Você está na página 1de 1

A PAIXÃO SEGUNDO H.H.

Desde 1950, quando lançou, profeticamente, seu primeiro livro (Presságio,


poemas), Hilda Hilst veio se constituindo numa figura ímpar da literatura brasileira. A
exuberante beleza e a rara inteligência, associadas a uma vida solitária e exótica, fizeram
dela e, por extensão, de sua obra, alvos de freqüentes incompreensões. Quando, quarenta
anos depois, em 1990, publica a polêmica narrativa O caderno rosa de Lori Lamby é para
se despedir da dita “literatura séria” e, com este lance de dardos, vender (um pouco) mais,
num país de parcos leitores.
A Academia ainda tenta entender a dimensão de suas dezenas de obras, distribuídas
entre versos, ficções e dramas. Cresce, feito vertigem, o interesse pela sua produção,
sobretudo porque toca naquilo que ao homem – a um tempo – paralisa e mobiliza: o
erótico. Hilda passou do lírico ao obsceno, do luxo ao chulo, das nuvens ao chão, sem
perder nesta viagem o que singulariza o poeta: a consciência da linguagem.
Pode-se dizer, sem o susto que se tem ao ler Bufólicas, que sua obra reúne algo do
sublime de Cecília Meireles e do sagrado de Adélia Prado, mas também do escracho de
Leila Míccolis e do tom blasé de Ana Cristina Cesar, para lembrarmos algumas das vozes
femininas de nossa poesia. Rebelde, deve estar-se rindo, alhures, das fúnebres homenagens:
“Pois pode ser. / Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo. / Pensá-LO é gozo. Então não
sabes? / Incorpóreo é o desejo.”

Wilberth Claython Ferreira Salgueiro


Doutor em Teoria Literária pela UFRJ
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFES
Autor de Forças & formas: aspectos da poesia brasileira contemporânea (dos anos
70 aos 90) [Edufes, 2002] e Personecontos [Flor&cultura, 2004].

Sobretudo, satiriza-se o leitor, ainda capaz de se escandalizar, como os súditos dos poemas,
diante de gays, de mulheres que desejam claramente ter seu monte de Vênus coberto, de
meninas perversas, de erros divinos, de lésbicas

Você também pode gostar