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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Angela Maria Farah

AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS DA CRIANÇA NA IMPRENSA


UMA ANÁLISE DOS JORNAIS
FOLHA DE S. PAULO E O ESTADO DE S. PAULO

CURITIBA
2008
AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS DA CRIANÇA NA IMPRENSA
UMA ANÁLISE DOS JORNAIS
FOLHA DE S. PAULO E O ESTADO DE S. PAULO

CURITIBA
2008
Angela Maria Farah

AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS DA CRIANÇA NA IMPRENSA


UMA ANÁLISE DOS JORNAIS
FOLHA DE S. PAULO E O ESTADO DE S. PAULO

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado


em Comunicação e Linguagens, da Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Tuiuti
do Paraná, como requisito para a obtenção do
título de Mestre em Comunicação e Linguagens.
Orientadora: Profª Dra. Kati Eliana Caetano

CURITIBA
2008
TERMO DE APROVAÇÃO

Angela Maria Farah

AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS DA CRIANÇA NA IMPRENSA


UMA ANÁLISE DOS JORNAIS
FOLHA DE S. PAULO E O ESTADO DE S. PAULO

Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e
Linguagens, no Curso de Mestrado em Comunicação em Linguagens, da Faculdade de Ciências
Sociais Aplicadas, da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 15 de setembro de 2008.

__________________________________

Mestrado em Comunicação e Linguagens


Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: Profª Dra. Kati Eliana Caetano


Universidade Tuiuti do Paraná - UTP

Profª Dra. Claudia Irene de Quadros


Universidade Tuiuti do Paraná – UTP

Profª Dra. Elza Aparecida de Oliveira Filha


Universidade Positivo - UP
Ao meu pai (in memoriam) e à minha

mãe, pelo amor e apoio incondicional


AGRADECIMENTOS

Aprendi muito nessa caminhada de dois anos e meio, principalmente, que o


aprendizado está no processo e não no resultado. Para concluir o mestrado, recebi apoio de
muitas pessoas e a elas agradeço.
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por permitir que tantas coisas boas tenham
acontecido comigo nesse período.
À minha Mãe, por estar ao meu lado sempre, principalmente durante o mestrado, e
incentivar os meus estudos.
Aos meus irmãos, meu cunhado e meus sobrinhos, pelo incentivo, apoio “logístico”
e afetivo.
Aos meus colegas da Uniuv, professores e funcionários, em especial, aos
coordenadores dos cursos de Jornalismo e Publicidade, e ao reitor Jairo Vicente Clivatti,
pelo apoio e incentivo à realização do mestrado.
À professora Fahena, mestre que incentiva com amor, respeito e sabedoria o que
pode haver de melhor em mim.
À Julliana, por ter contribuído para esta dissertação, doando seu tempo para ajudar
a montar o arquivo digitalizado das imagens selecionadas para esta pesquisa, e por sua
amizade sincera e leal.
À Ana Cristina, por estar sempre ao meu lado, como uma grande amiga e uma
colega de trabalho generosa.
À Tête, por sua amizade e compreensão.
À Jussara, pelo incentivo, pela troca de idéias e pelo carinho de sua amizade.
Aos meus colegas de mestrado, especialmente aos meus grandes amigos Carlos
Eduardo e Gica, que me ensinaram tanto sobre a vida, as pessoas, os livros e a amizade.
Aos professores da UTP, em especial, a minha orientadora Kati Caetano, pela
generosidade ao compartilhar seu conhecimento, o que me fez admiradora de seu trabalho
e de sua postura profissional.
Durante o período do mestrado, tantas outras pessoas contribuíram, de algum
modo, com um olhar, um sorriso, uma conversa, um abraço, às quais agradeço de coração,
desejando que todos possam encontrar em sua caminhada pessoas generosas e íntegras
como as que encontrei.
Aprendi novas palavras

e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção

que faça acordar os homens

e adormecer as crianças.

Carlos Drummond de Andrade

O que separa o homem do animal não é a

comunicação, é a significação.

Roland Barthes
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 CRIANÇA, SOCIEDADE E IMPRENSA ................................................................ 18
2.1 A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO................ 19
2.2 JORNAL, INFÂNCIA E SOCIEDADE: A CONSTRUÇÃO DA CULTURA ............ 25
2.3 A INVENÇÃO DA REALIDADE: CONFIGURAÇÕES DO JORNALISMO E DO
FOTOJORNALISMO ................................................................................................. 29
2.4 UMA INVENÇÃO PARA OS OLHOS E A CONSTRUÇÃO DE UMA “ÉTICA DO
VER” .......................................................................................................................... 37
2.4.1 A constituição de uma “ética do ver” ................................................................ 41
3 A RELAÇÃO ENTRE VERBAL E NÃO-VERBAL NO JORNAL IMPRESSO ....... 52
3.1 FORMA E SENTIDO NO JORNAL IMPRESSO: O CONJUNTO DA
SIGNIFICAÇÃO ......................................................................................................... 59
3.1.1 Os princípios do design de imprensa ............................................................... 61
3.1.2. A adaptação da informação textual (verbal e não-verbal) ao projeto gráfico... 65
3.1.3 Elementos gráficos-imagéticos que “gerenciam o nível de atenção” do leitor .. 69
3.1.4 O modo de leitura do homem do Ocidente e a valorização da imagem ........... 74
4 AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS DA CRIANÇA NA IMPRENSA: ANÁLISE DO
CORPUS ................................................................................................................... 79
4.1 A SELEÇÃO DOS JORNAIS IMPRESSOS ......................................................... 79
4.1.1 Folha de S. Paulo ............................................................................................. 80
4.1.2 O Estado de S. Paulo ....................................................................................... 82
4.2 ANCORAGEM E COMPLEMENTARIDADE NO JORNAL IMPRESSO: UMA
PROPOSTA DE PESQUISA ..................................................................................... 85
4.2.1 Como a imagem da criança “ilustra” o texto verbal no jornal ............................ 87
4.3 PROPOSTA DE CATEGORIZAÇÃO DO CORPUS ............................................ 92
4.4 CATEGORIA 1 – VIOLÊNCIA ............................................................................. 99
4.4.1 Violência de Guerra .......................................................................................... 99
MATÉRIA 1 ............................................................................................................... 99
MATÉRIA 2 ............................................................................................................. 111
4.4.2 Violência Econômica ...................................................................................... 125
MATÉRIA 3 ............................................................................................................. 125
MATÉRIA 4 ............................................................................................................. 134
4.4.3 Violência Urbana ............................................................................................ 140
MATÉRIA 5 ............................................................................................................. 140
MATÉRIA 6 ............................................................................................................. 146
4.5 CATEGORIA 2 – POLÍTICA .............................................................................. 151
MATÉRIA 7 ............................................................................................................. 151
MATÉRIA 8 ............................................................................................................. 156
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 160
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 168
7 OBRAS CONSULTADAS .................................................................................... 175
8 ANEXO A – CATEGORIA VIOLÊNCIA DE GUERRA ......................................... 177
9 ANEXO B – CATEGORIA VIOLÊNCIA ECONÔMICA ........................................ 180
10 ANEXO C – CATEGORIA VIOLÊNCIA URBANA ............................................. 183
11 ANEXO D – CATEGORIA POLÍTICA ................................................................ 186
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - 1972 - CRIANÇAS FOGEM DE BOMBA NAPALM NO VIETNÃ ........... 50


FIGURA 2 - IMPEACHMENT! ................................................................................... 69
FIGURA 3 - ZONAS DE VISUALIZAÇÃO DE UMA PÁGINA IMPRESSA................. 75
FIGURA 4 - MATRÍCULA CAI NA REDE BÁSICA DE ENSINO ............................... 88
FIGURA 5 - FOTOGRAFIA DA MATÉRIA SOBRE EDUCAÇÃO .............................. 89
FIGURA 6 - KASSAB IMPROVISA ESCOLA EM ALOJAMENTO ............................ 90
FIGURA 7 - FOTOGRAFIA 1 DA MATÉRIA SOBRE ESCOLA ................................. 91
FIGURA 8 - FOTOGRAFIA 2 DA MATÉRIA SOBRE ESCOLA ................................. 91
FIGURA 9 – MATÉRIA 1 ........................................................................................... 97
FIGURA 10 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 1 ........................................................... 98
FIGURA 11 – MATÉRIA 2 ....................................................................................... 108
FIGURA 12 – FOTOGRAFIA PRINCIPAL DA MATÉRIA 2 ..................................... 109
FIGURA 13 – FOTOGRAFIAS QUE ABREM A PÁGINA DA MATÉRIA 2 .............. 109
FIGURA 14 – FOTOGRAFIA DE RETRANCA DA MATÉRIA 2 .............................. 110
FIGURA 15 – INFOGRÁFICO DA MATÉRIA 2 ....................................................... 110
FIGURA 16 – ISRAEL MATA 8 CRIANÇAS EM GAZA ........................................... 120
FIGURA 17 – MATÉRIA 3 ....................................................................................... 123
FIGURA 18 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 3 ......................................................... 124
FIGURA 19 – MATÉRIA 4 ....................................................................................... 132
FIGURA 20 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 4 ......................................................... 133
FIGURA 21 – MATÉRIA 5 ....................................................................................... 138
FIGURA 22 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 5 ......................................................... 139
FIGURA 23 – MATÉRIA 6 ....................................................................................... 144
FIGURA 24 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 6 ......................................................... 145
FIGURA 25 – MATÉRIA 7 ....................................................................................... 149
FIGURA 26 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 7 ......................................................... 150
FIGURA 27 – MATÉRIA 8 ....................................................................................... 154
FIGURA 28 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 8 ......................................................... 155
FIGURA 29 – A MÍDIA POR BANKSY .................................................................... 166
RESUMO

Estudos preliminares de reportagens publicadas nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.


Paulo indicam que a representação visual da criança nas fotografias jornalísticas desempenha dois
papéis: o de ancoragem do texto verbal e o de complementaridade, conforme a distinção preconizada
por Barthes para a relação texto-imagem nos processos discursivos. O primeiro utiliza as fotografias
de criança para ilustrar as matérias voltadas para a questão temática da infância, como
escola/educação, segurança, saúde, comportamento. O segundo é utilizado para complementar a
informação verbal, nem sempre tendo ligação direta com o texto não-verbal, o que pode ser
considerado, em alguns casos, como elemento desencadeador de força dramática a certos temas
conflitantes em nossa sociedade, como guerras, tragédias, acidentes. Esta pesquisa tem como
objetivo analisar os casos de representação visual da criança em reportagens que indiquem a
complementaridade da informação verbal, examinando como as significações se constroem e quais
os efeitos de sentido obtidos pelo recurso à imagem. A questão a ser investigada, portanto, é qual o
papel desempenhado pelo uso de imagens de crianças em certas matérias jornalísticas, cujos temas
não se reportam diretamente à questão infantil. Para tanto, foi analisado o tratamento jornalístico na
construção da cena visual e na articulação texto verbal e não-verbal na mídia impressa. O corpus se
constitui de uma seleção de reportagens relacionadas à temática escolhida, nos jornais Folha de S.
Paulo e O Estado de S. Paulo, examinados durante oito meses. Busca-se uma sistematização de
categorias de análise, a partir de dados fornecidos pelos próprios textos (verbovisuais), para a
identificação das diferentes formas de tratamento jornalístico utilizadas nas configurações visuais.
Desse modo, a partir dos estudos das teorias do jornalismo e da fotografia, e da semiótica discursiva
e plástica, no tocante à análise propriamente dita, fez-se um estudo de como a criança é
representada visualmente na mídia impressa brasileira, atendendo às várias estratégias para captar e
fixar a atenção do leitor.

Palavras-chave: jornalismo; fotojornalismo; criança; texto verbal; texto não-verbal.


ABSTRACT

Previous studies of reportings published on the newspapers Folha de S. Paulo and O Estado de S.
Paulo indicate that the visual representation of children on journalistic photographies develops two
important roles: the anchor of the verbal text and the complementary, according to a distinc thought of
Barthes for a relation text-image on the discursive process. The first one uses photographies of
children to ilustrate the reportings about the thematic question of childhood, such as school/education,
safety, health and behaviour. The second one is used to complement the verbal information, not
always having direct conection with the non-verbal text, what can be considered, in some cases as an
element that leads to dramatic strengh on certain conflict themes in our society, like wars, tragedies
and accidents. This research has as its aim the analysis of the cases of visual representation of
children in reporting that indicate the complementary of the verbal information, examining how the
meanings are built and which are the efects of sense obtained by the image resources. The question
to be investigated, thus, is what is the role developed by the use of image of children in certain
journalistic reportings, which themes do not report directly the child purpose. For it, was analyzed the
journalistic treatment on the construction of a visual scene and on the articulation of the verbal text
and non-verbal text on the press. The “corpus” is built of a selection of reportings related to thematic
chosen on the newspapers Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo, examined for eight months.
It looks for classification system of the categories of analysis, from the information given by the own
texts (verbal and non-verbal), to identify the differences on the format of the journalistic treatment used
on visual configurations. So from the studies of the theories of the journalism and photography, and of
discursive-semiotic and plastic, referring to the analyse itself, it was done a study of how the child is
visually represented on the brazilian press, according to the several strategies to keep and maintain
the attention of the reader.

Key-words: journalism; photojournalism; child; verbal text; non verbal text.


11

1 INTRODUÇÃO

Brincar, rir, aprender, depender de outro, necessitar de atenção especial

são, entre outras, características intrínsecas à infância na sociedade

contemporânea, presentes tanto no imaginário do senso comum quanto nos textos

das convenções e declaração dos direitos humanos de organizações mundiais que

prevêem cuidados especiais para com as crianças. No entanto, no processo

histórico da sociedade, diferentes culturas percebem e vêem a criança de forma

distinta. Desde o início das organizações sociais, passando pela sociedade da caça

e da coleta, agrícola, das civilizações clássicas, do Ocidente pré-moderno e

moderno, chegando à contemporaneidade e à globalização, o conceito de infância e

criança1 tem-se modificado, incorporando características dos novos tempos a cada

fase vivenciada.

Ao considerar o grande papel das mídias na configuração do imaginário

social e as mudanças históricas nas sociedades, esta pesquisa busca investigar as

representações da criança no jornal impresso, em levantamento efetivado em 2006,

refletindo sobre os efeitos de sentido construídos por meio da utilização de técnicas

próprias da imprensa.

Para o desenvolvimento deste trabalho, um dos primeiros passos foi a

investigação sobre o tema desta pesquisa em várias bases de dados, como Banco

de Teses da Capes, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade de

São Paulo (USP), Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(PUC-RIO), entre outras bibliotecas universitárias. Constatou-se que os temas

Criança na Mídia, Criança e Mídia, Representação da Criança são bastante

1
A história da infância nas diversas fases da sociedade mundial foi descrita por muitos estudiosos.
Para esta pesquisa, foram consultadas as obras de Stearns (2006), Del Priore (2006) e Ariès (2006).
12

estudados pelos pesquisadores brasileiros, em diversas áreas de conhecimento,

como Psicologia, Educação, Informática, Antropologia, entre outras.

Na área de Comunicação, foram encontrados diversos estudos sobre o

tema, mas poucos que busquem examinar a representação visual da criança.

Existem algumas pesquisas científicas que estudam a predominância de

determinado tipo de informação sobre o tema analisado, em detrimento de outras

informações, consideradas importantes para os pesquisadores. Há um número

grande de pesquisas que trabalham com o tema Criança e Infância na Mídia,

principalmente nos meios Jornal Impresso e TV. A maior parte delas tem como

enfoque a Análise de Discurso, mais voltada normalmente para a análise do verbal.

Esse passo da pesquisa trouxe contribuições para compreender a maneira como o

tema é investigado pela academia, além de oferecer boas referências de leituras.

Diversos artigos científicos que tratam de enunciação jornalística,

representação, produção de sentidos e discurso jornalístico foram selecionados para

leitura. Além desse material de pesquisa, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de

S. Paulo constituíram o objeto de investigação para a definição deste projeto. A

seleção e a leitura das reportagens nos jornais escolhidos, durante oito meses, de

maio a dezembro de 20062, totalizando aproximadamente 500 páginas dos dois

veículos, proporcionaram a especificação do que foi pesquisado e analisado.

Ao observar como são comuns, nos jornais impressos brasileiros, notícias

sobre crianças e/ou sobre temas que se reportem diretamente à situação da criança,

no início deste trabalho, tinha-se como objetivo a pesquisa sobre o discurso verbal

utilizado em jornais impressos brasileiros sobre a criança no País, com o intuito de

apresentar como resultado as características do discurso jornalístico verbal e a

2
A determinação do período pesquisado corresponde ao primeiro ano do curso de Mestrado em
Comunicação e Linguagens, no qual foi iniciada esta dissertação.
13

análise de qual é a representação desse discurso sobre a criança para a sociedade.

No entanto, a observação direta dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.

Paulo trouxe dados importantes em relação ao uso de fotografias de crianças em

muitas reportagens dos jornais. Percebeu-se que as fotografias delas estavam em

um número maior de matérias do que se esperava, além de muitas imagens

aparecerem em matérias que não estavam diretamente relacionadas com as

temáticas próprias da infância. Reexaminando o material e refletindo sobre o que a

presença dessas fotografias poderia significar, a pesquisa ganhou um novo rumo.

Assim, a leitura dos jornais possibilitou a percepção do discurso do jornal de

forma completa, ou seja, na união e na articulação entre o texto verbal e visual, além

de perceber a crescente importância do texto não-verbal (recursos gráficos e a

fotografia, por exemplo) no discurso informativo atual. Desse modo, verificou-se que

o texto verbal não pode ser desvinculado da imagem, quando esta adquire novos

sentidos em função do texto com o qual se articula, além de sua posição no contexto

da página e do jornal. A ênfase desta pesquisa recairá, no entanto, nas fotografias,

como ponto de partida, que serão então examinadas nesses vínculos com o verbal e

outros recursos utilizados na imprensa. Assim, investigar qual a representação visual

da criança no jornalismo impresso passou a ser o objetivo desta dissertação e para

isso iniciou-se a separação de reportagens que fizessem uso de fotografias de

crianças.

A partir da observação das reportagens dos jornais Folha de S. Paulo e O

Estado de S. Paulo, pôde-se verificar que as crianças desempenham, de modo

evidente, dois tipos de papéis, na acepção de Barthes3, nas representações visuais

das fotografias jornalísticas: um deles é o de ilustrar reportagens voltadas para a

3
A classificação é apontada por Barthes (1990, p. 31-34) nos anos 1960, na qual ele descreve as
relações entre a mensagem lingüística e a mensagem icônica, por meio das funções de fixação e de
relais, e é apresentada na segunda parte desta dissertação.
14

questão temática da própria criança (escola, saúde, segurança) e o outro, de

complementaridade, que compreende as várias formas de vinculação com o verbal.

A recorrência deste último uso encaminhou a pesquisa dos casos em que tal

representação da criança acontece; que sentidos propicia e que efeitos de sentido

causa pelo recurso à sua imagem, quando as matérias não tratam da temática

infantil.

Com base nessas distinções, outras questões foram levantadas, como:

1. que temas, no período recortado, são predominantes na utilização da

representação infantil;

2. de que maneira formalizam visualmente o fato discorrido no texto verbal,

que sentidos e efeitos de sentido constroem;

3. como intervêm para esses efeitos os recursos da imagem fotográfica

propriamente dita, considerada em seus aspectos técnicos e plásticos;

4. até que ponto utilizam a relação texto-imagem como fonte de sentidos

implícitos reportados não só à criança, mas aos conflitos, por meio da

condição infantil.

Portanto, investigar qual é o papel desempenhado pelo uso de imagens de

crianças em material jornalístico, cujos temas não se reportam diretamente à

questão infantil, examinando como as significações se constroem e quais os efeitos

de sentido obtidos pelo recurso à imagem, é a questão central desta pesquisa. Para

tanto, foi analisado o tratamento jornalístico na construção da cena visual e na

articulação texto verbal e não-verbal na mídia impressa. Desse modo, esta pesquisa

busca as diferenças de tratamento para observar e apontar os modos distintos de

construção de cena visual, assim como modos distintos de articulação imagem/texto,


15

que podem demonstrar as diversas representações da criança, mesmo que tais

diferenças sejam sutis.

Pesquisar como a criança é representada visualmente nos jornais, buscando

a articulação entre o verbal e o não-verbal, é de fundamental importância para se

tentar compreender a influência que essa representação pode ter sobre o

pensamento social e vice-versa. Outra contribuição que essa pesquisa pode trazer

para a área da Comunicação é a de compreender melhor como um grupo específico

é representado pela imprensa e por seus profissionais, percebendo suas nuances.

Investigando a representação visual e verbal jornalística, em seu conjunto, utilizada

para tratar sobre crianças, este trabalho pode contribuir para a reflexão sobre a

produção de notícias e reportagens sobre o tema. Além disso, pode colaborar para a

melhor compreensão do processo jornalístico de produção, à medida que apresente

uma análise sobre como o tema é desenvolvido pelos profissionais do jornalismo e

como a profissão expressa um imaginário sobre a infância.

Para realizar a análise, este trabalho utiliza a proposta de estilo de

categorização de Fontanille (2007), buscando a melhor amostra possível no material

selecionado e examinado dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. A

metodologia caracteriza-se pela escolha da página do jornal que pode representar

as categorias formuladas, por meio de diferenças e semelhanças entre todo o

material selecionado. Foram sistematizadas duas categorias para realizar a análise,

que são explicitadas na terceira parte desta dissertação.

A primeira parte desta pesquisa apresenta a revisão do conceito de infância

sob o prisma da história com base nas obras de Philippe Ariès (2006), Peter Stearns

(2006), Mary Del Priore (2006) e Shirley R. Steinberg e Joe L. Kincheloe (2006), por

se considerar a relevância dessa informação para a análise das representações e


16

dos usos das imagens de crianças. Trata também das relações e interações entre

jornalismo e sociedade, com ênfase na construção simbólica da cultura e a

relevância do jornal impresso como meio de comunicação para a sociedade,

utilizando os estudos de Clarice Cohn (2005), Alberto Dines (1986) e Philip Meyer

(2007). Para apresentar as principais configurações do jornalismo e do

fotojornalismo, Ciro Marcondes Filho (2002), Nelson Traquina (2005), José Rebelo

(2000), Jorge Claudio Ribeiro (1994), Margarita Ledo (1998) e Jorge Pedro Sousa

(2000) foram os autores que apoiaram a discussão. A reflexão sobre a “ética do ver”

apoiou-se, principalmente, nas obras sobre a história do fotojornalismo de Gisèle

Freund (1989) e Jorge Pedro Sousa (2000), e também nas obras de autores que

examinam a questão sobre o que pode e o que não pode ser visto em nossa

sociedade, como Susan Sontag (2003 e 2004), John Berger (2003), Vivian Sobchack

(1984) e Roland Barthes (2006).

O jornal como veículo de comunicação sincrético e as principais questões

envolvidas entre a articulação do verbal e do não-verbal são discutidos na segunda

parte desta pesquisa. Os conceitos são apresentados a partir de vários autores,

sobretudo vinculados ao jornalismo, à fotografia e à sintaxe visual, como Jorge

Pedro Sousa (2005 e 2000), Nilton Hernandes (2006), Manuel López (2004), José

Ignacio Armentia, Jon Elexgaray e Juan Carlos Pérez (1999), Antonio Celso Collaro

(2000), Donis A. Dondis (1997), Robin Williams (1995), Rafael Souza Silva (1985) e

Allen Hurlburt (2002). Para a parte de análise da vinculação entre o verbal e o não-

verbal, tem-se como base Roland Barthes (1990) e autores da semiótica discursiva

francesa, com seu principal estudioso, Algirdas Julien Greimas, assim como o

estudioso francês Eric Landowski (1992), entre outros.


17

A terceira parte destina-se à análise do corpus selecionado, a partir da

sistematização de categorias de análise, para a identificação das diferentes formas

de tratamento jornalístico utilizadas nas configurações visuais. Dessa maneira, a

partir dos estudos das teorias do jornalismo e da fotografia, e da semiótica discursiva

e plástica, no tocante à análise propriamente dita, fez-se um estudo de como a

criança é representada visualmente na mídia impressa brasileira, atendendo às

várias estratégias para captar e fixar a atenção do leitor. Nas considerações finais,

apresentam-se os principais aspectos observados e discutidos nesta dissertação.


18

2 CRIANÇA, SOCIEDADE E IMPRENSA

Segundo os pesquisadores Ariès (2006), Stearns (2006) e Mary Del Priore

(2006), o conceito de infância foi construído historicamente. Este capítulo faz, em

sua primeira parte, uma breve revisão histórica sobre a infância e a mudança da

idéia sobre a infância, do período pré-moderno à contemporaneidade. Por muito

tempo, a criança não foi percebida como uma pessoa em desenvolvimento e com

necessidades de cuidados especiais, como a sociedade contemporânea a

compreende4.

Em seguida, trata de aspectos importantes no surgimento do jornalismo e do

fotojornalismo e suas principais características, que são essenciais para a

compreensão de como o jornal impresso se relaciona com a sociedade, pois os

meios de comunicação representam em suas edições a cultura dos tempos atuais.

Para compreender o papel da fotografia no mundo contemporâneo e como

se constituiu uma “ética do ver"5, que determina social e culturalmente o que pode

ser visto e o que não pode ser visto pelas pessoas, apontam-se questões sobre a

função e o desenvolvimento do fotojornalismo e as mudanças culturais ocorridas no

meio social. Associando essas transformações também com a própria evolução dos

meios de comunicação, que abrigam atualmente grande parte da produção

fotográfica que “registra” o dia-a-dia de homens e mulheres, jovens e adultos,

4
Tem-se um longo período histórico para ser revisado em relação à história da infância e de como a
criança foi percebida a cada ciclo, no entanto, nesta dissertação, deu-se destaque para o conceito
que começa a modificar-se a partir do século XVII.
5
A expressão é utilizada por Susan Sontag na obra Sobre fotografia.
19

crianças e velhos, governos e instituições, faz-se uma reflexão6 sobre o que pode

ser visto e o que não pode ser visto na sociedade contemporânea.

2.1 A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO

O pensamento ocidental em relação à criança começa a modificar-se a partir

do final do século XVII. A mudança iniciou-se nas classes sociais mais altas7

causada pela interferência do poder público e da Igreja, trazendo a percepção da

infância como uma fase fundamental e suas necessidades especiais, como

alimentação, orientação, escolaridade. A partir da queda da taxa de natalidade, há o

interesse em buscar a atenção individualizada para cada criança, iniciando também

nessa fase a distinção entre a infância e seus estágios (STEARNS, 2006, p. 74).

A mudança dos pensamentos expostos pelos filósofos do final do século

XVII, que começam a refletir sobre a importância de respeitar a individualidade da

criança e a tratar com carinho especial, pensando, principalmente, em como

poderiam lhe ensinar novos conteúdos, assim como desenvolver nelas a

criatividade, também pode ser apontada como um elemento desencadeador da

mudança do conceito de infância na sociedade moderna (STEARNS, 2006, p. 86-

87).

No modelo de infância moderno percebem-se três mudanças principais,

segundo Stearns (2006, p. 90), que foram-se desenvolvendo ao longo dos séculos

6
Considera-se que a discussão exposta de forma breve nesse capítulo deve ser objeto de estudos
mais aprofundados, no futuro, em trabalho específico sobre o tema, porque envolve grande parte do
debate em torno da imagem e sua exposição ao longo do desenvolvimento da sociedade.
7
Analisando as mudanças do conceito de infância a partir do processo histórico, é preciso salientar
que, de maneira geral, as alterações no modo de viver e pensar iniciam-se sempre nas classes mais
altas, pois são elas que possuem condições econômicas, políticas e sociais para implementar tais
mudanças. No entanto isso não quer dizer que tais mudanças não tenham ocorrido em classes
desfavorecidas economicamente. De todo modo, como qualquer transformação histórico-social, as
alterações ocorridas no conceito de infância não sucederam de forma igualitária, linear e progressiva
em todas as classes sociais e sociedades.
20

XVII e XIX. A primeira refere-se à desvalorização do trabalho na infância para o

reconhecimento da importância da educação para a criança. A escolaridade passa a

ser considerada obrigatória e, aos poucos, essa idéia alcança também os

adolescentes (a partir do século XIX), que param de trabalhar para estudar. A

segunda mudança é conseqüência da primeira. Como crianças e adolescentes

param de trabalhar, houve o entendimento de que era preciso limitar o tamanho das

famílias para que todos pudessem ter seu sustento garantido. Desse modo, o

terceiro elemento do modelo de infância moderno é a redução da taxa de natalidade.

Para Stearns (2006, p. 91), “A terceira transição fundamental do modelo

moderno envolveu uma dramática redução da taxa de mortalidade infantil:

tradicionalmente em torno de 30% a 50% das crianças morriam até os 2 anos”. Essa

mudança é reflexo das primeiras transformações que procuravam naquele momento

dar mais atenção e cuidado à criança. Dessa forma, a saúde das crianças passa a

merecer mais cuidado e, assim, as mortes precoces diminuem.

Apesar de essas transformações terem ocorrido, é preciso ressaltar que

muitas delas levaram muito tempo para estabilizarem-se como normas sociais.

Pode-se citar como exemplo o trabalho infantil, que se estenderá, segundo Stearns

(2006), ainda, até 1915, aproximadamente. O sociólogo e fotojornalista Lewis Hine

(1874-1940), ao realizar um trabalho fotográfico para o National Child Labour

Comittee, entre 1908 e 1917, mostrou crianças que trabalhavam mais de 12 horas

seguidas em fábricas e em minas. Esse trabalho contribuiu efetivamente para a

alteração da legislação norte-americana sobre o trabalho infantil (SOUSA, 2000, p.

59) e reflete a preocupação com o bem-estar da criança.

Talvez começamos a nos cansar de fotos de crianças no trabalho, disse


Hine ao público de uma de suas muitas conferências, mas proponho que
cansemos a todo o país com esse assunto de maneira que quando chegue
21

o momento de levar ações adiante, essas fotos sejam somente uma


recordação do passado8 (LEDO, 1998, p. 76).

Como disse Hine, realmente ainda muitos outros trabalhos fotográficos e

reportagens precisam ser realizados com o intuito de contribuir para a

conscientização da erradicação do trabalho infantil em todo o mundo. Segundo

pesquisa divulgada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2008, há

165 milhões de crianças no mundo, entre 5 e 14 anos, trabalhando. A metade delas

está exposta às piores formas de trabalho: operação de máquinas e ferramentas

perigosas, fazendas e plantações, minas, pedreiras e canteiros de obras, exposição

a gases tóxicos e a produtos químicos nocivos. Além disso, essas crianças

trabalham em regime de escravidão, servidão por dívida, trabalho forçado,

prostituição e conflitos armados. Segundo pesquisa divulgada, em 2001, pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 8,4 milhões de crianças e

adolescentes, entre 5 e 17 anos, no início da década de 1990, trabalhando de

maneira perigosa, informal e ilícita no Brasil. Segundo o site da OIT, escritório do

Brasil, há ainda 5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando de forma ilegal no

país.

As transições histórico-sociais são graduais e têm efetivação em momentos

e em sociedades diferentes, em classes sociais e em países diferentes, como se

percebe a partir da afirmação de Stearns sobre o fim do trabalho infantil e a data do

trabalho fotográfico de Hine. Portanto, de maneira geral, essas foram as principais

transformações ocorridas no modo de se ver, entender e cuidar da infância na

modernidade.

8
Do original: “Quizá empezamos a cansarnos de ver fotos de niños en el trabajo, le dice Hine a los
asistentes a una de sus muchas conferencias, pero os propongo que cansemos a todo el país con
este asunto de manera que cuando llegue el momento de llevar acciones adelante, estas fotos sean
solamente un recuerdo del pasado”.
22

Assim pode-se afirmar que a idéia de infância como um estágio distinto da

vida é um conceito relativamente recente. A noção de que as crianças devem

estudar e não trabalhar, brincar, receber proteção, alimentação, atenção, carinho e

cuidados especiais de adultos torna-se a definição de infância tradicional solidificada

a partir de 1850 e que permaneceu até 1950 (premissas que se conservam

verdadeiras nos anos 2000), conforme apontam Stearns (2006) e Steinberg e

Kincheloe (2001, p. 12).

