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273e-1

SEÇÃO 3 DISTÚRBIOS DO RITMO


FISIOLOGIA DESCRITIVA

273e PPrincípios de eletrofisiologia


DDavid D. Spragg, Gordon F. Tomaselli
O impulso cardíaco normal é gerado pelas células marca-passo do nó si-
noatrial localizado na junção do átrio direito com a veia cava superior
(ver Fig. 268.1). Esse impulso é transmitido lentamente por meio do te-
cido nodal para os átrios anatomicamente complexos, onde passa a ser
HISTÓRIA E INTRODUÇÃO conduzido de forma mais acelerada até o nó atrioventricular (NAV) ins-
crevendo a onda P no ECG (ver Fig. 268.2). Há um retardo perceptível na
O camp
campo
m o da eletrofisiologia cardíaca surgiu quando Einthoven desen- condução pelo NAV anatômica e funcionalmente heterogêneo. O tempo
vvolveu
vo lveu
e a eletrocardiografia (ECG) na virada do século XX. O registro

CAPÍTULO 273e
necessário para a ativação dos átrios e o retardo no NAV é representado
b
subsequente t ddas correntes
t da
d membrana celular revelou que o ECG de pelo intervalo PR do ECG. No coração normal, o NAV é a única cone-
superfície representa a soma dos potenciais de ação celulares nos átrios e xão elétrica entre os átrios e os ventrículos. O impulso elétrico emerge do
nos ventrículos. O final da década de 1960 marcou o início da eletrofisio- NAV e é transmitido ao sistema His-Purkinje, especificamente ao feixe
logia clínica contemporânea, a partir do desenvolvimento dos registros comum de His, e então para os ramos direito e esquerdo e para a rede
intracavitários, em particular os eletrogramas do feixe de His. A adoção de Purkinje, facilitando a ativação do músculo ventricular. Em condições
da tecnologia de radiofrequência para realizar ablação de tecido cardíaco normais, os ventrículos são rapidamente ativados de uma forma bem
no início da década de 1990 é o marco do nascimento da eletrofisiologia definida determinada pelo trajeto da rede de Purkinje, e tal ativação ins-
cardíaca intervencionista. creve o complexo QRS no ECG (ver Fig. 268.2). A fase de recuperação da

Princípios de eletrofisiologia
Já no final do século XIX reconhecia-se o problema clínico da morte excitabilidade elétrica ocorre mais lentamente e é determinada pelo tem-
súbita causada por arritmias ventriculares, mais comumente nos casos po de ativação e de duração dos potenciais de ação regionais. A brevidade
com obstrução arterial coronariana. O problema era de difícil solução relativa dos potenciais de ação no epicárdio ventricular faz a repolariza-
e levou ao desenvolvimento de terapias farmacológicas e não farmaco- ção ocorrer primeiro na superfície epicárdica para então prosseguir para
lógicas, incluindo desfibriladores transtorácicos, técnica de massagem o endocárdio, fazendo a onda T, normalmente, ser inscrita com a mesma
cardíaca e, mais recentemente, desfibriladores implantáveis. Ao longo do polaridade do complexo QRS. A duração da ativação e da recuperação é
tempo, as limitações das terapias farmacológicas antiarrítmicas foram re- determinada pela duração do potencial de ação representado no ECG de
petidamente destacadas nos ensaios clínicos e, hoje, a ablação e o uso de superfície pelo intervalo QT (ver Fig. 268.2).
dispositivos formam a primeira linha de tratamento para várias arritmias Os miócitos cardíacos apresentam um potencial de ação caracteris-
cardíacas. ticamente longo (200 a 400 ms) quando comparado ao dos neurônios e
Nas duas últimas décadas, foi descoberta a base genética de diversas ao das células musculares esqueléticas (1 a 5 ms). O perfil do potencial de
arritmias transmissíveis por herança, com revelações importantes acer- ação é determinado pela atividade conjugada de múltiplas correntes iôni-
ca dos mecanismos não apenas dessas arritmias raras, mas também de cas específicas dependentes do tempo e da voltagem (Fig. 273e.1A). As
distúrbios semelhantes no ritmo cardíaco observados em formas mais correntes são transmitidas por proteínas transmembrana complexas que
comuns de cardiopatia. conduzem passivamente os íons de acordo com seus gradientes eletroquí-

PA ventricular PA atrial
Corrente GENE (proteína)
1
Despolarizante

INa SCN5A (Nav1.5) INa


2
ICa-L CACNA1C (Cav1.2) ICa-L
0
INCX SLC8A1 (NCX1.1) 3

2 4
voltagem voltagem
1 3
0 tempo tempo
4 K+ K+
K+ saída

IK1 KCNJ2 (Kir2.1) IK1


entrada
Repolarizante

Ito Ito Ca2+


KCND3/KCNIP2 (Kv4.3/KChIP2)

IKr KCNH2/KCNE2 (HERG/MiRP-1) IKr

IKs IKs Na+


KCNQ1/KCNE1 (KVLQT1/minK)

KCNA5 (Kv1.5) IKur

A B
FIGURA 273e.1 A. Potenciais de ação (PA) nas células atriais e ventriculares. As fases 0 a 4 representam, respectivamente, a despolarização
rápida, a repolarização precoce, o platô, a repolarização tardia e a diástole. As correntes iônicas e seus respectivos genes são apresentados
acima e abaixo dos potenciais de ação. As correntes subjacentes aos potenciais de ação variam entre os miócitos atriais e ventriculares.
B. O potencial de ação ventricular com um esquema representando o fluxo das correntes iônicas durante as fases do potencial de ação.
A principal corrente durante a fase 4 é a do potássio (IK1) que determina o potencial de repouso da membrana do miócito. A corrente de
sódio gera a fase de despolarização rápida do potencial de ação (fase 0); a ativação do Ito com inativação da corrente de sódio inicia a re-
polarização precoce (fase 1). O platô (fase 2) é gerado pelo equilíbrio entre as correntes de potássio repolarizantes e as correntes de cálcio
despolarizantes. A inativação da corrente de cálcio com a ativação persistente das correntes de potássio (predominantemente IKr e IKs)
produzem a fase 3 de repolarização.

