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Revista Brasileira de Agroecologia

Rev. Bras. de Agroecologia. 7(1): 25-38 (2012)


ISSN: 1980-9735

Produção de café agroecológico no sul de Minas Gerais: sistemas alternativos à


produção intensiva em agroquímicos

Producing agroecological coffee in Southern Minas Gerais: alternative systems for


intensive production of agrochemicals
LOPES, Paulo Rogério¹; ARAÚJO, Keila Cássia Santos²; FERRAZ, José Maria Guzman³; LOPES, Iara Maria4;
FERNANDES, Lêda Gonçalves5

1 Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) - Universidade de São Paulo, Piracicaba/SP - Brasil,
biocafelopes@bol.com.br; 2 Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Centro de Ciências Agrárias, Araras/SP
- Brasil, keilacaraujo@hotmail.com; 3 Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Centro de Ciências Agrárias,
Araras/SP - Brasil, ze2cordoba@yahoo.es; 4 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ,
Seropédica/RJ - Brasil, iara_m_lopes@hotmail.com; 5 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia –
IFSULDEMINAS, Campus Machado, Machado/MG - Brasil, leda@eafmachado.gov.br

RESUMO :O presente trabalho teve como objetivo analisar os aspectos sócio-econômicos, ambientais e fitossanitários de
agroecossistemas cafeeiros sob manejos convencional, organo-mineral, orgânico e agroflorestal conduzidos nos municípios de
Machado e Poço-Fundo, localizados no sul de Minas Gerais, possibilitando uma análise técnica das diversas vertentes de
cafeicultura alternativa. A pesquisa foi realizada com base no DRP (Diagnóstico Rural Participativo). Utilizaram-se questionários
semi-estruturados para realização de entrevistas com os cafeicultores e realizou-se o acompanhamento (monitoramento) das
lavouras cafeeiras por um período de um ano. Verificou-se que o agroecossistema convencional é extremamente dependente de
fontes externas de insumos, principalmente agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos). O sistema orgânico também utiliza insumos
de fora da propriedade como o farelo de mamona, estercos de animais e produtos orgânicos industrializados e atingiu a maior
média de produtividade entre os sistemas (45 sacas ha-1). O agroecossistema organo-mineral utiliza adubação química com
diversificação através de culturas intercalares. A agrofloresta apresentou a menor produtividade média (14 sacas ha-1) de café entre
todos os sistemas, mas possibilita a produção de outros gêneros alimentícios que contribuem com a renda mensal da propriedade.
O seu manejo caracteriza-se pela roçada da vegetação espontânea, utilização da palha de café própria e a arborização da lavoura.
A produtividade do agroecossistema convencional é inferior ao organo-mineral e orgânico, apesar de ser o sistema que mais utiliza
inputs externos (insumos), o que pode concorrer para a sua sustentabilidade a médio e a longo prazo.
PALAVRAS-CHAVE: Cafeicultura familiar, sistemas agroecológicos, sustentabilidade sócio-ambiental, fitossanidade.

ABSTRACT: This work had the aim of analyze the socio-economic, environmental and plant health coffee agroecosystems under
conventional management, organic-mineral, organic and agroforestry conducted in the municipalities of Machado and Poço Fundo,
located in southern of the State of Minas Gerais. The research was based on DRP (Participatory Rural Diagnosis). It was found that
the conventional agroecosystem is dependent on external sources of inputs to the need for interventions in the use of agrochemicals
The system uses organic inputs from outside the property as the castor bean bran, bovine manure and industrial organic products
and wind breaks with bananas reaching the highest average productivity of the systems (45 bags ha-1). The agroecosystem organic-
mineral fertilizer chemical use through crop diversification with interim. The agroforestry offers the lowest yield (14 bags ha-1)
between the systems and its management is characterized by the weed mowing, use of coffee straw and afforestation. The
productivity of the agroecosystem is less than the conventional organic-mineral and organic, while the system that uses more inputs
external inputs which may contribute to its sustainability over the medium to long term.
KEY WORDS: Coffee farming family, agroecological systems, social and environmental sustainability, plant.

