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A primeira república: sujeitos e projetos políticos

O século XIX foi marcado por transformações sociais, econômicas e políticas e


por rupturas e continuidades. A revolução técnico-cientifica, a partir de meados do
século XIX, representou uma expansão da economia capitalista com o surgimento da
eletricidade e dos derivados do petróleo e, consequentemente, de novos ramos
industriais e científicos, possibilitando o incremento de novos produtos na sociedade –
por exemplo, a radiodifusão, a televisão, a iluminação elétrica, o telefone, o automóvel,
os antibióticos, as comidas enlatadas, entre outros – mudando radicalmente o
cotidiano dos sujeitos. No Brasil, politicamente, uma grande mudança ocorreu em 15
de novembro de 1889, a Proclamação da República, um golpe militar que destituía a
monarquia e instaurava uma república federativa. Tanto a modernidade, quanto a
drástica transformação política serão sentidas de diferentes maneiras pelos sujeitos
que compõem o Brasil.

Os brasileiros perceberam o progresso de forma diferente, de acordo com


Margarida Neves, o clima era de vertigem/aceleração do tempo e marasmo. A primeira
era sentida pela população da capital federal, o Rio de Janeiro, e algumas outras
capitais da federação. Entretanto, nos sertões, nas fazendas, nas vilas do país,
“parecia transcorrer tão lentamente que sua marcha inexorável mal era percebida”,
como pode ser percebido no trecho de Graciliano Ramos: 1

Mergulhei numa comprida manhã de inverno. O açude apojado, a roça


verde, amarela e vermelha, os caminhos estreitos mudados em riachos,
ficaram-me na alma. Depois veio a seca. Árvores pelaram-se, bichos
morreram, o sol cresceu, bebeu as águas, e ventos mornos espalharam
na terra quimada numa poeira cinzenta. Olhando-me por dentro,
percebo com desgosto a segunda paisagem. Devastação, calcinação.
Nesta vida lenta sinto-me coagido entre duas situações contraditórias –
uma longa noite, um dia imenso e enervante, favorável à modorra.
(Ramos, 1978, p. 20)

Três correntes disputavam qual ideologia, qual a natureza o novo regime


seguiria, baseando-se em eventos/pensamentos externos ao Brasil. O jacobinismo
francês teve espaço entre aqueles que desejavam a democracia direta, ou seja, a
participação de todos os cidadãos diretamente no governo. A república, no

1
NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século
XX. p. 11. In: DELGADO, Lucilia; FERREIRA, Jorge. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo
oligárquico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
positivismo, “era vista dentro de uma perspectiva mais ampla que postulava uma
futurada idade de ouro em que os seres humanos se realizariam plenamente no seio
de uma humanidade mitificada”.2 Já a linha de pensamento que venceu essa disputa
baseou-se no liberalismo estadunidense, “uma sociedade composta por indivíduos
autônomos, cujos interesses eram compatibilizados pela mão invisível do mercado”.3
Esse embate pode ser percebido na disputa em torno das versões sobre 15 de
novembro, versões que colocavam o protagonismo do evento em diferentes sujeitos:
Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva e Floriano Peixoto.
Dentro da necessidade de se ter um herói nacional, símbolos que penetrem no
imaginário do povo e ajude a aceitação do novo regime. No final das disputas, esse
grande herói capaz de unir a todos será o perseguido do império, o inconfidente
mineiro Tiradentes.

A implantação da república começou antes do dia 15 de novembro de 1889 e


ultrapassou essa data. Em 1870 foi fundado o Partido Republicano no Brasil, formado
por jovens intelectuais, artistas, políticos e militares contra a monarquia. Uma reforma
eleitoral e um projeto de instrução pública foi criado em 1881. Em 1888, a escravidão
foi abolida no Brasil, gerando a insatisfação de grandes senhores de terra. Em 1889, a
república foi proclamada com o apoio de militares radicais, fazendeiros de café
paulista (que desejavam a implantação do sistema federalista) e políticos
republicanos.

A Constituição de 1891 possuía como princípios – baseando-se no modelo


estadunidense - o individualismo e federalismo. Garantindo a autonomia dos estados,
importante para a manutenção do poder das elites locais; extinguindo duas
importantes instituições do império, os presidentes da província e a guarda nacional
(assim o exército era colocado como órgão mais importante para a manutenção da
ordem); separando a igreja do Estado; e criando o remédio constitucional do habeas
corpus. Eleições foram realizadas para a escolha do presidente e do vice-presidente (à
época, a eleição para cada um desses cargos do executivo era independente), sendo
eleitos o marechal Deodoro da Fonseca para a presidência e o marechal Floriano
Peixoto para a vice-presidência – inclusive, o vice foi eleito com mais votos que o
presidente.

Havia um grande desejo de promover a modernização do país a todo custo.