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273e-2 micos, ou por meio de poros seletivos (canais iônicos), que transportam Canais de K
N
ativamente íons contra seus gradientes eletroquímicos (bombas, transpor- Subunidades α Subunidades β
tadores) ou realizam trocas eletrogênicas entre íons distintos (trocadores).
Os potenciais de ação no coração são diferentes nas diversas regiões.
A variabilidade regional nos potenciais de ação cardíacos resulta de dife-
renças no número e nos tipos de proteínas expressas nos diversos tipos
celulares do coração e que funcionam como canais iônicos. Além disso, N C

há conjuntos específicos de correntes iônicas ativas nas células marca- C


-passo e nas células musculares, e a contribuição relativa de tais correntes
pode variar para um mesmo tipo celular nas diferentes regiões do coração
(Fig. 273e.1A). Extracelular
X4
Os canais iônicos são glicoproteínas complexas transmembrana K+
organizadas em múltiplas subunidades, as quais se abrem e se fecham N
em resposta a diversos estímulos biológicos, incluindo alterações na
PARTE 10

voltagem da membrana, acoplamento de ligantes (diretamente ao canal


ou por meio de um receptor acoplado a uma proteína G) e deformações
mecânicas (Fig. 273e.2). Outros mobilizadores de íons, trocadores e
transportadores, têm papel importante para a excitabilidade das células
cardíacas. As bombas iônicas estabelecem e mantêm os gradientes iôni-
cos através da membrana celular e estes servem como força motriz para o
fluxo de corrente pelos canais iônicos. Os transportadores ou trocadores
Doenças do sistema cardiovascular

que não mobilizam íons de forma eletronicamente neutra (p. ex., o troca-
+ 2+
dor sódio-cálcio troca três Na por um Ca ) são chamados eletrogênicos e
contribuem diretamente para o perfil do potencial de ação. Intracelular
A superfamília de canais iônicos mais frequente no coração é aquela
sincronizada à voltagem. Há várias características estruturais comuns a
todos os canais iônicos voltagem-dependentes. Primeiro, a arquitetura Segmentos Canais de Na
é modular, formada seja por quatro subunidades homólogas (p. ex., os N
do poro N
canais de K), seja por quatro domínios internamente homólogos (p. ex.,
os canais de Na e de Ca). Segundo, o processo de enrolamento proteico + + + +
se dá a partir de um poro central formado por aminoácidos que apresen- β1 + + + + β2
tam uma impressionante regularidade em uma determinada família de + + + +
canais com seletividade semelhante (p. ex., todos os canais de sódio têm
segmentos P muito semelhantes). Terceiro, a estratégia geral para sincro- C
P C
nização da ativação (abertura e fechamento em resposta às alterações na N P
PP Inativação
C
voltagem da membrana) é altamente protegida: o quarto segmento trans- P
P
Ligação
de AL
membrana (S4), mantido com resíduos de carga positiva, permanece
dentro do campo da membrana e se movimenta em resposta à despolari- Canais de Ca
zação, abrindo o canal. Quarto, a maioria dos complexos de canais iônicos
inclui não apenas as proteínas formadoras de poros (subunidades α), mas α2
também subunidades auxiliares (p. ex., subunidades β) que modificam a
S
função do canal (Fig. 273e.2). δ
γ α1 S
Os canais de Na e de Ca são os transportadores primários da corrente
de despolarização, tanto nos átrios quanto nos ventrículos; a inativação de
tais correntes e a ativação das correntes repolarizantes de K hiperpolarizam β
as células cardíacas, restabelecendo o potencial negativo de repouso da
membrana (Fig. 273e.1B). A fase de platô é aquela na qual há pouco fluxo
FIGURA 273e.2 Topologia e composição das subunidades dos ca-
de corrente e as modificações relativamente menores nas correntes de des-
nais iônicos dependentes da voltagem. Os canais de potássio são
polarização ou de repolarização produzem efeitos profundos sobre a forma formados pela tetramerização das subunidades α ou formadoras de
e a duração do perfil de ação. Mutações nas subunidades das proteínas dos poros e uma ou mais subunidades β; para fins de maior entendimen-
canais produzem alterações arritmogênicas nos potenciais de ação, causan- to, no esquema estão representadas apenas subunidades β únicas.
do síndromes do QT longo e curto, fibrilação ventricular idiopática, fibrila- Os canais de sódio e cálcio são compostos por subunidades α com
ção atrial familiar e algumas formas de distúrbio do sistema de condução. quatro domínios homólogos e uma ou mais subunidades auxiliares.
Em todos os tipos de canais a sequência proteica entre a quinta e a
MECANISMOS DAS ARRITMIAS CARDÍACAS sexta transmembrana se repete em cada subunidade ou domínio e
As arritmias cardíacas são produzidas por anormalidades na geração ou forma o poro seletivo para o íon. No caso do canal de sódio, o próprio
na condução do impulso, ou em ambas. As bradiarritmias surgem carac- canal é um alvo para fosforilação, o ligante entre o terceiro e quarto
teristicamente a partir de distúrbios na formação do impulso ao nível do domínios homólogos é crítico para a inativação, e a repetição da sex-
nó sinoatrial ou por distúrbios na propagação do impulso a qualquer ní- ta transmembrana no quarto domínio é importante para a ligação
vel, incluindo bloqueio de saída do nó sinusal, bloqueio da condução no dos fármacos anestésicos locais (AL) utilizados como antiarrítmicos.
NAV e alteração na condução no sistema His-Purkinje. As taquiarritmias O canal de Ca é um complexo proteico de multissubunidades com
podem ser classificadas de acordo com o mecanismo, incluindo automa- a subunidade α1 contendo o poro e o principal domínio de ligação.
ticidade aumentada (despolarização espontânea dos marca-passos atrial,
juncional ou ventricular), arritmias com mecanismo de gatilho (desen- exames invasivos para avaliação eletrofisiológica com frequência deter-
cadeadas por pós-despolarizações ocorrendo durante ou imediatamente minam o mecanismo subjacente às taquiarritmias (Quadro 273e.1).
após a repolarização cardíaca, na fase 3 ou 4 do potencial de ação), ou de Alterações na iniciação do impulso: automaticidade A despolarização
reentrada (propagação circular de onda de despolarização). Diversas ma- diastólica espontânea (fase 4) é responsável pela automaticidade ser a
nobras para mapeamento e estimulação normalmente realizadas durante propriedade característica das células marca-passo dos nodos sinoatrial

