A relação entre Direito e Estado é um tema que incita estudos na Teoria Geral do
Direito e Teoria Geral do Estado. Essas ciências procuram, de forma sistemática,
estudar como o Estado se forma, quais seus objectivos, e como ele se relaciona ao
Direito na busca do bem comum. Por isso, partiu-se das elucubrações das mencionadas
ciências para alcançar os resultados a que se propõe este trabalho, quais sejam, de
demonstrar a maneira como o Estado se correlaciona com o Direito, e como ambos
controlam a vida das pessoas no seio social. Assim, considerou-se o Estado de Direito
nesta pesquisa, porquanto este tipo de Estado representa claramente a relação entre
Estado e Direito, pois no Estado de Direito a lei impera, assim como a lei é elaborada
pelo Estado, portanto há interpenetração entre o Estado e o Direito.
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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO
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Mais tarde, o viés da ideia de Estado mudou. O Estado puramente liberal gerou
crises, com destaque na crise económica de 29. Esta gerou terreno propício ao
aparecimento de Estados intervencionistas, autoritários e totalitários, como o Estado
nazista alemão, o Estado fascista italiano e a União Soviética stalinista, que se
mostraram prejudiciais para a humanidade.
Por derradeiro, surge a concepção de Estado hodierno no final do século XX,
como o assegurador da ordem social, bem como do bem-estar social, sempre visando o
bem comum, podendo intervir na economia quando necessário, inobstante, sem
extrapolar os limites da liberdade individual, que não deve ser preterida, mesmo no
Estado Providência.
CONCEPÇÃO DE ESTADO
ELEMENTOS DO ESTADO
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expressa a sua vontade. Além do mais, em um Estado Democrático, o povo é o ente que
escolhe os dirigentes do Estado.
É oportuno diferenciar a população do povo, já que não há total concordância na
doutrina quanto a qual dos dois é elemento constitutivo do Estado. Para uma corrente
minoritária de doutrinadores, a população é elemento substancial do Estado, contudo, o
que se verifica, é que a população é mera demografia, soma de indivíduos que se
encontram em um território, mesmo que temporariamente. Destarte, a população não diz
nada acerca de vínculos jurídicos com o Estado, não sendo apropriado considerá-la
elemento estatal em termos jurídicos. Por outro lado, a expressão povo se liga ao
Direito. O povo possui vínculo jurídico e político com o Estado. Deve-se entender como
povo, “a parcela da população de determinado Estado que com ele mantém vínculos de
natureza política, além dos de natureza jurídica”. Portanto, povo é a parcela da soma de
pessoas de determinado território estatal (população) que se vincula ao Estado
juridicamente, bem como politicamente. Destaca-se, ainda, como nota distintiva do
povo a cidadania, que também o diferencia da população. Ou seja, o status de um sujeito
vinculado à ordem jurídica e política estatal. A capacidade de participar activamente
(votar) ou passivamente (ser votado) da vida política. No mesmo sentido ensina Silva
acerca da cidadania:
Cidadania [...] qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das
pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de
participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão [...] é
o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas
consequências. Somente o povo tem o supracitado atributo político da cidadania, isto é,
de participar da configuração política do Estado. Assim, conclui Dallari que:
Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um
momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo
jurídico de carácter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do
exercício do poder soberano. Essa participação e este exercício podem ser subordinados,
por motivos de ordem prática, ao atendimento de certas condições objectivas, que
assegurem a plena aptidão do indivíduo. Todos os que se integram no Estado, através da
vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da
constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar
o povo como o conjunto dos cidadãos do Estado. Dessa forma, o indivíduo, que no
momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para
considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão. Mas [...] o Estado pode estabelecer
determinadas condições objectivas, cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão
adquira o direito de participar da formação da vontade do Estado e do exercício da
soberania. Só os que atendem àqueles requisitos e, consequentemente, adquirem estes
direitos, é que obtêm a condição de cidadãos activos.
Quanto à soberania, seu conceito teve origem no final da Idade Média com os
monarcas, que eram soberanos. Todavia, somente no século XVI que o conceito de
soberania amadureceu e se tornou sistematizado.