Ariès (2006) indica que em determinados períodos da história era

considerada criança a pessoa que ainda fosse dependente economicamente dos

pais e/ou da família. Mudando a visão social sobre a infância, surgiram leis,

convenções, acordos mundiais que definem o que é ser criança. A Convenção sobre

os Direitos da Criança, adotada pela resolução nº. L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral

das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de

setembro de 1990, define criança no artigo 1 como “todo ser humano menor de

dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à

criança, a maioridade seja alcançada antes”. A lei brasileira nº. 8.069, de 13 de julho

de 1990, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelece o conceito de

criança no artigo 2º: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até

doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos

de idade” (grifo meu).

A partir de 1950, segundo os mesmos autores, as noções de carinho,

cuidados especiais e responsabilidade dos adultos para com as crianças continuam

válidas, no entanto a infância inicia uma nova fase com as inovações da sociedade

industrializada e da cultura corporativa do consumismo, que têm como foco

privilegiado o grupo das crianças. Segundo os autores, essa cultura corporativa


23

transmitida principalmente pela televisão, o que não minimiza o papel de outros

meios de comunicação, é a causa de uma nova era da infância, que transforma as

crianças em dependentes e passivas e, ao mesmo tempo, oferece às crianças o

contato com informações que só teria quando fosse adulta, modificando sua relação

com o mundo adulto e os estágios da infância pelos quais deveria passar.

Stearns (2006, p.157-158) refere-se também a uma importante relação:

sociedade, criança e morte. Como já foi citado, o aumento dos cuidados dos pais

com as crianças fez a taxa de mortalidade cair. Em todos os períodos históricos de

desenvolvimento de nossa sociedade, o índice de mortalidade infantil era muito alto.

A partir do século XIX, nascem menos crianças, seus pais tomam mais cuidados

com elas e estabelece-se que elas não podem morrer, por isso as sociedades

industrializadas direcionaram maior número de recursos para evitar a morte precoce.

Além disso, as crianças foram afastadas do acontecimento da morte, os

especialistas indicavam que isso poderia não fazer bem à criança, ao seu

desenvolvimento psicológico. “O compromisso disseminado de manter as crianças

vivas tornou, sem dúvida, mais difícil aceitar as mortes que ocorressem” (STEARNS,

2006, p. 157). A partir dessas observações, pode-se compreender o que a

publicação de uma fotografia de uma criança morta em um conflito bélico, por

exemplo, pôde causar nos leitores dos primeiros periódicos a reproduzirem tais

cenas. Compreende-se também porque elas foram resguardadas, não dos fatos,

mas de suas representações na história da fotografia de imprensa.

A partir dessa breve revisão da história da infância moderna, é possível

concluir que a criança hoje tem um papel ativo na sociedade com direitos, deveres e

autonomia, sendo subordinada às ordens e aos cuidados dos pais ou de um adulto

responsável, porque necessita de atenção especial, por estar em fase de formação.


24

Como já foi apontado neste trabalho, a criança sempre teve seu espaço de atuação

na formação social das diferentes civilizações em diferentes épocas. A partir da

consolidação dos meios de comunicação, a criança é percebida, também e com

grande influência, por meio dos registros veiculados na TV, no rádio, na internet e no

jornal impresso, que proporcionam a percepção sobre as mudanças sociais e

também discutem e rediscutem qual é o papel e o lugar da criança nesse contexto.

Como afirma o historiador Stearns: “[...] as infâncias refletem as sociedades

em que se inserem e também ajudam a construir essas sociedades, por intermédio

dos adultos que surgem das crianças. A infância, nesse sentido, é uma chave única

para a experiência humana maior” (2006, p. 20). De alguma forma, toda criança

precisa passar por determinados estágios de aprendizado para chegar à fase adulta

e corresponder ao comportamento que se espera dela em determinado meio social.

Sempre e em toda parte, as crianças precisam receber alguma preparação


para o estágio adulto. Necessitam aprender a lidar com determinadas
emoções, como raiva ou medo, de forma socialmente aceitável. Sempre e
em toda parte, em vista do longo período de fragilidade na infância da
espécie humana, crianças pequenas requerem que se lhes providenciem
alimentação e cuidados físicos. As doenças infantis, sua prevenção, assim
como os possíveis acidentes são preocupações dos pais desde os tempos
mais remotos até os dias de hoje. Algum tipo de socialização para os papéis
de gênero é parte inevitável do processo de lidar com a infância, mesmo
nos mais igualitários cenários contemporâneos (STEARNS, 2006, p. 11).

As regras sociais são criadas por adultos, que um dia já foram crianças.

Muitas dessas regras não estão registradas em forma de documentos ou leis, mas

podem ser transmitidas, de forma explícita ou por meio de contratos tácitos, pelos

meios de comunicação, assim como pelos discursos dos atores sociais

representados nos meios de comunicação. Dessa forma, para a compreensão do

papel dos meios de comunicação na transmissão de conceitos e valores sobre a

infância, estabelece-se a seguir a relação entre jornal, infância e sociedade.


25

2.2 JORNAL, INFÂNCIA E SOCIEDADE: A CONSTRUÇÃO DA CULTURA

Segundo Cohn (2005, p. 19), os estudos da antropologia, a partir da década

de 1960, revisam e reformulam seus conceitos fundamentais, como cultura e

sociedade, apontando que não são exclusivamente os valores ou as crenças que

assinalam o desenvolvimento de uma cultura em determinada sociedade, mas aquilo

que os molda. Redefinição de conceitos, válida ainda nos anos 2000, pela qual a

antropologia assinala a importância dos sistemas simbólicos formados pelo

permanente processo dado pelas relações e inter-relações dos atores sociais

(crianças, jovens, adultos, idosos), que são os responsáveis por vivenciar e repassar

os sentidos de sua experiência em uma determinada sociedade. Esse simbolismo,

que forma a cultura, “[...] não é mensurável, portanto, e nem detectável em um lugar

apenas – é aquilo que faz com que pessoas possam viver em sociedade

compartilhando sentidos, porque eles são formados a partir de um mesmo sistema

simbólico” (COHN, 2005, p. 19).

Nesse sentido, é possível afirmar que os meios de comunicação podem

transmitir mais do que crenças, valores ou costumes para a sociedade. O contexto

cultural demonstrado em uma reportagem, por exemplo, permite que a sociedade

observe os sentidos e os significados de uma cultura (da cultura desse momento)

gerados por meio de relações e interações. Como os meios de comunicação são

produzidos por homens e mulheres pertencentes a relações e interações resultantes

dos sentidos construídos pelos sistemas simbólicos de uma cultura, os veículos de

comunicação podem representar a percepção e a visão social sobre a criança, de


26

variadas formas, assim como podem gerar efeitos de sentidos 9 distintos sobre esse

mesmo grupo.

É desse modo que se pode refletir sobre a contribuição do jornal impresso

para a formação cultural de uma sociedade e que, assim como essa mesma

sociedade, esse meio de comunicação passe por momentos de crise e

transformações, a partir do surgimento de novas técnicas, idéias e relações entre as

pessoas e o ambiente social.

Na obra Os jornais podem desaparecer?, Philip Meyer (2007) reflete sobre

uma questão que vem sendo discutida amplamente nas universidades, pelos

profissionais da comunicação e também pelos próprios jornais e outros veículos de

comunicação: a crise10 no jornalismo impresso. O jornalista e professor chama a

atenção para a razão da crise do jornal, desmistificando-a. Ele afirma que essa crise

não é a primeira vivida pelos diários, pois já estava em andamento bem antes do

surgimento da Internet, e é causada principalmente pelo surgimento das tecnologias

da comunicação que facilitaram a segmentação dos jornais, tornando mais difícil sua

sustentação financeira.

Esse fenômeno já estava em curso muito antes do surgimento da internet. A


impressão offset, que possibilitou a criação de chapas de impressão por
processo fotográfico em vez da linotipia (composição a quente), reduziu os
altos custos fixos do mercado editorial. Depois os computadores permitiram
a montagem das páginas na mesa dos redatores, em lugar do processo de
composição na gráfica. Os avanços na tecnologia de impressão abriram as
portas para publicações especializadas com públicos menores. A impressão
mais barata e de melhor qualidade também tornou a publicidade de malas-

9
Greimas e Courtés (s.d., p. 136) definem efeito de sentido como “a impressão de „realidade‟
produzida pelos nossos sentidos, quando entram em contato com o sentido, isto é, com uma
semiótica subjacente. Pode-se dizer, por exemplo, que o mundo do senso comum é o efeito de
sentido produzido pelo encontro do sujeito humano com o objeto-mundo. [...] Situado na instância da
recepção, o efeito de sentido corresponde à semiose, ato situado no nível da enunciação, e à sua
manifestação que é o enunciado-discurso”.
10
Optou-se pelo termo “crise” para expressar essa fase de transformação e adaptação do jornal
impresso frente ao surgimento das tecnologias da informação por ser a mais utilizada nos debates
acadêmicos no Brasil, no entanto compreende-se que os termos “revisão” e “adaptação” ou ainda a
expressão “novas competências do jornal impresso” poderiam ser mais adequados, de acordo com
López (2004, p. 27-30).
27

diretas mais atraente e contribuiu para a segmentação da mídia muito antes


de existir a internet (MEYER, 2007, p. 19).

Ainda referindo-se à crise do jornal, principalmente nos Estados Unidos,

Meyer (2007) descreve o “modelo de influência”, afirmando que a produção de

notícias com qualidade pode gerar credibilidade para o jornal e, conseqüentemente,

atrair os anunciantes que mantêm o jornal financeiramente. O autor considera que o

jornal é um veículo imprescindível para que a sociedade receba informações de

qualidade e para manter a democracia em um país. Por isso, ele afirma que “A

influência social de um meio de comunicação pode aumentar sua influência

comercial. Se o modelo funcionar, um jornal influente terá leitores que confiam nele

e, portanto, mais valor para os anunciantes” (MEYER, 2007, p. 18). Assim, o jornal

pode fazer de sua qualidade e credibilidade editorial uma ferramenta eficaz para sua

sobrevivência.

Apesar da “crise” vivida atualmente pelo jornal impresso, esse veículo

mantém um papel de grande importância, sendo apontado como a quarta instituição

que obteve maior índice de confiança dos brasileiros (63%), na pesquisa de opinião

pública realizada pelo Ibope, entre maio e agosto de 200511. Essa pesquisa aponta

também que o público confia mais no jornal do que na TV e no rádio, que aparecem

em sexto e sétimo lugares, respectivamente12. Em artigo publicado no jornal Folha

de S. Paulo, a jornalista Eleonora Lucena apresenta dados importantes sobre o

crescimento de 2,7% na venda de jornais no mundo em 2007, alcançando 11,8% no

Brasil. No primeiro semestre de 2008, os jornais diários tiveram aumento médio de

8% em sua circulação, no Brasil, segundo dados do Instituto Verificador de

Circulação (IVC).
11
A pesquisa Confiança nas Instituições foi realizada pelo Ibope em maio e agosto de 2005.
Considerou-se para esta pesquisa os dados obtidos pelo Ibope em agosto de 2005.
12
As instituições que ocupam os três primeiros lugares como as mais confiáveis na opinião dos
brasileiros são Médicos (81%), Igreja Católica (71%) e Forças Armadas (69%).
28

Em 1974, o jornalista Alberto Dines apresentou na obra O papel do jornal

uma reflexão sobre a crise do papel, que fez a indústria do jornal pensar em

transformações no jornalismo, que produzia para vender mais jornal e alcançar o

leitor. Apesar de ter sido escrito da década de 1970, os conceitos expostos pelo

autor sobre o jornal impresso podem ser considerados atuais, na medida em que

convergem com a obra recente de Meyer (2007).

Dines (1986, p. 77) considera que “o jornal [como meio de comunicação] –

[...] – condicionou o ser humano contemporâneo a um processo de saber”. Nesse

sentido, o autor afirma, assim como Meyer (2007), que o jornal impresso continuará

a existir e a ter importância como meio de comunicação, enquanto suas principais

características, relacionadas por Dines, permanecerem, como informação

personalizada, pois cada leitor encontra algo no jornal que tem a ver com sua visão

de mundo e seus interesses; periodicidade diária, que é capaz de “resistir ao

desgaste do tempo”; e a amplitude com que trata os temas vigentes e importantes

para a sociedade (1986, p. 77).

Outro aspecto importante que deve ser apontado quando se discute a

questão do jornal é que apesar de os jornais impressos serem produzidos e lidos por

uma elite, no Brasil, eles influenciam boa parte da sociedade brasileira na

compreensão dos diversos assuntos em voga porque

[...] são lidos todas as manhãs extensamente pelos condutores de


programas de rádio, servem de pauta para as ordens de cobertura das
equipes de TV e para as grandes revistas semanais; são recortados pelas
assessorias de imprensa dos políticos e das grandes empresas, para
13
circular entre seus quadros dirigentes (KUCINSKI, 1998, p. 24).

13
Kucinski refere-se aos quatro grandes jornais brasileiros (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo,
O Globo e Jornal do Brasil) responsáveis pela definição da agenda nacional de discussões.
Considera-se, no entanto, para esta pesquisa, que a afirmação de Kucinski pode apoiar a importância
do conteúdo jornalístico produzido pelos jornais impressos como veículos de comunicação de grande
expressão e também como formadores de opinião, pois são reproduzidos em outros meios de
comunicação de grande alcance popular.
29

Além disso, mesmo nos anos 2000, caracterizados pelas rápidas mudanças

nos meios de comunicação, os jornais ainda são fonte de informação para os

diversos espaços na Internet que produzem notícias. Como afirma Landowski (1992,

p. 117), “[...] o jornal se caracteriza como um instrumento excepcionalmente

poderoso de integração dos múltiplos universos de referência que ele toma como

objeto”. Assim, o jornal impresso, elemento de análise desta dissertação, continua

exercendo um papel importante na construção de sentidos sobre os diversos

assuntos de interesse da sociedade.

2.3 A INVENÇÃO DA REALIDADE: CONFIGURAÇÕES DO JORNALISMO E DO

FOTOJORNALISMO

O jornalismo constituiu suas principais características com os ideais14 da

Revolução Francesa (1789). Segundo Marcondes Filho (2002), antes disso, já

existiam alguns jornais15, entretanto é com a Revolução que o jornalismo começa a

ter liberdade e possibilidade de transmitir informação e conhecimento para a

sociedade. Marcondes Filho (2002) em sua obra A saga dos cães perdidos faz uma

revisão da história do jornalismo e propõe uma divisão em quatro fases que marcam

o seu desenvolvimento: a primeira corresponde ao período de 1789 até a metade do

século XIX; a segunda caracteriza-se a partir da segunda metade do século XIX; a

terceira acontece até os anos 1960; e a quarta inicia na década de 1970. A fim de

14
De maneira geral, pode-se dizer que a Revolução Francesa foi marcada pela luta pelos direitos
humanos, pela destituição da aristocracia, pelo fim das monarquias e todo sistema absolutista, pelo
fim do monopólio da Igreja e da Universidade sobre o saber e o conhecimento. No entanto, é preciso
ressaltar que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade se aplicaram à burguesia e não ao
Terceiro Estado (“o povo”).
15
Segundo Marcondes Filho (2002), em 1631, a Gazette já tinha todas as características básicas de
um jornal impresso.
30

traçar um breve histórico do jornalismo e sua evolução, essas fases são

apresentadas a seguir.

Os ideais da Revolução Francesa e a transformação social causada por ela

marcam a primeira fase do jornalismo, de 1789 até a metade do século XIX. Antes

da Revolução, o controle da informação e do conhecimento funcionavam para

manter a autoridade e o poder. A partir da Revolução, os valores mudam e “agora

tudo deve ser exposto, superexposto, ostensivamente mostrado” (MARCONDES

FILHO, 2002, p. 11). Nesse momento, a transparência é o valor máximo.

Essa época é marcada pelo jornalismo político-literário e também pela

profissionalização do jornal, surgem as redações departamentalizadas, o artigo de

fundo e a autonomia redacional (MARCONDES FILHO, 2002, p. 11). A finalidade do

jornalismo nesse momento é proporcionar a educação e a formação política de seus

leitores. Apesar disso, continuaram existindo os jornais partidários, utilizados como

instrumento político.

A partir da inovação tecnológica nos processos de produção do jornal, surge

o segundo jornalismo, que tem início a partir da segunda metade do século XIX,

caracterizado pela implantação do jornal como empresa capitalista. A tecnologia

custava caro aos proprietários dos jornais, que por isso começaram a pensar no

jornalismo como negócio. Assim, o espaço publicitário ganhou valor em relação ao

espaço de informação jornalística, o que representou, na visão de Marcondes Filho

(2002, p. 14), uma “tendência – como se verá até o final do século 20 – [...] de fazer

do jornal progressivamente um amontoado de comunicações publicitárias permeado

de notícias”.

O terceiro jornalismo, no século XX, é caracterizado pelo monopólio das

empresas jornalísticas, devido ao grande desenvolvimento propiciado pelas


31

tecnologias da comunicação e pelo desenvolvimento do sistema capitalista de

produção. Além desse fator, a criação de novas formas de comunicação que

competem com o jornalismo e o descaracterizam, como a indústria publicitária e a

atividade de relações públicas, é o principal elemento de transformação da atividade

jornalística.

Nos anos 1970, o jornalismo entra em sua quarta fase, marcada como a era

tecnológica. Nesse momento, as estratégias de comunicação e persuasão

expandem a indústria da consciência no universo da informação. Segundo

Marcondes Filho (2002), é a ação direta das assessorias de imprensa e da

publicidade nos meios de comunicação influenciando o conteúdo informacional

produzido pelo jornalismo. Ao mesmo tempo, os sistemas de comunicação

eletrônicos fornecem material informativo, que pode ser recolhido em várias fontes.

Para Marcondes Filho (2002), a influência das tecnologias da informação no trabalho

do jornalista é o fator principal na mudança da profissão e da ausência de

reconhecimento do papel desse profissional.

[...] a tecnologia imprime seu ritmo e sua lógica às relações de trabalho,


definindo os novos profissionais, a nova ética de trabalho, em suma, um
outro mundo, que mal deixa entrever os sinais do que se convencionou
chamar no passado de „jornalismo‟ (MARCONDES FILHO, 2002, p. 31).

Mas foi na segunda fase do jornalismo, descrita por Marcondes Filho, a partir

da segunda metade do século XIX, que o jornalismo sofreu suas principais

transformações, em virtude da inovação tecnológica nos processos de produção do

jornal. Essas tecnologias encareceram o custo do jornal, que foi buscar alternativas

para ter acesso a elas.

Segundo Traquina (2005, p. 34), nessa época, a atividade jornalística

“ganhou um novo objetivo - fornecer informação e não propaganda”. Isso porque a


32

produção jornalística até então era marcada pelo texto declaradamente opinativo,

com estilo literário, como descrito por Marcondes Filho, na primeira fase do

jornalismo. Desse “novo paradigma”, expressão utilizada por Traquina (2005),

surgiram as principais modificações no jornalismo e que se mantêm como

características e ideais da atividade ainda hoje, como “a notícia, a procura da

verdade, a independência, a objetividade, e uma noção de serviço ao público [...]” (p.

34).

Buscando adaptar-se às inovações tecnológicas, o jornalismo transforma-se

em negócio e o espaço publicitário ganha valor em relação ao espaço de informação

jornalística (MARCONDES FILHO, 2002; RIBEIRO, 1994; REBELO, 2000).

As novas formas de financiamento da imprensa, as receitas da publicidade


e dos crescentes rendimentos das vendas dos jornais, permitiram a
despolitização da imprensa, passo fundamental na instalação do novo
paradigma do jornalismo: o jornalismo como informação e não como
propaganda, isto é, um jornalismo que privilegia os fatos e não a opinião.
Com as novas formas de financiamento, a imprensa conquista uma maior
independência em relação aos partidos políticos, principal fonte de receita
dos jornais ainda no início do século XIX (TRAQUINA, 2005, p. 36).

Como já foi mencionado, muitos avanços tecnológicos, principalmente na

área gráfica, foram responsáveis pelas transformações acontecidas no campo

jornalístico, que afetaram sua organização empresarial e também suas

características mais profundas em termos conceituais e práticos, na forma e no

conteúdo apresentado. Entre os avanços tecnológicos, Traquina (2005) e Ribeiro

(1994) afirmam que a invenção do telégrafo em 1844 e o telégrafo por cabo em 1866

proporcionaram ao jornalismo maior rapidez na transmissão da informação, assim

como causaram o funcionamento dos jornais em “tempo real”, o aumento do número

de pessoas trabalhando integralmente para produzir informação, e a mudança

fundamental na redação das notícias.


33

A utilização de testemunhas oculares, o desenvolvimento da reportagem,


com a utilização da técnica da descrição, foram algumas das inovações no
jornalismo no decurso do século XIX. Mas houve também uma mudança
importante no formato das notícias durante o século. À medida que as
notícias começaram a ser tratadas como produto, uma forma nascente de
„empacotamento‟ apareceu. As notícias tornaram-se crescentemente
estandardizadas ao tomarem a forma a que chamamos hoje „pirâmide
invertida‟, enfatizando o parágrafo de abertura, o lead (TRAQUINA, 2005, p.
59).

Ainda no século XIX, outra invenção traz novos pensamentos e

compreensões sobre o jornalismo. De acordo com Traquina (2005, p. 50-54), a

máquina fotográfica inspirou o jornalismo, porque poderia transmitir a realidade

como ela é, quase como um espelho, para a sociedade. Por meio das imagens

fotográficas, as informações jornalísticas ganham mais efeito de „realidade‟, pois a

fotografia surge para sustentar a separação dos fatos da opinião, do juízo de valor, e

vai contribuir para a valorização de uma outra característica do jornalismo, que irá se

estabelecer no século seguinte: a objetividade. Assim, como diz Traquina (2005, p.

52), “o realismo fotográfico tornou-se assim o farol orientador da prática jornalística

[...]”.

Para o autor, além das novas possibilidades apresentadas pela tecnologia, o

papel da propaganda na Primeira Guerra Mundial e o nascimento da profissão de

relações públicas são também responsáveis pela mudança de pensamento da

sociedade sobre o modo de tratar a informação, causando a separação entre os

fatos e as opiniões. Em contrapartida, Rebelo (2000) e Ribeiro (1994) apontam outro

motivo para a alteração do pensamento social sobre o tratamento da informação.

Empenhados numa lógica de expansão constante, factor indispensável à


captação de publicidade, logo, ao sucesso da empresa, os grandes jornais
vocacionam-se para atingir todo o tipo de destinatários, sem distinção de
classes ou de opções políticas. A objectividade jornalística apresenta-se,
então, sublinha Mário Mesquita, „enquanto construção resultante de uma
nova estratégia comercial da Imprensa‟, já que „a extensão e diversificação
dos públicos aconselham uma nova atitude, que se traduz num relato dos
34

acontecimentos que seja válido para todos os leitores e não apenas para
este ou aquele indivíduo ou grupo de indivíduos‟ (REBELO16, 2000, p. 15).

Segundo Todd Gitlin (1979, p. 28, citado por TRAQUINA, 2005, p. 51), havia

no século XIX “um vasto movimento intelectual em direção à distanciação científica e

à separação cultural dos fatos do valor”. Nesse contexto, a objetividade jornalística

está ligada à valorização da neutralidade da ciência e é implantada no jornalismo

com a intenção de interpretar melhor os acontecimentos que vinham transformando

o mundo, para tentar separar o jornalismo das novas áreas da comunicação, as

relações públicas e a propaganda, e também para se adaptar às novas formas do

texto noticioso (pirâmide invertida17 e lead18), o que define um dos pilares

estratégicos do discurso jornalístico: a credibilidade. Para Ledo (1998, p. 72), a

fotografia adquire valor documental, por seu funcionamento mecânico, o que dá ao

fato muito mais credibilidade. Traquina (2005) apresenta ainda mais uma finalidade,

a necessidade de ter um modelo de atuação jornalístico.

[...] a objetividade no jornalismo não é a negação da subjetividade, mas uma


série de procedimentos que os membros da comunidade interpretativa
utilizam para assegurar uma credibilidade como parte não-interessada e se
protegerem contra eventuais críticas ao seu trabalho (p. 139).

Em oposição à visão do jornalismo como espelho da realidade, na década de

1970, a notícia passa a ser vista como uma construção. O paradigma da notícia

16
A obra de José Rebelo utilizada nesta pesquisa, O discurso do jornal, está publicada em Português
de Portugal.
17
A pirâmide invertida consiste na “disposição das informações, por ordem decrescente de
importância, em um texto jornalístico. [...] Com as informações mais „quentes‟ (o clímax) da notícia
logo no início do texto, o emprego da pirâmide invertida prende a atenção do leitor e permite que ele
se inteire dos principais fatos, mesmo que não leia todo o texto. Além disso, essa técnica facilita a
diagramação e a paginação: se a matéria estourar, podem ser cortadas as linhas de baixo para cima,
sem prejudicar o sentido do texto. [...]” (RABAÇA e BARBOSA, 2001, p. 568).
18
Lead ou lide é a “abertura de texto jornalístico, na qual se apresenta sucintamente o assunto ou se
destaca o fato essencial, o clímax da história. Resumo inicial, constituído pelos elementos
fundamentais do relato a ser desenvolvido no corpo do texto. [...] Deve ser redigido de modo a „fisgar‟
o interesse do leitor para a leitura de toda a matéria. Na construção do lide, o redator deve responder
às questões básicas da informação: o quê, quem, quando, onde, como e por quê (embora não
necessariamente a todas elas em conjunto)” (RABAÇA e BARBOSA, 2001, p. 426).
35

como construção determina que a notícia continua tendo como referência a

realidade, contudo também a constrói e por isso a notícia não pode ser o seu

espelho (TRAQUINA, 2005, p. 168-171).

Há três argumentos principais que definem a visão construcionista da

notícia, na visão de Traquina (2005, p. 168-169): 1) É impossível determinar o que é

realidade, pois as notícias ajudam a construir a realidade; 2) A linguagem neutra ou

objetiva também é impossível e por isso não pode repassar para o público o

significado „real‟ dos acontecimentos; 3) A estrutura da representação do texto

noticioso, desde a investigação até o fechamento da notícia, segue aspectos

padronizados da organização do trabalho jornalístico para responder à

imprevisibilidade dos fatos e por isso apresenta apenas um recorte da realidade.

O terceiro item aponta para a rotina produtiva do jornalismo, que é a mesma

para o repórter, que busca informações para redigir sua notícia, e para o

fotojornalista, que busca informação pelo registro imagético do fato. O trabalho

jornalístico é uma atividade que exige que seus profissionais observem, selecionem

e transformem os acontecimentos em notícias, sempre orientados para a hora do

fechamento (deadline) da edição do jornal, seja em TV, impresso ou rádio. Para

tentar deter a imprevisibilidade dos fatos, as empresas jornalísticas necessitam

impor ordem ao tempo e ao espaço, criando rotinas produtivas para que a notícia

seja veiculada no tempo estipulado.

Desde o seu surgimento, a fotografia traz consigo a idéia da objetividade, de

que é o reflexo do real. Nesse sentido, é importante destacar que o fotojornalismo

contribuiu muito para manter o conceito de objetividade19 no jornalismo, pois, como

afirma Sousa (2000),

19
Várias pesquisas têm demonstrado, porém, que se trata de efeito de sentido de objetividade.
36

[...] a idéia de que a evolução tecnológica (desde as primitivas câmaras


escuras às atuais máquinas fotográficas) e estética (principalmente a partir
da descoberta da perspectiva linear, que já vem da Renascença) permitiram
a representação imagética da realidade de uma forma cada vez mais
perfeita, alimentando, por conseqüência, a idéia de que a fotografia seria o
espelho da realidade (p. 15).

Assim como as reportagens jornalísticas são refutadas como “espelho da

realidade”, o fotojornalismo também não é visto por muitos estudiosos como a

reprodução da realidade, por motivos similares aos apontados por Traquina,

anteriormente. Como relata Sousa (2000),

[...] as obras de vários acadêmicos, como Mitchell (1992), Snyder (1980) ou


Crary (1990), rejeitam a idéia de que a evolução da fotografia permitiu ao
medium a reprodução da realidade. Pelo contrário, eles sugerem que a
história da fotografia é uma história de substituição e imposição de
convenções, uma história ideológica, uma história do domínio e abandono
de determinadas idéias. E mostram também que a noção de que o que cada
um de nós vê com os seus olhos é a realidade não passa de uma falácia,
aliás como muitos teóricos - entre os quais os fenomenologistas - foram
advertindo e provando ao longo da história (p. 15-16).

Nesse sentido, a fotografia pode ser compreendida como “mediadora de

relações intersubjetivas e forma simbólica de manifestação da cultura”, segundo

Caetano (2005, p. 1), pois tem, assim como o discurso verbal, o intuito de informar,

fazendo um “recorte” da realidade, que se, por um lado, não pode ser desprezado,

porque é por intermédio dos meios de comunicação que a sociedade busca

informações sobre o que está acontecendo ao seu redor e no restante do mundo,

por outro lado, não se pode acreditar na neutralidade “absoluta”, negando a

existência de forças sociais, culturais, econômicas e políticas sobre esses meios de

informação e seu modo de produção.


37

2.4 UMA INVENÇÃO PARA OS OLHOS E A CONSTRUÇÃO DE UMA “ÉTICA DO

VER”

Para compreender a importância da fotografia na sociedade contemporânea,

propõe-se uma breve revisão dos principais acontecimentos na história da fotografia

e da evolução do fotojornalismo 20. Desde a invenção da fotografia, em 1826, por

Nicéphore Niépce e seu aperfeiçoamento por Louis Daguerre, em 1837, e a partir de

1839, quando a invenção da fotografia foi considerada como domínio público pelo

governo francês, houve muitos avanços técnicos que visaram ao seu

aperfeiçoamento. Freund (1989) relata os primeiros avanços do invento de

Daguerre:

O aperfeiçoamento [do daguerreótipo] teve como resultado a redução do


tempo de pose. Em 1839, ano da publicação da invenção da fotografia, o
tempo necessários [sic] para a exposição da placa à luz de um sol
resplandecente era de quinze minutos. Um ano mais tarde, à sombra, treze
minutos eram o suficiente. Em 1841 esta duração tinha sido reduzida a dois
ou três minutos, e em 1842 não são precisos mais do que vinte a quarenta
segundos. Um ou dois anos mais tarde a duração da pose não constituía já
obstáculo para a realização do retrato fotográfico21 (p. 41-42).

Entre 1839 e 1850, só uma pequena parcela das pessoas conseguiram ter

acesso à fotografia devido ao seu alto custo. Como se percebe, o aperfeiçoamento

do daguerreótipo entre os anos de 1839 e 1844, a evolução das técnicas da

fotografia aconteceu rapidamente, e outros avanços proporcionaram que um número

maior de pessoas de diversas classes sociais pudesse usufruir da “mágica” da

fotografia e registrasse primeiramente os seus parentes e amigos em retratos e,

20
A história da fotografia, assim como a história do fotojornalismo, é ampla e contém muitos
acontecimentos importantes. Para esta investigação, foram destacados alguns acontecimentos que
se mostram relevantes no ponto de vista desta pesquisadora para o desenvolvimento da
argumentação desta investigação.
21
A obra de Freund, Fotografia e sociedade, utilizada nesta pesquisa, está redigida em Português de
Portugal.
38

posteriormente, pudesse ver o registro de acontecimentos em sua cidade, assim

como de lugares distantes.

Ainda no século XIX, muitos jornais e revistas começam a utilizar a

fotografia, apesar das dificuldades de reproduzi-las nos jornais diários,

principalmente por causa da periodicidade, pois as imagens tinham que ser feitas

fora do jornal. O investimento era alto para os jornais e seus proprietários ainda

resistiam a fazê-lo. Assim, os semanários e as revistas utilizavam-se mais do

recurso da fotografia.