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QUADRO 273e.1 MECANISMOS DAS ARRITMIAS O automatismo normal ou aumentado dos marca-passos subsidiá- 273e-3
rios latentes produz ritmos de escape nos casos em que falham os marca-
Propriedade Componentes Arritmias
eletrofisiológica moleculares Mecanismo prototípicas -passos dominantes. A supressão de uma célula marca-passo por um rit-
+ +
mo mais acelerado leva ao aumento da carga intracelular de Na ([Na ]i)
Celular + + +
e à expulsão de Na da célula pela Na , K -ATPase e produz aumento na
Impulso de iniciação corrente de repolarização que torna mais lenta a fase 4 de despolarização
Automatismo If, ICa-L, ICa-T, IK, IK1 Supressão/acele- Bradicardia sinusal, diastólica. Nas frequências mais baixas, a [Na+] é menor, assim como a
+ +
ração da fase 4 taquicardia sinusal atividade da Na , K -ATPase, o que resulta em despolarização diastólica
Automatismo Sobrecarga de PDT Intoxicação digitáli- progressivamente mais rápida e em aquecimento (warm-up) da taqui-
por gatilho cálcio, ITI ca, TV de reperfusão cardia. A supressão por excesso de atividade (overdrive suppression) e o
ICa-L, IK, INa PDP Torsades de pointes, aquecimento são fenômenos característicos das taquicardias automáti-
congênita e adquirida cas, mas que podem não ser observados. A condução automática pelo

CAPÍTULO 273e
Excitação INa Supressão da FV isquêmica tecido com automatismo exacerbado (bloqueio de entrada) pode enfra-
fase 0 quecer ou eliminar os fenômenos de supressão por excesso de atividade e
IK-ATP Encurtamento aquecimento nos tecidos automáticos.
do PA, inexcita-
O automatismo anormal pode causar taquicardia atrial, ritmos idio-
bilidade
ventriculares acelerados e taquicardia ventricular, em particular associa-
ICa-L Supressão Bloqueio AV
da à isquemia e reperfusão. Também foi sugerido que correntes anômalas
Repolarização Homeostase Prolongamento TV polimórfica
nos limites do miocárdio isquêmico possam despolarizar tecidos adjacen-
de INa, ICa-L, IK, do PA, PDP, PDT (IC, HVE)
IK1, Ca2+ tes não isquêmicos, predispondo à taquicardia ventricular automática.

