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VASCONCELOS, Gisele Soares de; FIGUEIREDO, Renata.

A Arte de Contar Histórias: a arte de brincar com 1


as palavras. IN: NASCIMENTO, Ilma; TEÓFILO, Maria da Penha (org). PROINFANTIL e sua interface com a
formação continuada de professores. 1ªed. São Luís: EDUFMA, 2012, v. 1, p. 103-118.
Oficina A Arte de Contar Histórias, a arte de brincar com as palavras.
Gisele Vasconcelos – Prof. Msc do Departamento de Artes da UFMA e
doutoranda em Artes Cênicas na USP
Renata Figueiredo – licenciada em Artes Cênicas, UFMA.1

No trabalho de formação de contadores de histórias, desenvolvido no Grupo


Xama Teatro2 e na Universidade Federal do Maranhão, através do projeto de pesquisa
ator-contador, nos aproximamos de profissionais de diversas áreas de atuação, dentre
estes profissionais, um maior número de interessados pelo tema, concentra-se na área da
educação, professores, que se utilizam das histórias, orais e escritas, em suas práticas
pedagógicas na sala de aula.
Neste artigo, buscamos relatar experiências adquiridas na oficina
complementar ministrada para a Formação das Agências Formadoras - Proinfantil -
Grupo 3 – UFMA, na qual compartilhamos das propostas pedagógicas de Regina
Machado, que se utiliza das narrativas tradicionais para estimular o protagonismo dos
educadores-contadores.
Para exemplificar tal procedimento, descrevemos o reconto proposto por
Regina Machado (2004, p. 42-43), O Segredo da Madeira, de Doo Ling, que nos dá as
bases metodológicas para a oficina A Arte de Contar Histórias:
Era uma vez um mestre carpinteiro que fazia objetos de madeira tão belos a
ponto de o imperador lhe perguntar qual o segredo de sua arte.
- Alteza – disse o carpinteiro -, não existe nenhum segredo. Mas eu posso lhe
relatar como trabalho. É assim que eu começo: quando vou fazer uma mesa,
primeiro reúno as energias e trago a mente para a quietude absoluta.
Desconsidero qualquer recompensa a ser ganha ou fama a ser adquirida.
Quando estou livre das influências de todas essas considerações exteriores,
posso escutar a voz interna que me diz claramente o que eu devo fazer.
Quando minhas habilidades estão assim concentradas, pego o meu machado.
Asseguro-me de que ele esteja bem afiado, que se adapte à minha mão e
balance com o meu braço. Então eu entro na floresta.
Procuro a árvore certa: aquela que está esperando para se tornar a minha
mesa. E quando a encontro, pergunto:
- o que eu tenho pra você e o que você tem pra mim?
Então eu corto a árvore e começo a trabalhar. Eu me lembro de como meus
mestres me ensinaram a coordenar minha habilidade e meu pensamento com
as qualidades naturais da madeira.
O imperador disse:
- Quando a mesa está pronta, tem um efeito mágico sobre mim. Não posso
olhar para ela como olharia para qualquer outra mesa. Qual é a natureza dessa
mágica?

1
Orientanda da profa. Gisele Vasconcelos, na pesquisa dos Contadores de Histórias, em São Luís, MA.
2
Grupo de Teatro com sede e atuação em São Luís, Ma, desenvolve atividades culturais e artístico-
pedagógicas sob a forma de espetáculos, oficinas e contadores de histórias tendo como ponto de partida a
arte de narrar e a performance do ator-contador.
VASCONCELOS, Gisele Soares de; FIGUEIREDO, Renata. A Arte de Contar Histórias: a arte de brincar com 2
as palavras. IN: NASCIMENTO, Ilma; TEÓFILO, Maria da Penha (org). PROINFANTIL e sua interface com a
formação continuada de professores. 1ªed. São Luís: EDUFMA, 2012, v. 1, p. 103-118.
- Majestade – disse o carpinteiro -, o que o senhor chama de mágica vem
apenas disso que acabo de contar.

