Você está na página 1de 8

DIAIQGO

ECONOMIA E SOCIEDADE
A COMPETIÇÃO DE IDEIAS
Milton Friedman e James Tobin, Prémios Nobel

A TRANSFORMAÇÃO DO
PODER MUNDIAL
JosephS.Nye.Jr.

FEMINISMO E
CONSOLIDAÇÃO DE CLASSE
Barbara Ehrenreich
Divertimento Clássico DIÁLOGO t UMA REVISTA
TRIMESTRAL DE PENSAMENTO E
Cisnes gigantescos sobre o Swan Hotel (Hotel Cisne), situado à beira de um lago, projeto de Michael Gra- OPINIÃO SIGNIFICATIVOS SOBRF
TEMAS SOCIAIS, POLÍTICOS,
ves para o complexo do Wall Disney World, perto de Orlando, Flórida. Os executivos da Disney pediram ECONÓMICOS E CULTURAIS NOS
ESTADOS UNIDOS. ESTE DIÁLOGO
aos arquitetos pós-modernos que criassem escritórios, centros de convenção e alojamentos que levassem a DE DIFERENTES INTERLOCUTORES
REPRESENTA A OPINIÃO DOS
fantasia e as histórias infantis para o mundo de hoje, para além do parque de diversões. Os cisnes de AUTORES E NÃO REFLETF-,
Graves, de 14 metros, sugerem tanto o espírito brincalhão do pós~modernismo quanto, em sua alusão à arte NECESSARIAMENTE, OS PONTOS
DE VISTA OU A POLÍTICA DO
clássica, a fusão com os estilos históricos. Para conhecer mais sobre o pós-modernismo em outras esferas da GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA. REDAÇÃO: UNITED
cultura, ler o ensaio com inkio na página 12. STATES INFORMATION AGENCY,
301 4TH STREET, S.W.,
WASHINGTON. D,C. 20547 U.S.A.
As matérias com (opyrigkt não podem ser
reproduzidas sem permissão. Os pedidos
devem ser endereçados às fontes citadas
ou ao OuSiogn, Consdido Geral dos
EUA, Av Pres. Wilson. 147, Rio
dejaneiro, RJ, 20030

DIALOGUE
EDITOR-1N-CHIEF
PeterJ. Lainé
MANAGING EDITOR
Julia Schiff
TEXT EDITOR
George Clack
ART DIRECTOR
Joseph Morgan
PHOTOGRAPHV EDITOR
Ellen F. Toomey
ASSOCIATE EDITORS Scott
Ballotin (text) Holly Stewart
(text) Candace J. Davis
(graphics)
EDITORIAL ASSISTANT
Queen Bush
DIÁLOGO
EDITORA RESPONSÁVEL
Sitsan E. Stahl
EDITOR-CHEFE
Waldir Ribeiro do Vai
EDITORIA GRÁFICA
Hélio J. Fernandes
Raphael Cupello

CAPA: Economistas debatem os


melhores meias de atingir as metas
da nação em "A Competição de
Ideias", parte da seção especial
sobre Economia e Sociedade que se
inicia na página 19. Foto de Pete
Turner.
Composto na Lidio Ferreira Júnior
Artes Gráficas e Editora Ltda.
Rua dos Inválidos. MS- Rio At Janeiro. KJ

p _ liodc
Jíocim. *J
D I Á L O G O

A TRANSFORMAÇÃO DO
PODER MUNDIAL

Joseph S. Nye, Jr.


Tradução de Aiidrea Cunha

A maior fonte de poder nos assuntos internacionais hoje pode estar em


persuadir outras nações a verem o seu interesse como interesse das dema

Desde os tempos de Atenas e Esparta, os


estadistas viram o poder como símbolo da
força económica e militar. Hoje,
entretanto, muitas questões internacionais
— dívida externa e efeito estufa, por
exemplo — resistem a uma solução pelos
meios clássicos. "A medida que a política
mundial se torna mais complexa", escreve
o cientista político Joseph S. Nye,Jr., "o
poder dos principais países para atingir
seus objetivos parece diminuir."
Como, então, deveríamos medir o
poder num mundo em rápida
transformação? Nos Estados Unidos,
questões como essas assumem
frequentemente a forma de debate sobre
o papel da América na ordem
internacional que está emergindo. O
historiador Paul Kennedy e alguns
outros críticos vêem as novas limitações
da capacidade dos Estados Unidos de
executar suas políticas no exterior como
sinal de declínio nacional (ver Diálogo
vol. 23 n°. 1) mas Nye discorda deste
ponto de vista. Para ele, todas as nações
devem perseguir seus objetivos através de
novos instrumentos de poder.
Nye é professor de administração
pública na Universidade de Harvard e
direior do Centro para a Ciência e
Assuntos Internacionais dessa
instituição. Entre seus livros figuram
Power and Interdependence, NucleaT
Ethics, e Bound to Lead: The Changíng
Nature of American Power.
O cientista político Joseph S. Nye,Jr.
ir americano Brooks Adams apontou o