Correspondências para: biocafelopes@bol.com.br


Aceito para publicação em 15/11/2011
Lopes, Araújo, Ferraz, Lopes & Fernandes

Introdução
A cafeicultura no Brasil gerou um crescimento nível de diversidade biológica, desconsiderando a
econômico de notória relevância ao longo de sua idéia de que o cafeeiro pode ser cultivado abaixo
história e possibilitou ao país destacar-se como do dossel das florestas, a exemplo dos cafeeiros
maior produtor de café do mundo. No entanto, da Colômbia, Venezuela, Costa Rica, México,
verifica-se que muitos impactos sócio-ambientais Nicarágua e Panamá (BEER, 1997; ESCALANTE,
foram desencadeados durante esse processo. 1997; SCHIBLI, 2001 apud AGUIAR-MENEZES et
Entre os principais impactos estão o alto índice de al., 2007). Na cafeicultura orgânica, a
desmatamento da Mata Atlântica e do Cerrado diversificação do sistema pode ser obtida pela
para implantação dos monocultivos de café, a incorporação de árvores que proporcionam
perda da biodiversidade faunística e florística, a sombra, aporte de matéria orgânica, maior
contaminação e degradação dos recursos hídricos ciclagem de nutrientes e conservação do solo,
pelo constante uso dos agroquímicos e destruição hospedagem de maior diversidade de organismos;
das matas ciliares, intoxicações e mortes de além de serem fontes de alimentos, lenha e
trabalhadores ocasionadas pelos agrotóxicos. madeira para as famílias rurais (AGUIAR-
Além de causar o empobrecimento do solo e MENEZES et al., 2007).
desequilíbrio ambiental acompanhado do A pesquisa brasileira vem sendo impulsionada
surgimento de pragas e doenças que ocasionam para a busca de soluções mais ecológicas e
severos danos às lavouras. economicamente viáveis, principalmente para os
As atuais crises econômica e ecológica globais pequenos e médios agricultores (RICCI & NEVES,
evidenciam e expõem a insustentabilidade do 2006; RICCI & OLIVEIRA, 2007). Ademais,
padrão produtivo da agricultura industrial, preocupações com a qualidade dos alimentos e as
estampado na dependência dos países do primeiro questões sócio-ambientais engajadas nos
mundo centrados na importação de commodities processos de produção agrícola são crescentes
agrícolas produzidas no terceiro mundo, dentre por parte dos consumidores. Face às crises sócio-
elas, o café. Esse fato vem chamando a atenção ambientais geradas a partir do modelo de
para a convergência de três grandes dilemas desenvolvimento rural e tecnológico, vinculado aos
descritos por Petersen & Almeida (2008) com os paradigmas da Revolução Verde, vemos cada vez
quais a humanidade se depara: o primeiro se mais necessário investigar formas alternativas de
refere ao aumento exponencial dos preços do manejo dos recursos naturais e de organização
petróleo e suas implicações diretas sobre os social, capazes de responder positivamente aos
custos dos agroquímicos; o segundo está ligado desafios da produção agrícola sustentável, da
aos impactos ainda imprevisíveis das mudanças preservação da biodiversidade sócio-cultural e da
climáticas sobre a produção alimentar; o terceiro é inclusão social (MOREIRA, 2003).
a degradação e a perda em ritmos acelerados da De uma forma geral o sistema convencional de
agrobiodiversidade, dos solos e dos recursos manejo agrícola utilizado pela cafeicultura atual é
hídricos em função do emprego de métodos caracterizado pela artificialização e simplificação
predatórios de produção agrícola que vêm sendo dos agroecossistemas, formado geralmente por
favorecidos por atraentes políticas públicas e plantas geneticamente similares ou idênticas, que
subsídios. têm sido selecionadas como propósito de aumento
O modelo de cafeicultura adotado no Brasil, da produtividade, sendo altamente dependente de
desde o início do século XIX, caracteriza-se pelo insumos externos da propriedade (pesticidas,
monocultivo a pleno sol, e, portanto, com baixo

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fertilizantes solúveis, máquinas e combustíveis). modelos de agricultura alternativa há muitas


Tal manejo proporciona um severo desequilíbrio divergências, alguns são altamente dependentes
ecológico e tende a alterar os processos de auto- de energia externa e possuem arranjos
regulação de pragas e doenças, diminui o poder simplificados (monoculturas) e outros bem
de recuperação dos agroecossistemas frente às diversificados e conduzidos somente com os
adversidades climáticas e fitossanitárias, recursos encontrados nas unidades produtivas.
desregulando a estabilidade, flexibilidade, A agricultura biodinâmica preconiza a moderna
resiliência, equidade e auto-suficiência que os abordagem sistêmica, entendendo a propriedade
agroecossistemas diversificados possuem. como um organismo e destacava a presença de
A busca de sistemas agrícolas sustentáveis e bovinos como um dos elementos centrais para o
diversificados de baixa utilização de insumos e equilíbrio do sistema (KHATOUNIAN, 2001).
que utilizam eficientemente a energia, é A agricultura natural procura imitar os
atualmente motivo de preocupação de processos biológicos estabelecidos na natureza,
pesquisadores, agricultores e políticos em todo o evita as intervenções drásticas nos sistemas
mundo. Assim, como resposta ao modelo produtivos e prioriza a ciclagem energética. Suas
produtivista surgiram por volta de 1920 alguns práticas agrícolas principais concentram-se na
movimentos contrários à agricultura moderna. De rotação de culturas, cobertura vegetal e na
acordo com Ehlers (1994) os principais fertilização baseada em compostos orgânicos
movimentos de agricultura alternativa que se cujas fontes sejam exclusivamente de origem
destacaram neste período foram agrupados em vegetal. O esterco bovino e demais materiais de
quatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica, origem animal são considerados impuros, portanto
orgânica, biológica e natural. Tais movimentos deve-se abster deles nos sistemas agrícolas
evidenciavam a importância da complexidade nos baseados na agricultura natural. Segundo Borges
agroecossistemas, o uso da matéria orgânica nos (2000) na agricultura natural o esterco, além de
solos, práticas agrícolas que respeitassem as leis deixar os alimentos impuros, é visto como um
da natureza e o meio ambiente, prezasse os contaminante dos recursos naturais. O controle de
anseios sociais e maximizassem os processos pragas e doenças é baseado somente no manejo
biológicos. conservativo e aumentativo da agrobiodiversidade
Considera-se sistema orgânico de produção e biodiversidade.
todo aquele em que se adotam tecnologias que De acordo Caixeta e Pedini (2002) o sistema
otimizem o uso de recursos naturais e sócio- organo-mineral é um sistema que tem crescido em
econômicos, respeitando a integridade cultural e volume de produção, principalmente de café, e
tendo por objetivos a auto-sustentação no tempo e também pode ser denominado de SAT (sem
no espaço, a minimização da dependência de agrotóxicos), tratando-se de um manejo no qual o
energias não renováveis e a eliminação de agricultor elimina da propriedade toda e qualquer
emprego de agrotóxicos e outros insumos artificiais forma de aplicação de agrotóxicos, mas continua
tóxicos, privilegiando a preservação da saúde utilizando, por um período determinado,
ambiental e humana (THEODORO, 2002). fertilizantes sintetizados quimicamente.
O conceito de sistemas orgânicos de produção O movimento da Permacultura desenvolveu-se
agropecuária e industrial abrange os denominados na Autrália a partir da idéia da criação de
ecológicos, biodinâmicos, natural, regenerativo, agroecossistemas sustentáveis através da
biológico e permacultura (THEODORO, 2002). No simulação dos ecossistemas naturais, priorizando
entanto, com relação ao manejo adotado nesses as culturais perenes como elementos centrais