A soberania “é a expressão máxima do poder estatal”. Sua conceituação clássica
é dada por Jean Bodin, in verbis: “soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma
República” Destarte, a soberania é o poder máximo de um Estado, ilimitado e
incondicionado por nenhum outro poder.
Três são as perspectivas de análise da soberania. Uma, puramente política,
entende a soberania como a total eficácia do poder, o poder incontrastável, sem
preocupação em ser legítimo ou jurídico, somente importando em ser absoluto. Por
conseguinte, nessa visão, os Estados se tornam egoístas, e só consideram Estado aquele
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que tem força para tanto. Outra concepção, puramente jurídica, vê na soberania o poder
de decisão em última instância acerca da atributividade das normas jurídicas. Uma
terceira posição, defendida por Miguel Reale, de base culturalista, chega ao meio-termo,
uma vez que vislumbra na soberania, de modo indissolúvel, os aspectos sociais,
jurídicos e políticos.
No que tange às características da soberania, reconhece-se que ela é una,
indivisível, inalienável e imprescritível. É una porque só pode haver um poder soberano
no Estado. É indivisível porque a soberania se aplica a uma totalidade de fatos no
Estado, não sendo admissível dividi-la. É inalienável, pois aquele que a possui não pode
transferi-la. É imprescritível porque não há prazo para a soberania, ela não finda com o
tempo. Acrescente-se ainda que ela é originária, exclusiva e coactiva. Originária porque
nasce com o Estado, exclusiva porque só pertence ao Estado, e coactiva, porquanto a
soberania, no seu desempenho, possui mecanismos de coacção.
No que diz respeito ao território, reconhece-se que ele, também, é elemento
indispensável do Estado. Estados sem ele não passaram de mera ficção. Hodiernamente,
é impossível falar de Estado sem mencionar o seu respectivo território, pois este é o
elemento físico e geográfico que delimita até onde se estende a soberania de um Estado.
Frisa Maluf que o território é património sagrado e inalienável do povo, assim
como:
É o espaço certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre os
indivíduos. Património do povo, não do Estado como instituição. O poder directivo se
exerce sobre as pessoas, não sobre o território. Tal poder é de imperium, não de
dominium. Nada tem em comum com o direito de propriedade. A autoridade
governamental é de natureza eminentemente política, de ordem jurisdicional. O
território, sobre o qual se estende esse poder de jurisdição, representa-se como uma
grandeza a três dimensões, abrangendo o supra-solo, o subsolo e o mar territorial.
Ademais, o território possui a característica do princípio da impenetrabilidade,
que significa dizer que o Estado possui o monopólio de ocupação do território, sendo
defeso àqueles Estados estranhos entrarem no território sem permissão expressa do
Estado Soberano.
Outro ponto a ser destacado de suma importância é o estudo do alcance da
extensão territorial, isto é, a demarcação do solo, subsolo, mar e espaço aéreo. A fixação
desses limites é tarefa dos próprios Estados em seus tratados internacionais, bem como
em suas leis internas, onde estabelecem critérios de demarcação. No que se refere ao
solo e subsolo não há problemas, contudo, no que diz respeito à extensão do mar e do
espaço aéreo encontram-se problemas. Para a solução de tais problemas, têm-se
utilizado de critérios objectivos como duzentas milhas para o mar, fixação de altura-
limite para o ar.
Por último, cumpre tratar acerca da finalidade do Estado, que é a busca pelo bem
geral, de modo a garantir o benefício da maioria, mormente em uma democracia.
Sabe-se que a insuficiência do homem isolado o leva a unir-se com outro
homem, constituindo-se, assim, a sociedade humana. Inobstante, com o passar do
tempo, os homens percebem a insuficiência da própria sociedade, no sentido de
promover o bem geral, pois são egoístas por natureza, descambando na verdadeira
desordem. Para a solução deste problema, os homens fazem um acordo, no qual a
liberdade humana é restringida para preservar a ordem e a paz, nascendo, desse modo, o
Estado. Este, por sua vez, deve ter o fim precípuo de promover o bem-comum (teoria
contratualista).