A
quesião crucial para os Estados cos, já foi amplamente observado no
Unidos nos anos 90 é desenvolver controle de metais e minerais como si- início dos anos 70. Entretanto, no seu
uma mentalidade realista sobre as nal do futuro poder militar e económi- final, o estado de espírito americano
forças e limites do seu poder. Pesquisas co; ele previu o declínio da Grã-Breta- mudou. A tomada da embaixada
mostram que metade da população nha e a ascensão da Rússia e da China. americana pelo Irã e a invasão soviética
acredita que o país está em declínio, e Na verdade, como assinalou o soció- do Afeganistão pareciam restabelecer o
aqueles que crêem nisso tendem a ser logo Daniel Bell, no fim deste século, as papel da força e a primazia da tradicio-
mais protecionistas e a aconselhar o matérias-primas e a indústria pesada nal agenda de segurança. A eleição de
abandono do que vêem como "compro- são sinais menos importantes do poder Ronald Reagan acentuou essas tendên-
missos internacionais em excesso". Mas económico do que a informação e os cias no início dos anos 80. O orçamento
tal conselho seria contraproducente no serviços profissionais e técnicos. Se Bell da defesa dos Estados Unidos cresceu
mundo de hoje de crescente interde- estiver certo, os indicadores corretos do durante cinco anos seguidos, o controle
pendência: isto poderia criar uma si- poder são os relacionados com a indus- de armas foi minimizado, as forças nu-
tuação que se deve evitar, e, se o país trialização e os serviços nas indústrias cleares e de dissuasão causaram ansie-
mais poderoso fracassasse em sua li- de informação. dade geral. A mudança da agenda da
derança, as consequências para a esta- Em termos de instrumentos tradi- política mundial parecia pôr por terra o
bilidade internacional seriam desastro- cionais, os Estados Unidos provavel- comprometimento da década de 70
sas. Ao iongo da história, a ansiedade mente manterão seu status de superpo- com a interdependência e restaurar a
em torno do declínio e da mudança das tência. Mas considerar apenas esses ins- tradicional ênfase no poder militar
relações de poder levaram a momentos trumentos é o caminho errado para coercitivo.
de tensão e a erros de cálculo. Agora, abordar a questão. A demonstração dê Entretanto, ao contrário do tom da
que o poder soviético está declinando e poder está na modificação de conduta, retórica política, o mundo dos anos 80
o japonês, surgindo, teorias equivoca- não nos instrumentos. Instrumentos de não foi uma volta ao dos anos 50. A psi-
das sobre o declínio americano não são poder são indicadores imprecisos de in- cologia e o estado de espírito da opinião
mais do que "académicas". fluência. Jogos nem sempre são ganhos pública mudaram mais do que os meios
Muitos observadores acham que o por jogadores que começam com a de poder. A interdependência nas fi-
mundo emergente pode ser descrito maior pilha de fichas. A questão crucial nanças e comércio continuou a aumen-
mais precisamente como mukipolar, e para o futuro não é se os Estados Uni- tar rapidamente. Os déficits comerciais
alguns teóricos argumentam que a mu- dos iniciarão o próximo século como e a dívida externa exerceram novas
dança flexível de alianças associada ao uma superpotência com a maior pilha pressões sobre os governos. A despeito
clássico equilíbrio multipolar de poder de fichas, mas até que ponto será capaz da retórica, as relações entre as super-
será uma nova fonte de estabilidade na de controlar suas áreas de influência e potências realmente não voltaram ao
