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INTRODUÇÃO

A relação entre Direito e Estado é um tema que incita estudos na Teoria Geral do
Direito e Teoria Geral do Estado. Essas ciências procuram, de forma sistemática,
estudar como o Estado se forma, quais seus objectivos, e como ele se relaciona ao
Direito na busca do bem comum. Por isso, partiu-se das elucubrações das mencionadas
ciências para alcançar os resultados a que se propõe este trabalho, quais sejam, de
demonstrar a maneira como o Estado se correlaciona com o Direito, e como ambos
controlam a vida das pessoas no seio social. Assim, considerou-se o Estado de Direito
nesta pesquisa, porquanto este tipo de Estado representa claramente a relação entre
Estado e Direito, pois no Estado de Direito a lei impera, assim como a lei é elaborada
pelo Estado, portanto há interpenetração entre o Estado e o Direito.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO

O termo Estado no sentido de sociedade política (sociedade de fins gerais) é de


uso relativamente recente, embora sua configuração seja anterior ao aparecimento da
Teoria Geral do Estado.

Sob o prisma etimológico, ensina Menezes que:

A palavra Estado, derivada do latim status, surgiu na Renascença, com o


significado em que hoje a utilizamos, assim isolada e no sentido de nomear, sob feição
gramatical, alguma coisa em substância. É, portanto, um substantivo masculino, cuja
expressão técnica, no vocabulário científico [...] deve-se a Nicolau Maquiavel (1469-
1527).
A ideia de Estado se desenvolve desde a antiguidade, partindo da Grécia e de
Roma, perpassando pela Idade Média, depois pela Idade Moderna, para enfim chegar à
Idade Contemporânea. Os gregos denominavam ao Estado polis, que significa cidade.
Isso se deve ao fato de a Grécia se dividir em cidades com governo (primeiramente
aristocrático, depois democrático) e recursos próprios, de modo tal que essas cidades se
autodenominavam de Cidades-Estado. Embora esse fenómeno tenha ocorrido na Grécia,
todas as cidades-estado gregas como Atenas, Esparta, Tebas, etc., mesmo que
independentes, não deixavam de se referirem a uma comunidade (to koinòn), que era a
Grécia como o todo. Em Roma, o Estado era a civitas, a comunidade geral. Era o
conjunto de cidadãos romanos. Vivia-se, de início, em uma democracia, onde o povo
participava das decisões políticas, entretanto, a parcela de pessoas que compreendiam o
povo era muito pequena, pois somente os cidadãos romanos eram considerados de tal
modo, e isso excluía as mulheres e os estrangeiros. Na Idade Medieval, o Estado era
enxergado a partir da ideia de império ou reino, isto é, uma unidade política com uma
porção territorial sob os comandos de um imperador ou rei. “A própria Igreja vai
estimular a afirmação do Império como unidade política”[7] Contudo, a organização
político-jurídica da época era fragmentada em territórios soberanos chamados de
feudos, cujo governo era realizado pelo Senhor Feudal. Isso causava problemas ao
Império como uma infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida;
uma incontável multiplicidade de ordens jurídicas, compreendendo a ordem imperial, a
ordem eclesiástica, o direito das monarquias inferiores, um direito comunal que se
desenvolveu extraordinariamente, as ordenações dos feudos e as regras estabelecidas no
fim da Idade Média pelas corporações de ofícios.
Pode-se deduzir que, em decorrência deste quadro de instabilidade política,
jurídica e social, a necessidade de ordem e autoridade se avultou, de tal modo que foi o
germe para o surgimento do Estado Moderno.
Na Idade Moderna, o Estado se avulta da necessidade de estabelecimento de um
poder forte e uno. Nesse contexto, Tomas Hobbes, em seu livro “O Leviatã”, defende a
ideia de que o Estado, derivado de um contrato social, deve ser o gigante soberano e
absoluto incumbido de garantir a ordem e a paz, já que o homem em estado de natureza
é mau. Essa concepção justificava a irresponsabilidade do imperador ao agir do modo
como bem entendesse, chegando ao ponto de reis e imperadores afirmarem ser o próprio
Estado, redundando em muita injustiça social, pois o reino só privilegiava os nobres e
os clérigos. Era o que se chamava de absolutismo.
Como forma de combater o absolutismo, os burgueses criaram a ideia de Estado
como mal necessário à segurança interna, não podendo intervir nas relações económicas
(liberalismo).

