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APELAÇÃO. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
NO CASO CONCRETO, NÃO RESTOU
DEMONSTRADA A TIPICIDADE DO FATO DESCRITO
NA EXORDIAL ACUSATÓRIA, DIANTE DA
REALIDADE SOCIAL EM QUE VIVEM DENUNCIADOS
E VÍTIMA. RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE
VIOLÊNCIA. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA.
APELAÇÃO IMPROVIDA.

APELAÇÃO CRIME SEXTA CÂMARA CRIMINAL

Nº XXXXXXXXXXX (Nº CNJ: COMARCA DE XXXXX XXXXXXX


YYYYYYYYYY)

M.P. APELANTE
..
V.P.J. APELADO
..
I.V. APELADO
..

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Criminal do


Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo, mantida a decisão
recorrida por seus próprios fundamentos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES.ª
BERNADETE COUTINHO FRIEDRICH (PRESIDENTE E REVISORA) E DES.
ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO.
Porto Alegre, 20 de abril de 2017.
DES.ª VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK,
Relatora.

RELATÓRIO

DES.ª VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK (RELATORA)

V. P. J.., I. V., E. D.S. e V. P., sucessivamente com 18, 42, 35 e 39 anos de


idade à época dos fatos, foram denunciados, na Terceira Judicial da Comarca de
XXXXXXXXX. VALDIR P.J. como incurso nas sanções do artigo 217-A c/c o artigo 226,
inciso I e artigo 61, inciso II, alínea “f”, todos do Código Penal, com a incidência das
disposições da Lei n.º 8.072/90, na forma do artigo 71 do Código Penal; I. V. como incursa nas
sanções do artigo 217-A c/c o artigo 226, inciso I e II e artigo 61, inciso II, alínea “f”, todos do
Código Penal, com a incidência das disposições da Lei n.º 8.072/90, na forma do artigo 13, § 2º
, alínea “a”, e do artigo 71, ambos do Código Penal; e E. D.S. e V. P. como incursos nas
sanções do artigo 217-A c/c o artigo 226, inciso I e II e artigo 61, inciso II, alínea “f”, todos do
Código Penal, com a incidência da Lei n.º 8.072/90, na forma do artigo 13, §2º, alíneas “b” e
“c”, e do artigo 71, ambos do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

E m d a t a s e h o r á r i o s n ã o e s p e c i f i c a d o s n o s a u t o s , ma s e n t r e o

mê s d e f e v e r e i r o e o d i a 1 5 d e a b r i l d e 2 0 1 6 , n a R u a Q u i n ze , n º

4 8 , B a i r r o Y Y Y Y Y Y Y , e m X X X X X X X X X X X X , p o r d i v e r s a s v e ze s ,

V . P . J . , e m c o mu n h ã o d e e s f o r ç o s e c o n j u n ç ã o d e v o n t a d e s ,

com I. V., E. D. S. e V. P., prevalecendo-se das relações

d o mé s t i c a s , t e v e c o n j u n ç ã o c a r n a l e p r a t i c o u o u t r o s a t o s

libidinosos com a adolescente F.V.d.A., com 12 anos de idade.

N a s o c a s i õ e s , e m r e i t e r a d a s e s u c e s s i v a s v e ze s , V . P . J . ,

a p r o v e i t a n d o - s e d a v u l n e r a b i l i d a d e d a a d o l e s c e n t e , b e m c o mo

d a o mi s s ã o d e s e u s p a i s e d a m ã e d a v í t i ma , p a s s o u a c o n v i v e r

com F.V.d.A, na residência de E. D. S. e V. P.. oportunidades

e m q u e ma n t e v e c o n j u n ç ã o c a r n a l , b e m c o mo p r a t i c o u o u t r o s

a t o s l i b i d i n o s o s , q u a i s s e j a m, s e x o o r a l e a n a l ( c o n f o r me L a u d o

Pericial da fl. 07).