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CONCEITO DE DIREITO
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direito existente em todas as sociedades e em todos os tempos. Não pode ser violado,
pois é constituído de leis naturais e inatas. São, pois, normas a posteriori.
É importante, ainda, mencionar outra corrente de relevância na explicação do
Direito: o Historicismo Jurídico. Seu precursor foi o jurista alemão Savigny. O
historicismo vê o direito como um fenómeno espontâneo do povo, manifestado na
forma de costume. Isso porque para os historicistas, o costume é “fonte do direito por
excelência, por corresponder mais fielmente aos ideais e necessidades da sociedade em
dado momento histórico e por acompanhar de perto as transformações dos demais fatos
históricos (económicos, éticos, políticos, etc.) ”
Os historicistas se opõem ao jusnaturalismo, porque esta linha de pensamento
exclui o direito da história, assim como se opõem ao juspositivismo, cujos seguidores
reduzem o direito à norma positivada. Para o historicista, o direito está na história e a
acompanha, de modo imperceptível e espontâneo, na forma de costume emanado pelo
povo. Ademais, compara o direito à linguagem, que aparece e se desenvolve
espontaneamente, do mesmo modo que o direito se forma na sociedade. Assim, “o
legislador não cria o direito”. Tampouco aos juristas cabe a criação do Direito. Cabe a
eles somente a sistematização do Direito. Por isso, na concepção historicista, “as
normas jurídicas identificadas e sistematizadas só serão válidas e eficazes se fiéis ao
espírito do Direito consuetudinário”.
Passando-se para o enfoque da Dogmática Jurídica, deve-se atentar para algumas
notas características do Direito que o diferenciam das outras ordenações sociais, como
as morais, religiosas, costumeiras, etc.
Há muito tempo, nos primórdios da sociedade, o Direito não era visto como ente
autónomo. Era confundido com a Moral e a Religião, sendo impossível estudar o
Direito de forma específica. Mesmo os gregos, na Idade Antiga, não foram capazes de
destacar o direito das demais normas sociais. Somente a partir dos estudos dos juristas
romanos é que o Direito passou a se apresentar como ordenação e ciência autónoma. A
partir daí, o Direito começa a ganhar importância para os estudiosos, sendo que hoje em
dia o Direito é uma das ciências humanas mais relevantes para a vida social das pessoas.
Ciência prática por excelência, o Direito ordena a sociedade na busca do bem comum.
Ganhando força para os estudiosos, o Direito enseja a criação da Teoria Geral do
Direito. Os pesquisadores desta ciência, os doutrinadores, comungam que o Direito
possui características peculiares que o distinguem dos demais meios de controlo social:
a bilateralidade (bilateralidade-atributiva segundo Reale), generalidade, objectividade e
coercibilidade. É bilateral porque se apresenta nas relações humanas na forma de
obrigações de um lado e pretensão de exigir de outro (credor e devedor, por exemplo). É
geral porque se aplica a inúmeros sujeitos que se encontrem sob domínio de um dado
Estado. É objectivo porque advém do Estado e obriga indiferentemente da vontade
individual (Lex jubeat, non saudeat). Além disso, é coercível porque dispõe do aparato e
da força repressiva do Estado para garantir o adimplemento de suas normas.
Não se pode olvidar que esta última característica do Direito só é legítima se
tiver como razão última a garantia da segurança e da justiça sociais. Do contrário, o
Direito será utilizado como instrumento de opressão e controle apenas.
Assim, entende Gusmão, que o Direito é definido como “a garantia da ordem e
da paz sociais com o mínimo sacrifício da justiça”. Essa definição de Gusmão quer
ressaltar que o Direito é o conjunto de normas que asseguram a ordem e a paz (valor da
segurança jurídica), que ao mesmo tempo protegem de um mínimo de justiça razoável.
A Justiça é o valor último do Direito, entretanto, não deve ser visado de modo absoluto
em detrimento da segurança (a recíproca também é verdadeira), tendo-se que sopesá-los
para a existência de um Direito legítimo, senão ideal.
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Tal definição aparenta ser perfeita, contudo, não demonstra como o Direito se
forma e como ele se estrutura no seio social.
