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DOSSIÊ
O ESTADO NOS PAÍSES DEPENDENTES
No presente artigo, lançamos nosso olhar para uma temática de especial relevância para o contexto político
atual latino-americano – o Estado. Ao revisitar os escritos de Ruy Mauro Marini, uma das principais refe-
rências da Teoria Marxista da Dependência, chamamos atenção para suas formulações em torno dos Estados
latino-americanos, sobretudo no que se refere a seu caráter dependente, tema ainda pouco trabalhado nos
estudos recentes de recuperação de sua obra. Nesse sentido, iniciamos nosso percurso tecendo algumas
considerações sobre a concepção de Estado de Marini, salientando sua filiação à tradição teórica marxista,
avançando, em seguida, para suas elaborações sobre as particularidades do Estado capitalista dependente
latino-americano propriamente, centrando-nos, sobretudo, em dois temas que representam, em nossa pers-
pectiva, dois importantes aportes de Marini à análise dos Estados latino-americanos: suas formulações em
torno do subimperialismo e do Estado de contrainsurgência.
Palavras-chave: Estado. Dependência. América Latina. Política. Teoria marxista da dependência.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792018000300007 535
APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
exigindo um olhar atento para suas particulari- Nacional Autónoma de México (UNAM), em
dades. É nesse sentido que revisitamos aqui as 1980,3 por outro lado, permitem afirmar que
contribuições presentes na obra de Ruy Mau- Marini estava familiarizado não apenas com
ro Marini, cujas reflexões lançam luz sobre as a discussão do Estado nos autores marxistas
articulações entre Estado e dependência em clássicos – Karl Marx, Friedrich Engels, Vla-
nossa região. dimir I. Lênin, Antonio Gramsci, Karl Kautsky
Apresentaremos, inicialmente, um estu- e Rosa Luxemburgo –, como também com os
do sobre a concepção de Estado de Marini, avan- debates que lhe eram contemporâneos, nas
çando, em seguida, para suas elaborações em figuras de Louis Althusser, Nicos Poulantzas
torno das especificidades do Estado capitalista e Ralph Miliband, que, a partir de suas origi-
dependente latino-americano, centrando-nos, nais contribuições, trouxeram novo fôlego ao
sobretudo, em dois temas que representam, em estudo do Estado sob a ótica do marxismo. Sua
nossa perspectiva, dois importantes aportes do filiação teórica a essa corrente do pensamento,
autor à análise dos Estados latino-americanos: nesse sentido, além de se mostrar evidente em
suas formulações em torno do subimperialismo sua análise sobre o processo de acumulação
e do Estado de contrainsurgência. e reprodução capitalista, também se explicita
em seu entendimento acerca do aparelho esta-
tal, na medida em que destaca como elemento
A CONCEPÇÃO DE ESTADO DE central sua indissociabilidade com a domina-
MARINI ção de classe. Tal nexo é sublinhado em sua
resenha sobre o livro Dialéctica del Desarrollo,
Não há, na obra de Marini, algum escrito de Celso Furtado, quando Marini chama a
que reúna ou sistematize sua concepção sobre o atenção para o equívoco cometido pelo autor,
Estado, fato que, embora dificulte, não impede em sua interpretação da conhecida passagem
que se reconstitua, a partir do agrupamento de de Engels, em A origem da família, da proprie-
elementos dispersos em diferentes momentos dade privada e do Estado, segundo a qual “[...]
de sua produção, a visão do autor sobre tal ob- há períodos em que as lutas de classes se equi-
jeto. Além de se encontrarem definições sobre libram de tal modo, que o Poder do Estado,
o Estado nos artigos dedicados especificamente como mediador aparente, adquire certa inde-
ao tema, constituem fontes para tal procedimen- pendência momentânea em face das classes”
Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 84, p. 535-553, Set./Dez. 2018
to artigos que discutem temas como a transição (Engels, [1884] 1977, p. 194). Ao atribuir ao
ao socialismo, a universidade na América Lati- Estado a capacidade de desempenhar um pa-
na, análises concretas do autor sobre processos pel autônomo nos conflitos de classe, Furtado
políticos na América Latina, como nos casos teria desconsiderado que “[...] el ejercicio di-
chileno, cubano e nicaraguense, nos quais estão recto e indirecto [grifo do autor] del poder por
presentes referências às formulações marxistas la clase dominante son grados de su dominaci-
clássicas, críticas a concepções de Estado de ou- ón efectiva sobre el aparato del Estado, el cual,
tros autores, como é o caso de Louis Althusser, en ninguna hipótesis, se desvincula, en el pen-
Celso Furtado, Lelio Bassio, bem como elabo- samiento marxista, de la dominación de clase”
rações e interpretações próprias de Marini em (Marini, 1965, p. 214, grifo nosso).
torno do aparelho estatal. Identificamos três passagens na obra de
Embora a problemática do Estado não Marini, orientadas propriamente para a defini-
tenha ocupado lugar central em suas obras, a ção do que é o Estado, as quais, por sua vez,
confrontação entre seus escritos e os progra- 3
Os programas das disciplinas referidas estão disponíveis
mas de dois de seus cursos, História Mundial no sítio eletrônico “Ruy Mauro Marini – Escritos”, na
seguinte página: <http://www.marini-escritos.unam.
Econômica I e II, oferecidos na Universidad mx/007_cursos_marini.html>.