A denunciada I. V. incidiu na conduta típica de estupro contra

v u l n e r á v e l me d i a n t e o mi s s ã o d e s e u d e v e r l e g a l d e c u i d a d o ,

p r o t e ç ã o e v i g i l â n c i a , i n e r e n t e a o p o d e r f a mi l i a r e m r e l a ç ã o a

s u a f i l h a F . V . d . A . , u ma v e z q u e t i n h a c i ê n c i a d e q u e a

adolescente estava convivendo com V.P.J., na residência dos

p a i s d o d e n u n c i a d o , e c o m e l e e s t a v a ma n t e n d o r e l a ç õ e s

sexuais.

A a c u s a d a , c o n t u d o , n a d a f e z p a r a e v i t a r o r e s u l t a d o q u e , c o mo

mã e , t i n h a o d e v e r l e g a l d e e v i t a r , s e d e mi t i n d o d e s e u s

d e v e r e s l e g a i s e mo r a i s .

P o r s u a v e z, E . D . S . e V . P . i n c i d i r a m n a c o n d u t a t í p i c a d e

e s t u p r o c o n t r a v u l n e r á v e l , me d i a n t e o mi s s ã o , a o p e r mi t i r e m q u e

V. P.J. passasse a conviver com F.V.d.A. na residência do

c a s a l , e c o m e l a ma n t i v e s s e r e l a ç õ e s s e x u a i s , me s mo s a b e n d o
d o e s t a d o d e v u l n e r a b i l i d a d e d a v í t i ma , e m r a zã o d a s u a i d a d e .
Os acusados responderam ao processo em liberdade.
O magistrado singular reconheceu a atipicidade do fato narrado na inicial
acusatória e, por conseguinte, rejeitou a denúncia (fls. 43/45).
Irresignado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso de apelação.
Em suas razões recursais, pugnou, em síntese, pela reforma da decisão, com o consequente
recebimento da denúncia, frisando que as tipicidades formal e material foram ratificadas pelo
caderno probatório, uma vez que basta o que o agente mantenha conjunção carnal ou prática de
outro ato libidinoso com menor de 14 anos para a configuração do delito. Requereu o
provimento do apelo (fls. 46/54).
A defesa de V.P.J. e de I. V. apresentaram contrarrazões, respectivamente, às
fls. 64/71 e às fls. 80/83.
Neste grau de jurisdição, o nobre Procurador de Justiça, Dr. Roberto Bandeira
Pereira, opinou pelo provimento do apelo (fls. 85/87).
Vieram os autos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
DES.ª VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK (RELATORA)
Eminentes Colegas, trata-se de recurso de apelação interposto pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado com a decisão que rejeitou a denúncia, diante da
atipicidade da conduta.
Examinando detidamente os elementos de convicção constantes do caderno
processual, mantenho a decisão recorrida, de lavra do ilustre magistrado, Dr. ZZZZ ZZ
ZZZZZZZZ, que, com propriedade e precisão, deu a exata solução que se impunha ao fato
trazido à apreciação.
E, para não incorrer em desnecessária repetição, de nenhum efeito prático,
contando com o consentimento do prolator, adoto seus fundamentos, integrando-os ao voto,
como razões de decidir e ratificar a bem lançada sentença:

“O Ministér io Público denunciou os réus V.P.J., I.V.,


E.D.S., e V.P. pela prática, em tese, do delito de
estupro de vulnerável, tipif icado no artigo 217 - A do
Código Penal, em ra zão da pr ática de conjunção
carnal e outros atos libidinosos com a adolescente
EF.V.D. A., com 12 anos de idade na épica do fato, em
relação ao primeiro indiciado, e por omissão quant o
aos demais autores do fato.
Ocorre que, com a devida vên ia do Parquet, tenho que
o fato narrado na denúncia não constitui fato típico.
Não se desconhece a presunção de vulnerabilidade do
adolescente menor de 14 (cator ze) , consoante
tipificação prevista no artigo 217 -A do Código Penal,
porquanto não possuir ia, e m regra, desenvolvimento
mental completo e maturidade sexual que permit iria o
livre consent imento para a prática de ato sexual ou
libidinosos.
Todavia, não se mostra viável a aplicação da Lei
Penal, na sua lit eralidade, levando -se em
consideração, tão som ente, a idade da vítima, sem
que seja analisado o contexto fático em que ocorr eu a
atuação descr ita como criminosa, sopesando, assim, a
sua vulner abilidade.
Atualmente, podem os verif icar que as informações
são disseminadas de forma quase irrestrita e com
velocidade acentuada, de modo que os jovens se
desenvolvem intelectual a cognitivamente de f orma
cada ve z mais pr ecoce.
Assim, sendo a análise isolada da faixa etária da
suposta vítima, sem levar em consideração a
realidade social, em alguns casos, como o d os autos,
revela o não acompanhamento da transformação dos
comportamentos na sociedade contemporânea.
Destaca-se, ademais, que o Estatuto da Criança e do
Adolescente reconhece como adolescente todo
indivíduo com mais de 12 (do ze) anos de idade, ao
passo que o Código Penal protege de maneir a rígida
os adolescentes menores de 14 (cator ze ) anos.
Nesse passo, mer ece ser ressaltada a lição de
Guilherme de Sou za Nucci (crimes contra a dignidade
sexual: Comentár ios à Lei 12.015 de 7 de agosto de
2009, São Paulo, Ed. Revista dos Tr ibunais, 2009, pp.
37-38):
“ A l e i n ã o p o d e r á , j a ma i s , mo d i f i c a r a r e a l i d a d e

e mu i t o me n o s a f a s t a r a a p l i c a ç ã o d o p r i n c í p i o

da intervenção m í n i ma e seu correlato

princípio da ofensividade. Se durante anos

debateu-se, no Brasil, o caráter da presunção

de violência – se relativo ou absoluto --, sem

consenso, a bem da verdade, não será a

criação de novo t i po penal o e l e me n t o

extraordinário a fechar as portas para a vida

real. O legislador brasileiro encontra -se

travado na idade de 14 anos, no c enário dos

atos sexuais, há décadas. É incapaz de

a c o mp a n h a r a e v o l u ç ã o d o s c o mp o r t a me n t o s

na sociedade. Enquanto o Estatuto da Criança

e Adolescente p r o c l a ma ser adolescente o

ma i o r d e 1 2 a n o s , a p r o t e ç ã o p e n a l a o me n o r

d e 1 4 a n o s c o n t i n u a r í g i d a . C r e mo s j á d e v e s s e

s e r t e mp o d e u n i f i c a r e s s e e n t e n d i me n t o e

e s t e n d e r a o ma i o r d e 1 2 a n o s a c a p a c i d a d e d e

c o n s e n t i me n t o e m r e l a ç ã o a o s a t o s s e x u a i s .

P i r e m, a s s i m n ã o t e n d o s i d o f e i t o , p e r ma n e c e

válido o debate acerca da relatividade da

v u l n e r a b i l i d a d e d o a d o l e s c e n t e , v a l e d i ze r , d o

ma i o r d e 1 2 a n o s e me n o r d e 1 4 a n o s . A
proteção à criança ( me n o r de 12 anos),

segundo nosso e n t e n d i me n t o , ainda me r e c e

s e r c o n s i d e r a d a a b s o l u t a n o c e n á r i o s e x u a l ”.

