação, dois materiais são os principais
constituintes: um aglutinante líquido e uma carga (material sólido e inerte). Esses
materiais variaram ao longo dos séculos e das regiões. O aglutinante aquoso feito a
partir da cola animal ou da caseína era misturado ao carbonato de cálcio e ao sulfato de
cálcio867.
Em Portugal, a descrição deste procedimento é citada pelo historiador Robert
Smith, para uma obra de talha: “era costume aparelhá-las [as superfícies] duas vezes
com cola para encher todas as fendas e irregularidades da madeira. Inseriam-se
espigas revestidas de lona nas rachas maiores [no caso da obra de talha], quando não
se empregavam grampos de metal. Polida a superfície, cobria-se de várias camadas de
gesso para receber umas demãos de bolo de uma terra vermelha própria para lhe dar
elasticidade essencial ao processo de brunir o ouro”868.
O aglutinante oleoso aparecerá no século XIV, ou um pouco antes. Adaptou-se
melhor às pinturas sobre tela, devido a sua flexibilidade compatível com as grandes
superfícies das pinturas, do que as friáveis preparações à base de água e cola animal.
Também será utilizado em obras escultóricas, nas áreas da carnação, pois produzirá
como resultado final um aspecto aveludado, criando verdadeiros simulacros da pele
humana.
A camada seguinte é a mais importante, pois consiste na parte visível da obra de
arte. Sua constituição física compreende a mistura de um pó colorido, comumente
conhecido como pigmento, com um aglutinante. Este último determinará o tipo de tinta.
866
CRUZ, Antonio João, ‘A proveniência dos pigmentos utilizados em pintura em Portugal antes da
invenção dos tubos de tintas: problemas e perspectivas’, publicado em As preparações na pintura
portuguesa dos séculos XV e XVI, Lisboa, Faculdade de Letras, 2013, p. 302-303. Disponível em:
https://www.academia.edu/7267111/A_proveni%C3%AAncia_dos_pigmentos_utilizados_em_pintura_e
m_Portugal_antes_da_inven%C3%A7%C3%A3o_dos_tubos_de_tintas_problemas_e_perspectivas.
867
EMILE-MÂLE, Gilberte, op. cit.
868
SMITH, Robert, A talha em Portugal, op. cit., p. 13.
427
Se for aquoso, teremos as aquarelas, nanquins e têmperas; se for oleoso, as tintas à base
de óleo. Os pigmentos podem ser de origem mineral, animal, vegetal, ou, a partir do
século XVIII, sintéticos. A principal propriedade dos pigmentos é absorverem, devido a
sua composição química, parte do espectro solar. A parte liberada é a que o caracteriza.
Assim um grão que parece preto é feito de uma matéria que absorve todas as outras
cores. O seu poder de cobertura está relacionado ao seu tamanho: quanto mais fino,
maior poder de cobrir uma superfície.
Desde a Pré-história, o homem faz uso de pigmentos, principalmente, das terras
coloridas que encontrava ao seu redor, do carvão que sobrava do seu fogo. Porém, foi só
no século XVIII, graças ao progresso da química, que a quantidade de pigmentos foi
consideravelmente aumentada. O conhecimento dos pigmentos é uma ferramenta muito
importante para a datação, a determinação da origem e, até mesmo, a identificação da
autenticidade de uma obra. Assim, sabe-se que uma obra que utilize o azul da Prússia é
posterior a 1704, data de sua síntese química869.
Outra característica importante dos pigmentos é a sua qualidade e o seu valor no
mercado. O uso de um determinado pigmento pode apresentar (ou oferecer) indícios
preciosos, como a importância da obra para a época, a relevância e a riqueza do seu
encomendante e, até, em alguns casos, o grau de apuro técnico do próprio artista,
conforme demonstrou Michael Baxandall: “o contrato de Ghirlandaio insiste em que o
pintor utilize cores de boa qualidade, sobretudo a do ultramarino. A preocupação que
se verifica nos contratos com a qualidade do pigmento azul, assim como do ouro, não
era sem fundamento. Depois do ouro e da prata, o azul ultramarino era a cor mais cara
e a mais difícil de se empregar. Existiam nuanças caras e baratas e outras substitutas
ainda mais econômicas, geralmente chamadas de azul alemão (o azul ultramarino era
fabricado a partir do pó do lápis-lazúli, importado a altos custos do Oriente; o pó era
diluído várias vezes para se extrair a cor, sendo que o primeiro extrato obtido – um
azul violeta intenso - era o melhor e mais caro. O azul alemão nada mais era que o
869
O azul da Prússia foi usado numa escultura erudita (E4-SA) e noutra popular (P2-VA) pouco depois
da sua descoberta no início do século XVIII, o que sugere que os pigmentos tinham origem semelhante,
independentemente da localização ou qualidade das oficinas. Para maiores detalhes, ver BARATA,
Carolina; CRUZ, António João; CARBALLO, Jorgelina; COROADO, João; MENDONÇA, Maria
Helena e ARAÚJO, Maria Eduarda, ‘Caracterização através de análise química da escultura portuguesa
sobre madeira de produção erudita e de produção popular da época barroca’, publicado em Quim. Nova,
vol., 36, nº 1, 21-26, 2013.
428
carbonato de cobre; sua cor era menos brilhante e, o mais grave, seu uso se revelava
instável, particularmente em afrescos) [...]”870
É interessante observar que, para a representação das figuras, havia uma
hierarquia de importância a partir do uso dos pigmentos, “[...] o ultramarino destinado
a Maria deve ser de qualidade correspondente a dois floris a onça, ao passo que para o
resto do quadro um ultramarino a um florim a onça será suficiente. Um toque violeta
mais ou menos intenso exprime a importância [...]”871 dos personagens. Em Portugal,
‘como he tão caro, não se usa muito’, conforme afirmou Filipe Nunes no seu tratado de
pintura. Era caro porque tinha que ser importado da Itália, a preço elevado872.
O aglutinante determinava o tipo de pintura. Se fosse aquoso, produzido a partir
das colas animais, tais como pele de animal, goma arábica ou caseína, a pintura ficava
(ou resultava) opaca, sem brilho. Se fosse feito a partir da emulsão do ovo, além de ser
uma pintura muito estável e resistente, conhecida como têmpera, podia apresentar certo
brilho com o uso da gema. Já os óleos permitiam uma pintura com brilho e transparente.
O óleo de linhaça foi o mais utilizado, por ser o mais secativo. Quando entra em contato
com o oxigênio, suas moléculas se oxidam, formando uma película superficial sólida,
que, com o tempo, vai secando o interior. A quantidade de óleo dependia diretamente
das propriedades físicas do pigmento: o branco de chumbo necessitava de 12% de óleo,
enquanto a sombra terrosa requeria até 75% para ser empregada em pintura.
Nas esculturas devocionais, o uso das folhas metálicas, principalmente o ouro,
foi fundamental na decoração das áreas onde se intencionava imitar os diferentes tipos
de tecidos. Tratava-se de uma das operações mais difíceis e dispendiosas, pois
necessitava de extrema perícia. É nesse momento que surge um artífice de grande
importância no processo do douramento, o mestre bate-folhas, o fornecedor da matéria-
prima – do ouro em folha – nas condições exigidas para a sua aplicação. As folhas
deveriam ser finíssimas, de tal modo que, quando aplicadas, cobrissem a superfície com
grande (ou bastante) eficiência.
O estudo efetuado por Natália Marinho Ferreira Alves, demonstrou que a relação
entre o dourador e o bate-folha era de absoluta dependência, a ponto deste último, em
algumas ocasiões, tornar-se o principal fiador para o trabalho arrematado pelo pintor
870
BAXANDALL, Michael, O olhar renascente. Pintura e experiência social na Itália da renascença,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, p. 20.
871
Idem, ibidem, p. 21.
872
CRUZ, Antonio João, ‘A proveniência dos pigmentos utilizados em pintura em Portugal..., op. cit., p.
301.
429
dourador. Segundo a mesma especialista, pouco foi registrado sobre a obtenção das
folhas de ouro dos séculos XVII e XVIII, mas se sabe que consistia primeiro na
aquisição da matéria-prima, o ouro, em estado bruto ou reaproveitado em cisalhas
(restos das folhas de ouro preparadas anteriormente). Seguia-se a fundição, feita em
cadinhos: o ouro bruto ou as cisalhas aquecidas deveriam chegar ao estado líquido
(quando se utilizava o ouro bruto era necessário remover as impurezas e acrescentar
outros materiais para formar uma boa liga). Por fim, despejava-se o produto num molde
para obter uma pequena barra de ouro873.
O próximo passo consistia na laminação, ato de bater meticulosamente o ouro
até formar as folhas. Em seguida, estas eram batidas até que extravasassem os limites do
molde (desbastador), de medida padronizada. Quando isso ocorria, aparavam-se os
bordos e as sobras eram reaproveitadas para novas folhas (cisalhas).
Normalmente vendia-se o ouro em conjuntos de 100 unidades, chamados de
livros, compostos de folhas de ouro (pães de ouro) finas, separadas por folhas de papel
fino. Elas oscilavam entre vinte e vinte e quatro quilates, o ouro apresentava uma cor
dourada intensa (ouro subido). Vendia-se por milheiros (dez livros de cem folhas / pães
de ouro)874.
Vítor Serrão, no artigo sobre o retábulo da Sé do Funchal, faz a seguinte
observação sobre a policromia e o custo de se dourar o cadeiral, “[...] razões ignotas
levaram a que o cadeiral se mantivesse ‘em cru’, com policromia, mas sem
douramento, até data tardia. Se em 1691-1696 se cumpriu esse desiderato: naquela
data, encarregou-se o funchalense António Lopes da tarefa do dourado das cadeiras
dos cônegos, mandando-se vir de Lisboa, para o efeito, 200 livros de ouro no valor de
171.660 rs e mais 81.500 rs de tintas azul, mas a solução foi polémica, como atesta em
1722 o cronista local Henrique Henriques de Noronha, pois se correu o risco de ‘lhe
tirar o dourar a fineza das cores’”875.
A última camada pictórica constituía a mais importante, pois deveria ser
admirada pelos fiéis. Entretanto, só apresentaria um excelente resultado caso as
camadas precedentes tivessem sido empregadas da maneira correta. Portanto, o seu
requinte e perícia deviam-se aos pintores que a realizavam. Era normal utilizar uma tinta
de base oleosa na área da carnação e, no estofamento, uma têmpera. Isso porque, na
873
FERREIRA-ALVES, Natália Marinho, A arte da talha..., op. cit., p. 179.
874
Idem, ibidem, p. 184.
875
SERRÃO, Vítor, A Diocese do Funchal..., op. cit., p. 111-145.
430
carnação das faces, mãos e pés, buscava-se a aparência aveludada da pele humana,
necessitando-se, portanto, de um acabamento esmerado. Para tal, chegava-se a polir a
região com a pele do estômago de carneiro. Já, nas áreas do estofamento, também
chamadas de panejamento, por ter a intenção de imitar os panos luxuosos da época,
aplicava-se a camada de têmpera sobre o douramento. Antes da sua secagem definitiva,
partes eram removidas a fim de deixar à mostra em dourado, os desenhos que se
pretendiam fazer. Aplicava-se esse douramento normalmente em toda a superfície, mas
ele também poderia ser aplicado em reservas, isto é, só nas áreas onde haveria a
remoção da camada pictórica superior. A seguir, serão discutidas as principais técnicas
utilizadas para obter os tão desejados tecidos luxuosos: esgrafiado, punção, o pastiglio,
e, ainda, ponta de pincel, entre outros.
Os estudos sobre os materiais constitutivos e as técnicas laborais das esculturas
policromadas vêm sendo intensificados, principalmente a partir dos trabalhos
interdisciplinares entre as áreas de restauro e história da arte. Muita importância teve
para a área os avanços tecnológicos e as pesquisas, com o uso de instrumentos
científicos que permitem ampliar, separar e identificar os materiais constitutivos das
camadas da policromia. Tais resultados, apoiados na documentação da época, podem
oferecer boas pistas sobre a identificação e a origem dos pigmentos. No exemplo do
estudo sobre policromia espanhola, citado por Vítor Serrão “[...] são abundantes os
elementos de caracterização das tintas e pigmentos utilizados, onde constam até
registos da utilização do ‘ocre de Portugal’ e do ‘almagre do Brazil’, junto dos
‘brancos de leche e a albayade de Venecia’, às ‘sombras de Ubieto’, ‘azul Niza’, ‘azul
fino de Sevilla’, ‘ocre de Flandres’, ‘añil gastado de cal de Pelaire’, ‘carmesí de
Alemania’, ‘carmín de Florencia’ e ‘almagre de Levante’ usados na policromia de
determinados retábulos em igrejas de Navarra”876.
O projeto POLICROMIA877, integrando Portugal, Espanha e Bélgica, constitui
um exemplo desses avanços. É formado por profissionais cujo principal interesse reside
876
GOÑI, P. Echeverría, ‘Policromia del renacimiento en Navarra’, apud SERRÃO, Vítor. Acordar as
cores..., op. cit., p. 102.
877
Congresso Internacional POLICROMIA, A escultura policromada religiosa dos séculos XVII e XVIII.
Estudo comparativo das técnicas, alterações e conservação em Portugal, Espanha, e Bélgica.