política global. Mas o desenvolvimento levar outros a fazer o que eles querem. período da Guerra Fria. Na década de
de uma verdadeira multipolar idade Simplificando, ojogo está se tornando 80, os Estados Unidos e a União Sovié-
dos cinco maiores centros de poder — mais complicado, com uma gama mais tica tiveram muito mais contato e diálo-
Estados Unidos, União Soviética, Chi- ampla de questões e uma maior varie- go, tanto em nível privado como co-
na, Japão, e uma Europa unida — não dade de jogadores. mercial, do que jamais se verificou na
parece provável nas próximas décadas. década de 50.
Uma boa análise deveria ir além da Im mundo mais complexo Em certo sentido, o contraste entre a
geopolítica tradicional. Se nos concen- À medida que a política se torna década de 70 e a de 80 foi simplesmente
trarmos demasiadamente nas transi- mais complexa, o poder dos principais a última oscilação na recorrente contro-
ções do poder no bloco dos estados lí- países de atingir seus objetivos parece vérsia entre as duas principais linhas do
deres, as analogias históricas podem le- diminuir. Para entender o que esta pensamento ocidental sobre relações
var-nos a subestimar outras mudanças acontecendo aos Estados Unidos, é pre- internacionais. O realismo se fixa no re-
que estão ocorrendo na política mun- ciso diferenciar poder sobre outros paí- gime duro, particulamente no empre-
dial. O Fim do século será muito di- ses de poder de resultados. Os Estados go da força militar pelos países para
ferente do seu início; o verdadeiro pro- Unidos ainda exercem domínio sobre equilibrar o poder no sistema interna-
blema será mais a difusão do poder do determinados países, mas muito menos cional. O realismo tem sido a linha do-
que a transição hegemónica. sobre a complexa totalidade do sistema. minante; a tradição liberal, a secun-
Como mediríamos o poder num Os Estados Unidos não estão muito dária. A abordagem liberal está mais in-
mundo em transformação? Ao longo bem posicionados para alcançar teressada nos instrumentos de poder
dos séculos, estadistas e outros observa- unila-teralmente as metas que flexível e no impacto das relações da so-
dores cometeram erros na observação almejam. Mas não estão sozinhos ciedade, na interdependência econó-
da métrica do poder. No século 18, nesta situação. Todos devem fazer mica, e nas organizações internacionais
aqueles que se fixaram na população e face à transformação da natureza da apoiada pelos estados.
na indústria rural da França subesti- política mundial. Entretanto, a áspera divergência en-
maram a ascensão da Grã-Bretanha de- Estas mudanças não são totalmente tre as duas abordagens sobre assuntos
vido à sua estabilidade política e condi- novas. O rápido aumento de partici- internacionais é exagerada, porque, na
ções favoráveis para a revolução indus- pantes isolados atuando através das verdade, .elas são complementares. Os
trial. Na virada deste século, o escritor fronteiras internacionais, quer sejam realistas tendem a tomar como certo o
grandes corporações ou grupos políti- interesse nacional. Os liberais mostram
Transcrito de Tht Aspen Instituto Quarterly, com o quanto a interdependência, as orga-
permissão. Adaptado de Bounit to Ltad: The
Changing Nature nf American Powtr, Basic Books, nizações internacionais e as ideias po-
1990. © I99U The Asptn Institme, Inc. dem influenciar na maneira de os pai-
Os instrumentos tradicionais de poder raramente são suficientes
para lidar com problemas de interdependência internacional. Novos recursos
de poder, como capacidade de comunicação efetiva e de
desenvolvimento podem se mostrar mais relevantes.

