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TEMA - II

O PODER ADMINISTRATIVO E OS DIREITOS DOS PARTICULARES

i. Conceitos
ii. Manifestações e corolários
iii. Princípios constitucionais
iv. Poder discricionário

Para falarmos do poder administrativo interessa previamente abordar o princípio da


separação de poderes e perceber os contornos desse princípio, já que o poder
administrativo é resultado do princípio constitucional e fundamental de separação de
poderes plasmado no artigo 133 da Constituição da República de Moçambique.

O Princípio da Separação dos Poderes

Este princípio consiste numa dupla distinção: a distinção intelectual das funções do
Estado, e a política dos órgãos que devem desempenhar tais funções – entendendo-se
que para cada função deve existir um órgão próprio, diferente dos demais, ou um
conjunto de órgãos próprios.

No campo do Direito Administrativo, o princípio da separação de poderes visou retirar


aos Tribunais a função administrativa, uma vez que até aí, havia confusão entre as
duas funções e os respectivos órgãos. Foi a separação entre a Administração e a
Justiça.

Resultando deste princípio de separação de poderes podemos arrolar três os


corolários:

 A separação dos órgãos administrativos e judiciais: Isto significa que têm de


existir órgãos administrativos dedicados ao exercício da função administrativa,
e órgãos dedicados ao exercício da função jurisdicional. A separação das
funções tem de traduzir-se numa separação de órgãos.

 A incompatibilidade das magistraturas: não basta porém, que haja órgãos


diferentes: é necessário estabelecer, além disso, que nenhuma pessoa possa
simultaneamente desempenhar funções em órgãos administrativos e judiciais.

 A independência recíproca da Administração e da Justiça: a autoridade


administrativa é independente da judiciária: uma delas não pode sobrestar na
acção da outra, nem pode pôr-lhe embaraço ou limite. Este princípio,
desdobra-se por sua vez, em dois aspectos:

a) A independência da Justiça perante a Administração, significa ele que a


autoridade administrativa não pode dar ordens à autoridade judiciária, nem
pode invadir a sua esfera de jurisdição: a Administração Pública não pode
dar ordens aos Tribunais, nem pode decidir questões de competência dos
Tribunais.
b) A independência da Administração perante a Justiça, que significa que o
poder judicial não pode dar ordens ao poder administrativo, salvo num caso
excepcional, que é o do habeas corpus.

O Poder Administrativo

- Conceito e caracterização

Para melhor entender, dissemos que a Administração Pública é um poder, fazendo


parte daquilo a que se costuma chamar os poderes públicos. Isto significa que a
Administração Pública do Estado corresponde ao poder executivo: o poder legislativo e
o poder judicial não coincidem com a Administração Pública.

A preferência em usar a expressão poder administrativo justifica-se pelo facto de


podermos englobar nela também as autarquias locais e outras entidades que não seria
adequado enquadrar no poder executivo.

A Administração Pública que integra o Governo, as autarquias locais e outros entes


públicos é, efectivamente, uma autoridade, um poder público – é o Poder
Administrativo.

- Manifestações do Poder Administrativo

As principais manifestações do poder administrativo são quatro:

 O Poder Regulamentar

A Administração Pública, tem o poder de fazer regulamentos, a que chamamos “poder


regulamentar” e outros autores denominam de faculdade regulamentaria.

 O Poder de Decisão Unilateral

Diferentemente da manifestação anterior, enquanto no regulamento a Administração


Pública nos aparece a fazer normas gerais e abstractas, embora inferiores à lei, aqui a
Administração Pública aparece-nos a resolver casos concretos.

A Administração, perante um caso concreto, em que é preciso definir a situação, a


Administração Pública tem por lei o poder de definir unilateralmente o Direito
aplicável. E esta definição unilateral da Administração Pública é obrigatória para os
particulares. Por isso, a Administração é um poder.

Por exemplo: é a Administração que determina o montante do imposto devido por


cada contribuinte.
 O Privilégio da Execução Prévia

O privilégio de execução prévia consiste, na faculdade que a lei dá à Administração


Pública de impor coactivamente aos particulares as decisões unilaterais que tiver
tomado.

Isto significa que enquanto vai decorrendo o processo contencioso em que se discute
se o acto administrativo é legal ou ilegal, o particular tem de cumprir o acto, se não o
cumprir, a Administração Pública pode impor coactivamente o seu acatamento.

 Regime Especial dos Contractos Administrativos

Significa a especialização da Administração Pública em elaborar os seus próprios


contratos administrativos. Um contracto administrativo é um acordo de vontades em
que a Administração Pública fica sujeita a um regime jurídico especial, diferente
daquele que existe no Direito Civil.

Diante da manifestação do poder administrativos, trás como consequência os


seguintes corolários:

 Independência da Administração perante a Justiça

Aqui vimos que os tribunais Comuns são incompetentes para se pronunciarem sobre
questões administrativas.

 Foro Administrativo

Significa a entrega de competência contenciosa para julgar os litígios administrativos


não aos Tribunais Judiciais mas aos Tribunais Administrativos.

 Tribunal de Conflitos
Significa a existência de um tribunal superior que tem uma composição mista,
normalmente paritária, dos juízes dos Tribunais Judiciais e de juízes de
Tribunais Administrativos, e que se destina a decidir em última instância os
conflitos de jurisdição que sejam entre as autoridades administrativas e o
poder judicial.

Princípios constitucionais sobre o poder administrativo

1. Princípio da Prossecução do Interesse Público:

Este é um princípio motor da Administração Pública e encontra-se consagrado no


artigo 249 da Constituição da República de Moçambique. A Administração actua,
move-se, funciona para prosseguir o interesse público. O interesse público é o seu
único fim.