Patrocinado pelo Instituto Português de Conservação e Restauro, realizado em Lisboa, na Fundação
Caloute Gulbenkian, em novembro de 2002. Dos estudos publicados ver: SERCK-DEWAIDE, M, ‘Les
techiniques utilisées dans l’art baroque religieux des XVIIe et XVIIIe síecles au Portugal, en Espagne et
en Belgique’, publicado em Policromia. A escultura policromada religiosa dos séculos XVII e XVIII.
Estudo comparativo das técnicas, alterações e conservação em Portugal, Espanha, e Bélgica. Instituto
Português de Conservação e Restauro, Lisboa, (2002) 119-155.
431
no estudo dos materiais constitutivos e das técnicas empregadas na fatura das esculturas.
Sabe-se que as técnicas adquiridas pelos artífices tinham uma relativa disseminação,
chegando a diversas regiões, onde, com a incorporação de novos e diferentes materiais,
criavam-se variações, de acordo com as distintas interpretações dos artesãos.
O esgrafiado (palavra aportuguesada do italiano esgrafitto) consistia em recobrir
a folha metálica com uma camada colorida e, antes da sua completa secagem, remover,
com um estilete, as partes desejadas, segundo um desenho preestabelecido, permitindo,
assim, que a superfície metálica subjacente aparecesse. O esgrafiado dava excelentes
resultados, ornando a superfície da escultura com motivos impressionantes, bastando
que o pintor tivesse certa habilidade. Os motivos utilizados eram, em sua maioria,
fitomorfos, geométricos ou a mistura dos dois: do tipo guilhoché, isto é linhas paralelas,
retas ou curvas (formando, muitas vezes, figuras geométricas, tais como losangos ou
quadrados); do tipo vermiculura, tradicionalmente chamado de caminho sem fim, pois,
a partir de um ponto, vai se descrevendo uma linha sinuosa que preenche toda a
superfície desejada, sem fim. Ainda são encontradas pequenas estrelas, círculos e pontos
recobrindo a superfície na sua totalidade.
A punção, cujo nome vem dos carimbos metálicos utilizados para puncionar
desenhos na decoração ornamental de livros, foi, então, adaptada à decoração das
policromias. Tal qual ocorre no sistema de carimbo, fica uma marca sobre a superfície
do ouro, que deve ser aplicado à peça com a ajuda de uma pequena força proveniente de
um instrumento, normalmente um delicado martelo. O desenho criado pelos carimbos
metálicos era diversificado. Foram encontrados desde um simples ponto até círculos e
estrelas, conforme a moda e o gosto de cada pintor. Muitas vezes, esses pontos
aplicados ajudavam na delimitação dos desenhos para a técnica do esgrafiado, e, dava,
no final, o efeito de luz e sombra à pintura.
O pastiglio, do italiano pastiglia, que significa pasta, consistia normalmente num
relevo aplicado à superfície da escultura, antes da camada de policromia. A composição
dele podia ser obtida através da aplicação de várias camadas, a pincel, de gesso e cola
na superfície ou da fixação de materiais, tais como: cera, tecidos, linhas, barbantes
embebidos na preparação mais líquida. Em nossa dissertação de mestrado, dedicada ao
estudo das esculturas em madeira policromada de São Miguel Arcanjo, na cidade do
Rio de Janeiro, constatamos que o pastiglio estava presente em um grande número de
obras. Essa técnica permitia a aplicação (criação) de desenhos em volume, feitos a partir
da própria massa utilizada na preparação, nas áreas em que se intencionava criar a
432
aparência do metal: elmo e couraça. Alguns desses trabalhos exibiam uma técnica
primorosa878.
A técnica identificada como ponta de pincel nada mais era do que a utilização de
algumas pinceladas suaves e de cores diversas, sobre o desenho conseguido no
esgrafiado, com o intuito específico de fazer meio tons, criando áreas de luz e sombra, e
dando certa profundidade ao desenho. Existiram, no Brasil, variações dessa técnica.
Encontram-se, em algumas regiões, policromias feitas praticamente a partir do uso de
pincéis, com grandes florões aplicados à superfície do douramento em reserva, pois
neste caso, só o miolo das flores deveria ser dourado, como a policromia típica da
escola baiana879. Entretanto, em outros locais, como algumas regiões de Minas Gerais
de fins do século XVIII, a pintura já era composta de pequenas flores, sobre douramento
integral.
Havia ainda uma diversidade de técnicas decorativas, tais como veladuras, isto é,
camadas muito finas de tinta a óleo ou a têmpera, transparentes e coloridas, que se
executavam sobre camadas coloridas ou sobre as folhas metálicas. Foi muito utilizada
sobre a folha de prata, nos oratórios ditos mineiros, da segunda metade do século XVIII,
pois, desta maneira, protegiam-se da oxidação as folhas metálicas, principalmente, a
folha de prata, que exposta ao oxigênio escurecia rapidamente, e criava a sensação de
ser um metal colorido.
878
JUSTINIANO, Fátima, Il uccelo divino. Estudo iconográfico, técnico e formal das esculturas do São
Miguel Arcanjo da cidade do Rio de Janeiro no período colonial. Dissertação de Mestrado, sob a
orientação da Professora Doutora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, apresentada ao Programa de pós-
graduação em História da Arte, da Faculdade de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
1997.
879
FAUSTO, Cláudia Maria Guanais Aguiar, Padrões, cromatismos e douramentos na escultura sacra
católica baiana nos século XVIII e XIX, Dissertação de Mestrado em Artes Visuais, programa de pós-
graduação em Artes Visuais, Universidade Federal da Bahia, 2010. E ainda da mesma autora GUANAIS,
Cláudia, ‘Descrição da técnica e análise formal da policromia na imaginária baiana’, publicado na Revista
Ohun, Salvador, ano 3, n. 3, p. 37-71, 2007. Disponível em:
http://www.revistaohun.ufba.br/PDFs/artigo2.pdf .
433
marítima, tais como Nossa Senhora da Boa Viagem e São Pedro Gonçalves Telmo,
vulgo Santelmo.
Com a criação das primeiras vilas e a fixação das populações, vieram as Ordens
Religiosas e seus santos: jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas. Veremos
descortinar uma plêiade de santos: os jesuítas trouxeram os seus fundadores: Santo
Inácio e São Francisco Xavier, em imagens de madeira de grande formato; os
beneditinos, os gêmeos São Bento e Santa Escolástica, e ainda, Nossa Senhora de
Monteserrate em imagens introspectivas de barro cozido; os franciscanos, num primeiro
momento, São Francisco e Santo Antônio em barro, mas, com o avançar dos anos,
começam a aparecer belíssimas imagens de madeira de apelo fácil e gosto popular. Já os
carmelitas, desde o início, deram preferência às imagens eruditas da Virgem do Carmo
ou da sempre carismática Santa Teresa, em madeira.
As esculturas mais antigas ainda encontradas no Brasil são, portanto, as de
origem portuguesa, com já mencionado, presentes nas capelas jesuítas, tais como o São
Lourenço, da capela de São Lourenço dos Índios, na cidade de Niterói e as duas Virgens
da Conceição, pertencentes ao antigo colégio no Rio de Janeiro. Em Salvador, pode-se
encontrar a Nossa Senhora das Maravilhas, hoje acervo do Museu de Arte Sacra, tida
como uma das mais antigas que aportaram no Brasil. Foi trazida por D. Pero Fernandes
Sardinha, primeiro bispo da cidade de São Salvador, na Bahia, em 1551. A obra, no
entanto, recebeu, no século XVII, um revestimento de prata, que a transformou em
imagem relicário.
Os beneditinos adaptaram-se muito bem ao barro, matéria-prima presente em
todas as regiões do Brasil. Trouxeram essa tradição de Portugal, onde se destacaram as
escolas de Alcobaça e de Tibães. Os franciscanos e carmelitas utilizaram em menor
escala o barro, embora seja possível encontrar resquício de uma imaginária em barro
cozido, nos mais antigos complexos franciscanos, e, em menor número, nos carmelitas.
Os jesuítas nunca trabalharam o barro, sempre a madeira, que acabou por ser a escolha
final de todas as ordens e das futuras escolas regionais do século XVIII. Era abundante,
de fácil manejo e entalhe e, quando pronta, resistia bem ao tempo e às intempéries dos
percursos.
Em suma, no Brasil, é possível encontrar um bom número de imagens em barro
cozido, do século XVII, porém, a partir de fins do XVII e em todo o XVIII, a madeira
reinará absoluta. No século XVIII, ocorrerá a introdução do uso da pedra na decoração
434
das fachadas das Igrejas em peças importadas de Portugal ou de fatura local, nas regiões
onde houvesse pedras que permitissem o entalhe.
Examinando a literatura específica sobre escultura em madeira policromada no
Brasil, constata-se que muitos trabalhos têm sido publicados pelo CEIB880 (Centro de
estudos da imaginária brasileira), cuja intenção primeira, como o próprio nome indica, é
estudar as esculturas religiosas. Com base na literatura pesquisada, pode-se dizer que a
principal madeira utilizada como suporte para as imagens litúrgicas produzidas no
Brasil, foi basicamente a Cedrela fissilis vel, popularmente conhecida como cedro. “O
gênero cedro, da família Meliaceae, abriga [...] oito espécies de Cedrela encontradas
nos trópicos do novo mundo. Por fornecer madeiras com excepcionais características
físicas e organolépticas, isto é, a propriedade de impressionar os sentidos e distribuir-
se geograficamente por todo o neotrópico, o cedro tem sido exaustivamente explorado e
usado na região desde a pré-história. Os nativos já o empregavam para construir
embarcações e casas [...] foram os espanhóis que o batizaram de cedro, porque
associaram seu odor aromático a uma outra madeira denominada cedro na Europa.
[...] a identificação de uma madeira pela anatomia não permite, infelizmente,
identificar a espécie com absoluta segurança. Podemos dizer, entretanto, que a
comparação das amostras retiradas das esculturas, com amostras conservadas na
xiloteca do Museu Paraense Emílio Goeldi, mostrou que elas têm maior afinidade com
Cedrela fissilis, [...]”881.
Ouro Preto possui cabeça, mãos e pés esculpidos em cedro, enquanto a armadura de
sustentação da imagem é de matéria-prima mais barata e ripas de madeiras variadas882.
Quanto às técnicas da policromia e da decoração, variavam conforme a erudição
do artesão, a região ou até mesmo a disponibilidade dos materiais. Geralmente
consistiam em encolagem, camadas de preparação, incluindo ou não o bolo necessário
ao douramento, e, a camada pictórica. No Brasil, o processo também era feito através de
uma associação entre o ‘escultor’ e o ‘pintor’. Quando o primeiro dava o trabalho por
finalizado, incluindo a incrustação dos olhos de vidro e do que mais necessitasse, o
segundo começava a aplicar as camadas da policromia. Começando pela encolagem, a
seguir, vinha a camada de preparação branca, de base aquosa (a carga podia variar entre
o carbonato de cálcio e o branco de chumbo). Nas áreas de imitação da pele humana –
carnações –, optou-se pela utilização da camada de base oleosa. O uso do bolo ocre foi
quase constante. O douramento podia ser integral ou em reserva, isto é, localizado
apenas nas áreas onde a policromia iria ser removida pelo pintor. O ouro ainda podia ter
o acabamento brunido ou fosco.
A camada pictórica foi primordialmente em têmpera, isto é, uma cola animal
mesclada aos pós com cores – pigmentos-, que chegavam de Portugal ou eram
confeccionados a partir de material local (as terras naturais davam excelente pigmento e
com uma grande variedade de tons, como a citada ‘almagre do Brazil’).
Tivemos esculturas tecnicamente de alto nível de erudição, feitas, com certeza,
pelas mãos de artífices portugueses. Porém, foi mais comum o uso de técnicas ditas
‘semieruditas’, isto é, feitas por artífices que não dominavam completamente o fazer
laboral. E também existiam casos em que o artista tinha o conhecimento técnico, mas
lhe faltavam as condições adequadas, o instrumental correto e o material apropriado.
Então, entrava em cena a sua criatividade. Desta maneira, os resultados obtidos podiam
ser inesperados e ímpares.
Na região de Sabará, em Minas Gerais, temos conhecimento de uma dupla de
artífices quase perfeita na confecção das esculturas devocionais, para não dizer perfeita.
O escultor é o tão conhecido Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho. Já o
pintor, ainda não foi identificado. O resultado do trabalho dos dois é excepcional, tanto
na forma, quanto na técnica. Os santos carmelitas – São Simão Stock e São João da
Cruz –, assentados nos nichos dos altares laterais da Igreja do Carmo de Sabará, são um
882
BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
436
bom exemplo dessa parceria. Essas esculturas unem o forte e personalizado entalhe de
Aleijadinho à ímpar e primorosa técnica decorativa da policromia.
Ainda sobre bons resultados de trabalhos duplos, é oportuno citar outra parceria
do escultor Aleijadinho, agora com o melhor pintor da região de Minas Gerais, Manuel
da Costa Ataíde (1762-1830), Mestre Ataíde. Os dois primeiros passos do Santuário de
Congonhas tiveram as mãos dos dois artífices. Até hoje a qualidade pictórica desses
passos supera a dos demais883.