Partindo da metáfora proposta pela autora, no conto O Segredo da Madeira, a


oficina A Arte de Contar Histórias busca trabalhar o nível orgânico e o nível narrativo
do educador-contador de histórias, ao colocá-lo no papel do carpinteiro, na sua função
da busca pela quietude absoluta, das ferramentas necessárias, da escolha da história
certa, aquela que está esperando pra ser contada.
O nível narrativo está relacionado com o texto-tecido, aquilo que vai ser
contado. Encontrar a história, a narrativa que possa movimentar o imaginário do
contador, motivando-o para o trabalho, não é tarefa fácil. É um mergulho nas fontes
para a escolha do conto, “da árvore certa: aquela que está esperando para se tornar a
minha mesa. E quando a encontro, pergunto: o que eu tenho pra você e o que você tem
pra mim?” (MACHADO, 2004, p. 42)
A questão “o que você tem pra mim?” pertence ao nível narrativo, às ações,
imagens, sonoridades, fatos isolados, personagens da narrativa. Por outro lado, a
questão “o que eu tenho pra você?” corresponde ao nível orgânico, à performance e
presença do ator-contador, à uma determinada energia que, segundo Taviani (apud
BARBA; SAVARESE, 1995, p.74) “é sua potência nervosa e muscular” e que segundo
Regina Machado (2004, p.68), “é feita de intenção, ritmo e técnica”.
História, o que eu tenho pra você?
A minha presença.
Nessa proposta, partimos, inicialmente, para a redescoberta do narrador, das
suas ferramentas necessárias, as que chamamos elementos do contador de histórias, a
busca pelo narrador que existe em cada um de nós, que se difere de pessoa para pessoa e
deve escutar sua voz interna. O primeiro passo é construir uma nova identidade, um
passaporte para a viagem, que passa a ser a chave de acesso para a oficina A Arte de
Contar Histórias.
Através do jogo, que chamamos Passaporte para a Viagem, buscamos
identificar os elementos do contador de histórias que devem ser trabalhados para a
redescoberta da presença, do nível orgânico, das ferramentas necessárias para o
exercício da narrativa oral.
No jogo, cada aluno, de posse de uma folha em branco, empenha-se na tarefa
de preencher seu passaporte com retalhos de sua memória e de seu afeto, pois, é assim
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que o contador se redescobre, num exercício de recuperação e valorização da memória e
da afetividade.
O aluno cria seu próprio “passaporte”, escrevendo, inicialmente, um nome que
gosta de ser chamado, que lhe lembre alguém, não necessariamente seu nome de
registro, pode ser um apelido, uma forma carinhosa de ser chamado, faz também
desenhos e enfeita-o com cores e traços, faz do seu passaporte a expressão de quem ele
é naquele momento. Após a escrita do nome, o aluno evoca a sua memória, escreve um
pequeno trecho de uma canção que lhe toca, que o faz lembrar momentos significativos
ou pessoas que fizeram ou fazem parte de sua vida afetiva e emocional, ou,
simplesmente, escreve um trecho de uma canção por que gosta de cantá-la.
Com os passaportes preenchidos, em círculo, os alunos entram na aeronave
imaginária e, para o desenvolvimento da atividade, recebem comandos. Ao som de uma
música, escolhida pelo orientador do jogo, todos trocam os passaportes e quando o som
pára, todos chamam ao mesmo tempo o nome que encontram no passaporte - agora
estranho em suas mãos - e realizam assim, um exercício da oralidade e da escuta, pois
ao mesmo tempo em que devem chamar o nome escrito no passaporte estranho, devem
escutar o seu nome dito por outro participante, até o momento em que retornam ao
círculo inicial, com o seu passaporte em mãos.
A cada rodada, varia a intenção do chamado do nome do passaporte estranho,
na tentativa de encontrar o seu dono: ora como se estivesse acordando uma criança,
chamando alguém que está bem longe, com a alegria do encontro, com a tristeza de uma
perda, com voz grave, voz aguda, cantarolando...
No instante em que variam as formas do chamado, assim também ocorre com
as formas de trocar o passaporte ao som de uma canção: bem lento, flutuando, somente
utilizando o nível baixo ou alto, por baixo das pernas, dançando, pulando...
A cada rodada, todos devem trocar o passaporte ao som de uma canção e na
pausa da canção devem encontrá-lo, sempre obedecendo à voz de comando.
No final do jogo, após o momento da troca dos passaportes, ao som da canção,
todos retornam ao círculo inicial, colocando-se fora da aeronave imaginária, e um por
um, deve, agora, encontrar o dono do passaporte estranho, cantarolando o trecho da
canção descrita. Se, não conhecer a melodia da música, inventa uma melodia pra ela,
pois, ao escutar sua canção o “dono” do passaporte vai se identificar, cantando e se
emocionando, e agora é a vez dele de encontrar o passaporte estranho, assim acontece
até que todos recuperam seus “documentos”.
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Este jogo, além de ser um exercício de aquecimento e de apresentação pessoal,
identifica os elementos do educador-contador de histórias: corpo-voz, pique-ritmo,
emoção, que são suas ferramentas necessárias e devem estar afiadas, assim como o
machado do mestre carpinteiro, que se adapta a sua mão e balança com seu braço.
Nesse jogo introdutório da oficina A Arte de Contar Histórias, propomos uma
viagem ao mundo das palavras encantatórias assim como criamos um ambiente de
liberdade para a criação.
A partir do jogo do passaporte, o aluno entra em contato com o que Regina
Machado (2004, p. 68) denomina “recursos internos” e, desta maneira, dá início a uma
viagem em busca da sua capacidade de narrar, da tal presença, que é feita de intenção,
ritmo e técnica.
Um bom contador de histórias, guiado pela ação interligada desses três
fatores, exercita habilidades pessoais – recursos internos -, combinadas com o
amplo repertório de informações disponíveis – recursos externos -, enquanto
vai polindo e conquistando, ao longo da vida, a qualidade de presença.