ses definirem seus interesses nacionais. zam, cada uma, vendas anuais superio- Em particular, a manipulação da in-
O modo de expor esses interesses e res ao produto nacional bruto indivi- terdependência se tornou um instru-
como eles mudam foram sempre um dual de 80 países. A questão não é se o mento do poder. Ao contrário de al-
ponto fraco da posição realista. Tam- estado ou os atores à margem dele são guns floreios retóricos, a interdepen-
pouco a tradicional abordagem do rea- mais importantes — os estados geral- dência não significa harmonia. Ela sim-
lismo presta atenção suficiente à ma- mente o são —■ mas que coalizões de plesmente quer dizer dependência mú-
neira como o poder flexível e as rela- atores das mais complexas forças in- tua, e muitas vezes é avaliada de manei-
ções entre grupos sociais podem intro- fluenciam as soluções nos tempos ra distorcida, O partido menos depen-
duzir novas ideias sobre interesses na- atuais. dente ou menos vulnerável numa rela-
cionais. Ao gerar novos empregos, as ção interdependente pode, através de
empresas estrangeiras, para tomar um Redefinição de segurança ameaças, obter poder para manipular a
exemplo comum, podem tornar os sin- Da mesma forma que os atores no interdependência. Muitas vezes, a me-
dicatos de trabalhadores menos mundo político estão mudando, assim dida da interdependência varia de uma
prote-cionistas em suas posições. também estão suas metas. Na concep- questão para outra, como segurança,
Em defesa da abordagem realista, ção clássica, os países dão prioridade à comércio, ou finanças, é criar e resistir
porém, poder-se-ia dizer que a política segurança militar, mas no momento a relações entre questões em que uma é
internacional é uma política sem recur- eles precisam levar em consideração as menos ou mais vulnerável torna-se
so a um governo superior para solucio- novas dimensões da segurança. Basica- parte do jogo do poder. Os países usam
nar conflitos. Nesse terreno de mente, a segurança — ausência de as organizações internacionais para de-
auto-proteção, a força, embora cara, é ameaça à sobrevivência do estado — é sencorajar ou promover tais relações;'
o último trunfo. Os países ignoram a uma meta discutível. De qualquer eles procuram o fórum que melhor se
força militar e equilíbrios de poder forma, a sobrevivência nacional rara- adapte a seus interesses para definir o
com todos os riscos que isso implica. mente está emjogo, e a maioria das pes- alcance de um problema.
Tais dilemas quanto à segurança soas se preocupa mais em sentir-se se- Não são apenas os instrumentos do
existem desde o tempo de Tucídides e gura do que com a sobrevivência. Na poder que estão mudando; as estraté-
perduram até hoje. Por outro lado, a realidade, os programas nacionais de gias que relacionam instrumentos a
tecnologia e o desenvolvimento segurança, no mundo de hoje, são na metas também estão. Tradicional-
acrescentaram novos elementos de maioria elaborados para assegurar o mente, a meta da segurança e o recurso
interdependência económica e bem-estar económico, autonomia de da força militar têm sido unidos peia es-
ecológica ao quebra-ca beça. Afinal, grupo, e status poíítico, e não apenas a tratégia do equilíbrio do poder. Que-
Tucídides nunca teve de se preocupar sobrevivência física dentro das frontei- rendo preservar sua independência da
com dívida externa, inverno nuclear, ras nacionais. ameaça militar, países adotaram uma
ou com a redução da camada de Entretanto, alguns programas de se- estratégia de equilíbrio para limitar o
ozônio da Terra. gurança, tais como a dissuasão nuclear, poder relativo de outras nações. Poder
A resposta adequada às mudanças aumentam o risco da sobrevivência fí- militar relativo é, como dividir uma
na política mundial não é descartar a sica a fim de tirar o máximo proveito torta, um jogo de soma zero em que o
tradicional prudência dos realistas e daqueles outros valores. ganho de um lado implica necessaria-
sua preocupação com o equilíbrio mili- Na visão tradicional, a força militar é mente a perda do outro. Mas as ques-
tar de poder, mas perceber seus limites o instrumento dominante do poder, tões económicas e ecológicas envolvem
e suplementar isso com ideias da abor- mas o uso dessa força se tornou mais amplos fatores de ganho mútuo —
dagem liberal. Por exemplo, na visão oneroso para as Grandes Potências mo- como concordar em assar uma torta
tradicional, os países são os únicos dernas do que nos séculos passados. maior. Estes ganhos são obtidos através
atores importantes no mundo político; Outros instrumentos como os conheci- da cooperação. Em resumo, o equilí-
mas hoje há três vezes mais países do mentos sobre comunicações, organiza- brio de poder não é uma estratégia ob-
que em 1945. Igualmente digno de ção e instituições passaram a ser mais soleta, porém é mais limitada do que
nota é o fato de que atores à margem do importantes. em outras épocas quanto a prever com
estado cresceram em importância. Em- êxito as estratégias dos estados.
bora careçam de poder militar, as em- Finalmente, as clássicas análises da
presas multinacionais têm gigantescos política mundial se referem com fre-
recursos económicos. Vinte delas reali-
A Transformação do Poder Mundial