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Maíra Machado Bichir
abrigam duas visões distintas. Na primeira de- tado das forças que constituem a sociedade.5
las, presente no artigo La pequena burguesía y Avançando em relação ao entendimento
el problema del poder4 (1973), Marini salienta do autor acerca do Estado, cumpre destacar sua
a relação existente entre Estado e poder polí- interlocução com a formulação desenvolvida
tico, remetendo-se à estrutura e à função do por Louis Althusser, em Ideologia e aparelhos
aparelho estatal e pontuando os mecanismos ideológicos do Estado ([1970] 1980), tendo em
por meio dos quais tal instituição exerce a do- vista que é a partir da confrontação com tal
minação de classe: perspectiva que Marini constrói sua definição
de sistema de dominação, conceito que adquire
Entendido como capacidad coercitiva, el poder polí-
tico en la sociedad capitalista lo ejerce la burguesía a
grande importância em suas formulações sobre
través del Estado, con el fin de someter a su explota- o exercício do poder político. O autor questio-
ción de clase a los demás grupos sociales. Es por esta na a noção ampliada de Estado, proposta ori-
razón que la teoría marxista identifica al Estado con ginalmente por Antonio Gramsci, reformulada
el aparato burocrático-represivo representado por el por Althusser, em sua concepção em torno dos
gobierno, la burocracia, los tribunales, las prisiones,
aparelhos ideológicos do Estado e, recuperada,
la policía, las fuerzas armadas. Esa expresión mate-
rial del poder burgués se completa con el derecho, el
por sua vez, por Nicos Poulantzas. Fiel à con-
cuerpo de normas cuya infracción activa automática- cepção leninista de Estado, a qual se centra no
mente al aparato estatal para forzar su cumplimiento aspecto coercitivo do aparelho estatal, o autor
e imponer sanciones (Marini, 1976b, p. 92). argumenta que a formulação de Althusser aca-
ba diluindo aquilo que confere especificidade
As outras duas definições estão localiza-
ao aparelho estatal, e propõe, em seu lugar, o
das em artigos escritos no ano de 1978, fundan-
conceito de sistema de dominação:
do-se sobre uma mesma concepção de Estado.
No artigo jornalístico Reedición de “El Principi- Esta concepción del Estado -el Estado como esfera
to”: Las dictaduras hacen girar el sol, o Estado de la coerción, para decirlo con Lenin - se diluye
cuando se le borran los límites, hasta hacerlo coin-
é entendido como “[...] el resultado de las fuer-
cidir con el sistema de dominación sobre el cual re-
zas que constituyen la sociedad real” (Marini,
posa. Es lo que han hecho recientemente Althusser
1978), e, em Estado de contrainsurgencia, uma y, en cierta medida, Poulantzas, cuando, recurrien-
intervenção de Marini no debate La cuestión do a algunas proposiciones de Gramsci, desarrollan
del fascismo en América Latina, tal definição é el tema de los aparatos ideológicos del Estado: es-
reforçada: “[…] siendo el Estado como lo es, la cuela, sindicato, partidos, iglesias, medios masivos
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
minante exerce seu poder. O Estado, na con- le das classes dominantes, ainda as denomina
cepção de Marini, não apenas integra tal siste- como partes do sistema de dominação. Como
ma, senão ocupa seu cume. uma instituição pertencente a tal sistema pode-
As diferenças entre as concepções de Es- ria se eximir do exercício da dominação? Seu
tado de Marini e de Althusser se fazem notar, argumento seria mais coerente se considerasse
ademais, no que tange à relação entre o sistema tais instituições como externas ao sistema de
de dominação (no caso de Marini) e os aparelhos dominação, solução que tampouco resolveria
ideológicos do Estado (no caso de Althusser) e o um problema ainda maior, qual seja, o da pos-
exercício da dominação de classe. Diferentemen- sibilidade de que tais instituições subsistam
te de Althusser (1980, p. 43), para quem os apa- no capitalismo, isto é, de que elas, como ins-
relhos ideológicos do Estado constituem “[...] um tituições capitalistas, sejam capazes de efeti-
certo número de realidades que se apresentam vamente operar em um sentido anticapitalista.
ao observador imediato sob a forma de institui- Outro elemento discutido por Marini
ções distintas e especializadas” e exercem, ne- diz respeito aos mecanismos empregados pelo
cessariamente, a função de dominação de classe, Estado no exercício da dominação. Se, naquela
Marini considera, em seu artigo La universidad primeira definição do autor, bem como em sua
brasileña (1977d), que as instituições que com- contestação às teses de Althusser, Poulantzas
põem o sistema de dominação podem escapar ao e Gramsci em torno da noção ampliada de Es-
controle da classe dominante: tado, ficava evidente a relevância atribuída ao
aspecto coercitivo do Estado, na seguinte pas-
Siendo indiscutible que la mayoría de las institucio-
nes que componen lo que podríamos llamar sistema
sagem, o autor enfatiza a imprescindibilidade
de dominación (Marini, 1976[b]) normalmente se da ideologia, a qual complementa e torna efeti-
encuentran bajo el control de la clase dominante, es va a dominação burguesa.
decir, la clase que detenta el poder del Estado, el térmi-
En efecto, ningún Estado puede asentarse exclusiva-
no aparato ideológico de Estado se presta a confusión,
mente en la coerción. Aún el Estado esclavista, basa-
puesto que no permite distinguir qué instituciones del
do en una relación de opresión-explotación casi in-
sistema de dominación escapan al control de la clase
disfrazable y que, por eso mismo, se sostiene siempre
dominante ni cuándo ocurre esto (Marini, 1977d).