Apesar da dificuldade em reproduzir a fotografia nas páginas de um jornal ou

revista, em 1842, a revista semanal The Illustrated London News publicou um

desenho produzido a partir de um daguerreótipo que mostrava “as conseqüências de

um incêndio que destruiu um bairro de Hamburgo”, para ilustrar a matéria veiculada

(SOUSA, 2000, p. 26). Ainda segundo o autor, essa ilustração caracteriza-se como

um dos primeiros registros fotográficos de acontecimentos.

A partir dessa data, várias publicações começaram a utilizar a fotografia para

ilustrar seus relatos, mesmo que ainda sejam utilizadas outras técnicas, como

desenho, gravura na madeira, entre outras, para reproduzir o registro do

daguerreótipo. Mas foi em 1880 que se reproduziu, pela primeira vez, uma fotografia

por meios mecânicos em um jornal, e representou uma mudança “revolucionária

para a transmissão dos acontecimentos” (FREUND, 1989, p. 106).

Dos primeiros eventos fotografados e que podem ser considerados como o

início do fotojornalismo, destacam-se as coberturas de guerras. Roger Fenton foi o

primeiro fotógrafo contratado para realizar a cobertura jornalística de uma guerra.

Em 1855, Fenton parte, com quatro assistentes, para fotografar a Guerra da Criméia,

onde, pelo excesso de calor, encontra dificuldades técnicas para realizar suas fotos.
39

Ele volta da Criméia com 360 placas, mas as fotografias não mostram a morte, a dor

e a violência da guerra (FREUND, 1989, p. 107-108). Segundo Sousa (2000, p. 34),

as imagens de Fenton mostram soldados sorridentes, que posam para o fotógrafo, e

campos de batalha sem cadáveres. E isso se deve ao fato de a expedição de Fenton

à Guerra da Criméia ter sido encomendada, sofrendo censura prévia.

Ao contrário de Fenton, o fotógrafo Mattew Brady realizou a cobertura da

Guerra Civil Americana, que iniciou em 1861, por iniciativa e investimento próprios.

Segundo Freund (1989) e Sousa (2000), as imagens dessa guerra mostraram, pela

primeira vez, o horror da guerra, e revelaram o que iria se estabelecer como

estratégia de alguns documentaristas ao longo da história da fotografia: a estética do

horror22.

As terras queimadas, as casas incendiadas, as famílias no desespero, os


numerosos mortos são fotografados por eles com uma impressão de
objectividade que confere a estes documentos um valor excepcional,
sobretudo se nos recordarmos de que a técnica rudimentar [...] não facilitava
o seu trabalho [de Brady] (FREUND, 1989, p. 108).

Outras guerras ocorreram na segunda metade do século XIX e também

receberam cobertura fotojornalística, e a conseqüência disso é que, a partir do início

do registro fotográfico das guerras, as pessoas começam a tomar conhecimento do

que acontece em um conflito bélico, em princípio distante, e a vê-los tornarem-se

mais próximos, mesmo que muitas dessas fotografias sejam encenadas para

favorecer um dos países envolvidos no conflito. Alguns avanços técnicos da

fotografia, como menor tempo de exposição, o flash, a possibilidade de fazer cópias

e o tamanho do equipamento, possibilitaram que a fotografia fosse se estabelecendo

como um recurso a mais para a formação e a informação das sociedades.

22
Expressão utilizada por Sousa (2005, p. 26) e definida por Barthes (2006) como foto-choque, essa
categoria de fotografia é abordada no último capítulo desta dissertação.
40

A Primeira Guerra Mundial teve cobertura extensiva dos fotógrafos que têm

suas fotos publicadas em suplementos ilustrados dos jornais. Como conta Sousa

(2000), “No final da Grande Guerra [Primeira Guerra Mundial], a maior parte dos

grandes jornais já tinha ou estava em vias de ter a sua própria equipe de

fotojornalistas” (p. 70). E é assim que, após a Primeira Guerra Mundial, o

fotojornalismo vai-se estabelecer nas revistas ilustradas na Alemanha, que vive um

pós-guerra de efervescência cultural. Como Freund (1989) e Sousa (2000)

registram, é na Alemanha que nasce o fotojornalismo moderno, que criou as bases

do que é produzido em fotografia para a imprensa ainda nos dias de hoje.

Mas não foi senão no século XX e no período entre as duas guerras


mundiais que a fotografia se tornou o meio dominante e mais „natural‟ de
nos reportarmos às aparências. Foi então que ela substituiu o mundo como
testemunho imediato. Foi o período em que a fotografia foi considerada
mais transparente, como um acesso direto ao real [...]. Ocorreu nos países
capitalistas o momento mais livre da fotografia: ela foi liberada das
limitações das Belas Artes, e se tornara o instrumento público que podia ser
usado democraticamente (BERGER, 2003, p. 53-54).

Entre os anos 1920 e 1930, surgem os primeiros fotojornalistas, e já era

possível observar uma mudança na disposição do texto e da imagem nas revistas

ilustradas da Alemanha, como destaca Sousa (2000):

Já não é apenas a imagem isolada que interessa, mas sim o texto e todo o
„mosaico‟ fotográfico com que se tenta contar a „estória‟, não raras vezes
interpretando-se o acontecimento, assumindo-se um ponto de vista,
esclarecendo-se ou clarificando-se, explorando-se a conotação, mesmo que
não se desse conta disso (p. 72-73).

É também em 1930 que surge a Leica, uma marca que se torna mítica para

fotógrafos do mundo todo, e que “comercializa pela primeira vez um modelo dotado

de objetivas permutáveis, utilizando um filme de 36 exposições” (SOUSA, 2000, p.

73). Com a Leica, o fotojornalista ganha mobilidade, pode passar despercebido,

porque não precisa usar o flash constantemente e tem seu trabalho facilitado pelo
41

uso das objetivas que permitem alcançar seu objeto, mesmo que não esteja tão

próximo dele (SOUSA, 2000, p. 73).

A partir dessa época, muitos trabalhos fotojornalísticos foram desenvolvidos,

principalmente para as revistas ilustradas, como a Life, nos Estados Unidos, que

permitiram uma variedade de experiências em torno da imagem fotográfica, como a

fotorreportagem. Ao determinar a fotografia como centro do discurso, esse novo

gênero do jornalismo apresentava poucas palavras que situavam o leitor no contexto

das imagens, valorizando-a e também seu poder informativo.

A história do fotojornalismo registra que o homem passou a tomar

conhecimento pela imprensa, principalmente, sobre o sofrimento de outros homens.

Sendo a infância uma fase privilegiada da vida humana e tendo um conceito

construído historicamente, ressalta-se a importância da reflexão sobre como ela é

representada nos jornais, principalmente o seu sofrimento, e como a história da

fotografia influenciou no “modo de ver” da sociedade, sobretudo quando se tratam

de temas sensíveis à sua formação social, política e cultural, como a infância.

2.4.1 A CONSTITUIÇÃO DE UMA “ÉTICA DO VER”

A fotografia surge como a possibilidade de ser, para sempre, a extensão da

visão e da memória do homem, registrando a sua história no mundo. Sontag (2004)

diz que ao colocar o homem em contato com

um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas idéias sobre o


que vale a pena olhar e sobre o que temos direito de observar. Constituem
uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver. Por fim, o
resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos dar a sensação
de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça – como uma
antologia de imagens (p. 13).
42

Sontag não se refere apenas à fotografia de imprensa, mas é, sobretudo, a

entrada e o estabelecimento da fotografia na imprensa que transformam o “modo de

ver” do homem. A partir do contato com a fotografia, o homem começa a perceber

seu lugar e outros lugares, geralmente distantes, por meio das imagens captadas

pelos fotógrafos.

Ela [a fotografia] muda a visão das massas. Até então o homem vulgar
apenas podia visualizar fenómenos que se passavam perto dele, na rua, na
sua aldeia. Com a fotografia, abre-se uma janela para o mundo. Os rostos
das personagens políticas, os acontecimentos que têm lugar no próprio país
ou fora de fronteiras tornam-se familiares. Com o alargamento do olhar o
mundo encolhe-se. A palavra escrita é abstracta, mas a imagem é o reflexo
concreto do mundo no qual cada um vive. A fotografia inaugura os mass
media visuais quando o retrato individual é substituído pelo retracto
colectivo (FREUND, 1989, p. 107).

A substituição do retrato individual pelo coletivo, presente nos jornais e nas

revistas ilustradas, simboliza uma modificação substancial no modo de ver do

homem. Berger (2003), em seu artigo Usos da fotografia, escrito em 1978 para

discutir a obra Sobre fotografia da filósofa Susan Sontag, reflete sobre o impacto

causado por essa substituição. A fotografia privada, para Berger (2003, p. 56),

aquela que retrata a mãe, o pai, o tio ou um amigo, é sempre apreciada e

compreendida a partir de um contexto conhecido, o qual, apesar de a câmera ter

isolado o fato ou a pessoa naquela foto, não é deslocado porque as pessoas que

estão observando a fotografia conhecem e se lembram de sua história, do ambiente

e do momento em que foi realizada. Ao contrário da fotografia privada, a fotografia

utilizada na imprensa, chamada por Berger de pública, está ao alcance de todos e

tem como objetivo relatar eventos dos quais a maioria das pessoas não

participaram. Para o autor, esse tipo de fotografia, ao ser retirada do seu contexto

original, ainda contém um caráter informativo, mas “uma informação apartada de

toda a experiência vivida” (BERGER, 2003, p. 57).


43

A reflexão levantada por Berger refere-se a um aspecto importante para a

sociedade contemporânea: a memória. Toda a tecnologia produzida, a evolução dos

meios de comunicação e seus suportes digitais, por exemplo, são meios de se

preservar a história do homem em sua existência. No entanto, para o autor, o que se

conserva não é a imagem das pessoas com suas histórias e, sim, as aparências.

Mas, diferente da memória, as fotografias não preservam em si mesmas o


significado. Elas oferecem aparências – com toda a credibilidade e a
gravidade que normalmente emprestamos às aparências – afastadas de seu
significado. Significado é o resultado de entender funções. [...] As fotografias
por si mesmas não narram. Fotografias preservam aparências instantâneas
(BERGER, 2003, p. 56).

Nesse sentido, Berger (2003) indica que, ao surgir, a fotografia oferecia

novas possibilidades, mas “Agora, em lugar de oferecer novas escolhas, seu uso e

suas „leituras‟ tornavam-se habituais, uma parte não examinada da própria

percepção moderna” e aponta quais foram os acontecimentos que contribuíram para

essa transformação: “A nova indústria cinematográfica. A invenção da câmera

portátil [...]. A descoberta do fotojornalismo – com o qual o texto segue as fotos, e

não vice-versa. A emergência da propaganda como força econômica crucial”

(BERGER, 2003, p. 54). Todos esses acontecimentos levaram o homem a se

perceber de forma distinta, a olhar objetos, pessoas e acontecimentos de outra

forma, diferente daquela vista apenas e diretamente por seus olhos, como diz

Benjamin (1994, p. 94), “a natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao

olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado

conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente”.

A partir da invenção da fotografia e seu aproveitamento industrial, surgiram

pessoas especializadas em escolher os fatos e registrá-los com imagens. Assim,

como diz Berger (2003, p. 57), o homem tem contato com imagens de

acontecimentos que lhe são estranhos, registrados por outra pessoa que chama sua
44

atenção e grita: olhe! Para o autor, essa é uma sensação que o incomoda, na

medida em que “[...] as fotografias não trazem um significado especial em si

mesmas, porque são como imagens na memória de alguém totalmente

desconhecido, [...] [e] se prestam para qualquer uso” (BERGER, 2003, p. 57).

Berger se refere, principalmente, ao uso da fotografia para campanhas

políticas e publicitárias que favoreceram diversos países em guerra, como o regime

nazi-facista na Segunda Guerra Mundial. Porém a fotografia não é somente utilizada

com esse fim e para evitar o mau uso da fotografia, Berger propõe que cada imagem

fotográfica publicada seja situada em seu contexto original: “Deve-se construir um

sistema radial em torno da fotografia, de modo que ela possa ser contemplada em

termos simultaneamente pessoais, políticos, econômicos, dramáticos, cotidianos e

históricos” (BERGER, 2003, p. 65).

Como já foi mencionado, as fotografias de guerra ganharam ampla cobertura

dos fotógrafos porque, segundo Sousa (2000, p. 33), “a guerra sempre foi um tema

sedutor e de sucesso junto das pessoas”. Mas as fotografias da violência da guerra

não são as únicas imagens do sofrimento humano. Tragédias como incêndios,

acidentes, fatalidades da vida diária do homem ganham evidência nas páginas das

revistas e dos jornais, assim como acontecem com as fotografias de crianças vítimas

de violência examinadas nesta pesquisa, porque, como diz Sousa (2000), a

fotografia era reconhecida como documento, testemunha, prova: o “espelho do real”,

e esses eram acontecimentos “reais” e por isso precisavam ser registrados

fotograficamente e serem publicados pelos jornais e revistas, somando-se a esse

fator a “natural” curiosidade do homem e a sedução que temas relacionados às

fatalidades têm sobre as pessoas. Sontag (2003) reflete sobre o registro das guerras

e suas conseqüências para o conhecimento humano do sofrimento do outro:


45

Nas primeiras guerras importantes registradas por fotógrafos, a Guerra da


Criméia e a Guerra Civil Americana, bem como em todas as guerras até a
Primeira Guerra Mundial, o combate propriamente dito esteve fora do
alcance das câmeras. [...] A monitoração fotográfica da guerra tal como a
conhecemos teve de esperar mais alguns anos, até ocorrer o drástico
aprimoramento do equipamento profissional: câmeras leves, como a Leica,
com filmes de 35 milímetros que podiam bater 36 fotos antes de ser preciso
recarregar a máquina fotográfica. Agora era possível tirar fotos no calor da
batalha, [...]. A Guerra Civil Espanhola (1936-39) foi a primeira guerra
testemunhada (“coberta”) no sentido moderno: por um corpo de fotógrafos
profissionais nas linhas de frente e nas cidades sob bombardeio, cujo
trabalho era imediatamente visto nos jornais e nas revistas da Espanha e do
exterior. [...] A compreensão da guerra entre pessoas que não vivenciaram
uma guerra é, agora, sobretudo um produto do impacto dessas imagens (p.
22).

No entanto, além dos efeitos de sentido produzidos por uma imagem e da

importância de sua contextualização quando é publicada e, portanto, exposta à

sociedade, pode-se apontar as mudanças socioculturais, sempre interligadas às

questões econômicas e políticas, como razões que fazem com que o homem se

sinta atraído pelas imagens de morte, assim como possa sentir repulsa por muitas

dessas imagens que mostram o lado grotesco das ações do ser humano.

Vivian Sobchack (1984, p. 1) aponta que “a significação social da morte e do

morrer passou por mudanças radicais ao longo dos séculos”. A partir do século XVI

até o XVIII, há uma ruptura entre a morte e a vida social, que torna a morte irracional

e incompreensível, além de se tornar um evento privado, particular. Segundo

Sobchack (1984, p. 2), aquela ruptura “é fomentada pelas sublimações e repressões

da cultura vitoriana do século XIX [...]. Surge o fascínio mórbido, histérico e erotizado

com a idéia da morte. A morte passa a ser associada não apenas ao erótico mas

também ao exótico”. Mesmo assim, a morte natural ainda era vivida pela família, que

cuidava e velava os seus familiares no leito de morte na própria casa.

Freund (1989) chama a atenção também para o fato de que, ao longo do

século XIX, as fotografias de mulheres nuas começam a preocupar o Estado que,

em 1850, aprova uma lei que proíbe a venda de fotografias de nu, classificadas pela
46

justiça como escândalo público. O que para a época atual não levantaria discussões

morais mais acaloradas nem teria sua veiculação proibida, como analisa Freund,

“Em quantas sex shops não vemos nós, hoje, fotografias mais ousadas, que não

perturbam mais o olhar de qualquer procurador [referindo-se ao procurador da

justiça]” (1989, p. 92). Hoje, imagens de nu feminino ou masculino, erótico ou

pornográfico, têm sua própria segmentação de mercado com revistas, filmes, lojas e

uma infinidade de produtos, que podem ser vistos, mesmo que ainda sofram alguma

censura religiosa ou moralista.

No século XX, o encontro com a morte natural tornou-se menos comum

porque foi “institucionalizada, medicalizada e tecnologizada” (SOBCHACK, 1984, p.

4). A partir disso, as pessoas eram levadas para o hospital para serem cuidadas por

profissionais e recebiam visitas dos familiares. Assim, a morte transformou-se em

um “fenômeno técnico”. Para Sobchack (1984), a remoção do evento da morte

natural do cotidiano do homem fez com que a morte se tornasse destituída de

interesses no século XX e substituísse o sexo como assunto proibido. A autora diz

ainda que

Ao se remover a morte natural do espaço e do discurso públicos, só o que


fica nas conversas e lugares públicos é a morte violenta. Isso leva à
„pornografia da morte‟ de Gorer [antropólogo Geoffrey Gorer – obra The
pornography death, publicada em 1955], ou seja, „à representação
obcecada com a atividade sensacionalista de um corpo/objeto, abstraído de
sua existência simultânea a um corpo/sujeito senciente e intencional‟
(SOBCHACK, 1984, p. 5).

Desse modo, o homem começa a “ver”, por meio dos olhos de outra pessoa,

os acontecimentos do mundo e muitos deles são chocantes, porque mostram

pessoas mortas ou feridas, cidades destruídas pela violência, sofrimentos de

diversas naturezas vividos por outros homens. E o choque é ainda maior porque a

fotografia tem o “estatuto da verdade”, como ressalta Sontag (2004):


47

Fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar mas de que


duvidamos parece comprovado quando nos mostram uma foto. [...] Uma
foto equivale a uma prova incontestável de que determinada coisa
aconteceu. A foto pode distorcer; mas sempre existe o pressuposto de que
algo existe, ou existiu, e era semelhante ao que está na imagem” (SONTAG,
2004, p. 16, grifo nosso).

Nesse sentido, a presença da morte violenta nos meios de comunicação,

mostrando os detalhes da violência sofrida pelo homem, tem certamente um viés

histórico-cultural importante para a sociedade ocidental, assim como foi

demonstrado em argumentação anterior à mudança conceitual da infância ao longo

das transformações do contexto histórico das sociedades.

As fotografias da violência de guerra provocam o choque no homem,

principalmente, quando retratam a morte de homens e mulheres, sejam eles jovens

ou adultos, soldados ou civis. A perturbação diante do registro se agrava, se a morte

registrada apresentar um sofrimento maior, como membros dilacerados, ferimentos

graves e expostos. A utilização desse tipo de fotografia pela imprensa não era e

ainda não é rara23, configurando para os meios de comunicação, assim como para

os fotógrafos, uma maneira de comunicar ao homem o sofrimento de outros, como

afirma Ledo (1998, p.99), “Como modelo dominante, na forma, no conteúdo, e em

sua função, a foto traumática, e de maneira mais global a foto-choque organizaram o

discurso visual nos meios de comunicação24”.

Barthes (2006) trata do mesmo tema em seu texto Fotos-choque e afirma

que o interesse que essas fotos despertam no homem não é duradouro,

principalmente quando a fotografia tem enquadramento e composição muito bem

23
Durante o levantamento do material para esta pesquisa, pôde-se perceber é que o uso da
fotografia de violência está se tornando cada vez mais comum, inclusive a fotografia de crianças
vítimas de violência.
24
Do original: “Como modelo dominante, en la forma, en el contenido, y en su función, la foto
traumática, y de manera más global la foto-shock organizaron el discurso visual en los medios de
comunicación” (LEDO, 1998, p. 99).
48

planejados. Assim, é como se o fotógrafo transformasse cena tão chocante em “pura

linguagem” e dessa forma a fotografia não chega a desorientar o seu espectador.

Ainda segundo Barthes (2006, p. 107), “a nossa recepção fecha-se muito

rapidamente sobre um signo puro; a visibilidade perfeita da cena e a sua informação

dispensam-nos de assimilarmos profundamente o escândalo da imagem”.

As fotografias que retratam a violência brutal, traumática ou chocante já

foram discutidas por muitos estudiosos do tema e são, muitas vezes, tema de debate

pelo público-leitor, ao se deparar com tais imagens. As principais questões

levantadas, tanto pelo senso comum quanto por intelectuais25, são a banalização da

violência, que aconteceria por meio da saturação das imagens, provocadas, por sua

vez, pelo excesso de fotografias violentas. O excesso da representação da violência

pela fotografia, sobretudo na imprensa, provocaria uma espécie de cansaço no olhar

do homem sobre as fotos violentas, causando, assim, um não-sentimento, uma

anestesia dos sentimentos, uma não-reação a algo que deveria deixar as pessoas

indignadas e, portanto, provocar a ação, seja qual for.

Apesar da possível saturação, em Sobre fotografia, Susan Sontag diz que as

fotografias que conseguem causar o choque, de algum modo, podem mostrar algo

novo. No jornalismo, por exemplo, ter algo novo para mostrar e contar para o seu

público é um dos pilares de seu discurso. Nesse sentido, para alcançar o choque, a

inclusão desse elemento, recurso ou estratégia novos pode ter um alto custo, porque

esse critério pode proliferar as imagens violentas, que mostram o horror e o

sofrimento humano. Se o fotógrafo está sempre à procura do novo, é como se

tivesse sempre que “aumentar a dose” de horror que registra, para conseguir chamar

a atenção de seu público ou, ainda, tornar a ação violenta explícita em um “corpo

25
Sobre essa discussão, os autores a seguir podem ser consultados: Baitello Júnior (1999; 2005);
Kamper , Mersmann e Baitello Júnior (2000) e Rosa (2007).
49

visível, de forma abrupta”, como diz Sobchack (1984, p. 12-13). Sobre a repetição

das imagens e o aumento da violência a cada foto, Sontag (2004) diz que:

Sofrer é uma coisa; outra coisa é viver com imagens fotográficas do


sofrimento, o que não reforça necessariamente a consciência e a
capacidade de ser compassivo. Também pode corrompê-las. Depois de ver
tais imagens, a pessoa tem aberto a sua frente o caminho para ver mais – e
cada vez mais. As imagens paralisam. As imagens anestesiam. Um evento
conhecido por meio de fotos certamente se torna mais real do que seria se a
pessoa jamais tivesse visto as fotos – [...]. Mas, após uma repetida
exposição a imagens, o evento também se torna menos real (p. 30-31).

Apenas a repetição de imagens violentas não permite à sociedade uma

visão crítica e reflexiva sobre a realidade. Para Sontag (2004), o caráter excessivo

das fotos, não somente em sua exibição, mas em sua composição e

enquadramento, pode não conservar sua carga emocional. De alguma forma, porém,

a divulgação das fotografias de violência pode proporcionar, ao menos, um momento

de reflexão sobre os conflitos.

De fato, há muitos usos para as inúmeras oportunidades oferecidas pela


vida moderna de ver – à distância, por meio da fotografia – a dor de outras
pessoas. Fotos de uma atrocidade podem suscitar reações opostas. Um
apelo em favor da paz. Um clamor de vingança. Ou apenas a atordoada
consciência, continuamente reabastecida por informações fotográficas, de
que coisas terríveis acontecem (SONTAG, 2003, p. 16).

A divulgação em muitos jornais da fotografia de Nick Ut, em 1972, que

mostra crianças fugindo de bombas napalm no Vietnã, provocou uma mobilização na

sociedade mundial contra a Guerra do Vietnã. A menina, Kim Phuc, que corre nua

no centro da foto, tinha nove anos na época e conseguiu salvar-se. Em entrevista ao

BBC World Service em 2000, Kim Phuc deu sua opinião sobre a importância dessa

fotografia: “Eu acho que todas as pessoas deveriam ver essa foto, mesmo hoje.

Porque essa foto mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças.

Você pode ver o terror no meu rosto. Basta ver a foto, para as pessoas aprenderem”.

Referindo-se à fotografia de Nick Ut, Sontag (2004) diz que fotos como essa
50

“provavelmente contribuíram mais para aumentar o repúdio do público contra a

guerra do que cem horas de barbaridades exibidas pela televisão” (p. 28).

FIGURA 1 – 1972 - CRIANÇAS FOGEM DE BOMBA NAPALM NO VIETNÃ

FONTE: <http://theonlinephotographer.typepad.com/the_online_photographer/2007/06/what_a_change_i.html>

Nesse sentido, é possível afirmar que a fotografia de Nick Ut é emblemática.

No entanto, não se pode dizer o mesmo de todas as fotos sobre a violência contra

as crianças nos dias atuais. Como diz Agamben (2007, p. 30), a fotografia exige do

homem, senão uma ação que provoca mudança, um eterno lembrar porque “as fotos

são testemunhas de todos esses nomes perdidos, semelhantes ao livro da vida que

o novo anjo apocalíptico – o anjo da fotografia – tem entre as mãos no final dos dias,

ou seja, todos os dias”.

Assim, para além dessa exigência da fotografia, para Sousa (2004), há um

princípio seguido pela imprensa que justificaria a publicação de imagens de violência

pela imprensa, o de “estimular a solidariedade moral e reforçar os elos que unem os


51

seres humanos” (p. 110). Pensando dessa maneira, os profissionais que selecionam

determinada imagem para compor o relato da notícia deveriam, aos olhos de Sousa

(2004), perguntar-se: “Será o acontecimento fotografado de tal dimensão sócio-

histórica e cultural que o choque do observador é justificável? A violência será

necessária para a compreensão do acontecimento ou para sua corroboração?” (p.

109). No entanto, a urgência de montar o material do jornal e de estabelecer

estratégias para atrair o leitor tem contribuído para a disseminação de imagens de

violência e de estereótipos, sem aprofundamento da reflexão ética do profissional.

Embora a fotografia do sofrimento de outros seres humanos possa ser

chocante aos olhos, a mesma fotografia pode despertar solidariedade e reflexão em

outros seres humanos, e tal sentido pode contribuir para transformações de algumas

realidades ao redor do mundo. A fotografia apresenta mais do que o valor

documental, como diz Agamben (2007, p. 29), “A imagem fotográfica é sempre mais

que uma imagem: é um lugar de descarte, de um fragmento sublime entre o sensível

e o inteligível, entre a cópia e a realidade, entre a lembrança e a esperança”.

As imagens de violência têm sido alvo de críticas constantes por

apresentarem para a sociedade “um modo de ver o sofrimento à distância”, como diz

Sontag (2004, p. 98). No entanto, ver de perto ou de longe, com a mediação de uma

imagem ou não, é, para Sontag, apenas ver. A importância da fotografia está em

fazer a mediação da representação de um acontecimento e a compreensão humana

que se tem dele, e é isso que tem feito desde seu surgimento e sua popularização.

No entanto, acostumar-se ou permitir-se saber que há pessoas sofrendo em outros

lugares, seja perto ou longe, não é tarefa fácil para o homem. Talvez, como diz

Sontag (2004, p. 98), “Se pudéssemos fazer algo a respeito daquilo que as imagens

mostram, [...] não nos preocupássemos tanto com essas questões”.


52

3 A RELAÇÃO ENTRE VERBAL E NÃO-VERBAL NO JORNAL IMPRESSO

Genericamente, os jornais impressos usam duas linguagens: a verbal e a

não-verbal, que dão origem ao texto 26 no conceito dado pela semiótica. A linguagem

não-verbal manifesta-se por meio de imagens, como a fotografia, o desenho, a

ilustração, a charge, a infografia, inseridos em um projeto gráfico, este muito

significativo para o processo de leitura, apreensão de sentidos e seus efeitos. Em

alguns momentos, a linguagem verbal, expressa nas reportagens, artigos, notícias,

pode atuar, em determinados conteúdos, como linguagem não-verbal.

Pode-se citar, como exemplo, quando o título de uma reportagem é

diagramado utilizando uma cor, um tipo de letra, um espaçamento, mudando a

localização na página para acentuar o título como o mais importante no conjunto da

reportagem. Esse recurso é muito utilizado em cadernos especiais, de cultura e de

entretenimento, mas pode ser usado em outras editorias, como economia, política ou

geral, quando o assunto merecer maior destaque ou for de maior relevância para o

público do jornal. Dessa forma, a linguagem verbal também pode cumprir o papel da

linguagem não-verbal. E, às vezes, a linguagem verbal pode assumir completamente

o valor icônico da linguagem não-verbal.

Unidades noticiosas mais quentes, de viés político, pensadas para os


cadernos iniciais, têm formatos mais fixos e notícias frias geram um
enunciatário cuja única tensão, se existir, é a de leitura com fins de
relaxamento. Pode-se observar formatos mais livres, desatrelados das
grandes diretrizes do projeto gráfico. A diagramação é mais arejada e aberta
à experimentação. É como se um conteúdo sobre questões inovadoras,
como as relacionadas a certos comportamentos, por exemplo,
necessitassem de um plano de expressão arrojado (HERNANDES, 2006, p.
199).

26
O conceito semiótico de texto é apresentado em seguida neste capítulo.
53

Dessa maneira, por incorporar a linguagem verbal e não-verbal, o jornal

impresso pode ser considerado um sistema sincrético. Greimas e Courtés (s.d., p.

426) definem como sistemas sincréticos aqueles “que [...] acionam várias linguagens

de manifestação”, afirmando que “a comunicação verbal não é somente de tipo

lingüístico: inclui igualmente elementos paralingüísticos (...), sociolingüísticos, etc”.

Dessa forma, pode-se afirmar que o jornal apresenta um discurso sincrético ao leitor,

oferecendo múltiplas linguagens integradas, que formam, assim, uma totalidade de

sentido.

Embora o jornal impresso contemporâneo produza sua totalidade de sentido

por meio da articulação do verbal e do não-verbal, não foi sempre assim. Até a

década de 1960, o texto verbal era predominante nos jornais, pois o pensamento

dominante acreditava que o conteúdo era o que mais interessava e não a forma

como era apresentado. Mesmo com o surgimento da fotografia no século XIX, ela foi

usada durante algum tempo mais para ilustrar o conteúdo verbal das matérias do

que para realizar, junto com o verbal, a articulação de sentido entre as duas

linguagens (SOUSA, 2005).

As fotografias surgiam nos jornais do século XIX como um pouco menos


que intrusas. O design de imprensa era centrado na letra. Além disso, nos
jornais do final do século passado, como o Boston Evening Trancript [sic],
por exemplo, as fotografias surgiram sobretudo para ilustrar features
(SOUSA, 2000, p. 44-45).

No entanto, uma transformação gradual na relação do verbal e do não-verbal

na imprensa começa a ocorrer a partir de 1920, na qual “os jornais foram

progressivamente hierarquizando e ordenando a informação, tendo as fotografias

assumido, gradualmente, um papel de ancoragem gráfica” (SOUSA, 2005, p. 250).

Mas é entre as décadas de 1960 e 1970 que o design da imprensa, como é

compreendido na contemporaneidade, passa a ser utilizado pelos jornais em todo o


54

mundo (SOUSA, 2005; LÓPEZ, 2004). Para López (2004, p. 84), a mudança na

forma de apresentação do jornal impresso, utilizando a fotografia, a cor e a

infografia, foi provocada pelo crescimento do meio televisão e pela melhoria das

artes gráficas. Nesse sentido, López ainda considera que “Sobre a fotografia recaiu

boa parte das fórmulas renovadoras do jornalismo impresso desde que as técnicas

gráficas passaram do chumbo [composição a quente – linotipia] ao offset27” (2004, p.

91).

O uso de recursos não-verbais nos jornais provoca uma mudança no modo

de “ler” as informações ali dispostas, pois, como afirma Dondis (1997, p. 132), “A

forma é afetada pelo conteúdo; o conteúdo é afetado pela forma. A mensagem é

emitida pelo criador e modificada pelo observador”. Compreende-se, portanto, que o

sentido de um texto verbal em um jornal impresso está diretamente ligado ao sentido

da fotografia utilizada para compor a página do periódico, assim como o uso dos

elementos gráficos.

