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- A Nova Democracia
Os canibais de Maara
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28/07/2017 As cruzadas vistas pelos árabes: Quem eram os bárbaros? - A Nova Democracia
Esse grito de aflição de um poeta de Maara não é um simples recurso retórico. Temos
infelizmente que tomar suas palavras ao pé da letra e perguntar-nos com ele: o que
aconteceu de tão monstruoso na cidade síria de Maara no final do ano 1098?
Até a chegada dos franj (os árabes chamavam os cruzados de franj, provavelmente um
termo vindo de franc — francos, franceses), os habitantes viviam pacificamente ao abrigo
de sua muralha. Os vinhedos, os campos de oliveiras e pés de figos forneciam-lhes uma
modesta prosperidade. O orgulho de Maara era ser berço de uma das maiores figuras da
literatura árabe, Abul-Ala al Maari, morto em 1057. Esse poeta cego, livre-pensador,
ousara atacar os costumes da época. Era preciso audácia para escrever:
Quarenta anos após sua morte, um fanatismo vindo de longe viria, aparentemente, dar
razão ao poeta de Maara. Nos primeiros meses de 1098, os habitantes da cidade
acompanharam com preocupação a batalha de Antioquia, a três dias dali. Após a vitória
dos franj, estes vieram saquear alguns vilarejos vizinhos e Maara fora poupada. Mas
algumas famílias preferiram fugir para lugares mais seguros.
Até que chega a noite de 11 de dezembro. Os franj ainda não ousaram penetrar na cidade.
Os notáveis de Maara entram em contato com Bohémond e o chefe franco promete
garantias se cessarem o combate. Agarram-se à palavra dada. Na alvorada, chegam os
franj. É uma carnificina. Durante três dias matam mais de 100 mil pessoas pela espada e
fazem muitos prisioneiros.
Jamais os turcos esquecerão o canibalismo dos ocidentais. Em toda a sua literatura épica,
os franj serão invariavelmente descritos como antropófagos.
Será injusta essa visão? Terão os invasores devorado os habitantes de Maara com o único
objetivo de sobreviver? Seus chefes dirão ao papa: "Uma fome terrível assolou o exército
de Maara e o colocou na cruel necessidade de se alimentar dos cadáveres dos sarracenos."
Mas essa explicação parece um pouco fácil. Pois os habitantes da região assistem, naquele
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inverno, a comportamentos que a fome não pode explicar. Vêem bandos de franj
fanatizados, os tafurs, clamando alto que querem devorar a carne dos sarracenos e que se
reúnem à noite, ao redor do fogo, para devorar suas presas.
Canibais por necessidade? Os testemunhos são acusadores. Uma frase do cronista Albert
de Aix, que esteve na batalha de Maara, permanece inigualável em horror: "Aos nossos
não repugnava comer não só a carne dos turcos e dos sarracenos mortos como também a
carne dos cães!"
Porém, quando os francos retomam sua caminhada ao sul, os emires sírios se apressam
em enviar presentes para assegurar-lhes sua boa vontade. Ninguém ignora mais o
itinerário dos franj. Não bradam eles que seu objetivo final é Jerusalém, onde querem
tomar posse do túmulo de Jesus? Todos que estão nessa rota tentam precaver-se contra o
flagelo que representam.
Muitos se escondem nos bosques, outros na fortaleza mais próxima. Foi esta última
solução a escolhida pelos camponeses da planície de Bukaya, quando em janeiro de 1099
são avisados da aproximação dos francos. Reunindo gado, óleo e trigo sobem para Hosnel-
Akrad. Mesmo estando há muito abandonada, a fortaleza tem difícil acesso e muralhas
sólidas.
Os camponeses ficam entusiasmados, mas sabem que os sitiantes voltarão. Dia seguinte,
quando Saint-Gilles lança-se ao assalto, os camponeses não aparecem. Os atacantes
perguntam-se que novo ardil terão inventado. Foi o mais sábio de todos: aproveitaram-se
da noite para sair sem ruído e desaparecer ao longe.
De todas as delegações que desfilam nas imensas salas de Hosnel-Akrad, a mais generosa
é a de Trípoli. Na época em que os franj surgiram, Trípoli vivia um tempo de paz e
prosperidade. A imensa "casa da cultura", que encerra uma biblioteca de 100 mil volumes,
uma das mais importantes daquele tempo, é o orgulho dos cidadãos. A cidade é cercada
por campos de oliveiras, alfarrobeiras, cana-de-açúcar e frutas de toda espécie. Seu porto
é movimentado.