con las armas en la mano, aún ese Estado es forzado
Marini se remete a casos como o do par- a emplear medios no coercitivos - la costumbre, la
idea de la inferioridad del esclavo, etc. - para ejercer
tido revolucionário, que se propõe a derrotar a
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Maíra Machado Bichir
[…] la burguesía debió realizar una labor titánica, Ainda no que tange ao exercício do po-
hasta convertir a la igualdad en subordinación igual der político, porém, nesse momento, do ponto
de todos a la ley; a la libertad, en la libre disposición
de vista da relação entre Estado e classes do-
de la propia fuerza de trabajo; y al progreso, en pers-
pectiva individual de promoción social. La piedra
minantes, convém ressaltar as considerações
de toque de esa construcción ideológica, en el plano do autor a respeito da questão da autonomia
de la dominación, fue el concepto de ciudadanía - o relativa do Estado. Em seus artigos, El Estado
la titularidad individual de los derechos políticos - en América Latina (1975) e Estado y crisis en
mediante el cual la burguesía escamoteó las clases Brasil (1977) estão suas principais reflexões
sociales e hizo a cada uno partícipe aislado de la
em torno do tema. Situando tal discussão no
vida del Estado. El individuo ha sido confrontado
así, sin ninguna defensa, al Estado, fuente y guardi-
campo da teoria marxista do Estado, Marini
án del orden establecido y que cumple su función afirma que o termo relativo se refere ao fato de
mediante el monopolio de la fuerza (Marini, 1987, que, mesmo nos casos em que o Estado aparen-
grifo nosso). te atuar com independência frente às classes
sociais, ele se mantém diretamente vinculado
Identificamos, nessa passagem, uma in-
às classes dominantes que representa, ainda
terlocução implícita de Marini com Poulant-
quando as políticas de Estado firam interesses
zas, sobretudo, no que tange à elaboração do
daquelas classes. Segundo o autor, isso se ex-
autor grego em torno da noção de efeito de
plica porque
isolamento (Cf. Poulantzas, 1977), a qual se
manifesta de maneira ainda mais clara em ou- [...] la clase dominante deposita en el Estado, en tanto
tro trecho de Marini, quando ele atenta para que organización por excelencia de sus intereses, la
responsabilidad de conducción de sí misma. Cuan-
o papel da ideologia burguesa no bloqueio da
do hay suficiente armonía entre las fracciones que la
percepção da classe trabalhadora de sua uni-
componen, la presencia de los intereses generales de
dade como classe: la clase dominante se hace más visible y el margen
de autonomía del Estado en lo que se refiere a su in-
[…] más allá de la conciencia que puedan tener de
terpretación e implementación se restringe. Cuanto
su pertenencia de clase, los obreros productivos o
más se agudizan los conflictos al interior de la clase
improductivos, cualquier que sea la modalidad bajo
dominante, o aun si ésta encuentra ante sí una clase
la cual realizan su trabajo y el ámbito donde lo ha-
dominada con suficiente fuerza como para contestar
cen, del mismo modo que otras clases o fracciones
su dominación, mayor es ese grado de autonomía. Es
de clase sometidas al capital, tienen intereses comu-
por lo que un Estado fuerte, en el sentido autoritario,
nes, cuya percepción establece la base posible de un
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
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Maíra Machado Bichir
tes tanto em suas análises mais gerais, quanto Sin embargo, por mucho que esto nos permita en-
em seus estudos sobre as realidades concretas tender ciertas particularidades del Estado depen-
diente latinoamericano, no nos debe inducir a con-
latino-americanas. Passamos agora a uma in-
fusiones, como el que suscita el concepto de ‘bur-
vestigação acerca do que consideramos como guesía de Estado’, que vienen aplicando para Lati-
os principais aportes do autor à reflexão em noamérica algunos estudiosos (Marini et al., 1975,
torno das particularidades do Estado depen- p. 35, grifo do autor).
dente.
E, no segundo, ao discutir os nexos entre
o Estado dependente e a burguesia imperialista:
APONTAMENTOS SOBRE O CA- Finalmente, en la medida en que la situación que
RÁTER DEPENDENTE DOS ESTA- acabamos de indicar implica que el Estado depen-
DOS LATINO-AMERICANOS diente se encuentra referido también a la burguesía
imperialista, las contradicciones que se establecen
en el seno de ésta operan en el sentido de ampliar
A reflexão mais sistemática do autor
su autonomía relativa, ahora en relación a la misma
acerca do caráter dependente dos Estados la- burguesía imperialista (Marini, 1977b, grifo nosso).
tino-americanos encontra-se em dois de seus
artigos, sendo eles El Estado en América Lati- Ao buscar precisar as particularidades
na (1975), fruto de uma mesa redonda da qual do Estado dependente latino-americano, Mari-
participaram, além de Marini, Agustín Cueva, ni faz questão de ressaltar que tal Estado está
Arnaldo Córdova, Clodomiro Almeyda e Ser- sujeito às determinações gerais do Estado capi-
gio Bagú, e Estado y crisis en Brasil (1977). talista, por se constituir como órgão de domi-
Enquanto, no primeiro, Marini constrói uma nação da burguesia, subordinando “[...] toda la
periodização do processo de formação e con- sociedad al império del capital” (Marini et al.,
solidação dos Estados latino-americanos, re- 1975, p. 9). Nesse sentido, sua função geral é
lacionando-o ao desenvolvimento capitalista a mesma de todos os Estados no capitalismo,
dependente e à articulação das classes domi- qual seja, a de garantir a reprodução do capital
nantes no bloco no poder,6 no segundo, a dis- e a dominação da classe burguesa. Suas carac-
cussão se concentra nas relações entre Estado, terísticas, entretanto, distinguem-se, em diver-
burguesias dependentes e burguesias imperia- sos aspectos, dos Estados que se formaram nos
listas, ganhando destaque a argumentação do países europeus e nos Estados Unidos.