À luz da teoria semiótica desenvolvida por Algirdas Julien Greimas, entende-

se que seu objetivo é “determinar o que o texto diz, como o diz e para que o faz”

(BARROS, 2005, p. 83). Dessa forma, pode-se compreender o texto

[...] tanto um texto lingüístico, indiferentemente oral ou escrito – uma poesia,


um romance, um editorial de jornal, uma oração, um discurso político, um
sermão, uma aula, uma conversa de crianças -, quanto um texto visual ou
gestual – uma aquarela, uma gravura, uma dança – ou, mais
freqüentemente, um texto sincrético de mais de uma expressão – uma
história em quadrinhos, um filme, uma canção popular (BARROS, 2005, p.
8).

Para se conseguir determinar o sentido de um texto, no viés da semiótica

discursiva, é preciso “examinar os procedimentos da organização textual e, ao

mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e recepção do texto”

27
Do original: “Sobre la fotografía ha recaído buena parte de las fórmulas renovadoras del periodismo
impreso desde que las técnicas gráficas pasaron del plomo al offset".
55

(BARROS, 2005, p. 8). Dessa maneira, o texto comporta uma relação entre o

enunciador e o enunciatário, que representam as duas instâncias da enunciação, ou

seja, o destinador e o destinatário da comunicação realizada. Greimas e Courtés

(s.d., p. 150) definem o destinatário também como “sujeito produtor do discurso, por

ser a „leitura‟ um ato de linguagem (um ato de significar) da mesma maneira que a

produção do discurso propriamente dito”. Portanto, para a semiótica, o receptor

também participa da comunicação, determinando seu sentido.

A relação entre destinador e destinatário pressupõe um fazer-comunicativo,

que estabelece para a interação entre essas instâncias um caráter de contrato entre

elas, no qual o destinador desempenha o papel de fazer-saber, ou seja, o destinador

faz um objeto-valor chegar ao destinatário como saber (HERNANDES, 2006;

GREIMAS e COURTÉS, s.d.; BARROS, 2005). Essa é a instância do jornal

impresso, em que, para conseguir obter uma relação com seu enunciatário, o leitor,

partilha com ele uma série de valores estabelecidos em um contrato tácito, não

registrado, mas fruto das relações e inter-relações sociais.

Para Hernandes (2006), “‟dizer a verdade‟, „separar fatos de opiniões e

interpretações‟, „ser objetivo e imparcial nos relatos‟, „mostrar a realidade‟” (p. 18)

são as “cláusulas” principais no contrato entre jornal e leitor, que possibilitam que o

jornal consiga realizar sua comunicação com o leitor. Desse modo, Barros (2005)

afirma que para o estabelecimento da comunicação entre o jornal e o leitor, “é

preciso que o destinatário-sujeito creia nos valores do destinador, ou por ele

determinados, para que se deixe manipular” (p. 28). Assim, em muitos casos, a

adesão do diário se faz amparada em um regime de crenças e confiança e não em

um regime cognitivo.
56

Para realizar o fazer-persuasivo, Hernandes (2006, p. 29) aponta os

recursos que o jornal utiliza em seus textos, verbal e não-verbal, reconhecidos nas

regras da construção da matéria jornalística, como o uso das declarações dos

entrevistados, sejam testemunhas ou especialistas, entre aspas; o uso da terceira

pessoa para narrar a notícia; e o uso das fotografias “como mais uma „prova‟ da

veracidade do relato”.

Desse modo, o jornal conta uma história, em forma de notícia, usando os

mais variados recursos, na expectativa de gerar um efeito no destinatário, atraindo-o

com uma novidade e esperando que o leitor aceite a manipulação28. Nessa história,

o jornal pode apresentar um sistema de valores, que são semelhantes ao do leitor,

por isso a manipulação é sutil, o leitor não o percebe como um fazer-persuasivo.

Assim, para conquistar o leitor, o material disponibilizado no jornal busca gerar uma

empatia no leitor, por meio dos valores semelhantes entre veículo e leitor. A

curiosidade também deve ser despertada no leitor e para isso o jornal pode lançar

recursos verbo-gráficos em seus títulos ou chamadas, por exemplo, ou, ainda, por

meio da visualidade da composição da página, e, sobretudo, pelas fotografias

(HERNANDES, 2006, p. 39). Ainda, segundo Hernandes (2006), “Um meio de

comunicação obtém o que quer principalmente a partir da instauração de diferentes

formas de curiosidade (querer-saber) que só são satisfeitas com a realização de

uma ação” (p. 39).

28
Segundo Greimas e Courtés (s.d., p. 269-270), “a manipulação caracteriza-se como uma ação do
homem sobre outros homens, visando a fazê-los executar um programa dado [...]. [...] a manipulação
é sustentada por uma estrutura contratual e ao mesmo tempo por uma estrutura modal. Trata-se, com
efeito, de uma comunicação (destinada a fazer-saber) na qual o destinador-manipulador impele o
destinatário-manipulado a uma posição de falta de liberdade (não poder não fazer), a ponto de ser
este obrigado a aceitar o contrato proposto”. No entanto, várias estratégias são adotadas para que
essa “posição de falta de liberdade” apareça como um querer ou um poder. Nisso consistem as
estratégias da enunciação.
57

Segundo Hernandes (2006), esses recursos, entre outros, são utilizados

pelo jornal para gerenciar o nível de atenção do leitor, e podem ser divididos em três

diferentes estratégias, que se relacionam, para atingir o objetivo final do jornal.

Estratégia de arrebatamento – visa a instaurar o sujeito por meio de algum


estímulo que motive ou reforce um engajamento perceptivo. É mais da
ordem das sensações. O destinador „jornal‟ manipula o destinatário por
tentação, por um querer-saber.
Estratégia de sustentação – objetiva transformar o sujeito atento em
sujeito tenso que, interessado em codificar um estímulo, se vê diante de
detalhes de uma história e deve sentir vontade de conhecê-la por inteiro. É
mais da ordem passional. Há também uma manipulação por tentação.
Estratégia de fidelização – busca transformar o sujeito curioso em sujeito
fiel. [...] a estratégia é mais da ordem racional. Há manipulação por
intimidação (dever-fazer), sedução (querer-fazer) e tentação (querer-fazer).
Tenta desencadear um hábito, um querer-ser e também um querer-sentir
(HERNANDES, 2006, p. 51-52).

Ao buscar atingir o destinatário, por meio da “estratégia de arrebatamento”,

o jornal utiliza-se de elementos ligados à ordem do sensível, como a tensão e a

afetividade. Isso causaria uma disforia no leitor, ou seja, ele sentiria falta de algo, de

um saber, e procuraria satisfazê-lo, direcionando-se para a leitura. No entanto, o

próprio periódico cria condições para fazer o leitor retornar ao estado de tensão,

para que ele possa estabelecer o hábito de ler aquele jornal, pois a estrutura de uma

matéria jornalística não apresenta todo o saber em uma única edição. Assim, o leitor

deve voltar ao diário no dia seguinte para ser, outra vez, estimulado pela

necessidade de querer-saber.

Segundo Hernandes (2006, p. 66), “O que um jornal faz é eleger e oferecer

elementos concretos à consciência do enunciatário [...]”. Nesse sentido, além de

obter conhecimento sobre o seu entorno, o leitor tem a possibilidade de viver outras

histórias, de “sentir” que faz parte do mundo, “sentindo” de fato o mundo em que

vive, por meio das tristezas, das alegrias, do sofrimento e das “paixões” dispostas

nas páginas do jornal, nas histórias de outros semelhantes. Oliveira (2007, p. 66), na

esteira de Landowski, afirma que é preciso compreender “o contato do jornal e do


58

leitor como uma experiência sensível, examinando os modos de presença do jornal

não só pelo seu aspecto inteligível ou cognitivo que dominaram a práxis semiótica,

mas também pelo aspecto sensível”.

Segundo Fontanille (2007), a ordem do sensível pode ser descrita pela

percepção do leitor, em um primeiro momento, de algo no jornal, de modo mais ou

menos intenso. Esse “algo” percebido é o que “orienta nossa atenção, que a ela

resiste ou a ela se oferece” (p. 47). Nesse sentido, o autor explica que essa

presença percebida é “O afeto que nos toca, essa intensidade que caracteriza nossa

relação com o mundo, essa tensão em direção ao mundo” (p. 47). Esse modo de

percepção está ligado à escolha de ponto vista, a visada, “que guia e direciona o

fluxo de atenção” (p. 42) e também às propriedades da apreensão, que determinam

o domínio da pertinência, como “a posição, a extensão e a quantidade” (p.47).

Assim, “o sistema de valores [...] resulta da intersecção de uma visada e de uma

apreensão [...] e delimita, assim, os contornos comuns de seus respectivos domínios

de pertinência” (p. 48).

Nesse sentido, a apresentação da página do jornal com todos os elementos

verbais e não-verbais, distribuídos espacialmente, de maneira organizada, contribui

para que o leitor “perceba algo” antes de sua leitura total, pelo aspecto do sensível.

Desse modo, os componentes plásticos (topológicos, cromáticos e eidéticos) dos

elementos verbais e não-verbais dispostos na página, sobretudo da fotografia,

podem fornecer o exame da articulação entre as linguagens utilizadas pelo jornal,

levando à compreensão do efeito de sentido produzido pela totalidade da página.

Em razão disso e do uso cada vez mais intenso da fotografia como recurso para

“arrebatar” a atenção do leitor, a análise de um jornal impresso deve levar em conta


59

a articulação entre os elementos verbais e não-verbais, porque é nessa inter-relação

que o sentido é produzido.

Desse modo, para compreender o produto final do jornal impresso como

meio de comunicação e, portanto, gerador de efeitos de sentido, é preciso

(re)conhecer como se dá a administração de elementos no suporte de papel.

3.1 FORMA E SENTIDO NO JORNAL IMPRESSO: O CONJUNTO DA

SIGNIFICAÇÃO

Para chegar ao produto final do jornal impresso, inicialmente, é necessário

um planejamento editorial, ou seja, é preciso elencar os assuntos que serão tratados

por esse veículo, assim como é imprescindível ter clareza de qual é o público desse

periódico. A proposta editorial vai garantir segurança ao veículo, porque definirá a

missão, seus objetivos, sua fórmula editorial e quem serão os leitores. Além disso,

esse planejamento também deve prever os riscos e o cenário para o futuro da

publicação, porque o jornal é produto de uma empresa jornalística destinado a dar

lucro. Nesse mesmo planejamento, a publicação deve, depois de definir todos os

quesitos já apontados, formular sua proposta de apresentação gráfica, uma vez que

são os planejamentos editorial e gráfico os responsáveis pela identidade do veículo,

que estará expressa no conjunto constituído na articulação da linguagem verbal e

não-verbal, pois como constata Landowski (1992, p. 118), “[...] o jornal precisa

possuir também o que se chama uma imagem de marca, que o identifique no plano

da comunicação social. [..] é preciso que o jornal se afirme socialmente como um

sujeito semiótico”.
60

Assim como nenhuma matéria divulgada em um jornal é apresentada sem

planejamento editorial, por meio das reuniões de pautas diárias, nenhum elemento

gráfico ou imagético presente em uma página de jornal pode estar ali sem a

realização prévia de um projeto 29. Assim, do mesmo modo que uma matéria deve

cumprir uma função informativa, qualquer elemento gráfico presente em uma página

deve conter uma função comunicativa e informativa, assim como não deve gerar

dúvidas ou contradições, a não ser que isso seja intencional, para causar

determinada reação no leitor. Portanto, todas as informações gráficas que dão

forma e sentido ao jornal impresso têm o objetivo de apresentar de forma harmônica

o conjunto de informações que esse meio de comunicação pretende repassar aos

seus leitores.

Nesse sentido, em um jornal, o projeto gráfico tem fundamental importância,

porque define o espaço do material a ser publicado, como esse material será

dividido entre as páginas e/ou os cadernos do diário, o número de colunas em cada

página, tipos, tamanhos e características de letras, qual o tratamento e o espaço

dado a fotografias, ilustrações, infografia e outros elementos iconográficos. O projeto

gráfico também define a identidade visual do periódico, usando recursos que

mostrem ao leitor que ele está lendo o jornal X e não o jornal Y. Assim, cada diário

usa recursos gráficos que o compõem e, também, retratam a sua linha editorial, que

determinará como os profissionais do jornal tratarão a informação oferecida aos

leitores.

Ao contrário da maioria dos bens de consumo corrente, alimentos e roupas,


por exemplo, que demandam uma perpétua mobilidade dos
comportamentos de compra e de utilização (porque é preciso – imperativo
social – variar cotidianamente tanto sua indumentária como seu cardápio), o
jornal, objeto de comunicação, solicita de cada indivíduo a compulsão

29
Tanto o planejamento editorial quanto o gráfico significam a possibilidade de organização de todo o
material levantado para a edição de um jornal. No entanto, o planejamento de uma publicação não
pode ser rígido devido à imprevisibilidade dos fatos.
61

inversa, exigindo a repetição, favorecendo o hábito ou a rotina, ou, menos


disforicamente, uma certa constância – como se, uma vez que alguém
elegeu seu jornal, permanecer fiel a ele fosse, em suma, permanecer fiel a
si mesmo (LANDOWSKI, 1992, p. 118-119).

Portanto, como afirma Sousa (2005), a função primordial do projeto gráfico

em um jornal é estruturar, hierarquizar e facilitar a legibilidade das informações

jornalísticas, assim como criar um sentido de identidade gráfica e de continuidade,

que se refletirá em todas as páginas e em todos os números do jornal.

3.1.1 Os princípios do design de imprensa

Nesse sentido, para realizar o projeto gráfico de um jornal, deve-se seguir os

quatro princípios do design apontados por Williams (1995): contraste, repetição,

alinhamento e proximidade. Esses princípios garantem identidade visual ao jornal,

que faz seu público reconhecer seu modo de trabalhar e de se comunicar,

determinados pela linha editorial assumida pelo meio de comunicação.

Dondis (1997) afirma que o princípio do contraste é o principal aspecto na

composição de uma proposta gráfica, que evita elementos similares em uma página,

buscando sempre a oposição controlada entre as informações visuais dispostas no

jornal, porque ao “compararmos o dessemelhante, aguçamos o significado de ambos

os opostos” e, nesse sentido, “o contraste é um caminho fundamental para a clareza

do conteúdo em arte e comunicação” (p. 119). Além disso, o contraste, além de

“intensificar o significado”, pode “simplificar a comunicação”, se bem aplicado,

conforme Dondis (1997, p. 108), o que é imprescindível para o processo de

compreensão do homem.
62

O organismo humano parece buscar a harmonia, um estado de


tranqüilidade e resolução [...]. Há uma necessidade de organizar toda
espécie de estímulos em totalidades racionais, como foi demonstrado pelos
experimentos dos gestaltistas. Reduzir a tensão, racionalizar, explicar e
resolver as confusões são coisas que parecem, todas, predominar entre as
necessidades do homem. [...] O contraste é uma força de oposição a esse
apetite humano. Desequilibra, choca, estimula, chama a atenção. Sem ele,
a mente tenderia a erradicar todas as sensações, criando um clima de morte
e de ausência de ser (DONDIS, 1997, p. 108).

Não menos importantes do que o contraste, os princípios da repetição, que

são as recorrências a recursos utilizados nos jornais, como a cor, a forma, a textura

e as relações espaciais; o alinhamento, que faz a ligação visual entre os elementos

da página; e a proximidade, que pretende agrupar os itens relacionados entre si para

criar uma unidade visual, devem ser seguidos pelo profissional responsável pelo

projeto gráfico. Armentia, Elexgaray e Pérez (1999) citam normas gerais que podem

ajudar os diagramadores a chegar a um bom projeto gráfico. O primeiro elemento

citado pelos autores é a coerência entre todos os dados gráficos utilizados no

projeto, pois é necessário que o desenho das páginas tenha continuidade e, ao

mesmo tempo, alguns elementos que diferenciem o jornal de seus concorrentes.

A ordem, a clareza e a funcionalidade são imprescindíveis para os jornais e,

segundo os autores, foram esses elementos os responsáveis por uma das grandes

modificações ocorridas na apresentação editorial e gráfica dos jornais nas últimas

décadas, com a introdução de novas maneiras de lidar com o material informativo,

como:

[…] a rigorosa organização em seções, a divisão em blocos informativos, as


chamadas de primeira página, as janelas promocionais das páginas, os
cabeçalhos [guias] das páginas, os antetítulos indicadores das informações
e das referências a outras seções são alguns dos elementos que quase
todos os diários empregam com mais ou menos acerto com o fim de
reivindicar a atenção do leitor e enviar a ele mensagens referenciais sobre o
30
conjunto do conteúdo (ARMENTIA; ELEXGARAY; PÉREZ, 1999, p. 187-
188).

30
Do original: “[…] la estricta organización en secciones, la división en bloques informativos, las
llamadas de primera página, las ventanas promocionales de las portadillas, los cintillos de las
páginas, los antetítulos localizadores de las informaciones y las referencias a otras secciones son
63

Outro aspecto importante apontado por Sousa (2005) e Armentia, Elexgaray

e Pérez (1999) é a organização em módulos da diagramação do jornal. Dividindo a

página do jornal em uma série de retângulos, a estrutura modular faz com que “a

página adquira mobilidade e fragmentação, uma vez que afronta o desenvolvimento

do desenho de cada página em blocos de tamanho distinto, referindo-se a

informações, imagens e publicidade31”, afirmam El-Mir, Lallana y Hernández (1995,

p. 33, citados por ARMENTIA; ELEXGARAY; PÉREZ, 1999, p. 188). Apesar de a

estrutura modular ser a dominante entre os jornais contemporâneos, Armentia,

Elexgaray e Pérez (1999) apontam para uma tendência vanguardista de propor um

rompimento aos blocos informativos compactos, “evitando a composição simétrica e

a uniformidade monolítica em que se embasava o estruturalismo”, e que, dessa

forma, buscam “uma harmonia assimétrica que trata de evitar os blocos cinza e

compactos de massas de texto32” (1999, p. 188).

Nesse sentido, é importante observar que o leitor procura informação

organizada e esteticamente agradável, que facilite sua compreensão sobre os fatos

relatados no jornal. No entanto, muitas vezes, o jornal, ao criar novos modos de

expressar o conteúdo, pode prejudicar o entendimento do leitor. Como observa

Caetano (2006, p. 6),

Tomando particularmente as interfaces do verbal e da fotografia, pode-se ter


a dominância do verbal ou do visual, dado pela diagramação, mas há a
possibilidade também de uma acentuação que é dada pelo leitor: o que
permite que alguns afirmem só ler os jornais, sem ver imagens, nem
publicidade, e que outros só vejam os jornais em suas figuras, manchetes,
títulos e subtítulos. Quando o verbal e as imagens se contaminam, criando

algunos de los elementos que emplean con más o menos acierto casi todos los diarios con el fin de
reclamar la atención del lector y enviarle mensajes referenciales sobre el conjunto del contenido”.
31
Do original: “[…] la página adquiera movilidad y fragmentación, a la vez que afronta el desarrollo del
diseño de cada plana en bloques de distinto tamaño referidos a informaciones, imágenes y
publicidad. (El-Mir, Lallana y Hernández, 1995, 33)”.
32
Do original: “[…] huyendo de la composición simétrica y de la uniformidad monolítica en la que se
basaba el estructuralismo. […] una harmonía asimétrica que trata de evitar los bloques grises y
compactos de masas de texto”.
64

sentidos conotativos, essa seleção ou não é possível ou torna-se prejudicial


ao processo de interpretação.

Por isso, o planejamento gráfico e o cuidado com a disposição dos

elementos é fundamental, quando se busca despertar a atenção do leitor e sustentá-

la por muitas outras edições do jornal.

Outra preocupação da equipe responsável pelo planejamento gráfico do

periódico é o de reservar um espaço adequado para a publicidade. Os diários tiram

quase a totalidade de sua receita financeira da publicidade, que precisa estar bem

localizada em todas as páginas do jornal, mas também precisa respeitar o seu

planejamento editorial para não ter o seu produto, a informação, afetado pela má

distribuição da publicidade (ARMENTIA; ELEXGARAY; PÉREZ, 1999, p. 189). No

entanto, é comum os jornais diminuírem o tamanho das matérias para encaixar

material publicitário que tenha sido acordado com o setor comercial do periódico,

próximo à hora do seu fechamento.

Segundo os autores espanhóis, a primeira página e o logotipo do jornal são

as suas marcas identitárias de maior alcance ao público leitor, pois é por meio delas

que o público reconhece as principais características do jornal. A apresentação

gráfica da primeira página e do logotipo do jornal deve refletir a personalidade e as

características editoriais do periódico e, por isso, devem receber tratamento criativo

especial, durante o planejamento da proposta gráfica do veículo (1999, p. 189-190).

A diversificação dos elementos utilizados pode facilitar a leitura, oferecendo

ritmo, organização, funcionalidade e clareza ao material publicado no jornal. Para

isso, o diagramador pode empregar diferentes recursos gráficos para diferentes

gêneros jornalísticos33 veiculados pelo jornal, como “a largura da coluna, a letra

33
De maneira geral, conforme Rabaça e Barbosa (2001, p. 405-406), os gêneros jornalísticos são
classificados em jornalismo informativo (notas, notícias, reportagem, entrevista, enquete), opinativo
65

capitular, a assinatura destacada do comentarista, os destaques especiais ou o uso

de desenhos [...]34”, apontam Armentia, Elexgaray e Pérez (1999, p. 192). Os

autores também recomendam o uso do branco, ou seja, dos espaços deixados em

branco entre notícias, colunas, blocos informativos, sem o uso de filetes, para

chamar a atenção do leitor ou mesmo para dar um descanso para os “olhos” do leitor

(p. 194). Outros recursos podem ser usados para organizar o material publicado,

como fios horizontais, quadros abertos ou fechados, símbolos de referência ou

orientação. As cores também devem ser utilizadas como recurso gráfico para

proporcionar legibilidade e visibilidade ao material informativo publicado.

3.1.2 A adaptação da informação textual (verbal e não-verbal) ao projeto gráfico

Apesar de o aspecto visual do jornal ser planejado e padronizado segundo

os princípios apontados anteriormente, que determinam a expressão estética e a

legibilidade das informações dispostas nele, o projeto gráfico não pode ser rígido,

porque é preciso deixar margens para a adaptação do material jornalístico no dia-a-

dia do fechamento da edição do veículo. Ainda que toda a produção de informação

jornalística seja planejada por meio de pautas, há uma grande variação da

quantidade de material que chega às redações e também no modo de organizá-lo.

Realizar a adaptação desse material diariamente é o papel da diagramação, que

dispõe o material nos espaços do jornal, seguindo as regras do projeto gráfico e a

hierarquização valorativa da notícia dada pelo veículo.

(artigos de opinião assinados, editorial, colunas, comentários, crônicas, resenhas, charges e


caricaturas) e interpretativo (reportagem especial ou grande reportagem, análise de fenômenos
sociais em profundidade, entrevistas e perfil).
34
Do original: “[...] el ancho de columna, la letra capitular, la firma destacada del comentarista, los
destacados especiales o el empleo de dibujos […]”.
66

Por isso, um mesmo jornal geralmente tem sua apresentação gráfica

diferenciada a cada edição, procurando adaptar o seu projeto gráfico ao tratamento

que será dado ao material jornalístico produzido diariamente. Os jornais, como

empresas jornalísticas, precisam a todo momento pensar em seus leitores para que

possam manter-se competitivos. Nesse sentido, “o contraste com as edições

anteriores é um dos elementos para despertar a atenção” (DINES, 1986, p. 52).

Apesar de o contraste, como princípio do design, ser importante e, muitas vezes,

imprescindível para garantir a atenção do leitor, Dines adverte que o choque ou a

ruptura sem fundamentação pode ser extremamente prejudicial para o jornal.

A ordenação num veículo de comunicação é a noção do tempo


devidamente compreendida. [...] Uma ruptura sem sentido, uma
descontinuidade absurda, sobressaltam e inquietam o leitor, o ouvinte ou o
espectador. A comunicação periódica consiste justamente em conduzir o
público dentro de um processo temporal, tranqüilizá-lo nas suas mutações.
Submeter sutilmente a audiência a aperfeiçoamentos, despertar e satisfazer
sua curiosidade, conduzi-la insensivelmente para a descoberta de
circunstâncias novas, é o caminho certo. Mas não traumatizá-la com
choques violentos. O leitor é a meta prioritária e absoluta do processo
jornalístico, não pode ser prejudicado (DINES, 1986, p. 52-53).

A hierarquização do que é mais importante e menos importante noticiar é

que definirá, por exemplo, o destaque que certa notícia terá na capa do jornal, uma

tarefa destinada aos editores35 que determinam o que é mais importante para o seu

público leitor, assim como o espaço que esse acontecimento deve ocupar no jornal.

Esse destaque pode ser dado de diversas formas, como valorizar o título, a

fotografia, as chamadas, o lead, entre outros elementos, fazendo com que ele

busque ler a notícia nas páginas internas do jornal. Nesse sentido, a escolha dos

recursos gráficos que serão utilizados para determinar o que é mais importante em
35
Conforme Traquina (2005, p. 149-152), a teoria do gatekeeper considera que o processo de
produção da informação jornalística é realizado por meio de escolhas. Assim, todas as notícias
passam pela avaliação dos jornalistas responsáveis pelas decisões finais do que entrará no jornal,
papel ocupado pelos editores, chamados nesse estudo de gatekeeper. A hierarquia das notícias,
assim como das informações que compõem o texto verbal, e de todos os recursos gráficos utilizados
no jornal, é decidida pelos editores que deixam determinada notícia passar pelos gates (portões em
inglês) ou não. Se for escolhida, a notícia chega até o público, e se não for, não será publicada.
67

uma notícia, por exemplo, é responsabilidade dos diagramadores e deve estar

presente no planejamento gráfico do periódico. Uma chamada pode ser,

eventualmente, construída com tipologia diferente da utilizada pelo jornal no projeto

gráfico padrão e, também, em tamanho maior do que o normal.

Adotar uma tipologia adequada é buscar, para as páginas de um jornal

impresso equilíbrio, harmonia, proporção e funcionalidade. “A escolha tipológica é

fator preponderante no aspecto visual do trabalho”, afirma Collaro (2000, p. 17). Para

o autor, o caminho para a harmonia e a legibilidade entre o texto e o produto a ser

veiculado está na estrutura e na forma das letras. Buscar a simplificação da tipologia

proporciona legibilidade, que dará ao público tranqüilidade e facilidade na leitura das

informações publicadas no veículo. É comum os jornais utilizarem mais de um tipo

de fonte para obter o contraste e alcançar a atenção do leitor, no entanto, as de uso

mais comum são as serifadas, porque são mais agradáveis e propiciam descanso

para o olho humano, pois são mais regulares. Além da tipologia, os jornais, de

maneira geral, utilizam-se de colunas para distribuir melhor o conteúdo em suas

páginas, pois elas facilitam a leitura, a organização e a hierarquização do material,

ao mesmo tempo em que agilizam a mudança dos textos de um espaço para o

outro.

O tamanho do corpo do título representa a valorização da notícia,

principalmente na capa do jornal. Geralmente, os títulos de manchete da primeira

página, assim como os títulos do material informativo nas páginas internas, têm

número de toques definido. Em casos especiais, o jornal diminui o número de

toques, fazendo com que o tamanho do corpo da fonte fique maior, com o objetivo

de despertar a atenção do leitor e, também, de provocar um sentimento de


68

tratamento especial àquele assunto escolhido pelo jornal como o mais importante,

pois, como afirma Floch (1987, p. 35),

A personalidade do jornal (...) funda-se sobre a permanência de seu nome e


de sua concepção de jornalismo, que vai mesmo além do corpo da primeira
página, cada vez diferente. Essas primeiras páginas representam o trabalho
regular e pessoal da redação e dos diagramadores a partir daquilo que lhes
fornecem os repórteres. Estes, enfim, criam seu próprio discurso (lingüístico
ou fotográfico) a partir daquilo que lhes parece significativo nos propósitos e
nas ações dos homens.

Pode-se citar como exemplo de uma primeira página modificada em razão

da importância do tema tratado, a capa do jornal Folha de S. Paulo, de 30 de

setembro de 1992, a qual anuncia o impeachment do ex-presidente da República,

Fernando Collor de Mello. Essa capa não usa os módulos de manchete definidos no

projeto gráfico, tornando o impeachment o único assunto da primeira página, muito

próximo de uma capa de revista. O contraste determinado pelo tamanho da fonte

utilizada para o título, apenas com uma palavra, “impeachment”, toda em caixa alta,

acompanhada de um ponto de exclamação, e o subtítulo também com tamanho da

fonte maior do que o normal e em itálico, provocam a atenção do leitor. Ao mesmo

tempo, as diferentes tipologias, com tamanhos diferentes e grandes, a cor vermelha,

e as fotografias em destaque dão a essa primeira página a marca da

descontinuidade.
69

FIGURA 2 – IMPEACHMENT!

FONTE: Primeira Página: Folha de S. Paulo (2006, p. 196)

3.1.3 Elementos gráfico-imagéticos que “gerenciam o nível de atenção” do leitor

Hernandes (2006) caracteriza o uso das técnicas gráficas para a disposição

do verbal e do não-verbal como “gerenciamento do nível de atenção” do leitor. De

acordo com o autor, para que o leitor valorize a notícia da mesma maneira que o

jornal a valorizou na sua capa, os jornais usam diversas formas para organizar seu

material jornalístico, como criar pontos de sedução, utilizando recursos gráficos;

oferecer uma leitura rápida e eficiente, fazendo com que o leitor chegue facilmente à

informação; distribuir espacialmente as informações, levando ao leitor a valorização


70

dada ao material; construir uma publicação que alie beleza e praticidade para que o

leitor sinta-se motivado a analisar o jornal; dar identidade ao jornal, repetindo

padrões visuais que facilitem a busca do leitor por determinada informação (p. 187).

Ainda no plano da expressão e no âmbito dos expedientes gráficos utilizados

por um jornal em seu planejamento gráfico e no dia-a-dia de sua produção, dois

recursos, sobretudo, determinam o impacto que o leitor terá ao olhar a página do

jornal e também o seu nível de atenção à informação veiculada: a fotografia e o

infográfico. Esses dois elementos são muito utilizados pelos jornais impressos e

também causam maior impacto no convencimento do leitor a se aventurar pelas

páginas dos diários.

Os infográficos vêm ganhando espaço na mídia impressa de modo geral, e

podem ser considerados textos sincréticos, pois utilizam a linguagem verbal e não-

verbal, para expor informações jornalísticas relevantes e são empregados para

facilitar a leitura e o entendimento do conteúdo, assim como para atrair a atenção do

leitor. Esse recurso surgiu, segundo Sousa (2005), a partir da metade dos anos 1980

e tornou-se “popular” após a guerra do Golfo, em 1991, ganhando impulso também

pela facilidade em produzir o infográfico por meio de programas gráficos diretamente

no computador.

Em poucos anos quase todos os jornais utilizam esse recurso visual com a
intenção de informar mais e melhor. Aquilo que é complicado explicar com
palavras pode ser expresso de modo direto e contundente por meio de uma
imagem. Não se trata de fazer infográficos espetaculares, o objetivo é ser
claro e fazê-lo de forma atrativa para que o leitor capte o conteúdo da
informação36 (ARMENTIA; ELEXGARAY; PÉREZ, 1999, p.196).

36
Do original: “En pocos años casi todos los diarios utilizan este recurso visual con la intención de
informar más y mejor. Aquello que es complicado explicarlo con palabras puede ser expresado de
modo directo y contundente por medio de una imagen. No se trata de hacer infográficos
espectaculares, el objetivo es ser claro y hacerlo de forma atractiva para que el lector capte el
contenido de la información”.
71

Apesar das possibilidades de expressão que o infográfico possui,

proporcionando ao jornal a redução dos textos verbais e, por outro lado, a economia

informativa e visual para facilitar a compreensão do público, para López (2004),

ainda é preciso que a imprensa reveja o modo como usa esse recurso, porque ele é

usado na maior parte dos periódicos37, muitas vezes, apenas repetindo em forma de

gráfico as informações já contidas no texto verbal.