qíiência "ao sistema internacional". Se- até mais surpreendentes. Os íluxos mo- suas áreas de influência apesar dos po-
gundo elas, é suficiente falar de um só netários internacionais são cerca de 25 derosos instrumentos de poder tradi-
sistema com uma estrutura que resulta vezes a média diária do comércio mun- cionais. Um crescente número de pro-
do equilíbrio de estratégias dos países. dial de mercadorias. Com a moeda blemas não joga apenas um estado con-
Até certo ponto, podemos referir-nos, fluindo para além de suas fronteiras a tra outro. A solução para muitas ques-
satisfatoriamente, a bipolaridade e taxas sem precedentes, a capacidade tões de interdependência multinacio-
mullípolarídade — porem, cada vez das autoridades monetárias nacionais nal exigirá ação coletiva e cooperação
mais, diferentes questões na política de influir nas ofertas de moeda local, entre os países. Tais questões incluem
mundial exigem diferentes distribui- de alterar as taxas de câmbio do país, ou alterações ecológicas como a chuva
ções de poder. O poder milítaT, parti- até mesmo de supervisionar seus siste- ácida e o aquecimento global, epide-
cularmente em nível nuclear, perma- mas bancários vem sendo reduzida mias como a AIDS, o comércio ilegal de
nece amplamente bipolar em sua distri- acentuariamente a novos níveis. drogas e o combate ao terrorismo. Estas
buição. Mas, no comércio, em que a Co- Unia segunda tendência, o processo questões são multinacionais porque,
munidade Europeia atua como uma de modernização, urbanização e a cres- apesar de suas raízes internas, atraves-
unidade, o poder é multipolar. Em di- cente comunicação em nações em de- sam as fronteiras internacionais.
ferentes problemas, o poder dos países senvolvimento, também tem transferi- Quando ocorre um acidente maior, até
varia, e da mesma forma a importância do poder do governo para segmentos mesmo um caso doméstico como a se-
dos participantes à margem tio estado. privados. Mais do que em períodos an- gurança de reatores nucleares pode
Por exemplo, não se pode entender a teriores, a dificuldade de se aplicar o tomar-se repentinamente um assunto
política da dívida externa sem levar em poder militar no final do século 20 é o internacional.
conta o poder dos bancos privados. despertar social que fez crescer, sob ou- Embora a força possa desempenhar
Portanto, há mais diferenças nas hie- tras circunstâncias, o nacionalismo em às vezes um papel, os instrumentos tra-
rarquias que caracterizam as diferentes países fracos e pobres. No século 19, as dicionais de podeT raramente são sufi-
questões. Grandes Potências criaram e domi- cientes para lidar com tais questões.
naram impérios coloniais com um pu- Novos meios de poder como a capaci-
Quatro noras tendências nhado de soldados. Hoje, a crescente dade de comunicação efetiva e de am-
O problema crucia! para entender, mobilização social torna a intervenção pliação e uso de organizações
então, o poder americano no fim do sé- militar e o domínio externo mais multila-terais podem se mostrar mais
culo é compreender a transformação onerosos. produ-centes. Além disso, países
da natureza do mundo político. Este Uma terceira tendência da difusão pequenos e fracos que não são
mundo não é completamente novo. do poder está no fortalecimento dos totalmente capazes de lidar com seus
Sólidos fatores de continuidade moti- países fracos, A propagação da tecnolo- próprios problemas internos de droga,
