Resumo: Este artigo tem como proposta discorrer sobre o uso de chip em humanos e discutir
se há adequação constitucional ao possível fundamento jurídico constitucional
utilizado para a resolução de demandas daí decorrentes a partir do aporte teórico da
Crítica Hermenêutica do Direito (CHD) acerca dos (pan)princípios constitucionais
de Lenio Luiz Streck.
Abstract: This article aims to discuss the use of the chip in humans and to discuss whether
there is constitutional adequacy to the possible constitutional legal basis used to solve
the demands arising from the theoretical contribution of the Critical Hermeneutics of
Law (CHD) constitutional principles of Lenio Luiz Streck.
Introdução
O presente artigo tem como eixo central a chipagem humana, sua difusão mundial
e a ausência de pesquisas acerca dos riscos à saúde de seus usuários. Já no plano jurídico, o
controle estatal de seu uso, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos e, por outro lado, a
falta desse controle no Brasil.
A primeira parte serve para trazer um breve histórico de casos concretos de uso
de bioships humanos e as finalidades de seu uso.
A segunda serve para analisar os conceitos de direitos humanos e de direitos
fundamentais, enquanto faces da mesma moeda, em diferentes âmbitos (internacional e
nacional) à luz dos pensamentos de Ingo Wolfgang Sarlet, Fábio Konder Comparato, Norberto
Bobbio e de Cançado Trindade.
1
O presente artigo é apresentado como trabalho de conclusão da disciplina Hermenêutica Jurídica e Direitos
Humanos do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Petrópolis – UCP/RJ ministrada pelo Prof. Dr.
Thiago Rodrigues Pereira.
2
Mestranda em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP; Especialista em Direito Civil e Processo
Civil pela Universidade Estácio de Sá - UNESA/RJ.
2
3
Disponível em: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=SaladeImprensa&acao=crm_midia&id=705. Acesso em:
05/05/2018.
4
Acessórios de uso pessoal (óculos, relógio e afins) com sensores de coleta de dados da frequência cardíaca, nível
de calorias consumidas e outras funcionalidades.
5
Circuito eletrônico com a dimensão de um grão de arroz e envolto em uma cápsula de vidro cirúrgico para
implantação em seres humanos.
3
segundo a matéria, sinalizariam parâmetros biológicos sobre a saúde do seu portador, incluindo
“detecção do trânsito de células cancerígenas ou sinais de um infarto iminente”.
Consta, também a informação de que, nos Estados Unidos, a fabricante de
biochips Veriteq Corp já está autorizada pela FDA U.S. Food & Drug Administration6 para
vender três modelos de circuitos, permitindo o acesso ao protocolo médico do usuário, o
armazenamento e controle de dados de implantes e o monitoramento de dosagem de radiação
recebida durante sessão de radioterapia:
O primeiro é o Unique Device Identification (UDI), que possui apenas
um número de identificação que pode ser "lido" por um gadget externo:
esse código dá acesso a um banco de dados onde está armazenado o
protocolo médico do usuário. O segundo modelo é um chip implantado
junto a próteses mamárias, cateteres vasculares e articulações artificiais.
O equipamento armazena o número de série e lote dos implantes, dados
importantíssimos em caso de recall ou quando a FDA identifica alguma
falha nos produtos. Por fim, entre os projetos mais avançados da
empresa, está um biochip que monitora a dosagem de radiação recebida
por uma pessoa durante tratamentos de radioterapia. Ele evita que
pacientes sofram overdose de radiação durante o tratamento de câncer
de mama e de próstata.
6
Órgão vinculado ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
7
Formado em Medicina em 1978 com Doutorado e livre Docência em Otorrinolaringologia pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Professor titular do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia
da FMUSP. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787210J6. Acesso em:
05/05/2018.
8
Consulta feita em https://veja.abril.com.br/tecnologia/biochip-voce-ainda-vai-usar-um/. Acesso em 05/05//2018.
4
Assim sendo, os biochips foram retirados e a empresa pretende encontrar outra forma de
aumentar a intensidade do sinal sem causar rejeição", diz Chilelli.
Outro caso que merece destaque é o do americano Amal Graafstra, de 38 anos,
sendo apontado como pioneiro no uso bioshi em substituição ao uso das chaves do carro e de
casa.
Em entrevista concedida à Dell Tecnologias do Futuro9, o americano Graasftra
informou que vende os dispositivos por meio da virtual Dangerous Things e afirma que cerca
de 8.000 pessoas no mundo utilizam os tipos de biochips. Já no Brasil, teria vendido cerca de
20 ou 30 unidades, mas que estava trabalhando com algumas pessoas para distribuir o produto
no país.
