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(2017) 287
http://dx.doi.org/10.21707/gs.v11.n02a20
Edna Maria Ferreira Chaves1*, Rodrigo Ferreira de Morais2, Roseli Farias Melo de Barros3
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), Núcleo de Hospitalidade, Lazer e Produção Alimentícia/Doutorado em Desenvolvimento
e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Av. Pedro Freitas, 1020, CEP: 64001-010, Teresina, PI, Brasil.
2
Doutorado em Botânica da Universidade do Estado Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Depto. Botânica, Av. 24A, CEP: 13506-900, Rio
Claro, SP, Brasil.
3
Universidade Federal do Piauí, Departamento de Biologia, DDMA, Herbário Graziela Barroso, Av. Av. Universitária, 1310, CEP: 64049-550,
Teresina, PI, Brasil.
* Autor para correspondência: emfchaves@gmail.com
Recebido em 19 de junho de 2016. Aceito em 04 de abril de 2017. Publicado em 29 de julho de 2017.
Resumo - As práticas alimentares humanas sofrem influência de aspectos econômicos, sociais, psicológicos e de tradições
culturais, tendo papel significativo na nutrição. Objetivou-se conhecer as práticas alimentares tradicionais para o uso
de plantas silvestres; analisar as relações entre as práticas de manejo e a exploração das espécies alimentícias; verificar a
similaridade do conhecimento e uso das plantas alimentícias entre os municípios e entre as comunidades e, verificar se os
informantes diferem plantas de uso emergencial das de uso não emergencial em comunidades dos municípios de Buriti
dos Montes e Cocal, Piauí, Brasil. Realizou-se 93 entrevistas com formulários semiestruturados \Ce registro gráfico e/
ou fotográfico da execução de 104 práticas alimentares tradicionais, alocadas em 28 subcategorias de uso. Das 79 espécies
alimentícias silvestres incluídas, 44 (55,69%) foram classificadas como de uso emergencial e 35 (44,30%) como de uso não
emergencial. Quanto à motivação para consumo destacaram-se disponibilidade do recurso (93 - 100% dos informantes
para 49 - 62,02% das espécies), seguido por escassez de alimento por seca (22 - 27,84%) e escassez de alimentos por outras
causas (19 - 24,05%). As comunidades estudadas conhecem práticas alimentares com uso de plantas silvestres, inclusive de
uso emergencial, embora algumas dessas encontrem-se em desuso ou estejam subutilizadas.
Popular food practices using wild plants: a potential to minimize nutritional insecurity in the semiarid
Abstract - Human food practices are influenced by economic, social, psychological and cultural aspects, and play a
significant role in nutrition. This studyaimed to know the traditional food practices for the use of wild plants, analyze the
relationship between the management practices and the exploitation of food species, verify the similarity of knowledge
and use of food plants between municipalities and between communities, and verify if the informants can differ plants
of emergency use from those of non-emergency use in communities in the municipalities of Buriti dos Montes and
Cocal, Piauí State, Brazil. Ninety-three interviews with semi-structured forms were carried out, making graphic and/or
photographic records of the execution of 104 traditional food practices, which were classified in 28 subcategories of use.
Of the 79 wild food species listed, 44 (55.69%) of them were classified as of emergency use and 35 (44.30%) as of non-
emergency use. Regarding the motivation for consumption, the resource availability (93-100% of the interviewees and
49-62.02% of the species) stood out, followed by food shortage due todrought (22 - 27.84%) and food shortagedue to
other causes (19 - 24.05%). The studied communities know food practicesfor the use of wild plants, including species of
emergency use, although some of them are in disuse or underutilized.
Prácticas alimentarias populares con el uso de plantas silvestres: Un potencial para minimizar la inseguridad
alimentaria en la región semiárida del nordeste de Brasil
Resumen – Las prácticas alimentarias humanas son influenciadas por aspectos económicos, sociales, psicológicos y
culturales, con papel importante en la nutrición. Los objetivos deesta investigación fueron conocer las prácticas alimentarias
tradicionales para el uso de plantas silvestres, analizar la relación entre las prácticas de manejo y la explotación de las
especies de plantas alimenticias, verificar la similitud del conocimiento y uso de plantas alimenticias entre los municipios
y entre las comunidades, y verificar si los informantes pueden diferenciar las plantas de usoemergencialde lasde uso no
emergencial en las comunidades de los municipios de Buriti dos Montes y Cocal, Estado de Piauí, Brasil. Se realizaron 93
entrevistas con cuestionarios semiestructurados y se hizo el registro gráfico y/o fotográfico de la ejecución de 104 prácticas
alimentarias tradicionales, divididas en 28 subcategorías de uso. De las 79 especies alimenticias silvestres registradas, 44 (el
55,69%) se clasificaron como de uso emergencial y 35 (el 44,30%) como de uso no emergencial. En cuanto la motivación
para el consumo, se destacaron la disponibilidad de los recursos (del 93 al 100% de los entrevistados y del 49 al 62.02% de
las especies), seguido de la escasez de alimentos debido a la sequía (del 22 al 27.84%) y de la escasez de alimentos debido
a otras causas (del 19 al 24.05%). Las comunidades investigadas conocen los hábitos alimentarios con el uso de plantas
silvestres, incluso las especies de uso emergencial, aunque algunas de ellas se encuentran en desuso o están subutilizadas.