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
bora tal desajuste se dê concretamente, como, ternacionales, las que determinan la duración
por exemplo, na persistência de relações de de esse processo en cada país, aunque sean las
produção escravistas no Brasil na segunda me- condiciones internacionales las que lo impul-
tade do século XIX e de relações “semifeudais” san en todo el continente” (Marini et al., 1975,
nos demais países latino-americanos, frente a p. 10, grifo nosso). Ainda que, nesse último
formas políticas burguesas, este apenas impli- excerto, o autor esteja ressaltando a relevân-
ca uma contradição aparente, segundo Marini, cia das condicionantes nacionais, à medida
uma vez que “En la base del Estado encontra- que delas depende a duração do processo de
mos intereses burgueses perfectamente defini- formação do Estado burguês, a origem de tal
dos y el motor de la economía [...] está consti- movimento é fruto de impulsos externos às
tuido por áreas en que imperan ya relaciones formações sociais latino-americanas.
de tipo capitalista” (Marini et al., 1975, p. 10). No que tange à formação da burguesia
8
Embora não se encontre, nesse artigo, qualquer referên- como classe, Marini considera que, nesse pro-
cia a Balibar, sabemos, a partir da leitura de Reforma y cesso, reside uma das especificidades do Es-
revolución: una crítica a Lelio Basso, que sua fonte reside
na formulação daquele autor, já que Marini cita, em uma tado latino-americano, uma vez que suas ca-
nota de rodapé, a definição de Balibar sobre os períodos de
transição (Cf. Marini, 1974). racterísticas capitalistas se manifestam mais
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Maíra Machado Bichir
rapidamente do que nos casos europeu e es- […] un Estado capitalista que impone al conjunto
tadunidense, tendo em vista que sua gênese de la sociedad el interés de las fracciones de la clase
dominante en mejores condiciones para promover
se dá em um momento no qual o capitalismo
la vinculación a la economía mundial, concedien-
se consolidava como modo de produção domi- do participación minoritaria a las demás fracciones
nante na Europa, e muitos Estados europeus já dominantes locales y aplastando políticamente a la
se haviam conformado. De acordo com o autor, inmensa masa de campesinos y artesanos10 (Marini
et al., 1975, p. 11).
[…] la clase capitalista en América Latina – además
de estar permeada por el capital internacional – tie- Já na década de 1880, tal Estado passa
ne ante sus ojos, antes aún de haber perfilado plena-
por transformações – reformas eleitorais, refor-
mente su carácter de clase, el modelo de dominaci-
mas na educação, etc. – cujo significado está
ón burguesa en aquellas sociedades a las cuales está
ligada por lazos económicos y culturales (Marini et associado, segundo o autor, a uma ampliação
al., 1975, p. 9). progressiva da aliança de classes, maior no
caso da burguesia, e menor no caso dos seto-
Segundo Marini, a formação do Estado res médios urbanos, burgueses e pequeno-bur-
burguês latino-americano deve ser entendida gueses. A conversão daquele Estado em Estado
como um processo de luta entre as distintas burguês se dará, entretanto, apenas a partir da
frações das classes dominantes, na tentativa de década de 1930, com a concretização da alian-
impor sua hegemonia sobre as demais. É preci- ça ou compromisso entre a ascendente bur-
samente tal elemento que orienta sua periodi- guesia média, industrial e comercial, e a antiga
zação dos Estados na América Latina. O autor, burguesia proprietária de terra e mercantil. No
além de distinguir entre duas formas distintas bojo desse processo de transformação, estaria,
de Estado – o Estado oligárquico-burguês e o segundo o autor, o populismo,11 como a forma
Estado burguês –, faz referência ao populismo, de transição do Estado oligárquico-burguês,
como uma forma de transição entre aqueles para o Estado burguês, que se refletiu na cria-
dois Estados e o Estado militar, produto da cri- ção de novos mecanismos de dominação sobre
se do Estado burguês. Conforme evidenciamos as classes proletárias camponesas e peque-
anteriormente, todas essas formas de Estado, no-burguesas, mecanismos esses que, se, por
na perspectiva de Marini, correspondem ao um lado, ampliavam sua participação na vida
mesmo tipo de Estado, o Estado capitalista,9 política, significavam, por outro, o aprofunda-
embora a diferenciação elaborada por Marini mento do controle político e ideológico da bur-
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
O autor encerra sua periodização refe- mucho más poderosa” (Marini et al., 1975, p.
rindo-se ao Estado militar, fruto da crise polí- 34). A força do Estado, por seu turno, justifica-
tica que se instaurou no Estado burguês, e que -se, segundo Marini, em razão do processo per-
implicou a mudança de regime político em di- manente de superexploração dos trabalhadores
versos países latino-americanos. Enfatizando que tem lugar no âmbito daquelas economias,
os casos brasileiro e chileno, o autor salienta o que exige um Estado forte, sobretudo no que
que tal Estado se sustenta por meio de uma re- se refere à sua capacidade repressiva (Marini et
pressão generalizada e do recurso a mecanis- al., 1975).