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(KHATOUNIAN, 2001). Segundo Altieri (1987) de 20ºC, precipitação média anual de 1592,7 mm
apud Altieri (2002b) a estratégia chave da e altitude máxima de 1435m. Machado é um
agricultura sustentável é a restauração da município localizado no sul/sudoeste de Minas
diversidade na paisagem agrícola. Dessa forma, os Gerais, possui as seguintes coordenadas
sistemas agroflorestais surgem como capazes de geográficas: latitude 21º 39' 59 S e longitude 45º
melhorar as condições atuais, podendo fornecer 55' 16 W . Possui uma área de 594,54 Km², clima
bens e serviços, integrados a outras atividades tropical de altitude e um parque cafeeiro de 14.500
produtivas da propriedade. hectares.
Com as recentes tendências ecológicas na Com a colaboração da Coopfam (Cooperativa
agricultura, tanto o manejo agroflorestal quanto o dos Agricultores Familiares de Poço-Fundo), que
manejo orgânico do cafeeiro constituem-se em reúne mais de 200 cafeicultores orgânicos,
tecnologias importantes para a recuperação dos selecionou-se os agroecossistemas de interesse
solos degradados, que, durante muitos anos, foram ao estudo. Sendo encontrados três sistemas de
submetidos ao manejo intensivo desta cultura produção cafeeira (convencional, organo-mineral e
(ALFARO-VILLATORO, 2004). No sul do México, orgânico) em uma mesma propriedade familiar,
em um estudo realizado por Moguel e Toledo denominada Sítio Boa Vista, no município de
(1999), em plantações de café, foram reconhecidos Poço-Fundo, e um agroecossistema agroflorestal,
cinco tipos de sistemas de produção de café, no Sitio Canaã, que denominamos de agroflorestal
distinguidos em concordância com o nível de orgânico natural, no município vizinho de
manejo, a composição vegetativa e a estrutura dos Machado/MG.
extratos (SMBC, 2006). A pesquisa foi realizada com base no DRP
Dada a atual crise econômica e ecológica (Diagnóstico Rural Participativo), onde os
enfrentada pela cafeicultura baseada no uso cafeicultores puderam participar de diálogos e
intensivo de agroquímicos e a diversidade de entrevistas semi-estruturadas conduzidas através
modelos alternativos à produção convencional, o de um intercâmbio de saberes estabelecido entre
presente trabalho teve o intuito de analisar alguns os agricultores e o pesquisador. Além da aplicação
aspectos sócio-econômicos, ambientais e de questionários semi-estruturados aos
fitossanitários de agroecossistemas cafeeiros sob cafeicultores, realizaram-se visitas periódicas
manejos convencional, organo-mineral, orgânico e mensais nos agroecossistemas já evidenciados
agroflorestal conduzidos no sul de Minas Gerais, a com o intuito de acompanhar o manejo efetuado
fim de possibilitar uma análise comparativa das nos sistemas e monitorar a incidência das
diversas vertentes da cafeicultura de base principais pragas do cafeeiro (broca e bicho-
ecológica. mineiro) ao longo do ano de 2008. O DRP
(Diagnóstico Rural Participativo), é um conjunto de
Metodologia técnicas e ferramentas que permite que as
A pesquisa foi realizada em lavouras cafeeiras comunidades participem ativamente do
localizadas nos município de Poço-Fundo e diagnóstico do agroecossistema e a partir daí
Machado, sul de Minas Gerais. O município de sejam capazes de auto gerenciar o seu
Poço-Fundo situa-se a 21° 46’ de latitude sul e planejamento e desenvolvimento.
45° 57’ de longitude oeste e faz fronteira com o As amostragens de folhas para determinação
município de Machado. Possui área de 475 Km², da incidência do bicho-mineiro (Leucoptera
clima tropical-temperado, temperatura média anual coffeella) em cada sistema de produção foram