Introdução
As práticas alimentares humanas contam histórias escondidas por um mosaico de sabores e texturas,
que contêm muitos significados simbólicos revelados nas diferenças dos costumes entre os povos e na
significação que cada prato possui de acordo com a ocasião (Murta et al., 2010), refletindo padrões alimentares
das comunidades. Sofrem a influência das tradições culturais, dos aspectos psicológicos, sociais e econômicos
(Chaves, 2009; Campos et al., 2015), do desenvolvimento da indústria de alimentos, da difusão das mídias e do
discurso científico, atuando sobretudo na alimentação e tendo papel significativo na nutrição (Geyzen, 2011;
Cruz et al. 2014; MS, 2015).
De acordo com Rotenberg e Vargas (2004) tanto a nutrição, quanto as práticas sociais relacionadas à
alimentação devem ser entendidas como práticas alimentares, uma vez que o significado de nutrir, de comer,
vai além do mero ato biológico. Nessa perspectiva, esses autores compreendem como práticas alimentares “a
seleção, o consumo, a produção da refeição, o modo de preparação, de distribuição, de ingestão, isto é, o que se
planta, o que se compra, o que se come, [...], conjugado como parte integrante das práticas” de uma comunidade.
Nesse contexto, a alimentação tradicional resulta de um conjunto de táticas, em que os gestos são sutis
e os ritos, códigos, hábitos herdados e costumes repetidos, determinam o ritmo das opções que resultam na
inventividade possível, de acordo com os recursos disponíveis, a fim de garantir a nutrição da família (Certeau et
al., 2009). Algumas dessas práticas tradicionais incluem plantas alimentícias silvestres (Medeiros e Albuquerque,
2014), que contribuem para atender às necessidades nutricionais diárias (Nascimento et al., 2011, 2012; Chaves
et al., 2015). Mas, apesar do grande potencial da flora, tabus alimentares e/ou desconhecimento de como utilizá-
las, adicionados à carência ou baixa disponibilidade de alimentos advindos da pecuária e dos roçados, expõem a
riscos a segurança alimentar de comunidades menos favorecidas (Rodrigues et al., 2012).
As publicações mundiais, que fazem referência às práticas alimentares humanas com uso de plantas
silvestres, vão desde abordagens históricas (King, 1994; Łuczaj, 2008) e literárias (Cascudo, 2004; Fonseca et
al., 2011), permeiam outras áreas das ciências, incluindo Ecologia (Organ et al. 2014; Schulp et al. 2014) e
Etnobiologia (Santayana et al., 2007; Arnaiz, 2010; Svanberg e Ægisson, 2012; Łuczaj et al. 2013; Medeiros e
Albuquerque, 2014), chegando por fim à formulação de produtos (Liu et al., 2012; Ju et al. 2013). Entretanto,
há carência de estudos que abordem de forma específica essa temática e que possibilitem o aproveitamento dos
recursos locais com vistas à segurança alimentar e nutricional dessas populações (Nascimento et al., 2012).
Para conhecer as práticas alimentaresde uma comunidade e assim poderavaliar a similaridade desse
conhecimento e as variáveis ecológicas envolvidas, se faz necessário compreender como o consumo acontece
dentro e fora dos domíciliose as etapas percorridas pelo alimentos que culminam com a ingestão, além, de entender
a orientação dos grupos humanos envolidos (Rotenberg e Vargas, 2004; Fonseca et al., 2011; Nascimento et al.,
2012; MS, 2015).
Partindo da premissa de que os moradores das comunidades Bebedouro, Oiticica, Itapecuru e Pinga
possuem estreita convivência com as plantas utilizando-as para fins alimentícios, sejam detentoras de saberes
acerca das ações necessárias à ingestão dessas plantas, objetivou-se conhecer as práticas alimentares tradicionais
para o uso de plantas silvestres; analisar as relações entre as práticas de manejo e a exploração das espécies
alimentícias; verificar a similaridade do conhecimento e uso das plantas alimentícias entre os municípios e entre
as comunidades e, verificar se os informantes diferem plantas de uso emergencial das de uso não emergencial.
Material e métodos
Área de estudo
Foi realizado levantamento etnobotânico junto a quatro comunidades rurais: Bebedouro e Oiticica, no
município de Buriti dos Montes; e Itapecuru e Pinga, no município de Cocal, ambos situados no estado do Piauí,
Nordeste do Brasil (Figura 1).
Buriti dos Montes possuiárea de 2.652,106 km², população residente 7.974 habitantes, sendo 5.553 na
zona rural, densidade demográfica 3.01hab/km2. A sede localiza-se nas coordenadas 05º18’43”S e 41º05’52”W,
distando 250 km de Teresina, capital do Estado. Cocal possui área de 1.303,685 km², população residente
26.036 habitantes, sendo 14.016 na zona rural, densidade demográfica 20,51 hab/km2. Asede localiza-se nas
coordenadas 03°24’53,9”S 41°40’03,9”W e dista 273 km da capital do Estado (IBGE, 2010). A temperatura
média anual e a precipitação média anual de Buriti dos Montes e de Cocal são, respectivamente, de 24,4°C e
26,6°C e de 1.100,8 mm e 1.168,4 mm, com maior pluviosidade nos meses de março a maio, com excedente
aproximado de 271,0 mm, e menor nos meses de julho a dezembro, podendo atingir deficiência no solo de
763,0 mm. Segundo a classificação de Köppen, as áreas de estudo estão inseridas sob o domínio dos climas Aw’
- Tropical, com máximos pluviométricos no verão (Medeiros, 2004).