mos de dominação oriundos do antigo arsenal É no marco da vinculação entre as bur-
fascista, como forma de legitimação. Outra ca- guesias latino-americanas e as burguesias impe-
racterística distintiva desse Estado, e, ao mes- rialistas e das contradições daí advindas que po-
mo tempo, central, diz respeito à diferenciação demos vislumbrar as particularidades da auto-
que tem lugar na classe burguesa, com a as- nomia relativa do Estado dependente, tendo em
censão do grande capital, em estreita associa- vista que é precisamente o Estado que interme-
ção com o capital estrangeiro, à hegemonia do deia o processo de integração entre elas. Marini
bloco no poder. Marini afirma, ademais, que faz referência ao papel cumprido pelo Estado
é precisamente o grau de desenvolvimento da em tal processo em La acumulación capitalista
burguesia nacional e seu grau de integração mundial y el subimperialismo, ao relacionar o
com o capital estrangeiro que distinguirão os desenvolvimento da integração dos sistemas de
Estados latino-americanos nessa nova fase do produção ao fortalecimento do Estado nacional
Estado burguês na região. nos países dependentes, afirmando que
Conforme anunciamos, o tema da auto-
[...] el capital exportado por los países imperialistas
nomia relativa do Estado também será analisa- a las zonas dependientes exige allí del Estado nacio-
do por Marini à luz das especificidades latino- nal una capacidad creciente en materia de obras de
-americanas e será entendido pelo autor como infraestructura, defensa del mercado interno, nego-
“[...] resultado de contradicciones de clases ciaciones financieras y comerciales con el exterior,
inherentes a la situación de dependencia” (Ma- financiamiento interno y creación de condiciones
políticas (en particular en el terreno laboral) favora-
rini, 1977b). Embora constitua um traço carac-
bles a la inversión extranjera (Marini, 1977c).
terístico de todos os Estados, na ótica da teoria
marxista do Estado, na perspectiva de Marini, Na medida em que essa integração não
Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 84, p. 535-553, Set./Dez. 2018
nas sociedades dependentes latino-americanas, se faz sem contradições, erigindo-se sob a égi-
tal elemento se manifesta de maneira ainda mais de de uma cooperação antagônica,13 a burgue-
aguda, o que se deve, na concepção do autor, à sia nativa, como prefere denominar Marini -
debilidade da burguesia desses países. Sua de- em vez de burguesia nacional -, vê-se frente à
bilidade é explicada tanto em função das parti- necessidade de se apoiar no Estado, no sentido
cularidades do processo de acumulação nos pa- de garantir sua preservação, o qual, ao atuar
íses dependentes, que impactam o exercício de como intermediador, tem sua autonomia rela-
sua dominação, quanto por sua articulação e in- tiva aumentada em relação à burguesia nativa,
tegração com a burguesia internacional. De um ampliando sua capacidade de ação na econo-
lado, as frações burguesas dominantes são parte
de um conjunto de classes e frações de classes 13
Marini emprega o conceito de cooperação antagônica,
formulado pelo marxista alemão August Thalheimer, para
“[...] que se basan o en modos de producción definir, em Subdesarrollo y revolución, o caráter assumi-
do pela relação entre a burguesia dos países dependentes
distintos, aunque subordinados, o en fases más latino-americanos e o imperialismo na fase de integração
retrasadas del desarrollo capitalista” (Marini, imperialista, evidenciando a existência de diferenciações
e mesmo oposições de interesses entre aquelas burguesias
1977b), e, de outro, “[...] ha tenido siempre a su e as burguesias imperialistas. Tal conceito assumirá, ade-
mais, grande importância em sua formulação acerca do
lado la presencia de una burguesía extranjera subimperialismo.
544
Maíra Machado Bichir
mia dependente. A autonomia relativa do Es- cavam o ciclo do capital daquelas economias,
tado também se manifesta em relação às bur- sobretudo no que diz respeito à relação entre
guesias imperialistas, associada, nesse caso, a produção e o consumo, implicando um di-
às contradições interimperialistas que têm vórcio ainda mais profundo das necessidades
lugar no seio daquelas burguesias. À medida da maioria da população daqueles países. A
que tais contradições se agudizam, o Estado incorporação de novas tecnologias aos meios
dependente vê sua autonomia relativa frente de produção, ainda que tenha possibilitado
às burguesias imperialistas aumentar. Essas um aumento de produtividade nas economias
contradições, entretanto, não se circunscre- dependentes, não produziu, como efeito, uma
vem, como enfatiza Marini, apenas ao plano redução do recurso à superexploração do tra-
do mercado mundial, convertendo-se, median- balho, razão pela qual a capacidade de consu-
te a integração imperialista, em contradições mo dos trabalhadores se manteve restringida.
internas das próprias economias dependentes Nesse sentido, a produção industrial latino-a-
(Marini, 1977b). mericana se vê diante de graves problemas de
Realizados alguns apontamentos a res- realização, para os quais ela deverá buscar so-
peito das formulações de Marini sobre o Esta- lução. É no bojo dessa limitação que se desen-
do dependente, avançamos agora em direção a volverão mecanismos para contra-arrestar tal
duas contribuições significativas do autor ao tendência, como a exportação de manufaturas,
estudo do Estado nos países dependentes lati- o aumento da capacidade de compra do Estado
no-americanos: sua análise sobre o subimpe- e o incremento do consumo suntuário, através
rialismo e sobre o Estado de contrainsurgência. da distribuição regressiva dos salários (Mari-
ni, 1977a). Tais mecanismos, empregados por
diferentes países latino-americanos, assumem
O subimperialismo como uma particulari- um diferente caráter quando conjugados com
dade dos estados dependentes uma política expansionista, podendo, somente
a partir daí, serem reconhecidos como partes
de uma política subimperialista, segundo a
No presente subitem, dedicamos aten- concepção de Marini.
