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Educ. @ Filos., Uberlandia, 8 (6 ¢ 6): 75-77, jul 68ljun. 69 FREUD E LACAN: DO SUJEITO DA REPRESENTAGAO ACADEIA SIGNIFICANTE Um dos objetivos deste projeto 6 investigar mais profundamente a rela- G80 de Freud com a heranga raciona- lista elaborada a partir de Descartes e Kant, ou seja, o “eu penso” que deve acompanhar todas as representacdes produzidas pelo sujeito. Lacan (pp. 856/7) diz que seria impossfvel pensar a psicanélise antes do nascimento da ciéncia moderna, antes do advento do Cogito. Vejamos porque, e para isto acompanharemos a reflexdo de A. de Juranville (pp. 21/51). © termo “representagao” ocupa em toda a filosofia alema um papel im- portante, tendo chegado a Freud atra- vés de um de seus mestres, Franz Brentano. Brentano, cuja influéncia sobre. Husserl também deve ser mencionada, buscava alguma caracterfstica que pu- desse distinguir os fendmenos tisicos dos psiquicos. Ele afirmava que esta disting&io poderia ser feita através do conceito de representacao. A representagdo 6 um ato cons- ciente do sujeito, que organiza a diver- sidade sensfvel, produzindo assim um signo, dotado de sentido. A representa- 40 traz consigo o sentido, e o ps{quico 60 sentido, Renato Oliva’ Ora, 0 inconsciente freudiano 6 psiquico e constituldo de representa gOes, € este, a0 considerar os fenéme- nos psiquicos como dependentes do inconsciente, descobre neles um senti- do. Para Freud uma representagéo consciente se distingue de uma repre- sentagéo inconsciente. A representa- G40 consciente compreende a repre- sentag&o de coisa mais a representa- G40 de palavra a ela correspondente; e a representaco inconsciente, apenas a representacdo de palavra. Para Freud, assim como para to- dos os herdeiros do lluminismo, lingua- gem e consciéncia est&o intrinseca- mente ligados, devendo ser feita uma separaéao explicit entre ambas. A hipétese do inconsciente deve, pois, seguir os preceitos de uma verifi- cago experimental, porque nao ha ou- tra. A dedug&o légica é impossivel, por- que ela se baseia na linguagem, e esta pertence ao sistema Consciéncia. E neste sentido que Freud, ao mesmo tempo em que se situa frente a uma heranca racionalista, rompe com seus principios, abrindo um novo cam- po de pensamento que a filosofia nao pode ignorar. * Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Uberléndia, 7 Educ. @ Filos., Uberindia, 3 (5 ¢ 6): 75-77, jul. 88/jun. 89 Freud fala ainda de representa- g6es inconscientes que passam de uma representac&o a outra equivalente, com o mesmo sentido e objeto. As re- presentagSes podem se equivaler por serem contiguas, @ af temos o deslo- camento, ou podem remeter simulta- neamente a diversas outras, 0 que ca- racteriza a condensagao. Este outro modo de funciona- mento do psiquico, caracteristica do processo primério, nao obedece 0 prin- cfpio de realidade, mas o princlpio do prazer, ignorando a negag&o e o tempo, surgindo daf a referéncia a Kant. Lacan estabelece a existéncia do inconsciente a partir da linguagem @ do légico, apoiando-se para isto na teoria ‘saussuriana, cujas conseqdéncias se- 180 desenvolvidas para além dos domi- nios préprios da lingiistica. Saussure faz do conceito de sig- no 0 ponto central de sua teoria. A Iin- gua 6 um sistema de signos. Em todo fenédmeno lingilstico, significante e sig- nificado fo dados juntamente. A esséncia de qualquer fenéme- no lingifstico 6 a diferenga pura. Cada um dos elementos significantes da lin- gua s6 existe e tem seu valor por nao se confundir com nenhum dos outros. E @ presenca ou a auséncia de todos os tragos fonolégicos que permite estabe- fecer estas distingdes entre os fone- mas. Para Lacan, o significante prece- de 0 significado, constituindo-se, pois, uma autonomia do significante. O signi- ficado 6 produzido pelo significante. Lacan fala em significante e nao mais em signos, como em Saussure. E 76 © Significante que imp6e ao sujeito a sua lei, e © significado do significante & constituldo pelo desejo e pela castra- G80. O sujeito deve desejar, e para isto, deve aceitar a castracdo. A concepgéo lacaniana do signi- ficante 6 inseparavel de uma teoria do sujeito. © significado depende do fato de que em primeiro lugar é 0 homem que se inclui no significante, e a identifi- cago constitutiva do sujeito é a identi- ficag&o com um significante. Dal a fér- mula de que um significante & aquilo que representa 0 sujeito para outro sig- nificante. Para Lacan, pois, h& um plano em que atua a pura articulacdo do sig- nificante, falando-se entéo do incons- ciente. As representagdes de coisa de que Freud fizera 0 contetido do incons- ciente so significantes. E os proces- 808 primérios enquanto modos de pen- samento inconsciente, deslocamento e condensagdo, sdo apresentados como metéfora e metonimia. Temos em Lacan uma reorgani- zag&o das posigdes teéricas de Saus- sure. O signo em Lacan n&o 6 uma re- presentagao como em Saussure, mas uma imposi¢do. A passagem do signifi- cante para o significado é um ato de imposig&o, em que o significante é aquilo que se impée, e o significado, o que 6 imposto. E se considerarmos a dualidade freudiana da representagdo de coisa € de palavra, 0 significante de Lacan cor- responde & representagdo de coisa. E assim que encontramos ao longo desta reflexdo, importantes refe- Educ. ¢ Filos., Uberiandia, 3 (5 ¢ 6): 75-77, jul. 88/jun. 89 réncias de Freud feltas a Kant, e reen- contramos esta preocupagéo em La- can. Para Kant, 0 intelecto humano ar- ticula representagdes cujo cardter 6 a subjetividade. Lacan recusa estes prin- cfpios que influenciaram Freud, e fala de significante. Assim, Kanté 0 fildsofo que se aproximra do discurso analltico, da ‘ver- BIBLIOGRAFIA dade parcial’ proposta por Lacan. Kant seria 0 primeiro filbsofo a compreender profundamente as conse- quéncias da separacgo entre filosofia e ciéneia, extraindo daf a sua modemida- de. E, pois, a retac&o entre ciéncia, filosofia e 0 inconsciente que este pro- jeto pretence abordar em toda a sua complexidade. LACAN, J. Ecrits, Editions du Seuil, Paris, 1966. JURANVILLE, A. Lacan e a Filosofia. Zahar, Rio de Janeiro, 1987.

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