Figura 1 - Localização dos municípios de Buriti dos Montes e Cocal, no Piauí, Nordeste do Brasil, com destaque para as
localidades de Bebedouro, Itapecuru, Oiticica e Pinga.
possui saneamento básico e tem como fonte de água vários poços e olhos d’água em sua maioria intermitentes.
Os moradores, em sua maioria, dependem da agricultura de subsistência, principalmente o cultivo de feijão (P.
vulgaris), jerimum (Cucurbita spp), macaxeira (Manihot utilissima Pohl), mandioca (Manihot esculenta Crantz), melancia
(Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai.), maxixe (Cucumis anguria L.), e milho (Z. mays L.). Da coleta de
frutos de pomar como acerola (Malpighia glabra L) caju, (Anacardium occidentale L.), maracujá (Passiflora edulis Sims.)
e da criação de aves (G. domesticus), caprinos (C. hircus), gado bovino (B. taurus) e suínos (S. domesticus). A caça e
a coleta de vegetais para finalidades diversas são hábitos comuns e fazem parte da cultura local. Os recursos de
programas de assistência do governo e os benefícios de aposentadoria dos idosos também constituem fonte de
renda adicional.
A comunidade Pinga possui 42 habitantes em 11 domicílios e faz divisa com Itapecuru. Suas casas são
distribuídas de forma disjuntas e não há igreja nem escola. As casas são de adobe ou tijolo com reboco, piso
impermeável, cobertas por telhas e com alpendres. Os aspectos socioeconômicos, de ocupação e saneamento
são iguais aos da comunidade vizinha. Há forte convivência entre os habitantes das duas comunidades, inclusive
em função da escola e da igreja.
Coleta de dados
Após aprovação e certificação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí - UFPI
(Parecer nº 484.201), foram realizadas reuniões em cada comunidade para apresentação dos objetivos do projeto
e do modo como o estudo seria executado. Após aceitação da realização do mesmo, deu-se início às visitas
residenciais, nas quatro comunidades estudadas, totalizando 93 (100%) das residências habitadas. Em cada
domicílio, procedeu-se à leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que, após certificação
de que havia sido compreendido e manifestação da concordância em participar da pesquisa, era assinado. Foi
entrevistada uma pessoa de cada unidade familiar, com idade maior que 18 anos, indicada pelos demais membros
da família, como a que mais conhecia plantas alimentícias na região pesquisada. As entrevistas foram realizadas
com auxílio de formulários semiestruturados de acordo com Martins (1995). Para as imagens dos informantes
registradas durante a pesquisa foi assinado termo de permissão de uso.
Após as entrevistas foi utilizado mapeamento comunitário de acordo com Sieber et al. (2014) para facilitar
a localização e coleta das plantas alimentícias citadas pelos informantes. A partir de uma foto e/ou desenho da
área foi construído um mapa síntese, em que os participantes representaram a localização das plantas citados
pelos informantes em relação ao local onde eles estavam. Seguindo a orientação desse mapa foram realizadas
turnês-guiadas (Montenegro, 2001) para coleta botânica (Mori et al., 2009). A identificação dos espécimes foi
realizada mediante comparação com material herborizado e confirmada por especialistas. O material testemunho
encontra-se depositado no Herbário Graziela Barroso (TEPB) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). A
grafia do nome das espécies e o nome dos autores estarão de acordo com MOBOT (2015). A listagem das
famílias botânicas seguiu Stevens (2009).
Análise de dados
As plantas citadas foram consideradas silvestres quando espontâneas na área (Nascimento et al., 2012),
e emergenciais as espécies indicadas para consumo apenas nos períodos de escassez de alimentos e as cujo
consumo aumenta fortemente nesses períodos (Guinand e Lemessa, 2001). Por exclusão destas, as demais
foram classificadas em não emergenciais. Para cada espécie citada pelo nome vernacular foi realizada a coleta de
material botânico e a identificação taxonômica.
Para avaliar a existência de diferentes padrões na coleta de plantas alimentícias, os dados obtidos a partir das
entrevistas foram agrupados em categorias de acordo com as variáveis ecológicas: tempo de viagem e distância
do local de coleta em relação ao ponto central da comunidade, quantidade coletada e tempo de preparação para
fins de ingestão, de acordo com recomendações feitas por Ladio e Lozada (2003) e Nascimento et al. (2013),
e adaptações para esta pesquisa (Tabela 1). Para verificar possíveis correlações entre as variáveis ecológicas e o
número de espécies alimentícias silvestres manejadas foi utilizada a análise de correlação de Pearson admitindo-
se correlação significativa em p≤ 0,05.
Tabela 1 - Variáveis ecológicas independentes na análise de uso de plantas alimentícias silvestres, utilizadas nas
comunidades Bebedouro e Oiticica, município de Buriti dos Montes e Itapecuru e Pinga, Cocal, Piauí, Nordeste do
Brasil.