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realizadas no terço mediano de cada planta,


tomada aleatoriamente por meio de caminhamento Resultados e discussões
em zigue-zague nos agroecossistemas Aspectos sócio-econômicos e ambientais dos
caracterizados. Coletou-se no terço mediano do agroecossistemas
cafeeiro 10 folhas do 3º ou 4º par em todos os O sistema convencional de produção de café
lados da planta (norte/sul e leste/oeste), sendo estudado utiliza anualmente diversos tipos de
amostrados 20 cafeeiros por agroecossistema, agroquímicos para a nutrição dos cafeeiros e
totalizando 200 folhas coletadas. As folhas foram controle fitossanitário. No período de avaliação a
acondicionadas em sacos de papel para posterior lavoura convencional recebeu adubações de NPK,
quantificação da doença em laboratório. A pulverizações foliares de micronutrientes e
determinação da incidência do bicho-mineiro foi fungicida sistêmico (Flutriafol), sendo que cada
realizada por meio de coletas mensais durante o cafeeiro foi adubado com 450 g de 20.05.20,
período de dezembro de 2007 a novembro de divididas em 2 aplicações, no período de
2008. De acordo com Matiello (2005), a dezembro a março de 2008. Foram feitas três
porcentagem de ocorrência da praga foi pulverizações a cada 40 dias, iniciadas em
determinada segundo a expressão: dezembro de 2008; a primeira foi realizada com 3 l
de Dacafé Cerrado/ha, a segunda com 2,5 kg de
Incidência (%) = (n° de folhas com lesões x Nutricafé ha-1 e a terceira com 1,5 l de Boro
100)/ (n° total de folhas coletadas ) líquido ha-1 (o agricultor não especificou as
concentrações dos produtos).
A infestação por broca Hypothenemus hampei Os cafeicultores com uso intensivo em insumos
(FERRARI, 1867) nos frutos foi determinada em químicos relatam com freqüência a necessidade
amostragens não-destrutivas, pois se realizou o de um controle preventivo de pragas e doenças.
monitoramento sem retirada dos frutos. Foram No entanto é necessário ter-se cautela com
realizadas observações mensais a partir de relação a esse enfoque sanitarista convencional,
dezembro de 2007 até junho de 2008, período que pois o uso de agrotóxicos nem sempre resolverá o
coincidiu com o início da colheita do café. A problema do agricultor. Em muitos casos, poderá
infestação por broca foi quantificada observando- ocasionar o surgimento de pragas e doenças ou
se 32 plantas tomadas aleatoriamente agravar esses problemas de ordem sanitária. Além
(caminhamento em ziguezague) por de causar um aumento do custo de produção à
agroecossistema, 6 pontos/planta, sendo 1 ponto cultura, o uso de agroquímicos minimizará os
por terço (superior, médio e inferior) em cada lado danos causados pelas pragas e doenças num
da planta (norte/sul), totalizando 2 pontos por curto espaço de tempo, sendo necessária a
terço. Em cada ponto avaliavam-se 10 frutos utilização contínua dos agrotóxicos.
agrupados e o ponto amostrado correspondia a um No processo de transição agroecológica sabe-
ramo plagiotrópico do cafeeiro. De acordo com se que o rompimento do uso de agroquímicos
Martins (2003), a porcentagem de infestação por ocorre de maneira gradual ao longo do tempo
broca nos frutos foi determinada segundo a (FEIDEN, 2002). Dessa forma, pode-se afirmar
expressão: que o agroecossistema cafeeiro organo-mineral
Infestação da broca (%) = (n° de frutos analisado encontra-se nesse processo de
brocados x 100)/ (n° total de frutos amostrados) conversão e é caracterizado pela ausência de

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agrotóxicos em seu manejo. Os cafeeiros diversidade (agrobiodiversidade e biodiversidade).


conduzidos nesse modelo produtivo utilizaram O sistema orgânico caracteriza-se pelo uso
fertilizantes químicos somente durante o período constante de insumos externos à propriedade, tais
avaliado. Entretanto, também receberam outros como farelo de mamona, palha de café, estercos
insumos para a nutrição e sanidade dos cafeeiros de animais e produtos ecológicos
nos anos anteriores, mas eram de origem orgânica (industrializados) no controle de pragas e doenças,
(Tabela 2). apesar de não ter utilizado todos esses produtos
Os agroecossistemas cafeeiros orgânicos no período de realização do estudo (Tabela 1). Já
analisados estão caracterizados nas Tabelas 1 e 2, o sistema agroflorestal orgânico natural é
como “orgânico” e “agroflorestal orgânico natural”. caracterizado pela realização do manejo das ervas
Ambos os sistemas possuem certificação orgânica espontâneas com enxada e roçadeira, a nutrição
pela certificadora BCS OKO Garäntie, no entanto do cafeeiro é feita com subprodutos do café
diferem-se no manejo agrícola e na diversidade (palha) e, principalmente, com a serrapilheira
biológica. O agroecossistema orgânico é arranjado acumulada através dos restos de folhas, ervas
em monocultura e, portanto, depende de imputs espontâneas e galhos oriundos do sistema
externos à propriedade para sua manutenção e o agroflorestal.
agroecossistema agroflorestal possui uma alta Verificou-se que o sistema agroflorestal

Tabela 1: Manejo adotado nos agroecossistemas convencional, organo-mineral, orgânico, agroflorestal


orgânico natural de outubro/07 a novembro/08.