Na expectativa da redescoberta da capacidade de contar histórias, cada


educador-contador deve tocar sua pedra bruta e seu material mais verdadeiro deve ser
valorizado e bem cuidado.
A atividade proposta para esse aprendizado, que busca a espontaneidade da
troca de experiências e a verdade na narração oral, é inspirada no personagem Chicó, do
Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, um contador de histórias, alegre, lírico e
mentiroso.
Toda vez que Chicó era questionado com relação à veracidade das suas
histórias fantásticas, ele escapava pela tangente dizendo: - Não sei, só sei que foi assim!
Os alunos se dividem em duplas e contam uma passagem, uma experiência de
vida, recorrendo à narrativa oral, àquela a qual recorrem “todas as comunidades,
independentes de fronteiras culturais ou sociais” e que “permite aos homens
organizarem suas experiências de vida e, sobretudo, compartilhá-las com seu grupo.”
(PATRINI, 2005, p. 143).
No jogo proposto, intitulado Histórias Trocadas, estabelecemos a interação
inicial do contador e seu público. No exercício do contar e escutar as experiências de
vida, a dupla escolhe, para experimentar a interação contador-ouvinte, uma única
história. Sem que ninguém saiba quem é o verdadeiro autor, a história é contada,
primeiro por um e depois, a mesma história, é contada pelo outro participante da dupla.
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O momento da narrativa simples e espontânea é muito especial, pois os alunos
nos presenteiam com verdadeiras pérolas, histórias engraçadas e emocionantes de suas
próprias vidas que nos permitem entrar em contato com suas tradições culturais,
fazendo com que a história evolua na performance3 de um contador.
Ao final da apresentação, os ouvintes devem identificar quem é o verdadeiro
“dono” da história. Em diversos momentos ficamos em dúvida, pois utilizando, de
forma intuitiva, os elementos internos do contador de histórias, aqui identificados como
corpo-voz, pique-ritmo, emoção, acrescida do imaginário, os narradores tomaram para
si a história, e assim a fizeram parecer verdadeira.
Os dois participantes fazem com que os ouvintes acreditem que ambos foram
testemunhas do fato, fazem isso ao reproduzirem a fala dos personagens da história, ao
manter o fio condutor da trama e ao narrar a mesma sequência de ações. Cada um,
porém, dá um colorido especial para história, floreia com fatos de sua própria memória
pessoal, o que garante autenticidade e o estilo aberto da narrativa oral, pois conforme
afirma Gislayne Matos (2005, p.80) “o texto proposto ao estilo oral é aberto, ele se
constrói na voz daquele que o conta, seja o contador, seja o ouvinte que irá contá-lo,
após tê-lo ouvido do contador”.
O jogo das histórias trocadas mobiliza pontos importantes para o educador-
contador, tais como: a capacidade de visualizar os momentos das histórias, de manter o
fio condutor da trama, de dar pique-ritmo aos diversos momentos narrados; a
capacidade de convencimento, de intercambiar experiências e de estímulo à narração
oral e à interação contador-ouvinte.
Esta é realmente uma grande tarefa dos educadores-contadores, contar e
recontar, contar como se as histórias fossem suas, com verdade e propriedade, seguindo
a máxima de Walter Benjamin (1996, p.201): “o narrador retira da experiência o que ele
conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas
à experiência dos seus ouvintes”.

