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O QUE SOMOS E DE ONDE VIEMOS [NÓS], OS LATINO-

AMERICANOS?

Nossos primeiros pais foram os índios, porque inicialmente eles


povoaram este continente. Porém, os europeus e os africanos
também foram nossos “pais e predecessores”. Todo mundo sabe
como e por que eles vieram: os europeus como conquistadores e
colonizadores para extrair riquezas que alimentasse o nascente capitalismo, e os africanos, como
escravos, para produzir essas riquezas, lá onde os índios tinham desaparecido seja pelo extermínio ou
fugindo do invasor. Nós nascemos dessa tríplice mestiçagem, durante os séculos XVI, XVII e XVIII.
Naquela época, a minoria dominante europeia e seus descendentes aqui nascidos, e autonominados
criollos, descriminavam as inúmeras variantes mestiças que tinham surgido da sua contribuição seminal
nas mulheres índias e negras. Esses novos grupos étnicos que eram chamados de castas ou de cor
quebrada, foram qualificados com as mais curiosas e desprezíveis denominações, principalmente na
Nova Espanha (México) e no Peru, dependendo se descendesse de índios, espanhóis, negros, mestiços,
mulatos ou zambos, e segundo a proporção em que estivessem misturados esses ingredientes como
resultante do cruzamento. Por exemplo: mouriscos, albinos, voltatrás, lobos, zambaigos, cambuxos,
albarazados, barcinos, coiotes, chamizos, lá estais, quinteron, requinteron, gentes brancas, cholos,
chineses, etc. É uma sociologia repugnante, porem reveladora da nossa enorme complexidade étnico-
social produzida pelo colonialismo.

O olhar perspicaz de Bolívar captou num pestanejar a complexidade desse novo episódio humano
constituído por nós, os habitantes das terras deixadas pela colonização peninsular, extraindo dele
certeiras reflexões sociais e políticas. Porém, a advertência feita ao Congresso de Angostura (hoje
Cidade Bolívar, Venezuela), no dia 2 de fevereiro de 1819, era e ainda é valida não só para América
Meridional - como gostava de chamá-la – senão também para tudo o que hoje é América Latina e o
Caribe:

É impossível definir com propriedade qual é a família humana a que pertencemos. A maioria
indígena foi aniquilada, a parte europeia tem se misturado com a americana e africana e esta
[última] se tem misturado ao índio e ao europeu. Nascidos do mesmo seio materno, nossos pais,
diferentes na origem e no sangue, são estrangeiros, todos eles diferenciados pela epiderme.

Pouco tempo antes, o Libertador [título outorgado a Bolívar] tinha assinalado no mesmo discurso:
“Assim, nosso caso é o mais extraordinário e complexo.”

Nos séculos XIX e XX, “nosso caso” complicou-se ainda mais com a chegada dos que poderíamos chamar
de europeus “novos”, além da incorporação, sobretudo, dos asiáticos tanto do oriente próximo como do
distante: árabes, judeus, indianos, chineses, japoneses, cujos descendentes são tão latino-americanos
quanto os filhos dos indígenas, dos negros, e dos europeus “velhos”. Estadísticas indicam que a
imigração europeia ocupou grandes extensões de terra a partir de meados do século XIX na Argentina,
Uruguai, no sul do Brasil e do Chile, embora nenhuma das colônias e ex-colônias americanas tivesse
deixado de receber contingentes de espanhóis, portugueses, italianos, alemães, ingleses, franceses,
judeus europeus e outros, em dimensões diversas.

Manuel Galich (1913-1984)

Em Nossos primeiros pais. Havana, 1979

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