anais da telecomunicação
A AGONIA DA OI
Como as sucessivas intervenções do governo e a ganância dos acionistas majoritários arruinaram uma
campeã nacional
CONSUELO DIEGUEZ
Com dívida de 65,4 bilhões de reais, a Oi entrou em recuperação judicial. Credores de fundos internacionais, chamados “abutres”,
brigam pelo que restou da maior operadora brasileira ILUSTRAÇÃO: NADIA KHUZINA_2017
OS BRASILEIROS
N
a tarde de 8 de junho do ano passado, os controladores da Oi, a
maior operadora de telefonia fixa brasileira, reuniram-se na sala do
Conselho de Administração da companhia, instalado em um prédio
na praia de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, para uma
videoconferência com o então presidente da empresa, Bayard Gontijo. O
momento era tenso. Com uma dívida que já ultrapassava 65 bilhões de
reais e o caixa fazendo água, a empresa se desmanchava. Gontijo estava
em Nova York, no escritório de uma empresa de assessoria financeira,
contratada três meses antes para ajudá-lo na negociação da dívida junto a
credores internacionais.
C
ostuma-se dizer no mercado que, como nos acidentes aéreos, uma
empresa não quebra apenas por uma causa. A premissa se aplica
também à Oi. Em geral os analistas destacam duas razões
principais que contribuíram para a derrocada da companhia: a utilização
abusiva da empresa por seus antigos controladores – os grupos Andrade
Gutierrez e La Fonte – e a excessiva interferência governamental. “A Oi é
uma história de quase vinte anos de espoliação dos investidores”, disse
Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de
Capitais, durante uma conversa que tivemos em novembro passado, num
restaurante no Centro do Rio. “Tudo o que os acionistas controladores
fizeram foi gerar valor para eles mesmos em detrimento da companhia”,
sentenciou. “Quem comprou ações da empresa no mercado confiando no
negócio está agora com um mico na mão. Foram golpes sucessivos nos
minoritários. E a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do
mercado de capitais, fechou os olhos”, disse.
Os sócios privados logo demonstrariam que o que era bom para eles nem
sempre era bom para a companhia. Como a venda da Pegasus para a
Telemar, em 2002. A Pegasus era uma provedora de serviço de dados,
que pertencia a Andrade, a La Fonte, ao Opportunity e ao GP. A empresa
passava por dificuldades financeiras e foi vendida para a Telemar por
335,8 milhões de reais, sem que seus donos explicassem como se chegou a
tal valor. A Telemar ainda arcou com a dívida de 339,1 milhões de reais
da empresa absorvida. “Além de fixar o preço aleatoriamente, os donos
ainda empurraram a dívida da Pegasus para dentro da Telemar”,
reclamou Mauro Cunha, da Associação de Investidores em Mercado de
Capitais.
N
essa mesma época, a situação na concorrente Brasil Telecom (BrT)
também não era nada confortável. Daniel Dantas, do Opportunity,
envolveu-se numa briga encaniçada pelo comando da companhia,
com dois controladores da empresa – a Telecom Italia e os fundos de
pensão das estatais. Os fundos, liderados pela Previ, do Banco do Brasil,
exigiram uma verificação dos contratos com o Opportunity. Não
gostaram do que encontraram. Descobriram que os termos eram
desvantajosos para eles e que o banco, como gestor, adotava práticas que
os prejudicavam.
S
érgio Lins Andrade, 67 anos, é um sujeito soturno, que fala pouco e
observa muito. Seu pai, Roberto Andrade, foi o fundador da
Andrade Gutierrez, em 1948, junto com o irmão e um amigo, Flavio
Gutierrez. A empresa, nascida em Minas Gerais, prosperou no governo
Juscelino Kubitschek. Sérgio, o primogênito, foi criado sozinho com a
mãe em Copacabana, no Rio de Janeiro, após a separação dos pais (seu
irmão mais novo, Marcos, morreu muito jovem). O pai o enchia de
mimos. Presenteou-o com um veleiro de 21 pés, que Sérgio batizou de
Vagaba. Ele também adorava carros, dirigia com habilidade e costumava
fazer pegas com os amigos na sinuosa avenida Niemeyer, que liga o
bairro do Leblon a São Conrado, no Rio.
Formou-se em engenharia e, ainda jovem, montou com dois amigos uma
empresa de prestação de serviços submarinos. Certa vez, em Sergipe,
após mergulhar seguidas vezes no mar levando equipamentos para
conserto de uma plataforma, Andrade sofreu uma embolia gasosa e ficou
tetraplégico. Após meses em tratamento, recuperou os movimentos.