Deste princípio surgem mais dois princípios:

 O princípio da legalidade, que manda à Administração obedecer à lei.


 O princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares, que
obriga a Administração a não violar as situações juridicamente protegidas dos
administrados

A noção interesse público traduz uma exigência – a exigência de satisfação das


necessidades colectivas. Pode-se distinguir o interesse público primário dos interesses
públicos secundários: O interesse público primário, é aquele cuja definição compete
aos órgãos governativos do Estado, no desempenho das funções política e legislativa;
os interesses públicos secundários, são aqueles cuja definição é feita pelo legislador,
mas cuja satisfação cabe à Administração Pública no desempenho da função
administrativa.

No princípio da prossecução do interesse público temos que ter em conta os seguintes


aspectos:

a) Só a lei pode definir os interesses públicos a cargo da Administração: não pode


ser a administração a defini-los.
b) Em todos os casos em que a lei não define de forma complexa e exaustiva o
interesse público, compete à Administração interpretá-lo, dentro dos limites
em que o tenha definido.
c) A noção de interesse público é uma noção de conteúdo variável. Não é possível
definir o interesse público de uma forma rígida e inflexível
d) Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela Administração é
obrigatória.
e) O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas
públicas e a competência dos respectivos órgãos: é o chamado princípio da
especialidade, também aplicável a pessoas colectivas públicas.
f) Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente
determinado de qualquer acto administrativo.
g) A prossecução de interesses privados em vez de interesse público, por parte de
qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções,
constitui corrupção e como tal acarreta todo um conjunto de sanções, quer
administrativas, quer penais, para quem assim proceder.
h) A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração Pública
que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do
ponto de vista administrativo (técnico e financeiro): é o chamado dever de boa
administração.
2. O Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade encontra-se previsto no nº 2 do artigo 249 da Constituição da


República de Moçambique e, é sem dúvida, um dos mais importantes Princípios Gerais
de Direito aplicáveis à Administração Pública, segundo o qual os órgãos e agentes da
Administração Pública só podem agir no exercício das suas funções com fundamento
na lei e dentro dos limites por ela impostos.

O princípio da legalidade aparece definido de uma forma positiva. Diz-se que a


Administração Pública deve ou não deve fazer, e não apenas aquilo que ela está
proibida de fazer.

O princípio da legalidade cobre e abarca todos os aspectos da actividade


administrativa, e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou
interesses dos particulares.

A lei não é apenas um limite à actuação da Administração é também o fundamento da


acção administrativa.

Este princípio encontra excepções a três situações:

a) A teoria do estado de necessidade;


b) A teoria dos actos políticos;
c) O poder discricionário.

3. Os princípios da Justiça e da Imparcialidade

Trata-se de uma série de limites ao poder discricionário da administração. Enquanto o


princípio da legalidade, o princípio da prossecução do interesse público e outros são
princípios que vêm de há muito e que portanto já foram devidamente examinados e
trabalhados, estes são novos e por conseguinte põe problemas ainda difíceis.

O Princípio da Justiça, significa que na sua actuação a Administração Pública deve


harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e
interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados.

Corolários do princípio da imparcialidade

 Proibição de favoritismo ou perseguições relativamente aos particulares;


 Proibição de os órgãos da Administração decisões sobre assuntos em que
estejam pessoalmente interessados;
 Proibição de órgãos da Administração ou por ela aprovados ou autorizados.

- O Poder Discricionário da Administração

O poder discricionário faz parte do poder administrativo como resultado da excepções


do princípio da legalidade que importa desenvolver, pois, aqui percebemos que a
regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa outras vezes é
imprecisa.
Umas vezes diz-se que a lei vincula totalmente a Administração. A Administração não
tem qualquer margem dentro da qual possa exercer uma liberdade de decisão. O acto
administrativo é um acto vinculado.

Outras vezes, a lei praticamente nada diz, nada regula, e deixa uma grande margem de
liberdade de decisão à Administração Pública. E é a Administração Pública que tem de
decidir, ela própria, segundo os critérios que em cada caso entender mais adequados à
prossecução do interesse público.

Tem-se portanto, num caso actos vinculados, no outro caso actos discricionários.

Vinculação e discricionariedade são assim, as duas formas típicas pelas quais a lei pode
modelar a actividade da Administração Pública.

Na verdade, quase todos os actos administrativos, são simultaneamente vinculados e


discricionários. São vinculados em relação a certos aspectos, e discricionários em
relação a outros.

- Fundamento e Significado

Fundamenta-se a discricionariedade na medida em que há casos em que a lei pode


regular todos os aspectos, e nesses casos a actuação da Administração Pública é uma
actuação mecânica, dedutiva; é uma actuação que se traduz na mera aplicação da lei
abstracta ao caso concreto, por meio de operações lógicas, inclusive por operações
mecânicas.

Mas um grande número de caso, porventura a maioria, não pode ser assim.

Uma questão que as leis não podem regular, e que portanto têm de deixar
necessariamente à liberdade de decisão da Administração Pública.

Só há poder discricionário quando, e na medida em que, a lei o confere.

O poder discricionário, como todo o poder administrativo, não é um poder inato, é um


poder derivado da lei: só existe quando a lei confere e na medida em que a lei o
confira.

Os aspectos mais importantes de discricionariedade são entre outros os seguintes:

 O momento da prática do acto, a Administração terá, nesses casos, a liberdade


de praticar o acto agora ou mais tarde, conforme melhor entender;
 A decisão sobre praticar ou não um certo acto administrativo;
 A decisão sobre a existência dos pressupostos de facto de que depende o
exercício da competência;
 Forma a adoptar, para o acto administrativo;

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