Mestre Ataíde também exerceu a função de dourador. Testemunha esse seu
ofício o compromisso firmado por ele para fazer a pintura da nave e do douramento do
altar-mor da igreja de Nossa Senhora do Carmo, de Ouro Preto, transcrito por Antônio
Francisco Lopes. Neste documento, percebem-se as técnicas e as condições impostas
pelo artista para desenvolver um bom trabalho, que já havia sido iniciado por outros
artífices: “que este Altar mór fino e cola de pelica fina, e muito bem desposto de baixo
de regra e preceito para se apresentar um bom, e admirável dourado, estando nesta
altura deve-se agora seguir seu devido lixamento para lizura do mesmo Dourado, e
mais empregos da obra depois disto será bem espanado, e limpo seguindo-se outras 5
de mãos de bolo armenio em a mesma cola fina com a devida cautela e observância nas
diversas temperas que são necessárias, e costume, donde pende o bom ou mau êxito de
um Dourado.
Que estando desta sorte pronto do bolo armenio se começará a assentar a outo
em seus devidos lugares bem como tudo quanto for peças gerais de talha, biscates,
festões de flores, redondos, filetes, e meias canas das cimalhas, e molduras, repartindo-
se em seus lugares o que for devido e melhor gosto o que for justo para se lhe dar a cor
de fosco.
Que estando todo o Altar dourado como deve ficar se alvejará com três de mãos
de Alvaiade fino todos os lisos, e fundos da obra, e assim ficara de branda cor geral de
perola de azul da Prussia e nela o mais brando fingimento de pedra lazara, o que for
cimalhas, molduras, e alguns corpos maiores que animão e distinguem beleza e
valentia da obra, e assim ficara toda ela mais distinta e brilhante, e no presente
gosto”884.
883
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, O Aleijadinho e o Santuário de Congonhas, Brasília,
Monumenta/IPHAN, 2006. E ainda da mesma autora Os Passos de Congonhas e suas restaurações,
Brasília, Monumenta/ IPHAN, 2011.
884
LOPES, Francisco..., op. cit., p. 85.
437
885
Técnica laboral presente também nas esculturas portuguesa, ver: BARATA, Carolina; CRUZ, António
João; CARBALLO, Jorgelina e ARAÚJO, Maria Eduarda, ‘Os materiais e as técnicas usados numa
escultura barroca, do Museu de Santa Maria de Lamas, representando São Domingos’, publicado em
Conservar Património, nº 6, 2007, p. 21.
886
COELHO, Beatriz e QUITTES, Maria Regina Emery, op. cit., p. 69.
887
A exposição Josefa de Óbidos e a invenção do Barroco Português ocorreu no Museu Nacional de Arte
Antiga, em Lisboa, no ano de 2015. Estavam presentes, juntamente com as telas da artista de Óbidos, as
esculturas do Frei Cipriano da Cruz: Santa Gertrudes, São Gregório, Santo Amaro, Santa Escolástica e
Santa Francisca Romana. Tiveram a parceria na policromia do pintor Pascoal de Sousa, e todas elas
tinham os versos escavados e sem a proteção de tábuas de madeira.
438
888
COELHO, Beatriz e QUITTES, Maria Regina Emery, Estudo da..., op. cit., p. 69.
889
COELHO, Beatriz, ‘Materiais e técnicas das esculturas policromadas’ publicado em COELHO,
Beatriz (org.), Devoção e Arte: imaginária religiosa em Minas Gerais, São Paulo, Edusp, 2005, p. 233-
280.
439
890
Idem, ibidem, p. 256.
891
JUSTINIANO, Fátima, São Miguel Arcanjo. Estudo técnico, formal e iconográfico de uma escultura
em madeira policromada, Monografia do curso de especialização em Conservação e restauração
apresentada no Centro de Conservação e restauração de bens culturais móveis da Universidade Federal de
Minas Gerais, 1991.
440
grupos: de vulto pleno e imagens ‘de vestir’. Este último ainda abarcará subdivisões
devido a algumas variantes de soluções diversas. Porém, a constante das imagens de
vestir é o entalhe perfeito de rostos, mãos e pés, estes últimos quando necessários, e a
despreocupação com as áreas do corpo, pois estas serão recobertas com vestimentas de
tecidos naturais.
A conservadora da Universidade Federal de Minas Gerais, Maria Regina Emery
Quites, na sua tese de doutoramento sobre as imagens de vestir das Ordens Terceiras
franciscanas do Brasil, estudou as imagens de vestir e a sua função processional assim
como reviu os conceitos que identificavam as diversas peças, tendo em conta tipologias,
técnicas, materiais e ainda a problemática da conservação e do restauro892. No entanto,
não conseguiu fechar as terminologias, pois o trabalho se restringiu aos conjuntos dos
santos terceiros franciscanos, em particular, aos santos que saíam na Procissão das
Cinzas. A diversidade e a criatividade dos artífices para esse tipo de escultura foram
imensas.
Na busca de estudos portugueses sobre o assunto a fim de estabelecer uma
comparação com as tipologias traçadas pela pesquisadora brasileira, confrontamo-nos
com a dissertação de Mestrado de Diana Rafaela Martins Pereira, Imagens de vestir em
Aveiro: a escultura mariana do século XVII à contemporaneidade893, de 2014. Para
nossa surpresa, a autora, além de se basear em alguns trabalhos espanhóis, utilizou
como principal fonte do seu trabalho, a tese de doutoramento de Emery Quites,
acrescentando uma nova tipologia, ligada especificamente às imagens de vestir
femininas, em particular a da Virgem, assunto particular do seu estudo.
Neste estudo, procuramos unir as classificações tipológicas de Maria Regina
Emery Quites, às da pesquisadora portuguesa a fim de enquadrar os Cristos dos
terceiros carmelitas. Quando necessário, foram adicionadas algumas considerações,
divergindo das tipologias estruturadas pelas duas estudiosas ou complementando-as.
Segue uma descrição sumária das categorias desenvolvidas pelas autoras:
1 - Imagens ‘cortadas ou desbastadas’, que a pesquisadora portuguesa Diana
Pereira prefere chamar de ‘imagens adaptadas’, são aquelas que já foram esculturas de
vulto pleno e, por motivos diversos, sofreram alterações em sua estrutura original;
892
QUITES, Maria Regina Emery, Imagem de vestir:… op. cit., p. 245.
893
PEREIRA, Diana Rafaela Martins, Imagens de Vestir em Aveiro: A Escultura Mariana do Século XVII
à Contemporaneidade, Dissertação de Mestrado, orientada por Doutor Nuno Resende, apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2014.
441
894
QUITES, Maria Regina Emery, Imagem de vestir..., op. cit., p. 253.
895
PEREIRA, Rafaela Martins, Imagens de vestir..., op. cit., p. 101-102.
442
vestir também se diferenciavam pelo uso ou não de cabelos naturais, de olhos de vidro,
de dentes de marfim e de língua esculpida separadamente.
Resumindo, as imagens de vulto pleno são aquelas que possuem talha inteira,
isto é, são totalmente entalhadas e policromadas, não possuindo articulações, foram
feitas para permanecerem em uma única posição, sem variações e sem movimentos.
Mas, podem receber alguma complementação de indumentárias de tecidos naturais, tais
como os Meninos Jesus, isolados ou nos braços de santos e as Virgens com os seus
mantos de tecido natural, e assim por diante.
Nesse grupo, ainda podem existir imagens que possuam alto nível de elaboração
técnica e decorativa, com excelente policromia e encarnação, mas que recebem algum
tipo de articulação. As engrenagens das articulações devem ser escondidas por materiais
que simulem a pele humana, como um pedaço de couro macio policromado, material
que foi muito utilizado. O exemplo mais comum dessas imagens, no Brasil, são os
Crucificados, que se transformam em Senhor Morto, comumente utilizado nas
comemorações da Semana Santa. Apresentam o mecanismo de dobra nos ombros,
recoberto por um couro policromado, permitindo, desta maneira, que os braços abram e
fechem de acordo com a necessidade do ato litúrgico. Outro exemplo deste grupo é o
santo guerreiro São Jorge, que saía montado em um cavalo de verdade na procissão de
Corpus Christi896. Para isso, possuía, nas pernas, um mecanismo de encaixe, que ficava
escondido pela própria armadura do santo.
As imagens ‘de vestir’ necessitam utilizar roupas, pois não possuem corpos
perfeitos. Eles são estilizados ou feitos a partir de ripas de madeira. Essas esculturas
possuem rosto, mãos e pés de talha e policromia de excelente qualidade, imitando o
real, entretanto o corpo deve ser escondido por vestes naturais. Esse grupo foi
subdividido pela Dra. Emery Quites nos quatro tipos analisados acima.
Dentro do possível, os Cristos dos terceiros carmelitas serão enquadrados nas
duas divisões e, quando as características permitirem, nas subdivisões também.
Portanto, para o estudo dos Cristos carmelitas, utilizar-se-á a classificação de forma
muito simples, dividindo-os nos dois grupos principais: os de ‘vulto pleno’ e os ‘de
vestir’. E, analisando suas particularidades, os ‘de vestir’ serão classificados (ou
organizados ou agrupados ou ordenados) segundo as diferentes tipologias definidas para
essas imagens.
896
QUITES, Maria Regina Emery, Imagem de vestir..., op. cit., p. 245.
443
No grupo dos sete Cristos das igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, temos um
conjunto tecnicamente homogêneo de cerca de 100 esculturas, todas em madeira com
aplicação de policromia. Acompanham as técnicas laborais descritas até o momento,
com particularidades definidas pelos tipos iconográficos: quatro são de vulto pleno e
três de vestir.
Fig. 115 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Belém, do Pará.
Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado).
Os tipos físicos e iconográficos dos Cristos dos Passos da Paixão dos terceiros
carmelitas tiveram como modelo, os importados da metrópole. Apesar de este programa
ter sido mais usual no Brasil do que nas Igrejas portuguesas, conseguimos localizar, em
Portugal, algumas igrejas que ainda os conservam, assim como outras que mantêm
resquícios de possíveis conjuntos.
O único conjunto português que tem os passos da Paixão nos altares laterais e
altar-mor, como no Brasil, é o da igreja dos Terceiros do Porto. Na igreja da cidade de
Beja também possui alguns passos nos altares, porém, os Cristos são de épocas distintas
e falta o passo do Ecce Homo. As igrejas de Lisboa, Faro, Faial e Tavira ainda possuem
os conjuntos completos, mas estes ficam acondicionados em espaços diversos, e,
portanto, a principal função era exclusivamente o uso processional. Nas igrejas de
Moura, Évora e Viseu, existem exemplares do Cristo de vulto pleno, sendo que a última
só dispõe do Ecce Homo.
Tivemos acesso à tecnologia de fabricação desses Cristos através dos Inventários
coordenados por Francisco Lameira897, no que diz respeito à igreja de Faro. Por meio do
trabalho monográfico de Ágata Biga898, com relação à igreja de Horta, na ilha do Faial.
E, finalmente, por intermédio das diversas publicações sobre o escultor José de
Almeida899, relacionadas às igrejas de Lisboa.
A tabela abaixo exibe o resumo da tipologia dos Cristos referente às técnicas
utilizadas na elaboração das peças portuguesas. Observe-se que foram incluídos os
remanescentes dos conjuntos das igrejas de Moura, Évora e Viseu: Flagelo, Coroação e
Ecce Homo.
897
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve…Volume XII – Concelho de Faro. 1ª parte.
898
BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo... op. cit..
899
VALE, Teresa Leonor M., Um português em Roma …. op. cit. E mais recente, Um Português em Roma,
Um Italiano em Lisboa. Novos contributos sobre as obras dos escultores José de Almeida e João António
Bellini. Disponível https://www.academia.edu/9779360/Ainda_Um_Portugu%C3%AAs_em_Roma_Um_
Italiano_Lisboa. E a tese de mestrado da pesquisadora PEREIRA, Célia Nunes Santos, A arte na Igreja
do Convento de Santa Maria do Carmo … op. cit..
445
Examinando a tabela, pode-se afirmar que as sete esculturas de Cristo dos Passos
da Paixão das Ordens Terceiras do Carmo portuguesas dividem-se nas tipologias até
agora consideradas. De vulto pleno são os tipos iconográficos do Flagelo, Coroação,
Ecce Homo e Crucificado. Imagens ‘de vestir’ são os tipos iconográficos do Horto,
Preso e Senhor dos Passos. Neste último grupo, há duas variedades: imagens
‘anatomizadas’, os conjuntos de Faro e de Lisboa, e imagem de ‘roca’, o grupo Faial.
Os conjuntos do Porto e de Tavira, não se ajustaram a nenhuma tipologia específica,
enquadrando-se, portanto, no grupo geral de imagens ‘de vestir’.
Fig. 116 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Faro, Portugal.
Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado). (Fonte: fotos preto e branco, LAMEIRA,
Francisco, Inventário artístico do Algarve…Volume XII – Concelho de Faro, itens 4.81, 4.82 e
4.86).
Fig. 117 – Conjunto de esculturas da Paixão de Cristo, da Igreja do Carmo, de Itu, São Paulo,
Brasil. Observar os Cristos de vestir (Horto, Prisão e Passos) e os Cristo de vulto pleno (Flagelo,
Coroação de espinhos, Ecce Homo e Crucificado). (Fonte: Arquivo Central do IPHAN, Rio de
Janeiro, década de 30 do século passado)
900
Para maiores detalhes, ver o trabalho monográfico sobre os Cristos de Ouro Preto, em que a autora
discute a possibilidade, para a época, da manufatura das máscaras na própria cidade, ou na capital, Rio de
Janeiro. BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
901
Fizemos uma pesquisa individual com o nosso orientador Vítor Serrão e com o Carlos Moura.