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utilizado pelo agricultor representa a junção de 3 comercializadores de café, Bourbon Specialty


estilos de agricultura, pois possui princípios e Coffee, que compram o seu café e, juntam com
práticas que condizem com a agricultura orgânica, outros lotes de café orgânico para completar
a natural e a permacultura (sistemas contêineres de 300 a 500 sacas e os exportam.
agroflorestais). No entanto, denominamos este Pois o proprietário do sistema agroflorestal não é
sistema como agroecossistema agroflorestal no cooperado da COOPFAM. Nos últimos três anos
intuito de facilitar didaticamente a definição dos 4 têm-se alcançado cerca de R$ 500,00 reais pela
tipos de agroecossistemas evidenciados no saca de café beneficiado (quase o dobro do preço
estudo. em relação à saca de café convencional) e a safra
Em 2001 o sistema agroflorestal recebeu a de 2008 poderá ser vendida em torno de U$
certificação do café, banana e eucalipto orgânicos 210,00 dólares a saca de 60 kg. Em 2001, quando
pela certificadora BCS Öko-Garantie (certificadora um lote de seu café orgânico foi eleito como 2°
alemã com reconhecimento do Ministério da melhor do concurso de qualidade Cup of
Agricultura e do Abastecimento do Brasil). Excellence, promovido pela BSCA – Brazil
Atualmente, a produção do sistema agroflorestal Specialty Coffee Association, teve a oportunidade
possibilita a comercialização de banana orgânica de vender o café a preços bastante elevados. Na
(150 caixas por mês) e o eucalipto orgânico safra de 2008, ficou entre os 80 melhores
(moirões, tábuas etc.) nos mercados locais de classificados do Brasil no mesmo concurso de
Machado, além de comercializar a madeira para qualidade do café que privilegia a qualidade da
carvoarias da região. Diferentemente dos demais bebida do produto.
sistemas alternativos de produção aqui estudados, Em 2008 a produção do café na propriedade
o café produzido no sistema agroflorestal é vendido com sistema agroflorestal alcançou
para a Inglaterra através dos parceiros (corretores) aproximadamente 180 sacas beneficiadas, na área

Tabela 2: Área, cultivar, plantio, números de plantas, produção e produtividade das áreas amostradas
(agroecossistemas convencional, organo-mineral, orgânico e agroflorestal).

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total de 10 hectares de lavoura cafeeira, obtendo Bicho-mineiro (Leucoptera coffeella – Guérin –


uma produtividade média de 18 sacas/ha. No Mèneville, 1842)
entanto a produtividade média do café nos últimos Segundo Souza et al. (1998), deve-se
quatro anos foi de 14 sacas beneficiadas/ha. considerar, para início do controle dessa praga,
Pode-se observar que os agricultores familiares 20% ou mais de folhas minadas no terço superior
que adotaram os sistemas de manejo organo- (local de coleta de folhas) ou 30% ou mais de
mineral, orgânico e agroflorestal orgânico natural, folhas minadas nos terços médio e superior (locais
além de possuírem ideais no tocante às questões de coletas de folhas) dos cafeeiros.
ambientais, sociais, culturais, preocupam-se com a Consideram-se folhas minadas com minas
qualidade do produto a ser destinada ao intactas, de qualquer tamanho. No sistema
consumidor, fato que podemos associar aos convencional, as infestações do bicho-mineiro do
princípios éticos e econômicos que a cafeicultura cafeeiro não ultrapassaram 2% no período de
orgânica local possui. dezembro de 2007 a agosto de 2008. Somente
Na Tabela 2, pode-se observar o tamanho da nos meses de setembro e outubro teve-se um pico
área de todos os agroecossistemas, bem como a populacional crescente, atingindo níveis de 3,5% e
cultivar, época de plantio, número de plantas e 4,5%, consecutivamente, conforme segue na
produtividade nos últimos 4 anos. Através da Figura 1.
Tabela 2 notou-se que a produtividade do No entanto, tais níveis de incidência são
agroecossistema convencional é inferior ao organo- considerados incapazes de causar dano
mineral e orgânico, apesar de ser o sistema que econômico à cultura. Verificou-se no
mais recebeu insumos, conseqüentemente, possui agroecossistema organo-mineral níveis baixos de
maiores custos de produção e não possui valor incidência do bicho-mineiro em todas as
agregado no café como os demais sistemas. De avaliações. Como pode ser observado na Figura I,
acordo a COOPFAM, cooperativa que recebe e no mês de dezembro de 2007 obteve-se 3% de
comercializa os lotes de café produzidos nos infestação. De janeiro a agosto de 2008, os
sistemas organo-mineral e orgânico (monocultura), índices não ultrapassaram 2% e em outubro
nos últimos três anos tem-se alcançado cerca de observou-se o maior pico populacional (8,5%). No
R$ 480,00 reais pela saca de café orgânico (quase entanto, em nenhuma avaliação a evolução
o dobro do preço em relação à saca de café populacional da praga mostrou-se capaz de
convencional) e R$ 310,00 pela saca de café alcançar níveis que viessem a causar dano
organo-mineral. A boa produção dos sistemas econômico ao sistema cafeeiro produtivo
agroecológicos unida aos bons preços obtidos em manejado nos moldes da cafeicultura organo-
mercados externos tem proporcionado uma mineral.
satisfação aos agricultores familiares, pois os Já no agroecossistema orgânico os níveis de
mesmos declaram possuir uma renda que atende incidência da praga não atingiram 2% em todos os
todos os anseios e necessidades dos atores meses de avaliação, com exceção do mês de
sociais envolvidos nas atividades agrícolas da setembro, chegando-se a um índice de 2,5%
família. (Figura 1). Justifica-se que as avaliações nesse
sistema de manejo foram feitas somente até o mês
Aspectos agronômicos e fitossanitários dos de setembro pelo fato da lavoura ter sofrido uma
agroecossistemas forte chuva de granizo e conseqüentemente, o
agricultor realizou uma poda drástica nos

