COL ECÇÃ O S TVDIV

TEMAS FILOSÓFICOS, JURÍDICOS E SOCIAIS

WILHELM DILTHEY
Z

A ''COLECÇÃO STVDIVM''
é já constituída pof mais de 50 volumes
publicados,tratando dos mais varia-
dos assuntos, todos de alto interesse.
r
Ver, no fim do presentevolume,a lista
completa das obras já publicadas. A SUA EPOCA

Doutor A. E. BEAU
LEITOR DA FACULDADE DE LETRAS DB COIB[BBA
PREFÁCIO DO
24027\

Doutor JOAQuin DE CARVALHO

PROFESSOR DA FACULDADE
\

34186

manCA DE FILOSOFA
'g

.EO'REGAnE~'FIL
(il i'jóIAS $UCIA J ) H

3'/VTK$$
LivKAtiiÃ'ÃcAnÉwicA SeD/FFLCH
SARAIVA & C.A--EDITORES--S. PAULI
1 9 4 7
 fawtdade de Filosofia
(iÉ)n(:üse Letras
Bibliotea (entrai

PREFÁCIO

Este livro ocupa lugar inconfundível .na.vasta

bibliografia leibniziana e é .fnodelo .acabado do
método e das concepçõeshistoriográficasdo seu
Autor.
Há biograâas mais extensas e minuciosas,
repletas de informes sobre .o estudante precoce
e pouco afortunado que foi.Leibniz, sobre o
homem feito, na multiplicidade dos seus. recur-
vidente,
sos e ocupações,
sobreo políticoe o
sobre o patriota e o europeu, sobre os.escritos
do âlósoío, do matemático, do físico, do tilÕlogo,
do historiador, do te(1)logo e do controversista;
DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL e há também exposições e interpretaçõescríticas
193.1 Leibniz e a sua epoca. da âlosoíia leibniziana, mais profundas e, por
L525di
e.2
assimdizer, tecnicamentemais engenhosas, tanto

i\l\\tWl@$1
\iiiwlw 1tl sobre as ideias do lógico, do metafísico e. do
$11wtixtt
w\il teólogo como sôbre o ponto de partida e,o desi-
derato supremo, nunca claramente confessado,'
da meditação do autor da .ZWotzízdoZogja.
. .
Não é, pois, como repositório deinformações
nem como guia no labirinto das ideias de um
lxapreasa Portuguesa/ R,ua 3'0rnoea. 108 ./ POR'rO V

homem prodigiosamente enciclopédico e genial-
mente inventivo e fecundo que este livro se assi-
nala. Para isso há outros, de ontem e de hoje, e
sem dúvida de amanhã,porqueainda se nãa
dissipou o véu de dúvidas que.vela o.ser íntimo
de Leibníz e o sentido profundo de algumasdas
suas concepções,1-- nem nunca se dissiparlt, por'
ventura, mesmo que se leve a cabo a publicação
integral'. dos, ao parecer inesgotáveis, inéditos~ da
biblioteca de Hanover.
O que estes livros.disseram é, por vezes, de
consulta imprescindível, mas como que o. disse-
ram quotizada e longitudinalmente, cindindo
individualidade do filósofo, de Gula mente o pen'
samento jorrava com pujante vigor e assombrosa
largueza de vista, e desligando o fundamento
lógico, metafísico ou religioso (coisa .controver-
tida), que Ihe estruturou o sistema, do impulso
c(59-
ssoal, dos estímulos epocais e.do sentido
mÍdo que deram alento e densidade à sua medi-
tação.
vl
Comparem-se, superficialmente que sela, as
páginas deste r+ivro 'com quaisquer. outras de
ressal-
qualquer hístoliador de Leibniz, e. logo \-
tara a originalidade do método .e da concepÇ?o
filosofe-
que as ditou. Em vez da exposição .de
mas decorrendo abstractamente pelas regiões
intemporais da lógica ou da..metafísica, a. inser-
ção do filósofo na individualidade irredutível da
pessoade Leibniz e na plenitudedo tempo que
ele realmente viveu, em conexão com as demais
manifestações da. cultura coetânea, assim ctcntl-
íicas, como institucionais, literárias e musicais,
designadamente Bach e Haendel.
a Ter visto Leibniz na concreçãoreal do indi-
víduo e do meio que Ihe íoi dado viver, e ter
ensinado, nestas páginas como em. todas .que
escreveu, que há essencialmente uma só história,
que é a do homem vivente .na conjuntura do seu
tempo, a qual podo especi6car-se num sentido
predominante, como o' cientíâco, o político, o
ÍilosóÊco, o artístico, o social, etc., mas sem
vll

nunca perder a perspectiva dos demais sentidos
que bor igual irrompem da vida e configuram
a época, constitui o mérito deste .livro, .que,
coco todos os livros que o são de verdade,
brota de dotes pessoais e se nutre de ideias gerais.
Os dotes dão pelo nome de dom de penetra-
ção histórica, isto é, a capacidadede reviver o
passado com a intimidade e introrsão com. que
se vive o presente; e as ideias gerais radicam
ría do conhecimento histórico. Os dotes
podem ser admirados, mas são intransferíveis
como tudo o que é subjectivamenteindividual,
mormente quando exprimem, como no caso do
autor deste livro, o raro privilégio de captarefn
todas as formas de pensamento e de sensibili-
dade com imediata pureza; as ideias gerais, com
serem do pensador 'que as descobriu.e lhes deu
relevo, tornaram-se, porém, património comum.
Património comum e, mais do que isso, seiva
do nosso tempo, porque Guilherme Dilthey é,
porventura, o âlósofo de mais profunda e vasta
Vlll
influência actual, aliás mais subjacente.que.osten-
siva. A sua obra corre mundo em traduções,nas
castelhana, suce-
quais sobressaemas de língua B - nana .1An
dem-se em toda a parte os ensaios e.estudos
sobre o pensador,e não Ihe falta a glória..dos
verdadeiros Mestres --, a continuidade de discí-
pulos da estatura de Bernard Groethuysen,que,
dos
,lém do ingente esforço na compilação
GésammeZÍeScZ71We?z, submeteu à prova uma das
1lomem
concepções diltheyadas, mostrando que o
'chamamos burguês viveu primeiramente
como emoção,no séculoxvn, o que sc)mais
tarde se haveria de teorizar e exprimir como
ideário e mundividência.
Martin Heideggere Nicolai Hartmann não
escondem o que Ihe devem, notadamente.na
especi6cidadeda gnoseologia histórica, e todos,
âlósofos e historiadores, o consideram criador,
teórico e prático, da «história do espírito», .a
recém-vindadisciplina na qual vieram a conBuir
algumas exigências do pensamento âlosófico con-
lx

temporâneo com a maturidade atingida pela his-
toriografia.
Justifica-se: ninguém como Dilthey sondou
tão ' profundamente' o « mundo-cultural.),.
activas raízes psico1(5gicas,epistemológicas e
propriamente históricas, de concreção temporal.
#
Este é o mérito supremo do autor deste livro,
cujas concepções podem ser seguidas, podem .ser
repelidas, podem ser modificadas ou superadas,
mas não podem ser ignoradas por quem quer
que defronte os mesmos problemas que ele
defrontou. Dai a perenidade de Dilthey.
Tipo acabado de universitário germânico,
Inerme Dilthey 'consagrou a existência (1833'
-lgll) ao estudo e ao ensino nas Universidades
de Basileia, Kiel, Breslau e, de novo em Berlim,
X
como sucessorde Lotze (i882), onde nos derra-
deiros anos, na cátedra do .dzldiforjHm zaxzmum,
sentiu à sua volta o fervor que outrora congre-
aara os entusiásticos auditores de Fichte e de
nas
Hegel tiu a incansável actividade pela histó-
ria da filosofa e pela da sensibilidade .artística
(poética e musical), pela psicologia e pela teoria
do conhecimento-- , ou mais exactamente a sua
investigação de historiador e a sua. reflexão de
âlósofo obedeceram ao objectivo de esclarece-
rem por vias diversas o mesmo problema.fun-
damental: a compreensãodo mundo da cultura
que o homem cria e acrescentaao mundo da
natureza. . ..
Encontrara o tema no legado imenso do idea:
!esmo alemão, mas a sua inteligência admirável
deu-lhe nova consistência e rasgou-lhenovasvias
de acesso. ! ':
;l Hegel situará-seno interior do mundo cul-
tural, construindo-o dialécticamente ; Dilthey,
xl
 pensamento incessantemente {n /izr{, que jamais
pelo contrário, obediente ao sentido da posi
se deixou aprisionar por conceitos terminais e
tívidade, ou mais rigorosamente de empina, que
definitivos.
era .o signo da época, e em cuja mente pulsa-
Deixou, assim, uma íilosoâa de inquirição e
vam as experiências da sua existência pessoal
não a desenvoluçãológica de um sistema,isto
e, por genial dom de assimilação, as da .vida
é. uma filosofia que deslinda, 'elaciona e põe a
humana na diversidade da sua fenomenologia
claro mediante á elucidação de problemas .que
espiritual;l quis apreende-lo e. com.pre.endê-lg
irrompem da factualidade e não, como na .Embica,
na multiplicidade cambiante da pró;proa reali-
dade concreta. de Espinosa, para escolher o exemplo mais per-
«A vida vivida pelos homens» foi, com efeito, feito, 'pela resolução de quesitos que aparecem
zidos pela correlaçãode implicaçõesque se
o ponto de partida e o objecto constante da sua
:ncadeiaú a partir de um princípio universal e
meditação.
virtualmente naturante. '
Partir deste ponto é partir do concreto e não
O seu peíâl de pensador e a sua obra de
de um princípio universal e .abstracto; e porque }

escritor recortam-se nitidamente sobreeste-fundo

dele partiu e pele permaneceu, a sua fundamen-
ão' da autonomia das ciências do espírito assen- de incessante probiematicidade e de insatisfeita
acabadas
tou numa íilosoíia da vida e numa psicologia investigação; por isso, em vez de obras
descritiva, analítica, individualizante, mas. ten- na traça e no remate, só legou, a bem-dizer,
l livros inconclusose fragmentários,
de thulos
dendoparaa tipiÊcação,
e a suaatitudede modestos e aproximativos, dignos .do. escrúpulo
pensador situou-se polarmente em oposição a
atitude sistemática. O seu pensamento foi um exigente de quem sentia a exiguidade da vida que
}.

Xlll
Xll
 E

f fezese na Cr/fica da rzz;ão prática, a consciência

vivia para apreendere cingir a morfologia com-
plexa do mundo humano.
Como Comte, que havia partido da totalidade
da tota-
do sabercientíâco-natural, Dilthey .partiu
moral. Algo de parecido,.na incitação problemá-
tica que não no desenvolvimentoarquitectónico,
se passou com Dilthey. ,Desiludido da actividade

n Blü
lamente metafísica e empolgado pela realidade

liüi$$il atractiva das ciências do espírito, especialmente

da História, Guio tratamento crítico e rigoroso
assinalava um dos grandes- acontecimentos do

Ü:âglHFflili
século xix, mormente. na Alemanha, onde atin-
gira um desenvolvimento gigantesco, o autor da
/nfrodz4ç;ão
ãs ciéncí(zs
do espr fo (1883) e da Zeorü
date em basescientíficas, Dilthey, a investtgaçao
da concepçãodo mundo, procurou saber em que
a natureza das ciências do espírito, êm ordem consistia a consciência histórica e sobre que gno-
à fundamentação
de uma «crítica da razãohis- seologia assentava a compreensão do passado.
tórica )). A «crítica da razão histórica» surgia-lhe, assim,
Perante a existência da explicação óewtoniana,
comia problema característico da consciência filo-
isto é, o saber físico-matemático do mundo natu- sóâca dó nosso tempo e em directa conexão com
ral, e diante da realidadedo.mundo moral,.irre-
na o facto da constituição científica da História.
dutível ao mundo físico, gane in'wstigara É transparente a inâuêncía kantiana -- e quem
Critica da fa ão para as condições que possibili-
pode furtar-se ao génio de Konigsberga?--quer
tam o conhecimento cientíâco e .submeteu à no estabelecimentodeste problema, quer no res-
«-ánw, ';=''Fu«da«..«t« da «-.ta#.ica do' c''-
xv
Xlv
 \

cia, etc.; colocou-seno ponto de vista da con-

temporaneidadedas próprias manifestaçõesespi-
rituais, procurando apreender o que elas apresen'
tam de' peculiar, de irredutível e até de mais
recõnditamente biográâco.
Foi então que o homem Ihe surgiu, não como
natureza constante, idêntica, monoexpressiva, mas
como ente histórico, isto é, como ser que nao
só faz história, senãoque é intrinsecamente tem-
poralidade e cujos pensamentos.e actos só adqui-
rem sentido na totalidade da vida vivida.
Como qualquer animal, o homem vive num
meio que Ihe é dado pela Natureza.e ao qual
tem de sujeitar o comportamento sob pena de
ser es ado e aniquilado; mas ao contrário do
animal, que sempre repete o mesmo e pelos mes-
mos processos, vivendo como que submergido
no mundo ao qual se não pode opor, o homem,
como ser histórico, converte o meio natural, que
l
Ihe é dado, em mundo cambiante e múltiplo,
mediante a ciência e a técnica, a oblectivaçãodos
11 XVll
xvl
 N

valores e a unidade da visão metafísica ou ~da

tensão de. fundar.pma .ciência empírica dos íen(1)-
/

menos:;espirituais, e, com efeito, as porradas

vigílias da sua longa vida de~quase octogenário
foram aplicadasao intento de estruturara auto-
nomia das ciências do espírito, arrancando-as à
consideração mecânico-racional das ciências dà
Natureza.
Comte havia sido o pensador isolado e até
isolante no rigorismo exclusivista das ideias, que
ora apresentava
como resenhaora como pros-
pecto, e sempre enquadrava em concepções gerais,
como, por exemplo, que as âlosoâas anteriores
tinham sido modosde ver parciais,quea metafí-
sica cedera deânitiva e totalmente o lugar ao seu
Positivismo e que a Humanidade era o tcrHO da
vida c(1)smica.

Cromo homem. do seu.!empa, Dilthey reco-

nhece!..Linutilidade da reflexão metafísica como

:lglElgR:31:;En::
-.:l .e..!,feição temporal e parcelar da sucessão das
filosoâas ; mas contrariamente a Comte,cuja
concepção do mundo e da vida .se apresentava
xvlll
xlx
como deânitiva e terminal, o seu. pensamento
orientou-se no sentido de compreendero mais
ampla e precisamentepossível a gama varia-
díssima das manifestações espirituais, cuja com-
preensão total daria a «âlosoâa das âlosoâas».
«O homem só se conhece verdadeiramente
na história e não pela introspecção»,dizia, e
este pensamento, que foi uma das ideias direc-
trizes de Dilthey, não significa a ilegitimidade da
mtrospecção.
Longe disso. Dilthey jamais perdeuo ensejo
de afirmar que só a experiência psíquica é pri-
mordial, imediata e directa, não hesitou nunca
em pór a claro o erro intrínseco da concepção
da psicologia associacionistaà maneira de Speü-
cer, de Taine, de Wundt, e também nunca esmo-
receu no esforço constitutivo de uma psicologia
descritiva e analítica, da qual deixou páginas
admiráveis, penetrantes e, por assim dizer, nor-
mativas.
Significa, à letra e precisamentel que a alma,
xx
{
S9PQ..!Ê!!,-É].]nlla abstracção, e que o espírito só
sqlevela.e-dé:.g.J.onhêcei na variedade d;s suas
pag!@$!ações. O que somos, só o podemos saber
pelo que o homem tem sido ao longo do tempo
e na trama das.circunstâncias,,
e não pela son-
dagem introspectiva de quem apenas observa a
sua i.psidade.Por isso, as atitudes e estruturas
fundamentais do espírito, assim como as suas
possibilidades virtuais, s(5 se captam na objec-
tivação histórica, mediante o esforço compreen-
sivo que as revive na respectiva peculiaridade
irredutível.
l
O mundo s(5 se nos torna presente 'como
l
vida, e como cada indivíduo vive, intransferivel-
mente,a sua própriavida na conjunturaque
f Ihe é dado viver, g homem é um ser histórico
que ?e apresenta.sgb.'certas formas de realização
Confireta e de possibilidades. virtuais."A intros-
l
pecção,. por lúcida 'd'profunda que seja, apenas
proporciona o conhecimento de uma determina-
ção ou maneira de ser limitada; a compreensão
XXI

histórica , da fenomenolggi4 esWiritual* pelo con-
trário, na gama variada e poliexpressiva das suas
concreções, ensina incomparavelmente mais, e
quando levada a cabo em extensão e profundi-
dade constitui verdadeira azzfog#osõdo espírito.
S(5a história nos pode dar, assim,a totali-
dade da natureza humana, mediante a W.oríologia
do comportamento da consciência e a.diversi-
dade estriãiitãl:iiã$:êóiiêepçõesJo mundo, mas
o acessoao mundo histórico-cultural não é fácil.
nem o respectivoconhecimento
se opefalde
maneira idêntica ao conhecimento do mundo
físico.
O mundo natural, expZiczz-sê;o mundo his-
tórico, compfeetzde-se:naquele, a razão explica,
e logra alcançar, por vezes, a ciência; neste,
a razão, que Jamais pode fazer comparecer
perante o seu tribunal judicatório a totalidade
da vida, compreende, porque o..:objectivo do
seu saber,.quq.nãg.é em rigor, a ciémcia mas a
óa'menézlf!eg,consiste em'desentrãnhaidã factua-
XXll
V
l lidade das expressões a vivência que lhes deu
ser, ou, por outras palavras, surpreenderna letra
ou no documento cousificado o espírito que o
animou.
O acontecer histórico-cultural -- nesta expres-
são se abrangem os produtos ideais e os tangí-
veis da actividadehumana--e a vida espiritual
donde ele arranca, possuem como características
peculiares, que os separam irredutivelmente dos
objectos físicos, a temporalidade irreversível e a
concreção mais ou menos densa de uma activi-
dade vital, de um sentido ou significação. A ver-
dadeira substância da Hist(ária reside mesmo no
sentido ou iigniâcação dos acontecimentos;e,
consequentemente, o saber histórico-cultural não
t
é mero saber de objectos, como no mundo da
l natureza, mas um saber que vai da expressãoao
expressado, dos materiais inertes à vida que os
alentou, da letra ao espírito.
Como é possível ressuscitar a vida pretérita e
passardos documentos, dos sinais e dos teste-
xxlll
l
+
 }
r
munhos, cousiâcadose inertes, para o espírito
. deu ser e para a significação
que Ihe$ ' '''"'''ou
mais
!
menos intencional que encerram líntrinsecamente ?
A resposta de Dilthey não íoi metodológica,
nem consistiu em dizer como deveser o conhe-
cimento histórico. É essencialmente epistemoló-
gica, isto é, diz como é possÍue! o compreender histó-
+
rico, e a resposta, original e clarividente, consistiu
em mostrar que as coordenadasou categoriasdo
conhecimentodo mundo humano são a u/zêhia.
dado originário e fundamental, que não é idên-
tico ã intuição, mormente entendida no sentido
bergsoniano, a stg#@cação, a exP estão e a com-
preensão.
#
j.
- ."
A obra de Dilthey é imensa,--não propna-
mente na extensão,com ser vastíssima, mas no
que desperta e na maneira como incita o leitor a
xxlv
apear-se ao ritmo do seu pensamento, sempre
guiado pelo alento que dá vida à concreçãoãas
concepções e do acontecer humano.'Esclarece.
rasga horizontes e, sobretudo, ensina a ser
modesto. Mostra, sem o sorriso desanimadodo
céptico, que a âlosofia é uma tentativa que parte
de dados particulares, pessoais e vividos, para
conceber e cingir o universal ou para desvendar
o que estálatenteno ser dascoisas,ideaisou
reais É sempre uma construção pessoal, e s(1)
pessoal, de certo estilo e ritmo mental,--havendo.
como é (5bvío, tantas construções, isto é, formas
de conceber o mundo, quantas as maneiras possí-
veis de pensar o todo com alguma coerêncialógica
e alguma consistência científica, e tantos proble-
mas quantas as incidências da dúvida ou da inquie-
tude. Não há, pois, uma só 61osoâa verdadeira
nem uma só concepçãodo mundo, emboratodas
tenham por denominador comum a ideia de uni-
dade mais ou menos sistemática,--e não há por-
que o mundo como objecto pensávelnão pode
xxv
 l
separar-sedo pensamento que o pensa. Quer quei-
ramos quer não, somos, individualmente, deter-
minações limitadas da natureza humana --donde
o ensinamento profundo de que cada pensador
apenas encarna uma das várias possibilidades do
sentir e do pensar, e Ihe cumpre procurar nas
demais maneiras e possibilidades o que Ihe falta
para corrigir a feição fragmentária da sua existên-
cia pessoal.
Este é o Valor do pensamentode Dilthey, para
quem quer que medite e sinta ínquietudes filosó-
âcas. Para nós Portugüeges,porém, ele possui
ainda outro valor, acentuadamentetópico e actual:
o de arrancar a investigação histórica ao trato de
alguns barbarismos.
Estou longe de pensarque se façam gravitar
os acontecimentossó em torno do homem, e que
se abandonem os métodos objectivos, como os
concebeu e praticou Herculano. Há temas e assun-
tos que de algum modo transcendemo homem,
--e que os não houvesse, já se torna intole-
xxVI
rável, por enfadonhasa teimosia no jogo bar-
rento da Hist(ária e da Contra-Hist(5ría, ou seja
o desatino das apologias e das diatribes em torno
de. uns indivíduos que tiveram de viver o seu
tempo, qué já não é o nosso.
Todos pretendemos uma maneira de historiar
que compreenda o acontecido sem o desvitalizar
nem o desvirtuar, embora diverjamos, mais ou
menos, no caminho a seguir e nos respectivos
fundamentos teóricos.
Solicitam-nos critérios 'diversos e começam
mesmo a opor-se concepções antagónicas de
c(ROVOS» e de «velhos», ou por outras palavras,
a explicação do acontecer histórico mediante a
redução a determinantes diversas, para uns de
índole idealista, para outros, materialista.No
fundo, divergência sobre os factorese coincidên-
cia na estruturalógica, que vem a ser a subordi-
nação do transcurso histórico a um factor que
não é histórico; porém, nenhum historiador pode
alhear-se do grande debate, que põe em jogo a
xxVll
b
 l
concepção
da vida e o rumo da cultura,pelo
menos para uma geração. A opção impõe-se,
isenta como todos os actos de sinceridade, mas
creio que a decisão consciente não é possível
sem que a razão serena se haja defrontado com
o pensamento
de Dilthey,isto é, com o rumo
problemático e temático que imprimiu à teórica
da História, compaginando-a,por demais, com
os recentesrumos da epistemologiae da onco-
logia.
Sei de sobra que se faz só caricaturaquando
se adapta o espírito nativo a estruturas e ritmos
intelectuais forasteiros ou se transplantam siste-
mas de ideias nascidos noutro clima--e que o
não soubesse pela razão que . discorre sabe-lo-ia
pela intuição do sentimentoterrantês.O que
importa é o filosofar e não a adopçãode uma
filosofia, ou por outras palavras que se não con-
tinue a viver sob a sensaçãode desterrode um
quimérico reino da inteligência, por se haver
empreendido a difícil e arriscada tentativa de se
xxVlll
pensarem os pensamentos com austeridade e auto-
nomia. Trata-se de pensar com índole nativa, e
essahora só soará ao cabo de esforços poríiados
e escrupulosos, sem mistificação nem vassalagem,
sem vozes de milícia nem engodos de suborno;
e enquantoela não soa, há que repensarcom o
suor do nosso rosto os problemas de hoje e de
sempreí para que se quebrante a velha balda mili-
tante, se desentorpeçaa sonolência que nos âcou
da indigestãopositivistae, acimade tudo, se
alcance a temperatura que esterilize à nascença os
germes da simulação pedantescae da ignorância
atrevida.
Coisas difíceis e delicadamente frágeis, com
cuidadosde todas as horas, como tudo o que é
pessoal;mas não haja dúvida que seforem ampa-
radas com ascesee dignidade, longe.da vileza da
simulação e sem o desvio pelotiqueiro da diâcul-
dadeintrínseca dos problemas para a obscuridade
rebuscadadas palavras, tempos virão a Portugal
em que os íilosofemasque.dormitam no âmago
XXlx
 T' ':1

Nota do Tradutor

do nosso cerne espiritual despertarão com o sor-

riso claro da inteligência e com as mãos abertas
A tradução l)rebente segue o texto origil'tat publicado
para todas as realidades,que são as mãos do
soó a /íf Zode Leibniz und sem Zeitalter'co a .prã#e/ro
acolhimento franco e da dádiva magnânima. das .«Estudos sobre cl histórica do génio alewüoi» \SknõXen
É para estas alturas que Guilherme Dilthey zur Geschichte des deutschen Geistes) gzir com.ç/i/em a
convida;-:e precisamente pelo caminho mais
terceiro uotulne das Obras de Wilhetm Dittltey qb. Nü
transitável pela nossa inveterada tendência his-
sua jorltta CLctual, este estudo sobre Leibniz e Q sua él)occl
torizante. Foi sempre em torno :ia História. tanto
compõe-se de 'u(irias fragmentos, concebidos e elaborados
da que os outros âzeram como da que se pretende
em diversas ol)ortunidades, Fará fm diferentes;.:origi-
fazer, sobretudo mediante a decisão política, que nalmente integrados eml fILtros trabatlms Publicados,ou
se travaram as nossas mais rijas batalhas de ideias.
até inéditos. Assim, ü Parte do segu7üo capitulo dwedes-
Para quem assim gosta de se mirar no que creve o l)e7jit dü i)ersonalidade de Leibniz e expõe a sete
foi, no que é e no que quer ser, poucas atitudes
pensamento, joi extraída dos artigos que eltt 'Junho e yutho
âlosóâcas são tão consentânease mais incitantes
de zgoo Diltltey cscrwerct para, a re'Dista, «kDcutsche
do que a que se firma na multiplicidade das for-
.Ra#dsc#aw» .çaóre A Academia das Ciências de Berlim,
mas concretas da vida espiritual e na concepção
do homem como ser histórico.

Coimbrã, Junho de 'i947. Ç\\ GESAMMELTESCHRIFTEN,BAND 111,ed. po!

Paul Ritter, Lipsia, 1927. -- Os restantes estudos versam sobre
Ftederico, o Grande, e o Iluminismo alemão, O século XVlll
JOAQUIM OE CARVALHO.
e a nistõda, Os princípiosdo histerismode Niebuhr.
xxx xxXI
 '3

seu passado e as suas tarefas actuais (i). .d major .par/f Senhor P?af. Dr. Luas Cabrasde Marcada pela grütde
do .prime/ o caP/f Zo A ciência europeia do século.xvn amabilidadee o muito trabalho que teve ebt arcar com
e os seus órgãos, f o.ç dais es/a /ei (A nova cultura a, revisão escrupulasü e dedicadccdüs pro'uas, e ao Senhor
moderna, e As últimas grandes criações da religiosidade Prof. Dr. lyociqlLim de Car'uaLlto que lnttito nos obsequiott
ç)xaXegçnnkeà
tinham lfücd,o inéditos, formtündo l)arte dum. apadrinhatüo o liurànho cobt o Pref(leio que Í)arü ete
Livro comPle9co qzce Ditthey empreendera escoe'uer sobre ü esc7eDe' .
História do génio atemlão, cuja lmbticaçãa, l)orém, acüboa
por stLsPender.
A composição do estudo sobre Leibniz e CL suü él)oca,
e a sucoredacção delinitiucc de'oem-seaos chia(üos de Paul A. E. B
Ritter, amaltueltse de Diltlwy qtce as supêrintevldetc e
a,'>'ro'uQ'ü.