Nenhum deles nunca ouviu falar do uso de máscaras de chumbo na confecção de esculturas policromadas
em Portugal.
902
Para maiores esclarecimentos, ver: JUSTINIANO, Fátima e AUDAY, Maria Assuncion,
‘Considerações sobre a restauração e conservação de esculturas equatorianas do período colonial’,
publicado em Anais do VII Seminário : Panorama atual da conservação na América Latina, Petropolis,
Abracor, 1994, p. 93-96. Bernardo de Legarda foi um importante escultor quitenho, mestiço, fez muitos
tipos iconográficos, sendo o principal a Imaculada Conceição (1734), da Igreja de São Francisco de
Quito, protótipo do que passou a ser conhecido como Virgem de Quito, muito copiada a partir daí. Teve
diversos discípulos, entre eles, Jacinto Lopez e Manuel Chili, conhecido como Caspicara (face de
madeira). O que mais chamava atenção nas suas esculturas era a policromia, excepcional, tanto nos
brocados quanto nas carnações. Os rostos, feitos a partir de máscaras de chumbo, recebiam uma
cuidadosa policromia, que ganhava contornos maravilhosos.
450
abastecimento da exportação. [...] foi uma produção seriada de forma que encurtasse o
tempo de produção e que resultasse em uma maior quantidade de obras”903. Para o
historiador citado acima, Kennedy-Troya, faziam-se santos e Virgens, mas nunca
Cristos utilizando as máscaras.
No Brasil, não são comuns esculturas com máscaras de chumbo, mas, existem
exemplos do uso de metal em partes da escultura, na maioria das vezes, o chumbo. Um
bom exemplo, citado no trabalho da pesquisadora Lia Brusadin, é o busto relicário de
Santa Luzia, do Museu de Arte Sacra de Salvador, de autoria do monge beneditino Frei
Agostinho da Piedade, do século XVII, proveniente da antiga Igreja do Colégio de Jesus
de Salvador, feito em metal e policromado. Comprovamos a existência, em Portugal, de
uma tradição de pintura sobre metal. Muitas são as pinturas de pequeno formato sobre
suporte metálico. A pintora Josefa de Ayala fez, em Óbidos, vários estudos de pequeno
formato sobre esse suporte, sempre na técnica a óleo904.
Entretanto, é mais usual utilizar o metal substituindo partes de esculturas, com o
intuito de protegê-las, como, por exemplo, a mão direita de São Jorge do Museu de
Mariana, a qual suporta o peso de uma espada de metal, que, durante a procissão de
Corpus Christi, ia levantada ao ar. Procedimento semelhante foi realizado na bota de
metal do Cristo de Lucca, na Itália, e também no pé de São Pedro, da escultura em
pedra, muito venerada no Vaticano. Nestes dois últimos casos, o intuito foi protegê-los
do toque dos fiéis, que causa o desgaste da pedra, no segundo caso, e da madeira, no
primeiro.
Nas peças de Ouro Preto, o uso da máscara de chumbo teve a intenção de
facilitar e apressar o trabalho. Entretanto, surge uma questão: seria possível fazer esse
tipo de trabalho na Ouro Preto da segunda metade do século XVIII ou na da primeira do
XIX? Os altares confeccionados foram feitos para abrigar os Cristos, fato comprovado
pelos atributos nas tarjas superiores, no entanto, só ficaram prontos em data avançada
do século XIX. Constata-se, numa simples observação, que as peças não se ajustam
perfeitamente aos seus camarins, são pequenas, necessitando de suportes extras na base.
Isso pode significar o desconhecimento, por parte do artífice que esculpiu as esculturas,
das medidas exatas dos nichos, realizando-os a partir de dimensões aproximadas, ou de
dimensões que se subordinavam ao tamanho das máscaras, pois era necessário manter
903
KENNEDY-TROYA, apud, BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit. p.
177.
904
Catálogo da exposição, Josefa de Óbidos e a invenção do barroco português..., op. cit.
451
uma relação harmoniosa de cânone, para não tornar as peças desproporcionais. Ou ainda
que as peças sejam anteriores aos altares, porém, neste caso, as medidas dos altares
poderiam ter se adequado melhor aos Cristos.
Resta, então, a possibilidade de as máscaras terem sido importadas da região
além Andes. Confirma-se esta hipótese pelo fato de as esculturas apresentarem a parte
estrutural do corpo feita em madeira local, provavelmente com a intervenção de mais de
um artífice, pelo menos dois, uma vez que existem diferenças na fatura das orelhas,
como registra Lia Brusadin905. Todavia esta hipótese nos parece mais lógica: as
máscaras foram importadas da região de Quito, no Equador, especificamente para a
Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto e um especialista em madeira confeccionou os
corpos nas proporções mais adequadas às máscaras, sem qualquer preocupação com as
dimensões do camarim do altar. Que poderia ser o mesmo que confecionou o anjo do
Passo do Cristo no Horto, excelente escultura com rosto arredondada, cabelos
entalhados e que apresenta certa similidade com os querubins dos altares entalhados por
Justino Ferreira de Andrade.
905
Para maiores informações, ver BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
452
Foi ainda comum nas imagens ‘de vestir’ do tipo roca, o uso de um tecido (linho
ou algodão) cobrindo as ripas ou a fatura simplificada dos corpos, com a intenção de
esconder as formas rígidas das ripas de madeira, e, ao mesmo tempo, incutir um ar de
decência, necessário às imagens, conforme determinou o Concílio de Trento. Era dever
dos proprietários manter as esculturas bem cuidadas, com decoro e zelo. Assim, até os
Cristos anatomizados, possuíam perizônios entalhados toscamente na madeira, para
nunca parecerem que estavam nus, como é o caso da totalidade destas tipologias.
Nas imagens ‘de vestir’, havia sempre articulação nos ombros e nos cotovelos,
para possibilitar a mudança de posicionamento, facilitar na hora de vestir e trocar as
indumentárias e, ainda, permitir a variação iconográfica. Alguns exemplares do Cristo
do Horto e do Senhor com a cruz às costas possuíam articulação nos joelhos, porém, o
453
mais comum era a substituição da perna por ripas de madeira, sendo os pés fixados nas
pontas, quando havia a necessidade dos mesmos906.
A maioria das peças de vulto pleno e anatomizadas era oca, o que favorecia o
seu uso nos andores processionais, tornando-as mais leves, sem grande sacrifício para
os condutores dos andores. Há também uma justificativa técnica para tal: proteger a
madeira dos danos causados pelas mudanças climáticas, tais como rachaduras e
empenas, como se expôs no início deste subitem.
Uma característica das imagens de vestir que chama a atenção num primeiro
momento é o uso de cabeleiras naturais, isto porque, é difícil encontrá-las em boas
condições de conservação. Em alguns Cristos, principalmente na tipologia do Senhor
dos Passos, imprimem à escultura um ar assustador. Na nossa série de Cristos, não
existe um padrão para o uso ou não de perucas. No entanto, a maioria das imagens ‘de
vestir’ utiliza perucas de cabelos naturais. Nos exemplos analisados, o uso de perucas
ocorria maioritariamente nos Passos do Horto, do Cristo Preso e do Cristo com Cruz às
costas, enquanto os cabelos entalhados apareciam nos passos do Flagelo, Coroação,
Ecce Homo e Crucificado. Existem, porém, exceções: nas igrejas de Cachoeira, de Mogi
das Cruzes, de Campos dos Goytacazes e do Rio de Janeiro todos usam perucas, salvo
os Crucificados. Já os das igrejas de Salvador e de Itu apresentam cabelos entalhados.
Uma observação se faz necessária. Os Cristos de Itu e do Rio de Janeiro foram
confeccionados pelo mesmo escultor, Pedro da Cunha. Apesar disso, tecnicamente não
formam conjuntos homogêneos. No conjunto do Rio de Janeiro, todos usam peruca e,
no de Itu, todos têm os cabelos entalhados. É possível que, nas imagens de Itu, os
cabelos entalhados resultem de uma intervenção posterior, pois apresentam um aspecto
grosseiro. Tal intervenção pode ter sido motivada pela necessidade de facilitar o
cuidado com as imagens. As perucas são sempre um item que precisa de mais atenção.
Por serem cabelos naturais, necessitam de lavagens e escovação com certa frequência,
além de ser um item caro, que requer sucessivas trocas ao longo dos anos, assim como
as vestes, assunto do próximo subitem.
Os Crucificados eram um caso à parte, apresentavam talha completa, entalhes e
acabamentos de excelente qualidade. Também podiam utilizar cabelos naturais, um
subterfúgio usado para impressionar o fiel, tornando o momento mais dramático. Neles,
906
Ver, na tese de doutoramento da Dra. Maria Regina Emery Quites, o capítulo especifico sobre os
diferentes tipos de articulações: macho e fêmea, esfera bipartida, dobradiça, etc... QUITES, Maria Regina
Emery, Imagem de vestir..., op. cit..
454
a quantidade de blocos foi quase sempre constante: um bloco central, para a parte
principal do corpo, outros dois, para os braços abertos e um quarto, quando necessário,
para a ponta esvoaçante do perizônio. Este último, na cor branca, mas com a
possibilidade de receber douramento, vinha fixado à cintura do Cristo sobre si mesmo
ou com a ajuda de uma corda dupla.
A última particularidade que nos pareceu interessante destacar, é, entretanto,
óbvia. Trata-se da conservação das sete esculturas dos Passos da Paixão. As de talha
completa sobreviveram, com menos danos e em melhores condições, à ação do tempo
do que as três de vestir, como se pode testemunhar nos exemplares das igrejas
portuguesas de Évora, Viseu e Moura, onde possivelmente existiu todo o conjunto, pois
há referências ao seu uso na Procissão do Triunfo. No Brasil, na Igreja de São
Cristóvão, subsistem dois exemplares, que podem ter pertencido a um conjunto dos
Passos da Paixão: Cristo da Flagelação e da Coroação de espinhos, de vulto pleno,
peças interessantíssimas, de características regionais. No entanto, são de grandes
dimensões e não se ajustam aos altares laterais da igreja da Ordem Terceira, sendo,
portanto, provenientes de outro local, interior ou exterior à Ordem.
As imagens ‘de vestir’, por suas características técnicas, degradam-se com mais
facilidade devido ao uso ao longo do tempo, opinião compartilhada por Francisco
Lameira, responsável pelos Inventários da região do Algarve, que avalia o conjunto de
imagens processionais da cidade de Faro e compara os conjuntos de São Francisco com
os do Carmo. “Enquanto o primeiro é constituído por imagens em roca, encontrando-se
em más condições de conservação, motivadas também pela perenidade dos materiais, o
espólio carmelita é constituído por imagens de vulto perfeito, em bom estado,
guardadas em nichos individualizados na sacristia da Igreja”907.
As técnicas, apesar de constituírem um conhecimento adquirido, refletiam a
engenhosidade dos artífices, cuja finalidade foi criar empatia com o fiel, para a
realização do teatro sacro barroco. Com as vestes em tecido, acompanhadas de
cabeleiras e olhos de vidro, obtinha-se um naturalismo, que podia vir carregado de dor
ou, simplesmente, de resignação, qualidades devidas à cultura barroca. O bom artífice
poderia emular o modelo, segundo a encomenda e a iconografia, variando na sua
criação. Contudo, o mais importante era que as esculturas devocionais se apresentassem
dignamente executadas diante do fiel, conforme mandavam a decência e o decoro.
907
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… vol. XII, op. cit., p. 15-16.
455
outro, uma maior teatralidade quando são colocadas nos andores. Alguns adereços são
posteriores, nomeadamente as vestes que cobrem por completo algumas imagens e não
permitem ver a carnação dos corpos e as diversas chagas, nem o estofado da
vestimenta da cintura910.
Quanto à técnica, de acordo com o subitem anterior, as imagens dos Passos das
ordens terceiras tanto de Portugal quanto do Brasil podem ser divididas em dois grupos:
quatro imagens de vulto pleno (talha completa) e três imagens de vestir. As de talha
completa possuem o acabamento do entalhe e da policromia perfeitos e nenhuma
articulação, enquanto as de vestir (Horto, Preso e Cruz às costas) apresentam, na
estrutura corporal, diferenças de acabamento do entalhe e da policromia. As áreas que
devem ser recobertas com indumentárias de tecido natural apresentam entalhe e
policromia simplificado e, em alguns casos, são compostas por simples estrados de
madeira, na terminologia conhecida como imagens de roca.
Tal simplicidade também aparece no modelo tipológico dos dois grupos. Nas
obras de vulto pleno, os rostos são sempre mais elaborados do que nas de vestir. É
nítida, a existência de dois padrões fisionômicos distintos. Nas esculturas de talha
completa, o rosto possui maior definição dos traços fisionômicos, maior expressividade
e os cabelos, maioritariamente entalhados em cabeleiras volumosas, caem em cachos
pelos ombros e costas. Enquanto isso, nas imagens de vestir, os traços fisionômicos são
suavizados, menos expressivos e, em vez de cabelos entalhados, quase sempre são
utilizadas as cabeleiras postiças. Os traços condizem com o momento representado:
menos sofrimento, menos expressividade ou mais sofrimento e ação, mais drama.