Ainda segundo López (2004), apesar de a fotografia ser extremamente

utilizada e ser considerada como elemento informativo principal em um jornal, os

profissionais da comunicação precisam aprender a trabalhar com o recurso

imagético da fotografia de forma completa, não a usando somente como ilustração

dos textos verbais, mas como acréscimo de informação. Para o autor, a fotografia

jornalística deve apresentar a qualidade da atualidade, porque é esse o papel

fundamental dos jornais: coletar e divulgar os fatos atuais para o seu público.

López também se preocupa com as fotografias de agências de notícias que

se repetem em todos os grandes jornais porque, segundo o autor, os editores

recebem fotografias que nem sempre estão de acordo com a proposta editorial do

jornal. Assim, o leitor tem acesso apenas a uma imagem de um determinado

acontecimento no mundo todo, por meio dos grandes jornais que são “alimentados”,

por sua vez, pelas grandes agências de notícias e de fotojornalismo. Ao buscar os

principais jornais do mundo em uma pesquisa rápida pela web, a afirmação de

López pode ser facilmente comprovada.

Ao contrário de López (2004), Armentia, Elexgaray e Pérez (1999) têm outra

visão em relação ao uso e ao espaço das imagens, principalmente a fotografia, nos

37
O autor espanhol refere-se, principalmente, aos jornais espanhóis, no entanto pode-se aplicar sua
afirmação aos jornais brasileiros, pois é possível encontrar muitos exemplos do uso inadequado do
infográfico nos periódicos do Brasil, que apenas “traduzem” o verbal do texto jornalístico para a
imagem do infográfico.
72

jornais. Para eles, o espaço destinado às imagens nos jornais tem aumentado nos

últimos anos e com certa qualidade:

Cada dia se vê com mais clareza que a parte gráfica de um jornal é


informação e não decoração. A forma por meio da qual se melhorou a
qualidade de impressão fez com que os elementos gráficos adquirissem
importância por si mesmos provocando que, ocasionalmente, o texto passe
para um segundo plano. O grau de sensibilidade dos jornalistas em relação
a essa modalidade informativa tem ajudado também em boa medida o seu
desenvolvimento e tem conseguido que os fotógrafos recobrem seu
verdadeiro status de informadores, deixem de estar isolados da redação e
passem a fazer parte dos núcleos de decisões dos periódicos38
(ARMENTIA; ELEXGARAY; PÉREZ, 1999, p. 195).

Ambos os autores apresentam aspectos importantes. A partir da década de

1990, as imagens são muito mais utilizadas na imprensa e, muitas vezes,

sobressaem-se ao texto verbal. Se isso acontece por qualidade, atualidade,

veracidade e informação da fotografia utilizada, não é possível afirmar, ainda são

necessários estudos mais aprofundados para buscar algumas respostas mais

assertivas sobre esse assunto. No entanto, o problema da distribuição das

fotografias pelas agências de notícias e de fotojornalismo é uma questão a ser

enfrentada urgentemente pelos jornais.

Na dissertação de mestrado, intitulada Guerra de imagens: agendamento e

sincronização do olhar pela mídia, de Ana Paula da Rosa, um dos aspectos

levantados é a distribuição das imagens de guerras, principalmente das imagens da

“guerra contra o terror”, implantada pelos Estados Unidos a partir de 11 de setembro

de 2001, para jornais do mundo inteiro, que foi realizada pelas grandes agências de

notícia. Segundo Rosa (2007, p. 176), “As fotografias das agências só contribuíram

38
Do original: “Cada día se ve con más claridad que la parte gráfica de un diario es información y no
decoración. La forma en la que ha mejorado la calidad de impresión ha hecho que los elementos
gráficos adquieran importancia por sí mismos provocando que en ocasiones el texto pase a un
segundo plano. El grado de sensibilidad de los periodistas hacia esta modalidad informativa ha
ayudado también en buena medida a su desarrollo y ha logrado que los fotógrafos recobren su
verdadero status de informadores, dejen de estar aislados de la redacción y pasen a formar parte de
los núcleos de decisión de los periódicos”.
73

para reforçar estereótipos, valendo-se do apelo emocional, fazendo com que a

guerra seja vista de um ponto único [...]”. Dessa forma, como diz Sontag (2004), a

imagem que se tem da guerra termina por ser uma única fotografia, uma dessas que

circularam igualmente pelo mundo todo.

O bom uso dos dois elementos mais utilizados nos jornais, a fotografia e a

matéria verbal, nos veículos impressos é uma discussão antiga, desde que a

imagem passou a ocupar papel preponderante nos periódicos. Apesar de haver

certa competição entre os repórteres que escrevem a matéria jornalística e os

fotojornalistas, o dia-a-dia do jornalismo aponta para a importância da utilização

harmônica dos dois elementos, para atrair e informar melhor o leitor. Utilizados de

maneira adjacente, principalmente pelas notícias factuais e reportagens, há

instruções específicas para que repórter e fotógrafo trabalhem juntos e com

harmonia, como afirma Kotscho (1986), “[...] Repórter e fotógrafo têm que trabalhar

sempre juntos [...]. O repórter nunca deve se esquecer que o texto e as fotos têm

exatamente a mesma importância dentro do jornal” (p. 20). A mesma regra está

presente no Manual da Redação do jornal Folha de S. Paulo:

O repórter de texto que tem uma visão abrangente de sua atividade sabe
que a „dobradinha‟ com o fotojornalista só enriquece o resultado final do seu
próprio trabalho. É fundamental, nesse caso, a sintonia entre ambos e de
cada um deles com os demais setores do processamento da informação
(2001, p. 32).

Apesar do reconhecimento dos profissionais sobre a importância da

articulação entre o texto escrito e a fotografia, esta tem sido mais valorizada a partir

da década de 1970 pelos meios de comunicação, principalmente no jornalismo. Há

uma crescente valorização do uso da fotografia nos jornais diários, sobretudo, com a

intenção de ampliar o laço do público com o jornal, ou seja, estabelecer relações na

ordem do sensível com o leitor, que é atraído pela imagem e só depois dirige seu
74

olhar para o texto verbal. É nesse sentido que o Manual de Redação do jornal Folha

de S. Paulo indica que a fotografia jornalística não deve mais ser usada como

ilustração do texto escrito.

O recurso visual do jornalismo impresso moderno não deve ser entendido


como uma possibilidade complementar e suplementar à informação textual.
Não serve apenas para „arejar a página‟ ou „valorizar a notícia‟, tampouco
para preencher eventuais vazios que a falta de planejamento tenha criado
(2001, p. 32).

O Projeto Folha muda o conceito de fotografia para o jornal Folha de S.

Paulo, assumindo a fotografia jornalística como discurso, que possui elementos

próprios para informar sobre os fatos noticiados e rompe com a idéia de que a

fotografia é o registro da realidade. Essa mudança de conceito em relação ao

fotojornalismo é perceptível também em outros jornais, como O Estado de S. Paulo,

por exemplo, que, em sua última reforma gráfica, em 2004, também abriu espaço

maior para a fotografia jornalística. Nos dois casos, a busca pelos efeitos estéticos e

estranhamento é visível no tratamento da imagem e surge como uma nova

totalidade de sentido na leitura dos jornais (HERNANDES, 2006, p. 213-214).

3.1.4 O modo de leitura do homem do Ocidente e a valorização da imagem

Importante para a disposição dos elementos verbais e não-verbais nas

páginas de um jornal impresso ao elaborar o projeto gráfico é também compreender

o processo de leitura do ser humano. Nesse sentido, Silva (1985) cita a teoria de

Edmund Arnold, que apresenta a página impressa com zonas de visualização, pelas

quais os olhos do leitor iniciam a leitura, no Ocidente, como demonstra a figura a

seguir:
75

FIGURA 3 – ZONAS DE VISUALIZAÇÃO DE UMA PÁGINA IMPRESSA

FONTE: Silva (1985, p. 49)

A idéia é a seguinte: o leitor inicia sua leitura pela zona primária (1),

localizada no canto superior esquerdo, que, por isso, deve conter um elemento forte

para atrair a atenção do leitor. Dessa zona de visualização, o olhar humano desloca-

se rapidamente para o canto inferior direito, o lado oposto, chamado de zona

secundária (2), por isso o diagramador deve-se preocupar em preencher as zonas

mortas (3 e 4) e os centros ótico e geométrico, indicados pelos números 5 e 6,

respectivamente, com elementos verbais e não-verbais, atrativos para tornar a

leitura ordenada, acompanhando o percurso da visão humana (SILVA, 1985, p. 47-

48).

Ao contrário desse modo organizado e fixo de leitura, Hurlburt (2002) aponta

que a percepção humana pode ser modificada por influências genéticas ou

ambientais, por isso o modo de leitura do olho humano não seria tão ordenado como

aponta Silva citando Edmund Arnold (1985). Hurlburt conta sobre uma experiência

da qual participou certa vez, utilizando uma câmara óptica e que buscava mapear as
76

efetivas respostas ópticas aos estímulos de uma página impressa. E as conclusões

apontam para um modo não-fixo de leitura humana, como ele descreve:

[...] o olho humano tende a perceber uma página de forma inteiramente


casual, em vez de fazê-lo de um modo organizado; não incluindo os
estímulos visuais muito fortes, o olho tende a focalizar em primeiro lugar um
centro óptico localizado ligeiramente à direita e ligeiramente acima do centro
real da página; o olho tende a obedecer a um padrão determinado de sair
desse ponto em direção ao resto da página e, exceto quando estiver
envolvido na leitura, não costuma movimentar-se do alto para baixo ou da
esquerda para a direita (HURLBURT, 2002, p. 134-135).

Ainda sobre a leitura de uma página impressa de jornal, Sousa (2005, p.

277) cita um estudo em laboratório, realizado por García, Stark e Miller (1995), que

aponta resultados interessantes em relação ao que chama a atenção primeiramente

do leitor em uma página e à importância da imagem nesse procedimento. Segundo

os pesquisadores, os leitores iniciam sua leitura a partir da parte da página em que

estejam os elementos gráficos mais atraentes, não importando se estão no fundo, no

centro, no lado inferior ou superior. Conseqüentemente, as fotografias e as imagens

predominantes são os primeiros pontos de entrada do leitor na página impressa. O

tamanho da imagem também interfere na leitura, quanto maior ela for, mais atenção

ela gera. A seqüência que o olhar faz durante a leitura da página não é fixa, mas

depende da força dos elementos gráficos e do conteúdo da página.

Conforme a pesquisa dos autores, o fato de as imagens chamarem mais a

atenção independe de serem coloridas ou em preto-e-branco, no entanto as

coloridas são observadas por mais tempo do que as em preto-e-branco, e, além

disso, a leitura dos textos verbais ligados a fotografias coloridas é feito com mais

profundidade. A página impressa é vista como uma unidade e não como módulos, e

os elementos textuais mais observados são os títulos, antetítulos e subtítulos. A cor

é bem aceita pela maioria dos leitores, mais do que os tons cinza, preto e branco.

Embora sejam os elementos gráficos que determinem a atenção do leitor para a


77

página do jornal, o que define a leitura do texto verbal é o conteúdo da história

relatada. Ainda segundo essa pesquisa, 70% dos leitores conseguem processar as

informações contidas nos infográficos. As conclusões do estudo apontam que o olho

do homem procura por pontos de interesse ao observar uma página impressa e,

nesse sentido, o diagramador pode elaborar uma composição agradável aos olhos

do leitor, para atingir os objetivos do jornal em prender a atenção de seu público.

Além de se observar vários estudos e princípios, há ainda quatro “leis” da

diagramação que podem ajudar os jornais a organizar o seu espaço e administrar o

nível de atenção do leitor. Segundo Hernandes (2006, p. 191), a primeira lei afirma

que “Dar mais espaço valoriza. Dar menos espaço desvaloriza”, o que é confirmado

pela conclusão da pesquisa de García, Stark e Miller citada anteriormente. A

segunda lei diz que “tudo o que estiver na parte de cima tem mais valor do que na

parte de baixo”. A valorização da capa está descrita na terceira lei, que confirma que

“a máxima valorização espacial de uma revista ou diário acontece na capa ou na

primeira página”. Assim como no texto jornalístico padrão, as informações gráficas

fundamentais devem estar no início da matéria, diz a quarta lei.

Como é possível perceber, há muitos princípios a serem observados no

momento de se elaborar um projeto editorial e gráfico de um periódico, no entanto

não há regras rígidas nem respostas definitivas, como uma receita ou uma fórmula

única de chamar a atenção do leitor e garanti-la para a compra do jornal diariamente.

Para despertar e manter a atenção do leitor podem ser utilizadas técnicas do

jornalismo, do design, pesquisas de opinião, entre outras. Embora não haja normas

rigorosas a serem fielmente seguidas e que possam encontrar a “fórmula do

sucesso”, é preciso ressaltar que todos os elementos, tratados neste capítulo de

maneira breve, proporcionam ao projeto gráfico a possibilidade de alcançar um


78

padrão que fará com que o leitor identifique o jornal que prefere ler e que, ao mesmo

tempo, influencie a continuidade da leitura quando o espaço da página for bem

utilizado.

Neste trabalho compreende-se que há uma valorização maior da imagem na

sociedade contemporânea, no entanto isso não representa, necessariamente, a

valorização da imagem em detrimento do texto verbal. A relação e a articulação

comunicativa entre o verbal e o não-verbal podem apresentar mais elementos ao se

analisar um jornal, por exemplo, porque, como já foi mencionado anteriormente

neste mesmo capítulo, nenhum elemento que dá forma e sentido ao jornal é

colocado na página por mero acaso, pois faz parte de um projeto editorial e gráfico.

Entre todas as informações deve haver harmonia e complementação, preocupando-

se com a legibilidade e a facilidade da fruição do leitor. Isolar os dados em uma

pesquisa científica pode trazer bons resultados de conhecimento individual sobre

determinado aspecto, mas, por outro lado, pode não proporcionar a compreensão

sobre a totalidade do discurso exposto na união, relação e articulação dos

elementos.
79

4 AS REPRESENTAÇÕES VISUAIS DA CRIANÇA NA IMPRENSA: ANÁLISE DO

CORPUS

4.1 A SELEÇÃO DOS JORNAIS IMPRESSOS

Durante oito meses, de maio a dezembro de 2006, os jornais Folha de S.

Paulo e O Estado de S. Paulo foram examinados diariamente em busca de matérias

que utilizassem fotografias de crianças. Dessa primeira busca, aproximadamente,

500 páginas dos dois jornais foram selecionadas.

No início desta pesquisa, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.

Paulo foram escolhidos por assumirem o setor liberal e o setor conservador da

sociedade e da imprensa, respectivamente. Pensou-se que seria interessante a

escolha de um terceiro veículo que representasse o setor ideológico configurado

como posição de esquerda ou progressista.

Para tanto, alguns títulos de veículos foram levantados, como o jornal Brasil

de Fato, a revista Carta Capital e a revista Caros Amigos. Sob análise, esses

veículos não foram considerados adequados para unirem-se aos outros dois

veículos pré-selecionados, principalmente pela periodicidade semanal e mensal. No

caso das revistas, as características distintas entre os veículos revista e jornal foi o

critério para não acrescentar o terceiro veículo a este trabalho, além da

periodicidade que também dificultaria a categorização das reportagens.

Os critérios de seleção dos veículos que foram preliminarmente observados

foram a política editorial de cada um deles, a tiragem de cada jornal, que estão entre

os quatro jornais com maior circulação no Brasil, e a tradição dos dois jornais no

mercado jornalístico do país. Além disso, como se verá a seguir, os dois jornais
80

colocam-se como representantes de propostas políticas divergentes e distintas, o

que é relevante para esta pesquisa. Em muitos momentos históricos do país os dois

jornais foram a fonte primeira de informação para a sociedade brasileira, devido a

sua importância no contexto sociopolítico brasileiro.

4.1.1 Folha de S. Paulo

O jornal Folha de S. Paulo39 se autodenomina como “o jornal mais influente

do Brasil40”. Surgiu em 1921 como Folha da Noite. Quatro anos depois, foi criado o

jornal Folha da Manhã. Em 1949, nasce o jornal Folha da Tarde. Em 1960, esses

três títulos são incorporados a um só, quando é fundado o jornal Folha de S. Paulo,

conhecido e chamado por seus leitores de Folha.

Para alcançar o posto de “jornal mais influente do Brasil”, a Folha de S. Paulo

elaborou um minucioso projeto editorial, chamado Projeto Folha, desde o fim da

década de 1970, implantado e publicado em junho de 1981. Desde então, lançou

mais quatro41 releituras do projeto editorial, revisando e ampliando os princípios do

jornalismo a ser realizado pelo jornal, assim como prevê as metas a serem atingidas

pelos editores, jornalistas e equipe administrativa. Os princípios apontados no início

do projeto mantiveram-se firmes como linhas mestras da publicação: realizar um

jornalismo plural, apartidário, crítico, moderno e independente. Apesar de ser

conhecido como um projeto de mudanças editoriais, o Projeto Folha foi elaborado

39
A grafia adotada de forma abreviada (S. Paulo) segue o padrão utilizado pelos jornais analisados
desde o surgimento até os dias atuais.
40
A informação foi retirada do site FolhaOnline, no link Conheça a Folha, que registra a história do
jornal, assim como as características do jornalismo praticado pelo veículo.
41
Segundo o site Folha Online, “Em 1984, foi publicada a primeira edição do Manual Geral de
Redação do jornal, com o intuito de expor regras gramaticais, padronizar a linguagem dos textos
jornalísticos, dar noções de produção gráfica, definir conceitos e incentivar as discussões na redação.
A segunda edição, revista e ampliada, foi lançada em 1987. O Novo Manual da Folha surge em 1992
e, em 2001, o Manual da Redação dá maior maleabilidade as regras publicadas anteriormente, e está
em vigor nos dias atuais”.
81

para modernizar o jornal como empresa jornalística, realizando transformações na

estrutura hierárquica e física do jornal, com novos equipamentos para a redação.

A mudança de posicionamento empresarial e jornalístico provocada pelo

Projeto Folha foi um marco no jornalismo atual brasileiro e transformou o jornal em

um grande sucesso comercial. A modernização da empresa e do seu produto, o

jornalismo, renderam ao Grupo Folha o aumento da circulação do jornal e da

credibilidade do jornalismo produzido. Segundo dados apresentados por Silva (2005,

p. 124), a circulação paga cresceu 39,5% de junho de 1984 a junho de 1986,

chegando a um total de 291.659 por dia, resultado direto da implantação do Projeto

Folha. Em 2006, segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), o jornal Folha

de S. Paulo ocupou a primeira posição como jornal mais vendido com circulação

média de 309.383 exemplares. De acordo com seu próprio discurso, “[...] O Projeto

da Folha se tornou, em poucos anos, patrimônio coletivo do jornalismo brasileiro –

eis aí a maior recompensa que poderíamos almejar, e também o maior risco. [...] 42”.

Para esta pesquisa, é relevante também observar que, na quinta edição do

Projeto Editorial, em agosto de 1988, a Folha já demonstrava preocupação com a

qualidade do fotojornalismo utilizado pelo jornal.

Incorporamos ao procedimento do fotojornalismo padrões que até então


estavam reservados à fotografia artística: ângulos e enfoques diferenciados;
ênfase no detalhe das fotos de esportes; fórmulas para que as fotos de
jornal expressem mais do que mera imagem e se entrelacem com o
significado do evento a que essa imagem está ligada; interesse maior por
imagens de beleza plástica e de efeito inusitado, ainda que sua temperatura
noticiosa seja baixa. Também aqui é preciso depurar os avanços realizados;
evitar com igual energia tanto o retorno ao fotojornalismo convencional
como o exagero que consiste em esquecer que num jornal tudo o que se
43
publica deve ser informação .

42
Informação retirada do site Folha Online, do texto “Projeto Editorial 1988-1989, Agosto de 1988 - A
hora das reformas – Aprendendo com as falhas”.
43
Idem.
82

Para alcançar esse objetivo, segundo Silva (2005), os repórteres-fotográficos

da Folha receberam novos equipamentos que pudessem dar a eles melhores

condições de trabalho. A área gráfica passou a ter mais importância também,

seguindo a tendência de explorar mais e melhor os recursos visuais no jornal para

oferecer ao leitor didatismo e serviço, linhas mestras adicionadas ao projeto editorial

a partir de 1986. Com o intuito de oferecer ao leitor conteúdo de qualidade, este

precisa receber tratamento especial e cuidadoso, como aponta o trecho do Manual

de Redação da Folha, citado por Silva (2005, p. 122):

Tudo deve ser explicado, esclarecido e detalhado – de forma precisa e


exata, numa linguagem tanto coloquial e direta quanto possível [...] O
didatismo deve estender-se também à disposição visual do que é editado.
Precisamos consolidar e homogeneizar os recursos gráficos [...] A
apreensão pelo leitor deve ser fácil, clara e rápida [...] A rigor, tudo o que
puder ser dito sob a forma de quadro, mapa gráfico ou tabela não deve ser
dito sob a forma de texto.

Dessa maneira, pode-se perceber que a influência da mensagem visual era

crescente já no início do Projeto Folha, demarcando claramente a tendência do que

se vê hoje na maioria dos veículos impressos.

4.1.2 O Estado de S. Paulo

O jornal O Estado de S. Paulo circulou pela primeira vez em 4 de janeiro de

1875, com o nome A Província de São Paulo. Em janeiro de 1890 começou a

circular com o nome atual. É chamado pelos seus leitores de Estadão. O jornal foi

fundado com o “propósito de combater a monarquia e a escravidão”, como afirma

José Alfredo Vidigal Pontes, no texto sobre a história do jornal44, mas afirma ser um

44
A informação foi retirada do site do Grupo Estado, no link Resumo Histórico, que registra a história
do jornal.
83

veículo independente e apartidário. Segundo o mesmo texto, a linha editorial do

jornal sempre manteve as mesmas características desde a sua fundação.

Editorialmente o jornal sempre manteve sua linha de apoio à democracia


representativa e à economia de livre-mercado Em 1964, “O Estado” apoiou
o movimento militar que depôs o presidente João Goulart ao constatar que o
mesmo já não tinha autoridade para governar. No entanto, entendia que a
intervenção militar deveria ser transitória. Quando se evidenciava que os
radicais de extrema direita aumentavam sua influência, objetivando a
perpetuação dos militares no poder, O Estado [sic] retirou seu apoio e
45
passou a fazer oposição .

Segundo Dines (1986, p. 107-108), o Estadão não aproveitou a abertura

política realizada pelo governo Geisel (1974-1979), o que proporcionou ao seu

principal concorrente, o jornal Folha de S. Paulo, que se convertesse no jornal das

Diretas46. Dines ainda descreve a linha editorial do jornal nesse período de

mudança. “[...] o Estadão adotou uma posição política extremamente conservadora e

antiliberal (chegou a pronunciar-se contra as diretas, mas, diante da pressão

popular, mudou rapidamente de posição)” (DINES, 1986, p. 107).

Kucinski (1998, p. 72) também sinaliza a mudança de posição ocupada pelos

jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo no século XX. Nos anos 1950, o

Estadão ocupava a posição de jornal mais lido. Na década de 1980, essa posição

passa para a Folha, conseqüência direta do investimento do jornal em seu novo

projeto editorial e de marketing, como já foi apontado nesta pesquisa.

Segundo os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC)47, o Estadão

fica com a terceira posição dos jornais mais lidos no Brasil, com circulação média de

45
A informação foi retirada do site do Grupo Estado, no link Resumo Histórico, que registra a história
do jornal.
46
Foi durante o movimento Diretas Já para eleições diretas para presidente da República que o jornal
Folha de S. Paulo fez crescer sua circulação, investindo em seu novo projeto editorial e de marketing
como o jornal da democracia (SILVA, 2005 e KOTSCHO, 2006).
47
Apesar de o jornal O Globo ocupar a segunda posição em tiragem, segundo o IVC, optou-se neste
trabalho pelo jornal O Estado de S. Paulo pelo histórico do veículo e sua tradição jornalística, como já
foi afirmado anteriormente.
84

230.901 de exemplares em dezembro de 2006 48. Em contrapartida, O Estado de S.

Paulo foi considerado o jornal mais admirado do país, na sétima edição da pesquisa

Veículos mais admirados: o prestígio da marca 49 (AFFINI, 2006, p. 32-33). O quesito

de maior peso na avaliação dos jornais nessa pesquisa é a credibilidade, que

também é o critério de desempate entre os jornais, se necessário.

O Estadão conquista essa marca há quatro anos, seguido do jornal Folha de

S. Paulo, que conquistou o primeiro lugar nas edições de 2001 e 2002. O resultado

da pesquisa ainda aponta para o isolamento dos jornais O Estado de S. Paulo e

Folha de S. Paulo no topo do ranking em relação aos outros jornais pesquisados.

As características e a importância do jornal como meio de comunicação

apontadas por Dines (1986), Kucinski (1998), Silva (2005) e Meyer (2007), os dados

de circulação dos jornais analisados neste trabalho e suas características editoriais

reiteram o objetivo desta pesquisa de investigar a representação visual da criança

nesses jornais brasileiros porque, além da credibilidade do meio jornal impresso e de

seu alcance no meio jornalístico, hoje a imagem tem uma grande importância para o

discurso informativo.

48
Segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2006, o jornal Folha de S. Paulo
ocupa a primeira posição dos jornais mais lidos no Brasil, com circulação média de 309.383
exemplares, seguido, respectivamente, pelos jornais O Globo, do Rio de Janeiro, com circulação
média de 276.385 exemplares; O Estado de S. Paulo, com 230.901 exemplares; e o Jornal do Brasil,
do Rio de Janeiro, com 78.658 exemplares.
49
O estudo Veículos mais admirados: o prestígio da marca é realizado pela Editora Meio&Mensagem
e Troiano Consultoria de Marca, com apoio do Instituto Qualibest, desde 2000. Em 2006, os
questionários foram respondidos por 644 profissionais que atuam no mercado publicitário por meio do
portal Meio&Mensagem Online, que votaram nas categorias TV Aberta, Jornal, Revista, Rádio, TV por
Assinatura e Internet.
85

4.2 ANCORAGEM E COMPLEMENTARIDADE NO JORNAL IMPRESSO: UMA

PROPOSTA DE PESQUISA

Por meio de observações preliminares nos dois jornais impressos escolhidos

para realizar esta pesquisa (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo), de grande

circulação no Brasil, pôde-se constatar que a representação visual da criança nas

fotografias jornalísticas desempenha dois papéis: o de ilustração e o de

complementaridade. O primeiro caso aponta que a imagem ilustra o texto verbal ou

vice-versa, trazendo especificações; e no segundo caso, de forma evidente, a

imagem traz especificações ao texto verbal ou ainda oferece uma mensagem

conotada50, evocando ou sugerindo sentidos além do conceito literal de um objeto ou

sujeito. O primeiro grupo é aquele em que a imagem em relação ao texto verbal ou

vice-versa é puramente ilustrativa, e o segundo, em que a imagem apresenta

acréscimos à informação verbal, que se efetiva em vários tipos e graus de relação.

Roland Barthes já intuía e discutia essa classificação na década de 1960,

em dois textos clássicos: A Mensagem Fotográfica e A Retórica da Imagem51, nos

quais ele descreve as relações entre a mensagem lingüística e a mensagem icônica,

por meio das funções de fixação e de relais. A primeira seria a de fixar a idéia

principal, tratando-se de uma descrição denotada52 da imagem, sendo mais

freqüente a mensagem lingüística, muito encontrada no jornalismo e na publicidade,

50
“Um termo será chamado conotativo se, ao ser denominado um dos atributos do conceito
considerado do ponto de vista de sua compreensão, ele remete ao conceito tomado na sua totalidade
(cf. J. S. Mill). O (ou os) atributo(s) tomado(s) em consideração depende(m) quer de uma escolha
subjetiva, quer de uma convenção de tipo social [...] a conotação se parece com a figura retórica bem
conhecida, a metonímia [...]” (GREIMAS; COURTÉS, s.d., p. 77).
51
Os dois textos foram publicados no Brasil no livro O óbvio e o obtuso, pela Editora Nova Fronteira,
em 1990.
52
“Um termo é chamado denotativo quando cobre uma definição que visa a esgotar um conceito do
ponto de vista de sua extensão (cf. J. S. Mill): assim, por exemplo, uma unidade linguística terá o
caráter denotativo quando subsumir todas as ocorrências” (GREIMAS; COURTÉS, s.d., p. 106).
86

usada para “ilustrar” conteúdos. Nesse caso, o autor afirma que o texto verbal,

representado, sobretudo, pela legenda, limitaria o leque de aberturas de leitura da

imagem, que seria orientada pelo verbal. A segunda função, segundo Barthes, é

mais rara, na qual a palavra e a imagem têm uma relação de complementaridade,

sendo mais complexa em sua interpretação. São as possibilidades dessa relação de

complementaridade, não detalhada por Barthes, que esta pesquisa investigou.

Pelo fato de restringir os sentidos potenciais de uma fotografia é que “a

imagem não ilustra mais a palavra; é a palavra que ilustra a imagem” (BARTHES,

1990, p. 20). Assim, neste trabalho, quando as fotografias de crianças e o texto

verbal referem-se a questões temáticas voltadas à infância, como escola/educação,

segurança, saúde, comportamento, pode-se afirmar que há ancoragem. O segundo

papel, o de complementaridade53, pode ser caracterizado quando a fotografia de

criança complementa a informação verbal, nem sempre tendo ligação direta com o

texto não-verbal. Em muitos casos, essa complementaridade pode gerar novos

sentidos.

[...] por vezes, também o texto produz (inventa) um significado inteiramente


novo, que é, de certo modo, projetado retroativamente na imagem, a ponto
de nela parecer denotado [...] Por vezes, a palavra pode chegar a
contradizer a imagem, produzindo uma conotação compensadora [...]
(BARTHES, 1990, p. 21).

Nesse sentido, acredita-se que analisar apenas a complementaridade do

texto verbal e não-verbal do material jornalístico dos jornais selecionados para esta

pesquisa seja insuficiente. A proposta desta pesquisa é utilizar a definição de

Barthes, aprofundando e detalhando quais são os tipos de complementaridade

nesses jornais e quais são os diálogos propostos por essa complementaridade da

53
“[...] devorada, de uma certa forma, pela mensagem iconográfica, a mensagem verbal parece
participar de sua objetividade: a conotação da linguagem „purifica-se‟ através da denotação da
fotografia [...]” (BARTHES, 1990, p. 20).
87

informação. Assim, o segundo grupo, o da complementaridade, é que oferece maior

riqueza de sentidos emanados da articulação do verbal e do não-verbal, sobretudo

de sua vinculação com a imagem.

Ao observar o efeito de sentido que a fotografia jornalística pode trazer para

o público-leitor do jornal impresso, quando exerce o papel de complementaridade em

matérias que não tratam diretamente da temática da criança, esta pesquisa levantou

algumas questões a serem investigadas e que serão tratadas posteriormente neste

capítulo.

4.2.1 Como a imagem da criança “ilustra” o texto verbal no jornal

Procura-se exemplificar aqui o caráter “ilustrativo” de fotografias de crianças

em algumas matérias jornalísticas que se referem a temáticas próprias da infância

ou em temáticas que possibilitam o uso de imagens apenas “ilustrativas”. Assim, são

apontadas duas matérias, uma do jornal Folha de S. Paulo e outra do jornal O

Estado de S. Paulo, com o objetivo de mostrar a utilização desse recurso por esses

jornais, mas que pode ser estendido a outros jornais brasileiros e internacionais.