Ao tradutor iml)õe-se manifestar a swa 'uiva gratidão

àqu,elesque concorreram para tornctr possível a Publicação
deste estudo vertido para o português, nomeadamenteao

li) Estes artigos relacionaram-secom o bicentenário da Aca.

gemia das Ciências da Prúsgia, em i900, e com a respectivaHís
fóría, de Adoif Harnack.

xxxll xxxlll
 Inclice
l
PÁa. l
Prefácio V l
Nota do Tradutor xxXI
A ciência nâ Europa do século XVll e os seus órgãos l l
1. As âlosofias dos povos antigos l
2.. As nações germânicas e românicas. Da Idade-Média
até aos tempos modernos. As ciências matemá t
ricas. O direito natural. Os sistemasfilosóficos. 7 l
3.' Associações cientíâcas. As Academias modernas. 19
4. Humanismo alemão. As sociedades dos filósofos
alemães da natureza. Galileu .e Descartcs na
Alemanha. Skytte e Becher 26
Leibniz e a fundação da Academia de Berlim. 35
1 1. Leibniz:A personalidade
e o pensamento.
A tra-
l gédia da sua vida ®
\ 2. Leibniz: O organizador. Mogúncia, Paras,Hano-
ver. A Academia de Berlim. Final 47
A nova cultura profana @
61
1. Condiçõespolíticase sociais
2. O Homem novo. 67
3. Literaturae Poesia.Martin Opitz, a lírica de Fle-.
ming. Gryphius . 73
4 O romanceartístico. SímpZiclssímus . 82
5 O drama: Gryphius. A ópera 87
6 A nova ideologia: Leibniz. A 7'eodlcea.Teologia

7.
nova e antiga
A filosofia de Leibniz: fontes, metodologia,cons-
®
trução do mundo 107
As últimas grandes criações da religiosidade pro
testante ®
117
1. 0 pietismo
2. A cançãoreligiosa 120
3. A grande música sacra 125
Índice onomástico dos contemporâneosde Leibniz 129

2
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
ou à teogonia. Das diferentes ordens de potências obs-
curas ergueu-seo Deus supremoque cria o mundo.
o homem e Ihe impõe a sua lei A mais eâciente
de todas as concepçõesda divindade foi a duma perso-
nalidade divina separada do mundo: o Deus que ama.
{,
'q
LEIBNIZ E A SUA BROCA 3
si os traços da mais profunda contemplaçãoreligiosa,
a dor do transitórioe da separação
entre o Eu e todo
o existente fora dele, por isso continuou viva no Budismo
e no misticismo panteístico dp todos os tempos, inclusive
o do Cristianismo.
A obra comum dos povos orientais nesta faseda sua
história, foi a da disciplina dos instintos humanosatra-
vés do poder da crença em Deus. Dentro dos ]imites da
religiosidade, nasce aqui simultâneamenteuma cons-
ciência superior da ordem do univel'se e, baseado nela,
um ideal de vida que profundamente penetrou os
homens e as nações. Como foi ainda nas comuni-
dades clericais do Oriente que primeiro se tornou pos-
sível também uma colaboraçãodos homenspara uma
obra comum de investigação científica. Aqui se criou,
através dos séculos. uma aristocracia de homens de
sensibilidade mais delicada, trazendo na alma o grande
e doloroso mistério da existência humana. Como aqui
ainda se cultivaram a matemática e a astronomia, bons:
tituindo as notícias sobre os destinos dos reis e pov(is
a primeira origem da historiografia.
A segunda fase da cultura europeia desenvolveu-se
nas costas do Mediterrâneo. Os seus representantes mais
autorizadosforam, desta vez, os gregos e os italianos.
E assimcomoa culturadessas
duasnações
foi tribu-
tária da oriental, acabando por se abrir às concepções
religiosas em que esta estava implantada, assim também
os povos do Oriente por seu lado só se elevaram,em
parte, al um grau superior de civilização sob a influência
da cultura grego-romana.
Na Grécia, efectuou-sejá um. progresso imenso no
sentido dos grandes objectivos do espírito moderno.
 4 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
T LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 5

inteligência da natureza a valorização metódica das

Cç)nstituições livres, uma grande arte de substância
experiências, e à sua concepção da história a análise
universal, acessívela todas as épocas como forma de
das forças que produzem as formas da vida política.
valor eterno, uma ciência autónoma, cujas demons-
l Assim é que, nem mesmo na época em que o génio
trações obedeciam à precisão lógica, e baseada nelas, l grego mais alto se elevou nas ciências experimentais
independente do culto e dos sacerdotes, uma filosofia
autónomas, ele chegou a conceber uma relação real
que, por seu lado, abrangia,dentro dos limites da
ciência de então, todas as possibilidadesda visão entre elas,pois nem conseguiuencontraros seusfun-
damentos na dinâmica, nem a pâr o seu objectivo na
humana do mundo:-eis aí os principais valores que
ideia da solidariedade e do progresso da humanidade.
este povo legou â humanidade.
Permaneceu aprisionado na .representação fundamental
Os gregos foram os primeiros a desligar a ciência
de um eterno fluir. cíclico de todos os serese fenómenos
de necessidades religiosas e práticas. A sua inteligência
--desde o dos períodos do universo que se repetem.
da natureza chegou até ao ponto onde a Renascença
voltou a retoma-la (abstracção feita de alguns poucos
numa monotoniaeterna,até ao do crescimento,matu-
progressos dos árabes). Cedo compreenderam a conser- ração e declínio das plantas e animais, dos homens e
vação quantitativa da matéria no universo físico, a iden- dos povos E justamente as concepçõesmais profundas
l dos te(5ricosgregos do Estado também outra coisa não
tidade de todas as suas partes, o seu nexo causal e
a sua determinação matemática. Possuindo uma capa' procuraram senão solucionar o problema de conferir
cidade única para a percepçãodas formas dos fenóme- duração ao Estado e às constituições no meio deste
fluir constante.
nos, penetraram, com o auxílio da sua geometria, até
à descoberta do sistema heliocêntrico do universo. Na cultura grega,foi, pol'ém,a ciênciaque serviu
O mesmo sentido genial das formas levou-os a fundar a de base para as primeiras concepçõesdo mundo de
anatomia do corpo animal e o estudo comparativo das
carácterfilosófico. Enquanto que nos sistemasreligiosos
do Oriente tinlla, como se sabe, reinado uma relação
plantas e dos animais. Perceberam as estruturas da lin-
afectiva entre o homem e o ser divino, nos novos sis-
guagem e a forma intrínseca da epopeia e do drama. l
temas filosóficos. tudo girou em torno das relações natu-
Acima de tudo, porém, foram mestresna análise do
rais (comoa inteligênciaas concebe)entreo homeme
Estado, esboçando os diferentes tipos constitucionais
e a lei da sua variação. Mas, quer fosse o seu próprio a realidade. Mas o génio grego era dominado pela ati-
tude contemplativa, estética. Conhecer, significava para
talento quer a sua históriaa põr limites às suas cria-
ele o mesmo que reproduzir, e o mundo afigurava-se-lhe
ções, a sua análise da natureza não lhes permitiu ainda
apreender as formas dinâmicas, nem ].hes consentiu, na
uma obra de arte. Por toda a parte deparoucom formas
sua visão do mundo histórico, penetrar até à noção do e proporções,tipos e estruturas.E foi isto que conferiu
ao pensamento hlosófico deste povo a sua força ci'ia-
progresso das relações internacionais. Faltaram, à sua
/
'v
6 LE[BNIZ E A SUA ÉPOCA
dou, impondo:lhe ao mesmo tempo determinados
limites.
Outro íoi o mundo de conceitosque surgiu quando
o povo romano adoptou a cultura grega Neste,domi-
nava agora a vontade jurídica e militar. O romano viveu
+
na consciência de «as suas armas serem portadores do
Direito e de o.mundo pertencersó aos homensvalo-
rosos». A obra científica original de Romã foi portanto
a da suajurisprudência.Destaatitudeinicial do génio
romano resultaram os conceitos acerca da vida com os
quais ele compreendeu o universo. Estes conceitos e
categorias são : o poderio da vontade, o domínio, e uma
lei suprema a que se acha submetido o próprio poder
divino que a implantou na consciênciahumana. A divin-
dade exerce aqui o seu supremo império atravésde
pessoaslivres e responsáveis, ficando a natureza redu-
zida ao simples somatório das coisassujeitas às pessoas;
e é a partir do divino soberanoconstitucionalque se
vão estendendo depois as sucessivas delimitações das
esferas da vontade. sob a forma de direitos e deveres,-
desde o Estado até à família e desta até ao indivíduo.
Esta visão original da vida teve um alcanceimenso.
Outra forma veio ainda a revestir esta visão antiga
do mundo quando os povos orientais ingressaram mais
tarde na cultura helénica e no Império romano. Surgiu
então a tentativa de elevar as concepções religiosas que
tinham inspirado estes povos orientais ao plano duma
filosofia científica.Assim nasceualgo de ambíguo,de
metafísico e I'elogioso,munido e defendido com as armas
da ciência grega: quimeras que têm atormentado e ilu-
dido a Humanidade até aos nossos dias, sombras fan-
tasmagóricas, puros conceitos aos quais não corresponde
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA T
experiência alguma. Os dois mais importantes e com-
preensivos destes conceitos estavam, porém, destinados
a solucionar o problema religioso, reunindo num pen'
lamentoúnico a infinita perfeiçãodivina e o mundo
finito, cheiode malese de culpas.A noçãoinfantil da
criação foi expressa numa fórmula pseudo-filosófica.
O mundo nasce da pessoadivina por meio de um acto
de vontade que na sua absoluta transcendênciase.acha
decalcadosobre o nexo causal; daí que o poder divino
não pareça de maneira nenhuma de comunicar algo da
sua essênciaàquilo que o seu arbítrio estabelece.As anti-
gas ideias de nascimento e geração divinos transfor- 3
mam-se depois num outro conceito gemi-filosófico: o
de emanação. A infinita, pura e inconcebível plenitude
do ser divino solta de si, sucessivamente, graus sempre
novos do ser finito, quais raios de luz que se vão per-
der no-crepúsculo. E estas duas quimeras vieram acom-
panhadas por toda uma série de acções alimentadas
pelos anseios dum coração pouco disposto a reflectir
e ainda hoje continuam a aparecer, quais fantasmas, no
fusco-fusco desta metafísica religiosa.
2
Uma nova camada de povos veio ainda mais tarde,
suplantar este mundo de que acabamosde falar, e das
acções e reacções provocadas pelo contacto entre eles
nasce agora, finalmente, a comunidade cultural a que
nós próprios pertencemos.
Depois de Justiniano e de Jogo Damasceno,os povos
de língua grega do Império romano-oriental caíram,
 J
l
8 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
como é sabido, no mais completo estagnamentointe-
lectual. Como um membro morto, este mundo grego,
outrora tão poderoso no espírito, separou-se do corpo
vivo da cultura ocidental. Sobre as ruínas do Império
romano-ocidental, porém, os reis, à frente dos povos
germânicos, começaram a criar novas formações polí-
ticas, misturando-se vencedores e vencidos. Assim se
formou a cristandadeocidental,produto da cultura das
nações germânicas e românicas. A oposição ao mundo
maometano, em que se encontraram durante a Idade-
-Média, fez ainda revigorar mais nelas a consciência
da sua solidariedade.
Estes povos achavam-se,çom efeito, unidos pela
mesmafé, a mesmalgrda e a mesmametafísicareligiosa.
Nesta metafísica se fundiram todas as grandes concepções
da vida .das nações que formaram a cultura mediterrânea.
A visão grega do Cosmos, a ideia romana de domínio
e o supranaturalismodas religiões orientais encontra-
ram-se assim entrelaçadosformando a trama subtil
desta âlosofia teológica do Cristianismo medieval, como
os três motivos duma composiçãopolifónica.Deusé
considerado ao mesmo tempo a razão perfeita, o Senhor
mais poderoso e, na sua santidade e subranaturalidade,
o objecto duma devoção submissa. Abaixo da divindade,
está o mundo com o seu reino de substâncias materiais
e outro de substânciasespirituais. A história é a reali-
zação do domínio de Deus na comunidade destas subs-
tâncias espirituais. O supremo ideal de vida está na
renúncia ao mundo. Subtraindo-se aos laços que a
prendem ao mundo, a pessoa humana consegue a força'
necessáriapara ajudar a realizar aquele domínio de Deus.
A nova. metafísica religiosa começa por se basear, pri-
LEIBNIZ E A SUÂ ÉPOCA 9
meiro, em demonstraçõeslógicas, para depois se libertar
delas; e como ela surgia das profundidadesda expe-
riência religiosa, todas as justificações lógicas acabaram
)
forçosamentepor se sumir nas emoçõesda alma solitária.
li Perante estas, todas as relações de .domínio da Igreja
como todas as conclusões dos grandes mestres da âlo-
sofia acabaram por perder o seu valor, na medida em que
pertencemao mundo natural. Acaba aqui o domínio da
religião doutrinária medieval e começao da «liberdade
cristã».
A partir do século xiv, a longa Idade-Média dos
povos modernosvai-se aproximandodo seu fãm.Na
labuta do pensamento, o indivíduo alcançara enfim a
sua liberdade. Simultâneamente, porém, realizaram:se
nesse momento modificações decisivas na vida econó-
mica e na organização
social da Europa,que,por sua
vez, tiveram como consequênciaum completodesvio
dos interessesespirituais. O trabalho das classesbur-
guesas na indústria .e no comércio afirmou-se como
.verdadeira potência autónoma no meio das organiza-
ções da Vida feudal e eclesiástica. Esta potência impôs
ao espírito uma orientação diferente. O pensamento
penetrou a natureza e o homem. Sentiram:ge e reco-
nheceram-se então o sentido da realidade e o valor'
autónomo da família. do trabalho e do Estado.
A primeira obra do espírito novo era a organização
das cidades e dos grandes Estados nacionais. Em Flo-
rença, em Veneza, como na Franca de Richelieu, a
razão de Estado tornou-se o tema central de todas as
acçõespolíticas. Esta transformaçãopolítica foi. acom-
panhadapor uma literatura política e moral que não
só diminuiu a influência dos motivos religiosos nas
10 LEIBN]Z E A SUA ÉPOCA
acçõesdos indivíduos e dos Estados,como veio abrir
a porta para uma nova concepçãoprofana da vida.
E o maior representantedesta nova orientaçãofoi,
como se sabe. Machiavelli.
Uma outra realizaçãodestestrês séculose meio
pode ver-se ainda, se se quiser, na compreensãodestas
realidades profanas pela arte renascentista. Em regra,
é,.como se sabe, na visão plásticados artistasque a
essência duma nova época começa sempre a aârmar-se.
Assim,a nova compreensão
da vida, do homeme da
natureza, e a afirmação dos valores da vida terrestre
manifestam-setambém naquela mesma época com um
poder sem igual em numerosascriaçõesartísticas que
até aos nossosdias estão aí ainda a dizer-noso que é
a realidade.
Finalmente, a última das modificações foi a que se
realizou no seio da religião cristã e da Igreja. Esta
começou por impor-se à aristocracia eclesiástica, ao alto
clero e aos dirigentesdas Universidades.Surgira um
conceito universal. da divindade e da revelação. Com
a generosidade própria da Renascença, este. teísmo
universal tolerou todas as forças históricas e todas
as formas de Deus, filosóficas e religiosas. Era a mais
alta forma a que a metafísica religiosa conseguira até
então chegar..Daí que se passassetambém a tomar uma
atitude crítica perante os dogmas eclesiásticos originados
em concepções mais estreitas. Erasmo marca aqui o
auge brilhante desta crítica teológica. E como não devia
esta aristocracia eclesiástica opor ao Papado o seu direito
autónomo e o valor das lgrqjas nacionais? lias esta
mesma
deu origema um conflitocomo Papado,
no
qual tantos dignitários da Igreja como os dirigentes da
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 11
ciência sucumbiram. Surgiu então, vindo de baixo, o
movimento popular da Reforma.Lutero e Zwínglio, as
duas personalidades germânicas mais poderosas do
século xvr,'viram em toda a disciplina hierárquica um
mecanismo demoníaco vedando à alma o acesso livre
ao seu Deus. Quebraram estas barreiras e remontaram
ao direito indelével. do homem de, por suas próprias
forças, discutir o conjunto invisível das coisas de que
faz parte. Nisto, ambos voltavam a aproximar-se do Cris-
tianismo primitivo. Mas inspiraramulhe também um san-
gue novo no modo optimista com que afirmarama
vida, a família, a profissão e o Estado. Caem, por outro
lado, as barreiras que separavam a comunidade cristã, o
povo e a língua popular, da ciência progressiva. A relação
viva destas forças, que assim nasceu, constitui o ponto
de partida para toda a evolução ulterior das naçõesger-
mânicas.
Nesta mesma luta surgida com a Reforma, porém,
aquelas mesmas tendências mais liberais de que falá-
[nos, foram expulsas da Igreja católica; as novas
colectividadesviram-se também obrigadas a defender-se
por detrás de sólidas formas dogmáticas e eclesiásticas;
de ambos os lados se intensiãcaram os mais extremos
exclusivismos.E assim, todos os valores espirituais
adquiridos desde a Renascençapareceram de novo em
perigo de se perderem no começo do século xvn, com os
conflitos religiosos que rebentaram.em todas as grandes
nações. Um dilúvio de ódios e guerras religiosas, de
sangrentas perseguições e ferozes dogmatismos, invadiu
a Europa.
Foi uma daê maiores crises na história dos povos
modernos.E a única força que a venceu e que tornou
 12 l,EIBNIZ E A SUA ÉPOCA
possívelo progressodo espíritoeuropeu,foi, afinalde
contas, apenas a da ciência e do pensamento filosófico.
A cultura dos povos mediterrâneos também tinha
alcançado outrora, a partir da época de Alexandre, a
fase em que as ciências empíricas .se desligaram
especulação,proclamando a sua autonomia. Os merce-
nários, a arte da guerra e dos cercas, a técnica financeira
e administrativa de monarquias em formação, as grandes
cidades e a sua indústria, as cortes faustosas e as suas
luxuosas necessidades científicas--todos estes elementos
.influenciaram naquela época o desenvolvimento autó-
nomo das ciências empíricas e o seu aproveitamento pela
vida. da mesmaforma como aconteceuno séculoxvn.
Na cultura helénica, tanto como na Inglaterra, Franca e
Alemanha do século xvn, com efeito, por toda a parte
os recursos de príncipes poderososlevaram à fundação
de associações e instituições .científicas em larga escala.
Todavia só agora foi atingido o alvo que aos antigos
não foi permitidoatingir:--o domínioda naturezae a
direcção da sociedade por meio das ciências apostadas
no estudo da lei que rege todo o universo.
i' Há como que uma continuidadeno desenvolvimento
da cultura intelectual, segundo a qual todo o grau, uma
{rcz alcançado, impõe sempre ulteriores progressos. Assim,
por exemplo, ao renascimento da linguagem formal
artística dos antigos e das suas ideias filosóficas. segue-se
a restauração das suas ciências empíricas. O estudo da
astronomia e mecânica,das ciê.nciasdescritivas,da teo-.
ria do Direito e do Estado.foi retomado e continuadoa
partir dos mesmospontos até onde a antiguidadetinha
já progredido. Mas as naçõesque ingressaram agora no
património do mundo antigo, mostraram um realismo
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 13
ainda mais vigoroso na compreensão da natureza. Nas
cidades livres. industriais e comerciais dos povos moder-
L nos deu-se uma união mais íntima entre o trabalho físico
e o espíritoinventivo, entre o útil e o pensamentocien-
da tífico, do que fora possível sob o domínio da escravatura
;i
entre os gregos e romanos. Estas naçõesmodernas, de
f índole inteiramente diferente, não se deixaram conter
pelas barreiras formais do pensamento grego. As expe-
}' riências acabaram finalmente por tomar a posição que
lhes cabia. Começou aí a verdadeira análise da natureza.
Entre todos os progressos do géni.ohumano, o mais
difícil e porventura o maior foi o realizado, nestas novas
condições, pelo século de Kepler, Galileu, Descartese
Leibniz. O génio humano compreendeuenfim a sua
L autonomia. O progresso que, partindo do mundo ima-
ginário dos magos, profetas e sacerdotes passou depois
através do arco dourado da fantasia artística, levou enfim
os homens à terra da verdade. Os povos antigos tinham
feito repetidastentativaspara o iniciar. Mas só agora,
nesta fase de colaboração dos povos modernos, é que a
dinâmica de Galileu conseguiu servir de fundamento
a uma verdadeira inteligência da natureza, ao mesmo
l tempo que as aplicações e consequências que daí resul-
l taram não tardaramem se produzir em todos os sen-
e tidos, como o processode cristalização
dum líquido
em movimento. Em todas as disciplinas, os rigorosos
processoscontidos no método de Galileu passarama
impor-se em todas as criações científicas do homem.
Estes métodos consistiaill> na união entre o pensament(i
l
matemático, a observação ..e a experiência. As possibi-
lidades que residiam no pensamentomatemático foram
sujeitas à prova dos factos. Assim, Galileu pôde exami-