Essas características estão presentes nas esculturas de Manuel Martins. Apesar
do excelente trabalho de entalhe, tanto nas imagens de talha completa como nas de
vestir, é visível a simplificação dos traços fisionômicos, e, como de praxe, da definição
anatômica dos corpos. O conjunto tem cabelos entalhados em todos os Cristos, porém,
nos Cristos de vestir, eles acompanham o rosto do Cristo em cachos retilíneos,
enquanto, nos Cristos de talha completa, os cabelos ladeiam a face e caem sobre os
ombros e costas em grandes cachos grossos e movimentados.
910
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… op. cit., Vol. XII, op. cit. , p. 224-226.
‘Esculpidas em 1731 por Manuel Martins e estofadas e encarnadas pelo pintor Clemente Velho de Sarre,
no mesmo ano (ver apêndice documental, anexo 10), são o melhor testemunho da mestria técnica e
artística dos profissionais algarvios’.
457
911
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve… op. cit., p. 224-226.
458
912
Arquivo da Venerável Ordem Terceira do Carmo – Despeza 1758-1763, caixa 33/ documento não
numerado. Contrato ao qual vem anexados dez recibos de pagamento datados de 09 de março, 08 de
maio, 25 de junho, 5 de setembro, 19 de outubro, 19 de novembro de 1759 e ainda de 08 e 25 de janeiro,
12 fevereiro e 22 de março de 1760 – assinalando este último a altura em que deve ser concluída a
elaboração das esculturas na sua totalidade. Pesquisa efetuada para a dissertação de Mestrado de
PEREIRA, Célia Nunes Santos, A arte na Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo … op. cit. Ver
também: VALE, Teresa Leonor M., Um português em Roma, … op. cit.
459
Fig. 121– Rostos do Senhor Preso e Ecce Homo, detalhe das mãos do Ecce Homo, José de
Almeida, 1758, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Lisboa.
913
GUIMARÃES, J. Ribeiro, Summario de Varia Historia. Narrativas, lendas, biographias, descripções
de templos e monumentos, estatísticas, costumes civis, políticos e religiosos de outras eras, Volume II,
Lisboa, Rolland & Semiond, 1872, p. 181-190.
914
Idem, ibidem, p. 181-190.
460
O Senhor atado à coluna chegou a ser admirado por Ribeiro de Guimarães pela
perícia do artista, que se expressa na excelente fatura das mãos. Apesar de se
encontrarem sobrepostas, o modelado da mão de baixo mantém-se no mesmo nível
técnico da de cima. Porém, nem tudo é perfeição para o cronista, que acha não ter sido o
escultor feliz nas cabeças das suas imagens, pois elas são inexpressivas: parece que não
são obras de quem com tanta arte esculpiu os corpos, mas de outro artista. Uma
exceção é a imagem do Senhor Crucificado, que infunde respeito pela naturalidade, e
nesta há alguma expressão. A posição da cabeça é muito artística, e toda a imagem
ostenta as mesmas formas elegantes e o mesmo desenho correto915.
As imagens do Cristo do Horto e da Prisão, identificadas como de roca, segundo
o autor, permitiam que se admirasse o talento do artista que as fez. Ribeiro de
Guimarães faz menção ainda ao esmerado trabalho escultórico do cíngulo, que, nas
pregas, imita o estilo de alguns escultores da época916.
Da igreja dos Terceiros de Lisboa, passemos ao conjunto da Ilha do Faial, na
cidade de Horta, grupo estudado pela pesquisadora Ágata Biga917, para a sua dissertação
de Mestrado. A instituição da Ordem terceira, neste convento, deu-se em 1678, porém,
somente na primeira metade do século XVIII, foi construída uma capela particular, a
partir do espaço de uma antiga sacristia. Com a extinção das ordens religiosas em 1834
e consequente dissolução da Ordem Primeira do Carmo no Faial, a propriedade da
Igreja foi entregue à Ordem Terceira Carmelita (constituída pelos membros leigos) por
portaria de 7 de junho de 1836, obtida por António de Ávila, futuro duque de Ávila,
situação que se manteve até à actualidade.918
Segundo Balbino Velasco Bayón, com base em informações obtidas do Pe. Julio
Rosa, as imagens da Paixão de Cristo ficavam [...] na capela dos Terceiros contígua à
igreja, com rico e elevado retábulo, com oito nichos laterais para as imagens do
Triunfo da Paixão de Cristo e o nicho central para um grande crucifixo e sobre o altar
a imagem do Senhor Morto, esculturas de rara beleza, do escultor régio de D. João V
[sic]919. Neste caso, os Cristos apresentam traços fisionômicos similares em todos os
momentos, desde o Horto até o Senhor dos Passos, a diferença estará na policromia,
carregada de feridas das cenas pós-flagelo e coroação de espinhos, e nos cabelos
915
Idem, ibidem, p. 181-190.
916
Idem, ibidem, p. 181-190.
917
BIGA, Ágata, A Igreja do Carmo... op. cit..
918
Idem, ibidem, p. 33-35.
919
Informação dada pelo Padre Júlio da Rosa, citado por BAYÓN, Balbino Velasco. História da Ordem
do Carmo… op. cit, 2001, p. 358.
461
entalhados das obras de talha plena. Abundantes cabelos longos esculpidos em cachos,
que emolduram o rosto, deixando ver o lóbulo da orelha e caindo nas costas.
920
CARVALHO, Rosário, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, publicado na sitio do DGPC. Disponível
em:http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/
classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/155835/
462
manutenção das colunas torsas. As esculturas dos Cristos estão em perfeita sincronia
com os espaços dos nichos, integradas, o que nos leva a crer que foram executadas
intencionalmente para esses locais. Existe ainda a escultura do Senhor Morto, sob o
altar do Senhor dos Passos921.
Uma notícia apurada sobre as obras escultóricas desta igreja dá conta da origem
de um Cristo Crucificado, que já esteve no altar-mor e que hoje se acha deslocado para
uma das laterais, abaixo do coro: o Senhor Jesus do Bom Despacho. Foi encomendado
em 1755, chegando de Roma, para a irmandade, instituída em 1761922. Ainda é possível
saber que esta escultura foi reencarnada em 1791, pelo pintor Domingos Francisco
Vieira, o mesmo que dourou o altar-mor923. Quanto aos Cristos presentes nos altares, as
notícias documentais os datariam de 1771, ou de data ligeiramente anterior924.
Estilisticamente formam um conjunto harmonioso, de gosto neoclássico: Cristos
alongados e com pouca definição muscular e óssea, e, pouca emotividade. Obteve-se o
destaque dos rostos através do uso de olhos de vidro coloridos, em verde esmeralda.
Iconograficamente retoma o gosto pela coluna alta, na cena da Flagelação.
921
QUARESMA, Maria Clementina de Carvalho, Inventário Artístico de Portugal… op. cit., p. 185-190.
922
Informação do Livro Primeiro de Eleições das Mesas, fl. 42 v., que diz o seguinte: “foi o que com
tanta devoção mandou vir de Roma à sua custa a mesma Imagem, e depois a enriquecera com o
resplendor de prata, e que ser juiz para ajudar ao gasto da sua veneração por toda a vida” sendo então o
Sr. Gautier eleito juiz perpetuo da confraria do Senhor Jesus do bom Despacho. Publicada em FREITAS,
Eugenio de Andrea da Cunha e, Memória histórica da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo da
cidade do Porto, Porto, 1956, p. 63.
923
Idem, ibidem, p. 64.
924
Segundo Eugenio de Andrea da Cunha e Freitas os altares laterais e as respectivas imagens são de
1771, discriminadas no Livro 2º de Despesas de obras: “Entrando a porta principal, o primeiro altar, na
nave, do lado da Epístola, é o do Senhor Preso à coluna, que data de 1771, e custou 740$700 rs.,
importando a imagem em 108$000. […] O segundo altar é o do Senhor Preso, que data também de 1771,
[…]” e assim por diante. O mesmo autor nos informa que as imagens foram encarnadas de novo em
1825-26 e retocadas em 1826-27, pelo mestre pintor Gaudêncio Lousada [Livro de Despesa de 1789-
1829]. Porém, páginas a frente o mesmo autor afirma que “embora os altares laterais datem de 1771, as
imagens devem ser um pouco mais antigas: Por acórdão de 13 de julho de 1766, a Mesa aceitou uma
imagem de N. Sra. da Soledade, que pretendia oferecer o Irmão Joaquim Ferreira de Veras, e consentiu
que viesse em procissão da igreja de Monchique, no mesmo dia que as do Senhor Ecce Homo e do
Senhor do Horto”. Mais adiante: “Daqui se conclui que, pelo menos as imagens do Senhor no Horto e do
Senhor Ecce Homo são de 1766, ou de pouco antes, porque então vieram para a Capela em solene
procissão saída de Monchique, em 27 de julho”. Idem, ibidem, p. 65-69.
Por análise comparativa as esculturas apresentam a mesma forma e estilo, portanto, formam um conjunto
harmonioso, que diríamos ser da segunda metade do século XVIII, já de linguagem neoclássica.
463
Fig. 123 – Rostos do Cristo da Prisão e da Flagelação, segunda metade do século XVIII (?),
Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Porto, Portugal.
925
LAMEIRA, Francisco, Inventário artístico do Algarve…op. cit., Concelho de Tavira, itens 6.37, 6.38,
6.40 e 6.44.
926
Idem, ibidem, p. 27-28.
464
Lisboa e o entalhe de Patrício Malatesta, de Roma. Dos seis altares laterais, dois são
contemporâneos ao altar-mor, dos outros, não temos notícias. Os dois do arco cruzeiro
datam já do século XIX e são obra do entalhador sevilhano, Manuel Romero, que os fez
entre 1817 e 1821. Porém, a policromia, em marmoreados só foi aplicada algumas
décadas depois, mais precisamente em 1849, pelo Irmão António José Guimarães927.
As informações coletadas sobre a Procissão do Triunfo dizem que ela era de
responsabilidade dos frades conventuais, que a realizavam ainda no século XVIII. Os
andores saíam aos sábados do convento do Carmo para a igreja dos franciscanos, onde
pernoitavam, para retornarem, no Domingo de Ramos, à igreja dos carmelitas. Somente
em 1834, quando da extinção das ordens religiosas, as obras passaram aos cuidados dos
irmãos terceiros. Elas ficavam guardadas nas residências dos responsáveis pelos
andores, o que ainda ocorre. Constatamos que a escultura do Senhor da Pedra Fria
permanece na casa do responsável pelo andor na Procissão. Trata-se de um caso ímpar,
em que tanto a origem quanto os passos são específicos da região de Tavira. O Senhor
Preso é identificado como Senhor da Paciência, e o Senhor da Pedra Fria tem o braço
esquerdo a apoiar o queixo (normalmente identificado, esse sim, como o Senhor da
Paciência).
Quanto às esculturas, três dos Cristos: Flagelo, Morto e Crucificado pertencem
ao mesmo vocabulário formal. São figuras alongadas e esbeltas, com perizônios
amarados em torno de si mesmo, formando duas grandes ondas, que se entrelaçam ao
centro, na frente. Já o Senhor da Pedra Fria e o Ecce Homo se assemelham às obras de
Manuel Martins, da Igreja dos Terceiros de Faro. Observando os detalhes das feições
fisionômicas, assim como o desenho e a definição dos cabelos (principalmente nas
costas), dos narizes, orelhas, estes parecem revelar um gosto mais exacerbado (um tanto
rústico). O Ecce Homo é mais robusto, pernas fortes e tratamento do tórax bem
marcado, não apresentando o alongamento do Cristo flagelado. Portanto, é pertinente
supor que o Ecce Homo seja uma peça mais antiga, da primeira metade do século
XVIII, enquanto o restante do conjunto é da segunda, já de gosto rococó, quase
neoclássico.
927
SANTOS, Marco Sousa, ‘A actividade do entalhador sevilhano Manuel Romero em Tavira,
(Algarve)’, publicado em Laboratorio de arte, 25 (2013), p. 675-687.
465
Fig. 124 – Senhor da Flagelação e Ecce Homo, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Tavira e Ecce
Homo, de Manuel Martins, da Igreja dos Terceiros de Faro. (Fonte: LAMEIRA, Francisco, Inventário …
Tavira, itens 6.38 e 6.44 e LAMEIRA, Francisco, Inventário … Faro, item 4.83.)
928
SALVÉ-RAINHA, Rui Simão Pereira, Ordem terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, Tavira,
Tavira, Tipografia Tavirense, 2015, p. 110-111.
929
Idem, ibdem, p. 108. Não encontramos estas imagens no Inventário do historiador Francisco Lameira,
nem o Senhor no Horto e nem o Senhor Preso.
467
Já as três esculturas de Évora são peças de gosto clássico, que apresentam certa
frontalidade, ligeiro movimento corporal e atitudes estáticas. O perizônio envolve o
quadril de Cristo como um saiote fixado na lateral esquerda, deixando uma sobra cair
em ponta tímida. Podem pertencer talvez, para Portugal, à segunda metade do século
XVIII ou já ao XIX. As duas de talha completa parecem ser de uma mesma origem, o
que não se pode afirmar do Senhor da Pedra Fria, que parece uma adaptação de um
Senhor dos Passos a um novo tema iconográfico, não possuindo a mesma qualidade dos
demais.