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É essa opulência que vai valer à cidade seus primeiros dissabores com os franj. Na
mensagem que manda a Saint-Gilles, o cádi de Trípoli convida-o para negociar uma
aliança. Um erro imperdoável. Ao chegarem, os emissários francos ficam tão maravilhados
que só pensam em tudo que poderiam pilhar ali. A 14 de fevereiro, o cádi, aterrorizado,
fica sabendo que os franj sitiaram Arqa, a segunda cidade do principado de Trípoli.
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Os francos retomam sua marcha ao sul. Passam defronte de Trípoli com uma lentidão
inquietante... mas não param. Seguem em frente e alcançam Nahr el-Kalb, o "Rio do
Cachorro". Ao transpor o rio, colocam-se em estado de guerra com o califado do Egito.
Essa explicação de Ibn al-Athir sobre a origem da invasão franca diz muito da divisão que
reinava no seio do mundo islâmico entre os sunitas, vinculados ao califado abássida de
Bagdá e os xiitas, ligados ao califado fatímida do Cairo.
Na chegada dos ocidentais, em 1097, Al-Afdal tentara até um acordo de partilha: para
aqueles, a Síria do Norte; para ele, a Síria do Sul, isto é, a Palestina. Os francos
mostraram-se amigáveis com os diplomatas egípcios, chegando até a oferecer-lhe o
espetáculo das cabeças cortadas de 300 turcos. Mas, curiosamente, recusaram-se a
concluir qualquer acordo.
Como loucos
Em julho de 1098, ao chegar a notícia da queda de Antioquia, o homem forte do Cairo
decide agir imediatamente, sitiando Jerusalém. Por vários meses, os acontecimentos
parecem dar razão a Al-Afdal, pois tudo se passa como se os franj, ao se deparar com o
fato consumado, tivessem renunciado a Jerusalém. Mas quando em janeiro de 1099 os
francos retomam sua marcha ao sul, ele fica preocupado.
Faz chegar novas propostas aos franj. A resposta: "Nós iremos a Jerusalém todos juntos,
em ordem de combate, lanças erguidas!" É uma declaração de guerra. Em maio, os
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invasores atravessam sem hesitar o "Rio do Cachorro", o limite norte do território egípcio.
Mas o comportamento dos franj é desconcertante. Iftikhar esperava vê-los construir, tão
logo chegassem, torres móveis e instrumentos de sítios, cavar trincheiras. Ora, longe
desses preparativos, eles começam organizando uma procissão em volta dos muros,
conduzida por sacerdotes que oram e cantam, antes de lançarem-se como loucos ao
assalto das muralhas, sem dispor de escada alguma.
"Uma das torres móveis construídas pelos franj", contará Ibn al-Athir, "estava do lado de
Sião, ao sul, e a outra ao norte. Os muçulmanos conseguiram queimar a primeira,
matando todos aqueles que se encontravam nela. Porém, mal tinham acabado de destruí-
la, um mensageiro chegou, pedindo ajuda, pois a cidade estava sendo invadida pelo outro
lado. De fato, ela foi tomada pelo norte, numa sexta-feira de manhã, sete dias antes do
final do tempo de chaaban do ano 492 (julho de 1099)."
Segundo al-Athir,"a população da Cidade Santa foi morta pela espada e os franj
massacraram os muçulmanos durante uma semana. Na mesquita al-Aqsa, eles mataram
mais de 70 mil pessoas." Ibn al-Qalanissi, que evita manipular números que se podem
verificar, disse apenas que muitas pessoas foram mortas e que os francos destruíram até
os monumentos dos santos (!). Entre as construções saqueadas estava a mesquita de
Omar, feita em memória do segundo sucessor de Maomé, Omar Ibn al-Khattab, que
tomara Jerusalém dos cristãos em fevereiro de 638. Os árabes não deixaram de evocar
este acontecimento para ressaltar a diferença entre seu comportamento e o dos franj.
Lembravam que Omar assegurou a vida e os bens de todos os habitantes da cidade. E que
quando ele e o patriarca grego (chefe cristão de Jerusalém, recém deposto) estavam
visitando o Santo Sepulcro, Omar perguntou onde poderia estender seu tapete para orar,
pois chegara a hora da reza a Alá. O patriarca disse-lhe para orar ali mesmo, mas o árabe
não quis. "Se eu fizer isso, amanhã os muçulmanos vão querer apropriar-se deste local
dizendo: "Omar orou aqui..." E, levando o seu tapete, foi ajoelhar-se em outro local.
Pensou corretamente, pois foi naquele exato local que se construiu a mesquita que traz
seu nome.
Os chefes francos não tiveram essa magnanimidade. Festejaram seu triunfo com uma
matança indescritível, depois saquearam selvagemente a cidade que pretendiam venerar.
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