A similaridade do conhecimento sobre as plantas alimentícias silvestres entre as comunidades foi analisada
pelo coeficiente de similaridade de Bray-Curtis (Höft et al., 1999), para tanto, utilizou-se de uma matriz de
número de citações para a espécie por cada comunidade, e o resultado foi utilizado para confecção do diagrama
de Venn (Borcard et al. 2011). Para verificar a similaridade do conhecimento sobre as plantas alimentícias
silvestres e do conhecimento sobre plantas de uso emergencial e não emergencial entre as comunidades, foi
utilizado o método de UPGMA (agrupamento por média não ponderada). Para isso, foi calculado o coeficiente
de similaridade de Jaccard, por meio de duas matrizes de presença e ausência, uma para o conhecimento de
plantas alimentícias silvestres e outra para plantas emergenciais e não emergenciais. O resultado foi expresso em
dendrograma de similaridade.
Resultados
Foram relatadas 28 subcategorias de uso associadas às práticas alimentares tradicionais com plantas
silvestres, sendo em Bebedouro 17 (60,71%), Itapecuru 12 (42,85%), em Oiticica 10 (5,71%) e em Pinga16
(57,14%) (Tabelas 2). Nas quatro localidades foram citadas 79 espécies envolvidas no preparo dessas práticas,
sendo em Bebedouro 40 (50,00%); em Itapecuru 41(51,25%); em Oiticica 47 (58,75%) e em Pinga 49 (61,25%).
Desse total, 44 espécies (56,25%) foram classificadas como de uso emergencial, 16 (35,55%) em Bebedouro,
14 (31,11%) em Itapecuru, 24 (53,33%) em Oiticica e 28 (62,22%) em Pinga (Tabela 2). Assim, 35 espécies
(43,75%) foram classificadas como de uso não emergencial, sendo 21 (60,00%) em bebedouro, 25 (71,42%) em
Itapecuru, 19 (54,28%) em Oiticica e 24 (68,57%) em Pinga (Tabela 2).
Nas 104 práticas alimentares citadas, mais de 50% das espécies alimentícias foram indicadas como alimento
emergencial. Quando investigada a motivação para as 64 (100%) práticas alimentares emergenciais citadas, 28
práticas (43,75%) tiveram como motivação escassez de alimentos por causas diversas, 14 (21,87%) escassez
de alimentos por seca, 3 (4,68%) a questões culturais associadas a períodos de seca e apenas para 19 práticas
(29,68%) tiveram como motivação a disponibilidade do recurso (Tabela 2). Para as espécies não emergenciais
existir disponibilidade do recurso foi à motivação para 40 (100%) das práticas alimentares referidas (Tabela 2).
Quanto à temporalidade do consumo, dentre as práticas alimentares de uso emergencial 37 (57,81%) foram
executadas apenas no passado e 27 (42,18%) foram referidas tanto para o passado, quanto para o presente
(Tabela 2). Já para as práticas de uso não emergencial apenas 5 (12,50%) foram citadas como usuais no passado
e 35 (87,50%) foram referidas tanto para o passado quanto para o presente (Tabela 2).
As espécies citadas para um maior número de subcategorias de uso alimentício foram Hymenaea martiana
Hayne (Jatobá-de-vaqueiro) para seis (21,42%) em Bebedouro e Pinga, sete (25%) em Itapecuru e Oiticica e
Hymenaea courbaril L. (Jatobá-de-porco) apontada para sete (25%) práticas em Pinga (Tabelas 2). O consumo
in natura foi o que obteve maior destaque, sendo mencionado por 93 (100%) informantes para 57 espécies
(71,25%) citadas.
Dentre as subcategorias com práticas que objetivam sazonar os alimentos (torná-los mais palatáveis
ou facilitar a ingestão) sobressaíram-se sembereba, citada por 83 informantes (89,24%) para nove espécies
(11,25%); seguida por refresco 78 informantes (83,87%) para oito espécies (10,00%); papa 58 informantes
(62,36%) para duas espécies (2,50%); canjica 49 informantes (52,68%) para uma espécie (1,25%); cuscuz 48
informantes (51,61%) para cinco espécies (6,25%) e doce 47 informantes (50,53%) para seis espécies (7,25%).
As preparações com menor número de citações foram beiju, licor e sembereba com leite com uma citação
(1,07%) para uma espécie (1,25%) (Tabelas 2).
Tabela 2 - Práticas alimentares tradicionais com uso de plantas silvestres nas comunidades Bebedouro e Oiticica,
município de Buriti dos Montes e Itapecuru e Pinga, Cocal, Piauí, Nordeste do Brasil.