14 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
nar nos factos e mediante a experiência as possibilidades
do aumento contínuo de velocidade no movimento. Por
um processo semelhante, Kepler pôde deduzir as suas
leis dos dados que Ihe proporcionaram as observações
de Tycho Brahé. A partir de então, o método que orígi:
nou todos os progressosdo pensamento
humano na
Hisica e na astronomia, consistiu na subordinação da
experiência ao controlo de critérios quantitativos.Tor-
nou-se possível aos investigadores colaborarem em boa
harmonia na penetraçãodos segredosda natureza,visto
todos trabalharem sobre a mesma base das suas visuali-
zações mecânicas e segundo os mesmos métodos. Este
labor comum dos investigadores nos diferentes países
t resultou num progresso constante e regular dos nossos
conhecimentos da natureza. {:A razão humana actuou,'
por assim dizer, como força homogénea nas diferentes.
l naçõescivilizadas. Servia-se da inteligência para subme-
ter a realidade, e, progredindo constantemente, satisfeita
com os seus êxitos, de conhecimento em conhecimento,.
pareceu acabar por ter definido o verdadeiro fim da.
humanidade: a autonomia do pensamento,a domina-
ção do planeta pelo homem que o habita, por meich
da ciência, da solidariedade de todos que colaboram
nela para alcançar esse fim, num progresso contínuo,
ininterrupto, constante, em direcção ao bem supremo
do mundo.'
Com isto o sentimento da própria vida da humani-
dade atingiu um grau superior. Pouco a pouco, surgiu
a consciência de que a razão 'humana é una, podendo
realizar a sua obra com a cooperação dos investi-
gadoresde todos os países e atingir assim, um dia, o
domínio da terra pelo.:conhecimento progressivo das
LEIBNIZ E A SUA ÉpoCA 15
leis que regem todo o mundo real. Não é assimpara
estranhar.
que o homemno princípiodo séculoxvn
nos apareçaanimado pela ideia dun) progressoda espécie
humana. O sentimento duma instabilidade dos actos
humanos, que inicialmente parece dar-se..em todos os
indivíduos, períodos e povos, o sentimento do ciclo
fatal do nascer, crescer e declinar de indivíduos e
povos,era o que inspiravatodaa poesiae todoo
pensamento do mundo antigo; no auge da cultura
grega, nas cidades repletas de templos, estátuas e
música dos coros, o homem nunca soube vendei' este
sentimento trágico da inconstância e desorientação d&
sua própria vida. Pelo contrário,agora, nos princípios
do séculoxvm, um.novo fito surgeno progresso
da
humanidade em direcção ao bem supremo do mundo.
que está situado não já nas inspirações proféticas, mis-
sões divinas ou visões poéticas,mas sim na força da
própria inteligência. Eia como uma nova religião que
despontava.
Com efeito, dominam o novo século as ciências
naturais e as suas aplicações à vida. O horizonte
humano ampliou-se extraordinàriamente.O nosso sis-
tema solar passos a ser apenas um dos inumeráveis
sistemas que constituem o universo. O universo físico
tornou-se homogéneo por toda a parte, quantitativa-
mente invariável, e em todos os pontos do espaço
dominado pelas mesmas leis. As qualidades sensíveis
que se dão nos corpos, como a luz e a cor, a tempe-
ratura e o som, são. meros fenómenos produzidos nos
nossos -órgãos sensitivos ; na realidade, outras diferen-
ças não. há neste mundo físico. senão as da extensão.
configuração, densidade, imobilidade e movimento, e
 LEIBNIZ E A SUA BROCA
posição dos corpos Por isso, a inteligência das leis
dinâmicas rasga perante o século. a perspectiva de se
conseguir esclarecer toda a espécie de modificação no
mundo físico. Os processosfísicos formam um todo
homogéneo que gradualmente se vai tornando aces-
sível ao cálculo e à medição,à observação
e à expe-
riência. Com a inteligência da verdadeira estrutura do
sistema solar fica aberto o caminho para as teorias que
o explicam. As concepções fundamentais da mecânica
vão-se tornando aptas para a compreensão dos fenó'
menos acústicos e ópticos, assim como dos processos
da circulação do sangue e das sensaçõesno corpo
animal. Tais progressos da ciência dão igualmente ori-
gem a um poder sempre crescente do homem sobre a
natureza,pois a inteligênciadas leis que regulamos
movimentos do mundo físico, permite também pro-
duzir, impedir, ou, pelo menos, prever os seus efeitos.
A outra tarefa, porém, que a ciência do século a si
mesmase tinha imposto,não a conseguiuela ainda
realizar desta vez, pelo menos definitivamente, nesta
primeira fase dos seus conhecimentos experimentais.
Empreendeu também deduzir, como é sabido, dos prin-
cípios da razão uma organizaçãoracional do Direito e
do Estado. A concepçãojunaturalista que se decidira a
esta tarefa, alcançara também, indiscutivelmente, extraor-
dinários progressosno seu início. Também aqui o pen-
samento procurara remontar para além da forma e da
estrutura, pretendendo compreender as forças que geram
a ordem jurídica das sociedades.Essas forças eram as
emoçõesdos indivíduos, os seus instintos e paixões.
Com efeito, segundoo sentir geral da época,todo o
pensamento está apenas ao serviço da vontade que pro-
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
cura afinnar-seno conflito dos interesses.Semdúvida,
os imateriaispara uma teoria das emoçõesencontravam-se
já nos autores clássicos. Porém, só agora com ele se
elabora uma teoria científica. Hobbes e Spinoza foram
os primeiros a tentar demonsti'ar as leis que regem
as emoções. Combateram a ascese cristã com uma
energiaque nada ficaria a dever a Feuerbachou
Nietzsche; condenaram a humildade, a piedade e o
arrependimento como diminuições da força humana;
viram na vontade de domínio do indivíduo a suprema
perfeição do humano. E as suas fórmulas não pas-
saram afinal de uma expressão mais dura daquele
culto da força e da natureza que inspirava as maiores
inteligências da época.
Assim nasceu no direito natural a tendênciapara a
protecção dos interessesda vontade individual Daí que
a ordem jurídica e política das sociedades devesse com-
preender-se como um meio racional de asseguram' a pazda
sociedade e o poder soberano do Estado, mantendo ao
mesmo tempo tantas liberdades individuais quanto este
objectivo permitisse. Decerto, um impulso de máxima
importância histórica residia nestas doutrinas do direito
natural assim construídas. Mas desprovidas, como eram,
do senso histórico, ignorantes das engrenagens econó-
micas e sociais entre os indivíduos e as ordensjurídicas
e políticas, não reconhecendo. as diferenças naturais
entre as nações,estas doutrinas só foram úteis como
arma ou instrumento pal'a destruir as grandes insti-
tuições do passado.Auxilaram a formaçãodas grandes
monarquias e a afirmação do poder central do Estado,
preparando ao mesmo tempo o Estado de Direito como
ideal humanitário do século xvni. A sua função foi,
 18 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
porém, passageira,porque eram insuficientesas suas
basescientíficas.Mas,a verdadeé que, ao lado disso,
foram-se também logo criando, com a filologia, os
meios e instrumentos da crítica histórica que deviam
tornar possíveluma nova fase das ciênciasmorais.
E embora depois da destruição da metaHisicateoló-
gica pela ciência poderosossistemasâlosóíicosvol-
tassem a surgir, estes não deixaram de procurar
o seu fundamento científico numa inteligência da ordem
mecânica do universo. E por íim, o último e maior meta-
físico do século, Leibniz, imprimiu-lhes, atravésdo Ilu-
minismo, um como que novo objectivo de alcanceuni-
versal. com o conceito da solidariedadee do progresso
da espécie humana.
A velha ideia dos princípios vitais da natureza
e as concepções duma harmonia universal, que a
cultura antiga desenvolvera,
tinham desaparecidodo
horizonte da. inteligência científica e tinham continuado
a viver apenas nas baixas regiões duma cultura atrasada.
O objecto dos filósofos era o próprio universo. O valor
autónomo das duas diferentespartes, em vez do íntimo
relacionamentode todos os fenómenoscomo o pnn'
cipal dos problemas a cuja solução se aspirava, pusera'o
também a ciência empírica; o seu objecto era a própria
ordem do universo. .Mas se o universo físico é um meca-
nismo fechado,no qual não podem ter lugar diminui-
l ções nem aumentos quantitativos ou dinâmicos, qual
E
então a relação entre estes e os factos espirituais?
l Descartes afirmara o antigo idealismo da liberdade,
l
e mantivera
a substância
espiritual
independente,
cuja
acção livre estava relacionada com a acção dinâmica da
matéria,-- opinião esta que implicava dificuldades inso-
.1' LBIBNIZ E'A SUA ÉPOCA
lúveis. Hobbes deu ao materialismo a sua primeira versão
moderna:os processosespirituaissão afinal o resul-
19
tado dos processos físicos. Esta concepção continha igual-
!
mente dificuldades que impunham uma transformação.
t Partindo do mesmo problema, Spinozadeu depois ao
panteísmo antigo uma forma nova : todos os processos
espirituais correspondem a processos físicos, e a exten-
são e o pensamsntosão apenasas qualidadesfunda-
mentais da mesma substância divina. O último destes
grandespensadores-- sem dúvida, ao lado de Descartes
o mais engenhoso -- solucionou o mesmo problema
com o conceito inteiramente novo do puro fenome-
nismo de todo o mundo físico. Para Descartes,o uni-
verso compunha-se de duas classes de substâncias;
para Spinoza,constituía-ouma única substânciade
dupla face. Hobbes consideravaos factos espirituais
produto do mundo físico. Finalmente, Leibníz acabou
por abraçar a última das grandes possibilidades,vendo
em todo este conjunto físico um fenómenobaseadoem
unidades vitais, psíquicas e inextensas. E assim, a
metafísica, este fantasma de mil formas, refugiado nos
f. confins da imaginação sentimental e da ciência uni-
versal, chegavaoutra vez a conquistar um âmbito ilimi-
tado de possibilidades.
t
3
Em todos os tempos,da história-da cultura humana,
de que sabemos alguma coisa, deparamos com comuni-
dades de homens colaborando no trabalho científico.
A mais antiga das ciências, a astronomia, não podia
 T
l
20 LE[BNIZ ]] .{ SU.\ ÉPOCA
passar sem essacolaboração. Os claros do oriente tinham
constituído, como se sabe, associações que tornavam pos'
cível o trabalho comum. Nestas associaçõescultivou-se
l trumento duma literatura científica universal.'Já em
a matemática, e nos observatórios egípcios e babilónicos,
estes claros estudaram a astrononüa. Entre os pitagó-
ricos o trabalho em cotnum no estudo dos problemas
da matemática, astronomia e especulaçãocontinuou
Y l
ainda. A Academia fundada por Platão inclinava-se
principalmente para estas mesmas ciências, e foi ela a
primeira a tornar-se independentede todas os pressu'
postos religiosos e práticosÍ dela também é que deriva
a designação de academia. Mais tarde, a Renascença,
começou por instituir também na ltália numerosas
associaçõesde eruditos, a mais famosa das quais foi a
A.cademia platónica de Florença, seguindo-se fundações
l
semelhantes em outros países.
Estas sociedades antigas. desaparecem'amtodas, porém.
A.s tarefas que se impuseram relacionaram-se sempre
ou caiu certas comunidades religiosas, ou com os. inte-
resses de uma determinada metafísica, ou ainda com
certos fins passageirosao serviço duma cidade ou dum
pais
SÓ o século xvn criou as condições para as acade-
mias morte!'nas. Este século, com a sua compreensão
mecânica;
da natureza,
foi o primeiroa produzir
uma
ciência de valor univel'sal, baseada nas proposições da
matemática,e capazde ser explorada para fins técnicos,
garantindo o progresso contínuo da cultura.
As poucas pessoas que dedicaram a sua vida a esta
nova ciência estavam em ligaçãoumas com as outras,
para além de todos os limites idiomáticas e nacionais.
Constituíram uma nova aristocracia, como outrora nos
[.EIBNÍZ -]] A SUA ÉPOCA 21
tempos da Renascençaacontecera com os humanistas
e artistas. As línguas latina e francesa proporcionaram
um mais fácil entendimento mútuo e tornaram-se o ins-
meados do século xvn, Paria era o centro dos pensado-
res e cientistas. Ali foi que Gassendi, Mersénne e Hobbes
trocaram as suas primeiras ideias e que Descartes,
o orgulhoso ermitão, ingressou também no grupo.
A estadia de Hobbes ein Paria, bem como a de Leibniz,
âzeramépoca nas suas vidas, tendo sido aí que ambos
se voltaram para as ciências matemáticas.Àlais tarde
Londres foi outro centro. As Universidades ficaram à
margem, vivendo na tradição da sua cultura aristatélico-
-escolástica, sob a coacção corporativa dos seus estatutos
e sob o dotnínio quer dos jesuítas quer das organizações
das Igrejas protestantes O facto de Galileu p.oderviver
entregue às suas grandes descobertas,como professor
universitárioem Pisa, sob a protecçãodos Médias, e
depois em Pádua, sob a da república de Veneza, cons-
titui uma excepção,
O extenso movimento das ciências naturais devia
l fa2ier nascer a necessidade de organizar e garantir
J
Ç
a cooperação em benefício do progresso científico.
A cooperação de muitas pessoas para os mesmos fins
é sempreo impulso que leva a instituir uma organi-
zação externa que depois imprime a essa cooperação
ul-na particular forma jurídica. Assim aconteceutam-
bém aqui. Os cientistas desdaram participar uns aos
outros as suas descobertas e invenções. Muitas vezes
pretendia-se também assegurar, através de tais comuni-
cações,o direito de prioridade; pois em épocasem que
por toda a parte se tiravam consequências dos mesmos
 22 LEIBXIZ E A SUA EPOOA
princípios e métodos que acabavam de descobrir-se, as
mesmas invenções e descobertas andavam, por assim
dizer, sempre no ar, originando-se ü'equentemente dispu-
tas de prioridade. falais; tendia-se também para a asso-
ciação para o efeito de publicações,visto ser ainda
reduzido o público interessado em tais assuntos. Sobre-
tudo, porém, trabalhava-se na consciência de que toda
a pr(aduçãodos indivíduos devia contribuir paraa cons-
trução do mesma)grande edifício duma ciência que, des-
ligada de todos os sonhos da metaHisicaindividual ou
escolástica, conseguisse realizar a investigação e o domí-
nio da natureza segundo princípios e métodos evidentes.
As sociedades que deste modo surgiram em lugares
diferentes começaram por ser associaçõesparticulares;
No entretanto, não era menos natural que estassocieda-
des em regra não tardassemem se relacionarcom as
Cortes dos grandes Estados, acabando por transfor-
mar-se em instituições públicas. As que não seguiram
estaevolução breve se dissolviam, passados poucos anos
duma existência mesquinha. A maioria .das academias
posterioresforam, porém, dcsdeo princípio concebidas
e fundadas como instituições oficiais.
B Todavia a verdadeé que os homensque trouxeram
a grande revolução intelectual do século xvn, se tinham
afinal encontradosós e desamparados num mundo onde
continuava a afirmar-se a superioridade da ciência esco-
lástica das Igrejas e onde as arbitrariedades destes pode-
res eram prontamenteexecutadaspela sinistra religio-
sidade das multidões ou pela fraqueza dos Estados.
Jordano Bruno fora queimado; Campanella passara o
melhor da sua vida nos cárceresda Inquisição; Galileu
morrera, como se sabe, prisioneiro dela. Kepler tivera
1! LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 23
de defender a mãe acusada de br.uxaria e sucumbira
ao cansaço no meio d os horrores da Guerra
.. dos. Trinta
é Anos. Descartes,nobre e cautelosona vida que levava,
{ impressionado com a sorte de Galileu, suprimiu os estu
dos em que trabalhara sobre o Cosmos. Foi só nos Países
Baixos que encontrou, mais tarde, o sossegoe a segu-
necessitava. Imperturbável, viveu
rança de que tanto .. . .
ali também Spinoza}que tinlla sido expulso da comu-
nidade religiosa da sua raça; viveu, porémt no mais
profundo recolhimento, intimamente relacionado apenas
com os menonitas e arminianos, perseguidos como ele,
e bem assim com alguns poucos protectores e discípulos.
O seu 7rczfízda /?o/úk/ca'PO/í/jco foi condenado por deci-
são das Corporações seculares e religiosas da República.
E quando ao regime liberal de De Witt se seguiu o
obrigado a suspender a impressão da sua .Ética. O pró-
pria)Leibniz, apesar de ter aduzido para.a.doutrina da
transubstanciaçãoalgumas razões teológicas particu-
larmente artiíiciosas, encontrou-se também por toda a
parte perseguido por suspeitas do clero. Isto parece ter
prejudicado a sua posição em Berlim e inclusivamente
H a da Academia que ali ele instituiu. E se as tempestades
curvavam e quebravam os troncos mais poderosos,como
lhes poderiam resistir os mais fracos? Nas biografias dos
eruditos que mais ou menos eram partidários das ciên-
cias naturais, continua a repetir-se o capítulo do martírio,
das acusações e condenações, dos exílios e das perde'
guiçõesmovidas pelos crimes de heresiae ateísmo,até
aos fins do século xvn e ainda depois.
Mas o que agora distinguia a nova época era o facto
de os Estados modernos, com as suas nascentesmonar-
 24 LEIBN]Z E A SUA ÉPOCA
11
quias à frente, .se sentirem intimamente solidários com
estes homens, e de lhes oferecerem um apoio que faltou
aos herpesda Idade-Média. Decerto,não foi o mero
desejo.do brilho literário o único motivo desteapoio.
Compreendendoo seu próprio interesse, o Estado colo-
cou-se, para além dos limites das conHiésões I'elogiosas,
sobre uma larga base da tolerância. Acresce que a cisão da
Igreja universal da Idade-Média, depois das experiências
duma luta secular, abalou a autoridade de toda a religião
dogmática, despertando a consciência de uma nova soli-
dariedade na ideia universal do Cristianismo. Iniciou-se
l
então uma nova e longa série de tentati\-as pala a reunião
das diferentes confissões religiosas -- tendências estas
que deviam levar também ao reconhecimento da nova
ciência, tanto mais quanto é certo que sua condição
prévia era igualmentea ideia de tolerância.E foram
precisamente oé filósofos quem desempenhou aqui,
agora, o papel de advogado e intermediário entre todas
estas aspirações. O mais importante, porém, era que os
novos Estadosjá não podiam prescindir de uma mais
rigorosa protecção de todos os interesses morais e
intelectuais dos seus súbditos, dada a ambição do poder
que por toda a parte se manifestava.Paraisso, as recen-
{
tes ciências naturais ofereciam-lhes o instrumento mais
eficiente. O Estado moderno e a ciência moderna sen-
tiram-se solidários, e as Academias foram naturalmente
os órgãos por .intermédio dos quais esta aliança se aüirü
maça e actuava. Nisto reside o significado histórico
destas instituições no século que se estende da Paz da
Vestefália até à ascensão de Frederico-o-Grande ao trono.
e qüe Voltaire foi o primeiro a reconhecere a descre-
ver Ba seu Siêcte de l,Quis XiV.
LEiBNIZ E.A SUA ÉPOCA 25
Desta forma nasceu, em primeiro lugar, a ,Rapa/
Sac/e/Ude Londres. Esta nasceu duma associaçãopar-
4
ticular de cientistas, que se formara cerca de i645,
+'
depois elevada a instituição .oficial na Restauração dos
Stuarts. O mesmo espírito das novas ciênciasnaturais
Í e da sua valorização cultural, que criou a primeira
Academiamoderna na terra de Bacon, deu também,
poucosanos depois,em i666, o impulso que levou
Colbert à fundação da HczzzZ?hií,dei Scl? zcei de França.
Já anteriormente interesses inteii'amante diferentes tinham
le't'ado à instituição da..acazZém/e/ra#çaüe.Esta deveu do
mesmomodo a sua o(agema uma associaçãoparticular
de preocupações literárias ; em 1635, Richelieu tmns-
lormou-a num instituto oficial em que desdeentão os
quarenta imortais superintenderam sobre a língua e a
literatura francesa.Colbert foi ainda ;o fundador de
instituições s.melhantes para as disciplinas clássicas
e históricas e as artes plásticas. E todas elas enHím
existiram até que a Revolução omni-reguladora reuniu
estas corporações, até aí sepai'adas, no Z#s///zóZdr
France.
b Nutna palavra, duas academiasexistiam na Europa
e representavam este novo espírito das ciências natu-
r rais e matemáticasquando Leibniz começoua elaborar
projectos idênticos. Os seus primeiros planos foram
L
esboçadosno mesmo decénio em que Carlos 1l e Col-
bert instituíram, respectivamente, a .Rapa/ Sacz2'/7 e a
Acadéutie ,(ies Sciences.

26 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
4.
A preparaçãodo terreno para tais planos e realiza-
ções na Alemanha teve de ser, porém, lenta e laboriosa.
Como na Ttália, a Renascençarenovara também ao
norte dos Alpes o sentidoda realidade,o amor da
natureza, do homem e das suas obras. O fracasso da
metaHsica medieval e a poderosa transformação das
condições da vida industrial, social e política, actuaram
em sentidoidênticoeni ambosos países.Assim,na
Alemanha, os espíritos dedicaram-setambém, com o
mesmo entusiasmo que sempre desperta um. novo ideal
de vida, à recepção-da filosofia antiga e da ciência empí-
rica, bem como ao desenvolvimento destas através de
novas especulaçõese investigações. As íntimas relações
existentes entre os países de aquém e além dos Alpes
não deixaram de contribuir para estes estudos.
A opinião de que este humanismo alemão se perdeu
11 nas tempestadesda Reformaé uma opinião já há muito
d abandonada. SÓ a historiografia ultramontana utiliza
este lugar-comum. Decerto, os tempos do seu livre
desenvolvimento e ingénuo optimismo tinham passado.
O humanismo refugiou-se sob a protecção das novas
l igrejas territoriais e nas sinecuras que estas dispensavam
àqueles que abraçavam a respectiva confissão religiosa.
Mas na sua nova posição o humanismoconseguiucon-
servar, em plena época das disputas dogmáticas e guerras
religiosas, a sua substânciae o seu ideal, .imprimindoà
obra da Reformao cunhoimorredourodo seu opti-
mismo realista nos seus gloriosos começos. A reforma
dos estudos clássicos nas Universidades e nos liceus da
27
LBIBNIZ E A SUA ÉPOCA
Alemanha protestante neste século é apenasa expressão
de um dos seus aspectos. Os professores,sacerdotese
eruditos, nobres e burgueses, constituíam uma comuni-
dade que se espalhou por toda a Alemanha e na qual se
f. ervou sempre vivo e activo o interessepela.inves-
y tigação da natureza até aos seus mais íntimos mistérios
e ainda o da valorização destes conhecimentos não só
para as tarefas práticas da vida como para as novas
formas da virtude e da religião.
A religiosidade e a especulação das. seitas reforma-
das remontavam às fontes do misticismo alemão.
O poderosomovimentos
que aqui surgiunão podia
encontrar a sua expressão adequada nas formas e nos
dogmas da Igreja medieval. Não a encontrando tão-
consolidaram, vol-
-pouco quando as novas Igrejas se
tou a seguir seu caminho marcado por amargasofensas
luta
e perseguições,
até que acaboupor desistirda
aberta, aliando-se ao humanismo para uma oposição
calma. cautelosa, mas, não obstanteisso, tenaz e efi-
ciente, contra as forças reinantes.
Ora nesta camadade vida intelectual, emboranão à
k super6ioie--na Alemanha da Reforma e da Contra-
1- -Reforma-- constituíram-se associações e confrarias que
pretendiam . oferecer apoio aos indivíduos na multipli:
cidade das suas distracções e perigos, e transformar assim
atravésdo trabalhocomumao serviçoda ciênciae da
virtude, as opiniões e ordens dominantes. Eram, mais ou
menos, associações secretas com todo o aparato habitual
dos seus sinais e símbolos, fórmulas e hierarquias Os
seus modelos mais próximos, ofereceram-lhosos gré-
mios e as corporaçõesde industriais e ainda mais as
ordens e seitas religiosas do íim da Idade-Média, podendo
 28
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
até ser que, muitas vezes, se relacionassem directa-
mente: com essas confrarias precursoras. Estavam espa-
lhadas por toda a Alemanha e mantinham múltiplas
relações com as numerosas Academias que a Renas-
Ê cença produzira na ]tá]ia. Por outro lado, as suas rela-
ções estenderam-seaté aos Países-Baixos e à Ingla-
terra. Os seus sócios encontravam-se nos mais diver-
sos ambientes e âliavam-se aparentemente nas mais
diversas confissões. Mas, obrigados a ocultar cuidadosa-
mente as suas tendências extremas perante a vigilância
dos poderes oficiais, âzeram salientar por toda a parte
nas suas aspirações a ideia da tolerância religiosa. Isto
atraía para elas a multidão cada vez maior de todos
aquelesque tiveram de sofrer pela sua íé. O rumo triste
e repleto de culpas que a história eclesiásticada Alema-
nha tomara, explica o facto de se tratar, na maioria dos
casos, de correligionários da doutrina reformada. Assim
se explica a franca superioridade do elementoreformado
que frequentementese verifica nas listas reconstituíveis
dos sócios, até mesmo entre os dirigentes. Com os pri-
l meiros acontecimentos da Guerra dos Trinta Anos. os
H
emigrantes da Boémia, Morávia e Silécia tornaram-se
outro elemento característico destas sociedades. A maior
entre elas, o Ea/móazz (Palmeira), dispunha, além disso,
.Ç
desde os primeiros dias da sua existência, de certasrela-
ções com a dinastia reformada dos Hohenzollern.
Os nomes da aristocraciabrandeburguesatêm repre-
sentação particularmente. extensa nas suas listas, e
ainda em 1644 o Grande Eleitor se aliou nela. Daí
que ela não admitisse nenhuma família 'ãa Saxónia
luterana.
Em todas estas Sociedades reinava o mesmo clima
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 29
moral, o profundo sentimento de uma Criação,expres-
são em todas as suas partes da vontadedivina, ani-
)
mada por esta, e de que o Homem tudo conseguiria
]
abismando-se no seu universo e cumprindo religiosa-
mente os seus deveres profanos: poder e sapiência,
felicidade e virtude, inteligência de Deus e beatitude
divina. . As especulações filosófico-naturais e teosóficas
fundiam-êe numa 'actividade optimista, numa orgulhosa
consciência nacional e num infinito amor dos homens.
resultando assim numa vitalidade em que se sentiam
muito superiores às estreitezas e brutalidades do mundo
que as rodeava, alimentando a esperançade um futuro
melhor. Entre as tarefas especiais de que se incumbiram,
pra'alecia para algumas o culto da língua e literatura
alemãs--aspirações estas que em toda a parte eram
próprias do humanismo. Outras dedicaram-secom mais
intensidade à matemática, física e técnica, como as afa-
madas sociedades alquimistas muito em voga nomea-
damente nas grandes cidades imperiais e intimamente
relacionadas com as artes industriais que nelas se esta-
belecem'am. Contaram, entre os seus sócios, pessoas
muito respeitáveis, não obstante o inevitável contin-
gente dos impostores e ludibriados. Na sua juventude,
Leibniz serviu de secretário de uma destas sociedades
alquimistas, que funcionava em Nuremberga, e da qual
dois sócios acabarammais tarde por ser recebidosna
Academiade Berlim.Pondoas suasesperanças
no
futuro. todos esses homens canalizarem o seu interesse
para os problemas dos objectivos e métodosda educação
da mocidade,segundo os seus ideais. Jogo Valentim
Andreae desempenhou um papel-importante nestas socie-
dades. Coménio desenvolveu aí os seus pensamentos
 30 LEIBNIZ E A SUA'BROCA
pedagógicos, esperando que uma união geral destas
sociedades os realizasse um dia; o seu trabalho Cami-
2z,êoda /wz, divulgado a princípio apenascomo manus-
crito entre os correligionários, preconizou a necessidade
duma tal organizaçãouniversal e dos meios de a realizar.
Estas associações foram, porém, desapal'acendo desde
meados do século xvn. muitas vezes sem deixar ves-
tígios da sua existência.A fase de exactidãoem que
as ciências empíricas agora ingressavam, produziu
organizações diferentes, com exigências muito maio-
res.- Algumas, poucas, sobreviveram, limitando-se às
suas aspiraçõesgermanizantes.Continua a ser a bela
glória destas sociedadesna evolução intelectual do povo
alemão terem conservado sempre vivo o interesse pelo
estudo da realidade e a fé numa cultura nele baseada
e liberta de toda a escolásticaclerical, até transferirem
a sua missão para as Academias modernas. Há, com
efeito,relaçõesmuito visíveis entre umas e outras.
As primeiras influências da nova ciência do século xvn
na vida intelectual do povo alemãosão ainda dos tem-
pos da Guerrados Trinta Anos. Joaquim Jungius adop-
tou as teorias de Bacon, e o espírito penetrante do erudito
matemático e lógico procurou já corrigir pelos métodos
de KISÊere Galileu o exclusivismoque era um defeito
da obra do grande inglês. Professor em Rostock,insti-
tuiu também em l62z uma sociedade infelizmente de
breve existência, de cujo programa irradia pela primeira
vez a frescura dos tempos modernos. «O objectivo da
nossa associação será ùnicamente procurai' a verdade
na razão e na experiência; prova-la depois de des-
coberta;* libertar da sofística todas as ciências e artes
que se. baseiam na razão e na experiência; reduzi-las à
l
LE[BNIZ E A SUA ÉPOCA 31
certezademonstrativa; continua-las através duma ins-
trução certa. e, finalmente, aumenta-las por invenções
J. bem sucedidas ».. Matthias Bernegger, contemporâneo de
t Jungius, traduziu depois os escritos de Galileu, e parece
T que, atravésdas suas múltiplas.relaçõescom os filó-
sofos naturalistas alemães e suas associações, actuou
l
ainda no sentido de impor cada vez mais a estes cír-
culos o espírito científico.
Só;na segundametadedo século,porém,é que o
espírito moderno começa a triunfar em terra alemã.
Principiou-se pelo Cartesianismo. Em regra, a sua
divulgaçãopartiu da Holanda, seu berço. Aqui, um prê'
gador reformado de Amesterdão, Baltasar Bekker, foi
um dos seus primeiros apóstolos e mártires. O seu
!ivro sobre o Ma da e#d?á/cada
que iniciou a longa cam-
panha contra a crença nos demónios exerceu profunda
influência na Alemanha. Thomasius confessadever-lhe
o mais .vigoroso dos estímulos,e ainda em i78i Semler
considerou actual uma tradução e refundição deste livro,
que foi uma das armas mais .eficientes do racionalismo
protestante. As viagens científicas que nesta época cons-
tituíam a conclusão regular dos estudos universitários
e que de preferênciaeram para os Países-Baixos,leva-
ram a ulteriores contactos. Assim, o novo método
.germe'Zricoinfiltrou-se também nas Universidades ale-
mãs-- naturalmente contra a oposição violenta das facul-
dades que continuavam a seguir Aristóteles,Tomas e
Melanchthon-- mil vezesrefutado, perseguido e, contudo,
nunca suprimido. A pequena Universidade de Herborn,
já esquecida desde há muito tempo, podia naqueles
dias reivindicarpara si a glória de ter sido o centro
mais importante de tudo quanto fosse moderno e radi-

32 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
cal, desde a sua instituição pelos condes de Nassau=
-Dillenburgo que tinham aderido à Reforma. Aqui
Althusius . desenvolveu o seu revolucionário direito
natural. Foi aqui que já em i65i se começou a rece-
bem'o novo sistemafi'ancês.De Herborn veio também o
mais independente dos cartesianos alemães, Clauberg,
que introduziu depois estasideiasna jovem Universi-
dade brandeburguesa de Duisburgo. Em .cena, Erhard
Weigel era o terror constante dos seus colegas,seguindo
o método de Descartesnão sòmente nas ciências natutaisl
como ainda na Moral, no Direito e na Teologia. Pufen-
dorf e Leibniz foram seus discípulos. Pelo fim do
século, os huguenotes, com os seus pregadores à frente,
foram também importantes pioneiros do Cartesianismo.
Em Berlim, onde se estabeleceram em gi'andequanti-
dade, sob a protecção do Grande Eleitor e seu filho.
Chauvin, professor do colégio francês e autor dum
dicionário filosófico, actuou igualmente no mesmo seno
tido; o seu nome encontra-se ainda na lista dos primei-
ros sócios da Academia de Berlim.
Seguiu-se Spinoza, cuja doutrina teve também os seus
adeptos nà Alemanha, logo nos seus princípios. Sob o
seu signo, MlatiasKunzen percorreuas cada.des
ale-
mãs, eloquente e afecto às disputas, conseguindo, não
obstanteisso, fundar uma seita espinozistaprópria em
Jena.'Mais sério e mais profundo, Johann Wilhelm
Stosch abraçou os pensamentos do filósofo judeu, e não
deixa de ser uma prova do espírito liberal do primeiro
rei da Prússia o facto de este homem ter sido tole-
rado em Berlim.
Pouco depois, já em vésperas do século novo, o
dicionário de Bayle conseguiu também passai o Rena.
\
L
faculdade de filosofia
LE[BXIZ.E A.SUA ÉPOCA (lendas' e3êctras
Bibliotea(entrai
Escrito em francêse numa forma que.faziatriunfar a
livre reflexão, não tardou em conquistar quantos se
interessavampela literatura. A única das suas obras
maioresque Leibniz publicou em vida, foi uma crítica
deste espírito céptico, pessimista, dilacerado. Finalmente,
e quase ao mesmo tempo, Locke e os livre-pensadores
ingleses foram também divulgados na Alemanha.
A força criadora duma tal ordem de ideias, consciente
da sua certezalógica e do seu valor cultural, fez então
brotar por toda a parte na própria Alemanha.ospro''
jactos e as tentativas duma organização do trabalho
científico. Enquanto procurai'am os meios para a sua
actuação apenas na república ideal dos eruditos,não
ultrapassaram esses projectos os mais modestos princí-
pios. Com efeito, apenasuma destas sociedadesparti'
culares da segunda metade do século xvn conseguiu
sobreviver até ao presente, o 6oZZrgzzóm
Na/xra? CÜrjo-
.foram, dum médico de Schweinfurt--depois .dcadem/íz
,Cbfiarea .[eopaZ2/zza-Coro//#a. Significado especial para
a vida intelectual da nação, nunca esta sociedade o teve,
por certo. Mas como era a época em que a ciência de
Galileu e Descartesconquistava a Alemanha e em que
os príncipes alemãeslançavam os fundamentos para os
primeiros Estados modernos, não se tardou em com-
preender e aproveitar, também aí, a relação íntima que
existia entre ambas estas potências.
É este o lugar de recordar o plano grandioso para
um institutouniversal,apresentado
em i667 por um
emigrado sueco ao Príncipe Eleitor Frederico Guilherma
de Brandeburgo, que com ele concordou. O programa
desta instituição compreendia as ciências e as artes,
puras e técnicas. Nela, a investigaçãoe o ensino deve-
3
 34 LEIBNIZ E A SÜA ÉPOCA
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 35

riam marchar sempre juntas: seria ao mesmo tempo

prudente refugiar-se na Holanda. Por fim, dirigiu-se à
Academia e Universidade. A insistência pela sua aut(i-
Inglaterra e aí morreu em l68z. O seu lugar foi ocupado
nomia administrativa sob o protectorado do Príncipe
por outro, maior e mais feliz: Leibniz.:
Eleitor indica que já se começa a perceber um postulado
essencial da nova ciência e das suas instituições. O con-
i
vite para a colaboração neste instituto dirige-se a todas
as nações e confissões, admitindo-se nela mesmo os
judeus e árabes.As justificadas dúvidas, porém, nas Leibníz e a fundação da Academia
habilitações de Skytte -- o qual por enquanto se limitava de Berlim
a pedir constantementedinheiro -- para organizar seme-
lhante instituição, acabaram por levar o Príncipe Eleitor !