O tema “educação” aparece com freqüência nos jornais analisados, por isso

foi escolhido para exemplificar como a ancoragem54 aparece em ambos. A primeira

matéria (figura 4) é do jornal O Estado de S. Paulo, publicada na quarta-feira, 3 de

novembro de 2006. Com o título “Matrícula cai na rede básica de ensino”, a matéria

conta que o número de alunos matriculados na rede de ensino público diminuiu. A

fotografia (figura 5) mostra uma sala de aula cheia, contrariando o título, ao mesmo

54
Apesar de citar as matérias como exemplo de ancoragem, pode-se perceber que a leitura do
material apresenta certa ambigüidade na leitura, que dificulta a classificação plena do material
analisado como “ancoragem”, na acepção de Barthes. Desse modo, demonstra-se que a importância
da análise do material em seu contexto (tanto da página como o social) para evitar a ambigüidade da
leitura.
88

tempo em que faz referência a crianças estudando, que apresenta articulação com o

título, ilustrando, dessa maneira, um ao outro, “fixando”, na acepção de Barthes, o

sentido da matéria. A legenda da fotografia “FUNDAMENTAL – De 5ª a 8ª série

também houve queda: foram 121,5 mil matrículas a menos em 2006” reforça a

informação do corpo da matéria. A localização da reportagem na parte superior da

página do jornal demonstra a importância que o jornal dá ao tema. Ao considerar o

espaço ocupado pela matéria, a fotografia é utilizada com o intuito de reforçar a

mensagem, apesar de a imagem mostrar uma sala de aula cheia e essa informação

contradizer o título que afirma a queda no número de matrícula na rede básica de

ensino.

FIGURA 4 – MATRÍCULA CAI NA REDE BÁSICA DE ENSINO

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 03/11/2006


89

FIGURA 5 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA SOBRE EDUCAÇÃO

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 03/11/2006

A segunda matéria (figura 6) é do jornal Folha de S. Paulo, publicada na

sexta-feira, 1º de setembro de 2006, e ocupa a metade superior da página com duas

fotografias, demonstrando a importância dada pelo jornal ao assunto. Com o título

“Kassab improvisa escola em alojamento”, a matéria trata das dificuldades

encontradas pelos estudantes da capital paulista. A primeira fotografia (figura 7)

mostra as crianças em sala de aula em uma construção inacabada e contribui para

reforçar o conteúdo disposto na página do jornal. A legenda “Construção

abandonada serve como local para recreação de alunos da pré-escola que foram

transferidos de escola de lata” reitera o que se pode ver, corroborando com a


90

mensagem visual55 de falta de cuidado do governo com a educação das crianças. A

segunda fotografia (figura 8) mostra o alojamento citado no título e traz a seguinte

legenda: “Crianças no antigo alojamento de operários da construção civil de SP,

agora usado como escola”.

FIGURA 6 – KASSAB IMPROVISA ESCOLA EM ALOJAMENTO

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 1°/09/2006

55
Segundo Joly (1996, p.75), mensagem visual é a expressão que substitui o termo “imagem” e pode
ser definida pelo conjunto dos signos figurativos ou icônicos, dos signos plásticos e dos signos
lingüísticos.
91

FIGURA 7– FOTOGRAFIA 1 DA MATÉRIA SOBRE ESCOLA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 1°/09/2006

FIGURA 8 – FOTOGRAFIA 2 DA MATÉRIA SOBRE ESCOLA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 1°/09/2006


92

Adotando as palavras de Barthes (1990, p. 20), “[...] quanto mais próxima

está a palavra da imagem, menos parece conotá-la [...]”, pode-se perceber que

algumas matérias cumprem o papel de fixação da mensagem, não parecendo

preocupar-se em deixar sugestões sobre o conteúdo do material publicado, como

fica evidente em certos casos de ironia. Durante a leitura e a seleção das matérias

dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo foram várias as reportagens

encontradas que utilizavam a fotografia de crianças para ilustrar os temas próprios

do universo da infância, com o objetivo de fixar a mensagem. Embora seja freqüente

o uso de textos verbais cuja função é a de ancorar a imagem, esta pesquisa se

deterá, conforme já mencionado, nos casos de complementaridade que se

demonstraram expressivos durante o período de observação dos jornais.

4.3 PROPOSTA DE CATEGORIZAÇÃO DO CORPUS

Como já foi exposto, o corpus desta pesquisa se constitui de uma seleção de

reportagens relacionadas à temática infância, no tocante às fotografias que

apresentam crianças, nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo,

examinados durante oito meses. As reportagens sem fotografia, os artigos de

opinião56, as crônicas, os suplementos infantis e culturais foram desconsiderados.

O período de observação de oito meses dos jornais Folha de S. Paulo e O

Estado de S. Paulo, que proporcionou a separação de, aproximadamente, 500

56
O jornalismo pode ser dividido em três gêneros: informativo, interpretativo e opinativo. Apesar
dessa divisão, as fronteiras são tênues, se não inexistentes. O jornal expressa em suas páginas sua
linha editorial, assim como cada jornalista, fotógrafo, designer, entre outros profissionais que ali
trabalham. Nesse sentido, o jornal pode ser considerado como um veículo opinativo do início ao fim
porque cada matéria é produzida a partir de um viés subjetivo de escolha de enfoque, por exemplo,
para citar apenas um aspecto das possibilidades subjetivas de escolha. Este trabalho optou em
analisar apenas o material informativo, que pode ter a forma de notícia ou reportagem, no conceito
tradicional desses termos, mas considera que o jornal expressa sua opinião no conjunto do projeto
gráfico e editorial (BELTRÃO, 1980; RABAÇA e BARBOSA, 2001; LIMA, 2004; HERNANDES, 2006).
93

páginas, é muito extenso para ser analisado em uma pesquisa que pretenda atingir

um nível de análise que leve a resultados tangíveis. Por isso propõe-se, para este

estudo, o estilo de categorização da escolha da melhor amostra possível, como

explica Fontanille:

[...] pode-se [...] organizar uma categoria em torno de uma ocorrência


particularmente representativa, de uma amostra mais visível ou mais
facilmente detectável do que todas as outras e que possui ela só todas as
propriedades que são apenas parcialmente apresentadas em cada um dos
outros membros da categoria (2007, p. 52).

Desse modo, foram sistematizados, em primeiro lugar, os temas tratados,

assim como as diferenças e semelhanças entre o material selecionado para esta

pesquisa, com o intuito de eleger representantes das páginas dos jornais a serem

analisadas neste capítulo.

De maneira geral, o tema com maior representatividade foi o da violência: a

da guerra; a da fome, a da miséria, a da pobreza, a da discriminação social e racial;

e a urbana57. Em muitas dessas fotografias, as imagens da criança, pelo valor que

ela tem na sociedade contemporânea, servem para suscitar significados e

sensações de repulsa ou rejeição ou, ainda, de compaixão e piedade, ou seja, a

fotografia jornalística passa a ter papel preponderante na formação da totalidade de

sentido que o leitor terá ao ler essa página que expõe uma fotografia de uma criança

suja, magra, solta no chão, com um cenário pobre, junto a um texto verbal sobre a

política dos bancos mundiais para com os países em desenvolvimento, por exemplo.

Nas fotografias que expressam a violência da guerra, há predominância da

distribuição delas por meio de agências internacionais de notícias e,

conseqüentemente, há repetição de fotografias. Há nesse grupo muitas fotografias

57
Esses temas se entrecruzam obviamente; por exemplo, a discriminação social e racial podem estar
inseridas no item guerra ou violência urbana. A separação aqui é puramente metodológica e atende a
critérios de predominância de um foco semântico.
94

que são especialmente impactantes, porque mostram crianças mortas, brutalmente

assassinadas por uma guerra sem fim. Muitas dessas fotografias que representam a

violência, em todos os seus aspectos, podem ser classificadas como fotos-choque,

na acepção de Barthes58.

As fotografias que representam a fome, a miséria, a pobreza, a

discriminação social e racial trazem traços semelhantes, principalmente as que

retratam países estrangeiros, e a maioria delas representa estereótipos da América

Latina, Ásia e África. Nesse grupo há fotografias de mulheres e crianças em

situações de desespero, de fome, de inanição, de abandono. Há diferenças entre

elas, pois algumas fotografias são esteticamente bem produzidas, e, no entanto,

mostram uma situação dramática. Um evento sazonal traz mais elementos para esse

grupo: a Copa do Mundo 2006. A imprensa fez muitas reportagens especiais, nas

quais os países da África, que participaram da Copa do Mundo, tiveram sua história

contada pelos jornais. Em algumas dessas reportagens, os “astros” são as crianças.

A infância nesses países parece representar a possibilidade de um futuro melhor ou,

em alguns casos, um país sem planejamento de futuro para suas crianças.

Os dois jornais observados trouxeram “retratos” da violência urbana no

Brasil, porque o país viveu momentos difíceis durante o período pesquisado para

esta dissertação, entre maio e dezembro de 2006, demonstrando a falta de controle

do Estado diante das organizações criminosas, como o PCC (Primeiro Comando da

Capital), em São Paulo. Em várias reportagens, lá está a criança ao lado dos

policiais armados, às vezes, no colo dos pais, vivenciando o medo e a violência.

Outro evento sazonal que recebeu atenção dos jornais analisados foram as

Eleições 2006 para presidente da República, governador, deputado estadual,


58
Barthes discute as fotos-choque e seus efeitos de sentido no texto Fotos-choque, publicado no
Brasil no livro Mitologias (2006), conceito que será discutido no decorrer das análises realizadas
nesse capítulo.
95

deputado federal e senador. Os candidatos a presidente da República e governador,

principalmente, aparecem, nas reportagens, ao lado de crianças, brincando com

elas, comendo em um lugar “simples” com crianças de rua, mas os abraços e os

beijos são as imagens mais comuns em ambos os jornais.

Ficam, assim, sistematizadas duas categorias de análise:

1. Violência – que se subdivide em três:

1.1 Violência de guerra;

1.2 Violência econômica (fome, miséria, discriminação);

1.3 Violência urbana (conflitos armados);

2. Política – representada por matérias das eleições que aconteceram em

2006.

Feita essa sistematização, na primeira fase do exame do corpus, procedeu-

se à sua análise, com base nas categorias de análise elaboradas a partir de dados

fornecidos pelos próprios textos (verbovisuais) das reportagens selecionadas dos

jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, para a identificação das diferentes

formas de tratamento jornalístico utilizadas nas configurações visuais.

Em cada análise há uma descrição das páginas e dos elementos relevantes

para esse exame. Inicialmente, o percurso de análise das reportagens incidirá no

exame das fotografias em seus componentes plásticos (topológicos, eidéticos e

cromáticos), para então serem observados os aspectos lingüísticos e gráficos que

compõem a página do jornal e proporcionam a totalidade de sentido.


96

CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA DE GUERRA

MATÉRIA 1 - Israel mata 11 em Gaza, na ação mais violenta em 4 anos


97

FIGURA 9 – MATÉRIA 1

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 14/06/2006


98

FIGURA 10 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 1

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 14/06/2006


99

4.4 CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

4.4.1 Violência de Guerra

MATÉRIA 1 - Israel mata 11 em Gaza, na ação mais violenta em 4 anos

A matéria 1 é do jornal Folha de S. Paulo, de 14 de junho de 2006. Pode-se

identificar que é uma reportagem internacional, porque no canto superior esquerdo

da página está o nome da seção do jornal, Mundo, em cor azul. Uma faixa azul59,

com letras brancas, localizada abaixo do cabeçalho do jornal, há uma chamada

(Bush faz visita-supresa ao Iraque Pág. A10) para uma matéria nas páginas internas

do caderno Mundo. Apesar de o “navegador” azul apontar para outra matéria, ele

termina na fotografia principal, o que pode ser entendido como um “fio condutor” de

leitura que leva à foto e vice-versa. O título da matéria, que abre a página, Israel

mata 11 em Gaza, na ação mais violenta em 4 anos, ocupa três linhas e três

colunas, e tem alinhamento à esquerda. O subtítulo Alvo era van com militantes que

levavam foguetes, diz Exército; entre as vítimas 2 crianças e 3 socorristas, em fonte

de tamanho menor do que o título, também está alinhado à esquerda, e ocupa duas

linhas e três colunas. Para complementar as informações dadas no título e no

subtítulo, a “lupa”60 diz Baseado em investigação interna, governo de Israel nega

responsabilidade na morte de civis em praia de Gaza na semana passada.

59
A “faixa azul” é denominada no novo projeto gráfico da Folha de “navegadores”. Eles estão
presentes sempre nas capas dos cadernos, correspondendo a sua cor, com o objetivo de auxiliar o
leitor a identificar as principais notícias da editoria.
60
A “lupa”, uma das modificações realizadas no projeto gráfico da Folha em maio de 2006, é uma
nova entrada de leitura das reportagens principais da Folha para destacar mais elementos
importantes da matéria antes do início do texto.
100

Há uma matéria menor abaixo, tratando de assunto correlato ao da matéria

principal, sob o título Para europeus e islâmicos, ação dos EUA no Iraque é risco

maior que Irã, e subtítulo Maioria em dez países crê que guerra ao terror piore

segurança, diz pesquisa. O título e o subtítulo da segunda matéria ocupam três

colunas no lado direito inferior da página, o primeiro ocupa duas linhas e o segundo,

uma linha. Tanto a matéria principal quanto a segunda são assinadas como DA

REDAÇÃO, em caixa alta, sem negrito, e no fim de cada texto está a observação em

letras pequenas “Com agências internacionais”, apontando que o conteúdo redigido

provém de agências de notícias, mas não especifica quais. A assinatura na matéria

principal está logo depois da “lupa”, abaixo do subtítulo; na retranca, a assinatura

está logo abaixo do subtítulo.

No fim da segunda coluna do texto verbal, há duas frases destacadas, uma

do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), e outra do ministro da defesa

de Israel, expressando efeito de objetividade e credibilidade ao destacar a fala de

duas autoridades entre aspas e apresentar os “dois lados” do fato. Todas essas

informações descritas ocupam o lado esquerdo da página. No lado direito, ocupando

três colunas de largura e aproximadamente metade da página, está a fotografia na

vertical, com a legenda Palestino durante o enterro de uma criança morta ontem na

ação israelense na faixa de Gaza. O crédito da fotografia é de Ahmed Jadalllah, da

agência de notícias Reuters. Na outra metade da página, no lado direito inferior, há

uma publicidade do jornal Valor Econômico, com o qual o Grupo Folha tem

sociedade, logo abaixo da fotografia. A fotografia tem 23 cm de altura e a

publicidade, separada do material jornalístico por fios61 finos pretos, tem 26 cm.

61
Linha usada para dividir os diferentes textos no jornal, como artigos de opinião, notícias,
reportagens e também elementos gráficos. Também pode ser chamado de filete.
101

A publicidade tem o mesmo formato estreito e retangular da fotografia,

formando a estrutura retangular do lado direito da página ao alocar dois discursos

diferentes. Cria-se, com isso, um efeito de ambivalência, que faz pensar sobre a

atuação da publicidade no jornalismo, pela indagação do papel que esta

representaria na determinação do espaço do jornalismo. A prática de abrir espaços

de publicidade em páginas do jornal que já estão fechadas é comum no jornalismo.

Outra característica importante é a cor verde utilizada na publicidade, pela qual é

possível fazer relação com a religião islâmica, o que implica conhecimento cultural

do leitor, pois, como explica Guimarães (2003, p. 45), a cor verde está presente na

bandeira do profeta Maomé, desde os séculos VI e VII. No entanto, Guimarães

chama a atenção para a leitura dessa informação, pois “Quando a cor-informação

não é apresentada e incorporada ao repertório, essa sutileza da informação visual

na maioria das vezes não é percebida pelo leitor” (2003, p. 47). A utilização da cor

verde também pode ser apontada como um recurso estético para a composição da

página, demonstrando, mais uma vez, o efeito de ambivalência da publicidade sobre

o jornalismo.

A fotografia publicada no jornal Folha de S. Paulo, na página A9, no caderno

Mundo, expõe a brutalidade da disputa entre palestinos e israelenses, que a cada

dia mata mais civis e, também, mais crianças. A foto foi feita em perspectiva,

mostrando a presença de adultos e crianças no enterro da criança. Apesar de a

legenda chamar a atenção para o palestino, no enterro de uma criança, é a criança

morta que está em primeiro plano62, enrolada em uma bandeira suja de sangue, com

62
O primeiro plano “é onde ocorre a fotografia. O primeiro plano é o que dá interesse à fotografia. Na
maioria dos casos é no primeiro plano que devemos colocar o foco e ajustar a profundidade de
campo. É do primeiro plano que deve sair a linha de condução da foto” (RAMALHO e PALACIN,
2004, p. 155).
102

apenas seu rosto à mostra. O ângulo de tomada 63 e a escala64 nessa fotografia

fazem com que a criança pareça grande aos olhos do leitor, maior do que é, o que

aumenta o choque da imagem.

A legenda nessa fotografia tem o objetivo de confirmar para o leitor que a

criança que aparece na foto está morta realmente, o que pode despertar a emoção

do observador e levá-lo até o texto verbal principal, em busca de mais informações

sobre o fato. Sem atenuar a força da imagem, a legenda cumpre papel

imprescindível de circunscrever a imagem e possibilitar ao leitor a compreensão do

fato, como afirma Sousa (2004),

[...] não existe fotojornalismo sem texto. Imaginemos a fotografia de um


instante qualquer, por exemplo, de um instante de uma guerra. Essa
fotografia pode ser extraordinariamente expressiva e tecnicamente
irrepreensível. Mas se não possuir um texto que a ancore, a imagem pode
valer, por exemplo, como símbolo de qualquer guerra, mas não vale com
indício da guerra particular que representa (p. 65).

Nesse sentido também pode-se observar que a legenda cria uma

aproximação entre o sentimento do palestino que sofre pela morte da criança com o

sentimento do leitor, assim a articulação entre as linguagens evita a observação

distanciada da matéria pelo leitor. O fato de a foto mostrar a criança para o

observador de ponta-cabeça, com o intuito de mostrar o seu rosto em primeiro plano,

causa uma sensação de estranhamento no observador. A fotografia apresenta duas

linhas que acompanham o corpo da criança, que são percebidas por meio do pano

que está embaixo de seu corpo, orientando o olhar do leitor. A pequena

63
O ângulo de tomada “é o ângulo que adotamos entre a câmera e o sujeito. Temos três ângulos
básicos: picado, normal e contrapicado. O ângulo de cima para baixo, ou picado, diminui o objeto. O
ângulo normal tem um efeito neutro. O ângulo de baixo para cima ou contrapicado aumenta o objeto”
(RAMALHO e PALACIN, 2004, p. 162).
64
Escala é o uso “de perspectiva para dar importância e senso de profundidade [...]. Coloque algum
elemento identificável para que o assunto possa ser medido” (RAMALHO e PALACIN, 2004, p. 167).
103

profundidade de campo65 potencializa a sensação de proximidade com a criança,

principal “objeto” da fotografia, transformando-a em presença, causando a primeira

vinculação de ordem afetiva com o leitor, provocada pelas relações intersubjetivas

entre ele e o outro.

Landowski (2002) explica que a identidade do homem é determinada pela

sua própria definição, ou seja, pela “imagem” que faz de si mesmo, assim como pela

“imagem” que o outro faz do homem, e também pelo reconhecimento das diferenças

específicas do outro. Assim, “[...] a emergência do sentimento de „identidade‟ parece

passar necessariamente pela intermediação de uma „alteridade‟ a ser construída”

(2002, p. 9). Por isso, sentir a presença do outro, nesse caso, a criança morta, tem o

poder de fazer o homem parar e ser mobilizado pela leitura da imagem, dada a

importância do papel da criança em nossa sociedade. Pode-se observar, por meio

das palavras de Landowski (2002, p. 9), que “de um discurso com pretensão racional

e argumentativa [o discurso jornalístico objetivo e imparcial], passa-se deste modo a

um discurso do afeto puro e simples”. Desse modo, é possível verificar que essa

fotografia pode causar efeitos passionais no leitor porque, ao reconhecer a presença

da criança morta, são desencadeados sentimentos como compaixão, piedade e

terror, pelo caráter violento da morte.

A fotografia apresenta dois quadros. O primeiro inicia-se no rosto da criança

e termina em seus pés, usando cores claras. O primeiro quadro apresenta a criança

em primeiro plano, ocupando espaço maior na fotografia. No segundo, ao fundo da

foto, encontram-se três crianças aos pés da criança morta, tendo duas delas olhares

65
“[...] à distância entre os pontos nítidos mais próximo e mais afastado do ponto focado chama-se
profundidade de campo. Em termos simples, a profundidade de campo é a zona nítida da imagem,
em termos de profundidade. [...] A utilização expressiva da profundidade de campo é comum em
fotojornalismo. Uma pequena profundidade de campo pode servir, por exemplo, para relevar objetos
em relação ao fundo e ao(s) primeiro(s) plano(s). Uma grande profundidade de campo é importante,
por exemplo, na fotografia de paisagens” (SOUSA, 2004, p. 76).
104

vagos, perdidos, posicionando-se, ao seu lado, o palestino indicado na legenda,

sentado, com a cabeça baixa e as mãos sobre o rosto. As cores são escuras e agem

como contraponto à luminosidade incidida sobre a criança, destacando a sua

visualização. Assim, não só o topológico, mas também o cromático determinam a

direção do olhar. A grandeza da criança representada pela angulação da fotografia

faz com que as pessoas que estão aos pés da criança pareçam pequenas.

Outra relação interessante é que as linhas verticais que acompanham o

corpo da criança podem proporcionar mais de uma leitura: uma poderia ser a de

ignorar os elementos secundários da fotografia, mas não menos importantes, como

a presença cortada de um outro corpo morto ao lado da criança, representado por

uma faixa de pano branco e um pedaço da bandeira amarela, que aparecem do lado

esquerdo da fotografia, assim como a presença de outras pessoas velando o corpo,

das quais só se vêem as pernas. A outra leitura seria a possibilidade de o leitor

observador perceber todos os planos, primários e secundários, da fotografia, depois

de já ter sido levado a observar o elemento principal. Nesse sentido, a disposição

vertical da imagem, em formato retangular estreito, provoca o efeito de proximidade

já descrito, que é utilizado pelo jornal para provocar a leitura subjetiva, ligada à

ordem do sensível, pois a direção do olhar faz um percurso linear de baixo para

cima, alongando-se no corpo da criança em primeiro plano.

A atração da página do jornal provém da imagem, que é a abertura dessa

página e da matéria. Embora o texto verbal principal e a fotografia sejam

apresentados em quadrantes diferentes, divididos ao meio, pois o verbal está

disposto em três colunas ao lado direito e a fotografia em três colunas ao lado

esquerdo, é a imagem que atinge o leitor primeiramente. O fato de o


105

enquadramento66 da foto ser vertical e, de certa forma, acompanhar o texto verbal,

corrobora para que o leitor “leia” a foto e depois desloque seu olhar para o texto. A

“faixa azul” pode servir como “fio condutor” para a primeira leitura da fotografia, no

sentido da atração da cor e por terminar na foto, como também pode contribuir para

a condução do leitor da fotografia para o texto verbal, pois o tema da chamada no

“navegador” é correlacionado ao tema da imagem.

Depois de ser atraído pela fotografia e ter sido despertado por aspectos

passionais, ao chegar à leitura da matéria, o observador não vai encontrar mais

informações sobre a criança ou as crianças que vivem naquele lugar e que morrem

todos os dias vítimas da violência da guerra. Também não vai encontrar nenhum

depoimento ou história que relate algo sobre a morte das crianças nessa guerra.

Embora o subtítulo e o lead relatem a morte de duas crianças, o texto verbal relata a

ação de Israel e registra as opiniões de palestinos e israelenses sobre uma possível

negociação de paz entre esses povos.

Apenas no quinto parágrafo da matéria principal há a menção novamente da

morte das duas crianças e dos três socorristas, em forma de relato objetivo e

imparcial, já apresentadas no subtítulo e no lead. É no sexto parágrafo que o leitor

pode sentir um pouco de “humanização” no texto jornalístico, no qual o pai de um

rapaz de 30 anos conta que ele morreu enquanto tentava acalmar as crianças da

vizinhança, que estavam nervosas por causa do barulho dos disparos. O jornal

oferece o nome do pai e do rapaz, mas não há referências dos nomes das crianças

que morreram nessa ação de Israel na faixa de Gaza.

66
O enquadramento ou formato da fotografia “diz respeito à colocação do assunto em um retângulo
vertical ou horizontal. O tamanho, a forma e a natureza do assunto diz qual é a melhor orientação da
cena” (RAMALHO e PALACIN, 2004, p. 166).
106

Os números apontados no título não se referem à idade, mas é possível

fazer essa relação entre o verbal e a imagem que está ao lado. Se a imagem chama

o leitor e o comove, fazendo com que ele volte seus olhos para o texto verbal, os

números do título podem ser associados à idade de crianças, o que causaria um

impulso de leitura da matéria principal para saber mais sobre essa situação.

Ao elencar as possibilidades de leitura e da articulação entre a imagem e o

verbal, pode-se dizer que a fotografia utilizada nessa matéria tem como função ser

um elemento para despertar no leitor o sentido de disforia, para que ele continue a

leitura e mantenha-se ligado ao jornal. Como reflete Barthes (1990, p. 20) a respeito

da função da complementaridade da imagem em relação ao texto verbal, a imagem

da criança possibilita a produção de um novo sentido, um sentido que não aparece

explicitado no texto verbal, que utiliza a imagem da criança em seus aspectos

históricos e sociais de representação para provocar no leitor uma gama de

sentimentos que o fará se movimentar para a fruição do material jornalístico

oferecido no restante da página.

É importante salientar também que não há garantias de que o leitor

continuará a leitura da página do jornal, se em sua ação, perceber a manipulação, o

que pode fazê-lo desistir de ler o jornal ou aquela matéria. A relevância dessa

análise, assim como as outras que serão apresentadas, está em demonstrar quais

são as formas de utilizar a composição das fotografias e a sua posição na totalidade

da página para verificar as estratégias usadas pelos jornais para atrair e despertar a

atenção do leitor, principalmente em relação à produção de efeitos de sentido e à

utilização da imagem da criança, apropriando-se do conceito de infância

contemporâneo para provocar reações passionais em seus leitores.


107

CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA DE GUERRA

MATÉRIA 2 – Israel mata 18 civis em Gaza


108

FIGURA 11 – MATÉRIA 2

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 9/11/2006


109

FIGURA 12 – FOTOGRAFIA PRINCIPAL DA MATÉRIA 2

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 9/11/2006

FIGURA 13 – FOTOGRAFIAS QUE ABREM A PÁGINA DA MATÉRIA 2

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 9/11/2006


110

FIGURA 14 – FOTOGRAFIA DE RETRANCA DA MATÉRIA 2

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 9/11/2006

FIGURA 15 – INFOGRÁFICO DA MATÉRIA 2

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 9/11/2006


111

MATÉRIA 2 – Israel mata 18 civis em Gaza

A matéria 2 é do jornal O Estado de S. Paulo, de 9 de novembro de 2006, e

tem no cabeçalho a indicação da página A16 e o nome da editoria Internacional. O

“chapéu”67 Oriente Médio, escrito em caixa alta e em vermelho negritado, determina

o tema que será tratado na página. Logo abaixo do “chapéu” está uma seqüência de

fotografias, na horizontal, mostrando imagens dos fatos relatados na matéria

principal. Abaixo dessa seqüência de fotos há legendas numeradas: 1. Menino ferido

no ataque é socorrido 2. Palestinas de Beit Hanum marcham contra Israel 3. Em Tel-

Aviv, pacifistas protestam contra bombardeio e, com bandeira de Israel manchada

de tinta, acusam governo de ter sangue nas mãos. Os créditos das fotografias são

de Ibraheem Mustafá, da Reuters, para a fotografia 1; de Ali Ali, da EFE, para a

fotografia 2; de Roni Shutzer, da Agence France-Presse, para a fotografia 3.

Abaixo dessas fotos, está o título e o subtítulo da matéria principal. Apesar

da matéria 2 ser de 9 de novembro de 2006, o título da reportagem principal Israel

mata 18 civis em Gaza é muito semelhante ao da matéria 1, de 14 de junho de 2006,

da Folha. O título ocupa uma linha, assim como o subtítulo Artilharia israelense

atinge bairro residencial em Beit Hanun, no pior ataque nos territórios palestinos em

4 anos. O subtítulo apresenta informação semelhante à do título da matéria 1 sobre

o período e a violência do ataque.

A fotografia da matéria principal está distribuída em cinco colunas, ocupando

metade da parte superior da página. A legenda diz FAMÍLIA ASSAMNA – Corpos de

Sanah e de suas filhas Rima (D) e Ala no necrotério de hospital em Beit Hanum, na

Faixa de Gaza: oito crianças e sete mulheres estão entre os mortos. A legenda

67
Palavra, nome ou expressão, sempre destacada com negrito ou sublinhado, usada geralmente
acima do título e em corpo pequeno, para caracterizar o assunto ou personagem da notícia. Pode ser
chamado também de cabeça.
112

utiliza o negrito e a caixa alta para fazer chamada na foto e utiliza a letra D, entre

parênteses, para indicar que aquela criança está à direita na fotografia. O crédito da

imagem é do fotógrafo Mahmud Hams, da Agence France-Presse.

O texto verbal da reportagem principal ocupa uma coluna ao lado da foto e

duas abaixo dela. A matéria é assinada por Daniela Kresch, escrito em corpo normal

e em negrito. Abaixo está especificado, em caixa alta e sem negrito, Especial para o

Estado Tel-Aviv. Na segunda coluna do texto verbal, abaixo da fotografia, há um

infográfico. Sinalizado pela faixa verde, entre fios, o infográfico tem o título Onde Foi,

em caixa alta e cor branca. Abaixo do infográfico há a citação da origem dos dados

Fonte: Esri, no lado esquerdo, e Infográfico/AE/AP ao lado direito.

Abaixo da fotografia da reportagem principal, há uma matéria intitulada

Governo israelense dá 24h para Exército se explicar, que ocupa três colunas, ao

lado direito da página. O texto verbal inicia com três pontos vermelhos como marca

do começo do texto, está todo em negrito e com alinhamento à direita. A fotografia

dessa matéria ocupa duas colunas e tem cerca de 5 cm de comprimento. A legenda

é ESPERA – Trabalho de artilharia na fronteira com Gaza foi suspenso. A fotografia

é de Jim Hollander, da Agência EFE.

No pé da página há uma matéria sem imagem alguma. O título Hamas

responde pedindo ataques a americanos ocupa uma linha e cinco colunas, assim

como o subtítulo UE condena o ‘chocante’ bombardeio israelense; EUA lamentam

mortes e pedem moderação.

Todos os elementos apresentados na página – texto verbal, fotografias,

infográfico – referem-se à narrativa da guerra ou de um de seus ataques. Apesar da

seqüência de fotografias abrir a página, que tem ao todo seis imagens, acredita-se

que é a fotografia da matéria principal que chama a atenção do leitor por ocupar o
113

maior espaço entre todas as imagens na página e por expor a morte de uma mulher

e duas crianças. O rosto da mãe está em primeiro plano, ocupando o centro do eixo

D da regra dos terços68, é o rosto da criança maior, que está virado para o lado

esquerdo da foto, que prende o olhar do espectador. Essa criança está no centro da

fotografia, junto com um pedaço de pano (não dá para saber se é uma peça de

roupa ou um lençol) marcado pelo sangue das vítimas. A segunda criança, a menor,

está localizada no quadrante central superior da fotografia, o que torna sua imagem

destacada na imagem. Sem aplicar a regra dos terços, o olhar recai diretamente nas

duas crianças, em seguida no pano manchado de sangue, e somente depois no

rosto da mãe, mesmo estando no primeiro plano da imagem. Apesar de existir a

gaveta, a maca e um espaço não preenchido por objetos nos cantos esquerdo e

direito da fotografia, não se observam elementos secundários para dividir a atenção

do leitor ou atenuar a imagem de violência.