História o que você tem pra mim?


Personagens, conflitos, tramas, climas expressivos.
No segundo momento da oficina A Arte de Contar Histórias, trabalhamos com
os elementos da narrativa: seus personagens, conflitos, tramas, climas expressivos.

3
Na definição de Paul Zumthor (apud PATRINI, 1995, p. 144), “Performance é ação vocal pela qual o
texto poético é transmitido aos seus destinatários. Sua transmissão de boca a boca opera literalmente no
texto, ela o efetua.”
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Tomamos como ponto de partida para esta etapa, a escolha do conto. Após
estabelecermos uma relação entre a narração oral e a nossa história de vida, chega o
momento de experimentar, ou melhor, brincar com a literatura escrita, experiência que
aproxima o aluno dos livros e expande a sua noção de leitura.
Na passagem do texto oral para o texto escrito se encontra um grande desafio
para o educador-contador de histórias. A narrativa tende a perder o frescor e a
espontaneidade quando retirada do livro.
Qual história contar? A escolha do conto é sempre um momento muito
delicado e especial, é uma escolha pessoal, que varia de contador para contador, em que
pesam particularidades diversas: faixa etária do público ouvinte, o gosto do contador, a
escrita do autor, o exercício e hábito da leitura ou da escuta, a extensão da história e
aliado a todas essas particularidades, somam-se os elementos mágicos, os aspectos
subjetivos da escolha do texto, algo como acreditar que a história nos escolhe para a
contarmos.
Assim como o carpinteiro, que no relato de seu trabalho, diz entrar na floresta e
procurar a árvore certa, aquela que está esperando para se tornar a sua mesa, o contador
entra na biblioteca, na livraria, recorda histórias da oralidade em busca da história que
está a sua espera.
Nesse processo de escolha, podemos fazer uma analogia com o jogo do tarô:
quando abrimos o baralho em leque, não somos nós que escolhemos as cartas
conscientemente, mas estas nos chamam atenção “mudando de cor” aos nossos olhos.
Na etapa da escolha do conto é importante acreditar que as histórias também
escolhem você para que você as conte, e assim que o educador-contador tenha feito a
sua escolha é recomendável mergulhar na história, ler e reler. Na oficina A Arte de
Contar Histórias, trabalhamos com fábulas e outros textos curtos, como procedimento
metodológico para a experimentação das etapas seguintes. A escolha passa a ser apenas
um meio para o desenvolvimento das atividades da oficina, porém, deve ser encarada
como uma escolha amorosa e responsável, pois é a partir daí, do contato com o texto
escrito que vamos trabalhar o estudo do conto, através de jogos e exercícios que possam
facilitar esse processo.
Regina Machado (2004, p. 44) descreve este momento como “Estudo criador
do conto”, é como se o contador, no seu primeiro encontro com a palavra escrita,
perguntasse: “História, o que você tem para mim?”. A autora compara o estudo da
sequência narrativa a um trem e seus vagões:
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Uma história é uma idéia narrativa em desenvolvimento. Assim como um
trem tem uma locomotiva que puxa todos os outros vagões a ela ligados,
também a história tem um núcleo inicial a partir do qual ela se desenvolve até
o desfecho final. Uma necessidade, dificuldade ou busca; um rapto, tarefa ou
desafio, são núcleos possíveis, vagões da frente que tratam de estabelecer a
primeira parte da sequência narrativa.