Por isso, é preciso atentar para a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel
Reale, que parecer ser a teoria que melhor explica o Direito. Como é comum, as
melhores definições e conceituações são oriundas da Filosofia, nesse caso da
Jusfilosofia.
Para Reale, o Direito possui três aspectos, um normativo (o Direito como
sistema de normas), um fático (Direito em sua efectividade social) e um axiológico (o
Direito como valor Justiça). Portanto, o Direito possui uma estrutura tridimensional
(fato/valor/norma).
No mesmo diapasão, o professor Reale afirma que “desde o aparecimento da
norma jurídica – que é síntese integrante de fatos ordenados segundo valores – até ao
momento final de sua aplicação, o Direito se caracteriza por sua estrutura
tridimensional”.
Nesse sentido, o Direito é explicado da seguinte forma: se um determinado fato
social (económico, geográfico, político, moral, religioso, etc.) em um dado momento
histórico se avultar de importância tal para uma sociedade (valor) que tiver necessidade
de ser ordenado, de modo integrador entre o fato e o respectivo valor, formar-se-á a
norma jurídica. Isto posto, Reale conclui:
Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura
tridimensional bilateral atributiva, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação
heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma
integração normativa de fatos e valores.
Em conclusão, conceituado o Direito, partir-se-á, na sequência, para o
estabelecimento da correlação entre Direito e o Estado, que é essencial à compressão da
estrutura política e jurídica de uma dada sociedade, uma vez que a relação dialéctica
entre estes dois entes institucionalizados formam todo o sistema administrativo e
normativo de uma sociedade.
São três as principais teorias que explicam a relação entre o Direito e o Estado: a
monística, a dualística e o paralelismo. Antes de proceder ao estudo da relação entre
Estado e Direito na doutrina actual, é preciso expor cada uma das citadas teorias na
quais os estudiosos se apoiam em suas elucubrações a respeito, a fim de demonstrar a
concepção que possui a maioria de adeptos na comunidade científica, bem como tentar
explanar de forma sistemática a referida relação.
A teoria monística, também chamada de estatismo jurídico, considera o Direito e
o Estado como entes iguais, redundando em confusão entre os dois.
Para os monistas, o direito estatal é o único existente, sendo um de seus
defensores Hans Kelsen. Para ele só o direito positivo, ou seja, o direito advindo do
Estado é válido, bem como somente os actos estatais só são válidos se apresentados sob
formas jurídicas.
De lado diametralmente oposto está a teoria dualística. Também chamada
pluralística, a teoria dualística sustenta que o Estado e o Direito são realidades
independentes e distintas. Tal teoria defende que o Estado não é a única fonte do
Direito, mas só uma categoria delas, pois o Direito é formado por diversas fontes sociais
como os costumes, os princípios, que são aplicados em caso de omissão da norma
jurídica estatal. Essa teoria propugna, pois, que o Direito é um fato social e não estatal.
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Como é comum nas ciências humanas da actualidade, procura-se encontrar o
meio-termo para dois extremos teóricos. É assim, pois, que se manifesta a teoria do
paralelismo, que comunga da ideia de que o Direito e o Estado são realidades distintas,
contudo, interdependentes.
Teve como defensor o jurista e jusfilósofo italiano Giorgio Del Vecchio, que
embora defendesse o pluralismo jurídico de um lado, admitia a preponderância do
direito estatal, de outro. Assim comentam Cicco e Gonzaga:
Giorgio Del Vecchio apresenta uma graduação da positividade jurídica,
reconhecendo a existência de um Direito não estatal, ou seja, existem outros centros de
determinação jurídica que não o Estado, embora este seja o principal centro de
irradiação do Direito Positivo.
Para o pleno entendimento da relação entre Direito e Estado é preciso partir de
um dos três troncos doutrinários ora explicados. A compreensão da relação entre os dois
necessita de uma base teórica na qual irá se assentar.
Com efeito, na relação entre o Estado e o Direito há uma relação de
complementaridade. “O Direito emana do Estado e este é uma instituição jurídica”.
Nesse sentido, o Estado é “a um só tempo, a fonte irradiadora de Direito e ente
garantidor de sua efectiva observância, mediante meios coercitivos.”
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CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
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