ção a um conceito que ocupou importante lu- Produto, portanto, tanto da reestrutura-
gar nos escritos de Marini – o de subimperia- ção do sistema capitalista mundial e das leis
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
otro lado, el ejercicio de una política expansionista monopólios industriais e ao capital financeiro
relativamente autónoma, que no sólo se acompaña nacional e internacional (Marini, 1977a), sua
de una mayor integración al sistema productivo
emergência se dá no governo de Castelo Bran-
imperialista sino que se mantiene en el marco de
la hegemonía ejercida por el imperialismo a escala
co, e enfrentará resistências tanto de ordem in-
internacional (Marini, 1977c). terna, quanto externa. Se, no plano externo, as
contradições estavam relacionadas ao fato de
Embora Marini elabore uma definição tal política estar engendrada pela dominação
geral sobre o subimperialismo, ela se baseia, imperialista, estabelecendo-se sobre as bases
fundamentalmente, na experiência histórico- de uma cooperação antagônica, bem como às
-concreta brasileira, já que apenas o Brasil foi disputas interburguesas no âmbito regional,
capaz de reunir aquelas condições, na pers- especificamente entre a burguesia brasileira e
pectiva do autor. Isso não significa, entretanto, a argentina, no plano interno, produziu atritos
que tal possibilidade estivesse vedada a outros e fissuras entre as frações da burguesia brasi-
países,17 como salienta o autor em Dialéctica leira, entre a burguesia e o regime militar, e
de la dependencia: “[…] el subimperialismo entre as classes dominantes e as classes domi-
[…] no es un fenómeno específicamente brasi- nadas.
leño ni corresponde a una anomalía en la evo- Em sua análise sobre o subimperialis-
lución del capitalismo dependiente. […] es tan mo brasileiro, Marini chama a atenção para
sólo una forma particular que asume la econo- o destacado papel do Estado na viabilização
mía industrial que se desarrolla en el marco dessa política. Ao mesmo tempo em que evi-
del capitalismo dependiente” (Marini, [1972] dencia sua capacidade para criar e subsidiar a
2007, p. 136). demanda para a produção, assegurar campos
Nessa mesma passagem, Marini explici- de investimento no exterior, por meio das em-
ta os elementos que permitiram que o Brasil presas estatais, de créditos governamentais ou
se conformasse como um país subimperialista: de garantias a operações privadas na América
Es cierto que son las condiciones propias a la econo- Latina e África (Marini, 1977b), chamando
mía brasileña, que le han permitido llevar lejos su atenção, inclusive, para o estímulo proporcio-
industrialización y crear incluso una industria pe- nado por tal Estado à indústria nuclear e à in-
sada, así como las condiciones que caracterizan a su dústria bélica, explicita sua participação nos
sociedad política, cuyas contradicciones han dado
processos políticos internos de alguns países
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No que tange à problemática aqui discu- Concebido à luz dos golpes militares
tida, entendemos que o conceito de subimpe- que tiveram lugar na América Latina nas déca-
rialismo de Marini lança luz sobre a existência das de 1960 e 1970 – Brasil, Bolívia, Argentina,
de graus distintos de poder entre os Estados Chile, Peru, Uruguai, Nicarágua –, tal conceito
dependentes latino-americanos, evidencian- significou uma mudança interpretativa de Ma-
do, ao mesmo tempo, a articulação entre uma rini a respeito dos regimes políticos estabeleci-
determinada fase do desenvolvimento capita- dos naqueles países, uma vez que, até aquele
lista e a construção de uma política de expan- momento, seus escritos acerca dessa problemá-
são regional por parte do Estado brasileiro. tica estavam construídos sob a chave analítica
do fascismo.21 Com isso, não queremos dizer
que o autor tenha incorrido em uma tradução
Estado de contrainsurgência mecânica do conceito, mas sim que sua formu-
lação sobre o Estado de contrainsurgência im-
Passamos ao último ponto deste artigo, plica um passo adiante em sua análise, já que
aquele que concentra, em nossa perspectiva, a enfatiza as particularidades do processo vivido
principal contribuição de Marini a respeito do pelos países dependentes, em um espaço-tem-
Estado dependente latino-americano. Trata-se po distinto, e enfrentando condições bastante
de sua formulação em torno do conceito de Es- diversas daquelas experimentadas pelos países
tado de contrainsurgência. Forjado na segunda europeus na primeira metade do século XX.