vam o interesse pelos tradicionais ins- gia militar aumenta as potencial idades saúde ou questões ecológicas,
trumentos militares e estratégias de de nações atrasadas. Embora as super- solicitarão cooperação frequentemente.
equilíbrio de poder como uma condi- potências mantenham uma folgada li- A assistência económica e a força
ção necessária a urna política derança na tecnologia militar, as forças militar podem desempenhar um papel
beni-suce-dida — mas novos fatores que muitos países do Terceiro Mundo ao fazer frente ao terrorismo, à
no mundo moderno contribuem para a podem mobilizar nos anos 90 tornam a proliferação nuclear, ou às drogas,
difusão do poder das Grandes intervenção regional mais dispendiosa mas a habilidade de qualquer Grande
Potências, do que nos anos 50. Além disso, mais Potência de manter sua área de in-
Uma tendência significativa é a países estão adquirindo capacidade em fluência e conseguir o que quer não é,
evolução da interdependência econó- armas avançadas, e, de acordo com um às vezes, tão grande quanto os tradicio-
mica. As mudanças de tecnologias de recente levantamento, quinze nações nais sinalizadores do poder indicam.
comunicações e transporte têm produ- do Terceiro Mundo poderão estar pro-
zido um efeito revolucionário. Há um duzindo seus próprios mísseis balísticos Poder para que?
século, levava-se duas semanas para por volta do ano 2000. Uma pequena Além disso, a estrutura da política
atravessar o Atlântico; em 1927, Char- capacidade nuclear não levará esses mundial fragmentada pelas diferentes
les Lindbergh fez isso em 33 horas; o países a disputar o poder mundial. Na questões tem tornado os instrumentos
Concorde gasta apenas três; e as teleco- verdade, ela pode aumentar os riscos de poder menos aplicáveis, isto é, me-
municações são instantâneas. A redu- que eles enfrentam caso seus vizinhos nos transferíveis de uma questão para
ção de custos do transporte e das comu- façam o mesmo ou se as bombas caírem outra. No século 18, um monarca com
nicações vem revolucionando merca- nas mãos de grupos rebeldes. De qual- as arcas abarrotadas podia formar uma
dos internacionais e acelerando o cres- quer forma, ela reforça o poder regio- infantaria que lhe permitiria conquis-
cimento das empresas multinacionais nal dessas nações e aumenta os custos tar novas províncias, e estas, em troca,
que transferem atividades económicas potenciais da intervenção dos mais po- enriqueceriam o tesouro — mas, pelas
atTavés das fronteiras. derosos. razões que já vimos, o uso direto da
O comércio internacional tem cres- A quarta tendência é a transforma- força para a grandeza económica é
cido mais rapidamente do que o pro- ção da natureza dos problemas na polí- geralmente muito dispendioso e peri-
duto mundial, aumentando sua impor- tica mundial, fato que diminui a capaci- goso para as Grandes Potências mo-
tância nas principais economias. Nos dade das Grandes Potências de manter dernas.
Estados Unidos, o comércio mais do Mais do que em épocas anteriores,
que dobrou seu papel na economia em deve-se perguntar: "Poder para que?"
relação às duas últimas décadas. Mu- Paralelamente, considerando que a
danças nos mercados financeiros são política mundial só mudou
parcial-
Aspecto importante do poder é sua capacidade de estruturar uma situação tal
que outros países exponham preferências ou definam seus interesses em
linhas compatíveis com as desse poder. Este poder tende a surgir da atração cultural
e ideológica, e de princípios e instituições de regimes internacionais.