Tenho, pois que, no caso dos presentes autos,


merece ser relativi za da a vulner abilidade da vítima.
Ora, o conheciment o acerca do fato narrado na peça
incoativa se deu a partir do cumpriment o de mandado
de busca e apreensão na residência do acusado
V.P.J., em razão de investigação que em nada se
relaciona com o fat o aprecia do nos pr esentes autos,
consoante relatado no histórico do boletim de
ocorrência da fl. 04.
A vítima, ouvida per ante a autoridade policial, referiu
que namorava com o indiciado V.P.J. e desde o mês
de fevereiro de 2016 passou a residir com ele e seus
pais de seu companheir o consentiram a relação e têm
conhecimento acerca da pr ática sexual do casal.
Relatou que sua genitor a visita o casal com
freqüência quase que diária. Af irmou que as relações
sexuais prat icadas com o companheiro são
consentidas.
Os denunc iados E. D.S. e V. P. adu zir am que a vítima e
o indiciado V.P.J. vivam maritalmente na sua
residência, freqüentando a adolescente a escola
normalmente.
A genitora da vít ima, também denunciada, afirmou que
tinha conhecimento acerca da prática sexual do casal,
referindo que trabalha o dia todo e nos f inais de
semana e, ao invés da filha permanecer so zinha,
preferiu que passasse a r esidir com o primeiro
denunciado, que a pedira em namor o, mantendo,
porém, as visitas, prestação de auxílio material e
orientações à filha.
Não há nos autos qualquer relato ou indício de
violência efet iva pr aticada em face da adolescente
F.V.D.A., que possuía à época do fato 12 (do ze) anos
de idade (f l. 14).
Outrossim, ressalta - se que existe pequena diferença
de idade entra a ví tima e o denunciado V.P.J., uma
ve z que possuía ele 18 (de zoito) anos de idade na
época do fato narrado na denúncia.
Ainda que os elem entos de convicção não tenham
sido produ zidos na fase judicial, merece ser
reconhecida a necessidade de r elativi zação da
vulnerabilidade da ví tima, no caso concr eto.
É nesse sentido o entendiment o do egrégio Tribunal
de Just iça do Estado do Rio Grande do Sul:
A P E L A Ç Ã O C R I ME . E S T U P R O D E V U L N E R Á V E L .

V Í T I MA C O M 1 2 A N O S D E I D A D E E A C U S A D O
COM 20 ANOS. VULNERABILIDADE NÃO
E V I D E N C I A D A . H I P Ó T E S E D E MA N U T E N Ç Ã O D A

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. Conquanto a

redação do artigo 217-A, caput, do Código Penal

seja clara ao estabelecer que a prática de

conjunção carnal com menor de 14 anos tipifica o

delito de estupro de vulnerável, a realidade social

e as condições pessoais dos envolvidos, em

d e t e r mi n a d o s c a s o s , p er mi t e m a r e l a t i v i za ç ã o d a

p r e s u n ç ã o d e v u l n e r a b i l i d a d e d a me n o r , d e mo l d e

a afastar a tipicidade do fato. 2. Hipótese em que

o a c u s a d o e a s u p o s t a v í t i ma , q u e t i n h a m p o u c a

d i f e r e n ç a d e i d a d e , p o i s e l a c o n t a v a c o m d o ze

a n o s e e l e c o m v i n t e , ma n t i v e r a m r e l a c i o n a m e n t o

a mo r o s o , com o c o n s e n t i me n t o da mã e da

ofendida, e que resultou em união estável por

a l g u n s me s e s , n ã o h a v e n d o f a l a r v i o l ê n c i a , a i n d a

que p r e s u mi d a , diante do evidente

d e s e n v o l v i me n t o físico, e mo c i o n a l e sexual da

adolescente, que l i v r e me n t e anuiu com o

r e l a c i o n a me n t o a mo r o s o - s e x u a l . I n c l u s i v e a p ó s o

t é r mi n o d e s t e , q u a n d o c o n t a v a c o m 1 4 a n o s d e

idade, a adolescente já tinha um filho de outro

c o mp a n h e i r o . APELAÇÃO MI N I S T E R I A L

I MP R O V I D A . ( A p e l a ç ã o C r i me N º 7 0 0 6 9 5 4 0 2 9 2 ,
Q u i n t a C â ma r a C r i mi n a l , T r i b u n a l d e J u s t i ç a d o

R S , R e l a t o r : C r i s t i n a P e r e i r a G o n za l e s , J u l g a d o

em 20/07/2016)

A P E L A Ç Ã O C R I ME . E S T U P R O D E V U L N E R Á V E L .