Dentre os adquirentes brasileiros, destaca-se o profissional de segurança da
informação, Raphael Bastos por ter sido o primeiro a implantar o dispositivo, em 03/05/2014,
no estúdio Old Lines Tattoo Shop, localizado em Belo Horizonte/MG10, após conhecer os
bioships da Dangerous Things na “Area 31” 11. A partir de então, ele destrava computadores,
passa por catracas, destranca portas e liga o carro apenas encostando sua mão esquerda em um
leitor.
E as relações de trabalho também foram afetadas por essa nova tecnologia,
conforme notícia de que os funcionários do Epicenter12 entram nos escritórios por meio de
microchips implantados sob a pele, além de acessarem os elevadores e utilizarem máquinas de
café e copiadoras, sendo identificados no momento de cada ação.
Do que consta até aqui, vê-se que o uso de biochips tem sido difundido pelo
mundo e com diversos propósitos e, por conta, disso, os pedidos de registros crescem no
mercado norteamericano, segundo confirmação da FDA U.S. Food & Drug Administration.
Destaque-se que, no Brasil, ainda não há registro de nenhum bioship para uso
humano junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)13, sendo que, embora seja
reconhecido o potencial da tecnologia para a Medicina, o tema causa controvérsia na sociedade
9
Consulta feita em http://delltecnologiasdofuturo.ig.com.br/para-empresa/amal-graafstra-um-passo-alem-de-
darwin/. Acesso em 05/05/2018.
10
Consulta feita na Revista Eletrônica H2HC – Hackers to Hackers Conferece, edição 7 de maio 2014. Disponível
em https://www.h2hc.com.br/revista/RevistaH2HC_7.pdf. Acesso em 05/05/2018.
11
hacker space instalado, no ano de 2013,l na Casa do Estudante da Universidade Federal de Minas Gerias
(UFMG).
12
Complexo de escritórios da área de alta tecnologia localizado em Estocolmo, na Suécia. Disponível em:
https://www.cnbc.com/2017/04/03/start-up-epicenter-implants-employees-with-microchips.html. Acesso em:
05/05/2018.
13
Consulta feita em http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/banco-de-
dados-traz-informacoes-de-produtos-para-saude/219201. Acesso em 05/05/2018.
5
médica, pois, conforme aponta o Dr. Mauro Gomes Aranha de Lima14 , é permitido aos médicos
implantarem tais “dispositivos desde que sua eficácia esteja demonstrada pela literatura médica.
Antes de fazer o implante, é preciso consultar a comissão de ética do hospital ou o Conselho
Regional de Medicina", afirma.
Vê-se até aqui que, uma vez que o uso de tal implante para fins médicos não é
controlado pela ANVISA, tal controle tem ficado ao cargo dos Conselhos Regionais de
Medicina que, indiscutivelmente, têm – e terão – um grande e importante papel no
acompanhamento dos resultados de pesquisas quanto às reações adversas oriundas do uso destes
bioships.
Entretanto, indaga-se: a quem caberá a fiscalização desses implantes com
finalidades diversas das vistas acima (controle de funcionários, segurança de clientes, dispensa
de uso de chaves, acionamento de equipamentos eletrônicos) e que são realizados por
profissionais estranhos à Medicina?
E como resolver se os empregadores impuserem o seu uso aos empregados sob
pena de demissão, já que até o momento somente tem-se notícia de que a implantação foi feita
com a concordância dos usuários do biochip?
E quanto à privacidade, o biochip seria passível de rastreamento ou os dados nele
armazenados poderiam ser acessados pelos empregadores sem o consentimento dos
empregados?
Outro importante questionamento é saber se esta tecnologia acarretará danos à
saúde dos seus usuários.
Perguntas como essas, bem como outras que, porventura, surgirão ao longo do
tempo soam como desafio para a sociedade mundial no século XXI, visto tratar-se de tema
complexo e divergente por envolver direitos no plano internacional/externo (direitos humanos)
e nacional/interno de um país (direitos fundamentais), merecendo, portanto, algumas
considerações, o que passamos a expor.
14
Ex-Presidente e atual Coordenador do Departamento Jurídico do Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo (Cremesp). Disponível em: https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Diretoria. Acesso em 05/05/2018.
6
da Corte Internacional de Justiça15, bem como serviram de modelo inseridos nas Constituições
nacionais de muitos Estados para a proteção de Direitos Fundamentais (CANÇADO
TRINDADE, 2003).
