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Maria Helena Massena Ferreira, Marias Deste Nosso Mundo

José Pimentel Teixeira


Blog ma-schamba, 19.2.2008

“Marias Deste Nosso Mundo” (Ndjira, 2006), de Maria Helena Massena Ferreira.
Médica pediatra do Hospital Central, professora universitária (presumo que jubilada), de
ascendência portuguesa e em Moçambique desde os anos 50, quando aportou já mãe à
então colónia. Na nota biográfica descrevendo-se como de um núcleo familiar
oposicionista (“Democratas de Moçambique”?, não está explícito).

Sem objectivos literários, em parte memorialista, o livro consta de 5 pequenas histórias


(e um poema), das muitas que a médica terá para recordar. Esse o seu interesse, o eco da
permanência das “doenças da fome” – tantas vezes esquecida quando no seu avatar
subnutrição -, elas descritas bem como a sua constância no mundo infantil. E a memória
dos efeitos desestruturadores das redes familiares que a guerra teve, de como potenciou
não só as doenças como a incapacidade dos núcleos familiares se reproduzirem.

É um texto sobre mulheres, e sobre a sua fragilidade estrutural (Marido sem amor /
Maria humilhada / O desgaste de sofrer) [p. 54], mães e avós tentando fazer medrar as
suas crianças. E do esforço da médica, uma postura iluminista, tanto no olhar sobre
práticas e concepções outras, tão presentes no sul e centro – os diagnósticos por
imputação de feitiço, as madrastas “madrastas”, símbolo da desestruturação das
parentelas, os cuidados maternais em linha matrilinear chocando com a lógica
patrilinear, etc. - que tanto penalizam as mulheres e sua prole.

Interessante ainda, exemplo geracional, a memória grata sobre os anos 80, o “tempo do
carapau e do repolho” como aqui se diz. Ainda que aflorando de modo breve lá está o

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elogio dos mecanismos colectivos de gestão e a, ainda hoje algo surpreendida,
descoberta do tradicionalismo afinal não tão-revolucionário – pelo menos em questões
cosmológicas e de género – dos grupos dinamizadores, formas de base da administração
pública de então.

Na sua linearidade retórica um testemunho interessantíssimo. Sobre a saúde infantil,


sobre o mundo das relações de género. Mas também sobre o processo de constituição do
Estado-nação.

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