V Í T I MA C O M 1 3 A N O S D E I D A D E E A C U S A D O

COM 21 ANOS. VULNERABILIDADE NÃO

E V I D E N C I A D A . H I P Ó T E S E D E MA N U T E N Ç Ã O D A

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. Conquanto a

redação do artigo 217-A, caput, do Código Penal

seja clara ao estabelecer que a prática de

conjunção carnal com menor de 14 anos tipifica o

delito de estupro de vulnerável, a real idade social


e as condições pessoais dos envolvidos, em
d e t e r mi n a d o s c a s o s , p er mi t e m a r e l a t i v i za ç ã o d a

p r e s u n ç ã o d e v u l n e r a b i l i d a d e d a me n o r , d e mo l d e

a afastar a tipicidade do fato. 2. Hipótese em que

o a c u s a d o e a s u p o s t a v í t i ma , q u e t i n h a m p o u c a

d i f e r e n ç a d e i d a d e , p o i s e l a c o n t a v a c o m t r e ze

anos e ele com vinte e u m, mantiveram

r e l a c i o n a me n t o a mo r o s o , c o m o c o n s e n t i me n t o d a

mã e d a o f e n d i d a , e q u e r e s u l t o u e m u n i ã o e s t á v e l

por considerável período, não havendo falar

v i o l ê n c i a , a i n d a q u e p r e s u mi d a , d i a n t e d o e v i d e n t e

d e s e n v o l v i me n t o físico, e mo c i o n a l e sexual da

adolescente, que l i v r e me n t e anuiu com o

r e l a c i o n a me n t o a mo r o s o - s e x u a l . 3. A d e ma i s ,

i n v i á v e l a c o n d e n a ç ã o d a mã e d a me n i n a p o r

o mi s s ã o , p o r q u a n t o s a b e d o r a q u e n ã o c o n s e g u i r i a

tolher o desejo sexual de sua filha, preferiu dar-

lhe orientação e acolher o casal em sua casa, tudo

a fim de evitar ma l ma i o r . APELAÇÃO

MI N I S T E R I A L I MP R O V I D A . (Apelação Crime Nº

70066788662, Quinta Câmara Criminal, Tribunal

de Justiça do RS, Relator: Cristina Pereira

G o n za l e s , J u l g a d o e m 1 6 / 1 2 / 2 0 1 5 )

Em que pese a atuação da vít ima e seu companheir o


não retrate a condut a esperada, em tese, por
indivíduos em idade análoga, percebe -se que
permanecem resguar dados os direit os do adolescente,
até mesmo porque há relatos de que fre qüenta
regularmente a escola e encontra -se assistida
material e afet ivamente pela genitor a e pela família do
companheir o, que a acolheu em sua residência.
Nesse mesmo norte, não merece a conduta dos
genitores do casal ser caracter i zada com o omissão,
visto que, ao invés de ignorar o relacionamento entre
o indiciado V. P.J. e a adolescente, opt aram por
mantê-los protegidos, dando - lhes, dando- lhes
orientação e assistência.
Por todo o expost o, tratando -se de caso de
relat ivi zação da pr esunção de violência, r eco nheço
como atípico o fato narrado na exor dial e rejeito a
denúncia apresentada. ”

Em que pese a pouca idade da ofendida que, na oportunidade, contava com


quase 13 anos de idade, o certo é que a menor demonstrou que tinha plena consciência dos seus
atos e a conjunção carnal deu-se com o seu consentimento e com a ciência de seus familiares.
O contexto evidencia que a vítima F.V.d.A e o acusado VPJ mantinham um
relacionamento afetivo, de certa forma duradouro, havendo o pernoite na casa do namorado o
qual residia com a família.
Não se trata exatamente de uma situação de abuso sexual, mas de precocidade
e, como tal, seria uma hipocrisia impor pesada pena aos denunciados, quando há na mídia e,
principalmente nas novelas, filmes, seriados e programas de televisão, todo um estímulo à
sexualidade, fazendo que, cada vez mais cedo, as meninas despertem para essa realidade.
Nesse passo, nos casos em que há um relacionamento amoroso e consentimento
da menor nas práticas sexuais, com a tolerância familiar, resta relativizada a presunção de
violência, em razão da idade da ofendida.
Assim, compartilho do entendimento do nobre jurista, Guilherme de Souza
1
Nucci acerca da vulnerabilidade:
" D e v e s e r c o mp r e e n d i d a d e f o r ma r e s t r i t a e c a s u i s t i c a me n t e ,
t e n d o c o mo e s s ê n c i a a f r a g i l i d a d e e a i n c a p a c i d a d e f í s i c a o u
me n t a l d a v í t i ma , n a s i t u a ç ã o c o n c r e t a , p a r a c o n s e n t i r c o m a
p r á t i c a d o a t o s e x u a l . ( . . . ) e m c u mp r i me n t o a o s p r i n c í p i o s
n o r t e a d o r e s d o d i r e i t o p e n a l , n ã o b a s t a a c o mp r o v a ç ã o d a i d a d e
p a r a a t i p i f i c a ç ã o d o c r i me d e e s t u p r o d e v u l n e r á v e l , u ma v e z
q u e o c r i t é r i o e t á r i o n ã o é a b s o l u t o . A me l h o r s o l u ç ã o r e s i d e n a
a f e r i ç ã o c a s u í s t i c a d o g r a u d e ma t u r i d a d e s e x u a l e
d e s e n v o l v i me n t o me n t a l d o s u p o s t o o f e n d i d o , p a r a d e f i n i r s e é
o u n ã o v u l n e r á v e l , a p l i c a n d o - s e a l e i d e ma n e i r a ma i s j u s t a a o
caso concreto."