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Produção de café agroecológico no

cafeeiros. Cafeeiros plantados em espaçamentos adequados


Os cafeeiros conduzidos no agroecossistema para alta tecnologia propiciam melhores condições
agroflorestal sofreram mínimas infestações nos para o ataque do bicho mineiro, desenvolvendo-se
meses de dezembro de 2007 a agosto de 2008, bem em condições de maior insolação e baixa
com oscilações na incidência entre 0,5% e 5,5% umidade do ar (REIS et al., 2002).
(Figura 1). No entanto, verificou-se que a Através de observações a campo durante as
incidência da praga evoluiu crescentemente nos coletas dos dados de infestação de bicho-mineiro
meses de setembro, outubro e novembro de 2008, notou-se um menor índice de enfolhamento e porte
período caracterizado pelas poucas chuvas e altas dos cafeeiros no agroecossistema agroflorestal em
temperaturas no município. Nesses três últimos relação aos demais agroecossistemas. Essas
meses avaliados (setembro, outubro e novembro), variações possivelmente contribuíram com as
a infestação do bicho-mineiro atingiu os índices de maiores infestações do bicho-mineiro no sistema
9,5%, 19,5% e 16,5%, consecutivamente. Salienta- agroflorestal. O baixo nível de enfolhamento e o
se que mesmo com esse pico populacional da porte reduzido dos cafeeiros permitem índices
praga a sua incidência não foi suficiente para elevados de solarização nas folhas das plantas de
alcançar o nível econômico de dano estabelecido café, afetando o microclima do agroecossistema.
para esta praga. Além disso, o sistema agroflorestal ainda não
Acredita-se que o grande porte dos cafeeiros, o possuía um dossel suficiente para sombrear os
alto índice de enfolhamento e um espaçamento cafeeiros. Tais variáveis favorecem uma elevação
menor possibilitaram o auto-sombreamento dos da temperatura no ambiente agrícola, condição
cafeeiros nos agroecossistemas convencional, necessária para o crescimento populacional do
orgânico e organo-mineral, diminuindo a insolação bicho-mineiro.
e altas temperaturas, interferindo nas condições Provavelmente o estado fisiológico dos
climáticas favoráveis ao desenvolvimento da praga. cafeeiros seja afetado pelo sistema de colheita

Figura1: Incidência do bicho-mineiro (Leucoptera coffella) nos agroecossistemas cafeeiros convencional,


organo-mineral, orgânico e agroflorestal no sul de Minas Gerais

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seletiva adotado no sistema agroflorestal. E a exclusão dos agrotóxicos e de adubos solúveis, a


condição fisiológica das plantas de café poderá utilização de biomassa como fertilizante, o
influenciar positivamente a infestação do bicho- estímulo à biodiversidade e o uso de alguns
mineiro. Sabe-se que este sistema de colheita preparados, no seu conjunto, têm-se mostrado
permite a obtenção de café com excelente eficientes para reduzir os danos por pragas.
qualidade. No entanto, a maturação desigual e Apesar de não ser objetivo do presente
lenta dos frutos ocasionada pelas diversas floradas trabalho, observou-se sinais de predação das
em períodos distintos e pelo sombreamento lagartas do bicho-mineiro por vespas. De acordo
permite que a presença de frutos nas plantas se Reis et al. (2002), a ocorrência do bicho-mineiro
prolongue por um período maior de tempo, uma está condicionada a diversos fatores, dentre eles a
vez que a retirada de frutos dos cafeeiros ocorrerá presença ou não de predadores e parasitóides.
somente quando estes estiverem no estágio de Acredita-se que a presença de fragmentos de
café cereja. Além disso, possivelmente os matas no entorno de todos os agroecossistemas
mecanismos de defesa do cafeeiro são afetados caracterizados servem como abrigo e fonte de
pelo desgaste energético causado pela granação e alimentos secundários aos inimigos naturais do
maturação dos frutos, que no caso, foi por um bicho-mineiro, sendo uma das determinantes que
período maior de tempo. A disponibilidade de possibilitaram níveis de infestações abaixo do
nutrientes minerais pode influenciar a seleção do nível de dano econômico em todas as avaliações
hospedeiro pelo inseto por alterar a composição dos agroecossistemas estudados.
química, a morfologia e anatomia, bem como a Sabe-se que o café no Brasil, desde o início de
fenologia da planta (MARSCHNER, 1995 apud sua implantação no século XVIII até os dias atuais,
CAIXETA et al., 2004). Alta disponibilidade de N é realizado em monocultivos a pleno sol,
aumenta o teor foliar de aminoácidos e proteínas, acarretando maiores níveis de insolação e altas
bem como o crescimento vegetativo, retardando a temperaturas nos agroecossistemas, o que
maturação e lignificação dos tecidos, enquanto contribui positivamente com elevadas infestações
que, a adequada nutrição potássica aumenta essa do bicho-mineiro, se não for monitorado e
lignificação (CAIXETA et al., 2004). Dessa forma, controlado com o uso de inseticidas.
estudos futuros nessa linha temática poderão Por isso, acredita-se que a arborização dos
averiguar a hipótese levantada neste trabalho. cafeeiros é uma prática cultural indicada para a
Outra hipótese levantada no estudo diz respeito minimização da insolação e altas temperaturas
ao manejo agroflorestal adotado na propriedade, nos agroecossistemas e, conseqüentemente, um
pois talvez ele não consiga suprir as necessidades microclima nessas condições evidenciadas
nutricionais do cafeeiro. Aporte de nutrientes via diminuirá a evolução da infestação da praga.
manejo orgânico do solo (aplicação de composto Segundo Guharay et al. (2001), a presença de
orgânico, manejo sistemático da biomassa vegetal) árvores no sistema reduz a temperatura e a
é fundamental à nutrição e sanidade das plantas. entrada de luz, e aumenta a umidade no ambiente,
De qualquer forma, os resultados observados variáveis que influenciam as dinâmicas das
nesta pesquisa indicam que as infestações do pragas.
bicho-mineiro nos sistemas alternativos de A associação de cafeeiros com espécies
produção não atingiram níveis capazes de gerar arbóreas pode significar maior estabilidade da
dano econômico à cultura. Tais dados confirmam produção, redução da bienalidade, redução da
as afirmações de Khatounian (2001), de que a incidência de plantas daninhas e da seca dos