l a desistir do projecto. Mais tarde, Leibniz declarou ter

l tido conhecimentodo plano pelo próprio Skytte, mas
Leibniz é o espírito mais universal que os povos
já não se lembrar dele para instituir a sua própria
sociedade. modernos produziram antes de Goethe. Se a missão
suprema da âlosoâa consiste em elevar a cultura duma
Entre os contemporâneosde Leibniz, nenhum, além
época à consciência de si magma e à clareza sistemática,
de Johann Joachim Becker, abraçava o novo ideal duma
cultura universal deste grande século. Ninguém foi tão
l aumentando o poder desta cultura, sem dúvida foi este
consequenteem exigir que todos os Estados,no inte- filósofo alemão quem, desdePlatão a Aristóteles,mais
resse do seu próprio poderio, servissem esta cultura, completamente realizou até hoje uma .tal missão. As
ll
l organizando a ciência e integrando-a assim na sua
grandes potências espirituais dos fins do século xvn, o
idealismo grego, platónico e aristotélico, o Cristianismo
máquina administrativa. As instituições políticas e cien-
tíficas acabavam por confundir-se, aos seus olhos, como protestante purificado, e a nova ciência da época, baseada
h num novo conhecimento da natureza, todas comun-
acontecesempre com as grandesutopias de todos os
gavam neste espírito que tudo sentia e compreendia.
tempos. Os seus pensamentos e projectos não âcavam
Tudo se passa como se a natureza o tivesse preparado
aquém dos de Leibniz, e ele dedicou-lhes também a
vida. Espírito irrequieto e impetuoso,de excessivavai- propositadamentepara esta obra titânica. Lia tudo, mas
dade e arrogância, não foi, porém, capaz de se demorar não como polígrafo. Para ele não havia diferençaentre
o aprender e o criar. <KPareceestranho --dizia ele um
Í onde não fosse imediatamente compreendido e bem suce-
dido. Durante algum tempo soube interessar a Corte de dia-- , mas concordo' com a maior parte das coisasque
Viena nas suas aspiraçõesaté que, tendo caído em leio». Entregava-seà verdade em todos os escritose
l todos os actos da sua vida--atitude esta que chegou
desacordo com todas as personalidades influentes, julgou
a ser nele uma fraqueza. Abraçou todas as ciências,.
 36 LEIBNIZ E A $UA ÉPOCA
continuando-as no sentido do futuro. Independente de
Newton na invenção do cálculo diferencial, uln dos
principais a fundamentar a compreensãodo princípio
da conservação
da energia,o primeiroa reconhecer
no
jogo das representaçõesdo nosso subconsciente o prin-
cípio da explicação psicológica, precursor ainda como
historiador e filólogo, Leibniz estavarelacionadocom
Í todos os conhecimentoscientíficos da sua épocacomo
nenhum outro homem dos tempos modernos.Mais:
Leibniz vivia preocupado com o maior problema da cul-
tura de então : .realizar .o acordo entre.a interpretação
mecanista da natureza e.a religiosidade cristã. Sob este
aspecto, afigurar-se-lhe-iam insignificantes e indiferentes
os dogmas das diferentes religiões, proporcionando-se-
-lhe aí um campo de actividade incessante para tentar
a reunião das diferentes confissões.E. tudo isto, o tra-
balho cieátíâco, a união das Igrejas e sua recon-
ciliação, subordinava-se no seu espírito ao grande
objectivo duma cultura humana que abrangesse
todas
as nações e cuja rede devia estender-se,segundo o seu
espírito universal, até ao Egipto e à.China. E .preciso
notar, porém, que esta unidade do seu espírito nem
sempre se revela nos seus escritos. São na sua maior
parte produtos momentâneos e ocasionais. Algumas
vezes,.pareceaté êxcltisivamente preocupado com uma
só destas tarefas. Sobretudo nas suas aspiraçõesunio-
nistas é frequente vê-lo perder-seem compromissosteo'/
lógi(Õs, aliás muito afastados do centro dos seus outros
pensamentosl Noutros casos as suas ideias parecem intei-
ramente condicionadas pela crítica de qualquer corrente
contemporânea ou pela discussão com um ':adversário.
Mas sda como for,''de facto, a totalidade dos Seus
l
LEIBNIZ E A.SUA ÉPOCA 37
pensamentos nunca deixou de ]he estar presente no
espírito.
O sistema no qual procurava apresentaresta totali-
dade, tinha de ter uma estrutura inteiramente diferente
dos de Hobbes ou Spinoza. Leibniz foi o primeiro a consi-
derar a metaHisicauma hipótese; pois para este espírito
tão positivo a metafísica nasce dum processo combina-
tória que pretende como que ligar as conclusões.
das
diversas ciências singulares por uma ordem de princí-
pios comuns. Nestes termos, Leibniz foi sempre apenas
um curioso em metaãsica. Na sua mente existia a
constante.asphaçã(l..pela.unidade..da-sabercuja funda-
mentação sistemática nunca deixou de ponderar. Esta
sua constituição mental que estava de acordo.com tudo
quanto na sua época parecia prometedor de futuro, .eraa
fonteviva de todo o seu pensamento
e de.todaa sua
actividade. Está também aí a origem da sua metaHisica:
indo atrás das reflexões de Bruno, Galileu, Kepler e
Descarnes, p! etendjâ.estabgleçer um sé .universQb homo-
0 gégeg..gmJoda$-as-suas-partes não sé ligadas.sob o íl.ü.
P
/
domínio duma lei universal, mas também intimamente
unidas.poUurEâenÇido.Xyg.as..jntegrpsse numa.oompjeta
harmonia. Em oposição a toda a teologia anterior. que,
num judaizante egoísmo, fizera do homem o centro do
universo, Leibniz, de acordo?.com todos os grandes pen-
sadores desde. Jol'dano. .Bruno, via a.significado .do uni-
verso.no facto dg ele je!.Â..!ealjzaçãg.gelados .os graus
gg.JçF@a,d!=.lida,..çla ..pe11@jçêg..tda.JJÊlicjdade.Com isto,
o universo .torna-separa ele.:expressãoda infinidade do
ser perfeito e divino. A alegria na simpatia universal que
liga o nosso espírito.com todas as partesdesteuniverso
eminentementevivo, .e. a aspiração que assim em nós

38 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
nasce de nos tornarmos nós-próprios na pura objecti-
vidade das nossas atitudes, como expressãoe espelho
da própria divindade, na clarezado pensamento,no pra'
zer da harmonia do mundo e na actuação em prol do
supremobem--eis aí a alma de todo o pe.nsamento
e causalista ou com raciocínios matemáticos : teremos de
de toda a actividade de Leibniz.
E seria isto uma religião nova, uma nova maneira
poéticade encararo universo, ou seriaum novo sistema
filosófico que surgia? Era ambas as coisas simultânea-
mente. Se nas ciências se remontava assim até um ponto
onde a harmonia preestabelecidadas mónadas-- a mais
viva ideia que jamais alguém teve da realidade-- parecia
satisfazer todas as exigências de cada uma delas, isto
era já o nascimento duma metafísica nova, e certamente
' a mais rica de alma que se poderia imaginar. Nela, alcan-
çava-se enfim a conciliação daquelas grandes forças ou.
potências espirituais que constituíam a cultura da época;
o mecanismo revelava-se ao mesmo tempo como expres-
são duma teleologia imanente; o sistema do movimento
como expressão de puras relações entre forças (não sendo
cada uma destas mais do que representaçãoe vontade
ao mesmo tempo) conseguia fundamentar de uma maneira
completa o direito do espírito humano de remontar do
mundo dos fenómenos até este universo de unidades
energéticas sem extensão, no qual estão realizados todos
os graus ae'energia, tida, perfeição e felicidade possí-
veis. As verdades imprescindíveis que o matemático ou
o lógico desenvolvem, são apenas'a condição de uma
ordem pata qualquer mundo possível: mas o mundo
em que vivemos compõe-sede facticidadesque não
podem fazer-se -derivar daquelas verdades. Enquanto o
nosso espírito for- atrás das relações causais entre os
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 39
fenómenos. o sistema desses puros factos permanecer-
-lhe-á estranho, incompreensível, inexplicável. A estra-
nhezado mundo e da mera facticidadedaquilo .quenos
rodeia, jamais a venceremos com a nossa visualização
abandonar o prisma causal e de passar para uma espécie
inteiramente diferente de razões explicativass se quiser-
mos vencer essa estranheza. Sentidos, valores, evolução,
vida, toda uma hierarquia de impulsos tendendo para a
sua realização,com uma finalidade imanente--: eis aí os
únicos conceitos que permitirão ao espírito humano
apropriar-se do universo, deixando de estabelecerentre
o movimento e a consciência uma relação puramente
externa, mas, pelo contrário, pensando-oscomo uma
viva unidade.
E se o mesmo homem, que aqui nos fala coMOmeta-
físico, procura depois penetrar as profundidadesmis-
teriosas do Cristianismo, logo o vemos também substituir
aquela divindade irritada e demente, proclamadapelo
dogma da justificação e redenção,pelo Deus que, sob
a condição de certas verdades imprescindíveis, mas em
plena liberdade, criou este mundo como a realização
mais perfeita de todos os graus de energia,vida e feli-
cidade possíveis. Nascia assim a religiosidade cristã do
Iluminismo. e só assim a dura fisionomia do velho Deus
do Antigo Testamento viria a aparecer enfim atenuada
e suavizado.
Quando mais.tarde alguns dos traços lógicos mais
severos,com que o espírita do séculoxvn edificou esta
concepção do mundo, vieram a perder algo do seu.rigor,
a sua substância havia de continuar ainda viva em Les-
$ing, perder e Goethe, como urna.: sua .maior interioriza-
 Í
:40 LEIBNIZ E l SÜA ÉPOCA
l
l
ção a inspirar a libel'dadoliteráriae o estropoéticode
muitos escritores.
Nenhum homem moderno anterior a Leibniz sentiu
tanto como ele a api'oximação
e a afinidadede todos
os fenómenos do mundo e sua identidade. Ninguém
l
l antes dele compreendeutão bem como Leibniz que o
l -resultado a esperar deste grande século xvn de't'ia ser ó
aparecimento dum género humano melhor e mais feliz,.
depois de ilustrada a consciênciapela ciência. Nunca,
até ele, alguém dedicou com tanta clarezae fervor toda
il a sua existênciaà ilustração e à aspiraçãopelo supremo
bem da humanidade.Com efeito.foi a fé de Leibniz
l em que no universo tudo é vida e poder cl'dadore em
que o seu íim supremo está na ilustração do espírito
e no acordo feliz entre ele e esseuniverso, que libertou
os homens cultos de todos os dogmas obscuros que até
então os oprimiam: Foi ele o primeiro a revelar-lhes
um objectivo novo e superior'da espéciehumana colo-
l cado num seu progresso em demandade uma cultura
total. Em ninguém, como nesta grande figura, á mais
profunda interioridade se associou num tão alto grau
a um sentido tão vivo para os interessesdestemundo
e a um maior entusiasmona acção.
Alegre, participa em todas as mascaradase cortdos
que as joviais l5rincesas organizam em Chai'lottenburgo,
!
Berlim e Hanover. Numa destas festas coube-lhe o papel
de astrólogo que, de telescópio em punho, teria de pre-
.}
dizer ao Príncipe Eleitor de Brandeburgoo grande futuro
da sala dinastia.
Em nenhum momento, porém, deixa de pensar hos
seus grandes projectos, procurando interessar essaspes-
soas ha::$ua réali2àção.Segue estes prqeêtos com:a
)'
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 41
paciênciadum jogador de xadrez que, sempreque o
jogo do adversário o contraria, imperturbável e pondera-
damente inventa logo outros jogos. A relação entre todos
os planos e o conceito profundamente interiorizado da
cultura que os-prende a todos está semprepresenteao
seu espírito.
No auge da vida, sob a influência da dupla posição
oficial que ocupa em Hanover e Berlim, encontramosjá
concluído o plano das suas ideias práticas em cuja rea-
lização daí por diante sempre trabalhou. A partir daque:
les dias em que Johan Cristianvon Boineburg,o
estadista do Eleitorado de Mogúncia, o descobrira,
estas ideias práticas sofreram, sem dúvida, numerosas
transfoln)ações. Cedo abraçou a ideia duma cultura da
humanidade, representada pelas nações. dirigentes da
Europa e estendendo-se a toda o orbe terráqueo, bem
como duma união entre o domínioda naturezapela
ciência e a ilustração pela fé racional numa unidade
final do mundo em Deus e num progresso da espé-
cie humana projectando-separa o .Além,numa evo-
lução indefinida.Porém, depois de ter chegadoa
conhecer as verdadeiras tendências do Estado de
Luas XIV, deste Ma /f crês//a#/s8íüa,Leibniz não tar-
dou tambémem ver na hegemoniada Francae no
poderio do Catolicismo o:maior dos perigos para uma
cultura calma e progressiva. Desde então defendeu com
o mais caloroso patriotismo não só a posição autónoma
da Alemanha, com a constituição da nobre língua alemã
e a participação do povo alemão na obra da ciência.
Na pequenaCorte de Hanoverencontrou:uma
pátria
para a sua actividade. Foi daí que as suas ideias práti- ]
cas se divulgaram. Quis ver os príncipes protestantes
l
 42 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
alemãesaliados às potênciaspredominantesdo protes-
tantismo, à Inglaterra e aos Países-Baixos:-Para isso
trabalhou pela união das confissões protestantes, por
uma aliançaentreo Hanovere o Brandeburgo
e pela
l instituição duma Academia em Berlim.
Foi vivendo para esta ordem de ideias e de planos
H
que se formou também um dos traços mais particulares
Z .do génio de Leibniz, que o Çplpou-uJPcontinuadg=qas
l alpiragões ..gç.-Pes.kart!!. pala..3:gonsÇituição.ge.um
m:étggQuniversal. Os resultados isolados, ou sequer
as concepçõesmetafísicascomo tais, não foram coisa
que. o interessasse em primeiro lugar. Leibniz procurou,
antes de tudo, instrumentos que contivessemem si uma
possibilidade ilimitada de realizações.Para isso deviam
servir a sua linguagem filosófico-simbólica, cálculo dife-
rencial e os seus princípios de inteligibilidade do mundo,
entre os quais se destacavamos da continuidade e de
conservação de energia. Este aspecto das coisas deter-
minou também a sua noçã(i da Academia. Esta devia ser
para ele igualmente um dessesinstrumentos que, postos
a actuar, prometiam promover a cultura em todos os sen-
tidos e direcções. Será preciso lembrarmo-nos disso mais
tarde para compreendermoscomo o seu fecundo espírito
traçou, em sucessivosplanos,as linhas de todas as
tarefas,que a ideia duma Academia implica.
Mas nem sequer a força do homemmais genial che-
garia para se desempenharda quantidadede trabalhos
que esta ordem de ideias continha. Ç2uantomais enve-
lhecia:, tanto mais meticuloso Leibniz se tornava no modo
J de . dispor do seu tempo. A. economia deste .preciosís-
simo bem impôs-lhe ficar solteiro. A,sua casaem Hano-
ver .era.faustosas. mas não Ihe pertencia.. Era: alugada,
l
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 43
para estar sempre pronto a. deixa-la em qualquer altura,
quando a modificação dos seus planos o exigisse.
A biblioteca que administrava, .tinha-a para seu uso
{
pessoal; não gostavamuito de que estranhosaí entras-
sem. Durante dias inteiros não saía de .casa.Viajando
de carro, andava sempre preocupado com os seus estu-
i dos matemáticos.Fugia a todos os exercíciosfísicos; e,
como comia muito, sobreveio-lhea gota Não admi-
tindo que as doreso impedissem
.de trabalhar,man
dou fazer tornos de madeira para as sentir menos. Este
regime violento imposto ao corpo, porém, acabou por
Ihe abreviar a vida.
Os seus trabalhos científicos, a sua ânsia de põr a
ciência ao serviço da vida, os planos culturais que tra-
çou e seguiu, 4serviam de obstáculo uns aos outros.
Goethe viveu também uma existência multiforme, em
Weimar, sofrendo com as complicadastarefas que
tomara sobre si. Mas o seu realismo sugeriu-lhea
tempo abandonar uma tal situação, fugindo para.a
ltália. Regressado,
não voltou a retomartodas as fun-
ções anteriores, dedicando-se daí por diante apenas às
suas ideias e poesias. Leibniz sentiu como Goethe a
superioridade das grandes realizações espirituais em com-
paração com tudo o que conseguisse fazer no campo
dos negócios políticos. Dirigindo-se pela última vez ao
rei da Prússia, para tratar da sua .Academia. teve o
{
orgulho de escrevem'que, mudados os interesses políti-
cos, a posteridadenão deixaria dc:õatfibuif em todos
os temposum alto valor a tudo quantoestainstitui-
ção conseguisse fazer para..o progresso das ciências.
Mas a ligação em que nele se achava o pensamentocom
as suas realizações externas, é que .não deixou de ser
 44 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
muito mais íntima e complexadó que em Goethe. Não
soube libertar-se nem desistir dos seus objectivos prá-
E ticos. Assim, a maior parte das suas descobertasnão
chegou a publicar-se.Mesmoaquilo que ainda em vida
publicou, só tarde viu a luz pública, nunca se libertando
da sensação desagradável de outros se Ihe poderem
antecipar. A grande maioria dos seus trabalhos ficou
{
incompleta. Qual teria sido o efeito dos seus .Nodos
r#súías .çoóe o e íe dámr /o áwma#a, se tivessem apare'
cêdo mais cedo?-Quando se publicaram, muito tempo
depois da sua corte, Hume já tinha aparecido,e, apesar
de obra genial,esta não deixava de estarjá um tanto
antiquada. E o mesmo se diga dos seus gi'andes estu-
1: dos históricos e:jurídicos. Com que sentimentos teria o
}1
sábio olhado para a riqueza dos seus manuscritos, à
lj
proporçãoque ia envelhecendo?Era a primeira e talvez
a maior de todas as tragédiasda sua vida. Não Ihe foi
l permitido, como a Spinoza e a Kant, resumir numa
forma positiva e como que eterna & obra da sua
vida.
Os seus trabalhos científicos, por sua vez, eram
muitas vezes contrários aós seus planos, à sua interven-
l ção na vida contemporânea. Todos aqueles planos
U
tinham nascidoda mais genial compreensãodas tarefas
da cultura humana. Pouquíssimos havia entre eles que
não chegariammais tarde a ser realizados,pelo menos
na ideia fundamental. Estão neste caso, por exemplo
a Academia
e a uniãodasconfissões
protestantes,
as
missões e relações comerciais inclusivamente com a
China, e até as tarefasda políticafrancesana África
do Norte. Mas o mesmo homem cujos pressentiment(is
iam muito além; do :século, não compreendeu de modo
LEIBNIZ.E'A SUA ÉPOCA 45
algutn,as realidadesà sua volta. Era um homemde
vistas largas, sem dúvida. Pensador espiritualizada,
nunca chegou, porém, a compreenderaquelesque pas-
!.
savam a vida sepultados em negócios profanos, entre-
gues ao seu egoísmo, às vezescom as mãostintas de
sangue, embora semelhantes aos deuses e fortemente
convencidos de representarem o Estado. E esta falta
de compreensão era mútua. No Hanover, Leibniz não
voltou a gozar de qualquer confiança depois da morte
do príncipe que o chamara. Melhor apreço encontrou
depois por parte das duas princesas que serviu. As
mulheres têm um sentimento natural de admiração por
tudo o que é grande, sobretudo quando lhes aparece
Sob uma forma pessoal. Do mesmo modo que o õrgu-
Ihoso eremita dos Países-Baixos, Descartes, teve por
discípulas lsabel do Palatinato e Cristina da Suécia,
assim Leibniz encontrou também em ambas as prin-
cesas suas amigas uma perfeita compreensãopara
aquilo que mais o preocupava,mais do que em qual-
quer outra personalidade das Cortes de Hanover e Ber-
lim. Sem Soba Carlota nunca a Academiade Berlim
teria sido instituída.Apesarda sua alegriade viver e
do Mal encanto que experimentava na aparência bri-
lhante das coisas, profundamente envolvida em intrigas
políticas pela mãe, a verdadeé que a sua educaçãonão
}
deixou nunca de Ihe sugelü', no meio desta Corte semi-
4
-bárbara, interesses -de espírito mais elevado que só
Leibniz era capaz de satisfazer.E contudo nem mesmo
estas amizadesmais felizes da sua vida puderam evitar
as profundasdesilusõesque tudo isto devia causar-lhg
Com efeito, estas princesas não tardaram em o envol:vei' B
tambémna rede das suas próprias intrigas po;Ítioase, Ç
[
&
1'9 #
 46 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
tendo morrido antes dele, deixaram-no só e rodeado de
suspeiçoes.
Mas havia ainda pior: os planos mais diversos
tinham chegadoa atropelar-see a complicar-senele de
tal maneira que se tornava difícil distinguir o que em
determinado momento era para ele meio ou fim. Algu-
mas vezes pareceu servir-se da sua Academia para fins
políticos, em Berlim ; outras vezes, serve-se de persona:
Bens e. negócios políticos para conseguir a sua Acade-
mia. Umas vezes, serve-se da sua filosofa para explicar
dogmas e promover a sua política unionista; outras,
parece querer tornar os seus íilosofemas aceitáveis aos
teólogos. E neste teatro.do.murado, onde então mais do
que nunca todos procuravam os seuspróprios fins, o lugar
que-ele mesmo veio a ocupar, foi afinal atrás dos bas-
tidores e o que menos correspondiaà sua dignidade
de homeme de filósofo. Num tal mundo o seu justo
l orgulho transformou-se em vaidade. Confundiu os seus
próprios interesses com QS gerais. Procurou dinheiro
Ê para o gastar depois no governo desleixado duma casa.
t
Honras externas, . procurou-as como meio necessário
l para,io sustento da sua grande posição científica e,
h quandoelas Ihe faltavam,logo dava por isso, tanto
quanto o seu feliz optimismo o permitia. Nos últimos
tempos da sua vida, uma vaga suspeita envolvia o
homem que : ein Berlim era considerado agente do
Hanover e que aos seus conterrâneos sempre se afigu-
]'ara como só movido por interesses brandeburgueses.
Leibniz não podia acompanharpor muito tempo alguém
que se deixasse mover por interesses unilaterais. Sobre-
vinha sempreum momentoem que, por isso, se susci-
tavam desconâanças. Amigos políticos ou : cientíâcos,
LEIBNIZ.E A SÜA ÉPOCA 4'7
não os tinha. Que contraste entre estavida e, por exem-
pto, as de Kant e Goethe os quais, distantes dos conflitos
do mtmdo,num trabalhoextensoe em profundacon-
templação,atingiram os seus últimos anos de vida rodei.:
dos de uma universal admiraçãol
2
}
Leibniz dispunha dum talento único para aproveitar
os I'esultados de todos os novos estudos e situações
para o aperfeiçoamento das suas próprias ideias, pare
tendo daí depois pai'a a revisão da soma dos elemen.
tos já adquiridos. .Foi assim que ele pôde elevar:se
à sua noçãode «mónada>,
e foi tambémassimque as
suas ideias sobre a organizaçãodo trabalho cientíâco
sofreram ampliações e transformações sempre novas.
até encontrarem
a sua definitivasínteseno plana da
Academia prussiana.
Na Universidade, coü Jakob Thomasius em Leipzig
e Ei'hard Weigel em Jena, o espírito do jovem Leibnik
tinha sido orientadono sentidoda filosofia,da mate:
mática e da física, não tardando também em triunfar
}
igualmente nele a moderna ciência carteseanasobre a de
Aristóteles e a Escolástica.l)esde o princípio que se Ihe
ensinaratambém,além disso, a importânciada ciência
:t pala a vida. Leipzig,sua cidadenatal, acabavade atingir
precisamente por essa altura o primeiro lugar como
empório do intercâmbio das manufacturas do Ocidente
com as matérias-primasdos paíseseslavos.Em Nurem-
berga trava logo depois disso conhecimento com a vida
fácil e faustosaduma cidade imperial alemã,centro dum
 48 LEIBNIZ E A SUK ÉPOCA
comércio extenso e sede duma actividade .industrial
muito desenvolvida
que continuoua mantera sua
posição no mundo,. sem desconhecer, aliás, os perigos
que o poderoso progresso das nações estrangeiras cons-
tituíram também para esta prosperidade.Ente'andona
sociedade alquimista que aí existia inspira-se no espírito
específico que animava estas primeiras sociedadesale-
mãs, misturando a especulaçãofantástica com a ciência
e motivos éticos e religiosos com a outros francamente
práticos. Convive aqui com pessoasde todas as classes
e proHlssões,sacerdotes de S. Lourenço e S. Trago, pro-
fessoresda escola latina, patrícios, comerciantes, artífices.
Leibniz relacionou-se intimamente com este ambiente.
Ainda em anos posteriores, muito mais tarde, continuou
a cultivar estas relações. As tendências que ai reinaram
deixam-se reconhecer inclusivamente nos seus próprios
planos académicos.Mundo muito diferente, porém, é
aquele que se Ihe patenteia em Mogúncia. Johann Philipp
von Schõnborn e Johann Christian von Boineburg viviam
na esfera das ideias dos seus grandes precursores, Wer-
l
ner von Epetein, Diether von lsenburg e Berthold von
r
Henneberg. Procurava-se satisfazer as aspirações nacio-
nais do povo alemão, que cada vez mais alto se procla-
mavam, com a instituição duma Liga de príncipes alemães
e a fusão das confissões divergentes numa Igreja nacio-
nal. O Príncipe Eleitor de Mogúncia, como Arquichan-
celer e Arcebispogovernariaa nova Alemanha.Leibnii,
que era para os seus novos amigosuma espéciede
secretário e publicista oficial, perfilha também estas
ideias.
Aqui, em Mogúncia, esboçou Leibniz, -cola efeito, os
seus primeiros projectos duma organização do trabalho
l
LETBNJZ E A suA Época 49
científico, aproveitando=paraisso todo o imensotesouro
dos seus estudose da sua experiência.
O seu mais antigo projecto tinha em mira uma
sociedade alemã das ciências em Franckfort, sob a
dil'ecção do Príncipe Eleitor de Mogúncia. Serviram-lhe
de inspiração e de modelo as Academias já existentes
na Inglaterrae na Franca,cujo fito principalera,ao
tempo, de harmonia com a situação actual das ciên-
cias, o conhecimento matemático da natureza. Leibniz.
porém, insistia mais na relação prática. que era preciso
estabelecer entre as ciências, a indústria e o comércio.
Sobretudo, o jovem polígrafo tendia a tornar esta socie-
dade num como que arquivo de todos os conhecimentos
então existentes. Reunir-se-ia aí uma biblioteca univer-
sal; elaborar-se-ia uma enciclopédia real de todas as
ciências; entrar-se-ia em correspondência com os erudi-
tos de todos os países. ÀTais: exigia que esta socie-
dade cooperasse com as Academias congéneres da
Franca, Inglaterra e ltália; e o seu irrequieto génio
financeiro, que mais tarde viria a manifestar-seainda
em outros projectos, preconizava já o lançamento de
um imposto sobre o papel, para a manutençãodesta
Academia.
Mas há ainda um outro plano das coisasa conside-
rar, onde vamos agora encontrar a expressãomani-
festa da noção de cultura que o século criou e de que
Leibniz ei'a o representante. Tratava-se também duma
sociedadedestinadaa dirigir a cultura total do povo
alemão, segundo os mais altos princípios científicos.
O trabalho científico devia produzir nesta sociedadeo
progresso dos conhecimentos da natureza, animar e orien-
tar um culto de Deus metanlsicamente fundamentado, e
4
 50 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
influenciar ainda a aplicaçãodas ciências'em todos os
l campos da cultura. O próprio Leibniz chamava a atenção
para o domínio do pensamento científico em Platão
através duma comunidade dos investigadores tornados
seus órgãos. De certo modo, antecipava-se assim à dou-
trina de Comte ao preconizar a direcção das sociedades
pelo espírito científico.
Tudo isto eram ideias que, muito embora não fosse
fácil integra-las na realidade das coisas, não deixavam de
ser também expressãode tendênciasque remontavam
aos pitagóricos e que ainda mais se acentuaram depois
com a cooperaçãodos homens de ciência no afã de ;;
dominar a natureza. O próprio Leibniz mencionava até E
expressamente,neste sentido, a H//cz/z/is,de Bacon, a B
Cidadedo So/, de Campanella,
e a a/avia, de Morus..J
Um entendimento para o fim da felicidade da sociedade ..{
humana, que estes escritos projectavam, seria possível, lã
«se os conselhos dos mais poderosos senhores não se B
afastassem demasiado da preocupação do bem comum ».
A grande noção da cultura humana que iria dominar 9.
a sua vida inteira, manifestou-senestesplanos com E
todo o entusiasmo da juventude. Para isso, com efeito, .;
contava ele com as forças reais que de facto domina- ã
vam a sua época.
Leibniz principiou por ser arrastado pelo movimento
patriótico provocado na Alemanha pela l)romeiraguerra
de rapina de Luas XIV; e que depois, soh maneirasdife-
rentes. dominou os últimos três decénios do século xvn.
Coincide com isto a grande transformaçãoda literatura
alemã que deixa de dirigir os seus ataques contra a
Monarquia austro-espanhola do século xvi, para passar
a atacar a nova Franca de Richelieu, Mazarin e Luís XIV.
LEIBN[Z'E A SUA ÉPOCA 51
Leibniz não sòmente participou directamente nesta lite-
ratura, como soube imprimir ainda cor nacional'aos
seus próprios planos académicos. Num esboço elabo-
l
'rodo por ele nesses dias, em Mogúncia, pretende provar
que os alemães é que eram pròpriamente os verdadeiros
inventores em todos os camposdas ciênciase belas-artes.
Mas deitaram-se a dormir, deixando as outras nações
apoderarem-sedo património do espírito alemão e tira-
rem proveitoprático dele; os própriosalemãesé que
tinham a culpa de se terem deixado ultrapassarpor fran-
ceses e ingleses, nas ciências, na economia e na política.
Que se levantassem, portanto, aproveitando-se do seu
talento, reunindo-se e organizando sociedadese Acade- l
mias; como acontecerana Franca e na Inglaterral
Como seria, contudo, possível realizar o plano duma
Academia nacional na Alemanha daquela época, quando
ela não passava de uma poeira de pequenos Estados
soberanos, egoístas e terrivelmente fechados uns aos
outros? A criação de algo .de viável só era possível no
quadro das novas potências territoriais e dinásticas;
esta amarga experiência era a mesma que, mais tarde,
tiveram de fazer todos aqueles que durante dois séculos
se viram forçados,para o mesmofim, a dirigir-seao
Sz Imperador, ao Império e à Nação. A Leibniz sempre
custou resignar-se a esta verdade, e nunca o conseguiu
por completo; o seu optimismo continuou sempre a
leva-lo a esboçarnovos planos de organizaçãopara todo
o Império, sem nunca perder de vista as tarefas nacio-
nais 'que estabelecera para uma associação alemã desta
natureza.
Na época mais decisiva da sua vida, porém, estas
tendênciaspatrióticas de que acabamos de falar, passam
 ,./
52 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
a relacionar-se, também para ele, com a impressão directa
que Ihe causa, por então, a ciência europeia. Tinha
z6 anos quando foi pela primeira vez a Paras,para em
pessoa defender junto de Luas XIV e dos seus ministros
o plano, tão notável pela visão penetrantedo futuro
como pelo completo desconhecimentoda situaçãopolí-
tica coeva, de fazer desviam' para o Egipto o iminente
ataque francês contra a Holanda. Certamente,fracassou
no objectivo desta viagem, mas foi ela que Ihe permitiu
conhecer na capital da Franca e depois em Londres e
nos Países-Baixos a nova ciência matemática através
das relaçõespessoaisque então travou com os grandes
espíritos que a representavam.Tornou-se, ele próprio,
um matemático e um técnico de primeira ordem. A partir
de então a tarefa primordial a que se dedicou foi a
criação duma associação alemã para criar na Alemanha
um centro dos novos métodos de estudo da natureza,
integrando a sua pátria nas relações internacionais den-
tro das quais havia de efectuar-seo progressodo traba-
lho científico e de uma cultura nelas baseada.
Não pede então ainda cria-la desdelogo, tendo de
se resignar. Entretanto vai ao Hanover, entrando aí ao
serviço dum dos mais fortes dos pequenos Estados
alemães de formação moderna. A esperança de encon'
trai ali um terreno propício às suas aspirações, leva-o a
desconhecer a constituição moral desta Corte e a sua
próprio posição dentro dela. No Hanover nunca eQCon-
trou verdadeira compreensão ou protecção, nem para o
plano da sua Academia, nem para as suas restantes
ideias. Não obstante isto, a mudança para o Hanover foi
de imensaimportânciapara Leibniz; o seu lugar de
bibliotecário e a incumbência especial dos seus príncipes
E
LEIBNIZ'E A SUA ÉPOCA 53
levaram-no a englobar no âmbito dos seus estudos
também a História e as ciências suas auxiliares. Leibniz
não chegou--é certo--a tentar integrar o mundo da
História no seu sistema âlosóíico. Mas a História não
tardou em ingressartambém no seu iiieal prático de
cultura, e nos seus projectos ulteriores duma Academia,
quer em Berlim, quer em Dresda,a investigaçãohis-
tórica, no mais amplo sentido da palavra, não deixará
de ocupardoravanteo lugar que Ihe compete.Com
Pedra-o-Grande e com os seus novos amigos romanos,
os jesuítas,
a Rússiae o velhopaísmaravilhoso
do
Oriente, a China, entram também agora no âmbito dos
seus interesses e preocupações científicas. Aqui, adivi-
nhou perspectivas imensas para o comércio, a missão
cristã e científica e o próprio aprofundamento do Crise
tianismo e da ciência; e estas esperançasnão tardaram
em se condensarno seu espírito sob a forma de nume-
rosos planos de organização.
Este homem tmiversal procurou uma nova pátria
para si e para a Academia com que sonhava, como se
fosse um reflexo.do seu próprio ser.
Depois do casamento do filho do Grande Eleitor
com a princesa Soíia Carlota de Hanover, Leibniz vol-
ta-se para o Brandeburgo.Porém, tendo aí subido
ao trono o príncipeherdeiro,as condiçõesde vida do
Brandeburgo levaram Eberhard von Danckelmann, o
ministro que dirigia os negóciosdo Governo,a consi-
derar o Hanover um rival perigoso. SÓcom muita cau-
tela Sofra Carlota podia mover-senó novo terreno,não
podendo pensar em atrair para Berlim um servidor da
casa dos Guelras. Foi então que na própria Berlim sur-
giu o plano da criação dum observatório astronómico:
 54 LEIBNIZ n A SUA É?OCA
Logo que Leibniz souberadele,não tardou em !he querer
dar uma orientação decisiva, propondo que em continua-
ção deste instituto se fundasse também uma academia
de ciências.A reviravolta política que nestemesmo ano
!1 de i697 se produziu na Alemanha e, portanto, no Bran-
$ deburgo, fez com que esta esperançanão voltasse mais
a desfazer-se.A paz de Ryswick com a sua famosa c/á#-
szó/aque legalizava a conâssão católica, imposta à força
nos territórios reintegradosna Alemanha,voltou a agitar
mais uma vez o mundo protestante. O perigo parecia
tanto maior quanto era certo que o Príncipe Eleitor da
Saxónia acabava de converter-se ao catolicismo. A ideia
}Í duma união das confissões protestantes ressurgiu, apro-
ximando uin do outro os dois adversáriosda Alemanha
} do Norte, o Brandeburgo e o Hanover, que então enta-
bularam negociações sobre a questão. E como a derrota
política do Brandeburgo em Ryswick se atribuía a
Danckelmann, a esposa do Príncipe Eleitor conseguiu
l
derrubar o homem poderoso. O caminho estava livre
também para Leibniz e os seus planos. Participou.
muito activamentenas negociações.
Foi à sua sombra
@ que se iniciou uma viva correspondência entre ele
e Sofra Carlota, ousarão ele próprio dirigir-se já a Ber-
@ lím. Não deixou de continuar a lembrar constantemente
1.
o observatório e a associação, até Êcar solucionado
o último problema que era o dos meios pecuniários.
Efectivamente, desde que os Estados protestantes do
8 Império resolveram adoptar o calendário gregoriano,
ocorria monopolizar a produção e venda do novo calen-
dário, fundando-se sobre este monopólio as instituições
projectadas do observatório e da associação. O Príncipe
Eleitor concordou e Leibniz conseguiuo seu fim.
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 55
Recebidoo convite formal para vir a Berlim, esbo-
çou então os documentos fundamentais para a realização
da sua ideia: a Carta da Fundação, a Instrução Geral
da Associação,de xi de Julho de l7oo, bem como a
sua própria nomeação para presidente, de lz de Julho.
Constituiu-se uma Academia que no seu universalismo
iria ultrapassar tudo quanto o mundo até então tinha
conhecido em matéria de instituições congéneres.A asso-
ciação abrangeria todo o âmbito das ciências matemáticas
e físicas e das suas aplicações técnicas, propondo-se ao
mesmo tempo cultivar as Letras, nomeadamentea lín-
gua alemã e a história da Alehanha, profana e reli-
giosa.Determinou-se
que isso se fizessecom toda a
seriedade e todo o aparato crítico próprio do espírito
genuinamente científico da época, não por amor da
ciência em si mesma, mas sim por causa do seu valor
cultural. Pretendia-semelhorar a existênciahumana
em todas as suas manifestações e actividades; promo-
ver a agricultura e a indústria, as fábricas e o comér-
cio, as consciências
políticae nacional,
e por fim a
moral e a religião; pois na vida moral e religiosatodo l
o progresso estava dependente da razão e da inteli-
l gência. Este trabalho geral de cultura, considerava-o
Leibniz como o objectivo do Estado moderno então
nascente;era já o ideal político do Iluminismo alemão.
Pretendia-se que este Estado criasse numa Academia o
órgão supremo para Ihe fornecer os meios necessários
\
para a realização desta tarefa e que não desdenhasse
mesmo participar nela com propostas práticas. A Aca-
denaia constituiria, em suma, a justificação de todo este
trabalho, procurando conjuga-lo com a ordem divina
do Universo.