metade da década de 1970, tal conceito apare- O primeiro ponto que merece ser assina-
ce primeiramente em alguns artigos jornalís- lado é que tal conceito não se refere apenas às
ticos de Marini, alcançando, porém, o ponto ditaduras militares. Ele tem um escopo mais
mais alto de sua sistematização na intervenção amplo, pois corresponde ao processo contrar-
do autor no seminário Las fuentes externas del revolucionário latino-americano, abrangendo
fascismo: el fascismo latinoamericano y los in- também regimes civis, como afirma Marini, ao
tereses del imperialismo, ocorrido em 1978, no se referir ao caso venezuelano. Na concepção
México, o qual deu origem ao dossiê La cuesti- do autor, o Estado de contrainsurgência “[…]
ón del fascismo em América Latina, contando, es el Estado corporativo de la burguesía mono-
ademais, com as contribuições de Pío García, pólica y las Fuerzas Armadas, independiente-
Agustín Cueva e Theotônio dos Santos. Embo- mente de la forma que asuma ese Estado, es
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
der entre Estados Unidos e União Soviética, na deben subordinarse a la burguesía monopólica, que-
direção de um maior equilíbrio entre os dois dando su desarrollo en estricta dependencia del di-
namismo que logre el capital monopólico, mientras
países. Diante dessa nova situação, Marini
que la pequeña burguesía, aunque sin dejar de ser
acentua a formulação de uma nova estratégia privilegiada en la alianza de clases en que reposa el
estadunidense para enfrentar os movimentos nuevo poder burgués, es forzada a aceptar una rede-
revolucionários, conduzida a partir do gover- finición de su posición, pierde importancia política
no de John F. Kennedy, cujo centro residia na y queda, ella también totalmente subordinada, con
doutrina de contrainsurgência. Ancorada em sus condiciones de vida vinculadas a las iniciativas
y al dinamismo de la burguesía monopólica (Marini
três consignas, o aniquilamento do inimigo, a
et al., 1978, grifo do autor).
conquista de bases sociais e a institucionaliza-
ção, tal política teve, na América Latina, um Tendo essa passagem como referência,
de seus principais laboratórios, contando com vemos como o Estado de contrainsurgência
a colaboração ativa das classes dominantes lo- se inscreve na periodização de Marini. Pode-
cais e constituindo-se como ponto de sustenta- mos afirmar que tal Estado representaria, na
ção dessa política. percepção do autor, a consolidação do Estado
Voltando-se precisamente para as clas- burguês na América Latina. Se, em sua expo-
ses dominantes latino-americanas, Marini sição em El Estado en América Latina, Marini
atenta para os impactos da integração imperia- evidenciava que o Estado populista foi um Es-
lista dos sistemas de produção no bloco no po- tado de transição entre o Estado oligárquico-
der, e, consequentemente, no próprio Estado -burguês e o Estado burguês, e, nesse momen-
latino-americano. Os investimentos diretos de to, afirma que o Estado de contrainsurgência
capital estrangeiro, a subordinação tecnológi- sucedeu o Estado populista, entendemos que o
ca e a penetração financeira que caracteriza- Estado de contrainsurgência qualifica a forma
ram esse processo, na América Latina, impul- assumida pelo Estado burguês naquela fase da
sionaram o desenvolvimento de uma burgue- dependência latino-americana, de integração
sia monopolista naqueles países, estreitamente imperialista dos sistemas de produção, e frente
vinculada à burguesia imperialista, sobretudo, à política contrarrevolucionária que impactou
à estadunidense. Às contradições particulares profundamente aqueles países.
do capitalismo dependente, da qual a supe- É, portanto, sobre a base concreta de
rexploração do trabalho é uma das principais rupturas e cisões no interior do bloco no poder
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expressões, impõem-se novas fissuras entre as e de hegemonia das frações monopolistas na-
classes e frações de classes latino-americanas, cionais e estrangeiras22 que se conforma o Es-
como resultado da maior centralização de ca- tado de contrainsurgência, o qual se defronta,
pital e da proletarização da pequena burguesia ademais, com a ascensão e a radicalização de
que a integração imperialista enseja. Como re- movimentos populares camponeses e operá-
conhece Marini, rios, frente aos quais, sobretudo após a expe-
riência revolucionária cubana de 1959, oporá
El resultado de ese proceso es la ruptura, el abando-
no de lo que había sido, hasta entonces, la norma en uma forte e violenta reação.
América Latina: el Estado populista, es decir, el ‘Es- Estabelecidas as bases sobre as quais se
tado de toda la burguesía’, que favorecía la acumu- estrutura o Estado de contrainsurgência, avan-
lación de todas sus fracciones (aunque éstas aprove-
22
Ao explicitar os conflitos que têm lugar no interior do
charan desigualmente los beneficios puestos a su al- bloco no poder, Marini adverte que mesmo sendo um “Es-
cance). En su lugar, se crea un nuevo Estado, que se tado do capital monopolista”, no sentido de que é essa
fração que exerce a hegemonia, tal fato não exclui a partic-
preocupa fundamentalmente de los intereses de las ipação das demais frações burguesas.Sua preocupação, ao
fracciones monopólicas, nacionales y extranjeras, y ressaltar esse ponto, estava em esclarecer que tal Estado,
ainda que hegemonizado pela fração monopolista, garan-
establece, pues, mecanismos selectivos para favore- tia a exploração e a dominação da classe burguesa em seu
cer su acumulación; las demás fracciones burguesas conjunto (Cf. Marini et al., 1978).
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cemos rumo à sua caracterização. De acordo recorrer às Forças Armadas como mecanismo
com Marini, seu traço distintivo residiria na último de defesa do poder burguês, tal burgue-
existência de dois ramos centrais de decisão sia confere a esse aparelho especial do Estado,
no poder executivo. Marcado por um poder segundo Marini “[...] la misión de solucionar el
executivo hipertrofiado,23 seus ramos centrais problema; está, pues, pasando del terreno de la
de decisão estão articulados pela combina- política al de la guerra” (Marini et al., 1978).