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Mais tarde, o viés da ideia de Estado mudou. O Estado puramente liberal gerou
crises, com destaque na crise económica de 29. Esta gerou terreno propício ao
aparecimento de Estados intervencionistas, autoritários e totalitários, como o Estado
nazista alemão, o Estado fascista italiano e a União Soviética stalinista, que se
mostraram prejudiciais para a humanidade.
Por derradeiro, surge a concepção de Estado hodierno no final do século XX,
como o assegurador da ordem social, bem como do bem-estar social, sempre visando o
bem comum, podendo intervir na economia quando necessário, inobstante, sem
extrapolar os limites da liberdade individual, que não deve ser preterida, mesmo no
Estado Providência.

CONCEPÇÃO DE ESTADO

A conceituação de Estado é objecto de diversas discussões doutrinárias, de tal


modo que se é impossível encontrar um conceito absoluto a respeito, pois o politicólogo
e o jurista não se encontram isentos de subjectividade quando conceituam ou definem o
Estado, resultando em variadas interpretações e divergências. De qualquer forma, o
presente estudo procurará esclarecer, da melhor forma possível, a ideia de Estado.
É comum definir categoricamente o Estado como sendo a “nação politicamente
organizada”. Contudo, esta definição, já obsoleta, possui falhas evidentes. O conceito de
Estado não pode ser confundido com o de nação (que será analisado mais a diante). No
mesmo contexto, a expressão “politicamente organizada” não possui rigor científico,
bem como exclui o aspecto jurídico do Estado.
O Estado pode ser conceituado sob o prisma político e jurídico. Este
compreendendo as teorias que dão relevo ao elemento jurídico do Estado, asseverando
que todos os demais possuem existência independente fora do Estado. O outro dá
primazia ao elemento força do Estado não se excluindo o aspecto jurídico, mas o Estado
é enxergado, acima de tudo, “como força que se põe a si própria e que, por suas próprias
virtudes, busca a disciplina jurídica”.
Como forma ecléctica, parece coerente estabelecer um conceito de Estado que
abarque tanto a noção jurídica quanto a política. É nesse sentido, pois, que Dallari
lecciona a respeito, discorrendo o Estado como sendo:
A ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado
em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que
compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de
soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A
politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a
vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territoriedade, limitadora da acção
jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território. Desta
conceituação é possível tirar os elementos essenciais do Estado: soberania (havendo
uma minoria que a substitui por governo), território, povo (uma minoria entende que na
verdade é a população) e, para alguns, escopo de promover o bem colectivo.

ELEMENTOS DO ESTADO

O povo é o elemento gerador do Estado. “Sem essa substância humana não há


que cogitar da formação ou existência do Estado”. É por meio dele que o Estado

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expressa a sua vontade. Além do mais, em um Estado Democrático, o povo é o ente que
escolhe os dirigentes do Estado.
É oportuno diferenciar a população do povo, já que não há total concordância na
doutrina quanto a qual dos dois é elemento constitutivo do Estado. Para uma corrente
minoritária de doutrinadores, a população é elemento substancial do Estado, contudo, o
que se verifica, é que a população é mera demografia, soma de indivíduos que se
encontram em um território, mesmo que temporariamente. Destarte, a população não diz
nada acerca de vínculos jurídicos com o Estado, não sendo apropriado considerá-la
elemento estatal em termos jurídicos. Por outro lado, a expressão povo se liga ao
Direito. O povo possui vínculo jurídico e político com o Estado. Deve-se entender como
povo, “a parcela da população de determinado Estado que com ele mantém vínculos de
natureza política, além dos de natureza jurídica”. Portanto, povo é a parcela da soma de
pessoas de determinado território estatal (população) que se vincula ao Estado
juridicamente, bem como politicamente. Destaca-se, ainda, como nota distintiva do
povo a cidadania, que também o diferencia da população. Ou seja, o status de um sujeito
vinculado à ordem jurídica e política estatal. A capacidade de participar activamente
(votar) ou passivamente (ser votado) da vida política. No mesmo sentido ensina Silva
acerca da cidadania:
Cidadania [...] qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das
pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de
participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão [...] é
o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas
consequências. Somente o povo tem o supracitado atributo político da cidadania, isto é,
de participar da configuração política do Estado. Assim, conclui Dallari que:
Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um
momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo
jurídico de carácter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do
exercício do poder soberano. Essa participação e este exercício podem ser subordinados,
por motivos de ordem prática, ao atendimento de certas condições objectivas, que
assegurem a plena aptidão do indivíduo. Todos os que se integram no Estado, através da
vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da
constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar
o povo como o conjunto dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no
momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para
considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas [...] o Estado pode estabelecer
determinadas condições objectivas, cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão
adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do exercício da
soberania. Só os que atendem àqueles requisitos e, consequentemente, adquirem estes
direitos, é que obtêm a condição de cidadãos activos.
Quanto à soberania, seu conceito teve origem no final da Idade Média com os
monarcas, que eram soberanos. Todavia, somente no século XVI que o conceito de
soberania amadureceu e se tornou sistematizado.
A soberania “é a expressão máxima do poder estatal”. Sua conceituação clássica
é dada por Jean Bodin, in verbis: “soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma
República” Destarte, a soberania é o poder máximo de um Estado, ilimitado e
incondicionado por nenhum outro poder.
Três são as perspectivas de análise da soberania. Uma, puramente política,
entende a soberania como a total eficácia do poder, o poder incontrastável, sem
preocupação em ser legítimo ou jurídico, somente importando em ser absoluto. Por
conseguinte, nessa visão, os Estados se tornam egoístas, e só consideram Estado aquele