56 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
Estava enfim instituída a Academiae marcadaa sua
missão..Durante ii anos, porém, esta Academialevou
uma existência muito precária, antes de ser solenemente
inaugurada. A sua verdadeira existência só viria a devê-la
ao seu segundo fundador, o grande Rei. Pois o Estado
que o Príncipe Eleitor, Frederico Guilherme, criara, apesar
do seu governo extremamenteeconómico,não dispunha
dos meiosnecessáriospara as realizaçõesque Ihe im-
pusera.Com efeito, no reinado do seu sucessor,a vai-
dade dum príncipe fraco, aliada à falta de escrúpulos
dum favorito egoísta,acabou por levar as finançasa
um estado desastroso.Como então dispor de meios
especiais para uma sociedade científica? Esta teve de
sustentar-se a si mesma com as receitas do calendário
que aliás apenaschegavampara não agonizar.É ao
mesmo tempo penoso e divertido ler os pl'ivilégios que
l escondidas dele, um estatuto que o privou, de facto, da
a fantasia inesgotávelde Leibniz imaginou para a sua
fundação e os impostos futuros que premeditava; ver
como estas memórias passaram para o arquivo antes
de terem sido estudadas,e como se aprovou, mas
não se realizou, por exemplo, o seu plano predilecto da
cultura da seda.Uma tal sociedade,
na verdade,nem
podia permitir-se fazer despesasde envel'gadurapara
fins científicos, nem remunerar os seus sócios. Por
conseguinte,também não podia convidar eruditos estran-
geiros afamados.Te\rc de contentar-secom os prega-
dores, professores e funcionários duma cidade que
ainda não tinha uma Universidade, nem qualquer
outra instituição cientíâca. Por isso, entraram nela,
ã além de muitos eruditos laboriosos, pessoassuperfi-
,ti
ciais, preguiçosase nem sempre honradas. Enquanto
Leibniz esteve à sua frente, a sua personalidade cons-
]
LEIBN]Z E'A SUA ÉPOCA 57
tituía ainda uma certa garantia de a instituição não cair
poi' completo na inactividade e na indignidade. Na ver-
dade, foi só à fama europeia de Leibniz que a sociedade
deveu a sua primeira existência. Este foi incansável no
11 zelo que dedicou à sua obra. Cuidou dela quanto podia,
V
com as suas viagens e correspondência,
com as suas
constantes representações junto do rei, da rainha, do
príncipe herdeiro e de todas as pessoasinfluentes.
Conseguiu que a Academia publicasse o primeiro volume
da sua Mzsce/.ídmea
.BerZÍ eKiáa, que durante muito tempo
foi o'único publicado. O presidente que entra as 6o con-
tribuições aí contidas escreverasó à sua conta i2, podia
estar orgulhoso com a sua obra; cheio de optimistno
escreveuele próprio também o prefácio para ela.
Nem por isso a Academia Ihe ficou, porém, agrade-
cida. Os seus directores acabaram por fazer aprovar, às
direcção, e não descansaram enquanto até a modesta
remuneração que recebia, fosse, primeiro reduzida a
metade, e depois inteiramente suspensa, incluindo todas
as quantias atrasadas. Os discursos solenes da inau-
guraçãojamais falaram no nome de Leibniz enquanto
esteainda vivia, e depois da sua morte foi a Academia
l
das Ciênciasde Paria, e não a que ele próprio fundara,
que Ihe dedicou um necrológio! Em vida, Leibniz soa'eu
muitos insucessose insultos. Nunca Ihe custou esquecê-
.}
-los. A ingratidão da Academia prussiana, porém, essa
magoou-o profundamente. Lutou ainda, a princípio, a
favor dela em Berlim, defendendofranca e nobremente
a causaque servia, mais do que a sua pessoa,plena-
mentedigno de si mesmoainda nos assuntosmais
pessoais. E finalmente, só depois de perdidas todas as

58 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
esperanças,é que se retirou, abandonandoa Sociedade
ao seu destino.
Sofrida essadesilusão, Leibniz voltou-se para outras
perspectivas. Com a Corte saxónica de Dresda já não
contava, desde que a guerra da Polónia viera perturbar
a vida dos seus centros científicos. Mas o grande Czar,
pelo contrário, esseé que não perderade vista, no meio
de tantas atribulações, o objectivo pacínlcoda europeiza-
ção do seu império. Leibniã olhou logo para esta empresa
com uma atenção especial. Esperava poder dar assim
realização, por esse lado, à sua ideia de uma difusão
da cultura num terreno inteiramente novo. De facto, o
Czar aceitou de bom grado os memoriaisdum homem
da categoria de Leibniz, e não é sem razão que já se
afirmou terem tais sugestõesdado origem,.em parte,
às reformas depois realizadas na Rússia. E um desses
frutos foi, sem dúvida, a Academia que se fundou em
Sampetersburgo em i7z5 Mas também não tardou muito
que a Rússiapassassepara um segundoplano, logo que
Leibniz viu Hnalmentepoder realizar-seo maior desejo
da sua vida: estabelecer-se
em Viena.Julgavaele que
fosse para sempre e nisso se enganou. A amizadedo
Príncipe Eugénio e a protecção de duas imperatrizes da
casa dos Guelfos foram-lhe altamente proveitosas. Em
Viena, recebeu a categoria e o ordenado dum conselheiro
da Corte imperial e foi incumbido de importantes mis-
sões literárias e diplomáticas. Parecia ter conseguido
enfim o lugar por elesempretão ambicionadono campo
da acção.Aqui projectoulogo outra Academiaque, soba
sua direcção, deveria ser o centro de toda a política cul-
tural do Estado. Trabalhou para ela com o zelo incansável
}
de quem sabe que os seus.dias estãocontados.Porém,
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 59
mais uma vez, estando a obra quase concluída, tudo
voltou a estragar-se, desde que se tratou de conseguir
os meios financeiros indispensáveis para a levar a cabo,
t porque Leibniz não condescendeu ein aceitar a condição
pessoalque aí se Ihe exigiu: a conversãoao catolicismo.
Tal conversão, porém, pareceria um facto tão natural que
l
causou admiração em Hanover e Berlim o desmentido
dado por ele aos boatos a esterespeito.A sua saída
repentina de Viena ao recebera notícia da sucessãoda
dinastia de Hanover ao trono inglês, depois da morte
da Rainha Ana, foi o pretexto para se suspenderem as
negociações até ele regressar. Leibniz estava decidido a
voltar. Mas quis ver o que conseguiria primeiro em
Londres. Quando chegou ao Hanover, a Corte tinha já
partido para a Inglaterra, deixando ordem rigorosa
para que ele não a seguisse e para que acabasse a
.2Zzsfár;cz
das G echo.ç
de que estavaincumbido.Obe-
diente, meteu-se ao trabalho que absorveu todas as suas
energias. A sua única distracção era a correspondência.
As vezes, gostava de se abandonar por instantes aos
seus sonhos com a pena na mão. Era imenso aquilo
que ainda pretendia organizar e realizar. Via então a
R Terra literalmente coberta por uma rede de institutos
+
científicos. Todos estes institutos estavam virados para
o mesmoobjectivo da conciliaçãodos povos e da reali-
}
zação'do reino de Deus. Passadosdois anos, tinha já
+
levado a Hzs/cír/aaté ao termo que se propusera.Ficou
aliviado. b'las essesdois anos destruíram-lhe o resto da
saúde, e em i4 de Novembro de l7i6, finalmente,
Leibniz falecia.
Com Leibniz morreram todos os seus projectose
esperanças. A Sociedade berlinense, que ele conseguira

60 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
fundar, achava-se agonizante. Tudo 6lcava por fazei'.
Há como que uma fatalidadetrágica neste fracassodo
trabalho de organizaçãoem que este grande homem
empenhoua sua vida, nos obstáculoscom que nas
suas diversas tentativas sempre deparou e que, a não
serem produto do mero acaso, só podem explicam'-se
pela situação geral da época.
As Academias representam a ideia duma ciência
livre e duma cultura científica.como se sabe. Esta
cultura, porém, depende da condição prévia de os
poros terem atingido um certo grau de cultura geral, e
portanto, de os institutos de ensino secundárioe supe-
rior, e nomeadamente as Universidades, se compenetra-
rem do espírito científico. Com efeito, tais organizações
estão sempre directamente relacionadas com o desenvol-
vimento geral da vida e portanto com os objectivos da
mais poderosadas suas formas de associação,que é o
Estado. A missão das Academias-dependeda evolução
das Universidades como oâcinas do trabalho científico.
Este processo inicia-se -- é certo -- por toda a parte na
época de Leibniz, manifestando,se com maior vigor na
Universidadede Halle, instituiçãonova do Estadoda
Prússia. Mas é preciso não esquecer que foi preciso
um século ainda até ele triunfar e para se poderem
notar também os seus efeitos sobre a cultura científica
alemã.
LEIBNIZ E A SÜA BROCA 61
A nova cultura profana
{
l
O traço característico que domina a cultura intelectual
da Alemanha no século que vai da Guerra dos Trinta
Anos até ao reinadode Frederico-o-Grande,
estána
amhção deste povo, atrasado e desconhecido,de absor-
ver por todos os meios a cultura dos outros povos
sem dúvida superior à sua. A primeira consequência
disto revela-se nos muitos prejuízos bem como- numa
falsa veneração pelo estrangeiro, seus costumes e vícios,
que então se propagaram na Alemanha. Mas foi sobre-
tudo a civilização francesa, superior na sua forma e
beleza, a que, inclusivamente nos seus aspectos inferio-
res, mais impressionou os alemães.Os príncipes e as
Cortes não tardaram em ir buscar aí exemplos da mais
grosseira imoralidade. E, se existe realmente uma cultura
comum do Ocidente cristão, não é preciso recorrer à
explicação dum nacionalismo fanático para compreender
{
a evolução que a Alemanha então sofreu. De 'facto,
esta evolução era uma continuação orgânica das formas
!
da vida intelectual alemã, na base daquela maior inte-
i riorização do espírito que Ihe deu a Reforma.
A Áustria não participou nesta evolução.AÍ, o terror
da Contra-Reforma continuou ainda depois da conclusão
da paz de Vestefália. Os Habsburgos não permitiram
aos seus súbditos a mesma liberdade religiosa que a
paz garantiu ao resto da Alemanha. A heresia protes-
f

62 LE[BNIZ E A SUÀ ÉPOCA
tente foi exterminada.Sabe-seque a unidadereligiosa
da Casa imperial católica, que aí acttlou como factor de
coesão política entre os diferentes grupos étnicos, foi
durante muito tempo mortal para o seu movimento inte-
lectual. Na Idade-hlédia, a alegria serena dos austríacos
tinha, certamente,contribuído em muito para o enri-
quecimentoda poesia alemã; porém, mais tarde, as
llonsequênciasda submissãodum povo inteiro aos pode-
res eclesiásticoe político, foi o afundamento dessepovo
na mais grosseira vida material dos sentidos. A Austria
separou-se da vida espiritual da Nação; era o princípio
da sua eliminaçãodo Impérioalemão.Os territórios ecle-
siásticos,como aliás todos os católicos em geral, tive-
ram, em princípio, sorte idêntica. Em contraposição,a
cultura dos tempos modernos passou a desenvolver-se só
na Alemanha protestante. Com a igualdade de direitos
entre luteranose reformadose com a sua mais firme
posição jurídica, auxiliada pelo espírito de tolerância
nascidoda dura experiênciadas lutas e dos sofrimen-
tos anteriores,e ainda com a vida económicaque vol-
tou a animar-se, surgiram, com efeito, as condições
necessáriaspara uma singular aliança entre a religião
(uma religiosidade mais atenuada), e o pensamento cien-
tífico, bem como um novo estilo de vida e da arte, tão
característico do século que medeia entre a época da
Reformae Contra-Reformae a do Iluminismo.
A situação social da Alemanha depois da Guerra dos
Trinta Anos deu o seu carácterespecíficoa estanova
cultura. Permaneceude pé a estrutura social antiga
assente na distinção entre os Príncipes, os Nobres, o
Clero, a Burguesia e os Camponeses. Mas a guerra
apressou e intensificou a deslocação social que se vinha
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 63
já operando desde os fins da Idade-À'lédia. Ninguém
sofreratanto com a miséria da guerracomo o camponês
alemão. Quem não conhece as horrorosas descriçõesdo
S//#p//czk.çim#s? Muitas aldeias ficaram completamente
desertas.
E depoisde a paz ter acabado
com as
intervenções militares, começou a exploração do povo
com os serviços que o proprietário Ihe impôs e.com os
impostos decretados pelos príncipes. Completou-se então
a servidão dos camponeses, sendo só+graças à inicia-
tiva do Estado que foi possível voltar a desenvolver-se
entre eles qualquer cultura intelectual por muito modesta
que fosse. O declínio das cidades alemãs, de resto,
começara ainda muito antes da guerra, desde que a
comércio mundial tinha tomado rumos diferentese que
em volta da Alemanha tinham surgido os novos Esta-
dos nacionais. Depois ainda as consequênciasda guerra.
Arruinados o comércio e a indústria, diminuída e empo-
brecida a população, quebrada a antiga força militar,.
desprotegidasas cidades do Imperador e as do Império,
sem .defesanem umas nem outras tanto em face do
estrangeiro como dos próprios príncipes nacionais, as
raízes da vida intelectual da burguesia alemã, outrora
tão rica, encontraram-se totalmente destruídas. As cida-
des deixaram de ser os centros de qualquer cultura
nacional. O burguês perdera o sentimento do seu valor
e só erguia os olhos para cima, onde via realizados.
os seus ideais de vida. Nos territórios protestantes,
papel singular de mediação coube ao clero, represen-
tante junto das altas esferas dos interesses religiosos
e morais da vida, com larga interferência na educação
das multidões, para.toda a espéciede cultura intelectual,
embora também factor de uma cega obediência perante-
 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
a autoridade. Nesta posição ambígua, coube ao clero,
arrastado na corrente do pietismo, e apesar da sua
profunda submissão às autoridades, uma grande tarefa
na história da cultura alemã. Pouco a pouco, foram-se
também destacando, como classe particular, os pro-
fessores e os eruditos saídos dos estabelecimentos
de ensino secundário, embora, ein regra, recrutados
só nas escolas de teologia. A estes juntaram-se os
professoresuniversitários. Mas mesmo quanto a estes,
a sua dependência foi também sempre em aumento, à
medida que o Estado foi chamando a si a educa-
ção e oprimindo as corporações. E foi precisamente
neste ambiente social que o novo ideal religioso se
transformou no duma harmonia entre o Cristianismo,
a antiguidade e a ciência moderna, evolução esta
que não podia deixar de implicar lutas violentas entre
a ortodoxiae o progresso
intelectual
que não era
possível deter.
Deste modo, pode dizer-seque todas as transfor-
mações sociais alemãs foram determinadas pelo desen-
volvimento do poder dos príncipes.Porém, enquanto
que entre os outros povos esse poder contribuiu para
a sua unidade e prestígio nacional, na Alemanha e na
ltália só serviu para promover a desagregaçãoe a impo-
tência gerais. A .paz de Vestefálià coníirinou, como se
sabe, a vitória dos príncipes alemães sobre o Imperador
e o Império. Daí por diante, quem pretendesse conser-
var-se de pé no meio das lutas e confusão gerais, só
consigo próprio podia contar. Assim, os territórios, e
nomeadamente os maiores entre os seculares, torna-
ram-se naturalmente nos centros de formação política
de outros tantos Estados. Foi preciso quebrar a inde-
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 65
pendência da nobreza e das cidades,. -limitar a partici-
pação da Igreja no ensino e nas instituições sociais.
imprimir ao património das casasreinantes,constituído
por heranças, dotes matrimoniais. e conquistas, a forma
dum organismoadministrativo e económicohomogéneo
e aproveitar enfim todos os progressostécnicose inte-
lectuais, para conseguir dar um maior rendimento militar
e ânanceiro à nação. Os êxitos obtidos e os beneHicios
que para a cultura económica e moral daí resultam foram
diferentes nos diversos tenítórios. As únicas coisas que
se tornavam evidentes por toda a parte, eram a tendência
dos príncipes para reivindicarem para si uma plenitude
de poder que até aí nunca se tinha visto na Alemanha.
a renúncia a toda a resistência por parte da nobreza.
que passava a empregar-se nos serviços cortesãosadmi-
nistrativos e militares, e ainda o advento dum funcio-
nalismo educadonas .concepçõesdo direito natural e
inteiramente à disposição dos príncipes. Foram estes
elementosque proporcionaram ao absolutismodos prín-
cipeso instrumento com que ele, mais ou menos,triun-
fou por toda a parte.
Na maioria dos casos, porém, criaram-se apenas
blema só a Conseguiu dar a energia daqueles que soube-
ram fundar o Estado dos Hohenzollern. O maior perigo
estava sempre no exemplo aliciante da Franca: AÍ, como
se sabe, tinha-se inventado um sistema ânanceiro de
exploração dos súbditos pelo arrendamento dos impostos
aos grandes banqueiros due, não obstante o aumento
constante do ú?í@czf,tornava sempre possíveis despesas
cada vez maiores para fins militares e palacianos.até
se acabar na Revolução francesa. Desde que Luas XIV,
5
7
66 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
depois da morte de Mazarino, tomara para si às rédeas
do Governo, o' brilho dessa grande Monarquia e da
sua aristocrática cultura tinha-se convertido no modelo
a imitar por todos os senhoresreinantesna Alema-
nha, desde o primeiro rei da Prússia até ao mais
modesto dos príncipes.O novo idea] da existênciaape-
lava, antes de tudo, para uma nobilitação das formas
externas da vida. Tinha a sua mais elevada expressão
na vida social das Cortes.nas suas festas e na sua arte
profana. Perante o .Olimpo dos quadros dos pintores
franceses expostos nas sumptuosas salas dos seus palá-
cios, estes autócratas fàcilmente ée sentiam uma nova
espéciede deuseshoméricos, isentos da labuta e con-
dição dos míseros mortais situados muito abaixo deles.
Nada do que fosse susceptível de aumentar esta distân-
cia deixou de ser utilizado.
Era esta a atmosfera em que uma nova maneira
de encarar as coisas e novos objectivos da vida se
foram formando, de modo que aos súbditos oprimidos
nada mais restava do que habituarem-seà obediência
submissa e silenciosa, apreendendo nela a arte de, para
conseguirem alguma coisa das 3oo Cortesalemãs,terem
de lhes dirigir a cada passo toda a espécie de pedidos
de protecção,recursos e representações. Mas ainda um
outro aspecto desta situação merece ser focado. Além
das grandes questões religiosas que até então domina-
\
ram os espíritos, a personalidade dos príncipes, as suas
lutas travadas uns com os outros, ou com os seus
adversários internos pela conquista .do poder, bem como
l as intrigas das suas famílias tornaram-se o assunto que
cada vez mais prendeu o interesse público. Isto comuni-
cou um aspecto muito importante à evolução .da litera-
LEIBNIZ E A SÜA ÉPOCA 67
tura alemã. :Os destinos dos reis e homens.poderosos e
as vidas heróicas das pessoas. da: Corte constituíram.
comiüefeito, os assuntos da nova .tragédia de Gryphius,
do novo romancedo duque Anton Ulrich de Brunswick.
de Lohenstein, e dos poetas seus companheiros. Desen-
volveu-se assim . um novo estilo . artístico. Esta. poesia
aristocrática sobrepôs-se à arte popular que até então
se inspiravana vida da burguesiadas cidadese na
harmoniadas relaçõesentre a religião e o clero na vida
de todas as classes.
2
A concorrência destas diferentes forças que ajudaram
a estruturar a sociedadealemã deste.século e a sua vida
intelectual, deu origem a um novo tipo de homem que
foi o chamadoa levar entãoa .culturaespiritualalemã
a um grau mais elevado. As proporções em que nele se
combinaram os elementos antigos e modernos foram,
porém, muito ..diferentes, sendo dessa combinação..que
veio . a depender afinal a sua individualidade definitiva.
Nos grandesmestresda música sacrapredominou o
elemento eclesiástico e religioso. Moscherosch e Grim-
melshausen continuaram relacionados com a literatura
popular, . embora estes escritores se tenham .já inspirado
também na cultura profano-erudita..Opitz, Fleming,
Gryphius revelam um melhor equilíbrio entre a orienta-
ção religiosada naçãoe o novo sentimento: da vida
e do mundo: um interessepela política e pela his-
tória, pela ilustração do intelecto e pela educaçãoda
personalidade. E depois de Leibniz fu-se . sentir já a
aliança entre as ciências matemáticas, o sistema natural
 l
68 LEIBNIZ B A SUA BROCA
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 69