J
*Bromelia plumieri (E. Morren) Frutos consumidos in natura após serem
atritados com a areia do solo para remoção P
L. B. Sm. 3, 4 P D 30.087
dos tricomas e descascados (remoção do Pe
(Croatá) epicarpo)
*Encholirium spectabile Mart. Farinha obtida das bainhas de folhas A
ex Schult. f.2,3 largamente utilizada na confecção de cuscuz e
de mingau com adição de rapadura C E/S Pa 19.132
(Macambira-de-pedra) J
*Neoglaziovia variegata (Arru- Água extraída das bainhas das folhas costuma
Pa
da) Mez2 ser usada para saciar a sede de trabalhadores P D 30.034
rurais e vaqueiros no campo Pe
(Croá)
Burseraceae
Commiphora leptophloeos Mesocarpo era/é consumido in natura nas
(Mart.) J.B.Gillett1,2 matas principalmente por vaqueiros Pa
P D 29.978
(Imburana-de-espinho) Pe
Cactaceae
*Cereus albicaulis (Britton & Mesocarpo e sementes consumidos in natura
Pa
Rose) Luetzelb.1,2 in loco P D 30.042
Pe
(Umbigo-de-bezerro)
Capparaceae
Crateva tapia L.1,2,3,4 Mesocarpo era/é consumido in natura sendo Pa
muito apreciado pelos mais idosos P D 29.987
(Trapiá) Pe
Chrysobalanaceae
Couepia uiti (Mart.& Zucc.) Mesocarpo era/é consumido in natura pelos
Pa
Benth.exHook.f.1,2 pescadores durante as caminhadas rumo ao P D 29.989
rio para pescar ou coletar água Pe
(Oiti-pequeno)
Óleo de frutos e sementes extraídos de forma
*Licania rigida Benth.2,4 artesanal, após serem pisados em pilão de A
E Pa 20.233
(Oiticica) madeira e cozidos em panelas de ferro, era J
usual como tempero em preparações cozidas
Combretaceae
Combretum fruticosum (Loefl.) Nécta das flores (remela) era/é largamente
Pa
Stuntz1,2,4 consumido por adultos e crianças P D 29.982
Pe
(Remela-de-macaco)
*Combretum leprosum Mart.1,2,4 Flores jovens (as que apresentavam cheiro de
mel) submetidas à leve fervura em água com L E Pa 29.970
(Mofumbo) açúcar ou rapadura eram como chá
Cucurbitaceae
Momordica charantia L.3 Arilo de cor bastante atraente era/é apreciado Pa
pelas crianças P D 30.264
(Melão-de-são-caetano) Pe
Dioscoreaceae
Raízes tuberosas eram/são arrancada em C
Dioscorea dodecaneura Vell.2,3,4 grandes quantidades e após cozidas e retirada Pa
a epiderme eram/são servidas com manteiga A D 20.161
(Cará) Pe
J
Erythroxylaceae
Erythroxylum bezerrae Epicarpo e mesocarpo eram/são consumidos
in natura sendo muito apreciado por adultos Pa
Plowman1,2 L D 30.067
e crianças em pequenas quantidades para não Pe
(Pirunga) produzir embriaguez
Euphorbiaceae
Toda a parte aérea (fresca ou desidratada)
*Croton grewioides Baill.1,2,3,4 costumava/costuma ser fervida com água e C Pa
D 29.968
(Canelinha) açúcar e servida como chá quente para toda a L Pe
família
Sementes eram coletadas na fase de matura-
ção, escaldadas em água fervendo e postas
*Croton heliotropiifolius Kunth2 ao sol. Em seguida, passavam por torrefação
em panela de ferro e redução em pilão de C E/S Pa 19.414
(Velame) madeira. O pó resultante era cozido em água
com açúcar ou rapadura e coado em tecido de
algodão e consumido como café
Moraceae
Maclura tinctoria (L.) D.Don. Mesocarpo era/é consumido in natura princi-
ex Steud.3 palmente por vaqueiros Pa
P D 30.263
(Amora) Pe
Myrtaceae
Campomanesia aromatica Mesocarpo e semente eram/são consumos in
Pa
(Aubl.) Griseb.3,4 natura sendo muito apreciados por seu sabor L D 29.993
Pe
(Guabiraba-preta)
Epicarpo e mesocarpo eram/são geralmente Pa
Eugenia astringensCambess.3 consumidos in natura P D 29.992
Pe
Epicarpo e mesocarpo eram/são geralmente Pa
Eugenia dysenterica DC.1,2 consumidos in natura P D 30.072
Pe
Epicarpo e mesocarpo eram/são geralmente P Pa
Eugenia pisiforme Cambess.3 consumidos in natura e na foram de geleia D 29.998
C Pe
Psidium striatulum Mart.ex Epicarpo e mesocarpo eram/são geralmente Pa
consumidos in natura P D 30.078
DC.1,2 Pe
Nyctaginaceae
*Boerhavia coccinea Mill.2 As folhas eram utilizadas como tempero em A
preparações cozidas sendo mais comuns em D Pa 29.975
(Pega-pinto) feijão J
Passifloraceae
Passiflora cincinnata Mart.1,2,3,4 Fruto imaturo era cozido com feijão A D Pa 30.044
Fruto maturo imerso em mel de cana quente e
(Maracujá-do-mato) L D Pa
deixado em repouso por no mínimo dez dias
Portulacaceae
*Portulaca pilosa L.2,4 Toda parte aérea costuma ser utilizada como
tempero em preparações cozidas AJ E Pa 30.048