A esta lição, de identificar o esqueleto da narrativa, compartilham diversos


contadores de histórias, Geoff Fox (1999, p. 103) recomenda:
Mergulhar na história, lendo-a duas ou três vezes. Mesmo que trabalhemos
com uma história ouvida de outro narrador, o conselho geral é o de que
identifiquemos o „esqueleto‟ da narrativa. Notamos que é melhor reduzir um
conto a um número de „estágios‟ – encontrar pontos de virada da narrativa, as
diferentes fases da ação.

A construção deste estudo se dá com os alunos da oficina dispostos em grupos,


sendo que cada um desses grupos escolhe o texto que vai trabalhar. Os alunos realizam
uma primeira leitura, depois reconhecem e listam os personagens desta história,
atribuindo-lhes características.
Essas características podem estar explícitas no texto ou podem ser inferidas
através das atitudes do personagem. Após listar as características, os alunos vão destacar
o esqueleto das ações. Este é o trabalho braçal do contador, o aluno lê e relê o conto, até
criar intimidade com o texto.
Na tentativa de internalizar o conto, trabalhamos com jogos que buscam o
brincar com as palavras, num exercício de memorização e imaginação. O jogo do Onde
Imaginário é um mergulho ao ambiente, espaço onde a história ocorre. Ele se dá a partir
de um local imaginado por cada aluno, tendo como inspiração a história já escolhida.
As histórias podem começar de diversas formas: apresentando um personagem
(quem): - “Era uma vez um casal de camponeses”; um local (onde): - “Muito longe
daqui, numa ilha cheia de bosques e castelos”; um tempo (quando) - “Numa época tão
distante que hoje a chamamos de Antiguidade”; ou uma ação (o quê): - “Os vikings
acreditavam que o Universo era uma árvore gigantesca”. No exercício Onde imaginário,
focamos nossa atenção na apresentação do lugar onde a história se passa.
De olhos fechados os alunos visualizam o local imaginário, após esse
momento de preparação os alunos se dispõem em círculo e cada um, sucessivamente,
transforma o espaço da sala de aula descrevendo o onde imaginário, negando sempre a
proposta apresentada pelo participante anterior. Ex: - Aqui é uma floresta.... - Nada
disso! Aqui é um castelo... As imagens narradas se relacionam com a memória dos
narradores e dos ouvintes, transformando a percepção do espaço real.
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Dando prosseguimento ao estudo criador do conto, ao nível narrativo do
trabalho do educador-contador, jogamos com a identificação e narração da personagem
da trama, para isso, propomos que cada um escolha uma personagem da sua história e
rememore as suas características. Após essa introspecção, convidamos cada aluno a
apresentá-la em primeira pessoa e posteriormente, em terceira pessoa.
Por exemplo, o aluno se apresenta narrando em primeira pessoa e diz: “Eu sou
uma tartaruga que ando muito lentamente, sou calma e solidária; na outra rodada ele
introduz esta mesma personagem na história, agora em terceira pessoa: “Era uma vez
um tartaruga que andava lentamente, bem lenta, quase parando, era calma e solidária”.
Numa última variação do exercício, os participantes mesclam os discursos apresentando
a personagem com a presença do narrador: Era uma vez uma tartaruga que andava
lentamente. - Sou uma tartaruga e vou andando devagar, devagar, devagar...
Assim, experimentamos a narração realizada nas formas de discurso direto
(em primeira pessoa), indireto (terceira pessoa) e misto (primeira e terceira pessoa).
Através desse exercício o aluno vivencia a capacidade criativa e suas potencialidades
corpóreo-vocais variando os tipos de discurso presentes na narrativa, tais como os
apresentados por Maria Lúcia Pupo (2005, p. 66)
Discurso direto: Os acontecimentos verbais são relatados em sua forma
original; o narrador faz os personagens falarem;