daà ciênciasmorais, a, nova teologia irénica, pietista e

mística, e a concepção teleológica do mundo (numa
uma obrigaçãomoral. E eis aí o novo.: nestaobrigação,
o elemento religioso vive em boa companhia com as
palavra, entre a Renascença,um novo Cristianismo e a
exigências do pensamento racional. É no equilíbrio
ciência moderna)que permitiu uma outra visão da rea-
destasduas forças que reside a posição única deres
lidade e que teve a maior importância.E, porém,na
caracteres.Homens como estes, serão patriarcas no
Filosofia que a universalidadedo génio alemãoalcança
agora a sua mais elevada expressão. .:governo da família, prudentes na orientação da própria
\
vida, e sempredisciplinados.Têm a mais rigorosacons-
Por mais heterogéneos que sejam estes ingredientes
ciência da sua vocação perante a vida, realizandoassim
e caracteres
culturais,todos elesnos apresentam
uma o ideal da Reforma. Mas nesta' consciência existe tam-
feição comum nova -e específica.Todos eles se baseiam
bém já algo do sentimento da própria personalidade
no protestantismo, embora dum protestantismo liberto
que caracteriza os representantes da cultura moderna
de tudo aquilo que tinha de estreito e de mesquinho. nos Países-Baixos, na França e na Inglatelra. Realizam
Acolheu-sea nova cultura profana, sem que o imora-
a sua missão, avançando a passo .firme, determinados
lismo da civilização francesa conseguisse exercer neles
pelos próprios objectivos que se propõem, mas sendo
a mínima influência. A maioria dos homens que repre-
ao mesmo tempo profundos conhecedoresdo mundo e
sentam este novo tipo humano desempenha funções
até mestres consumados na arte do convívio humano.
públicas, corporativasou municipais, universitárias ou
As suas criaçõesmusicais, literárias e âlosóâcas ates-
escolares; são súbditos leais e obedientes, mas mantêm,
não obstante isso, a sua independência moral profunda- tam-- e isto é o mais importante-- a conquistapessoal
duma consciência acerca do significado do mundo e da
mente enraizada na religiosidade protestante, na firmeza
vida. Os homens da Reforma foram os representantes
do seu sentimentofamiliar, num vigoroso sentido do
dever e na autonomiado novo espíritocientíficoque duma consciência colectiva da sua época; os vultos
irradia em todos os sentidos o ef,êas da sua liberdade. novos, porém, salientam-secomo personalidadesque
São na sua maior parte fortes individualidades,sobre como tais conquistarama sua posição em. face do
mundo. Por último, há ainda que relacionar com isto o
as quaisos convencionalismos do pensamento perde-
regresso da consciência alemã, no âmbito da poesia e
ram todo o poder, emboratenham conservadoainda os
filosofia, ao período da Reforma em que reinava ainda
quadros da sua organtzaçãosocial. As diferentes moda-
a autoridade da Bíblia. Os novos poetas e pensadores
lidades do sentimento e da paixão encontraramainda
sõ compreendem, com . efeito, o significado da tida
os seus limites dentro duma forte disciplina interna.
É aí que reside precisamentea altura específicada sua penetrandomais fundo e indo até uma região onde
consciência.Deixam.atrás de si a autoridade externa da reina não só o pensamentoracional, mas uma con-
Igreja, embora todo o seu ser estala determinado por cepçãomais livre do mundo e a reflexão pessoalsobre
aquilo que afinal confere à vida o seu valor. Assim se
qll
l
 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 71
70 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA

As personalidades
de que acabamosde falar come-
realiza, pois, neles um progresso considerável. A Reforma
çaram por se propor na literatura e na poesiaum objec-
tinha regressado,como se sabe,à simplicidade da emo-
tivo bem determinado. Dentro da poesia renascentista
ção religiosa. Esmagara o sistema objectivo dó'pensa'
mento eclesiástico.mas tornando o indivíduo de novo europeia foram elas quem procurou conquistar para o
indiferente perante o mundo e até inclusive (por culpa
povo alemãoum lugar, que ele no seu atraso não tinha
ainda obtido, com obrar de imorredouro valor artístico.
dos reformadores) . indiferente às mais justificadas exi-
Nisto deviam, porém, deparar com dificuldades extraor-
\

gências do pensamento científico e filosófico. Nuas,..à

partir desse momento, a verdade é também que nunca.
mais deixou de se pensar em recuperar, nas novas bases
religiosas, o traço de união com os progressos da res-
tante cultura espiritual. E é precisamenteesteo traço
de união que as novas personalidades então conseguem
conquistar. Aquele Idealismo da personalidade que já
se manifestara tão poderosamente no Cristianismo, em
l
Platão e em Cícero, eis aí a concepção geral clo mundo
.que continua a viver nos poetas e pensadoresdos"cem
anos que se vão seguir. A personalidade humana res-
ponsável, vinculada por uma lei interior mas liberta,
na sua união com o mundo invisível,. da' dependência
dos afectos e das paixões dos sentidos,eis o que pas-
sará .a sef a nota essencial para o homem alemão.
O que ele pensa do significado da vida dependedeste
ponto de vista, mas este cada vez mais decididamente
se baseia no pensamento racional. A força religiosa
espontâneaque assim porventura se perde, é compen'
l sada por uma outra força que compreendee orientaa
vida em toda a sua plenitude e profundidade,pela con-
vicção da necessidade e universalidade desta nova orien-
tação da consciência, bem.. como pelo sentimento
acordo em que a esse respeito se. acham todos os
tempos, povos .e religiões. Começa aí o Iluminismo
alemão.
dinárias. A evolução política e social da Alemanha tinha
impedido até aí a poesia alemã de seguir o grande cami-
nho que Shakespeareseguira: a aliança entre o popular
e nacionale os meios artísticose a belezaformal da
Renascença.Nenhuma grande e comum missão unia
B.
já as diferentes partes do povo alemão. Todos porfia-
vam só em manter a sua categoria social: o burguês, o m CD
comerciante com acesso ao conselho municipal, os clé-
rigos e os eruditos, e, acima de todos, a nobrezae os
príncipes. Mas a poesia artística e aristocrática dos fran-
cesestambém não era possível na Alemanha. Esta poe-
sia supunha uma evolução já adiantada da sociedade;
hábitos dum estilo elevado de vida entre as classes
dominantes ; a renúncia a prazeres e sentimentos gros-
seiros em benefício de outros superiores e mais espiri-
@
tuais; e ainda a prática de tornar conscientes estes
estados psíquicos e de os exprimir. Ora um tal desen-
volvimento social, que se produzira nas grandes cidades
italianas e nas Cortes de Madrid, Paria e Londres, não
tinha ainda sido atingido na Alemanha, onde não havia
lugar para .ele.A Corte austríaca, pelo seu lado, vivia à
sombra da Igreja católica e dos jesuítas. Nos microscó-
do
picos Estados alemães faltavam o espaço e os meios.
A efémera florescência das artes em Di'esda, durante
o reinado de Augusto-o-Forte, não estava integrada
 72 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
nas tradições do ambiente. E a tendência do primeiro
rei da Prússia para reunir em torno de si uma socie-
dade de artistas, filósofos e historiadores, logo teve de
ceder o passo no reinado do filho, a outras necessida-
des práticas e mais urgentes,bem como a um espírito
gemi-bárbaro, meio-pietista. Eram estas as razões por
que naquela época não podia aparecer na Alemanha
uma duradouraforça de criaçãopoética.Espíritossubtis
como Opitz, personalidadesimportantes como Fleming
e Gryphius, um elevadoestro poético como o de Grim+
melshausen, lograram, é certo, alcançar fama e atrair.o
interesse dos contemporâneos. Mas existia em volta
deles uma barreira oculta, que nenhuma vontade nem
nenhum talento eram capazes de derrubar. Mesmo às
mais altas personalidades faltava aquela mobilidade
fácil do sentimentoque só pode ser um produto da
vida e da sociedade, das fundas emoções e da profunda
compreensãodas grandes existências, tanto na história
como na actualidade.A sua imaginaçãocriadoraestava
como que coagulado, presa em esquemas, e era por isso
l incapaz de se elevar até à complexa totalidade da exis-
t Por isso era natural que o movimentoliterário que
tência humana. As suas criações, envolvidas na atmos-
fera dos gabinetesde estudo e das Igrejas, cheiravam
K a mofo.
O que mais saltava à vista era o lamentável estado
da língua alemã. Esta tinha uma incomparável capaci-
dade de expressãopara a intimidade da vida religiosa.
Mas que atraso na prosa filosófica, na discussãoe
reflexão livre e fluente. e em todos os outros recursos
que exigem as formas da vida sociall As literaturas
europeias modernas estavam condicionadas pela exis-
tência de distintas d//e.ç nas capitais e Cortes da ltália,
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 73
da Espinha, da Franca e da Inglaterra. Havia em volta.
delas, a -alimenta-las, uma reflexão fortemente desen-
volvida sobreas coisas do mundo e da vida. Os seus
fundamentos estavam numa prosa nacional. Na sua
linguagem poética, exprimia-se uma diferenciaçãosubtil
dos sentimentose das concepçõesobjectivasdas classes
dominantes. Na Alemanha, nenhuma .sociedade culta
dispunha do vocabulário necessário para a conversa-
ção e exposição elevada de quaisquer assuntos,para
a expressão de quaisquer paixões sublimes, para a
graça do estilo poético, selecto e elevado,acima da
linguagem popular e corrente. Para satisfazer as exigên-
cias do verso e da rima, as palavrasabreviar'am-se
ou
ampliaram-se sem escrúpulos. Assim, mesmo na leitura
de . Fleming e Gryphius, é mister eliminar constante-
mente as imperfeições da expressão linguística, estando
por isso estes autores hoje quase totalmente perdidos
para nós. Na prosa, a imitação dos antigos originou
os períodos extensos, enquanto que a influência dos
modernoslevou às mais extravagantes
misturasidio-
máticas.
durante a Guerra dos Trinta Anos se iniciou, nomeada-
mente entre os funcionários letrados, eruditos e clérigos,
começasse
por se esforçarpor uma reformada língua
e da arte da versificação estreitamenteligada com ela.
Para esse fim, teve de recorrer à imitação das literaturas
estrangeirasjá formadas. Weckherlin que foi buscar ao
estrangeiroa nova lírica artística, foi o primeiro a intro-
duzir na literatura alemã a linguagem forte,.repleta de
vigor, a estrutura dos versos e das estrofese o aparato
mitológico da poesia renascentista.Em Heidelberg, sob a

74 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
influência da Corte, criou-se um centro para esta nova
orientação estética, com Schede e Zinkgref. A Saczbdade.
Fecunda (Fruchtbringende Gesetlsclmjtà \õ=lnbEm \xaba-
íhou no po]iciamento da ]íngua, pe]a libertação
estrangeirismos e pelo desenvolvimento da arte de ver-
sificação.
Foi no meio destas aspirações que surgiu a figura
de Martin Opitz. Opitz partiu do estudo dos antigos e
da poesia renascentista contemporânea. Impôs-se, em
primeiro lugar, a tarefa de regularizar a versificação
caótica, e pode dizer-se que a conseguiu realizar para a
sua época; estabeleceucertas regras razoáveis e deu o
exemplo de uma nova harmonia nos seus poemas.Aban-
donando a mera contagemdas sílabas e dando toda a
importância aos valores tónicos, regressou à lei métrica
fundamental da poesia alemã, segundo a qual o acento
do verso é determinado pela acentuação das sílabas no
discurso. Conseguiu realizar com maior vigor, embora
com maior monotonia, a igualdadenuméricadassílabas
nos diferentes pés dos versos. Protestou ainda contra
l momentos, contudo, acresceuum outro que teve a sua
as constantes violações da língua em benefício da
{
+
estrutura dos versos, e exerceu, dum modo geral, uma
acção benéficano interesseduma língua alemã mais
vernácula. Regulou a rima e deu maior realce às noções
da nova poética, desde Scaliger, sobre os diversos géne-
ros poéticose o seu valor. Como poeta,tentou quase
todos os géneros. O melhor, porém, conseguiu-o nas
suas canções. Animam-no a religiosidade protestante, o
valor da lealdade, uma concepção ao mesmo tempo
serena e jocosa do amor, e o encanto dos prazeres
moderados e das alegrias razoáveis. Experimentado pela
vida, nunca deixou de pregar a tolerância
l
LEIBNIZE A SUAÉpoCA 75
Porém, . batendo-se apenas por uma aliança exterior dos
elementoscristão e profano, não se elevou ainda até
aos novos conteúdosda poesia do futuro. A sua força
de
está toda numa maior harmonia do verso que reside
sobretudo no seu vernáculo. Os seus versos estão
banhados numa luz clara e sempre igual, não havendo
neles, porém, fundos crepusculares.
Assim se desenvolveua arte da poesialírica na
Alemanha.Foi nela que primeiro se exprimiu o senti'
mento da vida do homem moderno. Dentro da religio-
sidade alemã é que se realizou esta mudança de valores.
Os dogmas passaram para um segundo plano, mas a
concepção religiosa do sentido da vida, manifestou-se
tanto mais livremente. Estes homens profundamente
sériosviviam na consciência
da incertezae instabili-
dade da vida, que tinham aprendido com a experiência;
era aí que mais SQevidenciava neles a essênciada relia
giosidadeprotestante,com a sua confiançana previ'
dência e o sossegoda alma «justificada» pela fé. A estes
origem no estoicismo holandês. Este penetrou toda a-
literatura neerlandesa.Era o espírito seguro de si
mesmo na sua própria profundidade e ao mesmo
tempo na certeza dos seus princípios racionais. Fleming
e Gryphjus são os representantes deste novo conteúdo
da poesia. Numa direcção diferente, a lírica de Angelus
Silesius abraça também a substância metaHisicada vida,
e outros poetas menos importantes chegam ainda a
conquistaruma atitude nova, mais coerente,livre e
satisfeita,perante o mundo e a vida.
Fleming é um génio lírico. Na sua forte e significa-
religiosa.
tiva personalidade a vida provoca constantemente emO-

76 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
iões fortes e múltiplas que tendem naturalmente a
encontrar a sua expressão na melodia dos versos.
Apreciou a música, mais afim do seu talento, e numa
das suas odescelebrou o maior músico seu contempo-
râneo, Heinrich Schütz. A ânsia de aventuras levou-o
a países longínquos. Abria a alma a todos os aspectos
do mundo. Levou uma vida rápida, quaseimpetuosa,
que cedo o consumiu. Os sentimentos expressos nas
l
suas canções já não são classificáveis pot categorias;
acham-se antes compenetrados e amalgamados dentro
de uma concepção , coerente e grandiosa
ficado da vida. Resigna-se como Walther von der
Vogelweide :
üV'ett, gute Nacltt, mit aLlem deiael+t 'Wesen
Gehab ãich wohl!
/on jetzt an schming ich mica,
Frei, ledig, los, }toch {Lbermica wnd diclt.
A vida afigura-se-lhe mais fugitiva do que os relâm-
]1
pagos: tudo é o mesmo que nada, e o homem é a som-
ll
bra deste nada. A única coisa que perdura é a inspiração
do bem supremo, para além da alma: só esta eleva e
enriquece a vida. A maia profunda expressão poética
deste sentimento da vida, constitui-a talvez a sua poesia
sobre a morte duma criança, ocorrida pouco depois de
nascer :
yst's denn sclzon 'lieder uertoren }
X'ar es doer küu,m erst geboren,
Das geliebte schõne Kiltd.
Es .mar wie dcts Blllmclwn Tauselüschõn, dcts
r
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 77
Mit dem jrühen Tag entsteltt,
b Mlit ihm waclat.
Mit ihm scheinet, mit ihm cachet,
'!
So auch mit ihm untergeht.
f
KLeine Tochter, sei nun selig,
l U7ã zewchans azch stets attmãhtich
Naco dir auft ?ü himmelan,
Diesel Korb volt Anemowen,
do signi- Der der Frost stets solauerschonen.
Streuen i aufdeine Glmjt.
Schlaje rithsam in dem KÜ,hlenl
Um diclt her solaewig spielen
Die gesutüeMaiezluft.
O sentimento estóico da vida, porém, tem a sua
expressão suprema no poema Zl# i/ me.fmo(H Sü41
cujo título já por si lembra a obra imortal de Marco
A.urélio. Num grande gesto poético, desfaz-seaí de todas
as vaidades e de todo o efémero, sendo desse esfumado
nevoeiro que depois tiram a sua origem todas as coisas:
t
Sei denzoch unnerzagt, gib deznoch anuerLoren,
Weich keinem Glücke nicho, stelt hõhr ats der Nela,
\rergnügedica ün dir, K?ü achaesfür hein Leia,
Hat sich gteich widerdich Glück, Ort und Zeituerscllmoren.
Was dica betrãlbt u,nd tabu, Itatt ütles fila erkoren.
Nimm hein Verltàzgnisün, masselles uzbereut.
Tu, wüs getas mass seio, wnd eh man dias gebewt.
Wüs du, noch}toJJenkannst, das witd wochstets geboren.
l
Wctsktagt, was tobt maz doch} Sem Unglãlcku?üsein Glilcke
 78 LEIBN]Z E A SUA ÉPOCA
lst ihmt ein feder selbst. Scltau alce Sachenan.
Dias ares ist in dir. Lass deinew eitlen Wahn.
:J+tdeh du jõrder gehst, se geh in dica zurücke.
Per seàn selbst Meister ist und sich beherrschelt kann.
Dem ist die uleite WeLt u.td ares untertan.
Desta soberania da personalidade bem segura de si
mesma é que decon'e o seu estilo grandioso que, com
todo o vigor, se manifestano epitáfio por ele feito para
o rei Gustavo Adolfo da Suécia, bem como naquele
que para si mesmo escreveu no leito da .morte. Daí
promana também aquela liberdade de alma que ale-
gremente se entrega a todos os momentos vigorosos da
existência terrestre: à pátria, à natureza,à amizade,à
glória e ao amor. Para ele como para todos os grandes
líricos, em geral, o amor é o grande foco da poesia.
E aqui são igualmenterealidadesbem vividas que nos
apresenta;aí, o vigor são e sensualconfunde-secom a
nobreza e a lealdade moral. É esta, aliás, a forma própria
da sua lírica. Como em Gryphius, Paul Gerhardt e outros
poetas menos importantes da época, a sua expressão é
sincera e realista. Não se limita, como a poesia do classi-
{
cismo alemão desde Hagedorn e Uz até Goethe e Schiller.
a salientar na vida apenas os momentos de um subli-
mado.caráctersentimental. Tão-pouco exclui aquilo que
a nós se nos afigura prosaico. Neste aspecto, é-nos estra-
nho. Todos aqueles poemas respiram, com efeito, um
impulsivo dinamismo. Avançam em frases curtas, conci-
sos, muitas vezes sem fôlego, penetrados pela melodia da
língua. Fleming domina todas as formas, desdeo tom das
canções populares até. ao estilo artístico renascentista.
Os seus sonetos não encontram par, antes dos de Bürger.
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 79
A mesma cosmovisão se manifesta ainda na lírica de
Gryphius. A vida deste é, porém, ainda mais afectada
pela guerra, pelas devastações e epidemias, pela falta de
interesse nacional na poesia, e mais sinistra é a cor
dos seus sentimentos. Mas mais complexa, concen-
trada e poderosa é, por outro lado, a sua personalidade.
A expressão
da lírica de Gryphiusé umaenergiacon-
densada, sublime, transbordante de imagens, só compa-
rável ao estilo baroco. A sua forma é duma perfeiçãc>
singular. -Também não se abandona, como Fleming,
às múltiplas impressões da vida, e os seus versos care-
cem da fluência musical.
Num soneto .dirige-se às estrelas, exclamando que
perdeu muitas noites acordado, contemplando-as:
Herotden diesel Zeit, wann uird es doer gesckehen,
mass ich euch.
Von avderlt Sorgen frei, mera enter mir besehen}
As quatro poesiasnas quais nos descreveas tonali-
dades característicasda manhã, do meio-dia, da tarde e
da meia-noite, elevam-seàs mais elevadasregiões da
poesia. A manhãs Apagam-se as estrelas, e no ceu cin-
zento nasce a aurora. Desperta o vento suave. As aves
saúdam o novo dia :
O dreimal hõchste Machtl
Erleuchte deu, der siclt itzt =beugtuor deinen Filssen \
Vertreib die dicke Nachx, die meiae Seet umgibt.
O meio-dias O sol encontra-se no zénite; as setas
7
dos seusraios fazem murchar as flores e secaros campos«
 P'
80 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
Calam-se as aves; por toda a parte reina uma orgia da
luz. Que descriçãoda hora em que o poder inexorável
da luz faz parar o mundo, emudecertodos os sons,
paralisar todos os movimentos ! T--A tarde l
Der schneLle Tag ist hin \ die Nacht scttmingt ihre Fcthn
Und jührt die Sternen auf. Der Mezschen 'mildpe Scharew
V'erlassen Fetal un(l Werk; 'wo Tier und Võgel mares,
T?aurt itzt die Einsamkeit.Wie ist die Zeit 'oertün\
Gleich wie pies Licht 'uer$tet, se 'wird in 'wenig yahren
lch, da, und 'was man tmt ulÜ wüs man sieht, hinfahren.
A noites Solidão, silêncio : apenas as paixões incan-
:sáveis-estão despertas :
Sterbliche ! Sterbtiche \ Lüsset ates Dichten \
MorgeK, ccchwtorgen, ach mass mau hiwziehn\
Ach wir uerschmivüen gteich als die GesPeltste,
Die ttltt die StlLndans erscheinntutt(]p
.$ieltn.
:1
Com Angelus Silesius,por sua vez, o lírico que
.seinspirava íio novo sentimentodo significado da vida
toma um rumo diferente. O ponto de apoio da vida, não o
encontrou na autonomia pessoal, mas sim, na elimina-
,çãodo Eu, no termo de todasasambições,no fim do
sofrimento, no sossegoem Deus, no qual não têm já
existêncianem o tempo, nem a vontade,nem o saber,
e que estápresenteem toda a parte do universo e em
todos os indivíduos.
Há formas mais ligeiras do novo sentimento da vida,
.que encontram a sua expressão em diversas escolas
poéticas da Alemanha, frequentemente aliadas à música,
)
LEIBNIZ X'A süA.ÉPOCA 81
mas muito desenvolvidas. No gi'upo de Kõnigsberg, des-
taca-seo talento lírico de Simon Dach que liga à poesia
artística opitziana um elemento popular de simplicidade
e intimidade. A música e a lírica estãointeiramente conl-
penetradasuma na outra. Como em Fleming,que é
quem mais se aproxima dele, há ao lado da serenidade
uma profunda melancolia:
Wie ein Schaumt aufwitder FLat.
Die die Witü erlteben.
Wie der RciwchuoTZenter Glut.
So uergeltt mean Lebelt.
A Escola de Nurembeiga segue a orientação da poe-
sia bucólica dos italianos. Este bucolismo alemão,'que
parece tão ridículo e incompreensível, outra coisa não
revela aânal senão a saudade duma perfeição desapare-
cida da existência. Nela, um forte sentimento da natureza
encontranovas formas da expressãolinguística,desen-
volvendo-se numa grande variedade -- embora muitas
vezes superficial -- da estrutura estrófica e do enlace dos
\-ursos.Graçasà sua posição neutral, Hamburgo, apesar
de tudo, prosperou no meio das tempestadesda grande
guerra, surgindo aí uma vida intelectual autónoma.Ao
lado de eruditos como Joaquim Jungius, escritores como
Baltasar Schupp, e uma série de bons músicos, apare-
ceram Philipp von Zesen e, na sua vizinhança,Johann
Rist. Nestes,a ambição da grandezalírica' é' mais
poderosa do que a da profundeza da alma. Assim, desen-
volvem-s& neles afectos artificialmente intensiâcados.
acumulações de imagens e de fortes palavras. A este
despeito,são, sem dúvida, os poetas da segunda Escola
 S2 l,EIBNJZ E A SUA ÉPOCA
e silesiana, Hofmannswaldau e Lohenstein, na Alemanha,
quem marca o ponto mais alto atingido por aquele
l estilo poético que se parece com o bacoco:.dasartes
plásticas, e que,' sob as diferentes denotninações dos
vários críticos, domina toda a literatura europeia.
Na Escola silesiana,este estilo apresenta-sepomposo,
com a púrpura, as pérolas e o ouro das composições
singulares e complicadasdas palavras e das acumula-,
iões de adjectivos, abundando nas sensaçõesfortes da
sensualidade aliciante e do terror;
A partir do sexto decéniodo séculoxvn, porém,
este carácter'da líi'ica alemã modifica-se. Surge uma
reacção contra o estilo bacoco. O estilo francês, definido
por Boileau, na sua 2oe'/zca, principia a exercer a sua
influência. É então que Christian- Weise inicia a :sua
carreira na Leipzig erudita com o seu ambiente de grande
cidade. A sua lírica é a expressão dum sentimento sereno
da vida, duma atitude moderada, razoável perante ela e
a morte, num estilo.simples e claro. Por toda a parte
se aRrma esta transição do estilo baroco para o do
classicismofrancês. Na Berlim do primeiro rei da Prús-
sia, novo centro da ciência, da filosofia e das belas-artes
alemãs, Canitz, Besser e Neukirch são os representantes
da nova moda na lírica. A história da literatura con-
servou-nos os seus nomes.
4 para a poesia, correspondia simplesmente ao interesse
As duas grandes formas da poesia deste século,
constituíram-nas
o romancee o drama.A épocada
epopeia.já tinha passado na Alemanha, e a verdade
LEIBN]Z E A SUA ÉPOCA 83
é qne nenhuiüa poética renascentista conseguiu ressus-
cita-la.
O . século xvii passou das transformações prosaicas
da poesia cavalheiresca, como os i'omances do Amadis.
para as criações da fantasia autónoma. Aparecem simultâ.
neamenteo romance artístico e cortesão e o romance
popu].ar de .costumes. Na sociedade aristocrática da
}'lança, como é notório, a participaçãodestepaís numa
política mundial e a condução da guerra acompanhavam
de perto a participação nas festas e inti'igas da Corte.
Todos os cortesãos e todas as damas tinham nas suas
mesaslivros de memóriase romancessociais e modais.
Foram estes romancesque serviram de modelo ao
romanceartístico na Alemanha onde dominou a poesia
narrativa da segunda metade do século xvn. A ..4dmb-
:isclle Rosamultd, Üe Zesen, Q Herkules und Valiska. àe
Buchholtz, a ..arame/za e a -Rómzkc»z'
OÉ/au/a,do Duque
ànton Ulrich von Braunschweig, os in-fólios do ..4rm/.
/z/#.f de Lohenstein e a .4i/a/üc,êe .82z#isr, de Ziegler,
eram as obras mais celebradas.Por detrás da capa dos
contos históricos dos primitivos tempos germânicos ou
da vida nas Cortes dos Césares]'omanos, aparecempor
toda a parte os sucessos e as intrigas contemporâneas.
como, por exemp].o, a sorte misteriosa da princesa de
Celle, Esta mistura de actualidade e passado,da história
com a poesia,que tão perniciosa é para a história como
do público, e a verdade é que tanto os in-fólios dos
romances históricos daquele tempo, de estilo baroco.
como os muitos volumes de romanceshistóricos dum
passado ainda bastante l.agenteencontravam leitores
igualmente entusiastas.Não se deve contudo menos-