Ainda, alerta Nucci (citado por Rogério Sanches Cunha, 2013)2:

“ A g o r a s u b s u mi d a n a f i g u r a d a v u l n e r a b i l i d a d e , p o d e - s e t r a t a r

d a me s ma c o mo s e n d o a b s o l u t a o u r e l a t i v a . P o d e - s e c o n s i d e r a r

o me n o r , c o m t r e ze a n o s , a b s o l u t a me n t e v u l n e r á v e l , a p o n t o d e

1
NUCCI, Guilherme de Souza et al. O crime de estupro sob o prisma da Lei 12.015/2009 (arts. 213 e
217-A do CP). Revista dos Tribunais: São Paulo, dez. 2010.
2
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual, p. 37-38. In CUNHA, Rogério
Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Especial (arts. 121 ao 361). Salvador: Editora Jus Podivm, ano
2013.
s e u c o n s e n t i me n t o p a r a a p r á t i c a d o a t o s e x u a l s e r

c o mp l e t a me n t e i n o p e r a n t e , a i n d a q u e t e n h a e x p e r i ê n c i a s e x u a l

c o mp r o v a d a ? O u s e r á p o s s í v e l c o n s i d e r a r r e l a t i v a a

vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando -se o grau

d e c o n s c i e n t i za ç ã o d o m e n o r p a r a a p r á t i c a s e x u a l ? E s s a é a

p o s i ç ã o q u e n o s p a r e c e a c e r t a d a . A l e i n ã o p o d e r á , j a ma i s ,

mo d i f i c a r a r e a l i d a d e e mu i t o me n o s a f a s t a r a a p l i c a ç ã o d o

p r i n c í p i o d a i n t e r v e n ç ã o mí n i ma e s e u c o r r e l a t o p r i n c í p i o d a

ofensividade. Durante anos debateu -se, no Brasil, o caráter da

presunção de violência – relativo ou absoluto -, sem consenso,

a bem da verdade, não será a cria ção de novo tipo penal o

e l e me n t o e x t r a o r d i n á r i o a f e c h a r a s p o r t a s p a r a a v i d a r e a l . O

legislador brasileiro encontra -se travado na idade de 14 anos,

no cenário dos atos sexuais, há décadas. É incapaz de

a c o mp a n h a r a e v o l u ç ã o d o s c o mp o r t a me n t o s n a s o c i e d a d e .

E n q u a n t o o E s t a t u t o d a C r i a n ç a e A d o l e s c e n t e p r o c l a ma s e r

a d o l e s c e n t e o ma i o r d e d o ze a n o s , a p r o t e ç ã o a o me n o r d e 1 4

a n o s c o n t i n u a r í g i d a . C r e mo s j á d e v e s s e s e r t e mp o d e u n i f i c a r

e s s e e n t e n d i me n t o e e s t e n d e r a o ma i o r d e 1 2 a n o s a

c a p a c i d a d e d e c o n s e n t i me n t o e m r e l a ç ã o a o s a t o s s e x u a i s .