Para Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos fundamentais são, portanto,
todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto
de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e
importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto
da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos
poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por
seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à
Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal.
15
A Corte Internacional de Justiça foi estabelecida pela Carta das Nações Unidas como o principal órgão judiciário
das Nações Unidas, sendo constituída por juízes independentes e eleitos sem atenção à sua nacionalidade, dentre
pessoas que gozem de alta consideração moral e possuam as condições exigidas em seus respectivos países para o
desempenho das mais altas funções judiciárias ou que sejam jurisconsultos de reconhecida competência em direito
internacional, conforme dispõem os artigos 1º e 2º do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
16
Projeto de Lei de autoria do Deputado Federal Missionário José Olimpio (PP-SP) e que encontra-se
“Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)”,. Consulta feita
em http://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/resultadoPesquisa?tipoproposicao=PL+-
+Projeto+de+Lei&data=27%2F05%2F2018&page=false&emtramitacao=Todas&numero=7561&ano=2014.
Acesso em 15/05/2018.
8
17
Projeto de Lei substitutivo de autoria do Deputado Federal Roberto Lucena (PV-SP). Consulta feita em
http://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/resultadoPesquisa?tipoproposicao=PL+-
+Projeto+de+Lei&data=27%2F05%2F2018&page=false&emtramitacao=Todas&numero=6489&ano=2016.
Acesso em 15/05/2018.
18
Consulta feita em http://www2.camarasantabarbara.sp.gov.br/Sino.Siave/Documentos/Documento/83640.
Acesso em 15/05/2018.
19
ADI proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo cuja petição inicial encontra-se disponível em
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Controle_Constitucionalidade/Adins_PGJ_Iniciai
s2016/3E8A6234118EE6D0E050A8C0DE0104B4. Acesso em 15/05/2018.
9
Federal que, por sua vez, também não trata expressamente da matéria, o que permitirá que ele
se valha de discricionariedade para a resolução das demandas daí advindas.
Diante disso, Lenio Luiz Streck (2011, pág. 43) critica que, em razão da
discricionariedade no Brasil, o imaginário dos juristas vê um infindável terreno para o exercício
da subjetividade do intérprete em qualquer espaço de sentido (vaguezas, ambiguidades,
cláusulas ´abertas´ etc.), ressaltando o protagonismo estratégico do Supremo Tribunal Federal
no sistema político brasileiro (op. cit., pág. 589)
O STF assume o importante protagonismo estratégico no sistema político brasileiro. A
recente atuação dos tribunais no cenário político nacional determinou uma profunda
alteração nos cálculos elaborados pelos diferentes atores políticos, institucionais ou não,
para o arranjo, composição e consecução de seus objetivos, seja no tocante à adoção de
políticas públicas, seja em relação à modificação das regras do jogo democrático. (...)
Semelhante afirmação também é válida para a atuação do Poder Legislativo diante da
eficácia expansionista dos direitos fundamentais apregoada e legitimada por um
pretenso neoconstitucionalismo como a doutrina qualifica.
Prossegue firmando que tal tese mostra-se problemática, vez que é fundada nas
vaguezas e ambiguidades em uma razão prática do sujeito epistemológico da modernidade, mas
prisioneira do solipsismo20.
Diante disso, o autor propõe - e defende como a adequada - a “tese da
descontinuidade” pela qual se entende que os princípios constitucionais instituem o mundo
prático no direito, gerando para o juiz o dever de decidir de forma correta, dever este correlato
ao direito fundamental de resposta correta defendida pelo autor por serem “vivenciados
(´faticizados´) por aqueles que participam da comunidade política e que determinam a formação
comum de uma sociedade. É exatamente por esse motivo que tais princípios são elevados ao
status da constitucionalidade”, sendo “a Constituição considerada materialmente legítima
justamente porque fez constar em seu texto toda uma carga principiológica que já se
manifestava praticamente no seio de nossa comum-unidade”, e não porque a Constituição os
constituiu como princípios, conclui o autor.
Acrescenta que a perspectiva de publicização e de conteúdo deontológico dada
aos princípios por meio da “tese da descontinuidade” é crucial, na medida em que servem como
“remédio eficaz para este patológico déficit democrático que assola o positivismo
discricionário”, não se admitindo que os princípios (constitucionais) emergentes da tradição do
constitucionalismo do segundo pós-guerra sejam aplicados como continuidade da tradição
privativista e axiológica dos princípios gerais do direito.