84 LEIBN[Z E A SUA ÉPOCA
prezar a sua importância. As suas ficções desenvolveram
a fantasia. Neles ia tomando forma a poesia narrativa.
l Ensinaram a tornar a narração mais interessante com
enredos e desfechos. Ligavam grupos separados numa
acção comum; contínua. Tornaram-se um elo importante
l na cadeia entre. Fischart e Wieland.
Este romance artístico, porém, desapareceupara
sempre. O S/mzp//çlsizmwi, de Griinmelshausen, pelo
contrário, continuará vivo até aos nossos dias. E o pri-
meiro romance alemão de costumes. Continua a arte
narrativa popular que já prosperava com Hans Sacha e
Fischart, e cujo ambiente foi ainda o de Lauremberg,
Moscherosch e Schupp. Todos estesautores encaram o
mundo com sinceridade e realismo, repletos dum prazer
humano e livre; O seu nacionalismo leva-os a ambicio-
narem exercer uma influência sobre .avida do seu povo.
Assim, o seu teor é, pode dizer-se,didáctico. O escâmio,
o humorismo e a fê indelével no povo imprimiram ele-
vada harmonia ao seu estilo realista,vigoroso e muitas
vezesberrante. A linguagem era mais pura, o sentido
da composiçãomais afinado. Mas o S//nP/fc;/s.ç/mx.ç foi
l o único que chegou a criar nestasbasesa nova forma
do romance de costumes, não tendo antes de Wieland
sucessor
queo igualasse.
O seumodelofoi aindaa
arte narrativados espanhóis,que produziu o romance
picaresco e aventureiro. Como este, a sua imitação alemã
compõe-seigualmente de aventuras sigulares. Assim, o
mundo apresenta-secomo domínio do acaso. O poeta
contemplaas ladroíces,tanto entre as altas persona-
genscomo entre os vagabundosà sua volta, com fere,
nidade e até cheio de uma irónica e risonha satisfação.
Mas esta diFposiçãamental alia-se a uma profunda
]
l
l
[,EIBN]Z E A SUA ÉPOCA 85
seriedade alemã, religiosa e moral. O poeta viveu como
.il
l
outros, igualmente filhos da Guerra dos Trinta Anos.
os sucessoshorrorosos, em que todos os destinos indi- l
viduais se .acharam dependentes dos da nação. A sua
posiçãoincomparávelna literatura alemã do séculoxvn l
está determinada pelo facto de ele próprio ter sido sol-
dado, de ter assistido a todos os acontecimentos e vivido
todos os sofhmentos àue descreve. O seu génio narrativo
pi'oduziu o quadro mais verdadeiro e ompi'essionante
que se podia desejar daquela vida da soldadesca selva-
gem, da sua brutalidade e imoralidade, dos seus prazeres
violentos na luta quotidiana pela existência,da suafuti-
lidade e desesperos bem como dos sofHmentos indes-
critíveis da população e da ansiedade destes homens
pela solidão e pela paz. Esta vida e as suas emoções
flzeranl nascer nele uma concepção exclusivamente 'sua
do significadoda vida, nisto se elevandoacima de todos
os seus modelos estrangeiros. Embalado pelo acaso,
tornado um .joguete da fortuna, ora malfeitor, ora ben-
feitor, perdendo ou desperdiçandologo aquilo que uma
vez adquiria, disposto sempre a novos feitos e novas l
dores, o seu protagonista evolui da ingenuidadejuvenil
do simplório inocente (como já o próprio nome"o diz)
até chegar a uma filosofia que acabapor Ihe conferir
uma posição característicaentre estesdois extremos: o
gosto de vivei' e a renúncia à vida. Talvez que estasín.
l
tese de gozo profano e grosseiro duma geração impetuosa
e nostálgica
da paze da solidãono protagonista
do
]'omance,exprima de facto a mais genuína característica
da mentalidade da época. E o própl'io poeta assume uma
atitude igual à do seu prQtagonistq:: uma atitude de herói.
Leva-nosa vivermos com ele o carácterproblemáticodo l
l
 86 LE[BNIZ',E A SUA'ÉPOCA
mundo. Toda'uiaparece que o contraste:entre a relógio:
cidade cristã e a,nova consciência profana não se resolw
l nele numa unidade tão harmoniosa,como aconteceem
Gryphius, ou, embora duma maneira diferente, em Ange-
lus Silesius. O seu coração divide-se entre o homem do
l mundo e o asceta.A sua imaginação oscila entre pro-
fundas visões da vida dum alemão, que às vezes lem-
bram o Parxzuzz/, e a poesia mais genuinamente alemã
da paz florestal (a canção popular do ermitão: -Kbm#z
7}asf der l)}'e/f,o NacZz/zka//)e, por outro lado, um caso
de sensualismo. e brutalidade selvagem. Quanto à forma,
também a linha ârme duma evolução se acha constan-
temente perturbada não só pela leviandade com que se
abandona a qualquer sugestão da sua ardente fantasia,
como pela inclinação,.própria da época,por tudo o que
é estranho, colorido, informe e baroco. Assim, este
romance é, pode afirmar-se, o imoredouro monumento
poético daquela época brava.e confusa da qual o povo
alemão, embora muito a custo, teve de sair.
A poesia narrativa no estilo do Sz/m@/üzsszz#wi
con-
tudo continuou a acompanhar o romance cortesão,
Grimmelshausen acabou por contar as viagens aven,
turosas do seu protagonista,que desembarcanuma ilha
paradisíaca,onde se instala, qual primeiro Robinson
alemão. Daí por diante, os romances de viagens e estas
robinsonadas estiveram muito em voga, até acabarem
U por provocar uma paródia feita por Cristiano Rentera
todo esse género literário (as viagens do valente ScZze/-
;#ze,(X=ê7)
na qual, sentado estenum canto do seu quarto,
inventa as maiores mentiras a propósito das suas aven-
turas em países estrangeiros, qual um génio da.mentira,
só comparável ao Barão de A'lünchhausen.Os romances
LEIBNIZ,'E A SUA ÉPOCA 87
satíricos .do excelente pedagogo Christian \Veise dão-nos
uma moral trivial. Nos seus -Dré'/ãrgs/e#.Erz7zae
rOS frêç .?zoreJarg z/o/os), porém, encontra-se uma dis-
posição alegre, imaginação sã e linguagem natural e
fluente. Aqui manifestam-sejá os elementos para uma
continuação do romance de aventuras e. viagens, em
que se dá o encontro com homens curiosos,já em estu-
das, já em diligências e estalagens.Os PzZ,êa,Ü.ê
/)aperJ
de Dickenssão a supremarealizaçãodestegénero.
5
Na literaturaeuropeiados séculosxvi e xvn o'drama
foi, como é sabido, o herdeiro da epopei%na sua apre-
sentaçãomais concisa, conscientee profunda, tanto do
grande mistério da vida humana, como das relações
que se dão entre o carácter, a acção e o destino.
Na Inglaterra, na Espanha, depois nos Países-Baixos.e
por fim na Franca, o drama acompanhou a época da
grandeza nacional e da elevação de nível da existência
social nesses países. Em cada um deles, o drama foi, com
efeito, a expressãosuprema da cultura nacional. É muito
característicoque os italianos e os alemães--as duas
nações que precisamente não possuíam ainda nem
um Estado.unitário e progressivo,nem uma capital
centralizadorada vida nacional--também não tenham
conseguidonaquela época desenvolver a arte do grande
drama em criações definitivas. Nestes dois países, toda
a energiada arte que actua atravésdo tempo, da acção,
do som e da palavra, concentrou-se, por assim dizer, no
drama musical, ou seja, na ópera.
 88 LEIBN]Z E A SUA É?OCA
Os bons começos do drama popular' na Alemanha
do. século xvr não podiam deixar de falhar, depois
de desagregado e reduzido o movimento nacional da
l çou a cultura erudita do seu tempo. Chegoua conhecer
Reforma. O que dele ficou, a farsa grosseira, confun-
diu-se na primeira metadedo século xvn com os iní-
cios do drama artístico em Johan Klai e Rist. As
poesias para determinadas ocasiões, alegorias, dramati-
zações clássicas ou i'elogiosas,l representaram-se nas
Cortes, nas escolas e nas igrdas, ou então levaram
uma existência apenas literária. A estas veio juntar-se
depois o drama histórico, baseado na consciência política
e histórica cada vez maior da nação.Os sucessose as
situações actuais, uma torrente de publicações de
documentos, de manifestos, relatórios, memórias. bio-
grafiase crónicas,os princípios do jornalismo, as obras
duma historiografiamais importante, ofereceramaqui
abundante matéria. Faltavam, porém, a linguagem eno-
brecida e :um estilo já formado. Nenhum teatro havia
que proporcionasse à produção poética o ambiente e a
orientaçãomímica da acçãovisível em facedo poder da
palavra. Os modelos não podiam portanto ir-se buscar
{
a nenhuma tradição nacional viva, mas apenas às lite-
raturas estrangeiras. Nenhum vislumbre de grandeza
nacional havia que pudesse inspirar estes dramas e
mover os seus protagonistas.Assim, õ drama alemão
sucumbiu em face da ópera. E assim, também o génio
dramáticodum Gryphius não chegou nem sequer a
atingir a sua plena evolução nem a exercerqualquer
}.
influência permanente.Dele pode dizer-seque surgiu e
desapareceu como um meteoro.
Andreas Gryphius nascera em i6i6, ano em que
Shakespeare faleceu. Filho dum pastor protestante da
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 89
Silésia,nunca deixou de viver nas tradiçõesda sua reli-
gião. Ao mesmo tempo, porém, nos Países-Baixos,abra-
l a França e a ltália; entreteve múltiplas relações com a
nobreza e os príncipes da sua terra, e encontrou-se
envolvido em muitos negóciosdiHlceis.A sua vida teve
também a marca da Guerra dos Trinta Anos. Sob a,
Í.
acção de tais elementos acabou por se tornar um dos
mais firmes e vigorosos caracteres daquela época, o
que encontrou expressãona forma artística perfeita das
suas obras. Na verdade, é precisamente na equilibrada
economia das palavras que reside um dos efeitos mais
fortes do seu estilo. A natureza dotara-o duma fantasia
que nunca se satisfazia com a grandeza sublime das
cenas e figuras que observava. Os sofrimentos da grande
guerra, acumulados na sua vida, imprimiram a esta fan-
tasia a sua orientação no sentido do terror, dos súbitos
golpes do destino e da acção da vontade sobre a dor.
A superstiçãoà sua volta encheuos seus dramasde
bruxedos e fantasmas. A tendência mais forte=deste
espírito, constituía-a, porém, uma melancolia cismadora
fomentada pelos seus estudos filosóficos. :Nenhum poeta
Í dramático anterior a Schiller deu ao drama, tanto como
Gryphíus, o carácter duma concepção pessoal da vida
e da história. E também ele soube .já servir-se (como
mais tarde Schiller, na .8/azí/ ao MPS.f//za) do coro,
.}
para elevar a acção trágica a uma reflexão sobre a
própria vida.
Esta sua posição perante o problema da vida basea-
va-se na relação íntima das suas emoções espontâneas
com a influência da literatura neerlandesa.Gíyphius
chegou cedo a conhecer, em Leyden, a vida intelectual
 90 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
Lxinxrz'E A suA Época

dos Países-Baixos, etnicamente aâns. Esta aproximava-se

mínio da palavra prejudica nele os meios pròpriamente
mais do génio alemão. Aliasconquanto mais felicidade dramáticos da fisionomia e do gesto.
l não conseguiua Holanda fundar, depois da sua luta A poesia de Gryphius abrange todas as grandes
pela liberdade, um Estado homogéneo,próspero e pode' l formas: a lírica, o epigrama,a sátira, a poesia religiosa,
rosa l Concorreram para isso a religiosidade protestante,
as descrições épicas da paixão de Cristo, as tragédias e
l vigorosa e livre, as criações das ciências naturais; a sua
as comédias. O seu centro, porém, é o drama. A tragé-
concepção erudita e .originalíssima da antiguidade e,
{
dia era a forma capazde absorvertodo o pesoda sua
arreigada nela ainda, uma rica literatura poética,na qual
poderosa personalidade germânica, o produto trágico
o drama cedo se elevou a formas novas. Gryphius abra- dos seus destinos, a sua melancolia inata. Ele com-
çou esta cultura e chegoumesmoa preleccionarfiloso- preendeu o elemento religioso e geral, comum ao Cris-
ãla em Leyden, então a primeira universidade europeia.
tianismo e ao estoicismo.A comenteincessantedo tempo
Uma das suas lições versava sobre a relação entre a
que arrasta consigo tudo quanto tenha vida, o carácter
filosofia moderna e a peripatética,tradicional, conside-
efémero da nossa existência: eis aí a lei terrível que nos
rando filosofia moderna o renascimento neerlandês dó domina :
estoicismoromano. Gryphius adquire aí uma nova con-
cepção do signiflicado do mundo e da vida, tendo Wo jetzt Pülàste stehlt,
por centro o poder moral da pessoa.Descobreuma Wird kilnÍtig Tticttts ctls Grau u,lü, Wiese sair,
nova antropologia, uma história interina do homem.
Aitf der ein Scltàlerskiltd wird )taco der perde geltn
desde o poder dos afectos, através da consciência e do
efémero das paixões, até ao bem supremo da firmeza
A vida queno tempocorja parao declínioe paraa
inabalável do espírito filosófico que ainda na morte é
morte, está por natureza sujeita às alterações da fortuna,
senhor do seu destino. Baseia nisto uma tragédia em
à. paixãoe ao sofrimento.Eis a origemdo trágicono
que a alma purí6icadae consolidadaacabapor triunfar'
mundo. Afirmando-se o homem perante estasforças
sobrea culpa,a fatalidade
e a dor, e apodera-se
de pólo vigor impassível do seu ser, a representaçãodeste
todos os recursos do novo estilo artístico com que esta facto exige uma forma particular' da tragédia,prefigu-
força é capaz de se revelar à consciência através de for-
rada na tragédia espanhola dos mártires, de cujo género
mas extremas de expressão,duma linguagem concisa e
!

duma pujante riqueza de formas métricas. E todavia não

os neerlandeses e Gryphius às vezes se aproximam.
Nã tragédia do martírio, .Ã'a/4arz#a uax G?ar#ze#, de
deixa de partilhar também dos defeitos dos neerlandeses
Gryphius, o coro diz do espírito, só destinadoa Deus,
que são um resultado do seu espírito erudito, filosófico e
que ele «traz em si o seu reino» ; <(estaráainda sentado
histórico. Os elementos líricos, didácticos e retóricos pre- sobre um trono imóvel, quando as cadeiras de todos os
judicam o eleganteandamentoda acção,como o predo- príncipes estiverem caídas no pó da terra».
 92
LEIBXiz E A SUA ÉPOCA
lls loira dtcrch pies, was Menschen schrecket.
Sem ttnuerzagte? Mat elztdecket.
l mais recente está todavia no neerlandês Joost van den
O novo monaento de grandeza puramente humana
que estas tragédias também contêm, predomina en]
l na atitude afectiva,os excessosda acçãoe da entoa-
outras peças:
q.ber lcnser Lestes Teia
LVeiss nicltts uon Verwesen.
Es bteibt iw den Scllmerzelt hein.
Sterben lzeisst's geneselt.
Nasceassim um ideal para o drama que plenamente
se justífãca como a expressão duma determinada con-
cepçãotrágica do inundo. Tragédias em que a dor puri-
fica e transfigura o ]lomem, há-as em toda a literatura
dramática.Em Gryphius, porém, como na literatura neer-
landesa, baseiam-se na concepção estóico- romana do
homem. Esta tragédia não deve apreciar-se com o crité-
rio que servepara a de Shakespeare,determinadapelas
i'elaçõesduma paixão dominante .com a acção e desta com
o declínio, nem tão-pouco com os critérios do drama
, que Ihe são inteiramente estranhos. É preciso com-
preendermosque a substância emocional impõe e justi-
fica formas diferentes da estrutura di'amática, Assim. ã
forma do drama de Gryphius torna-se compreensível
pas-.suasfeições essenciais.Imprimiram-se, contudo, nela
ainda outros momentos históricos. Ela remonta a Séneca.
cuja obra é o reflexo mais directo da época dos Césares
com os seus homens demoníacos e os seus horrores
sem-número, e com o carácterretórico da sua literatura.
Como tudo mais na ép ca; eJa está também dominada"''''
por
LETBNIZ E A SUA ÉPOCA 93
üma antropologia e por uma poética que tornam ã repre-
sentação dos afectos o centro do drama. O seu modelo
!
Vondel. A intensificação extrema da expressãodo vigor
ção, característicasdo bacocopoético, encontram-seigual-
+ mente em Gryphius. Assim como ele,.porém, nos seus
conteúdos, ultrapassa todo o passado, imprimindo a toda
a matériatrágicaque trata a sua concepção
da vida,
assim também dá novo significado a certos meios artísti-
cos mais antigos mas que Ihe servem para esteseu pro-
pósito. O coro, as personagens alegóricas e históricas
que ressurgeme advertem, que consolame profetizam.
fúrias e fantasmas, tudo isso se confunde naturalmente
com as personagens reais, integrando .a acção numa
ordem superior e ideal.
Gryphius possuía igualmente os dons da ironia e
do gracejar, da invenção de figui'as cómicas,da com-
preensão de concepções realísticas e grosseiras da vida,
encontrando na comédia mil possibilidades de se liber-
tar do poder da suã própria disposição fundamental.
Será.sempre um tema do maior interesse procurar nos
poetas dramáticos, como Shakespeare, Lope, Calderon e
muitos outros autores modernos, a relação psíqu'icaque
existe entre as suas mentalidades e ideias e a expres;
são destas nas respectivas tragédias e comédias.Assim
ã concepção trágica do mundo própria de Gryphius
correspondem, na sua comédia, indubitàvelmente. o
confuso dos acasos,os paradoxais conflitos dos caracte-
res excêntricose aventureirose ainda a cegueirado
homem perante a sua própria sorte. Na tragédia renas-
centista de Gaxdó'mla e Ce///zde, há caracteres baixos,
 1)4
LBIBNiZ E.A SUA ÉPOCA
realistas e em parte cómicos, a contrastar com a nobreza
das personagensprincipais. A comédiaque dela mais
se aproxima é O Ja /asma a/zor.zda. Nesta, inteira-
mente à maneira do drama da Renascença,faz-se a
paródia das aventuras e divertidas complicaçõesda vida
da gente importante, utilizando um enredo semelhante
de cenas passadas com a criadagem, ao mesmo tempo
que aos enganosamorososdas altas esferassociaisse
contrapõeuma peça de vilãos que faz justiça a uma
concepção natural das coisas amorosas, ou que inclusi-
vamente a despreza. Na 6e//fó/e .Oarmro.fé, (Ra.ça a#?r/da,}
qüe segueum modelo neerlandês,revela-seum aspecto
inteiramente novo do génio do poeta. O estilo neer-
landês, o realismo dos caracteres, o humorismo e par-
ticularmente a graciosa serenidade que tudo invade.
ainda hoje garantiriam a estapeça um êxito seguro no
teatro. O Har ió//ürzónÍ#az, que é uma autêntica comédia
i'enascentista, é de invenção inteiramente original. Dois
fanfarrões guerreiros, concebidos no estilo do teatro
i'omano, um meticuloso mestre de escola e unia velha.
alcoviteiro. aparecem aí, e entre eles há ou perpassam
tatnbém. pares de namorados de feições vagamente
ideais. E a mesma composição dum mundo confuso.
H como na comédia shakespeareana.. Mas, em geral, õs
gracejos não deixam de ser frios, monótonos e duros.
Depois.de Gryphius, o drama alemão decaiu cona.:
tantemente. É verdade que Lohenstein continuou a
U
seguir a orientação de Gryphius, no sentido do drama
histórico, como imagem da vida contemporânea dos.
príncipes e dos cortesãos ; idas nestas acções políticas,
i'omanas e turcas, o estilo histórico-dramático ficou
submerso em sangue e volúpia. Com Weise, o drama,
#
r LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
alemão transitou para o estilo natural. Pela acção que
se sobrepõe às palavras, pela vivacidade realista e
pela engrenagem espontânea.do diálogo em prosa, no
l jogo ligeiro de palavras e pensamentos, na dialéctica
lacónica, W'esse foi um precursor da linguagem drama.-
teca de -Lessing. Mesmo aqui, porém, o objectivo didác-
tico e o $eu satisfazer-se com a áurea mediocridade para
efeitos pedagógicos, são pouco compatíveis com o pra-
zer estético.
A decadênciado drama alemão está intimamente
relacionada com a ascensão do drama musical. Nunca
foi capazde se afirmar ao-lado do seu irmão musi-
cal. O. drama musical foi a criação mais original da
Renascença,
tendo a sua origem na grandee nunca
satisfeita aspiração de fazer ressurgir o drama grego.
mesmo tempo, satisfazia também a aspiração da arte
do Renascimento
já adiantado,no sentidode explorar
esteticamente, até os esgotar, todas as paixões e afectos
humanos, chegando a criar' os tipos mais claros e impres-
sionantes de certos estados mentais. A ópera italiana que
correspondia a esta exigência, vinha ainda, ao mesmo
tempo, ao encontro também das preocupações mais vivas
das novas Cortes, satisfazendo a sua ânsia de festividades
e espectáculos faustosos, de representações e bailados.
:'
O homem cortesão descobriu aí um reflexo da sua pro:
pria vida Eram os galanteios,a conveniência,a discri-
ção, e sobretudo o prazer da posse,a volúpia dó gozode
si mesmo ao sentir o seu poder vital e a sua importância,
nos grandes gestos dos reis, dos generais e das grandes
damas.Ora esta ópera italiana não podia deixar de
causarviva itnpressãona Alemanha,ondea língua,a
arte de versiâcar e o estilo ainda não eram capazesde
l
96
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
l
l exprimir esse mundo requintado dos sentimentos das
classesprivilegiadas. Por isso a revelação desta menta-
lidade profana, através das novas formas musicais de
uma absoluta beleza sonora, provocou aí entusiasmo e
até êxtase. Em Viena, Munique, Dresda e finalmente
em Berlim, so6 o grande Rei, e ainda em muitas resi-
dências mais modestas, construíram-se teatros.de ópera.
Gastaram-se quantias fabulosas com cantores, cant(i-
ras, bailados, decorações e máquinas. A música pro-
fana de câmara desenvolveu-se igualmente nas Cortes.
Naquele tempo, a música tornou-se mesmo o alimento
espiritual de Viena, suprindo o alimento intelectual
recusado pelo Catolicismo. O brilhante teatro de Ham-
burgo, acabou por se abrir igualmente aos músicos
alemães. Aqui, o drama musical alemão atingiu o seu
auge com Reinhard Kaiser. A sua força residia na
expressão directa, verdadeira, do sentimento. Desse
génio despreocupado,
que só para o momentovivia.
dimanou toda uma inesgotável torrente de melodias do
mais âno ouro. Abundaram os talentos musicais na
Alemanha. Estes compositores alemães tentaram afir-
mar-seem concorrênciacom a ópera italiana que entre-
tanto degenerava no ambiente de sensualismo das
Cortes, e foi um alemão, Hândel, quem acabou por
ser aqui o herdeiro dos antigos e mais severos mes-
tres italianos.
6 cepção teleológica distinguia-se? porém, por completo,
É indiscutível a existência de uma relação entre a
lírica dos Fleming, Gryphius e Angelus Silesius,do
T
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
97
kiramade Gryphiuse do despertarda música,por um
lado, e a filosofia de Leibniz pelo outro. O novo sellti-
mento do significado da vida e a hipostasiaçãodo senti-
.#
mento místico duma determinada ordem de' fenómenos.
bem como :a tendência para ver na música uma expieé-
são das.mais altas revelaçõesda vida, tudo isto foi
levado por Leibniz à consciência filosóâca e posto em
relação com os supremos momentos do passado religioso
e filosófico do povo alemão.Daí.partiu uma nova visão
metafísica do universo que irradiou luz sobre todos
os sectores da vida intelectual alemã. E tão penetrante
e transcendente era esta visão, que foi preciso quase
um século para ela ser inteiramentecompreendidae
aceite. Da mesma maneira que Descartes imprimiu à
sua
õtientação ao génio francês, e Loclçe ao inglês,
Leibniz foi na sua época, pode dizer-se, o verdadeiro
dirigente da cultura intelectual alemã.
A crença numa ordem baseada num sistema de
6ns da divindade:ligando todas as partesdo universo
físico num' sistema mecânico, é, sabe-se,comum aos
pensadores mais influentes da época, tanto a Descartes
como a Locke, a Newton como a Leibnizl Nestes espíri-
tos Superiores, cuja actividade e optimismo visava o
supremo bem do mundo, a cone(;pçao mécanista do
universo estava intimamente relacionada com a crença
num ser supremo que consta'urraesta máquina po}
forma a ela produzir o máximo bem. Esta nova con.
dos conceitos de finalidade e da teleologia reinantes
desde a Idade-Média.NÕ lugar dos'pequenos actos
intencioila.is, isolados e caprichosos, de Deus, aparecia
ago.ra a ideia de uma ordem única do universo. de
7
 /
'T