Princípios de eletrofisiologia
Homeostase Encurtamento Fibrilação atrial Pós-despolarizações e automatismo por gatilho O automatismo, ou
de ICa-L, canais do PA atividade por mecanismo de gatilho, refere-se ao início do impulso que
de K, Ca2+
é dependente de pós-despolarizações (Fig. 273e.3). As pós-despolariza-
Multicelular
ções são oscilações na voltagem da membrana que ocorrem durante (pós-
Acoplamento Conexinas Diminuição no FV/TV isquêmica -despolarizações precoces [PDP]) ou após (pós-despolarizações tardias
celular (Cx43), INa, IK-ATP acoplamento [PDT]) um potencial de ação.
Estrutura Matriz extrace- Intervalo de TV monomórfica, A característica celular comum à indução das PDT é a presença de
tecidual lular, colágeno excitação e reen- fibrilação atrial 2+
uma carga elevada de Ca no citosol e no retículo sarcoplasmático. To-
trada funcional
xicidade por glicosídeos digitálicos, catecolaminas e isquemia são todos
Abreviações: AV, atrioventricular; FV, fibrilação ventricular; IC, insuficiência cardíaca; PA, 2+
fatores capazes de aumentar suficientemente a carga de Ca para a pro-
potencial de ação; PDP, pós-despolarização precoce; PDT, pós-despolarização tardia; HVE,
hipertrofia do ventrículo esquerdo; TV, taquiarritmia ventricular. dução de PDT. O acúmulo de lisofosfolipídeo no miocárdio isquêmico
+ 2+
com as consequentes sobrecargas de Na e Ca tem sido sugerido como
um possível mecanismo para as PDT e para o disparo do automatismo.
(SA) e atrioventricular (AV), do sistema His-Purkinje, do seio coronário Células de regiões danificadas ou sobreviventes de um infarto do mio-
e das veias pulmonares. A despolarização durante a fase 4 resulta de uma cárdio podem liberar cálcio espontaneamente dos seus retículos sarco-
ação coordenada entre diversas correntes iônicas incluindo os canais de plasmáticos, o que geraria “ondas” de elevação intracelular de cálcio e
+ 2+ + + +
K , Ca , Na , K -adenosina trifosfatase (ATPase), o trocador Na -Ca e a arritmias.
corrente marca-passo, também chamada funny (If); entretanto, a impor- As PDP ocorrem durante o potencial de ação e interrompem a re-
tância relativa de tais correntes continua sendo controversa. polarização ordenada do miócito. Considerava-se, tradicionalmente, que
A velocidade de despolarização durante a fase 4 e, portanto, as ve- as PDP surgiriam a partir do prolongamento do potencial de ação e a re-
locidades de disparo das células marca-passo, são ambas reguladas dina- ativação das correntes de despolarização, mas evidências experimentais
micamente. Entre os fatores que modulam a fase 4, destaca-se o tônus do obtidas mais recentemente sugerem que haja uma inter-relação previa-
sistema nervoso autônomo. O efeito cronotrópico negativo da ativação do mente não considerada entre a carga de cálcio intracelular e as PDP. O
sistema nervoso parassimpático é causado pela liberação de acetilcolina cálcio no citosol pode aumentar quando os potenciais de ação se prolon-
que se liga aos receptores muscarínicos, liberando as subunidades βγ da gam. Isso, por sua vez, parece estimular a corrente de Ca tipo L, prolon-
proteína G que ativam a corrente de potássio (IKACh) nas células nodais e gando ainda mais a duração do potencial de ação e induzindo a corrente
+
atriais. O aumento resultante na condutância do K se contrapõe à despo-
larização da membrana, diminuindo a velocidade de ascensão da fase 4 do
potencial de ação. Por outro lado, a elevação do tônus simpático aumenta a
concentração miocárdica de catecolaminas, as quais ativam tanto os recep-
tores α quanto os β-adrenérgicos. O efeito da estimulação β1-adrenérgica
0 mV
predomina nas células marca-passo, aumentando tanto a corrente de Ca PDP
do tipo L (ICa-L) quanto a If e tornando mais aguda a inclinação da fase 4. A
maior atividade simpática pode aumentar de forma drástica a velocidade
de disparo das células do nodo SA, produzindo taquicardia sinusal com Reativação
frequência > 200 batimentos por minuto (bpm). Em contrapartida, o au- da corrente
de Ca tipo L PDT
mento na frequência de disparo das células de Purkinje não é tão grande e
raramente chega a produzir taquiarritmias ventriculares > 120 bpm.
50 mV

O automatismo normal pode ser afetado por vários outros fatores Sobrecarga de
associados às cardiopatias. A hipopotassemia e a isquemia podem re- Ca2+ intracelular
+ +
duzir a atividade da Na , K -ATPase, diminuindo, assim, a corrente de 0,5 s
repolarização e acentuando a fase 4 de despolarização diastólica. O resul-
FIGURA 273e.3 Esquema dos potenciais de ação com pós-despola-
tado final é o aumento na velocidade de disparo espontâneo das células
rizações precoce (PDP) e tardia (PDT). As pós-despolarizações são
marca-passo. Pequenos aumentos no potássio extracelular podem fazer despolarizações espontâneas nos miócitos cardíacos. As PDP ocor-
o potencial diastólico máximo ser mais positivo, o que também provoca rem antes do final do potencial de ação (fases 2 e 3), interrompendo
aumento na velocidade de disparo das células marca-passo. Entretanto, a repolarização. As PDT ocorrem durante a fase 4 do potencial de
+
um aumento maior na [K ]o, torna o coração inexcitável, ao despolarizar ação após ter completado a repolarização. Os mecanismos envolvi-
o potencial da membrana. dos na PDP e da PDT são distintos (ver no texto).

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273e-4 de entrada que leva às PDP. A carga intracelular de cálcio produzida pelo anatômica fixa (p. ex., cicatriz no miocárdio), com padrão estável de
prolongamento do potencial de ação também pode aumentar a probabili- despolarização cardíaca que se move em sequências pelos ramos ante-
2+
dade de PDT. A inter-relação entre a [Ca ] intracelular, PDP e PDT pode rógrado e retrógrado do circuito. Essa forma de reentrada, denominada
ser uma explicação para a suscetibilidade encontrada nos corações com reentrada anatômica ou reentrada de intervalo excitável (ver adiante),
sobrecarga de cálcio (p. ex., na isquemia ou na insuficiência cardíaca con- é iniciada quando uma onda de despolarização encontra uma área de
gestiva) a desenvolver arritmias, em particular quando expostos à ação de bloqueio unidirecional da condução no ramo retrógrado do circuito. A
fármacos que prolongam o potencial de ação. condução pelo ramo anterógrado ocorre com um atraso que, se tiver
As arritmias desencadeadas por PDP são dependentes da fre- duração suficiente, permite a recuperação da condução no ramo retró-
quência. Em geral, a amplitude de uma PDP aumenta nas frequências grado, com reentrada da onda de despolarização pelo ramo retrógra-
baixas quando os potenciais de ação são mais longos. De fato, uma con- do do circuito. Para ser sustentada, a reentrada requer que a dimensão
dição fundamental para o desenvolvimento de PDP é o prolongamento funcional do tecido despolarizado ou o comprimento de onda da taqui-
do potencial de ação e do QT. Hipopotassemia, hipomagnesemia, bra- cardia (λ = velocidade de condução × período refratário) se ajuste ao
dicardia e, mais comumente, fármacos podem predispor a geração de comprimento anatômico total do circuito, denominado comprimento
PDP, invariavelmente no contexto de prolongamento do potencial de da via. Quando o comprimento da via do circuito é maior que o λ da ta-
PARTE 10