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Produção de café agroecológico no

ponteiros, do bicho-mineiro, proteção contra abril e maio observaram-se os maiores índices,


geadas e uma diversificação da fonte de renda do 1,3% e 1,35%, consecutivamente, e no último mês
produtor (CAMPOE et al., 2003a e b apud RIGHI, de avaliação (junho) obteve-se 0,98% (Figura 2).
2005), (LUNZ et al., 2004 apud RIGHI, 2005). No agroecossistema organo-mineral observou-
se baixíssimos índices de infestação da broca,
Broca-do-café (Hypothenemus hampei – Ferrari, onde a incidência variou de 0,052% a 0,67% no
1867) período de avaliação, conforme se pode observar
As avaliações da infestação da broca-do-café na Figura 2. Coincidentemente, no
foram realizadas através de análises não agroecossistema orgânico a infestação da broca
destrutivas, ou seja, avaliavam-se a presença ou atingiu níveis parecidos aos encontrados no
não de frutos brocados sem retirá-los dos sistema organo-mineral, variando de 0,05% a
cafeeiros, de acordo com a metodologia já 0,72% (Figura 2).
descrita. Os monitoramentos foram realizados Como se pode observar na Figura 2, a
mensalmente, com início das avaliações em evolução populacional da broca-do-café no
dezembro de 2007 e término em junho de 2008. agroecossistema agroflorestal manteve-se abaixo
De acordo com Moraes (1997) apud Martins de 0,6% em todos os meses que se realizou o
(2003), os danos provocados pela broca-do-café monitoramento, exceto no mês de maio onde
começam quando a infestação atinge valores de 3 atingiu um índice de 1,14%. No entanto, em todas
a 5% ou acima de 5%. as avaliações realizadas evidenciaram-se índices
No agroecossistema convencional pode-se insignificantes de infestação.
verificar o início de uma pequena infestação de Verificou-se que, em nenhum agroecossistema,
0,46% somente em fevereiro de 2008. Em março a infestação da broca-do-café foi superior a 3%,
ocorreu um decréscimo da infestação (0,31%), em porcentagem representativa do nível de dano

Figura 2 : Incidência da broca-do-cafeeiro (Hypothenemus hampei) em agroecossistemas convencional,


organo-mineral, orgânico e agroflorestal no sul de Minas Gerais.

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Lopes, Araújo, Ferraz, Lopes & Fernandes