(Beldroega)
Rhamnaceae
*Ziziphus joazeiro Mart.3 Epicarpo e mesocarpo in natura eram/são
Pa
consumidos principalmente por crianças, P E 29.980
(Joazeiro) caçadores e vaqueiros Pe
Rubiaceae
Genipa americana L.1,2,3,4 Mesocarpo era/é usual in natura, com açúcar, L Pa
na forma de suco ou licor D 29.976
(Genipapo) A Pe
Randia armata (Sw.) DC.3,4 Arilo costumava/costuma ser consumido in Pa
natura, na forma de refresco e sembereba L D 30.004
(Taturapé) Pe
*Guettarda virburnoides Cham. Epicarpo e mesocarpo in natura eram consu-
& Schltdl.4 midos principalmente por caçadores e vaquei-
ros P E Pa 30.000
(Angélica)
Sapindaceae
Talisia esculenta A.St-Hil.) Ra- Arilo era/é usual in natura e sembereba
dlk.1,3,4 Pa
L D 20.236
(Pitomba) Pe
Sapotaceae
Pouteria macrophylla (Lam.) Mesocarpo costumava/costuma ser cosumido
Pa
Eyma3,4 in natura e por vezes em sembereba L D 30.006
Pe
(Taturubá)
Solanaceae
Physalis angulata L.1,2,3,4 Fruto era/é consumido in natura e muito Pa
apreciado pelas crianças P D 20.988
(Canapum) Pe
*Solanum agrarium Sendth1,2,3 Mesocarpo e sementes in natura eram/são Pa
apreciados principalmente pelas crianças P D 30.002
(Melancia-da-praia) Pe
*Solanum crinitum Lam.2 Mesocarpo in natura consumidos
principalmente por vaqueiros e caçadores P E Pa 30.017
(Fruto-de-lobo)
Verbenaceae
Lantana camara L.1,2,3,4 Fruto era/é consumido in natura e muito Pa
apreciado pelas crianças P D 30.010
(Chumbinho) Pe
Ximeniaceae
Epicarpo e arilo eram/são consumidos na P Pa
foram de geleia D
Ximenia americana L. 1,2,3,4
L Pe
29.991
(Ameixa) Arilo era/é consumido na foram de refresco Pa
L D
Pe
*N.I. 1 Raízes após remoção da epiderme eram/ Pa
são amassadas e sugadas (chupadas) pelos P E 30.031
(Batata-de-ovelha) comensais Pe
*N.I.1 Raízes após remoção da epiderme eram/ Pa
são ingeridas geralmente no próprio local de P E 30.035
(Batata-gorda) coleta Pe
Legenda: RP-refeição preferencial; MT-motivação: C-cultural; D-disponibilidade; E- escassez de alimentos; E/S- escassez
de alimentos/seca; TP-temporalidade: Pa-passado; Pe-presente; Pa/Pe-passado e presente; A-almoço; C-café da manhã; J-jantar;
L-lanche; P-petisco; Q/R-qualquer refeição. TEPB – voucher depositado no Herbário Graziela Barroso da Universidade Federal
do Piauí. Os números usados após o epiteto específico correspondem às espécies utilizadas nas localidades Bebedouro (1), Oiticica
(2), Itapecuru (3) e Pinga (4). *Espécies consideradas emergenciais. #As larvas de Pachymerus nucleorum foram citadas porque são
vistas pelas comunidades estudadas como sendo um recurso alimentar fornecido pelo Astrocaryum vulgari.@Preparação resultante da
maceração manual dos frutos em água.
Quanto ao número de práticas alimentares agrupadas por subcategorias de uso e por refeição preferencial
(Figura 2) observadas nas quatro comunidades, destacaram-se lanche (17 - 60,71%), seguido por almoço e jantar
(9 - 32,14%) e café da manhã (6 - 21,42%).
Foi observado que para algumas espécies amplamente consumidas no passado e/ou no presente, as
práticas alimentares foram julgadas trabalhosas (complexas), quer por essas espécies apresentarem características
morfológicas hostis, quer por apresentarem substâncias consideradas tóxicas, quer outra dificuldade de obtenção
da parte comestível. Essas espécies foram citadas e as práticas alimentares com uso destas descritas e ilustradas
a seguir.
Figura 2 - Conhecimento sobre práticas alimentares tradicionais usuais por refeição preferencial nas comunidades
Bebedouro e Oiticica, município de Buriti dos Montes e Itapecuru e Pinga, Cocal, Piauí, Nordeste do Brasil
Figura 3 - Mosaico do uso de A) Bromelia laciniosa Mart. ex Schult e B) em práticas alimentares no município de Buriti dos
Montes, Piauí, Nordeste do Brasil. Legenda: 3A) a,b-coleta do recurso; c- detalhe das bainhas foliares; d,e,f-detalhe do
pré-preparo; f-farinha de Bromelia laciniosa Mart. ex Schult. & Schult.f., g,h-cuscuz quarenta, cuscuz peito de moço; i,j-
mingau. 3B) a-detalhe do fruto; c,d-extraindo o arilo da semente com auxílio de água e açúcar; e-arilo aos pedaços com
água; f-papa; g-sembereba; h-extração do arilo a seco; i-arilo; massa para bolo; l-bolo de Hymenaea martiana Hayne com
trigo.