Como sequela, passou a mancar de uma perna. Depois do acidente,
deixou a sociedade e juntou-se ao pai na empreiteira. Com ele no
comando, a Andrade Gutierrez agigantou-se, tornando-se um dos
maiores grupos privados da América Latina.
A dívida dos dois controladores com o BNDES sempre foi uma dor de
cabeça para o crescimento da companhia. Para pagar os juros dos
empréstimos que contraíram com o banco na compra da Telemar e na
criação da Oi, eles recorriam ao caixa da operadora, forçando a Oi a
distribuir vultosos dividendos. Nunca puseram dinheiro próprio no
pagamento de suas dívidas. Essa excessiva distribuição de dividendos –
que chegou a 14 bilhões de reais em dez anos – prejudicava a operadora,
já que os recursos retirados para remunerar os acionistas deveriam ser
empregados em investimentos num setor altamente dinâmico.
O
que colocou a Oi de vez na rota do desastre, na avaliação de muita
gente da área, foi a decisão de Lula, em 2008, sob orientação do
presidente do BNDES, Luciano Coutinho, de criar uma supertele,
que surgiria da união da Brasil Telecom com a Telemar. No raciocínio do
Planalto, era importante para o país ter uma grande companhia telefônica
nacional. Como a BrT era uma empresa pequena, cobrindo apenas parte
do território, e a Telemar, embora grande – operava em dezesseis estados
–, estava muito endividada, ambas seriam alvo fácil de aquisição por uma
multinacional. O governo temia que o país ficasse com suas
telecomunicações nas mãos de estrangeiros.
Após a compra da BrT, a dívida bruta da Oi, que era de 9,4 bilhões de
reais em 2007, saltou para 29,9 bilhões em 2009, enquanto o caixa da
empresa encolheu. Para fazer frente ao pagamento de juros e
amortizações, os controladores exigiram uma distribuição ainda maior de
dividendos. Em 2009, a empresa pagou 1,6 bilhão em distribuição de
lucro aos acionistas. Naquele ano, investiu-se 30% a menos que em 2008.
Sem dinheiro para expandir a operação, a companhia passou a perder
clientes e mercado.
J
uarez Quadros é o atual presidente da Anatel. Secretário-Executivo
do Ministério das Comunicações à época da privatização, foi um dos
técnicos que ajudaram a desenhar o modelo de venda das teles.
Quadros é um crítico da operação de compra da BrT pela Telemar.
Considera que, depois disso, a operadora desandou de vez. Para ele,
embora o governo Lula não tenha cometido ilegalidade ao alterar a lei
para reunir as duas concessionárias, o projeto de criação da supertele foi
um equívoco. “Ao se juntar duas companhias endividadas, aumentou-se
o tamanho do problema”, disse ele em janeiro passado, durante uma
conversa na sede da agência, em Brasília. Quadros sustenta que o
governo deveria ter feito uma intervenção na companhia em 2010,
quando já estava claro, pelo crescente endividamento e incapacidade de
investir, que não havia saída para a Oi.
OS PORTUGUESES
E
m 2005, José Sócrates, secretário-geral do Partido Socialista
português, tornou-se primeiro-ministro do país e logo se aproximou
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No rastro dessa amizade,
outros políticos do Partido dos Trabalhadores estreitariam os laços com
os portugueses. José Dirceu, quando ainda ministro da Casa Civil, viajava
com frequência a Portugal. Depois que foi obrigado a deixar o governo
em 2005, envolvido no escândalo do mensalão, Dirceu iria utilizar seus
contatos ultramarinos para fazer decolar sua nova carreira: a de
consultor. Nesse ramo, passou a prestar serviços para empresários que
quisessem fazer negócios no Brasil, sobretudo aqueles que tivessem
relação com o governo.
R
icardo Salgado, um dos herdeiros da mítica família Espírito Santo,
costumava vir com frequência ao Brasil logo após a Revolução dos
Cravos, que pôs fim à ditadura portuguesa, em 1974. Sua família
chegou a pensar em transferir parte dos negócios do grupo para o Brasil,
temendo o tratamento que teriam depois da revolta de abril. Foi numa
dessas viagens que ficou amigo de Sérgio Andrade. Quase quarenta anos
depois, os dois se tornariam sócios nas operadoras, com as bênçãos de
Lula e Sócrates.