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que tem força para tanto. Outra concepção, puramente jurídica, vê na soberania o poder
de decisão em última instância acerca da atributividade das normas jurídicas. Uma
terceira posição, defendida por Miguel Reale, de base culturalista, chega ao meio-termo,
uma vez que vislumbra na soberania, de modo indissolúvel, os aspectos sociais,
jurídicos e políticos.
No que tange às características da soberania, reconhece-se que ela é una,
indivisível, inalienável e imprescritível. É una porque só pode haver um poder soberano
no Estado. É indivisível porque a soberania se aplica a uma totalidade de fatos no
Estado, não sendo admissível dividi-la. É inalienável, pois aquele que a possui não pode
transferi-la. É imprescritível porque não há prazo para a soberania, ela não finda com o
tempo. Acrescente-se ainda que ela é originária, exclusiva e coactiva. Originária porque
nasce com o Estado, exclusiva porque só pertence ao Estado, e coactiva, porquanto a
soberania, no seu desempenho, possui mecanismos de coacção.
No que diz respeito ao território, reconhece-se que ele, também, é elemento
indispensável do Estado. Estados sem ele não passaram de mera ficção. Hodiernamente,
é impossível falar de Estado sem mencionar o seu respectivo território, pois este é o
elemento físico e geográfico que delimita até onde se estende a soberania de um Estado.
Frisa Maluf que o território é património sagrado e inalienável do povo, assim
como:
É o espaço certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre os
indivíduos. Património do povo, não do Estado como instituição. O poder directivo se
exerce sobre as pessoas, não sobre o território. Tal poder é de imperium, não de
dominium. Nada tem em comum com o direito de propriedade. A autoridade
governamental é de natureza eminentemente política, de ordem jurisdicional. O
território, sobre o qual se estende esse poder de jurisdição, representa-se como uma
grandeza a três dimensões, abrangendo o supra-solo, o subsolo e o mar territorial.
Ademais, o território possui a característica do princípio da impenetrabilidade,
que significa dizer que o Estado possui o monopólio de ocupação do território, sendo
defeso àqueles Estados estranhos entrarem no território sem permissão expressa do
Estado Soberano.
Outro ponto a ser destacado de suma importância é o estudo do alcance da
extensão territorial, isto é, a demarcação do solo, subsolo, mar e espaço aéreo. A fixação
desses limites é tarefa dos próprios Estados em seus tratados internacionais, bem como
em suas leis internas, onde estabelecem critérios de demarcação. No que se refere ao
solo e subsolo não há problemas, contudo, no que diz respeito à extensão do mar e do
espaço aéreo encontram-se problemas. Para a solução de tais problemas, têm-se
utilizado de critérios objectivos como duzentas milhas para o mar, fixação de altura-
limite para o ar.
Por último, cumpre tratar acerca da finalidade do Estado, que é a busca pelo bem
geral, de modo a garantir o benefício da maioria, mormente em uma democracia.
Sabe-se que a insuficiência do homem isolado o leva a unir-se com outro
homem, constituindo-se, assim, a sociedade humana. Inobstante, com o passar do
tempo, os homens percebem a insuficiência da própria sociedade, no sentido de
promover o bem geral, pois são egoístas por natureza, descambando na verdadeira
desordem. Para a solução deste problema, os homens fazem um acordo, no qual a
liberdade humana é restringida para preservar a ordem e a paz, nascendo, desse modo, o
Estado. Este, por sua vez, deve ter o fim precípuo de promover o bem-comum (teoria
contratualista).