As preparações tradicionais observadas foram: doce - pedaços de cladódio escaldado (geralmente de cinco
indivíduos) são levados ao fogo em panela de ferro e adicionado açúcar ou rapadura e cozinhados em fogo
brando até a consistência desejada. Quando disponível recebem coco-da-praia (C. nucifera L.), coco-babaçu
(Attalea speciosa Mart. ex Spreng.) ou tucum (Astrocaryum vulgari L.) ralados e cravinho (Caryophyllus aromaticus L.)
ou erva-doce (Pimpinella anisum L.); rapadura - Após o pré-preparo dos cladódios é preparado mel de cana-de-
açúcar a partir do cozimento do caldo de cana em caldeiras de zinco. Só quando o mel já está consistente é que
são adicionados os pedaços dos cladódios. A mistura continua cozinhando na caldeira e recebe coco-da-praia
ralado e aromatizantes naturais (C. aromaticus, Cinnamomum verum J. Presl, [...], P. anisum L.). Quando atinge a
consistência desejada a mistura é levada para formas de madeira no formato de rapadura e são deixadas em
repouso até reduzir a temperatura e se tornarem rígidas; verdura - fatias de cladódio são consumidas in natura
(como fazem os vaqueiros e trabalhadores rurais para aliviar a fome e sede) ou escaldadas com a adição de
temperos a gosto pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), sal e vinagre.
Figura 4 - Mosaico do uso de A) Melocactus zehntneri (Britton & Rose) Luetzelb. e B) Eugenia pisiforme (olbaia) em práticas
alimentares no município de Buriti dos Montes, Piauí, Nordeste do Brasil. Legenda: 4A) a-detalhe do indivíduo;
b-detalhe dos frutos; c-cladódio macerado; d,e-caldeirada de caldo de cana (S. officinarum L. ) + Melocactus zehntneri (Britton
& Rose) Luetzelb.; f-enformando a rapadura; g-rapadura; h,g-rapadura em cuia e casca de coco. 4B) a, b-detalhe da
coleta do recurso; c-detalhe do fruto de Eugenia pisiforme Cambess.; d-detalhe do preparo de geleia; e-geleia; f-geleia em
biscoito.
Figura 5 - Mosaico do uso de A) Swartzia flaemingii Raddi (jacarandá) e B) Ximenia americana L. (ameixa-do-mato) em práticas
alimentares no município de Buriti dos Montes e Cocal, Piauí, Nordeste do Brasil. Legenda: 5A) a-detalhe da coleta de
frutos Swartzia flaemingiiRaddi; b-abertura mecânica; c-detalhe interno; d-arilo; e cozimento do arilo; f,g-ensopado e canjica
de arilo. 5B) a-detalhe da coleta do fruto de Ximenia americana L.; b-fruto; c,d-detalhes do preparo de sembereba; e-detalhe
do preparo de geleia; f-geleia em fatia de pão; g-refresco.
A similaridade do conhecimento sobre plantas alimentícias silvestres citadas pelos informantes entre os
municípios apresentou baixa similaridade (Bray-Curtis= 0,33) (Figura 6A), em que aproximadamente 40% das
espécies citadas são exclusivas para cada município. A similaridade do conhecimento das espécies alimentícias
também foi considerada baixa entre as comunidades (Figura 6b). Pode-se verificar, ainda, que os informantes
das quatro comunidades diferenciam as espécies de uso não emergencial das de uso emergencial e que o
conhecimento de plantas de uso emergencial e não emergencial também difere entre as comunidades (Figura
6c).
Figura 6 - Similaridade de conhecimento sobre plantas alimentícias silvestres entre os municípios de Buriti dos Montes
e Cocal, entre as comunidades Bebedouro e Oiticica/Buriti dos Montes e Itapecuru e Pinga/Cocal e sobre plantas
emergenciais e não emergenciais. A-Diagrama de Venn para verificar a similaridade de conhecimento sobre plantas
alimentícias silvestres entre os municípios de Buriti dos Montes e Cocal, Piauí. B- Similaridade de conhecimento sobre
plantas alimentícias silvestres entre quatro comunidades estudadas: Bebedouro e Oiticica/Buriti dos Montes e Itapecuru
e Pinga/Cocal; C-Similaridade de conhecimento sobre plantas emergenciais e não emergenciais entre as quatro
comunidades estudadas.
As análises de correlações evidenciaram que entre as comunidades há uma tendência no padrão do manejo
das plantas silvestres alimentícias. Pode-se verificar que para todas as comunidades, o número de espécies
coletadas apresentou relação negativa com tempo despendido para coleta, tempo para o preparo e quantidade
disponível para coleta de cada espécie. Por outro lado, houve relação positiva entre a distância percorrida com
o número de espécies coletadas (Tabela 3). As análises corroboram as observações in loco, em que o tempo
despendido para a coleta, a distância percorrida, a quantidade disponível para coleta de cada espécie e o tempo
de preparo influenciam na seleção e no número de espécies utilizadas na alimentação.
Tabela 3 - Avaliação qualitativa do grau de correlação entre número de espécies alimentícias silvestres coletadas e o
conhecimento dos informantes sobre as categorias de variáveis ecológicas, nas comunidades Bebedouro e Oiticica/Buriti
dos Montes e Itapecuru e Pinga/Cocal, Piauí (correlação de Pearson com p<0,05).