ação. Os antiarrítmicos com ações classes IA e III (ver adiante) produ- quicardia, a região entre a onda de frente de ativação e a cauda refratária
zem prolongamento do potencial de ação e do QT com intenções tera- é referida como intervalo excitável. Anatomicamente determinada, a re-
pêuticas, mas com frequência causam arritmias. Fármacos não cardio- entrada com intervalo de excitação pode explicar diversas taquicardias
lógicos, como fenotiazinas, anti-histamínicos não sedativos e alguns clinicamente importantes, tais como reentrada AV, flutter atrial, taqui-
antibióticos também podem prolongar o potencial de ação e predispor cardia ventricular de reentrada por ramo e taquicardia ventricular em
às arritmias desencadeadas e mediadas por PDP. A diminuição na [K+]o miocárdio cicatrizado.
pode, paradoxalmente, reduzir as correntes de potássio pela membrana As arritmias por reentrada podem ocorrer no coração mesmo na
Doenças do sistema cardiovascular

(em particular a corrente retificadora retardada, IKr) no miócito ventri- ausência de intervalo de excitação e com um comprimento de onda da
cular, o que explica por que a hipopotassemia causa prolongamento do taquicardia com aproximadamente o mesmo tamanho da extensão da via
potencial de ação e PDP. De fato, as infusões de potássio nos pacientes de condução. Nesse caso, a frente de onda se propaga por tecidos parcial-
com síndrome do QT longo congênito (SQTL) e naqueles com prolon- mente refratários sem qualquer obstáculo anatômico e sem intervalo de
gamento do QT induzido por fármacos produzem encurtamento do excitação; esse fenômeno é denominado reentrada por círculo dominante,
intervalo QT. uma forma de reentrada funcional (reentrada que depende das proprie-
A atividade com mecanismo de gatilho mediada por PDP prova- dades funcionais dos tecidos). Diferentemente do que ocorre na reentra-
velmente é a base para o início da taquicardia ventricular polimórfica da com intervalo de excitação, na reentrada por círculo dominante não
característica, conhecida como torsades de pointes, observada nos pa- há um circuito anatômico fixo e, portanto, pode não ser possível inter-
cientes com as formas congênita e adquirida de SQTL. Doenças cardíacas romper a taquicardia com estimulação artificial ou destruindo uma parte
estruturais, como hipertrofia e insuficiência, também podem retardar a do circuito. Além disso, na reentrada com círculo dominante, o circuito
repolarização ventricular (o assim chamado remodelamento elétrico) e tende a ser menos estável do que nas arritmias reentrantes com intervalo
predispor às arritmias relacionadas com alterações na repolarização. As de excitação, com grandes variações no comprimento do ciclo e inclina-
alterações na repolarização nos casos de hipertrofia e de insuficiências ção para o término. Há fortes evidências sugerindo que arritmias menos
cardíacas com frequência são exacerbadas por terapias farmacológicas organizadas, como as fibrilações atrial e ventricular, estejam associadas a
concomitantes ou por distúrbios eletrolíticos. uma ativação mais complexa do coração e sejam causadas por reentrada
funcional.
Alteração na condução do impulso: reentrada O mecanismo mais
As terapias com base em cateter e farmacológicas para as arritmias
comum de arritmia é a reentrada que resulta de condução anormal do
de reentrada são projetadas para romper o circuito anatômico ou alterar
impulso elétrico e é definido como a circulação de uma onda de ativa-
a relação entre o comprimento de onda e a extensão da via do circuito
ção ao redor de um obstáculo inexcitável. A condição para a ocorrência
da arritmia, eliminando a condução patológica. Por exemplo, os antiar-
de reentrada é a presença de duas vias eletrofisiologicamente distintas
rítmicos que prolongam o potencial de ação (classe III) são efetivos se
para a propagação de um impulso ao redor de uma região inexcitável
prolongarem suficientemente o λ de forma que não caiba mais no circuito
(Fig. 273e.4). A reentrada pode ocorrer ao redor de uma estrutura
anatômico. A ablação por cateter é frequentemente realizada com o ob-
jetivo de identificar e destruir um ramo crítico do circuito de reentrada
A B C D (p. ex., ablação do istmo cavotricúspide para tratamento do flutter atrial
direito típico). Em razão da menor definição das vias de ativação do mio-
cárdio nos casos de reentrada funcional, a ablação desses ritmos tende a
Lento Bloqueio
Intervalo ter como alvo os gatilhos iniciadores (p. ex., potenciais da veia pulmonar
na ablação por cateter em caso de fibrilação atrial) em vez do circuito
anatômico.
A cardiopatia estrutural está associada a mudanças na condução e
na refração que aumentam o risco de arritmias por reentrada. O mio-
cárdio cronicamente isquêmico apresenta regulação negativa da proteína
de canal juncional comunicante (conexina 43) que transporta a corrente
Circuito Início da Reentrada Término da
reentrante reentrada sustentada reentrada iônica intercelular. As regiões limítrofes do miocárdio infartado ou em fa-
lência apresentam não apenas alterações funcionais das correntes iônicas,
FIGURA 272e.4 Diagrama esquemático para a reentrada. A. O cir- mas também remodelamento tecidual e distribuição alterada das junções
cuito contém dois braços, um deles com condução lenta. B. Um im- comunicantes (junções gap). As alterações na expressão e distribuição
pulso prematuro bloqueia a via rápida e é conduzido pela via lenta, dos canais das junções comunicantes, combinadas com as alterações teci-
permitindo que a via rápida se recupere de forma que a onda de duais macroscópicas, dão apoio à ideia de um possível papel exercido pela
ativação possa reentrar na via rápida por via retrógrada. C. Durante condução lenta nas arritmias por reentrada que complicam uma doença
a reentrada sustentada nesse tipo de circuito, há um intervalo (inter-
arterial coronariana crônica (DAC). O miocárdio atrial das pessoas ido-
valo de excitação) entre a frente de ativação da onda e a parte final
sas apresenta alterações na condução que se manifestam sob a forma de
de recuperação. D. Um mecanismo de término da reentrada ocorre
eletrogramas atriais altamente fracionados, produzindo um substrato
quando as características de condução e recuperação do circuito se
modificam, e a frente de ativação da onda se choca com sua extremi- ideal para a reentrada, fenômeno subjacente ao desenvolvimento muito
dade final, extinguindo a taquicardia. comum de fibrilação atrial nos idosos.