econômico. Dentre todos os sistemas, o relação aos demais sistemas que não utilizaram
convencional obteve o maior índice de infestação agrotóxicos. Presume-se que assim o
em maio de 2008 (1,35%), conforme se pode agroecossistema convencional teve um custo
observar na Figura 2. E os agroecossistemas adicional na compra do inseticida e na aplicação
organo-mineral e orgânico atingiram infestações do mesmo, enquanto os agroecossistemas
menores que 0,67% e 0,72%, consecutivamente alternativos adquiriram maior resiliência à praga
(Figura 2). devido ao manejo utilizado e ao possível equilíbrio
Em todos os agroecossistemas (convencional, biológico gerado pela abstinência ao uso de
organo-mineral e orgânico), a colheita foi feita com agrotóxicos nos sistemas.
derriçadores costais motorizados, com exceção do
agroflorestal, que foi realizada de forma seletiva e Considerações finais
manual, onde se privilegiava somente a retirada de A produtividade média alcançada pelos
frutos cereja. Na colheita mecanizada, enquanto o sistemas organo-mineral e orgânico nos últimos
operador da máquina derriçava os frutos, uma quatro anos foi superior à produtividade obtida
outra pessoa realizava o repasse através da pelo agroecossistema convencional, talvez pelo
colheita manual. seu maior equilíbrio, por não receberem
Os dois sistemas de colheita utilizados pelos agrotóxicos, que é, dentro da teoria da trofobiose,
cafeicultores evidenciam práticas agrícolas uma das causas deste desequilíbrio. Já o sistema
essenciais ao manejo alternativo da broca-do-café. agroflorestal possui uma produtividade de
A derriça do café sobre panos de polietileno biomassa maior do que a encontrada em todos os
juntamente com repasse para retirada dos grãos sistemas (150 caixas de banana/mês, uma boa
remanescentes e a colheita seletiva somente dos quantidade de madeira e frutos não mensurada na
frutos maduros visam uma colheita bem feita, pesquisa, 14 sacas de café ha-1 ano-1).
evitando-se deixar frutos nas plantas e no solo. A Além de evidenciar sustentabilidade sócio-
colheita seletiva impede a possível queda de frutos ambiental, o resultado da pesquisa evidencia a
secos no chão, que servem de abrigo para a sustentabilidade econômica desses sistemas
praga. agrícolas alternativos, tanto questionada por
Sabe-se que frutos deixados na planta ou no muitos agricultores, técnicos e pesquisadores.
chão representam riscos de infestações da broca Assumindo importante estratégia de
no ano seguinte, pois elas utilizam esses frutos desenvolvimentos rural sustentável para a
remanescentes como abrigo nos períodos que cafeicultura sul mineira.
podem variar de maio a novembro (entressafra), Em todos os agroecossistemas monitorados, ou
dependendo da época da colheita e floração do seja, o agroecossistema convencional, o organo-
café, iniciando um novo ciclo com entrada nos mineral (SAT), o orgânico (monocultivo) e o
frutos “jovens”, conhecidos como chumbinhos. agroflorestal (biodiverso), ambos manejados pela
Apesar das infestações da broca nos agricultura familiar, a infestação da broca-do-café
agroecossistemas avaliados não atingirem níveis não atingiu nível de dano econômico.
capazes de causar dano econômico, pode-se Provavelmente, esse resultado foi possível porque
constatar que a lavoura cafeeira convencional se realizou uma colheita do café bem feita em
sofreu maior incidência da praga mesmo utilizando todos os agroecossistemas, evitando-se deixar
o inseticida Endossulfan, obtendo em alguns frutos nos cafeeiros. Dentre todos os
meses de avaliação o dobro da infestação em agroecossistemas, o convencional obteve o maior

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Produção de café agroecológico no

índice de infestação da praga, apesar de ter ALTIERI, M. 2002 a. Biotecnologia agrícola:


mitos, riscos ambientais e alternativas. Porto
utilizado controle químico, fato que causou Alegre: EMATER-RS. 54p.
aumento nos custos de produção. A utilização de ALTIERI, M. 2002b. Agroecologia: bases
agrotóxicos no sistema convencional de manejo científicas para uma agricultura sustentável.
pode ter proporcionado um desequilíbrio biológico, Guaíba, RS. Editora Agropecuária, 592 p.
possibilitando maior infestação da broca neste BORGES, M. 2000. A percepção do agricultor
familiar sobre o solo e a agroecologia.
agroecossistema. Dissertação (Mestrado) no IE. Unicamp.
Situação parecida ocorreu com os resultados Campinas. 245 p.
da infestação do bicho-mineiro, pois não atingiu CAIXETA, I. F. & PEDINI, S. 2002. Cafeicultura
nível de dano econômico em nenhum dos sistemas orgânica: conceitos e princípios. In: Informe
agropecuário, v. 23, n. 214/215, p. 87-96
avaliados. Os baixos índices de infestação de
CAIXETA, S. L. et al. Nutrição e vigor de mudas
bicho-mineiro encontrados em todos os de cafeeiro e infestação por bicho mineiro.
agroecossistemas estudados podem estar Ciência Rural, Santa Maria, v.34, n.5, set./out.
relacionados ao porte alto dos cafeeiros, ao alto 2004, p.1429-1435.
índice de enfolhamento, e um espaçamento semi- GUHARAY, F.; MONTEROSSO, D.; STAVER,C. El
diseño e manejo de la sombra para la supresión
adensado, que possivelmente possibilitaram o de plagras em cafetales de América Central.
auto-sombreamento da cultura, diminuindo a Agroforestía en las Américas, Turrialba, v. 8,
insolação e altas temperaturas, condições n. 29, p. 22-29, 2001.
climáticas estas favoráveis ao desenvolvimento da KHATOUNIAN, C. A. 2001. A reconstrução
ecológica da agricultura. Botucatu, SP:
praga. E os baixos níveis de infestação de ataque Editora Agroecológica. 348 p.
do bicho-mineiro no sistema convencional podem MARTINS, M. Caracterização de sistemas
ser atribuídos à aplicação de inseticida. orgânicos de produção de café utilizados por
Averiguou-se neste trabalho que o manejo agricultores familiares em Poço Fundo-MG.
2003. 190 f. Tese (Doutorado em Fitotecnia) –
ecológico adotado pelos agricultores familiares do Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2003.
sul de Minas Gerais foi eficiente no controle das MOGUEL, P.; TOLEDO, V.M. 1999. Biodiversity
pragas, bicho-mineiro e broca-do-café. Com os conservation in traditional coffee systems of
resultados dessa pesquisa, verificou-se que os México. Conservation Biology, Cambridge,
v.13, n.1, p.11-21
sistemas alternativos de produção de café (organo-
MOREIRA, R.M. Transição agroecológica:
mineral, orgânico e agroflorestal), representam conceitos, bases sociais e a localidade de
diferentes maneiras de relacionamento com a Botucatu/SP – Brasil. 2003. 151 f. Dissertação
natureza, respeito aos processos ecológicos e ao (Mestrado) – Instituto de Economia,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
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