Discussão
Apesar do grande número de práticas alimentares e de subcategorias de uso referidos, o consumo de plantas
silvestres para fins de alimentação tem decrescido ao longo dos anos nas comunidades estudadas. Embora espécies
como Campomanesia aromatica, Randia armata, Ximenia americana e algumas outras continuem sendo amplamente
utilizadas, há espécies, como por exemplo, Bromelia laciniosa, Swartzia flaemingii e/ou estruturas como as flores de
Cereus jamacaru e os frutos de Senna occidentalis, que tiveram seus usos referidos quase que exclusivamente para
o passado. Nesse caso, a cultura de uso encontra-se viva apenas entre os habitantes antigos nas comunidades,
deixando em desuso grande potencial alimentar. Embora essas espécies sejam citadas por muitos habitantes o
conhecimento de algumas práticas necessárias à ingestão, como confeccionar pão de B. laciniosa, encontram-se
sob o domínio de poucos. Apesar dos entrevistados terem percepções positivas acerca da maioria das espécies,
a exemplo das listadas por Cruz et al. (2014), como: sabor agradável, alimento emergencial, aceitação cultural
e disponibilidade, fato que poderia ser motivador para o consumo, ainda assim, muitas espécies encontram-se
subutilizadas. Esse resultado reflete o pensamento de Fonseca et al. (2011) ao afirmar que alimentos não andam
sozinhos e que o fluxo até os comensais sofre interferência das próprias lógicas de cada grupo social, sejam elas
familiares, religiosas, econômicas ou profissionais. Para compreender a lógica desse fluxo e quaisquer outros
inerentes ao conhecimento tradicional faz-se necessário acompanhar as ações in loco,tal qual “Quereis conhecer
os caracteres científicos de uma flor, ide buscá-la nas selvas ou nos campos, mas nunca nos jardins. Ide vê-la no
meio próprio e não transformada pela mão do floricultor” (Rodrigues, 1905, p. II).
A migração temporária para áreas urbanas, o acesso a divulgação de produtos industrializados e tabus
alimentares têm contribuído, nas comunidades estudadas, para a substituição das práticas alimentares tradicionais
pela compra de alimentos prontos para o consumo. De acordo com Geyzen (2011), após os anos 1950 as
práticas alimentares têm sofrido influência do discurso veiculado pelos meios de comunicação que divulgam
doenças causadas pela abundância de alguns componentes alimentares, conduzindo a juízo de valor muitas
vezes equivocado sobre os alimentos do campo. Cruz et al. (2014)ao estudar comunidades na Paraíba, nordeste
brasileiro, entenderam que influências externas geram mudanças de costumes que conduzem ao abandono do
uso dos recursos locais reduzindo as possibilidades de soberania alimentar. Entretanto, Geyzen (2011) apesar de
suscitar que algumas práticas alimentares sofreram alterações significativas pela assimilação de valores externos
às comunidades, concluiu que nem sempre a veiculação de informações resulta em mudanças das práticas
da alta cozinha, por preparações elaboradas com produtos regionais pouco conhecidos, e o interesse dessa em
desvendar os “segredos” dos ingredientes utilizados em pratos tradicionais e regionais, tem impulsionado um
novo olhar acerca de espécies com potencial alimentar. Somado a esse fato, resultados de pesquisas com espécies
dessa flora apontam que essas espécies reúnem requisitos que possibilitam o aproveitamento em programas de
alimentação que visam atingir a segurança alimentar e nutricional em comunidades rurais (Nascimento et al.
2011; Albuquerque, 2014; Campos et al. 2015; Chaves et al. 2015; MS, 2015).
Conclusões
As comunidades estudadas conhecem práticas alimentares tradicionais com uso de plantas silvestres e
utilizam em sua alimentação, embora muitas estejam em desuso e/ou sejam referidas apenas para períodos de
escassez de alimentos.
A riqueza de espécies alimentícias silvestres emergenciais e não emergências e o conhecimentos das práticas
alimentares fazem que o uso dessas plantas representam importante potencial para minimizar a insegurança
alimentar no semiárido do Nordeste do Brasil. Entretanto, a análise das categorias de variáveis ecológicas
estudadas, aponta serem necessários cuidados com a conservação desse recurso.
O modelo de desenvolvimento, a migração e o acesso a informações sobre produtos alimentícios
comercializados nos centros urbanos têm alterado a relação das populações dessas comunidades com as plantas
alimentícias silvestres, conduzindo ao desuso de umas e a subutilização de outras.
Existe baixa similaridade de conhecimento sobre as plantas alimentícias silvestres entre as populações
residentes nas comunidades de um mesmo município, assim como entre as populações dos dois municípios
estudados, como reflexo das influências de inserções contemporâneas na vida das comunidades e significa uma
ameaça a transmissão do conhecimento tradicional para as próximas gerações.
Esse estudo possibilita aos programas de alimentação que visam à segurança alimentar e nutricional de
comunidades rurais, conhecer os hábitos alimentares e as preparações com plantas silvestres que podem ser
incluídas em cardápios regionais.Também revela espécies com potencial para serem exploradas pela agroindústria
e pela indústria de tecnologia de alimentos, permitindo agregar valor aos produtos locais, registrando o
conhecimento alimentar tradicional nessas comunidades, assegurando acesso a esse patrimônio cultural.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos moradores das comunidades Bebedouro, Itapecuru, Oiticica e Pinga por
aceitarem partilhar seus conhecimentos e aos administradores municipais de Buriti dos Montes e Cocal, Piauí,
pela acolhida e apoio.
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