ção entre um ramo militar e outro econômico, Como já advertimos, Marini se ocupa
como descreve o autor: de distinguir o Estado de contrainsurgência
latino-americano do Estado fascista europeu,
De un lado, la rama militar, constituida por el Esta-
do Mayor de las Fuerzas Armadas, que expresa a la
afirmando que, embora ambos correspondam
institución militar al nivel de la toma de decisiones a formas particulares de contrarrevolução
y que reposa sobre la estructura vertical propia a las burguesa, recorrendo ao terrorismo de Esta-
Fuerzas Armadas; el Consejo de Seguridad Nacio- do como mecanismo de enfrentamento a seus
nal, órgano deliberativo supremo, en el que se en- opositores, há elementos que os diferenciam
trelazan los representantes de la rama militar con
significativamente. Os próprios processos de
los delegados directos del capital; y los órganos del
servicio de inteligencia, que informan, orientan y
contrarrevolução, dos quais tais Estados são
preparan el proceso de toma de decisiones. De otro produtos, lhes imputam traços característicos,
lado, la rama económica, representada por los mi- como é o caso da relação entre tal Estado e as
nisterios económicos, así como las empresas estata- classes trabalhadoras. No caso do fascismo eu-
les de crédito, producción y servicios, cuyos pues- ropeu, o Estado que se conformou a partir da
tos clave se encuentran ocupados por tecnócratas
crise do sistema de dominação não foi capaz
civiles y militares. Así, el Consejo de Seguridad Na-
cional es el ámbito donde confluyen ambas ramas,
de excluir a classe trabalhadora da vida polí-
entrelazándose, y se constituye en la cúspide, el ór- tica por meio da força, tendo sido necessário
gano clave del Estado de contrainsurgencia (Marini isolá-la ideológica e politicamente, em razão
et al., 1978, grifo do autor). de seu desenvolvimento político, segundo Ma-
rini (1976a). Como afirma o autor, tal processo
Ainda de acordo com o autor, a tomada
implicou que “La vieja democracia liberal y
de decisões tem seu epicentro justamente no
todo lo que legitimaba la dominación burgue-
poder executivo, afastando-se da influência
sa debieron ser cuestionados, en nombre de
das demais instâncias de poder, a legislativa e
nuevos mitos que aseguraran que esa domina-
a judiciária. Ao destacar o papel cumprido pe-
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APORTES DE RUY MAURO MARINI AO DEBATE SOBRE O ESTADO...
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In this article, we look at a theme of special relevance Dans cet article, nous examinons un thème
to the current Latin American political context, the particulièrement pertinent pour le contexte politique
State. Revisiting Ruy Mauro Marini’s writings, one latino-américain actuel, l’État. Pour revenir sur les
of the main references to the Marxist Theory of écrits de Ruy Mauro Marini, l’une des principales
Dependence, we pretend to highlight its formulations références de la Théorie Marxiste de la Dépendance,
on the Latin American States, especially on their nous appelons l’attention sur ses formulations
dependent nature, which, we argue, is a subject autour des États latino-américains, en particulier en
loosely studied by the recent recoveries of his work. ce qui concerne le caractère dépendant de ces États,
So, this article began with important considerations thème encore peu exploité dans les études récentes
about Marini’s conception of the State, emphasizing de récupération de son travail. En ce sens, nous
its affiliation to the Marxist theoretical tradition. avons commencé notre chemin à tisser quelques
Further, the study focus on the particularities of the considérations sur la conception de l’État de Marini,
Latin American dependent capitalist State, with surlignant son appartenance à la tradition théorique
special attention on two themes that represent, in marxiste, passant ensuite à ses élaborations sur
our view, two important contributions of Marini to les particularités de l’État capitaliste dépendant de
the analysis of the Latin American States, which l’Amérique latine spécifiquement, en se concentrant
are: his formulations on sub-imperialism and the principalement sur deux thèmes qui représentent,
State of counter-insurgency. sous notre perspective, deux contributions
importantes de Marini à l’analyse des États latino-
américains, ses formulations autour du sous-
impérialisme et de l’État de la contre-insurrection.
Keywords: State. Dependency. Latin America. Politics. Mots-clés: État. Dépendance. Amérique latine.
Marxist theory of dependency. Politique. Théorie marxiste de la dependance.
Maíra Machado Bichir – Doutora em Ciência Política. Professora Adjunta do curso de Ciência Política
e Sociologia - Sociedade, Estado e Política na América Latina, da Universidade Federal da Integração
Latino-americana (UNILA). Integra o grupo de pesquisa Neoliberalismo e Relações de Classe no Brasil,
vinculado ao Centro de Estudos Marxistas (CEMARX), na UNICAMP, o Grupo de Estudos de Teoria
da Dependência (GETD), vinculado à UNILA e o Grupo de Estudos e Pesquisa para Alternativas em
Relações Internacionais (GARI), vinculado à UNESP - Franca. Seu campo de pesquisa abrange estudos
sobre pensamento político e social latino-americano, Estado, poder e dependência na América Latina.
Suas mais recentes publicações são: Dossiê A atualidade do pensamento de Ruy Mauro Marini. Cadernos
Cemarx, v. 9, p. 9-11, 2017; Resenha: O Estado no centro da mundialização - A sociedade civil e o tema
do poder. Critica Marxista (São Paulo), v. 42, p. 191-193, 2016.
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