mente e a tradicional agenda poder. Este poder atrativo e coopera- sua autoridade sobre as multinacionais
geopolí-tica continua válida, há ainda tivo tende a surgir da atração cultural e com sede nos EUA, mas seus adminis-
uma certa margem de uso do poder ideológica, bem como de princípios e tradores ainda usam passaportes
militar. Os Estados Unidos ainda instituições de regimes internacionais. americanos, podem ser intimados pelos
servem como o último garantidor da Os Estados Unidos têm mais poder de tribunais dos EUA, e em caso de guerra
segurança militar da Europa e Japão, e cooptação que outros países no sis- ou emergência nacional obedecerão a
esta proteção cria uma forma de poder tema internacional. Instituições que co- Washington em primeiro lugar", escre-
na complexa bar* ganha entre os mandam a economia mundial, como o ve Strange. "Ao mesmo tempo, o go-
aliados. Fundo Monetário Internacional e o verno dos EUA ganhou renovada au-
Um segundo efeito da política mun- Acordo Geral de Tarifas e Comércio, toridade sobre grandes empresas es-
dial em transformação é que o compor- tendem a refletir os princípios liberais trangeiras que atuam dentro dos Esta-
tamento do poder está também se tor- de livre mercado que coincidem em dos Unidos. Todas elas estão muito
nando menos coercitivo, pelo menos grande medida com os da sociedade e conscientes de que o mercado dos EUA
entre os maiores países. Imagine um es- da ideologia americanas. Os Estados é o maior prémio."
pectro de coerção nos instrumentos do Unidos tiveram êxito em criar uma es- A cultura americana é também um
poder, indo desde notas diplomáticas, trutura política institucionalizada para instrumento flexível de poder reiativã-
passando por ameaças económicas até a o capitalismo mundial, bem como uma mente barato e conveniente. Obvia-
repressão militar. Em outras épocas, os estrutura que permitiu o desenvolvi- mente, muitos aspectos da cultura
custos da coerção eram relativamente mento das empresas multinacionais. americana não têm atrativos para ou-
baixos. A força era aceitável e as econo- Por exemplo, nos anos 70, os Estados tras pessoas, e sempre há o perigo de
mias menos interdependentes. Mas, Unidos rejeitaram um código restritivo preconceitos ao se avaliar os instru-
nas atuais circunstâncias, o uso da força da ONU para aquelas empresas e em mentos culturais de poder. Mas ela,
contra pequenos países é mais dispen- lugar disso apoiaram um código liberal ex-pTessa em produtos e
dioso. maisfavorável dentro da Organização comunicações, tem difundido a
A manipulação da interdependên- para Cooperação e Desenvolvimento mensagem popular. Adolescentes
cia nas condições de hoje é também Económico (OCDE). Os Estados Uni- soviéticos vestem blue jeans e
mais onerosa. Geralmente, a interde- dos também têm pressionado a favor procuram gravações americanas.
pendência económica traz alguns bene- da liberalização do comércio em servi- Jovens japoneses, que nunca deixaram
fícios em ambos os sentidos, e ameaças ços como bancos, seguros, transporte, o país, exibem jaquetas com os nomes
de romper esse relacionamento, se con- publicidade e consultoria. Foi a pressão de estabelecimentos de ensino
cretizadas, podem custar muito caro. dos Estados Unidos que em 1985 levou americanos. Naturalmente, há algo de
Por exemplo, o Japão gostaria que os os países da OCDE a se comprome- trivial e passageiro no comportamento
Estados Unidos reduzissem seu déficit terem a liberar fluxos de dados para popular, mas é também verdade que
orçamentado, mas uma ameaça de re- além de suas fronteiras. um país se apoia em canais populares
cusa à compra de bónus do tesouro de comunicação e tem mais chances de
americano poderia desestabilizar mer- Recursos culturais ter sua mensagem aceita e de influen-
cados financeiros e ter efeitos alta- As empresas multinacionais são ou- ciar as preferências de outros. De
mente danosos tanto para o Japão tra fonte de poder de cooptação. Em acordo com estudos da UNESCO, os
como para os Estados Unidos. Consi- seu livro States and Markets, Susan Estados Unidos exportam sete vezes
derando que quanto mais ameaçadora Strange sustenta que o poder dos Esta- mais programas de televisão do que o
e coercitiva é a ação do poder mais cara dos Unidos na economia mundial au-
ela tende a ser, torna-se mais provei- mentou como resultado da produção
toso usar outros meios menos dessas empresas. Este poder resulta,
intimida-dores. em parte, do fato de que 40 por cento
Um aspecto importante do poder é das maiores multinacionais estão sedia-
sua capacidade de estruturar uma si- das nos Estados Unidos (comparados
tuação tal que outros países exponham aos 16 por cento do Japão). "Washing-
preferências ou definam seus interes- ton talvez tenha perdido um pouco de
ses em linhas compatíveis com as desse
A Transformação do Poder Mundial