Discurso indireto: O narrador assume sua visão dos acontecimentos, ele fala
no lugar dos personagens;

A proposta seguinte incentiva a sonoridade e a experimentação com o pique-


ritmo da história. Cada participante deve escolher um momento da sua história e brincar
com ele, buscando uma sonoridade, um pique-ritmo. Os participantes são levados a
encontrar a cadência da história, um “movimento rítmico que envolve rapidez, lentidão,
pausa, voz alta, voz baixa” (MACHADO, 2004, p. 72), criar um ritmo, uma sonoridade
para o momento escolhido.
No jogo de pique-ritmo os alunos são levados a experimentar as possibilidades
rítmicas do conto. Regina Machado (2004, p.71) ressalta a importância do contador na
sua busca pela pulsação da história:
A cadência é o ritmo, a respiração do contador de histórias, em consonância
com a respiração da história. Para poder acompanhar a cadência da história é
necessária a disposição interna do contador, para deixar-se levar pela
respiração, pela cadência, pelo fluxo da narrativa, modulando voz, gesto e o
olhar, de acordo com os diferentes climas „expressivos‟ que o texto propõe.
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Na Oficina A Arte de Contar Histórias, a preparação da narração oral é
constituída de uma aprendizagem lúdica de reconhecimento e redescoberta das
capacidades e potencialidades corpóreo-vocais do educador-contador. Exercícios de
respiração e expressão vocal, caminhadas pelo espaço, dão suportes para esse
reconhecimento.
Contar Histórias é brincar com as palavras, identificar cada momento da
histórica como único. Na oficina os participantes brincam com as palavras e com a voz,
arremessam as palavras-chaves da história no espaço, cochicham a história para um
ouvinte-participante, contam somente com as mãos ou numa língua inventada,
conservando a intenção do momento. Nessa experimentação com as palavras, os
participantes contam, ao final da oficina, a história escolhida do começo ao fim, com
pique-ritmo, corpo-voz e emoção, valorizando a narração simples, sem acessórios
externos e sem grandes movimentações e deslocamentos pelo espaço.
Trabalhar com contação de histórias é uma oportunidade de facilitar o
processo de retomada da oralidade, ou da consciência da voz, de professores e
estudantes. Por isso não temos a pretensão de ensinar como contar histórias, este
trabalho é visto como uma semente. Na oficina somos sempre aprendizes, na
perspectiva de uma auto-educação, e desta forma, acreditamos que o trabalho da escuta
é o maior estímulo para os educadores-contadores. O nosso objetivo é que a cada
oficina ministrada ocorra o incentivo para a formação de grupos interessados em estudar
formas de transmissão desse saber, para que, através desta prática, o educador-contador
construa sua própria performance.

BIBLIOGRAFIA
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1995.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1996.
FIGUEIREDO, Renata. A arte de contar histórias como profissão:desafios da narrativa
no mundo contemporâneo. São Luís: UFMA, 2009. (monografia não publicada)
FOX, Geoff e GIRARDELLO, Gilka. A Narração de Histórias em Sala de Aula. In:
Ensino do Teatro. Experiências Interculturais. Beatriz Cabral (org). Florianópolis:
Imprensa Universitária, 1999.
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MACHADO, Regina. ACORDAIS, fundamentos teórico-poéticos da arte de contar
histórias, São Paulo, Ed. Difusão Cultural do Livro, 2004
MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias. São Paulo, Ed. Martins
Fontes, 2005
PATRINI, Maria de Lourdes. A renovação do conto: emergência de uma prática oral. São
Paulo: Ed Cortez, 2005.
PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Entre o mediterrâneo e o atlântico: uma aventura
teatral. São Paulo. Ed Perspectiva, 2005
VASCONCELOS, Gisele. Ator-Contador, a narrativa em performance. Memória
ABRACE Digital. Anais da VI Reunião Científica, 2011.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

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