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CONCEITO DE DIREITO

A palavra direito deriva do latim directum, que significa direcção, regra.


Portanto, em sua origem, a palavra direito já remetia à ideia de não desvio, rectidão, e
mesmo justiça, podendo-se até mesmo extrair a essência da noção jurídica a partir do
aspecto etimológico.
Cabe, antes de prosseguir à conceituação do Direito, destacar as acepções da
palavra Direito no vernáculo, pois como a maioria das palavras, o direito não possui
rigor semântico, isto é, o direito não é um vocábulo unívoco.
Uma delas é a palavra direito tomada no sentido de direito objectivo (conjunto
de normas), aqui o Direito reduz-se às normas de conduta. Outra é a do Direito sob o
aspecto subjectivo, no sentido de regalia, prerrogativa, faculdade, donde o termo direito
subjectivo. Há, também, o direito no sentido de sistema de conhecimento, isto é, o
direito como Ciência Jurídica. Fala-se, ainda, em direito como sinónimo de justiça
(direito no sentido axiológico).
Esclarecida esta fase puramente etimológica e semântica, parte-se agora para os
estudos epistemológicos e teóricos.
Como afirma a professora Maria Helena Diniz “a definição essencial do direito é
problema supracientífico, constituindo campo próprio das indagações da ontologia
jurídica” Portanto, a noção de Direito é metajurídica, isto quer dizer que a fixação do
conceito de Direito cabe às ciências jurídicas auxiliares, sobretudo a Filosofia Jurídica.
O Direito possui uma gama de definições e conceituações. Por se tratar de uma
ciência humana, passível de inexactidão, defini-la de modo absoluto e definitivo é tarefa
inócua. Inobstante, é preciso conceituar o Direito em linhas gerais para posteriormente
correlacioná-lo ao Estado.
O conceito de Direito pode ser vislumbrado sob vários prismas. Na Religião, o
direito é visto como conjunto de normas feitas pelo homem sob o mandamento e a
benção divinas. Na política, o direito apresenta-se como as regras de controle e poder,
falando-se, assim, das normas de organização estatal e de conduta. Na filosofia, o
Direito é um conjunto de normas segundo uma valoração dos fatos ocorridos em
determinado momento histórico (teoria tridimensional do direito). E cientificamente
falando, o Direito é visto como o conjunto de regras advindas das normas positivas, dos
costumes, dos princípios, da doutrina e da jurisprudência, sendo devido a estas que a
convivência humana se torna possível.
Além dos pontos de vista supramencionados, não se pode esquecer de tratar das
correntes doutrinárias da Teoria do Direito, cada uma entendendo o Direito de uma
maneira.
No enfoque juspositivista o Direito é entendido como um conjunto de normas
emanadas e impostas pelo Estado. Trata-se do Direito vigente em determinada
sociedade e momento histórico. É um direito mutável, que precisa se adaptar
constantemente às vicissitudes sociais. No mesmo viés, o normativismo jurídico,
defendido, sobretudo, por Kelsen, reduz o Direito à norma, a fim de torná-lo uma
ciência autónoma e pura. Por conseguinte, esta concepção também é chamada de
Teoria Pura do Direito. Portanto, estas duas correntes crêem que o Direito é a norma a
posteriori.
De lado diametralmente oposto, o jusnaturalismo, cujo corifeu foi Hugo Grócio,
propugna que o Direito é um conjunto de normas preexistentes, anteriores ao homem,
por isso universais e eternas. Nascem com a razão humana, e são iguais para todos. É o