O plano utilizado nessa fotografia é o plano picado, no qual se faz a imagem

de cima para baixo, que tende a diminuir, desvalorizar, ou, nesse caso, mostrar a

fragilidade dos sujeitos fotografados. Assim, o olhar é direcionado pela imagem

chocante para obter o nome e sobrenome das crianças e da mãe mortas na legenda

da fotografia. A articulação entre o não-verbal e o verbal para essa fotografia é

fundamental porque, ao dar os nomes das vítimas, o jornal cria dispositivos de

credibilidade, mantendo um vínculo maior com o leitor. Maior porque o primeiro

vínculo já foi estabelecido pela força da imagem, que mostra a família morta ainda

68
A regra dos terços “foi criada há muito tempo, lá pelo século XIV durante o período conhecido como
Renascença. [...] para usar essa regra é [preciso] dividir a cena em três linhas verticais e horizontais
[...]. A interseção das quatro linhas cria quatro pontos focais [...]. Esses pontos são o centro passivo
das atenções para quem olha uma cena. [...] A regra dos terços nos diz para colocarmos o assunto de
maior atenção em algum dos terços da cena. Não é necessário ocupar todos os pontos ou linhas,
mas situar em algum deles o elemento principal da foto. [...]” (RAMALHO e PALACIN, 2004, p. 157).
114

na gaveta do necrotério. As linhas da maca do necrotério guiam o olhar do leitor

nessa imagem, assim como na imagem da matéria 1.

A fotografia “estourada” na horizontal da página ocupa quase a extensão da

largura da página e tem, aproximadamente, 15,5 cm de altura. O fundo negro da

fotografia, que corresponde ao fundo da gaveta do necrotério, faz com que o leitor

tenha nele um ponto de fuga. As cores predominantes são escuras, dando à

fotografia a representação de dor, sofrimento, violência e destruição, idéia facilmente

reconhecida culturalmente no mundo ocidental.

A seqüência de fotografias oferecida ao leitor pelo jornal pode influenciar o

modo de leitura da página de outra maneira. A primeira foto da seqüência mostra um

homem, cercado de outros homens, carregando um menino ferido nos braços. O

menino está encolhido nos braços do homem, há sangue no rosto da criança e a

expressão é de choro. Por ser uma imagem de violência, portanto chocante, o leitor

passaria para a segunda foto, buscando compreender o que aconteceu ao menino.

A segunda imagem mostra o semblante, em primeiro plano, de mulheres

protestando em meio a uma multidão de pessoas. Entende-se que são pessoas do

Oriente Médio pelos mantos que cobrem a cabeça. Em seguida, o olhar recairia para

mais uma imagem de protesto, na qual se destaca uma mulher com a bandeira de

Israel com uma mancha vermelha, compreendida pelo leitor como uma mancha de

sangue. O leitor só saberá que a marca vermelha na bandeira é tinta e não sangue,

depois que ler a legenda.

Apesar de ser extensa a descrição do processo de acompanhamento das

imagens, o percurso do olhar levaria segundos. Após a leitura dessas imagens, o

olhar do observador recairia na fotografia principal, que mostra a mãe e suas duas

filhas mortas ainda no necrotério. Dessa fotografia passaria à sua legenda. A


115

complementaridade do verbal em relação à imagem levaria o leitor ao texto verbal da

matéria principal. É relevante ressaltar que a imagem do meio, pertencente à

seqüência de fotos na abertura da página, destaca a cor verde, que, como já foi

comentado na análise anterior, informa ao leitor que aquelas pessoas da fotografia

são adeptas ao islamismo.

Há, ainda, outra possibilidade. O leitor seria atraído pela fotografia do

menino ferido e, em seguida, seu olhar recairia sobre a fotografia da matéria

principal, que o levaria à legenda e depois ao texto verbal principal. De qualquer

modo, a leitura inicia por uma das imagens de violência, que leva o leitor ao texto

verbal, na tentativa de compreender a brutalidade das imagens que vê. Embora se

tenham listado pelo menos três possibilidades de percurso do olhar do leitor,

acredita-se que o tamanho e o espaço ocupado pela fotografia da matéria principal

provoquem o leitor para iniciar seu percurso pela página por essa imagem,

acompanhando, em seguida, suas diferentes narratividades.

No texto verbal da reportagem principal, encontram-se mais informações

sobre a mãe e as filhas mortas da fotografia. O tom geral da matéria é de

indignação, porque o lugar atacado, o bairro residencial em Beit Hanum, no norte da

Faixa de Gaza, não deveria ser alvo da guerra. Os recursos utilizados pelo jornal

para mostrar como o ataque foi “absurdo” e “incompreensível” foram o registro das

declarações textuais de pessoas que testemunharam o bombardeio e as

autoridades. A ênfase maior está nos dois primeiros parágrafos que registram a

resposta às perguntas do lead (o quê, quem, quando, onde, como e por quê) e a

história de como a casa da família Al-Assamna foi atingida, resultando na morte da

mãe e das duas filhas.


116

O Estadão, nessa reportagem, usou os recursos do jornalismo que causam

efeito de objetividade e imparcialidade, principalmente, para expor a opinião do

jornal, sem demonstrá-la diretamente como costuma acontecer, pois, na perspectiva

de Hernandes (2006),

A „realidade da guerra‟ aparece na forma de uma figuratividade icônica, com


ampla valorização espacial, o que força o leitor a se aproximar da foto,
inclusive corporalmente. Ao utilizar esse recurso, no entanto, os jornalistas e
suas escolhas se apresentam muito fortemente, o que compromete a
estratégia de „objetividade‟. No caso, a foto que choca não deixa de ser um
discurso forte contra a própria guerra. O jornal, portanto, aparece ao leitor
„opinando‟ sobre o conflito (p. 72).

Para Sontag (2003), as fotografias de guerra são produzidas, especialmente,

para chocar. Apesar de se perceber a intenção de opinar sobre o fato, a fotografia

utilizada pode ser considerada como foto-choque, na acepção de Barthes (2006),

que, ao refletir sobre o tema da representação da violência na fotografia, classifica

as fotografias de guerra ou violência como fotos-choque, em um texto que leva o

mesmo nome. Nesse texto, ele faz crítica a uma exposição de fotos-choque em

Paris, afirmando que esse tipo de fotografia não provoca nenhum sentimento no

observador porque ela não requisita a participação do leitor. Nessas fotografias, o

sentido já está previamente dado, há grande interferência do fotógrafo, segundo

Barthes, para que o leitor possa participar da leitura da fotografia. Acredita-se que a

fotografia principal das matérias 1 e 2 podem ser conceituadas como fotos-choque,

pois provocam no leitor efeitos passionais.

O autor também afirma que as fotos-choque verdadeiras são as fotografias

de agências, referindo-se às fotografias jornalísticas, “nas quais o fato surpreendido

explode na sua insistência, na sua literalidade, na própria evidência da sua natureza

obtusa” (BARTHES, 2006, p. 108). Explica, porém, que é o efeito “naturalizado”, ou

seja, o caráter de “natural” que essas fotografias recebem na sociedade, que faz
117

com que o observador reflita sobre a imagem e a informação que traz. Nesse

sentido, não se pode afirmar categoricamente que todas as fotografias jornalísticas

proporcionem reflexão por meio de sua “naturalidade”, mas que, de alguma maneira,

o fotojornalismo possa produzir material que possibilite ao leitor maior participação e

reflexão. O mais importante para o autor é que o observador seja instigado a refletir,

devendo conseguir fazer isso sozinho, sem sentir a presença embaraçosa do

fotógrafo.

Margarita Ledo também reflete sobre as fotos-choque e diz que esse tipo de

fotografia, muito utilizado como recurso atrativo nos jornais, apresenta:

A denotação pura, a imagem „que suspende a linguagem e bloqueia a


significação‟, a imagem que, de um ponto de vista antropológico, nos
conduz às leis de proximidade psico-afetiva, em relação com a idéia da
morte e com a crença determinista de submissão às forças da natureza, se
a vinculamos com a categoria „castigo‟, é uma das de maior êxito quando se
conjuga com situações depressivas e de indefensabilidade 69 (p. 99).

Nesse sentido, os autores afirmam que, apesar de essas fotografias

exercerem articulação com o verbal, conquistando no leitor efeitos afetivos, elas

reiteram a mensagem, suspendendo o caráter cognitivo da informação verbal, para

inscrever na matéria a “imediatez da relação afetiva”, como se percebe nas análises

realizadas. A violência e a brutalidade da morte estão expostas de maneira a dizer:

“É isso. Não há o que fazer”. É como se sugerisse a violência, um primeiro

sentimento de dor, piedade ou terror, e não conseguisse passar disso. Por outro

lado, Sontag (2003) afirma que a busca do choque por meio da fotografia jornalística

se dá porque se acredita, em geral, “que, se o horror pudesse ser apresentado de

69
Do original: “La denotación pura, la imagen „que suspende el lenguaje y bloquea la significación‟, la
imagen que, desde un punto de vista antropológico, nos conduce a las leyes de proximidad psico-
afectiva, en relación con la idea de la muerte y con la creencia determinista de sumisión a las fuerzas
de la naturaleza, si la vinculamos con la categoría „castigo‟, es una de las de mayor éxito cuando se
conjuga con situaciones depresivas y de indefensión”.
118

forma bastante nítida, a maioria das pessoas finalmente apreenderia toda a

indignidade e a insanidade da guerra” (p. 17).

Há um grande debate sobre a questão de mostrar o horror de forma explícita,

que foi discutida, brevemente, no capítulo 2. De um lado, argumenta-se que é

preciso mostrar essas realidades para que as pessoas reflitam e resolvam tomar

uma atitude diante de tal acontecimento. De outro, aponta-se para o excesso de

imagens „chocantes‟, que pode causar a saturação do olhar, fazendo com que as

pessoas tornem-se insensíveis às imagens ou mesmo aos fatos. Baitello Jr. (2005,

p. 20) afirma que o excesso de imagens de todos os tipos causa uma “[...] fadiga

[que] se instala no olhar que já não vê o que avista, já não enxerga o que vê, já não

anima o que enxerga”. Além disso, Caetano e Fischer (2006) apontam que a

imagem pode adquirir tal auto-suficiência em relação à totalidade da página, graças

aos diversos expedientes de estetização agenciados, que ela passa a funcionar

como dispositivo de fixação da mídia sobre si mesma

Essa dificuldade em “enxergar o que se vê” pode ser apontada como um dos

problemas da contemporaneidade, porém não é só a saturação pelo excesso de

imagens que pode impedir que a fotografia toque seu público e o faça refletir. A

imagem explícita, exagerada e, muitas vezes, grotesca pode tornar tão forte a

imagem para o público observador, que o impede de perceber nessa foto elementos

para reflexão sobre o tema ou acontecimento retratado. Ainda pode-se refletir sobre

os efeitos de sentido gerados pelo produto final do jornal impresso, isto é, pela

página inteira do jornal, na qual serão distribuídos os vários elementos que a

compõem. É nesse conjunto que se poderá observar quando a fotografia, como

parte do conjunto que forma o discurso jornalístico, passará de denotada a

conotada.
119

Nesse sentido, compreende-se que a fotografia nessa matéria, apesar de

ser classificada como foto-choque, foi utilizada como elemento capaz de despertar

no leitor a sensibilização para a situação que homens, mulheres e crianças,

principalmente estas duas, passam na região da faixa de Gaza. No período

pesquisado para este trabalho, devido ao ataque ao sul do Líbano atingir

comunidades não envolvidas no conflito, houve a proliferação dessas matérias e

imagens na mídia internacional, que mobilizou manifestações em vários pontos do

mundo. O texto verbal ancorou-se na fotografia para atingir o leitor e conquistar sua

leitura por meio do uso da imagem da criança, que remete à idéia de cuidados

especiais, e da mãe, que para a nossa sociedade seria a responsável em dar

atenção e proteção às crianças. A compaixão, a dor e o sofrimento estão

estampados em primeiro plano e em quadrantes bem definidos. A técnica foi bem

utilizada para, de modo subjetivo, evidenciar uma “realidade” e despertar a

afetividade no leitor.
120

FIGURA 16 – ISRAEL MATA 8 CRIANÇAS EM GAZA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 09/11/2006


121

A fotografia da mãe Sanah e das filhas Rima e Ala também foi publicada no

mesmo dia pelo jornal Folha de S. Paulo. No entanto, não foi fotografia idêntica,

tinha outro plano e mais um personagem: um homem que mexe nos corpos da

mulher e das crianças. E não é essa a única diferença. O tom da legenda e do texto

verbal não demonstra “opinião” como o do Estadão. A fotografia abre a página,

ocupando quatro colunas e 11 cm na vertical. O fotógrafo Mohammed Salem, da

agência Reuters, é o autor da foto, que tem como legenda Homem observa corpos

de uma mulher palestina e de duas filhas dela, vítimas do ataque israelense em Beit

Hanoun, em Gaza. Essa legenda não oferece o nome da família, nem da mulher e

das crianças. Sob o título Israel mata 8 crianças em Gaza, e Hamas cobra revide, e

o subtítulo Grupo islâmico anuncia fim do cessar-fogo e conclama homens-bomba a

agirem contra israelenses, o texto verbal conta que o bombardeio matou ontem 18

pessoas, entre eles 8 crianças e 5 mulheres, e feriu mais 58 pessoas, mas não se

refere diretamente à mulher e às crianças da fotografia, como faz o texto verbal do

Estadão. Há informações desencontradas nos textos verbais, assim como na grafia

do nome do bairro residencial atingido pelo bombardeio: para o Estadão é Beit

Hanun, e para a Folha é Beit Hanoun. Enquanto para o jornal O Estado de S. Paulo

encontrou-se, além da estratégia de chocar o leitor e atraí-lo para a leitura, também

um objetivo de transmitir a opinião do jornal por meio da fotografia, o jornal Folha de

S. Paulo não usa a fotografia como estratégia de opinião. Ambos os jornais apelam

para a estratégia de arrebatamento, a diferença entre os dois está no grau de efeito

de presença elaborado na primeira matéria (Estadão), que provoca maior efeito de

proximidade, e na segunda matéria (Folha) a presença está mais distanciada,

quando serve de móvel para a leitura do texto, buscando mais informações.


122

CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA ECONÔMICA

MATÉRIA 3 – Números de refugiados é o menor desde 1980, diz ONU


123

FIGURA 17 – MATÉRIA 3

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 10/06/2006


124

FIGURA 18 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 3

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 10/06/2006


125

4.4.2 Violência Econômica

MATÉRIA 3 – Números de refugiados é o menor desde 1980, diz ONU

Essa reportagem é do jornal Folha de S. Paulo, de 10 de junho de 2006, e

no cabeçalho, do lado esquerdo superior, está a indicação da editoria Mundo, e o

número da página A25. A página inteira é em preto-e-branco. A fotografia de Rafiqur

Rahman, de 7 de maio de 2005, da agência Reuters, abre a página e a matéria

principal, no lado direito. Ocupando quatro colunas e aproximadamente 13,5 cm, a

fotografia mostra mulheres e crianças negras, olhando para frente como se

estivessem posando para a foto. A legenda ancora a informação da imagem

Mulheres e crianças de minoria mulçumana vinda de Mianmar esperam alimentos

em um campo de refugiados em Bangladesh.

Logo abaixo dessa fotografia vem a matéria principal, sob o título Número de

refugiados é o menor desde 1980, diz ONU, e subtítulo Relatório mostra, porém, que

houve aumento dos deslocados em seus próprios países. O título ocupa duas linhas,

quatro colunas e está alinhado à esquerda, e o subtítulo tem apenas uma linha na

largura de quatro colunas e está justificado. O texto da matéria principal ocupa cerca

de metade da página, em quatro colunas, e é assinado por ALEXANDRA MORAES,

escrito em caixa alta e em negrito, e logo abaixo está escrito DA REDAÇÃO, em

caixa alta e sem negrito. Com essa disposição, a imagem tem um papel de destaque

topológico para a orientação do olhar. Antes da assinatura da matéria há uma “lupa”

de cinco linhas, em negrito e alinhada à esquerda Segundo comissário situação

ocorre devido a fronteiras mais vigiadas após 11/9; há 2 milhões de refugiados

internos na Colômbia. A segunda e a terceira coluna da matéria principal contam


126

com um quadro intitulado Deslocados do mundo, que está separado do texto por fio

médio preto e caixa cinza para o título em preto, o fechamento do quadro é feito com

um fio grosso cinza. Há dois entretítulos na matéria principal, um no meio da terceira

coluna (América do Sul), e o outro na quarta coluna (Afeganistão), em caixa alta e

normal negritados.

Abaixo dessa reportagem principal, há uma matéria secundária sobre o

mesmo tema, que ocupa quatro colunas sob o título Brasil recusa 60% dos pedidos

de refúgio, assinada por IURI DANTAS, DA SUCURSAL DE BRASÍLIA, mantendo o

padrão da caixa alta com negrito para o nome do autor e caixa alta sem negrito para

o lugar de onde escreve. Há um entretítulo no fim da segunda coluna, que segue o

padrão de caixa alta e normal negritado (Sexo). A quarta coluna é ocupada por um

quadro, seguindo o padrão do anterior, sob o título NO BRASIL.

As duas colunas do lado direito do jornal são preenchidas com matérias

internacionais, sem ligação temática com a matéria principal de abertura da página.

No canto direito superior, há apenas texto verbal. Em seguida, há uma foto-legenda.

O canto inferior direito é ocupado por um texto noticioso sem imagem e por uma

nota informativa também sem imagem. A página fica, então, contaminada pela

presença da foto maior.

A fotografia que abre a página analisada mostra mulheres e crianças negras,

agachadas, olhando para frente, como se olhassem diretamente para o leitor. As

mulheres vestem mantos que cobrem sua cabeça. Algumas crianças vestem

camisas abertas e duas crianças estão sem camisa. Bem no centro da fotografia, em

primeiro plano, há uma mulher coberta por um manto, que abraça um menino, que

está com a cabeça virada para trás e tem os olhos fechados. Não se consegue

desviar o olhar desse menino que não olha, que não vê, e espera, cansado e com
127

fome, o alimento chegar. Há outras crianças na fotografia, que olham diretamente

para o leitor, causando também efeito de presença e proximidade.

A fome, a miséria, o sofrimento e a falta de dignidade humana estão

representadas nessa fotografia da matéria 3. Ao contrário das duas fotos

comentadas anteriormente, essa foto não retrata pessoas mortas e, sim, mulheres e

crianças que estão em um campo de refugiados em Bangladesh, esperando por

alimentos, segundo informa a legenda que ancora a foto.

Mulheres e crianças amontoadas, olhando diretamente para o leitor,

mostram em seus rostos a expressão da angústia, da incerteza e da condição da

pobreza. Nessa fotografia não há sangue, tragédia, seres humanos mutilados,

violência explícita, mas é o olhar de cada mulher e de cada criança que apresenta

ao observador a cena do horror da fome e da miséria, da condição sub-humana que

vivem. A legenda informa sobre essa espera. Se não fosse ela, o observador não

saberia o que aquelas pessoas estavam fazendo nem de onde são. Porém, o

observador continuaria percebendo no olhar de cada pessoa retratada na fotografia

a agonia da miséria. O enquadramento é importante nesse caso. Todas as partes da

superfície da imagem estão preenchidas com tomada em primeiro plano. É isso que

confere o caráter “excessivo” da foto, comentado anteriormente, em termos de efeito

de proximidade e de presença. Essa fotografia apresenta também a relação, à

primeira vista contraditória, entre a informação verbal do título e a imagem. A

afirmação da redução do número de refugiados se choca com o excessivo da

presença na e pela imagem.

Ao despertar a atenção do leitor, essa fotografia convoca significados que

estão em sua memória, pois, em sua maioria, conhece a realidade dos povos de

outros países por fotografias publicadas pelos jornais, ou pelas imagens veiculadas
128

nos jornais da TV70. Assim, a memória imagética, juntamente com a mulher no

centro da foto e o menino de olhos fechados, atraem o olhar para a fotografia e

promovem o impulso no leitor de percorrer o texto verbal da matéria para

compreender a que se refere a imagem. O texto verbal, por sua vez, não faz

referência específica às pessoas da foto, nem às crianças, embora o texto verbal da

matéria secundária, no sexto parágrafo, informe que no mundo, para a Organização

das Nações Unidas (ONU), o universo dos refugiados seja composto de 25% de

mulheres e 9% de crianças e jovens que ainda não completaram 18 anos.

Essa fotografia atinge o leitor, em primeiro lugar, porque ele se sente em

comunicação direta com os sujeitos da foto. Em segundo lugar, o desnível de altura

entre as mulheres e crianças pode ser compreendido como linhas ondulatórias de

composição imagética que intrigam o destinatário. Apesar de a mulher e o menino

com os olhos fechados estarem no centro da fotografia, o percurso do olhar do leitor

segue como se estivesse acompanhando uma onda, para cima e para baixo. Como

diz Flusser (2002, p. 8), o olho percorre circularmente a fotografia e, por isso “o olhar

tende a voltar sempre para elementos preferenciais. Tais elementos passam a ser

centrais, portadores preferenciais do significado. Desse modo, o olhar vai

estabelecendo relações significativas”. A ausência de cor, ou seja, a expressão da

imagem em preto-em-branco também relembra ao leitor sobre o aspecto documental

da fotografia e seu estatuto de testemunha “ocular” dos fatos.

Essa fotografia difere das outras duas já analisadas em dois aspectos: o

primeiro está relacionado à data da produção da foto. O crédito indica que a foto foi

produzida em 2005 e a edição do jornal é de 2006, assim como a reportagem em

seu texto verbal trata de um relatório divulgado no dia anterior, ou seja, no dia 9 de

70
Muitos brasileiros também só conhecem as diversidades culturais do seu próprio país por meio dos
meios de comunicação, principalmente pela fotografia e pelas imagens veiculadas na TV.
129

junho de 2006. A primeira questão levantada é a reiteração de estereótipos, e da

provocação de um efeito de atualidade “forçado”, na medida em que a foto não

contribuiria para a informação atual, se é do ano anterior.

A questão sobre a falta de atualidade nas fotografias jornalísticas foi

apontada nesta pesquisa no capítulo 2, usando o questionamento de López (2004)

de qual seria a razão, diante de tanta tecnologia, pela qual ainda se publiquem

tantas imagens “antigas” nos jornais, pois se verifica que o leitor, ao comprar um

jornal, procura notícias novas e atuais, referindo-se não apenas ao texto verbal, mas

também às imagens. No entanto, o autor constata que: “Comprova-se que ainda

hoje boa parte dos jornais do nosso contexto mais imediato oferecem uma abertura

informativa de meia página com uma fotografia extraída de arquivo. Talvez seja uma

boa instantânea, mas não é de atualidade”71 (LÓPEZ, 2004, p. 91). Nesse sentido,

pode-se concluir que o jornal reabilita uma foto antiga em um contexto ao qual ela

não pertence e que esse recurso deve-se à estratégia de utilizar a imagem como

elemento para determinar efeitos de sentido que provoquem a atenção do leitor e a

continuidade de sua leitura do jornal.

Ainda sobre a questão da imagem de arquivo, Berger (2003, p.63), também

citado no capítulo 2 desta dissertação, propõe que cada fotografia venha sempre

ancorada de informações específicas sobre seu contexto, para que o leitor não

receba uma mensagem ambígua ou imprecisa ao se deparar com uma imagem no

jornal. Sontag (2004), ao refletir sobre a criação dos livros de fotografia, refere-se às

conseqüências de se reabilitar fotos antigas, afirmando que tirar a fotografia de seu

contexto pode prejudicar a leitura da imagem e sua compreensão ou que a imagem

71
Do original: “Compruébese que aún hoy buena parte de los periódicos de nuestro entorno más
inmediato ofrecen una apertura informativa de media página con una fotografía extraída del archivo.
Quizás sea una buena instantánea, pero no es de actualidad”.
130

recontextualizada pode adquirir outros efeitos de sentido, pois “Uma foto é apenas

um fragmento e, com a passagem do tempo, suas amarras se afrouxam. Ela se solta

à deriva num passado flexível e abstrato, aberto a qualquer tipo de leitura (ou de

associação a outras fotos)” (SONTAG, 2004, p. 86).

O segundo aspecto está relacionado à produção da fotografia com certos

cuidados técnicos e artísticos, que proporcionam um valor estético à foto. Segundo

Sontag (2004), essa é uma característica da fotografia: encontrar o belo onde nem

sempre isso é percebido de forma clara, como acontece no trabalho do fotógrafo

brasileiro Sebastião Salgado. Para a filósofa, “De fato, o triunfo mais duradouro da

fotografia foi a aptidão para descobrir a beleza no humilde, no inane, no decrépito.

De um modo ou de outro, o real tem um páthos. E esse páthos é – beleza. (A beleza

dos pobres, por exemplo.)” (SONTAG, 2004, p. 118-119). A composição e a estética

da fotografia despertam o leitor para a beleza da fotografia, o que não impede que

ele se sinta atingido de maneira passional pela imagem.


131

CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA ECONÔMICA

MATÉRIA 4 – Brasil ganha mais com alta de preços


132

FIGURA 19 – MATÉRIA 4

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 07/11/2006


133

FIGURA 20 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 4

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 07/11/2006


134

MATÉRIA 4 – Brasil ganha mais com alta de preços

A matéria 4 é do jornal O Estado de S. Paulo, de 7 de novembro de 2006, da

editoria de Economia, página B3. Na abertura da página há um quadro colorido com

o título Balanço, que traz notas informativas sobre temas ligados à editoria e ocupa

seis colunas, com aproximadamente 7,5 cm de altura. Um fio grosso e um fio fino

preto fazem a separação entre o quadro e as matérias no restante da página. Logo

abaixo do quadro o uso do “chapéu” Comércio Exterior em caixa alta, em vermelho e

negritado, indica o assunto da reportagem principal da página. Abaixo do “chapéu”, o

título Brasil ganha mais com alta de preços e, em seguida, o subtítulo FAO diz que

importação mundial de alimentos deverá chegar a US$ 388 bi este ano, ante US$

379 bi em 2005. Os dois ocupam seis colunas e uma linha cada. A matéria é

assinada e não há indicação de ter sido feita com o auxílio de agências de notícia. A

matéria, texto verbal e fotografia, ocupa quatro colunas. O “olho”72 da matéria está

entre fios finos duplos e em negrito. Há apenas um entretítulo no texto verbal (Maior

ônus) em caixa alta e negritado. Há, na quarta coluna, abaixo da fotografia, um

quadro que se abre com uma faixa marrom, separado do texto verbal principal por

fios finos e pretos, que contém o título Números em caixa alta e cor branca.

A fotografia ocupa três colunas e tem aproximadamente 17,5 cm de altura,

ocupando a parte central da página. O crédito é de Thomas Mukoya, da agência

Reuters, e tem como legenda ESCASSEZ – Segundo a FAO, países africanos,

como a Somália, são os que mais sofrem com aumentos. A fotografia mostra

mulheres e crianças em uma aldeia. Em primeiro plano, um menino negro, vestido

72
O “olho” é um “Intertítulo ou pequeno trecho destacado da matéria, diagramado em corpo maior e
colocado em janelas da composição corrida” (RABAÇA e BARBOSA, 2001, p. 522).
135

com uma camiseta grande para o seu tamanho, está sentado em cima de um saco,

olhando para baixo, em um dia de muito sol. Do lado direito, acompanhando a

fotografia, há uma matéria sem imagem, que é separada do título da matéria

principal por fios finos duplos. No pé da página há publicidade, ocupando as seis

colunas e com aproximadamente 14,5 cm de altura, que é separada do material

noticioso por um fio grosso preto. As cores da publicidade correspondem às cores

predominantes no quadro de abertura da página e também com as cores da terra e

das roupas das mulheres que estão atrás do menino, o que evidencia um tratamento

estético da página já mencionado anteriormente.

A composição dessa fotografia trabalha bastante com o contraste: a cor azul

do céu e marrom-claro da terra; a presença da cor laranja nas roupas das mulheres

contrastam com a cor escura da pele e também com os tons claros do céu e da

terra. O saco, no qual o menino está sentado, que deve ser de alimento, dá ao leitor

a noção do tamanho da criança. A relação de escala também está representada na

composição, em primeiro plano, do menino sentado sobre um saco grande, e atrás

dele há uma outra mulher sentada sobre dois sacos e outra em pé, com uma

criança, menor do que o menino, no colo. Traça-se uma linha ascendente do rosto

do menino até o rosto da mulher que está em pé. O desenho no saco do alimento é

cortado pela fotografia, mas deixa entrever as cores vermelha, branca e azul,

formando um símbolo facilmente reconhecido com as cores da bandeira dos Estados

Unidos, um dos países que enviou ajuda à população da Somália.

Essa fotografia traz ao público do jornal uma “realidade” conhecida,

representada em imagem de modo semelhante, sempre destacando a pobreza, as

dificuldades e as crianças da África. Nesse sentido, requisita do leitor a sua


136

memória, formada por imagens, da situação que o jornal está tratando. Além disso,

mostra ao leitor uma criança triste, com olhar vago, sem possibilidades de mudança.

Talvez seja a familiaridade da imagem, a representação semelhante da

mesma situação, que agrida nessa fotografia. Rever essa imagem faz com que o

observador perceba que aquela situação ainda é „real‟ e continua acontecendo.

Como diz Sontag (2003), toda memória é individual, entretanto, ao longo da história,

muitas imagens foram feitas e expostas, a fim de construir “nossa idéia do presente

e do passado imediato” (p. 72). Por isso, muitas imagens têm o poder de fazer o

observador prestar atenção em uma fotografia, pela lembrança que ela invoca em

sua mente. É um registro histórico e ideológico, que “desencadeiam pensamentos e

sentimentos previsíveis” (SONTAG, 2003, p.73).

O texto verbal da matéria principal não se refere à criança, nem

especificamente à Somália, país que esteve presente de modo massivo nos grandes

jornais do mundo durante a década de 1990, apresentando os problemas da fome e

da miséria e tornando as fotografias, que representam em nosso imaginário o povo

africano, mais freqüentes. Nesse caso, pode-se pensar que a fotografia foi escolhida

para ilustrar a matéria, porque não haveria imagem atual e/ou de ação para publicar,

mas, sobretudo, a escolha por essa foto passa pela necessidade de criar vínculo

com o leitor, por meio de relações intersubjetivas, como seu conceito de criança e,

portanto, sua afetividade em relação a ela.


137

CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA URBANA

MATÉRIA 5 – PM diz que não matou inocentes


138

FIGURA 21 – MATÉRIA 5

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 19/05/2006


139

FIGURA 22 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 5

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 19/05/2006


140

4.4.3 Violência Urbana

MATÉRIA 5 – PM diz que não matou inocentes

A matéria 5 é a capa do jornal Folha de S. Paulo, de 19 de maio de 2006. O

antetítulo Comandante-geral da Polícia Militar de SP afirma que maioria dos 107

mortos por policiais desde o fim de semana tem ‘longa ficha criminal’ e a manchete

PM diz que não matou inocentes ocupam as seis colunas da página. Logo abaixo do

título, do lado direito, ocupando quatro colunas, a fotografia de Diego Padgurschi, da

agência Folha Imagem, com a legenda Em meio a moradores da favela do Jardim

Elba, policial dá cobertura a colegas durante ação que envolveu 400 homens,

mostra um policial apontando a arma para a frente e há pessoas paradas que

acompanham a ação.

O texto verbal, ao lado direito da fotografia, ocupando duas colunas, faz

referência aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, na

semana anterior e ao comportamento policial para conter esses ataques. No fim do

texto há a indicação para o conteúdo completo no caderno Cotidiano, nas páginas

C4 e C6. Completando a metade superior da página há mais duas matérias

correlatas ao tema dos ataques do PCC em São Paulo. Abaixo da fotografia está

uma matéria sem imagem, que ocupa quatro colunas. Abaixo do texto verbal ligado

à manchete há uma matéria também sobre os ataques do PCC, em São Paulo, sem

imagem. Na metade inferior do jornal, há chamadas para matérias de outros

cadernos do jornal. No pé da página, há uma publicidade que ocupa seis colunas.