S
érgio Andrade e Carlos Jereissati precisavam desesperadamente que
Bava tirasse a Oi do atoleiro. A dívida deles com o BNDES saíra do
controle. Juntos, deviam 4,5 bilhões ao banco estatal e o principal da
dívida venceria em maio do ano seguinte. Para piorar, o Brasil sofria as
consequências da crise econômica internacional, que forçara uma alta dos
juros, impactando os desembolsos que eles tinham que fazer para honrar
seus compromissos bancários e os da companhia, que só aumentavam.
Em Portugal, o Banco Espírito Santo também fora atingido pela crise e o
mercado especulava se a instituição conseguiria sobreviver. Como os
sócios brasileiros, Salgado necessitava urgentemente de recursos da Oi
para tapar o rombo do seu banco.
Bava, cujo passe para comandar a Oi fora de 105 milhões de reais a serem
pagos em dois anos, não tinha nada de positivo para apresentar. Ainda
assim, a Oi fez um derradeiro pagamento de dividendos de 500 milhões
de reais aos acionistas em 2013. No final daquele ano, quando já estava
evidente que os números da empresa só pioravam, os controladores
anunciaram um acordo de fusão da PT com a Oi. O modelo desenhado
previa, além da junção dos ativos e passivos das duas operadoras, um
aumento de capital na nova empresa – que seria chamada de CorpCo –,
por meio da emissão de ações no mercado. Isso reforçaria o caixa da
companhia nascida da fusão. A participação da Andrade Gutierrez e da
La Fonte seria diluída. A PT/Oi seria uma empresa sem dono, nos
mesmos moldes da PT, cujo maior acionista, o Banco Espírito Santo,
detinha uma participação de 10%.
Para o BNDES, que vinha sendo criticado por sua política de campeões
nacionais – dado que a maioria das empresas financiadas por ele
enfrentavam problemas de caixa – foi um alívio. O Banco se livrou de um
calote bilionário, de uma dívida que ajudou a construir.
M
esmo com tantos senões, a fusão entusiasmou parte do mercado.
Muitos acionistas avaliaram que o desligamento da Andrade e da
La Fonte faria um enorme bem à operadora, já que eles deixariam
de sangrar o caixa da empresa. O discurso de Zeinal Bava, de que estava
nascendo uma robusta operadora intercontinental que atenderia a 260
milhões de clientes no Brasil, em Portugal, na África e na Ásia, foi
fundamental para convencer os investidores, sobretudo os portugueses.
Apesar de tudo, ainda o consideravam o “Messi das telecomunicações”.
Os governos do Brasil e de Portugal também abençoaram o negócio. Com
a fusão, se estaria criando uma supertele internacional de língua
portuguesa que poderia se transformar em uma das maiores operadoras
do mundo.
Com o caixa negativo, a operação era inviável. A única saída era a venda
da companhia. E assim foi feito. Após um ano de negociação, os
brasileiros venderam a operadora portuguesa para a francesa Altice por
7,4 bilhões de euros. Embora abalados moralmente, os sócios portugueses
sabiam que, se não fechassem o negócio, a dívida da PT seria descontada
da participação que tinham na Oi. “Foi a única maneira de garantir nosso
investimento no Brasil. Foi triste, mas tivemos que ser pragmáticos”, me
disse um acionista.
O DESFECHO
O
juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro,
tremeu quando soube que o processo de recuperação judicial da Oi
tinha sido sorteado para a sua jurisdição. Sabia que teria nas mãos o
maior caso de recuperação judicial da história do país.
Seus assessores contaram que o processo, com mais de 100 mil páginas,
só está sendo analisado porque, poucos meses antes, todo o sistema do
tribunal foi informatizado. Ainda assim, o departamento de informática
teve que fazer adaptações no sistema para receber o caso da Oi. Até
então, o sistema tinha sido desenvolvido para comportar até 99 mil
páginas.
N
as primeiras semanas depois de decretada a recuperação judicial, os
credores internacionais começaram a atacar a Oi. A maior parte da
dívida da companhia lá fora pertence a fundos de investimento
conhecidos no mercado como “fundos abutres”. Funcionam assim:
correm atrás de investidores que pagaram um valor alto pelos títulos de
uma empresa combalida, e oferecem um valor irrisório por eles. Os donos
originais dos títulos, temerosos de perder tudo, aceitam o negócio
entregando o papel por um valor que às vezes chega a ser 95% menor do
que pagaram. De posse desses títulos, esses fundos começam a pressionar
os controladores das companhias a lhes entregar a empresa em troca da
dívida para retalhar e vender carcaça ao mercado, auferindo bons lucros.
A Oi está cercada por vários desses abutres.