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direito existente em todas as sociedades e em todos os tempos. Não pode ser violado,
pois é constituído de leis naturais e inatas. São, pois, normas a posteriori.
É importante, ainda, mencionar outra corrente de relevância na explicação do
Direito: o Historicismo Jurídico. Seu precursor foi o jurista alemão Savigny. O
historicismo vê o direito como um fenómeno espontâneo do povo, manifestado na
forma de costume. Isso porque para os historicistas, o costume é “fonte do direito por
excelência, por corresponder mais fielmente aos ideais e necessidades da sociedade em
dado momento histórico e por acompanhar de perto as transformações dos demais fatos
históricos (económicos, éticos, políticos, etc.) ”
Os historicistas se opõem ao jusnaturalismo, porque esta linha de pensamento
exclui o direito da história, assim como se opõem ao juspositivismo, cujos seguidores
reduzem o direito à norma positivada. Para o historicista, o direito está na história e a
acompanha, de modo imperceptível e espontâneo, na forma de costume emanado pelo
povo. Ademais, compara o direito à linguagem, que aparece e se desenvolve
espontaneamente, do mesmo modo que o direito se forma na sociedade. Assim, “o
legislador não cria o direito”. Tampouco aos juristas cabe a criação do Direito. Cabe a
eles somente a sistematização do Direito. Por isso, na concepção historicista, “as
normas jurídicas identificadas e sistematizadas só serão válidas e eficazes se fiéis ao
espírito do Direito consuetudinário”.
Passando-se para o enfoque da Dogmática Jurídica, deve-se atentar para algumas
notas características do Direito que o diferenciam das outras ordenações sociais, como
as morais, religiosas, costumeiras, etc.
Há muito tempo, nos primórdios da sociedade, o Direito não era visto como ente
autónomo. Era confundido com a Moral e a Religião, sendo impossível estudar o
Direito de forma específica. Mesmo os gregos, na Idade Antiga, não foram capazes de
destacar o direito das demais normas sociais. Somente a partir dos estudos dos juristas
romanos é que o Direito passou a se apresentar como ordenação e ciência autónoma. A
partir daí, o Direito começa a ganhar importância para os estudiosos, sendo que hoje em
dia o Direito é uma das ciências humanas mais relevantes para a vida social das pessoas.
Ciência prática por excelência, o Direito ordena a sociedade na busca do bem comum.
Ganhando força para os estudiosos, o Direito enseja a criação da Teoria Geral do
Direito. Os pesquisadores desta ciência, os doutrinadores, comungam que o Direito
possui características peculiares que o distinguem dos demais meios de controlo social:
a bilateralidade (bilateralidade-atributiva segundo Reale), generalidade, objectividade e
coercibilidade. É bilateral porque se apresenta nas relações humanas na forma de
obrigações de um lado e pretensão de exigir de outro (credor e devedor, por exemplo). É
geral porque se aplica a inúmeros sujeitos que se encontrem sob domínio de um dado
Estado. É objectivo porque advém do Estado e obriga indiferentemente da vontade
individual (Lex jubeat, non saudeat). Além disso, é coercível porque dispõe do aparato e
da força repressiva do Estado para garantir o adimplemento de suas normas.
Não se pode olvidar que esta última característica do Direito só é legítima se
tiver como razão última a garantia da segurança e da justiça sociais. Do contrário, o
Direito será utilizado como instrumento de opressão e controle apenas.
Assim, entende Gusmão, que o Direito é definido como “a garantia da ordem e
da paz sociais com o mínimo sacrifício da justiça”. Essa definição de Gusmão quer
ressaltar que o Direito é o conjunto de normas que asseguram a ordem e a paz (valor da
segurança jurídica), que ao mesmo tempo protegem de um mínimo de justiça razoável.
A Justiça é o valor último do Direito, entretanto, não deve ser visado de modo absoluto
em detrimento da segurança (a recíproca também é verdadeira), tendo-se que sopesá-los
para a existência de um Direito legítimo, senão ideal.

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Tal definição aparenta ser perfeita, contudo, não demonstra como o Direito se
forma e como ele se estrutura no seio social.
Por isso, é preciso atentar para a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel
Reale, que parecer ser a teoria que melhor explica o Direito. Como é comum, as
melhores definições e conceituações são oriundas da Filosofia, nesse caso da
Jusfilosofia.
Para Reale, o Direito possui três aspectos, um normativo (o Direito como
sistema de normas), um fático (Direito em sua efectividade social) e um axiológico (o
Direito como valor Justiça). Portanto, o Direito possui uma estrutura tridimensional
(fato/valor/norma).
No mesmo diapasão, o professor Reale afirma que “desde o aparecimento da
norma jurídica – que é síntese integrante de fatos ordenados segundo valores – até ao
momento final de sua aplicação, o Direito se caracteriza por sua estrutura
tridimensional”.
Nesse sentido, o Direito é explicado da seguinte forma: se um determinado fato
social (económico, geográfico, político, moral, religioso, etc.) em um dado momento
histórico se avultar de importância tal para uma sociedade (valor) que tiver necessidade
de ser ordenado, de modo integrador entre o fato e o respectivo valor, formar-se-á a
norma jurídica. Isto posto, Reale conclui:
Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura
tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação
heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma
integração normativa de fatos e valores.
Em conclusão, conceituado o Direito, partir-se-á, na sequência, para o
estabelecimento da correlação entre Direito e o Estado, que é essencial à compressão da
estrutura política e jurídica de uma dada sociedade, uma vez que a relação dialéctica
entre estes dois entes institucionalizados formam todo o sistema administrativo e
normativo de uma sociedade.