141

A fotografia da matéria 5 mostra, ao fundo, uma parede lisa, provavelmente

de uma casa. Encostado na lateral esquerda da casa há um homem, que está

olhando para o fotógrafo ou para o leitor, nesse caso. Há um carro estacionado, em

primeiro plano, e um jovem de lado, apoiando-se nele com a mão. Encostados no

carro, de costas para a fotografia, há uma criança e um homem com um bebê no

colo, mais ao lado direito. O rosto da criança está virado para o policial, que está

entre a parede e o jovem que se apóia com a mão no carro, bem no centro da

fotografia. Esse policial está com a arma apontada para a frente. Compõe a cena,

ainda, uma mulher que está em frente ao homem, com a criança no colo, e em frente

ao policial, próxima à parede. Ao olhar para a fotografia, a primeira observação é a

de que parece que o policial está apontando a arma para a criança, que está no colo

do homem encostado no carro. A criança parece encarar a arma do policial. A

mensagem visual é essa: o policial parece apontar a arma para a criança, que está

“no meio”, entre o policial, seus colegas e os adversários, formalizando na imagem a

idéia apresentada na legenda.

Há uma ligação entre a foto e a manchete, que salta aos olhos do leitor. É a

junção do verbal e do visual que dão maior sentido para a matéria. Ao dizer na

manchete que a PM afirma não ter matado inocentes na semana anterior, a foto

mostra o policial apontando a arma para o rosto da criança, que representa a

inocência para nossa sociedade. A mensagem visual da foto intriga o observador,

porque os outros personagens da fotografia estão em atitude tranqüila, não

demonstram medo ou insegurança por estar diante de um policial armado. Será que

os moradores desse lugar estão tão habituados à violência que não sentem medo de

um policial armado tão perto deles? Será que o homem que segura a criança no colo

não tem medo que o policial possa atingi-la acidentalmente? Ou a foto seria uma
142

produção do fotógrafo, uma montagem para conseguir uma boa foto? É difícil para

um repórter, seja ele fotográfico ou não, acompanhar a ação da polícia, porque ele

também corre o risco de ser atingido pelas balas dos policiais ou dos bandidos.

Nesse sentido, a foto poderia ser “arranjada”. Essa é uma possibilidade, mas não se

tem como confirmá-la, nem interessa para o analista de imagem. O que é relevante

é que, uma vez produzida e colocada em circulação, essa fotografia adquiriu

sentidos conotados, evidentes na articulação que fez com o verbal.

É certo que o policial não está apontando a arma para o rosto da criança. O

ângulo escolhido pelo fotógrafo passa essa mensagem para o leitor, mas o texto

verbal não indica essa situação. Porém, esse primeiro olhar dado pelo leitor

evidencia a potencialidade do efeito de sentido imaginado pelo editor do jornal, de

relacionar o texto verbal da manchete com o texto não-verbal da fotografia. Como

disse Barthes (2005, p. 197), em texto escrito em 1977, “A foto, como a palavra, é

uma forma que quer dizer de imediato alguma coisa”. Nesse caso, o recurso à ironia,

tanto da foto quanto de sua vinculação com o verbal, é que inscreve a “imediatez

cognitiva” da matéria, sobretudo quando associada ao contexto social brasileiro

(CAETANO, 2006).
143

CATEGORIA 1 - VIOLÊNCIA

VIOLÊNCIA URBANA

MATÉRIA 6 – Três caminhos para entender o caos em São Paulo


144

FIGURA 23 – MATÉRIA 6

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 21/05/2006


145

FIGURA 24 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 6

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 21/05/2006


146

MATÉRIA 6 – Três caminhos para entender o caos em São Paulo

A matéria 6 é do jornal O Estado de S. Paulo, de 21 de maio de 2006, e foi

publicada no caderno Aliás, que tem como objetivo realizar a análise dos principais

fatos ocorridos durante a semana. São Paulo, naquele período, vive o momento dos

ataques do crime organizado, comandados pelo Primeiro Comando da Capital

(PCC), e o caderno do Estadão só trata desse assunto. Em página dupla, o jornal

apresenta a fotografia em cinco colunas, com aproximadamente 20,5 cm de altura.

Tanto o título quanto a “lupa” ocupam a totalidade da extensão da página, 12

colunas. O uso do negrito para destacar algumas informações da “lupa” podem ser

compreendidas como recurso para tornar o verbal em não-verbal. A matéria

apresenta três especialistas (um psicanalista, um professor e também ex-secretário

de Segurança Pública, e um cientista político), que tentam explicar o “caos” em São

Paulo. Para demarcar a entrevista de cada um, o retrato do entrevistado indica o

início e o fim de cada texto.

Como há muito texto na página e pouca cor, a fotografia fica responsável por

quebrar a monotonia da página, além de despertar a atenção do leitor. A fotografia

de Mônica Zarattini, da agência Estado, mostra, em primeiro plano, no canto

esquerdo do quadro, um soldado encapuzado, com fuzil em punho, o cano da arma

para baixo, e no lado direito da foto, em segundo plano, está um homem com uma

criança no colo. Atrás deles há uma mulher (lado direito) e um homem (lado

esquerdo). Os elementos secundários da fotografia aparecem desfocados. A

legenda ancora a foto e situa o leitor: AEROPORTO – Na segunda-feira de fúria,

soldados encapuzados tomaram Congonhas, enquanto boatos pipocavam na

cidade. Houve congestionamentos, ruas desertas e muitos ataques.


147

Do rosto do soldado, só se vêem os olhos, pois está encoberto pela

máscara, que simboliza ou representa, para a maioria das pessoas, um recurso

utilizado por bandidos e não por homens da polícia. Quando usado pela polícia,

representa uma situação de gravidade extrema, quase uma guerra 73. O olhar de lado

do homem que segura a criança no colo para o soldado mostra esse sentimento

confuso de não saber bem o que fazer ou em quem confiar. A criança, no colo, com

seus braços em volta do pescoço do pai, é a única da fotografia que olha para o

fotógrafo, e, portanto, para o leitor. A relação de escala é clara na fotografia. O

soldado é grande e tem o rosto coberto, o que configura uma zona escura na

superfície da imagem. Ao fundo, as pessoas vão desaparecendo pelo efeito de

desfocagem e também porque ficam menores.

O conjunto do homem, da criança e da mulher (que não se sabe se está

junto com eles ou não) passa a idéia de família. Unindo a isso o fato de a criança

segurar forte no pescoço do pai, e do pai olhar com desconfiança, medo e

constrangimento para o policial, passam ao leitor a sensação de perigo pelo qual

está passando a família brasileira. Assim, aqui a criança assume um papel diferente

das fotografias já analisadas. Ela continua sendo o elemento que determina os

efeitos de sentido da fotografia, no entanto contribui no conjunto para reforçar a idéia

de família e de como deve ser protegida. A legenda resume o “terror” da semana em

São Paulo porque o jornal considerou que a foto poderia representá-lo bem. A

ligação de tema entre a fotografia e o texto verbal principal apresenta a construção

de uma idéia de terror, claramente dada por todos os elementos citados, ratificada

pela característica conservadora da linha editorial do veículo.

73
Essa representação pode ter sido modificada com o conhecimento dos soldados do Bope,
massificado, principalmente, pelo filme Tropa de Elite, de José Padilha, lançado em 2007.
148

CATEGORIA 2 - POLÍTICA

MATÉRIA 7 – Alckmin promete manter leis trabalhistas


149

FIGURA 25 – MATÉRIA 7

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 31/07/2006


150

FIGURA 26 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 7

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 31/07/2006


151

4.5 CATEGORIA 2 - POLÍTICA

MATÉRIA 7 – Alckmin promete manter leis trabalhistas

A matéria 7 é do jornal Folha de S. Paulo, de 31 de julho de 2006, e faz

parte da cobertura das eleições para Presidente da República. O título Alckmin

promete manter leis trabalhistas, e o subtítulo Candidato tucano participa de

encontro com representantes dos padeiros e das costureiras na sede da Força

Sindical ocupam a extensão da página, seis colunas.

A fotografia de Marcelo Botelho, da agência Obrito News, mostra o

candidato à presidente Geraldo Alckmin com as mãos na cabeça de uma criança,

que sorri, em cima de uma bicicleta, ocupa três colunas e está na vertical. A legenda

explica a foto: O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, ajusta o capuz

de uma criança em S. Paulo. O texto verbal dessa matéria ocupa apenas a primeira

coluna do início ao fim da página. Ao lado da fotografia principal da página, está o

panfleto de campanha de Alckmin, que mostra seu retrato, slogan, número do

partido, nas cores que o representam, amarelo e azul. Logo abaixo da fotografia

principal, há outra fotografia, que abre outra matéria sobre a campanha da candidata

à presidência, Heloísa Helena, que aparece acompanhada de meninos-músicos.

O texto verbal da matéria principal não se refere ao encontro de Alckmim

com crianças, não faz nenhuma referência. O curioso dessa fotografia é que ela foi

produzida por um fotojornalista, procurando o inusitado, o novo, o político em ação.

Se fosse produzida pelos assessores da campanha do político, poder-se-ia afirmar

que se trata de uma fotografia que segue os princípios do marketing político para

apresentar seu candidato de forma positiva para a sociedade. No entanto, apesar de


152

a foto não ser de autoria da assessoria do candidato, ela cumpre o objetivo de

marketing, apresenta um candidato alegre, disposto, atencioso com a criança. O

sorriso do menino cativa, atrai, causa uma descontinuidade na leitura da página: a

seriedade do assunto versus o sorriso do menino e a descontração do candidato.

Todos à vontade. Nesse sentido, o jornal apresenta a relação entre o político e o

outro, como diz Landowski (2004, p. 50),

[...] é sobretudo quando a imagem captura o sujeito em relação com o outro


que ela apresenta um interesse particular do ponto de vista político, ao
menos se admitimos que na raiz de todo comportamento político há, antes
de tudo, uma determinada maneira de experimentar a si mesmo na
presença de outro e, conseqüentemente, de dirigir-se a ele. [...] O outro, o
interlocutor, pode, por exemplo, também ser figurado no interior da imagem,
ou seja, no enunciado fotográfico [...]

É, principalmente, na articulação do título com a fotografia que se observa a

estratégia mais sutil para atingir o leitor. A relação entre a promessa do candidato

em manter as leis trabalhistas apresentada no título dialoga diretamente com o

cuidado do presidente com a criança ao arrumar seu capuz e o sorriso da criança,

inocente e lúdico. O efeito de sentido produzido é que o candidato se preocupa com

o futuro e a criança representa esse futuro para a sociedade como já foi apontado no

início desta pesquisa. Como diz Landowski (2004),

[...] a imprensa dispõe hoje em dia de recursos técnicos que lhe permitem
não apenas nos informar, pela escrita ou pela fala, sobre as „posições‟
políticas que exibem os homens do poder. Graças à fotografia, mesmo a
imprensa „escrita‟ está em condições de captar, além disso, e de nos fazer
sentir diretamente as „posturas‟ – também elas políticas, mas em um nível
mais profundo – que eles adotam corporalmente (p. 52).

Nesse sentido, pode-se dizer que na relação entre a foto-retrato, a do

panfleto de campanha, e a foto-flagrante delito, categorias postuladas por Landowski

(2004), há a representação de dois “momentos” do candidato que se inter-

relacionam, dialogam e formam a expressão do político.


153

CATEGORIA 2 - POLÍTICA

MATÉRIA 8 – Cabral vai hoje a Lula por verbas para Pan e renegociação da dívida
154

FIGURA 27 – MATÉRIA 8

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 31/10/2006


155

FIGURA 28 – FOTOGRAFIA DA MATÉRIA 8

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 31/10/2006


156

MATÉRIA 8 – Cabral vai hoje a Lula por verbas para Pan e renegociação da dívida

A reportagem do jornal Estadão, de 31 de outubro de 2006, trata da reunião

do governador eleito do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, com o presidente da

República, para resolver questões essenciais para sua gestão, como a liberação de

verbas para a realização dos Jogos Pan-Americanos, na cidade do Rio de Janeiro,

em junho de 2007. A fotografia, que abre a página, refere-se à visita do governador

eleito ao Jardim Botânico, onde, segundo o jornal, “deu entrevistas e cumprimentou

eleitores”.

A legenda da fotografia ECONOMIA – Sérgio Cabral ganha beijos de

crianças no Jardim Botânico: governador eleito quer reduzir custeio do Estado pela

metade tenta resumir o conteúdo verbal da matéria. No entanto, a fotografia de

Wilton Junior, da agência Estado, localizada no centro da página, ocupando quatro

colunas, traz pouca informação referente ao conteúdo tratado no texto verbal e

apresenta a contaminação do fotojornalismo pela publicidade74 e as características

do marketing político.

[...] uma parte do fotojornalismo – especialmente os retratos de famosos que


categorizamos como people -, impregnou-se dos procedimentos de
fotogenia da fotografia publicitária a partir de uma aproximação com o estilo
75
claro, limpo e de grande qualidade formal, tradicional na publicidade
(BAEZA, 2001, p. 13).

74
Publicidade é aqui compreendida como comunicação persuasiva, que utiliza técnicas específicas
para influenciar a opinião, o sentimento e a atitude de um determinado público. Segundo o Dicionário
da Comunicação (2001, p. 598), “em geral, não se fala em publicidade com relação à comunicação
persuasiva de idéias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui objetivos ideológicos,
comerciais etc.); a publicidade mostra-se mais abrangente no sentido de divulgação (tornar público,
informar, sem que isso implique necessariamente persuasão)”. Apesar de serem apontadas
diferenças entre propaganda e publicidade, considera-se para esta pesquisa a tendência de as duas
expressões serem utilizadas no mesmo sentido, no Brasil, também apontada no Dicionário da
Comunicação (2001, p. 598).
75
Do original: “[...] una parte del fotoperiodismo – especialmente los retratos de famosos que
categorizamos como people -, se ha impregnado de los procedimientos de fotogenia de la fotografía
publicitaria a partir de un acercamiento al estilo claro, limpio y de gran calidad formal, tradicional en la
publicidad”.
157

Desse modo, o uso de elementos da publicidade tem-se tornado comum nas

fotografias de imprensa, o que, segundo Baeza (2001), tem sido feito sem reflexão,

critérios e preocupação de esclarecer os usos de elementos não pertencentes ao

campo do fotojornalismo para o público, no sentido de elucidar a mensagem. E é

exatamente o que acontece com a fotografia dessa matéria. A primeira impressão

que se tem é que a imagem pertence à categoria da publicidade oficial do

governador. Como diz Sontag (2003, p. 100), “havia uma enorme e insuperável

diferença de aspecto entre os dois tipos de fotografia, a „editorial‟ e a „publicitária‟.

Agora, não existe mais”.

Na fotografia, duas crianças beijam o político. A composição da fotografia

utiliza o grande plano, destacando o governador eleito, no centro da imagem e uma

criança de cada lado de seu rosto, beijando-o. As cores das camisetas das crianças,

amarela e vermelha, dão o tom final para esse caráter híbrido da fotografia, entre o

jornalismo e a publicidade. A fotografia não passa nenhuma informação sobre as

ações do governador eleito, mas chama a atenção do leitor porque as crianças

despertam um sentimento de “pureza” no personagem principal da notícia.

A imagem da criança é utilizada nessa reportagem (e em muitas outras

durante o período das eleições 2006), para despertar a atenção para a reportagem,

por meio da “estratégia de arrebatamento”, definida por Hernandes (2006), que

prevê o uso de emoções e sentimentos, capturando o leitor pela ordem do sensível.

Para manter o leitor interessado na notícia, a fotografia consegue promover a

“projeção do enunciatário” naquele material, fazendo com que ele se envolva

“efetivamente” com o texto verbal, depois de ter sido “atraído e conquistado” pelo

texto não-verbal. Há, também, nesse caso, a possibilidade da recusa do leitor em


158

aderir a esse tipo de estratégia, pela conscientização de seus expedientes, gerando

um efeito contrário ao esperado pelo jornal.

Hernandes (2006, p. 199) afirma que as notícias sobre política “geralmente

produzem paixões empáticas disfóricas, de falta”, o que significa a disjunção76 do

sujeito-objeto. Matérias das editorias de cultura, lazer, entretenimento, esporte

“geram paixões empáticas eufóricas, de esperança”, causando a junção 77 sujeito-

objeto. Nesse sentido, pode-se considerar que a matéria analisada provoca a junção

sujeito-objeto, trazendo euforia e esperança ao leitor, ao contrário das matérias

políticas tradicionais. Além desses aspectos, Landowski (2004) aponta que

[...] enquanto o clichê antropométrico tem olhos, se podemos dizer, apenas


para o corpo que „temos‟ (tamanho, cor dos cabelos, forma dos olhos etc.) o
flagrante delito se interessa pelo corpo que „somos. Dessa forma, temos de
um lado a simples reprodução da fisionomia de um indivíduo reduzido ao
estado de não-sujeito, e, no caso oposto, a imagem de um sujeito. [...]
somente podemos reconhecer um „sujeito‟ na imagem de um indivíduo a
partir do momento em que o vemos entrar em relação com um „objeto‟
qualquer, quer se trate do mundo que o envolve, de um parceiro, ou até, no
limite, simplesmente dele próprio (2004, p. 48-49).

Desse modo, a publicidade “empresta” ao jornalismo suas técnicas,

utilizando a criança para criar uma imagem para o próprio político, de afeto,

esperança e cuidado.

Embora as imagens dessa categoria de matérias não tratem da violência,

elas têm igualmente como pressuposto um conjunto de noções em relação à

criança, que é o de atribuir efeitos patêmico-afetivos ao valor cognitivo da

informação. São convocadas, portanto, a buscar mais a adesão do leitor do que a

“mediação crítica” nas tensões relacionais (CAETANO, 2006).

76
“O termo disjunção é utilizado para denominar os critérios que permitem a introdução do
descontínuo na continuidade sintagmática do discurso. Falar-se-á, assim, de disjunções gráficas,
espaciais, temporais, actoriais, lógicas, tópicas, tímicas, etc.” (GREIMAS; COURTÉS, s.d., p. 130).
77
“Denomina-se junção a relação que une o sujeito ao objeto, isto é, a função constitutiva dos
enunciados de estado” (GREIMAS; COURTÉS, s.d., p. 249).
159

Páginas semelhantes e similares às examinadas nas duas categorias se

repetiram durante o período analisado nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de

S. Paulo. A cada uma poderia ser dada uma leitura, iniciada sempre pela fotografia.

No entanto, o que se pode perceber são as semelhanças de leitura e também o uso

da criança para despertar efeitos passionais no receptor, provocando a leitura e

criando um vínculo emocional com o jornal. Com o intuito de apenas mostrar outros

“exemplos” das categorias analisadas, seguem em anexo algumas imagens também

pertencentes aos grupos examinados nesta pesquisa.


160

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das duas principais funções de relação descritas por Barthes (1990) entre a

mensagem lingüística e a mensagem icônica, investigou-se nesta pesquisa a função

de relais, que prevê uma relação de complementaridade entre a linguagem verbal e

não-verbal. As matérias selecionadas para análise seguiram o critério da

complementaridade, buscando reportagens que não tratassem de temáticas próprias

da infância, mas que utilizassem fotografias de criança, como forma de produção de

sentidos para atrair o leitor nos âmbitos cognitivo e afetivo, pela articulação entre o

verbal e o não-verbal.

A imagem da criança, que inspira nos leitores da sociedade ocidental

pureza, alegria, encanto, ingenuidade, um ser humano ainda em desenvolvimento e

que por isso necessita de cuidados especiais, é muito utilizada nos jornais Folha de

S. Paulo e O Estado de S. Paulo em matérias que não se referem às temáticas

próprias do universo infantil, como violência (de guerra, econômica e urbana) e

política, produzindo efeitos de sentido que evocam, sobretudo, a ordem do sensível

no leitor. Desse modo, é possível afirmar que a representação visual da criança nos

jornais tem como objetivo a utilização da criança como vetor cognitivo e afetivo para

despertar no leitor sentimentos de piedade e terror, assim como sentimento de

esperança e alegria, como se pôde observar nas matérias de política.

De todo o período de observação dos jornais, durante o ano de 2006, no

qual foram selecionadas aproximadamente 500 matérias, foi possível detectar que a

Folha utiliza mais a imagem, desde a fotografia como outros recursos gráficos,

recorrendo com maior intensidade a esse recurso do que o Estadão. Pôde-se

perceber também que a fotografia tem sua qualidade preservada na Folha, devido à
161

impressão e ao papel utilizados, do que talvez derive a sua recorrência no emprego

de imagens. Quanto ao corpus específico concernente à temática da infância,

ambos os jornais fazem o mesmo uso de fotografias de criança, com as diferenças

pertinentes a cada discurso e às especificidades de cada matéria, nas quais é

possível encontrar procedimentos similares nas reportagens dos diários em relação

ao tratamento do tema. No levantamento geral, pôde-se perceber que ambos os

jornais recorrem a diferentes níveis de aproximação, que variam de uma reportagem

para outra. Por exemplo, nas matérias do Estadão e da Folha (Categoria Violência

de Guerra – Matéria 2), que utilizam fotografias similares, percebeu-se que, apesar

de a Folha empregar mecanismos de aproximação com maior recorrência, nesse

caso específico houve a inversão dessa estratégia, sendo a fotografia do Estadão a

que traz maior efeito de presença e de proximidade.

Na primeira categoria analisada, Violência de Guerra, os sentimentos de

piedade e terror são despertados no leitor, por meio de uma construção visual

explícita de violência, expondo as crianças mortas no conflito entre palestinos e

israelenses, assunto que foi recorrente no período analisado. As duas matérias

analisadas referem-se à morte de crianças no conflito no título, no entanto no texto

verbal da matéria principal não há tratamento da questão específica da morte das

crianças e, sim, o registro do fato, relatando como foi o conflito, por que aconteceu e

que providências serão tomadas para não mais acontecer ataques surpresa como o

ocorrido. Os recursos utilizados nas fotografias colocam as crianças em primeiro

plano, mostrando essencialmente seu rosto e as marcas da violência, como o

sangue. Há, também, a presença de adultos e outras crianças vivenciando a

violência sofrida por outra criança, que pode despertar no leitor sentimento de

impotência em relação aos cuidados com a infância. Pôde-se observar que, nos
162

últimos dois anos (2007 e 2008), as fotografias utilizadas para mostrar a violência

urbana trazem a criança de forma mais presente, principalmente nas matérias que

tratam da violência nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Embora

prolifere o recurso às imagens infantis, em âmbito nacional, não se recorre aos

mesmos procedimentos adotados nos casos analisados da categoria Violência de

Guerra. Assim, a representação da criança brasileira afetada pela violência ou

mesmo vítima direta da violência nos jornais analisados não deixa ver o sangue e as

marcas efetivas da agressão à infância, como se negassem o estado de guerra civil

instalado nessas cidades.

Como foi visto na primeira parte desta pesquisa, a partir da queda da taxa de

natalidade, os pais, ou seja, os adultos, são os responsáveis por zelar pela

segurança das crianças. Expandindo essa responsabilidade para a organização

coletiva (a sociedade), qualquer pessoa, ao ler o jornal, seja ele pai, mãe ou não, se

sentirá também responsável e penalizado ao ver uma criança que foi morta em um

conflito de guerra. Nessas matérias, a imagem da criança estabelece uma relação

entre o leitor e o jornal, pautada pelo regime do sensível, com base no pressuposto

dos direitos da infância e dos cuidados especiais a ela requeridos. Desse modo, a

fotografia nessas matérias tem como objetivo estabelecer um vínculo emocional com

o jornal, conquistando a atenção do leitor, e exerce, em menor escala, a função de

acréscimo de informação, sobretudo porque valoriza o choque da morte e das

marcas da violência em corpos indefesos para despertar a sua atenção.

Nas fotografias utilizadas na categoria Violência Econômica, foram

observadas duas estratégias distintas de construção visual: a primeira está mais

ligada à estética, à ordem dos elementos, ao valor do preto-e-branco para a

fotografia documental; a segunda tem seu principal aspecto ligado à memória das
163

pessoas sobre os países considerados pobres. Na primeira, a composição busca a

beleza, a disposição dos elementos da fotografia de maneira organizada que

resultem em uma visão estética, valorizada dos personagens em questão, mesmo

que se refira a uma realidade de pobreza e miséria. Na segunda, os estereótipos é

que são evocados pela imagem. É a reatualização da imagem já vista, publicada

inúmeras vezes em jornais, revistas e veiculada na televisão. Mesmo sem conhecer

pessoalmente países considerados pobres, como a África, o leitor tem, em seu

imaginário, a representação visual do povo africano, suas crianças e seus

sofrimentos, sobretudo pela veiculação, com bastante freqüência, da fome e das

dificuldades enfrentadas pelo povo africano da Somália e da Etiópia, entre as

décadas de 1980 e 1990, por meio de fotografias publicadas em jornais e revistas e

de imagens veiculadas pela televisão. Apesar de as estratégias utilizadas nessa

categoria serem distintas das utilizadas na categoria Violência de Guerra, há um

elemento em comum: em primeiro plano está a criança. Mais do que isso, é o rosto,

a expressão, o olhar da criança que determina o percurso da leitura, despertando a

afetividade.

A categoria Violência Urbana mostra em suas imagens o risco iminente ao

qual as crianças estão expostas, diante da falta de controle do Estado no que diz

respeito à segurança pública no Brasil. As matérias selecionadas referem-se aos

ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital em São Paulo e

demonstram o uso da força armada nas ruas para garantir a segurança da

população. A primeira imagem tem uma forte relação com o título da chamada de

capa, que produz o efeito de sentido de insegurança, sobretudo para as crianças. Na

segunda imagem, a relação entre o verbal e o não-verbal não apresenta a mesma

força de produção de sentido, mas a criança aparece agarrada ao pescoço de um


164

adulto, que se supõe seu pai, que é a quem a criança recorre diante da imagem do

homem encapuzado e armado. As duas matérias usam imagens em que o centro

está na força policial armada, mas as crianças, que figuram como elementos

secundários, é que ajudam a construir a “estratégia de arrebatamento”, apontada por

Hernandes (2006), buscando atingir no leitor a ordem do sensível. É importante

ressaltar que as matérias demonstram a guerra urbana sem sangue, sem violência

explícita, diferentemente da maneira como a violência contra a criança é

demonstrada na categoria Violência de Guerra, no entanto, constroem, a partir da

representação visual da criança, a situação de insegurança e o questionamento de

como essa situação se refletirá no futuro de quem ainda é muito pequeno e indefeso

para se cuidar sozinho. Como diz Sontag (2003, p. 72), “As fotos traçam rotas de

referência e servem como totens de causas: um sentimento tem mais chance de se

cristalizar em torno de uma foto do que um lema verbal”.

A criança como elemento de esperança está presente na categoria Política.

Ao contrário das outras categorias, a criança na categoria Política é utilizada como

um recurso imagético para traçar o paralelo entre os futuros governantes e o futuro

das crianças. Nessas matérias, as crianças aparecem sorrindo, felizes, em ação

integrada com o político, mas as imagens não têm relação com o texto verbal das

matérias, que relatam o que, onde, quando e como os candidatos estão realizando

suas campanhas. A segunda fotografia analisada nessa categoria apresenta uma

imagem com características de publicidade, que poderia ser utilizada diretamente

pela publicidade oficial do candidato em sua campanha. O uso no fotojornalismo de

recursos da fotografia publicitária, categorias que têm objetivos diferentes, leva à

indagação, com Landowski (2002), se não haveria uma publicização generalizada

estendendo-se por todas as manifestações midiáticas. O hibridismo presente nessa


165

fotografia apresenta um problema contemporâneo do jornalismo, que a cada dia usa

mais os elementos pertencentes à técnica da publicidade sem explicitar esse uso,

causando o efeito de sentido próprio desse campo da comunicação.

As possibilidades de construção visual são inúmeras, dadas pelas

características dos acontecimentos que se transformam em notícia e pelas técnicas

do fotojornalismo. No entanto, a utilização da criança em todas as matérias

analisadas e observadas durante esta pesquisa demonstram que a representação

visual da criança em matérias que não tratam de temáticas específicas da infância

traz ao leitor o conceito de infância estabelecido pela sociedade ocidental, buscando

alcançar a ordem do sensível, por meio do estabelecimento da afetividade.

Para além dessas questões específicas na forma de tratamento que já foram

trazidas nas análises de cada eixo temático, há uma dinâmica relacional com o leitor

que sobredetermina todas elas, que ora se pauta pela dominância da “mediação

crítica” de caráter cognitivo, como nos casos em que se recorre à ironia, ora pela

emergência da “imediatez afetiva”, como nos casos das fotografias de violência

explícita (CAETANO, 2006).

O artista de rua inglês, conhecido como Banksy, tem uma ilustração na qual

faz crítica ao modo como a mídia, de maneira geral, trata o sofrimento da criança em

situações de violência, especialmente nos conflitos bélicos.


166

FIGURA 29 – A MÍDIA POR BANKSY

FONTE: <http://www.banksy.co.uk/indoors/media.html>

No entanto, seria ingênuo afirmar que a mídia só utiliza a criança para atrair

o leitor, usando-a deliberadamente para atingir seus interesses econômicos, pois o

fotógrafo, o repórter e o editor, por exemplo, também são pessoas de seu tempo e

deixam refletir, nas escolhas e ações que efetuam, os seus próprios valores diante

dos fatos que testemunham e representam. Expõem, portanto, uma concepção da

infância partilhada pela sociedade em que vivem, assim como as paixões

desencadeadas pelo seu desrespeito nas relações sociais, pois, como dizem

Caetano e Lemos (2007, p. 6-7), “o fotógrafo se coloca sempre como alguém que
167

quer ver (...), ainda que seja para expor aquilo que normalmente não se vê ou que

não quer ser visto”.

A mídia não faz nada mais do que exponencializar tal sistema de valores

relacionado ao mundo da criança, seja pelo tratamento consciente de sua imagem,

visando a efeitos de sentido negativos ou positivos; seja como testemunha

indignada, também ela passionalizada, dos absurdos da realidade que registra,

tomando as ações com (ou cometidas contra) a criança como fenômenos extremos.

Trabalham, dessa maneira, com o paradoxo entre os pressupostos convocados pelo

imaginário a respeito do mundo infantil e a sua representação em imagens visuais,

destinadas a informar o contrário na descrição dos fatos recorrentes da

cotidianidade. Num e noutro caso, assiste-se ao uso da representação infantil no

eixo de um fenômeno escalar em que a criança representaria o último ponto de

infração contra o respeito e o gesto humanitário: por isso, tornam-se uma espécie de

vetores da força dramática de um discurso.


168

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177

ANEXO A – CATEGORIA VIOLÊNCIA DE GUERRA


178

CATEGORIA VIOLÊNCIA DE GUERRA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 10/11/2006

CATEGORIA VIOLÊNCIA DE GUERRA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 12/12/2006


179

CATEGORIA VIOLÊNCIA DE GUERRA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 14/06/2006

CATEGORIA VIOLÊNCIA DE GUERRA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 27/07/2006


180

ANEXO B – CATEGORIA VIOLÊNCIA ECONÔMICA


181

CATEGORIA VIOLÊNCIA ECONÔMICA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 10/05/2006

CATEGORIA VIOLÊNCIA ECONÔMICA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 09/05/2006


182

CATEGORIA VIOLÊNCIA ECONÔMICA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 01/12/2006

CATEGORIA VIOLÊNCIA ECONÔMICA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 01/12/2006


183

ANEXO C – CATEGORIA VIOLÊNCIA URBANA


184

CATEGORIA VIOLÊNCIA URBANA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 20/10/2006

CATEGORIA VIOLÊNCIA URBANA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 08/06/2006


185

CATEGORIA VIOLÊNCIA URBANA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 04/10/2006

CATEGORIA VIOLÊNCIA URBANA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 17/11/2006


186

ANEXO D – CATEGORIA POLÍTICA


187

CATEGORIA POLÍTICA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 02/10/2006

CATEGORIA POLÍTICA

FONTE: Jornal Folha de S. Paulo, de 27/10/2006


188

CATEGORIA POLÍTICA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 29/09/2006

CATEGORIA POLÍTICA

FONTE: Jornal O Estado de S. Paulo, de 29/09/2006

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