930
Manoel Raimundo Querino (1851-1923), artista, jornalista e professor escreveu, entre outras obras,
Artistas bahianos (1911) e As artes na Bahia (1913). Para mais informação sobre a historiografia baiana,
ver: FLEXOR, Maria Helena Ochi, Escultura barroca brasileira: questões de autorias, disponível em:
https://www.upo.es/depa/webdhuma/areas/arte/3cb/documentos/39f.pdf e, em particular sobre o escultor
Manuel Inácio da Costa, ver o estudo do belga RÉSIMONT, Jacques, ‘Manoel Inácio da Costa … op. cit.,
p. 102-103.
469
931
OTT, Carlos, História das artes plásticas na Bahia (1550-1900), Salvador, Alfa, 1992. Para
aprofundamento sobre o assunto: FREIRE, Luís Alberto Ribeiro, A talha neoclássica na Bahia, Salvador,
Obedrecht, 2000.
470
igreja de mesmo nome). Em ambos os casos, estas características são traduzidas pela
ótica nativa do escultor, que confere às imagens um inconfundível aspecto brasileiro e
baiano932. E chegou, finalmente, ao neoclassicismo, no conjunto dos Passos da Ordem
Terceira do Carmo. Neste exemplo, o modelado é lânguido, as expressões fisionômicas
são suaves e os panejamentos escorrem, seguros apenas pela corda dupla.
932
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa …, op. cit. p. 64.
933
RÉSIMONT, Jacques, ‘Manoel Inácio da Costa e Franciso das Chabas, … op. cit., p. 102-103.
934
Ver RESIMONT, Jacques, ‘Manoel Inácio da Costa… op. cit. Opinião também partilhada pela por
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, ver OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de, ‘A imagem religiosa
…, op. cit..
471
935
Idem, ibidem, p. 67.
936
Idem, ibidem, p. 67.
937
RESIMONT, Jacques, ‘Os escultores baianos … op. cit.
472
Na primeira cidade, o seu nome aparece pela primeira vez em 1768, na documentação
da Santa Casa da Misericórdia, e, depois em diversas igrejas, entre elas, a da Ordem
Terceira do Carmo, como autor de seis Cristos para os altares laterais da nave, assim
como para fazer uma réplica da Santa Teresa, atualmente no nicho dos entrecolúnios do
altar-mor da igreja938. Fugindo do vocabulário formal das peças desta igreja, está o
Cristo Crucificado do altar-mor, executado por seu conterrâneo, Simão da Cunha. O
nome do escultor Simão da Cunha (?-1774) originário de Braga, com atividade
registrada no ano de 1717, foi revelado na documentação do Mosteiro de São Bento,
para o qual executou os dois Anjos Tocheiros que se encontram na entrada da capela-
mor e as Santas Beneditinas das capelas falsas da entrada da nave. Essas obras foram
realizadas em parceria com o artista carioca José da Conceição939. Também de sua
autoria, é o Cristo Crucificado, que figura no altar-mor da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo, do Rio de Janeiro, datado de 1763940. É dramático e realista, o tórax tem
vigoroso tratamento anatômico e o panejamento do perizônio flui com naturalidade,
caindo esvoaçante em ponta na lateral direita e criando certa sensualidade ao mostrar a
938
Assunto pesquisado por FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários do Rio de Janeiro
setecentista: Simão da Cunha e Pedro da Cunha’, publicado em Gávea. Revista de História da Arte e
Arquitetura, nº 7, Rio de Janeiro, PUC, 1989. Buscando a fonte destas informações, chegou-se a um
artigo da conservadora do Museu Histórico do Rio de Janeiro, Teresinha Sarmento, que se baseou nas
publicações na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do historiador Vieira Fazenda.
Em 1762 recebeu da Santa Casa 19$200 para fatura de uma cruz para a igreja; em 1768 recebeu da
Ordem Terceira de São Francisco da Penitência 2$880 pelo conserto de caixilhos, das sacras e
evangelhos, 3$870 por feitio de Nossa Senhora da Soledade, $960 por um caixilho novo, 4$200 pelo
trabalho das mãos; em 1780 recebeu da Ordem do Carmo 105$600 pela fatura da imagem de Santa
Tereza igual a do altar-mór para mandar para o Rio Grande para a Ordem do Carmo de lá (?), entre
1779-80 recebeu 54$280 por obra no andor dos passos e para pintar e dourar de novo e por outro ainda,
em 1781 recebeu da mesma instituição 30$000 por três imagens novas e despesas com o passo do Senhor
Morto, em 1782 recebeu da mesma instituição 14$400 pela reforma da imagem de Nossa Senhora da
Razoura. MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia, Entre artifício arte… op. cit., p. 169.
939
SILVA-NIGRA, O.S.B., dom Clemente da. Construtores e Artífices … op. cit., p. 149-151.
José da Conceição faleceu no Mosteiro de São Bento em 1755. Segundo o dietário do Mosteiro de São
Bento todas as imagens que vemos no corpo da igreja são de autoria de José da Conceição e Simão da
Cunha indistintamente. Em 1737 receberam do mosteiro os dois artistas, 372$800 pela talha de das
capelas, o grande para-vento, a talha que faltava em baixo do coro e dois anjos grandes para a entrada
da capela-mor; entre 1737-1739 é contratado para executar cinco imagens de Nossa Senhor Patriarca
de altura proporcionada para todas as fazendas. MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia,
Entre artifício arte… op. cit., p. 167.
940
Simão da Cunha casou-se no Rio de Janeiro (Candelária, Livro, v. fl. 225) em 1750 com Mariana
Joaquina. Registrou três filhos (Candelária, Livro VI, fls. 335, 350 e 371, 1751, 1753 e 1754. […] em
1763 recebeu 54$000 da Ordem do Carmo pelo que se pagou a Simão da Cunha a conta da imagem do
Sr. Bom Jesus do Calvo. Que a meza mandou fazer. Recebe a denominação de Mestre entalhador nos
livros de despesa da ordem; recebeu da mesma instituição 50$000 pelo resto do feitio da imagem do Sr.
do Calvário; em 1768 recebeu 8$000 da Ordem Terceira da Penitência pelo feitio do Menino Jesus para
servir nas noites de Natal e 1$120 pelo diadema de Nossa Senhora da Soledade; a imagem do Ecce
Homo da Ordem Terceira da Penitência foi atribuída ao artista por D. Clemente da Silva Nigra.
MARTINS, Judith, publicado em BONNET, Marcia, Entre artifício arte… op. cit., p. 169-170.
473
perna direita desnuda. É uma obra que denota o cuidadoso trabalho de talha na definição
dos traços fisionômicos e na configuração anatômica.
Fig. 132 – Cristo Crucificado, Simão da Cunha, 1763, altar-mor da Igreja dos Terceiros do
Carmo, Rio de Janeiro (Fonte: Acervo IPHAN, Rio de Janeiro)
941
FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários do Rio de Janeiro … op. cit.
942
ANDRADE, Mário de, ‘Padre Jesuíno do Monte... op. cit..
943
CÉSAR, Joaquim Leme de Oliveira, ‘Notas históricas de Itu’, publicado em Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, v. 25 (1925), 1928, p. 43-90.
474
944
Idem, ibidem, p. 53.
945
SAINT-HILAIRE, Auguste, Viagem à Província de São Paulo (1819-20), São Paulo, EDUSP,
Martins, 1972, p. 174.
946
DEBRET, Jean Batista, Viagem pitoresca e histórica… op. cit., p. 32-34.
475
Fig. 133 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Pedro da Cunha, das Igrejas da Ordem Terceira
do Carmo, do Rio de Janeiro e de Itu.
947
Observar, nas peças do Cristo da Flagelação e da Pedra Fria, a linha dos mamilos que se encontra
visivelmente mais alto do que o natural, coincidindo, aproximadamente com a da terceira costela.
476
Fig. 135 – Cristos da Flagelação, Pedro da Cunha, Igrejas da Ordem Terceira do Carmo, Rio de
Janeiro e Itu.
948
FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres imaginários … op. cit..
949
Acredita-se que, nas imagens de vestir, este entalhe foi uma complementação posterior, pela diferença
de qualidade em relação às peças de vulto pleno, como discursado no subitem sobre a leitura técnica das
obras.
477
950
BRUSADIN, Lia Sipaúba Proença, Os Cristos da Paixão … op. cit..
951
A última obra sobre o conjunto arquitetônico carmelita de Cachoeira foi coordenada pela historiadora
baiana, FLEXOR, Maria Helena Ochi; LACERDA, Ana Maria e SILVA, Maria Conceição Barbosa da
Costa (Org.), Conjunto do Carmo de Cachoeira, op. cit.,
478
doutoramento sobre a imaginária do estado de São Paulo, que será discutida mais à
frente952.
Acrescentaríamos que os três grupos possuem um ponto em comum: as faces
padronizadas, sem as diferenciação que vimos citando ao longo deste subitem, isto é, as
três de vestir apresentam características fisionômicas mais suaves das quatro de vulto
pleno. Isto é, independente do momento representado, os Cristos apresentam a
fisionomia entalhada com suavidade, sem distinção emocional. O grau de emotividade
será conseguido ou não pela mão do pintor, a partir da introdução das cores e
principalmente das feridas decorrentes dos castigos impostos ao Cristo.
Nos exemplos da Igreja de Ouro Preto em Minas Gerais, a peculiaridade é a
utilização de uma técnica não usual na escultura luso-brasileira: a confecção dos rostos
a partir de máscaras de chumbo, aplicadas à estrutura da cabeça. Após a aplicação das
máscaras, os rostos eram, então, recobertos pelas habituais camadas de policromia. Essa
técnica possibilitou que todas as esculturas tivessem os mesmos traços fisionômicos,
cabendo ao pintor a definição dos momentos de maior sofrimento. Esse grupo apresenta
também algumas particularidades iconográficas, tais como: é o único Senhor Preso que
exibe uma ferida na lateral esquerda do rosto, oriunda da violência imposta pelo soldado
do sacerdote quando em sua presença, como vimos no capítulo específico. E ainda, o
Senhor do Horto demonstra uma reação de surpresa ante a visão do anjo, com um
posicionamento único das mãos, no Ecce Homo, incorporou-se uma balaustrada à cena,
demonstrando ser esta a cena da apresentação do Cristo ao povo no Pretório e, por fim,
o Senhor dos Passos encontra-se de pé, e não ajoelhado, como de costume. Constituem,
portanto, quatro elementos encontrados somente neste conjunto de Passos, dentre todos
os do Brasil.
952
PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial em São Paulo, estudos
iconográficos, São Paulo, 2015, Tese de douramento apresentada na Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Artes, p. 447.
479
balaustrada no Ecce Homo e o Senhor dos Passos de pé (o único Senhor dos Passos de
pé encontrado no mundo português é o de Faro, escultura de Manuel Martins). Tais
elementos, em sua maioria, são apreciados em obras do mesmo período, relativas à
América espanhola953.
Quanto ao conjunto de Cachoeira, compõe-se, na realidade, de cinco peças com
as mesmas características técnicas e formais (Cristo no Horto, Cristo da Prisão, Cristo
da Flagelação, Cristo da Coroação de espinhos e Ecce Homo) e de outras duas distintas
(Senhor dos Passos e Cristo Crucificado). A Igreja possui dois exemplares do Senhor
dos Passos, um, de provável origem portuguesa, posicionado ao centro da sacristia, e
outro, que figura no altar colateral direito da igreja dos terceiros. O Crucificado está no
topo do altar-mor. É a peça de fatura mais antiga do conjunto, podendo ser do mesmo
período do altar-mor, segundo quartel do século XVIII.
A escultura do Cristo com a cruz às costas do altar colateral, segundo
Calderón954, foi posta nesse local tardiamente, pois antes figurava ali uma Santa Teresa.
No entanto, não existe nenhum atributo no retábulo a indicar o orago original, as tarjas
da mesa e do coroamento não apresentam nenhuma insígnia e o atual Senhor dos Passos
faz par com a sua Mãe dolorosa, do altar da esquerda. O Senhor dos Passos está bem
adequado ao espaço interno do nicho e protegido por um vidro. Portanto, ambos são
imagens de roca e se acomodam perfeitamente ao espaço físico do altar. Com certeza,
eram os santos que participavam da Procissão do Triunfo.
O Crucificado do altar-mor é uma belíssima escultura de Senhor morto, com a
cabeça pendente sobre o ombro direito e boa plástica anatômica do tórax, com músculos
e cavidade óssea destacada. O perizônio tem um movimento artificial, preso na lateral
direita do Cristo por um grande nó, deixando cair uma ponta esvoaçante. É visível o
descolamento dos dois braços abertos em Y, que necessitam de uma urgente intervenção
de restauro.
953
Ver, para o estudo da iconografia: SEBASTIAN, S., El Barroco Iberoamericano. Mensaje
iconográfico, Madrid, Ediciones Encuentro S.A., 1990 e SCHENONE, Héctor, Iconografía del arte
colonial: Jesus Cristo,… e, para o da escultura da América espanhola, KELEMEN, Paul, Barroco and
Rococo in Latin America, 2 vols., New York, Dover Publications, 1967.
954
CALDERÓN, Valentim, O convento e a Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, Salvador, UFBa,
1976.
481
Fig. 138 – Cristo Crucificado, altar-mor, Igreja dos Terceiros de Cachoeira, Bahia.