Em suma, a tese da continuidade propõe a relação sujeito-objeto e a resolução
metódica dos conflitos simples (easy case) pela subsunção, ou seja, a aplicação mecânica da lei
pelo “sujeito encarregado de fazer essa operação mental entre a subjetividade e a coisa”. Os
casos difíceis (hard cases), por sua vez, são resolvidos com o uso da ponderação de valores,
permitindo, assim, ao juiz escolher um dos princípios que ele mesmo elege prima facie, o que
gera arbitrariedades ao propiciar interpretações ad hoc, discricionárias devido à inexistência de
um Grundmethod que sirva como “fundamento último” tal como a Grundnorm (Norma
Fundamental) afirmada por Kelsen, segundo o autor (pág. 239 e 282).
20
Segundo o autor, a tese da “continuidade” trata “de forma equivocada o problema do non liquet, ao colocar o
dever do pronunciamento judicial como uma autorização para o juiz decidir como melhor lhe aprouver”.O
solipsismo decorre da filosofia da consciência que conferiu ao sujeito cognitivo uma posição central com respeito
à natureza e ao objeto (assim, o direito não seria cognoscível se o sujeito/intérprete que “conhece” não dispusesse
de “títulos”, faculdades e intuições a priori, capacidades de dar espaço e tempo às coisas, além de organizar a
experiência segundo categorias do intelecto).
.
11
21
Em seu artigo “Da Epistemologia da Interpretação à Ontologia da Compreensão: Gadamer e a tradição como
background para o engajamento no mundo (ou: uma crítica ao juiz solipsista tupiniquim)” e utilizando-se de tese
gadameriana (cujo elemento mais fundamental de seu projeto filosófico é retirado da obra heideggeriana), Lênio
Streck também explica que trata-se de “círculo que vai do texto ao intérprete e regressa novamente ao texto para
encontrar em cada movimento circular um elemento que enriquece a interpretação, até alcançar uma fusão de
horizontes, na qual o intérprete assimila o conteúdo do texto, fazendo-o parte de si mesmo, mas sem fazer com
que o texto perca sua própria autonomia; é dizer, o homem interpreta o texto a partir de sua própria história, tempo,
cultura, circunstância, a partir de seu horizonte, para trazer até ele o essencial do horizonte do texto”. Em Gadamer,
não é possível a cisão entre a tradição e a razão. Tudo aquilo que é definido como racional, é sempre definido
dentro dos padrões da tradição.
12
22
O autor relata um caso concreto de dois indivíduos que invadiram uma casa e dali subtraíram – à vista dos
moradores – alguns objetos, parte deles avaliados em cerca de R$ 100,00 (um dos objetos, um aspirador de pó,
não foi avaliado). Foram presos em flagrante e denunciados por tentativa de furto qualificado, havendo rejeição
da denúncia por juíza de direito com “fundamento” de o fato ser insignificante cuja decisão fez menção a um
“precedente” (utilizado como super-regra): uma empregada doméstica foi acusada de furtar, da residência em que
trabalhava, uma oração de Santo Expedito e dois porta-retratos, avaliados em R$ 56,00. A críica do autor está no
fato de terem sido desconsideradas as especificidades: subtração não ter se dado do mesmo modo, tendo sido
perpetrada por apenas uma pessoa, além de que o prejuízo não foi relevante, até pela comparação do patrimônio
das vítimas. O autor aponta também esta mesma postura pelo STJ nos autos do HC n. 39.847-RJ.
23
Nesse momento, Lênio Streck se refere às teorias pós-positivistas de Alexy (de matriz analítica), de Habermas
(de cunho discursivo-comunicacional), de Friedrich Muller (de matriz estruturante) e de Ronald Dworkin e Arthur
Kaufmann (de matriz hermenêutico-fenomenológica).
24
O autor reafirma que, no contexto do pós-positivismo, do constitucionalismo contemporâneo e da democracia,
o direito possui um elevado grau de autonomia. Isso significa que questões políticas e morais devem ser debatidas
à saciedade nos meios políticos de decisão e que – no âmbito (autônomo) do direito – só se podem desconsiderar
as decisões políticas tomadas em contraste com o sistema de garantias construído pela CFRB de 1988. Ou seja,
este é o plus do Estado Democrático de Direito: a diminuição do espaço de discricionariedade da política pela
Constituição fortalece materialmente os limites entre direito, política e moral. Ressalta a importância de Canotilho
e de seu trabalho sobre a Constituição dirigente ao chamar a atenção para a necessidade de pôr um freio na (antiga)
13
25
Denominação dada pelo autor ao fenômeno muito peculiar à realidade brasileira. Em linhas gerais, o
panprincipiologismo é um subproduto do constitucionalismo contemporâneo que, a pretexto de aplicar princípios
constitucionais, faz com que haja uma proliferação descontrolada de enunciados para resolver determinados
problemas concretos, muitas vezes ao alvedrio da própria legalidade constitucional.