Entretanto alguns sujeitos ameaçavam a ordem e o progresso, ameaçavam, para os

2
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das letras. 1990. p.10
3 Idem
republicanos, a sua própria existência. Em 1893, as autoridades baianas alertavam os
dirigentes no Rio de Janeiro sobre do povoado de Canudos, no sertão da Bahia que
possuía um grupo de fanáticos religiosos, pregando doutrinas que iam de encontro à
religião e ao Estado. O movimento de canudos, visto como messiânico4, foi vitorioso
nas três tentativas empreendidas pelas autoridades de acabar com a comunidade.
Diante dessas sucessivas derrotas, foi atribuída “aos revoltosos a imagem de
conspiradores monarquistas, decididos a derrubar o novo regime, mantidos,
organizados e fortemente armados a partir do exterior por líderes expatriados do
regime imperial”.5

Euclides da Cunha, jovem positivista, foi o correspondente de guerra e


acompanhou a batalha de Canudos. Chegando ao local, a sua visão sobre a
comunidade destoou da contada pelo governo:

Eram apenas trabalhadores rurais pobres, sem nenhuma educação


formal, com um profundo sentimento religioso e que estavam atordoados por
mudanças de grande impacto simbólico ocorridas num repente, sem que eles
fossem minimamente esclarecidos sobre seu significado, seu surgimento ou
razão de ser. Para eles, [...] o imperador era uma figura sagrada. [...] De resto,
além de tentar manter no seu mero isolado e em seus lares o zelo e o respeito
por esses princípios sagrados, eles só estavam tentando se defender dos
desmandos das autoridades e dos potentados locais, usando para isso as
armas que haviam tomado dos seus próprios perseguidores.6

A modernização da cidade-capital ocorria em três grandes setores: saúde


(saneamento básico), infraestrutura (reforma urbana) e no porto. A reforma urbana foi
liderada por Pereira Passos que derrubou residências da área central, desabrigando
moradores sem nenhum tipo de indenização, e construções do período imperial. É
perceptível a visão de que para o progresso republicano havia a necessidade de
apagar alguns resquícios do período imperial, o mesmo ocorre na cidade de Salvador,
no século XX, no projeto de modernização de J.J Seabra – apesar da elite baiana
valorizar o seu passado para melhorar sua posição no presente, no mesmo presente,
essas elites abandonam o centro histórico e suas residências, derrubando essas

4
A historiografia da década de 1960 estuda esses movimentos, ditos messiânicos, a partir de ensaios e
interpretações da sociologia que percebe uma espécie de formação do catolicismo rústico. Os indivíduos
fazem sem consciência dos seus atos, não tendo um tom político. É um movimento visto como
desgarrado das questões econômicas, materiais.
5 SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: ______

História da vida privada no Brasil republicano: da Bélle Époque à Era do Rádio. São Paulo, Companhia
das Letras, 1999, vol. 3
6 Idem
construções para o projeto modernizador ou deixando arruinar-se. No Rio de Janeiro,
às custas do Bota Abaixo surgiria uma cidade dita civilizada – iluminada, higiênica, de
ruas e avenidas com traçados retilíneos e largo, por onde passariam veículos de
passageiro a motor. Sem ter onde morar, essa população desabrigada busca ocupar
outras áreas, a margem do centro. Dessa maneira, surgiram as favelas.

Oswaldo Cruz comandou o saneamento básico. Os agentes do estado


invadiam residências com o pretexto de vacinar contra a varíola, caso verificassem
que a residência não tinha condições para habitação (o que com certeza seria
verdade) poderiam evacuar. A população não aceitou bem essas ordens e
promoveram uma grande revolta que ficou conhecida como Revolta da Vacina, em
1904.

O governo federal percebeu a necessidade de se associar com as autoridades


locais. Era necessário o apoio dos Estados, na figura do governador, para ser o elo de
sustentação do executivo federal. A política dos governadores era uma troca de
favores entre a união e os estados. E, na base, dessa política estava a figura do
coronel que exercia o poder local.

Os primeiros anos da república foram de grande instabilidade, caos,


desorganização, ausência de espírito cívico, fraudes eleitoras – por isso, parte da
historiografia denomina de “República Velha”. Mas não foi apenas isso. A primeira
república foi composta de avanços, de um rico processo político de diferentes atores
que deve ser levado em consideração.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
FCH190 – HISTÓRIA DO BRASIL III

DEIVID WILSON NASCIMENTO BASTOS CERQUEIRA

A PRIMEIRA REPÚBLICA: SUJEITOS E PROJETOS POLÍTICOS

SALVADOR
2019
DEIVID WILSON NASCIMENTO BASTOS CERQUEIRA

A PRIMEIRA REPÚBLICA: SUJEITOS E PROJETOS POLÍTICOS

Trabalho solicitado como nota parcial


para a aprovação na disciplina História do
Brasil III, turno noturno, graduação em
História pela Universidade Federal da
Bahia – UFBA.

Orientadora: Profa. Dra. Wlamyra


Albuquerque

SALVADOR
2019

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