955
Essas obras foram restauradas em 2007 pelo Estúdio Argolo. No relatório da obra, nenhuma menção
foi feita à existência de máscaras.
956
O Evangelho de Mateus (Mt 26, 37-38) menciona que um anjo teria vindo ao encontro de Jesus para
confortá-lo em um momento de profunda angústia, o que o teria levado a transpirar gotas de sangue.
957
CALDERÓN, Valentim, O convento e a Ordem… op. cit.
958
BAZIN, Germain, A arquitetura religiosa… op. cit., p.
482
959
Desde a pintura da sacrisita do Colégio Jesuíta de Salvador atribuído ao padre jesuíta Charles de
Belleville, que passou pela China, citado por SERRÃO, Vítor, ‘A pitura proto-barroca em Portugal
(1640-1706) e o seu impacto no Brasil colonial’, publicado em Revista Barroco, 18, Ouro Preto, 2000, p.
269-291. E anteriormente por Clarival do Prado Valladares: “as imagens estão em Cachoeira como
poderiam estar em Macau. Os traços orientais das faces, mais do que testemunhos artísticos, são
testemunhos da unidade da fé. A decoração do móvel muito o aproxima dos pintores do forro da sacristia
da Catedral, em Salvador, executada por Charles Belville, artista de longa permanência e aprendizagem
no oriente, e também do afresco da capela do claustro do Convento de Santa Teresa”. Publicado em
Nordeste histórico e monumental, vol. IV, Salvador, Obrecht, 1982-83, p. 379-380.
960
As chinesices foram uma moda decorativa divulgada na Europa barroca com a importação de tecidos
ornamentais, porcelanas, biombos e outros produtos do Extremo-Oriente. Sobre fundos de cores lisas,
vermelha, verde e azul imitando a laca chinesa, sobressaem, em dourado ou preto, figurinhas e paisagens
de inspiração oriental, com pagodes, pássaros, sobreiros, cenas de caça e pesca. Ver entre outros os
seminários sobre artes decorativas. MENDONÇA, Isabel Mayer Godinho e CORREIA, Ana Paula Rebelo
(coord), Iconografia e fontes de inspiração. … Opus cit., p. 243-256.
483
961
‘Acabei, há dois menses (24 de agosto de 2015), de terminar o inventário da Escultura, Pintura e
artes decorativas de Macau, para o Instituto Cultural de Macau, o que me levou vários anos de trabalho,
e com estudo dos acervos dos arquivos de Portugal e Macau, e o auxilio dos professores Jin Guo Ping e
Wu Zhiliang, para a documentação em Mandarim, e não encontrei qualquer referencia ao envio de
esculturas para o Basil, antes pelo contrário, o habitual para as próprias igrejas de Macau era serem
compradas nas Filipinas. Tecidos, objectos decorativos e mobiliário fabricado no Fujian, sim, e também
muita porcelana Jiangdjing, mas não escultura’. Depoimento do Professor Pedro Dias, dado em agosto
de 2015. Ver do professor Pedro DIAS, Mobiliário Indo-Português, 2013; Arte indo-portuguesa, Lisboa,
Almedina, 2009; e ainda; A escultura maneirista portuguesa, Coimbra, edições Minerva Coimbra, 2007.
484
962
‘Os seus altares são em madeira lavrada e bem trabalhados. São destaques as imagens de Nossa
Senhora do Carmo, São João da Cruz e Santa Tereza, além dos Passos da Paixão, de origem portuguesa
do século XVIII, nos altares laterais’. BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira, ‘Igrejas do Convento e da
Ordem Terceira do Carmo. Mogi, São Paulo’, publicado em MATTOSO, José (direção), Património de
origem portuguesa no mundo… op. cit., p. 284.
963
PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial…, p. 443.
964
Livro de Receitas e despesas de 1780 a 1822, f. 118 – relativo ao conserto das imagens, e f. 124 –
encarnação e policromia. Arquivo da Província Carmelitana de Santo Elias, Belo Horizonte, CAMPOS,
Jurandyr Ferraz, apud PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial…, p. 443.
965
Frei Timóteo Van den Broek, citado por CAMPOS, Jurandyr Ferraz, apud PASSOS, Maria José
Spiteri Tavolaro, Imaginária retabular colonial…, p. 447. A pesquisadora Maria José Spiteri Passos
485
Da mesma forma que tentamos fazer com as outras obras atribuídas a Pedro da
Cunha, das cidades de Itu e do Rio de Janeiro, também, neste caso, colocamos, lado a
lado, três exemplares de um mesmo tema iconográfico. Percebe-se, de imediato, que o
vocabulário formal é completamente diferente. Acrescente-se a isso uma queda na
qualidade técnica, tanto do entalhe, sem nenhuma definição da ossatura ou musculatura,
quanto dos detalhes fisionômicos, prejudicados por uma grossa camada de policromia
(que podem ser camadas de repinturas executadas no século XX).
percebe uma relação formal entre estas peças e as atribuídas a Pedro da Cunha, semelhanças que
preferimos ver com alguma reserva.
486
(primeira metade do século XVIII) e o localizado sob o coro pode ser da época
construtiva da atual igreja dos terceiros966.
acabam em uma voluta (caracol) quando encontram a barba, enquanto esta é uma massa
de pouco volume, posicionada na parte inferior do rosto. Arriscaríamos afirmar que o
escultor que fez a obra de São Paulo foi o mesmo que fez a de Santos, cujo modelo pode
ter sido a peça de Itu. A hipótese poderá se confirmar com a observação também do
formato do rosto, do modelado da boca, assim como da expressão da testa, vivamente
marcada em V, entre os olhos.
Fig. 146 – Cristos da Prisão das Igrejas de Itu, São Paulo e Santos. Observar a finalização dos
bigodes em voluta (caracol) e o desenho da boca.
Quanto aos Cristos com a cruz às costas, foi uma iconografia intensamente
difundida na arte portuguesa e luso-brasileira. No Brasil, é difícil entrar numa igreja que
não possua um Senhor dos Passos. As esculturas dos terceiros carmelitas em nada
diferem de todas as outras que podem ser vistas pelas igrejas dos dois países.
Maioritariamente são imagens de vestir ou de roca. Só no século XIX, é que elas
passam a ser esculpidas na sua integridade, mas também deixam de participar
frequentemente das procissões. Um dos motivos de se fazerem as esculturas com corpos
de ripas é a necessidade de se tornarem leves, para serem carregadas nos andores das
procissões. Diríamos também que a maioria dos conjuntos apresenta o Cristo com um
dos joelhos ao solo e o outro flexionado. Dos complexos carmelitas, apenas no de Faro,
em Portugal, e no de Ouro Preto, em Minas Gerais, o Senhor está de pé. Logo, o Passo
representa a sua caminhada, e não uma das quedas.
Os rostos têm sempre um aspecto dramático, intensificado pelo uso da peruca de
cabelos naturais e da coroa de espinhos. O rosto magro apresenta chagas e hematomas
profundos e escuros. As mãos fortes seguram a grande cruz, apoiada no ombro
esquerdo. Os pés nem sempre são visíveis por baixo da túnica roxa, mas, quando podem
ser vistos, expõem pinturas dramatizadas com chagas e escorridos de sangue.
490
exagerada em triângulo na parte da frente e deixam cair uma ponta volumosa na lateral
direita, esvoaçante. As mudanças estarão em pequenas diferenças formais, tais como: os
cabelos, em cachos mais movimentados e mais longos, ou ainda nas atuais policromias
e possíveis repinturas, que deixaram o exemplar franciscano pálido e o do convento
carmelita ensanguentado, cuja coluna, apresentam o mesmo desenho.
Fig. 149 – Cristos da Flagelação, Igreja dos Terceiros Carmelitas, João Pessoa, Paraíba, de
Horta, na ilha do Faial e de Goiana, Pernambuco. E, por último, do Acervo do Museu de Arte
Sacra de Paraty, Rio de Janeiro.
492
As obras executadas nas igrejas dos Terceiros de Goiana e João Pessoa seguem o
cânone clássico, expondo uma compleição corporal com bom tratamento do tórax. Não
possuem o desenho exagerado de músculos nem a dramaticidade do gesto, presentes nos
três de Recife, muito menos a repetição do esquema fisionômico, idealizado. Nas peças
de João Pessoa e de Goiana, testemunhamos, na confecção das cabeças, a influência do
tipo físico regional, mais visível na obra de Goiana do que na de João Pessoa. Num
empréstimo poético ao grande Graciliano Ramos, diríamos que representaram o
vaqueiro nordestino da sua obra, caracterizado pelo resultado da miscigenação
continuada entre o colonizador europeu e os grupos indígenas dos sertões brasileiros,
cujos principais valores morais são a garra e a coragem para sobreviver a situações
adversas969.
Fig. 150 – Cristos da Flagelação e Ecce Homo, Igrejas da Ordem Terceira de Goiana e João
Pessoa.
Já o acervo da região sudeste apresenta algumas mudanças nas características
corporais e fisionômicas. São obras mais padronizadas, de faces idealizadas. Não se
encontrou um tipo físico particular, antes o tipo físico importado através das estampas
ou de outras obras. As peças atribuídas ao bracarense Pedro da Cunha, já analisadas, são
o testemunho da execução de um escultor português in loco, pois repete o modelo que
trouxe em estampas ou no seu inconsciente, aquele que, por ventura, concebeu ou viu
ainda na sua terra, e fez parte do seu aprendizado nas oficinas locais. Destacamos, no
grupo de esculturas desta região, as da cidade de Campos dos Goytacazes e de Mogi das
Cruzes, nas quais percebemos o uso do modelo erudito. Porém, a solução encontrada
contribui para mostrar, na primeira, o que um artífice com talento é capaz de criar e, na
segunda, o que um artífice criativo, mas de pouco talento, pode executar.
969
Apesar da obra literária de Graciliano Ramos pertencer ao século XX, o seu Fabiano (vaqueiro) de
Vidas Secas é investido de coragem, força e dignidade, simbolizando o típico homem nordestino que luta
contra a desonestidade do patrão e a pobreza da região.
493
Fig. 151 – Cristo da Flagelação, gravura Klauber cth., sc. Et exc., (Fonte: Biblioteca
Nacional, Lisboa, Registos de Santos, cat. 04265); e Igreja dos Terceiros de Campos dos
Goytacazes, Rio de Janeiro e de Mogi das Cruzes, São Paulo.
970
No Brasil, em 1707, ocorre a publicação das Constituições do Arcebispado da Bahia, que passam a
regular desde a fatura até o uso das imagens. Seu texto ordenava que […] as imagens de vulto se
[fizessem] daqui em diante de corpos inteiros, pintados e ornados de maneira que [escusassem] vestidos,
por ser assim mais conveniente e decente. VIDE, D. Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit.,
Livro 4, p. 697. Porém, quando às imagens já eram de vestir, […] ordenamos seja de tal modo que não se
possa notar indecência nos rostos, vestidos ou toucados, o que com muito mais cuidado se guardará nas
imagens da Virgem Nossa Senhora; porque assim como depois de Deus não se te igual em santidade e
honestidade, assim convém que sua imagem sobre todas seja santamente vestida e ornada”. Ver: VIDE,
D. Sebastião Monteiro da, Constituições… op. cit., p. 698.
494
Fig. 152 – Cristos da Flagelação, detalhe perizônios, Igrejas de Recife, Itu e Santos.
Ainda sem a ajuda da corda, foram encontrados perizônios com tecidos mais
estreitos, que permitem o envolvimento do quadril, porém, com menos dobras e
excessos. Similares a uma faixa longa, estreita, terminam com um nó sobre si mesmo, o
caimento sempre em ponta na lateral direita, com pouco volume. São os perizônios dos
Cristos de Itu e de Ouro Preto. Finalizando, há um último grupo, com o perizônio
envolvendo o quadril, à maneira de um saiote, sem excessos, fixado também na lateral
direita, com o caimento bem natural, como nas peças de Santos e de Belém.
A tipologia com a incorporação da corda na fixação ao quadril do Cristo
apresenta uma diminuição do tamanho e da largura do tecido. Os perizônios tornam-se
uma faixa curta e estreita, que esconde mal as ‘indecências’ de Cristo. O tecido é, então,
arranjado de maneira a não cair, mesmo que pareça querer escorregar. São
principalmente as obras do fim do século, já de gosto rococó (sensual) vislumbrando o
neoclássico. Enquadram-se, neste grupo, as peças do Rio de Janeiro, Cachoeira, Mogi,
São Paulo e Salvador.
495
Fig. 153 – Cristos da Flagelação, perizônios, Igrejas do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
baixa. O Cristo mantém praticamente a mesma postura do corpo, porém, com cabeça,
braços e pernas suavizados, acompanhando a coluna à esquerda. O quadril permanece
com o movimento enviesado, o peso do corpo passa, então, da perna esquerda para a
direita, o que, num segundo plano, induz a um tímido passo.
Todo o movimento parece um suave passo de dança, que durou exatamente o
tempo da mudança de gosto, do barroco ao rococó. Movimento, provocado pela
relocação da posição da coluna e o acompanhar dos braços girando em torno do corpo
da direita para esquerda. Assim como o peso do corpo, que passa da perna esquerda
para a direita. É um movimento delicado e suave, representativo de um gosto mais
requintado.
Ao fim do século XVIII e já no XIX, ressurge o gosto pela simetria, pela
composição triangular, estável, típica do neoclassicismo, que chega aos Cristos.