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infiltrativas como a sarcoidose. As arritmias supraventriculares podem 273e-5
ABORDAGEM AO PACIENTE:
estar associadas a doenças congênitas específicas, como é o caso da re-
Arritmias cardíacas entrada AV nos portadores de anomalia de Ebstein. A ecocardiografia
A avaliação dos pacientes com suspeita de serem portadores de arrit- é uma técnica de obtenção de imagem empregada com frequência para
mia cardíaca deve ser individualizada; entretanto, há dois componen- triagem de distúrbios estruturais e funcionais cardíacos. A aquisição
tes principais, a história clínica e o ECG, essenciais para direcionar os de imagem por ressonância magnética (RM) tem sido mais usada para
procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Os pacientes com arritmias rastreamento de cicatrizes e de infiltração fibrogordurosa no miocár-
cardíacas podem apresentar um amplo espectro de quadros clínicos, dio como a encontrada na miocardiopatia arritmogênica do ventrículo
variando desde anormalidades ao ECG assintomáticas até sobreviven- direito, entre outras alterações estruturais capazes de alterar a susceti-
tes de parada cardíaca. Em geral, quanto mais graves são os sintomas à bilidade às arritmias.
apresentação, mais agressivos devem ser a investigação e o tratamento. O teste de inclinação (tilt-test) é útil para a avaliação dos pacientes
A perda de consciência que se acredita ser de origem cardíaca demanda com síncope quando houver suspeita de tônus vagal excessivo ou sínco-

CAPÍTULO 273e
uma investigação exaustiva na busca pela etiologia e, com frequência, pe vasovagal. A resposta fisiológica ao teste de inclinação não está intei-
requer terapêuticas invasivas com uso de dispositivos. A presença de ramente compreendida; entretanto, a redistribuição do volume sanguí-
cardiopatia estrutural e o histórico de infarto do miocárdio determinam neo e o aumento na contratilidade ventricular ocorrem regularmente. A
modificações na abordagem para o tratamento de uma síncope ou das ativação exagerada do reflexo central em resposta ao tilt-test produz uma
arritmias ventriculares. Uma história familiar de arritmias ventricula- reação estereotipada com aumento inicial na frequência cardíaca, segui-
res graves ou de morte súbita prematura certamente deverá determinar do por queda na pressão arterial com redução na frequência cardíaca
a investigação de uma possível arritmia hereditária. característica de hipotensão com mediação neural. Outras respostas ao
O exame físico deve se concentrar em definir se há uma doença tilt-test podem ser observadas nos pacientes com hipotensão ortostáti-