15
5) garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da Constituição e
que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente
adequada (substituir qualquer pretensão solipsista pelas condições histórico-
concretas, sempre lembrando, nesse contexto, a questão da tradição, da coerência e da
integridade, para bem poder inserir a problemática na superação do esquema sujeito-
objeto pela hermenêutica jurídica) – (grifo no original).
26
O autor relata como “Caso 1: A presunção da inocência como blindagem contra argumentos voluntaristas-
axiologistas” o julgamento da ADPF n. 144, que tratava das condições para que um candidato possa ser elegível,
é um interessante exemplo de resposta correta. Com efeito, a pretensão da ADPF proposta pela AMB (Associação
dos Magistrados do Brasil) era de que fossem levados em conta os antecedentes para a aferição dos critérios de
(in)elegibilidade dos candidatos às próximas eleições municipais. Isto é, candidatos com condenações, mesmo que
não transitadas em julgado, ou com processos por improbidade em curso, por terem “ficha suja”, não poderiam
receber o “sinal verde” da justiça eleitoral. Por maioria de votos, o STF decidiu que o princípio da presunção da
inocência não dava azo a outra interpretação que não a de que o critério final era, efetivamente, o trânsito em
julgado de sentença condenatória. Conclui o autor que, não obstante os argumentos de política (e de moral)
utilizados pela Associação dos Magistrados Brasileiros, com apoio na expressiva maioria da imprensa, o STF
esgrimiu decisão contrária, exatamente com fundamento em argumentos de princípio (presunção da inocência).
27
O “CASO 4: A produção antecipada de prova e o indevido protagonismo judicial.” trata do HC nº 93.157,
23.09.2008 em que se alegava falta de demonstração da urgência na produção antecipada de prova testemunhal
de acusação, decretada nos termos do art. 366136 do Código de Processo Penal, ante a revelia do paciente/réu. O
STF deixou assentado que a determinação de produção antecipada de prova está ao alvedrio do juiz, que pode
ordenar a sua realização se considerar existentes condições urgentes para que isso ocorra. O Min. Ricardo
Lewandowski votou vencido, concedendo a ordem, porque vislumbrou ofensa ao dever de fundamentar as decisões
judiciais e às garantias do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a decisão que determinou a produção de
prova esteve “fundamentada” tão somente no fato de o paciente não ter sido localizado (nas palavras do Ministro,
“a decisão fora determinada de modo automático”)
28
Este artigo e inciso têm a seguinte redação: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] IX todos os julgamentos
dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo
a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos
nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação; [...]”
..
16
À guisa da análise pormenorizada dos julgados acima, pode-se afirmar que todos
têm como “pano de fundo” o “princípio da precaução” ao qual Lenio Luiz Streck afirma não
passar de “argumentação retórica” por abuso principiológico vivenciado em terrae brasilis
porque ele
tem sido utilizado pelos tribunais para expressar a ameaça da tomada de decisões que
possam provocar danos graves ou irreversíveis sem a comprovação científica absoluta
das suas consequências. Sinteticamente, pelo princípio da precaução, se exigiria a
precaução na tomada de decisões! Nada mais, nada menos que a institucionalização
de uma tautologia jurídica. Mas por que a “precaução” – que poderíamos derivar da
velha prudência – seria um “princípio”? A menos que se entenda, efetivamente, que
os princípios não são normas. Se os princípios são apenas “valores” ou “mandados de
otimização”, como querem, por exemplo, as teorias argumentativas, então, sim, tem
sentido apostar em um catálogo infinito de slogans e standards aptos a servir de
18
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
adequação, já que, embora tratado como princípio, não passa de “argumentação retórica” por
abuso principiológico vivenciado em terrae brasilis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4066 / DF, da relatoria da Min. Rosa
Weber, julgado em 24/08/2017, Plenário, DJE de 07/03/2018.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4066 / DF, da relatoria da Min. Rosa
Weber, julgado em 24/08/2017, Plenário, DJE de 07/03/2018.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF 101 / DF, da relatoria da Min. Cármen
Lúcia , julgado em 24/06/2009, Plenário, DJE de 04/06/2012.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. São Paulo: Campos, 2014. p. 16.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação história dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 224.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2006.