P o r é m, a s s i m n ã o t e n d o s i d o f e i t o , p e r ma n e c e v á l i d o o d e b a t e

acerca da relatividade da vulnerabil idade do adolescente, vale

d i ze r , d o ma i o r d e d o ze a n o s e me n o r d e 1 4 . A p r o t e ç ã o à

c r i a n ç a ( me n o r d e 1 2 a n o s ) , s e g u n d o n o s s o e n t e n d i me n t o ,
a i n d a me r e c e s e r c o n s i d e r a d a a b s o l u t a n o c e n á r i o s e x u a l ” .

Nesse sentido, já houve julgamento do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.


PENAL. ART. 224 DO CP. ESTUPRO COM
VIOLÊNCIA PRESUMIDA. INEXISTÊNCIA DE
VIOLÊNCIA. CO NSENTIMENTO DA VÍTIMA.
ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A
JURI SPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA DO STJ.
SÚMULA 83/ STJ.
1. O cerne da controvérsia cinge -se a saber se a
presunção de violência do art. 224 do Código Penal se
revela de nature za r elat iva ( iur is tantum) .
2. A corrente majoritária, doutrinária e
jurisprudencial, pende em favor da natureza
relativa da presunção da violên cia acentuada no
art. 224 do Códi go Penal, ao afi rmar que a
existência de det erminados fatores impõe, em
situações tais, o af astament o da presunção.
3. No caso, o acórdão recorr ido firmou -se em
consonância com a jur isprudência da Sexta Turma
deste Tr ibunal, no sentido de considerar relativa a
presunção de violência pela menoridade,
anteriorment e prevista no art. 224, a, do Código
Penal – revogado pela Lei n. 12.015/2009 -,
conforme a situação do caso concret o, quando se
tratar de vítima menor de 14 e maior de 12 anos de
idade.
4. Incidência da Súm ula 83/STJ.
5. O agravo regimental não merece prosperar,
porquanto as ra zõ es reunidas na insurgência são
incapa zes de inf irmar o entendimento assentado na
decisão agravada.
6. Agravo regimental improvido. ”
(AgRg no Resp 1214407/ SC, Sexta Tur ma, STJ, Rel.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 13.09.2011)

“ESTUPRO. VÍTI MA MENOR DE 14 ANOS.


CONSENTIMENTO DA VÍTI MA E PRÉVIA
EXPERI ÊNCIA SEXUAL. PRESUNÇÃO RELATIVA DE
VIOLÊNCIA. ATUAL ENTENDIMENTO DESTA CORTE
SUPERIOR.
1. O Super ior Tr ibunal de Just iça, em r ecente
julgado da 3ª Seção (EResp -1.021.634/ SP), firmou o
entendiment o de que a presunção de violência nos
crimes sexuais, antes disciplinada no art . 224, 'a', do
Código Penal, seria de nature za relativa.
2. Agravo regimental a que se nega
provimento."
(AgRg no REsp nº. 1.303.083/MG, 5ª Turma do STJ,
Rel. Min. JORGE MUSSI, julgado em 19/04/2012)
Diante dessas considerações, não vejo como impor aos denunciados o pesado
ônus de um processo criminal que o tipo penal supostamente infringido impõe, porque se
vislumbra ab initio a inexistência de justa causa para a ação penal.
Assim, inviável o prosseguimento do feito pela prática do delito previsto no
artigo 217-A do Código Penal, devendo ser mantida a decisão que rejeitou a denúncia, diante da
realidade social em que vivem denunciados e vítima, devendo ser relativizada a presunção de
violência.

ISSO POSTO, nego provimento ao apelo, mantida a decisão recorrida por


seus próprios fundamentos.

DES.ª BERNADETE COUTINHO FRIEDRICH (PRESIDENTE E REVISORA) - De


acordo com o(a) Relator(a).
DES. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª BERNADETE COUTINHO FRIEDRICH - Presidente - Apelação Crime nº


XXXXXXX, Comarca de YYYYYY YY YYYYYY: "NEGARAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO, MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: ZZZZZZZ ZZ ZZZZZZZ

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