Veremos a volta de uma escultura mais frontal, insinuante no retorno dos braços, agora
em um movimento menor, para encontrar a coluna quase posicionada à frente, ou,
simplesmente pousar as mãos no capitel da coluna, como no exemplar de Salvador, cuja
principal característica é a mudança do fuste circular para o quadrado. Ou ainda a busca
pela frontalidade, independente do posicionamento.
Resta ainda fazer uma observação a respeito dos Cristos do Passo da Flagelação:
devem ser representados ainda sem a coroa de espinhos e sem as chagas na testa. Em
algumas esculturas, no entanto, ele já ganhou tal atributo e também as marcas deixadas
na sua testa, de onde escorre o sangue das feridas dos espinhos. Esse detalhe pode ser
visto nas esculturas de São Paulo, Santos, Recife, Salvador. Provavelmente, são peças
repintadas ou se trata de uma interpretação errônea do momento representado, por parte
do artífice responsável pela pintura.
Os Cristos da Coroação de Espinhos representam um momento estático, sem
muito drama, além, é claro, do causado pela dor dos espinhos penetrantes na face de
Cristo. Normalmente, Cristo está resignado, os panos cobrem o quadril e pousam na
pedra, pacificamente. Formalmente, os Cristos não apresentam muita diversidade, além
de um posicionamento ligeiramente diferente dos braços, à frente, e das mãos cruzadas
(quase sempre é à direita que segura a cana verde). As pernas flexionadas paralelas, no
máximo, podem transpassar a parte inferior, cruzando-as ou deixando um dos pés
avançar um pouco. A representação da base, a pedra fria, é sempre um volume
retangular estreito, que imita, através de uma pintura marmoreada, a superfície da pedra.
497
5.4.4 Crucificados
971
ESPANCA, Túlio, Inventários Artísticos de Portugal. Distrito de Évora… op. cit., p. 31.
499
do altar-mor da Igreja dos Descalços tem complexão anatômica mais bem definida de
músculos, a cabeça pende sobre o ombro direito, as pernas estão flexionadas e os pés,
cruzados. O terceiro está no altar lateral da primeira igreja, tem a anatomia mais bem
definida um tanto esquematizada, as costelas marcadas em paralelo no tórax, assim
como formam a ferradura na marcação do ventre, ligeiramente protuberante. Em
comum os três apresentam os braços ainda na vertical, em T, e os perizônios são uma
longa tira de tecido enrolado no quadril do Cristo, presos na lateral direita, muito
simples nos dois exemplos da igreja dos Calçados e de tipologia mais complexa.
Os dois da Igreja dos Calçados poderiam ser do século XVII, um da primeira
metade e o outro já de meados. O da Igreja dos Descalços está bem adequado ao altar-
mor, apesar de não compartilhar formalmente do mesmo vocabulário, podendo
pertencer à primeira metade do século XVIII ou ainda ao fim do século anterior.
Fig. 156 – Crucificados, altar-mor dos Carmelitas Calçados e dos Descalços, e, altar lateral da igreja dos
Calçados, Évora.
Quanto aos Crucificados dos Passos das cinco igrejas dos Terceiros Carmelitas
de Portugal, são peças distintas. Entre eles, duas são datadas e com autoria conhecida:
os das Igrejas de Faro e de Lisboa. O primeiro, de 1736, e o segundo, de 1758, um da
escola do Algarve e o outro lisboeta. Os dois são Cristos vivos, de olhos abertos, cabeça
pendendo ligeiramente para o alto, uma para a direita e a outra para a esquerda.
500
A B C D
E F G H
502
I J L M
Fig. 159 – Perizônios: A – Aveiro; B e C - Évora, altar-mor e altar lateral; D – Évora,
Descalços; E – Frei Cipriano da Cruz, Tibães; F - Manuel Martins, Faro; G – Manuel Dias,
1736, Sé, Évora; H – José de Almeida, Lisboa; I – Recife, BR; J - Ilha de Faial; L – Frei José
Antonio, Sacristia, Tibães; e, M – Lisboa, altar colateral, Lisboa.
Fig. 161 – Crucificados, Igreja dos Terceiros, Recife, provável origem portuguesa, e, o de
Simão da Cunha, do Rio de Janeiro.
972
Detalhes fisionômicos recolhidos por Vera Forman, pois, apesar de um binoculo não conseguimos
distinguir os traços faciais deste Crucificado, devido a distancia da sua localização e da coroa de espinhos
que caiu e cobre metade do seu rosto. Publicado em FORMAN, Vera R. Lemos, ‘Dois mestres
imaginários do Rio de Janeiro setecentista: Simão da Cunha e Pedro da Cunha’, publicado em Gávea 7.
Revista de História da Arte e Arquitetura, Rio de Janeiro, PUC, 1989.
504
Recife. O que o difere dos anteriores é o tratamento do perizônio, neste caso, com
movimento menos artificial. Preso ao quadril com a ajuda da corda dupla, forma uma
bonita dobra em leque na frente, ocasionada pelo entrelaçamento do tecido na corda.
Perizônio que intenta desnudar em vários pontos do quadril, e, deixa cair uma ponta
natural, a partir de uma grande laçada na lateral direita. Rosto expressivo, olhar
direcionado para o alto, percebe-se até um simulacro de prazer.
Fig. 163 – Crucificados, Igrejas de Belém, Itu, São Paulo e Campos dos Goytacazes.
Cunha973 e o segundo de artífice regional. São duas peças rigorosas na anatomia, aliás,
neste conjunto julgamos que todos os Crucificados são peças que privilegiam a forma
corporal, bem entalhada e de anatomia correta. O de Itu tem fisionomia mais expressiva,
ainda está vivo, com a cabeça voltada para o fiel; o de Campos, já morto, tem o rosto
alongado e quase sereno. Os braços, no primeiro em Y e o segundo quase na vertical.
Os perizônios, ao redor do quadril estão presos sobre si mesmo, sem ajuda do cordão
duplo. Os movimentos são contidos, naturais, enrolam-se de maneira a formar pregas e
dobras, geometrizadas no de Itu.
Fig. 165 – Crucificado, Igreja dos Terceiros, Santos, São Paulo. (Fonte:
Arquivo IPHAN, Rio de Janeiro)
na faixa simples, à maneira de um saiote, deixando cair uma ponta tímida na lateral
esquerda.
O de João Pessoa apresenta rigidez exagerada do corpo que o impulsiona numa
acentuada vertical, enfatizada pela cabeça levantada. Os braços
em Y denunciam o peso do corpo, que pende, apesar de ainda
estar vivo. Exibe ainda um lindo desenho do perizônio, à
maneira dos Cristos de Recife e Rio de Janeiro, tecido
avantajado preso no baixo-ventre com a ajuda de uma corda
dupla.
A B C D
E F G H
I J L M
Fig. 167 - Crucificados das igrejas dos Terceiros do Brasil: A – Santos, SP; B – Cachoeira, Bahia; C –
Itu, São Paulo; D – Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro; E – Recife, Pernambuco; F – Rio de
Janeiro, Capital; G – São Paulo, Capital; H – João Pessoa, Paraíba; I – Belém, Pará; J – Mogi das Cruzes,
São Paulo; L – Ouro Preto, Minas Gerais; e M – Salvador, Bahia.
Observando o gráfico acima, fica claro que, a maioria dos perizônios dos
Crucificados, e aqui vamos enfatizar esse dado, pois os mesmos conjuntos possuem
desenhos e tipologias diferentes para os perizônios dos Cristos da Flagelação e do Ecce
Homo, são do tipo faixa de tecido, larga ou fina, que precisa de uma corda para a sua
fixação ao baixo-ventre do Cristo (oito usam esse subterfúgio). O que confrontadas com
as possíveis datações destas peças: o Crucificado da Igreja de Recife, encabeça a lista,
pertencente à primeira metade do século XVIII, e a grande maioria concentra-se na
segunda metade do mesmo século, inclusive os possíveis portugueses de Simão da
Cunha e o da igreja de Belém. O de Santos é uma incógnita, pode ser o mais antigo
(século XVII), originário dos primórdios dos carmelitas na cidade.
508
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos Descalços, mas também, dos observantes e, principalmente nas dos terceiros, como
uma das devoções de maior prestígio, influenciando nos temas decorativos e na própria
espiritualidade dos leigos.
Quanto à importância da Ordem Carmelita em Portugal e no Brasil, pode ser
verificado pelo número de construções existente nos dois países. Em, Portugal chegou-
se à soma de 15 fundações conventuais de Ordem primeira da Antiga Observância, e,
estranhamente 20 instituições de Ordens Terceiras. Isto se explica pelas fundações
independentes e pela sobrevivência de monumentos, principalmente igrejas conventuais,
sob a guarda dos leigos, após a lei da extinção Ordens Religiosas.
Foram apuradas ainda cerca de dez instalações carmelitas, seja de Ordem
Primeira ou de Terceira, das quais já não existe testemunho material, e, praticamente
nada restou da sua memória. Um caso curioso é o da cidade de Alcácer do Sal, da qual
existe um Compromisso da Ordem Terceira do Carmo no acervo da Biblioteca Nacional
de Portugal, do ano de 1817, utilizado nesta tese, e da qual não foi possível apurar
vestígio algum de sua existência arquitetônica na cidade. Foram ainda encontrados
cinco conventos femininos da Antiga Observância.
Não conseguimos apurar se houve uma tipologia arquitetônica própria dos
Carmelitas Calçados em Portugal: pelos motivos analisados na tese, sendo o principal a
grande variedade de datas de fundação dos monumentos. Quando houve uma
concentração construtiva, como no século XVI, não conseguimos arrolar os
monumentos existentes de maneira a fazer o estudo comparativo.
Quanto ao ramo dos Carmelitas Descalços o trabalho foi mais simples. Além de
algumas publicações que nos davam uma listagem geral, embora com divergências: a
ordem é mais recente, assim como a sua memória, tendo já merecido atenção de um
maior número de especialistas. Apurou-se a existência de 22 conventos masculinos e 11
femininos, e apenas três instalações de Ordens Terceiras, duas das quais com igrejas
próprias. Lembramos que os Descalços, no território brasileiro, tiveram vida mais
reduzida, com apenas quatro conventos, dois masculinos e dois femininos. Quanto aos
conjuntos arquitetónicos os Descalços mantiveram uma tipologia de frontispício e de
planta próprios, como foi assinalado pelos especialistas, e, discutido no capítulo
especifico.
No território brasileiro não houve a lei de extinção das ordens religiosas, mas,
leis que proibiram a entrada de novos noviços, comprometendo a sobrevivência das
ordens no século XIX. Certamente, esse período foi de estagnação e decadência das
510
como imagem de vestir, de pequeno porte, na maioria dos casos, não resistiu aos anos
de uso e à degradação do tempo.
Pode-se ainda afirmar, que o momento representado nas cenas é sempre o
mesmo. A grande exceção é o conjunto de Ouro Preto, que apresenta elementos
iconográficos únicos e diferentes de todos os outros conjuntos: a postura de surpresa e
refutação no Passo do Cristo no Horto; a ferida na face do Cristo no Passo do Cristo da
Prisão; o balcão no Passo do Ecce Homo; e o posicionamento com o Cristo de pé no
Passo do Senhor com a cruz às costas (só o Cristo da Igreja de Faro, em Portugal, tem o
mesmo posicionamento).
Portanto, quando se confronta as obras com as possíveis fontes de inspiração,
fica claro que, houve um modelo tipológico que serviu de padrão para a elaboração do
conjunto. Porém, entre as estampas e as gravuras dos álbuns temáticos aqui estudados,
não foi possível determinar a fonte utilizada pelos Terceiros carmelitas nas suas igrejas.
Primeiro porque podemos ver as mesmas soluções em obras de outras instituições
religiosas. E segundo, por que gostaríamos de ter pesquisado os conteúdos das
bibliotecas que possivelmente existiram nos Conventos Carmelitas, assunto ao qual
dedicámos algum tempo, porém, com resultados inconclusivos.
Quanto à técnica é pertinente afirmar que existiram nos conjuntos dois tipos
diferentes de tipologia: três imagens de vestir e quatro de vulto pleno. Com a única
exceção do Cristo da Prisão da igreja dos Terceiros de Salvador, que é uma obra de
talha completa, enquanto o restante é de imagem de vestir. Analisando quanto à técnica,
os três exemplares de vestir apresentam uma maior simplificação na elaboração do
entalhe e da policromia, como não poderia deixar de ser, pois as partes recobertas pelas
indumentárias não mereceriam o mesmo tipo de acabamento das partes que seriam
deixadas à vista dos fieis, características gerais para as imagens de vestir e de roca.
Novamente a exceção à regra é o conjunto da igreja de Ouro Preto, por
apresentar faces de metal, técnica inusual na arte luso-brasileira. A aplicação de
máscaras confecionadas a partir de moldes, fixadas à região frontal do rosto, para então
serem recobertas pelas camadas de preparação e de policromia, é uma técnica usual na
América Latina, principalmente, na região Andina e na escola de Quito, no Equador.
Quanto à forma e ao estilo, os Cristos enquadram-se nos períodos estilísticos do
Barroco e Rococó, e alguns exemplares já apresentam o gosto neoclássico incipiente.
Esses estilos artísticos foram predominantes no Brasil dos séculos XVII, XVIII e
513
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