RELAÇÃO ENTRE ESTADO E DIREITO

São três as principais teorias que explicam a relação entre o Direito e o Estado: a
monística, a dualística e o paralelismo. Antes de proceder ao estudo da relação entre
Estado e Direito na doutrina actual, é preciso expor cada uma das citadas teorias na
quais os estudiosos se apoiam em suas elucubrações a respeito, a fim de demonstrar a
concepção que possui a maioria de adeptos na comunidade científica, bem como tentar
explanar de forma sistemática a referida relação.
A teoria monística, também chamada de estatismo jurídico, considera o Direito e
o Estado como entes iguais, redundando em confusão entre os dois.
Para os monistas, o direito estatal é o único existente, sendo um de seus
defensores Hans Kelsen. Para ele só o direito positivo, ou seja, o direito advindo do
Estado é válido, bem como somente os actos estatais só são válidos se apresentados sob
formas jurídicas.
De lado diametralmente oposto está a teoria dualística. Também chamada
pluralística, a teoria dualística sustenta que o Estado e o Direito são realidades
independentes e distintas. Tal teoria defende que o Estado não é a única fonte do
Direito, mas só uma categoria delas, pois o Direito é formado por diversas fontes sociais
como os costumes, os princípios, que são aplicados em caso de omissão da norma
jurídica estatal. Essa teoria propugna, pois, que o Direito é um fato social e não estatal.

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Como é comum nas ciências humanas da actualidade, procura-se encontrar o
meio-termo para dois extremos teóricos. É assim, pois, que se manifesta a teoria do
paralelismo, que comunga da ideia de que o Direito e o Estado são realidades distintas,
contudo, interdependentes.
Teve como defensor o jurista e jusfilósofo italiano Giorgio Del Vecchio, que
embora defendesse o pluralismo jurídico de um lado, admitia a preponderância do
direito estatal, de outro. Assim comentam Cicco e Gonzaga:
Giorgio Del Vecchio apresenta uma graduação da positividade jurídica,
reconhecendo a existência de um Direito não estatal, ou seja, existem outros centros de
determinação jurídica que não o Estado, embora este seja o principal centro de
irradiação do Direito Positivo.
Para o pleno entendimento da relação entre Direito e Estado é preciso partir de
um dos três troncos doutrinários ora explicados. A compreensão da relação entre os dois
necessita de uma base teórica na qual irá se assentar.
Com efeito, na relação entre o Estado e o Direito há uma relação de
complementaridade. “O Direito emana do Estado e este é uma instituição jurídica”.
Nesse sentido, o Estado é “a um só tempo, a fonte irradiadora de Direito e ente
garantidor de sua efectiva observância, mediante meios coercitivos.”

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CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou demonstrar a intrínseca relação entre Estado e


Direito, que regula a vida das pessoas na sociedade. Partindo-se da Teoria Geral do
Estado e da Teoria Geral do Direito, estudou-se a referida relação de modo sistemático e
analítico.
É oportuno reiterar que ao mesmo tempo em que o Direito emana do Estado,
este é um instituto jurídico. Portanto, ambos devem ser vislumbrados de modo conjunto,
pois em um Estado de Direito, eles atuam desse modo em diversas questões sociais, um
ente complementando o outro, embora tanto o Estado quanto o Direito possuam campos
de acção próprios de cada um.
No mesmo sentido, o Estado, para que não ultrapasse os limites do bem comum
e se torne um fim, é mister que se considere a personalidade jurídica do Estado, de
forma que o habilite à contrair obrigações e adquirir direitos, tratando-se do Estado de
Direito, ou Estado Democrático de Direito (terminologia usada na Constituição de 1988,
em seu art. 1º, caput.). Dessa maneira, a relação de imperium entre Estado e Povo fica
regulada pelo Direito e pela Justiça. Assim, o Estado pessoa jurídica, no Estado
Democrático de Direito, com o seu poder de imperium sobre o Povo, é capaz de
assegurar à sociedade, equilíbrio, paz, segurança e justiça.

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BIBLIOGRAFIA

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