segundo colocado (Grã-Bretanha), e serviços fundamentais como finanças, cação e menos corporações hierárqui-
detêm a única rede internacional de seguro e transporte. Nos séculos passa- cas serão necessárias para aumentar a
distribuição de filmes. Strange expres- dos, os mercados eram sempre deter- capacidade da América, a fim de mo-
sou isso assim: minados petos limites de transporte e bilizar seus instrumentos de poder.
comunicações que ligavam compra- Caso contrário, a brecha entre a pre-
A linguagem americana tornou-se dores e vendedores. Tais limites eram ponderância americana em recursos e a
a língua tranca da economia global medidos em semanas ou dias, mas os habilidade dos Estados Unidos para al-
e dos grupos sociais e profissionais novos meios de comunicação permitem cançar seus objetivos continuará a cres-
multinacionais....As universidades que as informações sobre tendências do cer e a frustrar.
americanas dominaram a ciência e mercado sejam imediatamente acessí- Existem muitas coisas que os Esta-
as maiores profissões não somente veis a compradores e vendedores em dos Unidos podem fazer para aumen-
porque existem em quantidade e todo o mundo. tar as perspectivas de alcançar seus pro-
têm recursos em publicações e di- Outro aspecto intangível de poder pósitos condicionados à interdepen-
nheiro, mas também porque suas origina-se no contexto da interdepen- dência e à difusão do poder. Deve-se
atividades são Tealizadas em inglês. dência. Por exemplo, o "poder do deve- ser modesto na escolha dos objetivos.
Em relação a esta predominância dor" é há muito conhecido. Se você Se os americanos definirem os interes-
na estrutura do conhecimento, deve a um banco dez mil dólares, o ses nacionais muito ambiciosamente,
qualquer queda da capacidade banco tem poder sobre você, mas se estarão fadados à frustração. Os Esta-
americana na produção industrial você deve dez milhões de dólares, você dos Unidos não podem esperar, por
é trivial e sem importância. tem poder sobre o banco. Se uma rela- exemplo, exercer muito controle sobre
ção é benéfica para ambas as partes, a as políticas internas de outros países.
Adaptação à mudança possibilidade de o lado mais fraco que- Numa era de nacionalismo, os Estados
A abertura étnica da cultura ameri- brar sob pressão limita o poder do par- Unidos nunca terão,, para controlar
cana e o apelo político dos valores da ceiro supostamente mais forte. Esse é o países em desenvolvimento, os recursos
democracia e dos direitos humanos "poder do fraco". A interdependência que as Grandes Potências tiveram no
também propiciam um instrumento de cria uma situação de poder pouco dese- passado.
influência internacional que algumas jável representada pela conhecida dis- Segundo, os Estados Unidos terão
nações europeias têm até certo ponto, tribuição de riquezas. Países em desen- de investir mais fortemente do que no
mas que os países comunistas per- volvimento que não podem evitar a passado recente em instrumentos de
deram em larga medida. Comparada destruição de suas florestas, por exem- poder flexível, que ajudam a produzir
ao Japão e à Europa, a relativa abertura plo, afetarão o clima giobai. Contudo, a um poder de comportamento
da América aos imigrantes é uma fonte própria fraqueza desses países diminui coopta-tívo. Por um lado, isto
de força. Como diz o erudito europeu o poder de influenciá-los, com o qua! os representa maior investimento nas
Ralí Dahrendorf: "A mim me parece Estados Unidos contavam a partir de organizações internacionais. Por outro,
relevante que milhões de pessoas em seus poderosos instrumentos. se traduz em reformas internas que
todo o mundo gostariam de viver nos Um aspecto final do poder no atual acentuem a abertura e a atração da
Estados Unidos e que de fato estão contexto não é novo, mas assume um cultura política americana. Istu
prontas a arriscar suas vidas para che- significado diferente. Há quase sempre significa uma atuação social mais de
gar lá." uma brecha entre o poder potencial de acordo com os manifestos ideais
Um terceiro efeito da política inter- um país, quando medido por seus re- americanos, algo mais facilmente
nacional em transformação sobre a na- cursos, e seu poder real ou concreto, reclamado do que atendido.
tureza do poder é que instrumentos quando relacionado com a modificação Em resumo, o problema americano
menos tangíveis estão se tornando mais do comportamento de outros países e à no fim do século não é de declínio ou de
importantes. O poder está passando da extensão em que estes partilham as pre- buscar uma nova hegemonia. É uma
"riqueza de capital" para a "riqueza de ferências daquele. Nem todo poder po- questão de adaptação às transforma
informação". Na verdade, é a informa- tencial pode ser efetivamente mobili- ções da natureza do poder na política
ção que abre a porta do crédito, e não a zado e convertido em poder concreto. mundial. Só se entenderem correta-
mera posse e acúmulo de capital. As in- Por exemplo, antes de 1914, o poder mente a natureza desta situação, os Es
formações estão se tornando abundan- potencial da Rússia era decididamente tados Unidos poderão exercer a neces
tes, mas a flexibilidade para agir rápido muito maior do que seu poder concreto sária liderança internacional ao entrar
ante uma nova informação continua em virtude da fraqueza de sua o mundo no novo século. ♦
uma prática rara. Os ciclos de produção infra-estrutura física e da ineficiência
estão diminuindo e a tecnologia cami- de seu sistema político.
nha para sistemas totalmente flexíveis, Afguns países são mais eficientes na
em que a tradição da era arte sanai de conversão do poder do que outros. Nos
produtos sob medida será incorporada Estados Unidos, o sistema político pro-
às modernas instalações industriais. O move mais a liberdade do que a eficiên-
Japão é particularmente um adepto cia; mas, na atual economia baseada na
pioneiro de tais processos de indústria informação com sua redução de tempo
flexível. para reagir, as deficiências americanas
Uma resposta oportuna à informa- para a conversão do poder podem tor-
ção não só é importante para a li- nar-se muito dispendiosas. Mudanças
derança industrial, como também em domésticas tais como melhoria na edu-

Você também pode gostar