Princípios de eletrofisiologia
cardiopulmonar que possa estar associada a arritmias cardíacas específi- ca e insuficiência autonômica. O tilt-test é usado com maior frequência
cas. A ausência de doença cardiopulmonar significativa com frequência, nos pacientes com síncope recorrente, ainda que também possa ser útil
mas não sempre, sugere um caráter benigno para o distúrbio no ritmo. naqueles com episódios isolados associados à lesão, em particular na
Por outro lado, palpitações, síncopes, ou quadros semelhantes à síncope ausência de cardiopatia estrutural. Entre os pacientes com doença car-
em um cenário com doenças cardíaca ou pulmonar significativas, têm díaca estrutural, o tilt-test pode estar indicado naqueles que apresentem
implicações mais ameaçadoras. Além disso, o exame físico poderá re- síncope e nos quais outras causas (p. ex., assistolia, taquiarritmia ventri-
velar a presença de uma arritmia persistente como a fibrilação atrial. cular) tenham sido afastadas. Sugeriu-se que o tilt-test poderia ser uma
O uso judicioso de exames diagnósticos não invasivos é um ele- ferramenta útil para o diagnóstico e a terapêutica de vertigem recorrente
mento importante na avaliação dos pacientes com arritmias, e não há idiopática, síndrome de fadiga crônica, ataques isquêmicos transitórios
nenhum que seja mais importante do que o ECG, particularmente se for recorrentes e quedas repetidas de etiologia desconhecida nos idosos. É
realizado durante a ocorrência dos sintomas. Sinais incomuns de distúr- importante ressaltar que o tilt-test tem contraindicação relativa nos ca-
bios eletrofisiológicos, importantes sob o ponto de vista do diagnóstico, sos com DAC grave e estenoses coronarianas proximais, nos casos com
podem ser descobertos no ECG realizado em repouso, como ondas delta doença vascular encefálica grave diagnosticada, naqueles com estenose
na síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), prolongamento ou en- mitral grave e nos pacientes com obstrução ao fluxo de saída do ventrí-
curtamento do intervalo QT, anormalidades no segmento ST nas deriva- culo esquerdo (p. ex., estenose aórtica).
ções precordiais direitas na síndrome de Brugada, e as ondas épsilon da O estudo eletrofisiológico é fundamental para a compreensão e
displasia arritmogênica do ventrículo direito. Variações do registro do o tratamento de muitas arritmias cardíacas. De fato, na maioria das
ECG de superfície podem fornecer informações importantes acerca da vezes trata-se de um estudo intervencionista que é utilizado com pro-
base e dos desencadeadores da arritmia. No monitoramento com Holter pósitos tanto diagnósticos quanto terapêuticos. As indicações para os
e no registro de eventos, seja contínuo ou intermitente, o ECG de su- estudos eletrofisiológicos podem ser classificadas em várias catego-
perfície é registrado por maiores períodos, aumentando a possibilidade rias: para definir o mecanismo de uma arritmia; para a aplicação de
de se observar o ritmo cardíaco durante os sintomas. O monitoramento tratamento ablativo por meio de cateter; e para definir a etiologia de
com Holter é particularmente útil para avaliar os sintomas diários atri- sintomas que possam ser causados por arritmia (p. ex., síncope, pal-
buídos a alguma arritmia ou para quantificar um fenômeno específico pitações). Os componentes do estudo eletrofisiológico são medições
da arritmia (p. ex., carga de complexos ventriculares prematuros). Indi- basais da condução durante o repouso, sob condições de estresse (de
ca-se o uso de monitores ambulatoriais de evento quando os sintomas frequência ou farmacológico) e utilizando manobras, tanto de estimu-
que se acredita serem causados por uma arritmia ocorrerem com menor lação artificial quanto com o uso de fármacos, para induzir arritmias.
frequência (p. ex., alguns episódios por mês) e, como normalmente são Foram desenvolvidas várias técnicas sofisticadas para mapeamento
ativados pelo paciente, os monitores são ideais para que se faça a corre- elétrico e direcionamento por cateter para facilitar as terapêuticas com
lação entre sintomas e distúrbios do ritmo. Os monitores implantáveis base no uso de cateteres no laboratório de eletrofisiologia.
de longo prazo permitem monitoramento telemétrico prolongado para
diagnóstico e para avaliação da eficácia do tratamento. Esses monitores
implantáveis costumam ser usados para avaliação de sintomas malignos
TRATAMENTO ARRITMIAS CARDÍACAS
que ocorrem com frequência muito baixa e que não possam ser provo- TERAPIA COM MEDICAMENTOS ANTIARRÍTMICOS
cados durante o estudo eletrofisiológico diagnóstico. A interação entre fármacos antiarrítmicos e tecidos cardíacos, assim
A eletrocardiografia de esforço é importante na determinação como as alterações eletrofisiológicas dela resultantes, é complexa. O co-
da presença de isquemia miocárdica desencadeada por aumento da nhecimento parcial acerca da ação desses fármacos produziu equívocos
demanda; recentemente, a análise da morfologia do intervalo QT du- que tiveram como resultados efeitos adversos na evolução de pacientes e
rante o exercício vem sendo usada para avaliar o risco de arritmias o desenvolvimento de novos agentes farmacológicos. Atualmente, os fár-
macos antiarrítmicos estão relegados a um papel auxiliar no tratamento
ventriculares graves. O ECG com esforço pode ser particularmente
da maioria das arritmias cardíacas.
útil em pacientes com sintomas que ocorram durante atividade física. Há várias explicações para a complexidade da ação dos fármacos
Os exames de obtenção de imagem cardíaca têm papel importante na antiarrítmicos: a similaridade estrutural dos canais iônicos alvos; as di-
detecção e caracterização de anormalidades estruturais no miocárdio ferenças regionais nos níveis de expressão dos canais e dos transporta-
capazes de tornar o coração mais suscetível às arritmias. As taquiar- dores, que se alteram com a doença; a ação farmacológica dependente
ritmias ventriculares, por exemplo, ocorrem com mais frequência em do tempo e da voltagem; o efeito desses fármacos sobre outros alvos
pacientes com disfunção sistólica no ventrículo e dilatação de câmara, além dos canais iônicos. Em razão das limitações de qualquer esquema
naqueles com miocardiopatia hipertrófica e em um cenário de doenças que se proponha a classificar os agentes antiarrítmicos, uma forma re-
sumida que descreva seus principais mecanismos de ação pode ser útil.

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273e-6 Um esquema de classificação com essas características foi proposto por QUADRO 273e.2 AÇÕES DOS FÁRMACOS ANTIARRÍTMICOS
Vaughan-Williams em 1970, tendo sido modificado mais tarde por Singh
e Harrison. Os antiarrítmicos foram classificados de acordo com sua ação Acões da classe
em: classe I, efeito anestésico local produzido por bloqueio na corrente Fármaco I II III IV Outras ações
de Na+; classe II, interferência com a ação das catecolaminas no receptor
Quinidina ++ ++ Bloqueio α-adrenérgico
β-adrenérgico; classe III, retardo na repolarização produzido por inibição
da corrente de K+ ou por ativação da corrente de despolarização; classe Procainamida ++ ++ Bloqueio ganglionar
IV, interferência com a condução do cálcio (Quadro 273e.2). Os antiarrít- Flecainida +++ +
micos da Classe I foram subdivididos com base na cinética e na potência Propafenona ++ +
de ligação ao canal de Na+; os agentes da classe Ia (quinidina, procaina- Sotalol ++ +++
mida) são aqueles com potência moderada e cinética intermediária; os
Dofetilida +++
agentes da classe Ib (lidocaína, mexiletina) são aqueles com baixa po-
tência e cinética rápida; os agentes da classe Ic (flecainida, propafenona) Amiodarona ++ ++ +++ + Bloqueio α-adrenérgico
+
são aqueles com alta potência e a cinética mais lenta. As limitações da Ibutilida +++ Ativador do canal de Na
classificação de Vaughan-Williams incluem ações múltiplas para diversos
PARTE 10

fármacos, predomínio do antagonismo como mecanismo de ação, além para a iniciação e manutenção das arritmias cardíacas. A destruição de tal
do fato de que diversos agentes não podem ser classificados em nenhum região crítica resultaria na eliminação da arritmia. O uso da energia de ra-
dos quatro tipos de ação propostos no esquema. diofrequência (RF) na medicina clínica já data de quase um século. A pri-
meira ablação feita com cateter utilizando uma fonte energética elétrica
ABLAÇÃO POR CATETER (corrente direta) foi realizada no início da década de 1980 por Scheinman
A ablação com cateter está baseada no princípio de que há uma região e colaboradores. No início da década de 1990, a RF foi adaptada para uso
anatômica crítica para geração ou propagação do impulso necessário nas ablações no coração feitas com cateter (Fig. 273e.5).
Doenças do sistema cardiovascular

AD
abl

SC VD

ADA

FIGURA 273e.5 Ablação por cateter nas arritmias cardíacas. A. Esquema representando o sistema de cateter e o gerador em um paciente
sendo submetido à ablação com cateter por radiofrequência (ACRF); o circuito compreende o cateter no coração e uma placa de dispersão
posicionada sobre a superfície do corpo (geralmente nas costas). A figura menor mostra um diagrama do coração com um cateter localizado
no anel da valva atrioventricular (AV) para ablação de uma via acessória. B. Imagem fluoroscópica com visão oblíqua anterior direita mostran-
do a posição do cateter para ablação de via acessória do lado esquerdo. O cateter está posicionado no lado atrial do anel da valva mitral (abl)
via punção transeptal. Outros cateteres estão posicionados no seio coronariano (SC), no átrio direito (AD) e no ápice do ventrículo direito (VD)
para registro da ativação elétrica. C. Registros do eletrocardiograma de superfície (I, II, V1) e eletrogramas endocárdicos (ADA: átrio direito
alto; HISp: feixe de His proximal; registros CS 7, 8 dos polos 7 e 8 de cateter decapolar posicionado no seio coronário) durante ACRF de uma
via acessória do lado esquerdo em paciente com síndrome de Wolff-Parkinson-White. O QRS sofre estreitamento no quarto complexo; a seta
aponta o eletrograma do feixe de His, que surge com a eliminação da pré-excitação ventricular sobre a via acessória.

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A banda de RF (300 a 30.000 kHz) é utilizada para gerar energia com TERAPIA COM DISPOSITIVOS 273e-7
vistas a várias aplicações biomédicas, incluindo coagulação e cauterização As bradiarritmias, seja por disfunção primária no nó sinusal, seja por
de tecidos. A energia dessas frequências não estimula o músculo esquelé- problemas na condução atrioventricular, são rapidamente tratadas com
tico ou o coração e aquece o tecido por meio de um mecanismo resistivo, o implante de um marca-passo permanente. As indicações clínicas para
sendo que a intensidade do aquecimento e a destruição do tecido são o implante de marca-passo costumam depender da presença de bradi-
proporcionais à energia fornecida. Outras fontes de energia menos usadas cardia sintomática ou de ritmo de escape endógeno não confiável, que
para ablação por cateter nos casos de arritmias cardíacas são micro-ondas serão discutidas com maior profundidade nos Capítulos 274 e 275.
(915 MHz ou 2.450 MHz), laser, ultrassom ou congelamento (crioablação). As taquiarritmias ventriculares, particularmente aquelas ocorrendo
Dessas técnicas alternativas para ablação, a crioablação tem sido a mais no contexto de cardiopatias estruturais progressivas como a miocardio-
usada clinicamente, em especial para as ablações realizadas na região do patia isquêmica ou a miocardiopatia arritmogênica do ventrículo direi-
NAV. Nas temperaturas imediatamente abaixo de 32°C, interrompe-se o to, podem sofrer recorrências a despeito de tratamento com agentes
transporte iônico pela membrana, produzindo despolarização das células, antiarrítmicos ou com ablação. Nos candidatos apropriados, a utilização
diminuição na amplitude e na duração do potencial de ação, e retardo na de cardioversor desfibrilador implantável (CDI) pode reduzir a taxa de
condução (produzindo bloqueio local da condução) – todas as condições

CAPÍTULO 273e
mortalidade por morte súbita de origem cardíaca. Em um subgrupo de
reversíveis caso o tecido seja reaquecido a tempo. O esfriamento do teci- pacientes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e dessincronia ven-
do pode ser usado tanto para mapeamento quanto para ablação. O crio- tricular mecânica, podem ser usadas plataformas de CDI ou marca-passo
mapeamento pode ser usado para confirmar a localização do alvo para a multissítio para tratamento de ressincronização cardíaca, em geral com
ablação, como uma via acessória em um caso com síndrome de WPW, ou a implantação de um eletrodo estimulador no ventrículo esquerdo. Em
para determinar o grau de segurança de uma ablação ao redor do NAV por pacientes com CC e dessincromia, esse tratamento mostrou-se capaz de
meio do monitoramento da condução AV durante o resfriamento. Outra reduzir as taxas de morbidade e mortalidade.
vantagem da crioablação é que a ponta do cateter, uma vez resfriada abai-
xo do ponto de congelamento, adere ao tecido, o que aumenta a estabili-
dade independente do ritmo ou do estímulo cardíacos.

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