l
:)8 LEIBNIZ B. & gVÁ ÉPOCA
LE]BNIZ E A SUA ÉPOCA 99
l
l
significação teleológica e estrutura lógica, e determi-
nada por leis. Assim, o conceito dum Deus antropo- Cxliação e .o .ÇÊntro eH volta do qual tudo .mais gravita.
mórâca era substituído por uma ideia mais elevadada Pçntro'deste :ijmensoTodo' todas as partes têm um }im
acção divina, deduzida da inova concepg?g..yê.ordêh l próprio .,e-espééíHco.' A pÉistêiGia'gu u ma força 'que obe-
ce'F lei (jüe ltG é :imanente, a .da !'!olução, sendo no
l do universo. lata implicava uma revolução...completa
de todas as ideias religiosas. A. fórmula que agora próprio desenvolvimento que reside a .felicidade deütoáos
o$ seres vivos. O presente não ,tem a {pnção de éeriliÉ;o
melhÕi='"traduzia "êste relação entre Deus :e o muódó,
já a encontrara Desêartes;.. Leibniz apenas a desen-
l futuro; um ier não v'ive' para:''jservil'
.z\- '"...'''ás
.' :: :Todas
outros.
volveu. Entre..og.jnúmerós mundos possíveis, Deus existências :contêm uma possibilidade de chegar' g gozar
escolheu'àquele qug.et'a melh or.. Orientando-se, poi'ém, do .seuvalor próprio plenamente.Assim, a l)eríeiçãodo li
Deus, nesta escolha, pela ideia do bela supremo,Lei- mundo consiste no facto de nele :se poderem realizar
bniz não considera tal 'escolha :lide, mas determinada todas as existências in:dividuais e. .todos os graus de
por uma espécie.de matemáticadivina, e portanto pór valor e felicidade possíveis em qualquer mundo. O mundo
existe porque nele existe .e se :dá a' .!nãxima plenitude
':''' ê
uma necessidademora/, que não física. Deste nodo,
riquezade.Vidapossíveis. ' ' " .: ' 'l
l as grandes leis da Natureza,'nomeadamenteas da con-

t.
servação da energia e sua permanência, baseiam'se Mas ,esta . filosofia evoluíra, desde a Renascença,
numa vontade intencional, na sabedoria e bondade de partindo de dois momentos bistóricQS Capitais ' ::'':'
A arte e :8i poesia ti ham ' Contribuído
' ''.; para tornar
Deus. Nesta ordem de .ideias, Leibniz desenvolvia já,
l
embora: iqpidentalmente, o 'princípio das «acções míõi-
mas>> que Maupertuis, mais tarde, 'tão ruidosamente
mais consciente a beleza..da realidade. .Com.efeito, duêin
não sentia.naspinturas da primeira.Renascença
o nova ! 3

havia de proclamar. E fossem quais fossem as modiâ- amor ..por .:todas as .existênci?s individuais," pór florbli';e
caçõesque depois os conceitos leibnizianos vieram'a arvore.s,jardins e paisagens, pela .vida da luz, o"ehÍlanto
11 sofrer, o certo..éque a-ideia de um Deus que intervém no da primavera e .o perfume das djstâncias? .E mais fundo
mundo é na vida humanapor meio de actos isolados e
vibravaaindaasensi
)ilidade
'; ' ":' ''""
da arte alemã perante: Ós
l res ;estéticos de toda a espécie. de existência indivG
arbitrários desapareceu, por completo, de todas as cabeças
com alguma formação científica. Essa ideia foi suplantada Esta orientação:não tinha por base, note.se, um
pela de uma sabedoria divina que, orientando-se por leis, simples esteticismo. '0 sentido do pitoresco estendia=se
se manifesta na própria ordem do universo. às novas esferas de tudo aquilo que .eii susceptível de
ser :representado.
Esta nova concepção do mundo trouxe consigo '1

também a ideia de uma posição 'inteiramente diversa No mesmo sentido actuava a transformação operada
do homem perante .o üniterso ej:a gua causa divina. na imagem do mundo pela interpretação científica.Bruno
Nega-sea doutrina que afirmava ser o homem o fim da já :extraírade Copérnicoa idda .de inúmeiiÕ;fundos
espalhados pela : imensidade do éter, para 41ém .do
100 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
nosso sistema solar. O telescópio acabavade explicar
a via-láctea como a luz conjunta de infinitas estrelas. E na
época de Leibníz, o microscópio descobriaenfim inú--
meros seres vivos que se movem na mais pequena
!
t
parcela da matéria, aos nossos olhos insignificante e
morta. O universo deixou.de .tet' um centro; parecia
existir apenas para tornar possível uma. infinidade de
sensações .dos seres,da vida em todos os seus graus é
de todas as espécies.
A partir de Jordano Bruno, os maiores investigado-
res viveram sob o signo destesdois momentoshistóricos :!
que iniciaram o esplendorda nova filosofia. Kepler,g
Galileu e Descartes,os condutores do moderno espírito g
científico, eram os contemporâneos de Velasques,Rem- =
brandt e Murillo, de Calderon e Corneille..A vida estaval=
como que repassada do subtil perfume que a Renas- Ê:
vença italiana exalava. Assim, a mentalidade filosóâca q
de Bruno, Kepler e Galileu é igualmentedominada pelo.b
número e pela medida, em íntima ligação com a ideias.
de uma harmoniainefável do mundo. ParaBruno, oS
universoera a razãodivina desenvolvidae era comoj=
e[a infinito. Na desva]orização da aparência sensível, naÊ;
astronomia coperniciana, via ele um símbolo do pro-ê
cesso religioso-moral pelo qual o centro das nossas
percepções e finalidades se desloca também .da nossa
própria personalidade para o universo. Galileu disse
um dia que o julgar-se o homem o alvo de todas as
atenções divinas na natureza só seria comparável ao
pensamento de uma espiga de trigo madura que ima-
ginasseterem sido criados.apara
ela os raios do sol.
E tambéma obra principalde Spinozaa outra coisa
não visava senão a elevar o homem da sua posição
1.
LTCIBNIZ E A SUA ÉPOCA 101
de centro do mundo, à visão da inteligênciae do amor
de Deus que imprime em todos os estados do nosso
Eu o selo da eternidade.
Pois bem: Leibniz foi quem deu a mais universal e ao
mesmo tempo a mais reflectida expressão a esta mesma
mentalidade. O seu penetrante espírito germânico con=1;''1 }
çou por afirmar os direitos da existênciaindividual. da / lf
individualidade, perante o universo, aproveitando do /
passado tudo quanto aí havia de valioso, fundado nos /
sentimentos religiosos do homem europeu. -J t
Assim nasceu a sua .!?g@geg,..ê-gl2[a.mQJêJl1]W9 11
tanto para a evoluçãonlterjQr.da religiosidade ocidental,
depois da (los autores ga Reforma e do Iluminismo-O pro-
blema deste livro preocupara-o através de toda a sua
vida. Sabe-seque ainda quando rapaz tivera já a curio-
sidade de ler os melhores escritos polémicos sobre a
liberdadehumana, o Ma] físico e o moral. ]SierreBayle, tf'
famoso
'-. -- - pela sua neg '
ão..de-toda a fé Bt.!azão. : :
pro-
l porcionou-lhe para o seu tema todos os pontos de onde
a discussão devia partir. Com a sua amiga, a tainha
Sofra Carlota, discutiu em cartas e durante a sua estadia
no castelo de Liezenburg, as principais afirmações deste
grande céptico. Foi esta a origem dos estudos que cons-
tituem a base da sua Zrodzcezz. A rainha exortou-o a
concluir o livro. A morte desta e outras circunstâncias
retardaram a conclusão do trabalho. Quando Leibniz H
acaboupor o. publicar, Bayle tambémjá não existia.
Ele próprio tinha já 64 anos.rO livro era o resultadcÍ]
'iíiããüiõ das 'investigações-ae toda a sua vida; a jus'j\ l
tiâçaçãojilã''fé" racionalilt©cóTíil.a
.yam\-nomeadamehté éonti'a-B:iyli"que"apresentara
a~Jlazão e a religião cabo inimigas'-entro-sí'Assumi
 102
LBIBNIZ E A SUÂ ÉPOCA
LEIBNIZ E Â SUA ÉPOCA !03

diiiã:, «Bâylesó l11?üdá

palaL4 razãodepoisde a têr
é paro.ele-um4 çxpressãQ intuitiva da o.rdem. .orgânica
deixadoMalafr'ãitol"ãe
' maíó, chaüãndo por fim a isto o
triunfo da fé ! » do universo, de unidade p! yBrieda(4ç.g.nê:j.Ouçz4..de
Este mundo é o «m : E R'rBaq..aval
oreê:'ãü;'iQgj'j;8:j;j;Ü;Sçp$HgÕi.de»..l;ZI.
:lhõt dos mundos.possíveis ». b

l porque entre todos eles é o que:;contém o máximo
lle perfeição.Todos .os argumentoscom que Léibniz
fiéfehdê' ééta afirmação contra o céptico--Bay!% redu-
zem-se a poucos e simples postulados. Seria pdr parte
da divindade prova .de grande fraquezarepetir moaê)-
tonamente a lesma perfeição nümá só espécie de seres.
A perfeição infinita do ser supremo
' ' exprimir-se
; só pode
o..conjunto de todos os graus é todas as espéciesde
#, eras do universo.:.A todas aé.l)riatui'as Deus ímprimé
uma perfeiçãoprópria que Ifies confereum incohfuii-
dível valor' individual ; existeih sd para realiza-la. Como
efeito $ingulai::gaDitQ.da:caugd :iupr!!wa, porém, a per-
feição que lhes é inerente tem necessàriamente' dé ser
estético. Leibniz 'absolve e justifica, portanto, a imper-
feição-nb .universo, como o esteta ã absolve e juitínba,
chamando-lhe .g..feio, na obra de arte. A beleza e o
brilho realçam-se perante estes contrastes, como a luz
em presençadas trevas. As..diêsonâncj4ssão o meio
-'t.#:gge89--g.wdÜÉ.b,-«ãü..Á'$iÜ®;'R
l variedade,que é a lei dg:mundo, é ao mesmotempo
o princíoio fundamental dg...belo. E este poder da sen-
/sibilidade estética de Leibníz manifesta-se 'a cada passo,
embora sempre com aquela comedida reserva que a
sua posição perante as ciências naturais do tempo Ihe.l
impunha. .Assim é ele quem, uma vez, nos diz: «a
beleza .da natureza é tão grande, e a sua.gontçlnplação

u'tl.H8 u: $ =:=:s= l tão agradável, a luz e os estímulos que daí resultam

para nós'duma utilidade.tãQgrande, que todos os
l
outros prazeresdevem considerar.seinsignificantesa
idas espécies,dos gtlaus da existência e dos valores no
par deste». :E o filósofo che94 q=desQj.qt.g!!g.Q seu sig:
universo, é qué. marca d seu lugar a todas as existências
telB3..pl4Él9s$p-pei-traduzido na forma dg. um poema
individuais. Confere:lhas.ó.:gç4y.:de. .perfeição. realízáyg! didáctico tgd9.IÊl:ii:'ixiõdeló'6' deILuçrécio.
nesse-seu IB94r Nesta ordem intencional ê necessá- }

Mas o decisivo para Leibniz é a contemplaçãodos

a o Mal é apenas 'T'i;iiperfeiçãolarticular aoê séfêé
i fenómenos à luz duma ideia universal. A perfeição só
6nitdg'ãtíjü'àãi;'ãüé"lhe;"iki' dãl;l=in=ã;''p
l esta.realizada na totalidade do :mundo. l;l;;à"quem con-l,
escala dog' valores. Os !!eles Hisicosde que sofr;;;;Õê
são; 'liõr seu lado, a Cói:EêjÍiEiib:ã"inevitável da ligação
W cabe .ê.Naif'FBsÜ:ÍÍiÜ'?;;li'lÜ:ll;j;'i;;;ã.; zz/zhpzT0, já não
da nossa alma a um corp.o.l' maê..gst:Uligação não 'deixa'" tem sentido perguntar 'depois pol' que é que precisa-
mente Ihe não: foi assinado um lugar melhor na escala
ser também a condição para as almas "lioderem
dos valor'es. Se .me. considero parte duma totalidade.
comunicar umas com as outras.
deixa de ter importância saberse sou eu, ou outro. a
Esta concepçãodo mundo em Leibniz tem evidente-
ocupam'este lugar--isto é, se o ser que aí se encontra
mente um cata Lêêtótiçd muito pronunciado. A beleza
é o meu Eu, que neste momento reflecte e se lamenta,
 104 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
ou qualquoi''outra pessoa. O importante é que.neste
ponto..,go.universo.. alguém..!uportQ.determinadas-des-
vantagens, imperfeições e males, nãcLjglpQrt4ndQ.. o
indivíduo que os suporta. Assim, a inteligêncialeva
a' uma humilde resignação perante a vontade divina.
Nesta base surge, porém,- agora, o mais alto conceito
da religião a que o século conseguiu elevar-se. O indi-
víduo que, movido por um íntimo impulso, se desen-
volve até atingir a máxima perfeição que Ihe está
marcada e que, ao aproximar-se dela, experimenta a
.b!!çlqgç!!.que Ihe con'esponde, não pode igualmente
deixar de se sentir satisfeito com todas as perfeiçõesà
sua volta. O amor pelos outros homens outra coisa não
é senão a alegria pela sua perfeição-e' fe!!ddgldgÍCom a
nossa ilustração aumenta, assim, em nós, esta parte que
tomamos no valor e na felicidade dos outros, e até a
própria justiça não é senão o amor.do sábio. 4. supl'ema
l alegria nasce da...visão.da absoluta perfeição de i)êus
K !eyelada na plenitud%.e. Variedade...dQ$.valores.çontídos
no universo. O amor de Deus é precisamenteestaalegria
.pela sua perfeição, que impõe .à. alma o abandonar-se à grande na Corte de Frederico
,contemplação da ordem total do universo. É este afecto
universal, fundado na ilustração do espírito, que nos
impele a servir o bem supremo do mundo e a contribuir
para o valor e a blicidade de todasas criaturasde Deus.
fresta ordem. de ,ideias.a consciência da solidariedade e
jdo progresso da humanidade assume, assim, para LêF
{PniZ um sentidoleligioso: E daí nasceu precisamente a
sua aspiraçãono sentido de imprimir' à lgrqa cristã um
carácter universal com a união de todas as confissões.
OÊ dilbr%ntei credos tornam-se para ele puras sombras
da verdade,e os cultos meros símbolosda acçãomoral.
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 105
Mas, esforçando-se por integrar nesta sua nova íilo-
soíia religiosa certas ideias cristãs de uma ordem inteira-
)'
mente diferente de noções, Leibniz afinal pagava também
X
ao espírito teológico do seu tempo um não pequeno
tributo. A sua religiosidadecristã era sincera,como a
de Thomasius e a de tantos outros dos seus contempo-
À
I'âneos. O seu conceito da personalidade divina era,
Além disso, também uma consequênciarigorosa da sua
l doutrina âlosófica de que apenas Q..indivíduo tinha rea-
.cidade. Nele, como em $!!altesbury ou Herdei, esta per--
sonificagão da causa divina do mundo era absolutamente
'consentâneacom as últimas consequênciasda nova filo-
sofia religiosa. Dotado, porém, duma aguda sensibilidade
para todas as coisasespirituais à sua volta e no passado,
o filósofo encontrou ainda na sua teoria da pessoadivina
o meio de copçgdgrtambém ao homem.uma situação
,pi:iscilegiadii.:âç!.plano ãi:üiãõ;"qüe Ihe-permitiu acrescen-
tar a essa ordem natural dõ'universo um reino.da graça
e de prodígios. A Alemanha estava ainda repleta destas
noções teológicas. A influência do alto clero era muito
1, onde as tendências
pietistas se achavam largamente divulgadas entre a
'}
aristocracia; a última esposa do rei protegeu-as parti-
cularmente, e elas tornaram-se ainda mais poderosas
no tempo do seu sucessor. As tradições da história
} evangélica também não tinham sido ainda sujeitas a
um estudo cuidadoso na época em que se formara o
espírito de Leibniz. Quando Toland na Inglaterra ini-
ciou o seu trabalho crítico, aliás muito insuficiente.
Leibniz já ultrapassara a idade madura da vida. Assim,
era natural que este poderoso espírito tentasse achar
um compromisso entre as ideias modernas e as noções
 106 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
da tradicional ideologia cristã. Tal tendência apoiava-se,
l de resto, no forte interesse prático que Leibniz e outros
filósofos do século xvn tinham na tlênsform4çãodo
dogma Dele.siástico. Nã o se tl'atava de nenhuma '' espécie
' '
de interesse intelectual ou do sentimento religioso, e
contudo as suas preocupações coO .a trênsubstancia-
ção, a Trindaãê''ê"lõi"castigos infernais também não
,}.
eram para elélmero passatempo.Aqui Leibniz procurou
elevar-se a uma certa denínição dos dogmas cristãos que
pudesseconciliar a crença:dominantena lgreaacom os
seus próprios ideais.de .cultura. Acreditava que a união
das lgrdas, a que aspirava, só seria possível na base
dum entendimentoprévio sobre uma doutrina comum.
E a esta conciliação aspirava ele ainda no própria inte-
resse nacional.
Um tal compromisso constituía uma tendência essen-
cial da época, dominada pela influência de Leibniz. e
continua ainda através da .época seguinte, igualmente
dominadapor ele, imprimindo um caráctersingular à
primeira fase. do Iluminismo alemão. A influência de
il l Locke produzia-se no mesmo . sentido. Ultrapassando
Leibniz, Christian Wolff fez depois no seu sistema con-
cessões-mais importantes àquelas tendências menos
estimáveis da ideologia cristã mais inspiradas no
F cas como realizadas em dadas situações.Assim, estabe-
Antigo Testamento.Com ele voltou a triunfal' aquela
ingénua.teleologia superficial que refere toda a ordem c
plano :d4.natureza-às simples conveniências do'homem;i'
Obedecendo
às intençõesde Deus,o sol segueo seu
l caminho para a sua luz iluminar os homens.Todas as
l instituições .naturais têm também por âm servir as
necessidades-humanas.. Deste modo, foi fácil a Christian
l Wolff provar a concordância entre a sua teologia natural
LXiBNiz E A SUA ÉPOCA 107
e ã Bíblia. O supremo fim da Criaçãodo munidoao se'f-
viço .dol homem estava,em seu modo de ver, precisa-
mente no reconhecimento e adoração de Deus por parto
+
9
do mesmo homem. Nesta crença religiosa-racionalista se
Inspiraram os grandes teólogos da época, como Baum-
garten.emHalle.SÓsob a influênciado deísmoé que
Semier, Reimarus e Léssing chegaram depois à crítica
histórica, iniciando-se aí a. segunda fase do Iluminismo
alemão que dominou a segunda metade do século xvin.
7
Nà Alemanhá, toda a filosofia destescemanos está
sob o signo da recepçãopelo espírito alemãodo movi-
mento de ideias da Europá. A astronomia, a mecânica
e a física tinham novamente associado a obsel;vagãoê
a .experiência com o pensamento matemático. Os dois
maiores exemplos disto estavam na descobertadas leis
do ;movimento dos planetas, por Kepler, e na fundamen;
tacão da dinâmica com Galileu. Em ambos os casos.
certas observações e experiências confirmaram o beü
fundado de determinadas relações puramente matemálí:
leceu-se como método da nova compreensão da natureza
a aliança de certas verdades gerais e necessáriascoh a
expenêncià, e como seu objectivo, à regularidade mate-
máticados aconteceresdada tambémcomo lei da natu-
reza. E tendo sido arrastada a filosofia a ver também
neste processo mental o único tipo de pensamento cien-
tifico, entrou-se definitivamente na - época que veio
suplantar a da Renascençae a das lutas religiosas,pre-
 108 LEIBNIZ.E-A SUA ÉPOCA
parando a de Kant. Assim se formulou e se genes'ajizou
f o método dos naturalistas, vendo-se nesse método, ülnal-
mente, a primeira teoria metodológica geral de todo o
saber científico. Seguindo este método, passou-se depois
a construir o todo da realidade,interpretada nos dife-
rentes sistemas metafísicos dessa época sobre a base
deste tipo de verdades gerais e necessárias. E assim
nasceu o panlogislÜo dum Descarnes, dum Spinoza e
dum Leibniz.
Os alemães foram a última das nações a abraçar
este movimento. Começou-se pela matemática. Ehrhard
Weigel, o professorde Leibniz, integrou a ciência dos
algarismosna filosofia primeira, e aplicou os métodos
matemáticosao direito natural. Tschirnhaus, o amigo
de Leibniz, estava dominado pelo racionalismo de Des-
carnes, separando-se dele só por limitar o pensamento
matemático aos problemas da física, e por o seu racio-
nalismo insistir mais no momento da experiência, como
uma espéciede empirismo só.orientado pelo pensamento.
Com isto, preparou a concepção metódica da física de
Newton, Lambert e das ciências modernas. Não sabemos
contudo como ele teria desenvolvidoa suateoria. seme-
lhante à de Spinoza, duma força divina omnipotente.
A morte prematura interi'ompeu os seus estudos. Sòmente
Leibniz deveria realizar a síntesecriadora entre estemo:
demo movimento europeu e o espírito alemão.
Com Leibniz, pode dizer-se, .a nulo?afia da Renascença
atinge o seu momel!!g.-culminante,e só partindo'daí o
conseguiremos compreender plenamente. A categ(!ga
fundamental das concepçõesdessa filosofia estána ideia
dç.um :qnjversQ.entendido como. relação entre.4.totali:
dade..Ê.os seus momenÇQg.componentes. A teoria nomi-
y
LEIBNIZ E A SUA.ÉPOCA 109
nalista do conhecimentoabolira o significado metafísico
da relaçãoentre Deus, os géneros (as ideias),e o indi-
víduo. Deixara de haver qualquer realidadeintermédia
{ entre a ordem divina e os fenómenos singularesque ela
abrangia. A ordem dos fenómenos individuais, o mundo,
passava a ser uma explicitação de Deus. O seu ser-uno
{
tornava-se comum a todos os fenómenos singulares,
mas desdobrado através da variedade (zpcz7/e/qrer m)
infinita. Numa palavra : o universo tornara-se infinito }'t'' ., {,É
.f na suavariedade,
homogéneo,
comoumaharmonia.
l Ff
Wr issol' todas-og fànómen(5s,-na-suà 'singularidade:,d
representam no seu respectivo lugar a totalidade. A pef':
feição divina não é mais do que um grau determinado
nã escala.Por isso, cada ser reflecte, no lugar que Ihe
cabe, todo o universo, e o espelho mais autêntico deste
está na alma humana (o m/cra.rco.çz/zas).Nela reflec-
te-se o mundo inteiro. E uma tal ordem de ideias vem.
pode dizer-se, desde Niclau Cubano, através de Jordano
Bruno, até Leibniz.
'' Mas esta orientação da consciência já entrevista
no Renascimento, e que transparece inclusivamente no
monismo rígido, não histórico, de Spinoza,casou-se,em
l
)
Leibniz, com certos momentos do pensamento alemão
que remontavam a um Aristóteles purificado, ao misti-
+
cismo, à escolásticaantiga e moderna e até à filosofia
universitária da época. Leibniz deveu-lhes, sem dúvida,
importantes momentos lógicos e metafísicos. Não é menos
verdade que é também daí que provêm muitas das desfi-
gurações barocas e dos disfarces teológicos das suas ideias.
Mas relacionando a Renascença,assim modificada, com
as ciências naturais modernas, foi Leibniz quem acabou
por eleva-las a um grau superior de desenvolvimento.
 110
Y
LEIBNiZ E A SUA ÉPOCA LEIBNIZ E AFSUA ÉPOCA lll

Antes de mais :nada, abordou o problema metodoló- pi'ios, oê sinais dos géneros combinatórios podem depois
gico e imprimiu-lhe uma .orientação importante. Ampliou representara própria ligação dos conceitos.Nestalingua-
4 lógica aristotélico-silogística, generalizando e integi'ando gem universal a combinação dos símbolos :correspon-
na lógica os métodos matemáticos mais transcendentes. deria precisamente às relações objectivas dos conceitos.
a princípio limitados só a relações quantitativas. Deste f Ela poriaâm à indeterminação
e arbitrariedade.
da ter---x
modo, surgiram assim as linhas fundamentais:
.duma minologia filosófica e seria,igual à linguagemSimbólica \
lógica qlp abrange todas as relações gerais .do pensa- da matemática,
tornando-secomuma todasas nações. l
mento, Subordinando-lhes as do número p :do ..espaço. Nenhum outro pensador da época deu, como .Leibniz, J
.o ;passomais importante dado pela lógica:desde realizaçãotão consequente
e genial ao ideal de remo-
Aristóteles. S.ó agora a ,categoria da relação chegava a delara ciênciasegundoo tipo da matemática. Na arte
alcançar o seu verdadeiro;.significadopara a teoria mo- combinatória, na característica, na ciência geral,.na matei
derna. Um primeiro.limite, porém, faz-selogo aqui notam: inática universal e no cálculo lógico, em todos estes
a .jimpossibilidade de *Leibniz :vencer por .completo a planos;'ele procurou valorizar a matemáticapara os
estreitezada silogística aristotélica. Nesta lógica geral se fins desta lógica geral e ch'egar assim, inversamente,a
funda depois a sua teoria qas combinações.quedá o inúmeras consequênciasque, por seu lado, seriam fecun-
método para resolver com mais perfeição o velho tema das também para aquela. Não conseguiu-o seu objec-
da silogísticà No cálculo .combinatória e.labç)rado por tivo. Já o primeiro:âm em vista, a apresentação
e
Tartaglia, .Cardano e .Pascal,.encontra o. tipo matemático definição dos .conceitos fundamentais do pensamento
l
dum processo que Ihe permitiria depois derivar 'com- científico em número limitado e com ;ivalidade !iuni-
pletamente
. todas:as
. . c )mbinações conceituais possíveis, versal,: era irrealizável. Estas ideias ; tiveram a sua .con-
segundo as regras :.gerais .da . combinação dos conceitos tinuaçãoona moderna lógica matemática e nas tentativas
simples..Parecia . assim ter-se conseguido,.
' ; esta
com : arte
l
para f elaborar uma linguagem universal. Mas . Leibniz il
combinatórias o . método . inventivo, ,em lvão procurado não pede chegar ao Him que se propôs e)lesta:aí a l
por Raimunqo Lulio e .Jordano .Bruno. .Prosseguindo razão pela ;qual ele Hão conseguiu sequer dar uma
nesta ordem :.de ideias, .concebeu também. .o plano duma exposição sistemática da sua filosofia.
linguagem . simbólica .universal. 6c,êarízcí? ü/üa. w?zzuezlsa-
Torna-ge-nos, contudo, possível, :,em : compensação,
/zs9. ,.«Cazacfez?.ç» chlmav& }beibniz ' '' ''--:a ';'« certas
. .' ..=''''"
coisas
)

lobrigar alguma éóisa acerca do; método de:trabalho

pelas quais .se . exprimem . as :relações recíprocas entre
l outras e:que -são mais fáceis de tratar. do que.estas». Eis
outra. generalização lógica daquilo que' a matemática
realiza:-..o : seu sistema ;de sinais. Encontrados os con-
}
seguido por Leibniz.. Leibnizrnas suas realizações mate-
máticasjestava: sempre preocupado com a ordenação e
designação dos diferentesugéneros de relações dentro
das diferentes classes :dos objectos : desde as de identi-

ceitos simples, : e . expressos estes :.em : caracteres plÓ- dade e-:de diferença,' de todo e parte,l até à de função..
l
l

1.
 112 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 113

«Em todas as ciências certas, quando demonstradas,

acham-se como que encofporadas determinadas formas
lógicas superiores que emanam,em parte, das aristotéli-
l cas, em parte, de outros meios».-Era a sua esperança
poder levar esta arte da razão a um grau ainda mais
alto. Partindo da arte combinatória, seguia o cálculo das
E probabilidades e contava chegar com ele à determinação
daquele grau de probabilidade ainda possível no domí-
nio daquelas verdades às quais não se pode já atribuir
a necessidade de um valor universal. Noutras partes da
sua obra matemática se fez sentir a tendência desta sua
«característica» geral. O exemplo mais fHsante desta
relação entre o seu pensamento filosófico e o mate-
mático está na parte que Ihe coube na descobertado
cálculo diferencial e integral. A história das ciências
não conhece luta mais acesa em torno de prioridades
do que aquela que surgiu entre Newton e Leibniz a
propósito desta transcendente descoberta da matemática
moderna. Nenhum dos dois grandes homens conduziu
essa luta como seria para desdar que a conduzisse.
Ela chegou mesmo a ensombrar a última fase da vida
de Leibniz. Hoje, os mais versados nesta questão,
conhecedores dos manuscritos conservados na biblioteca
do Hanover, chegaramà conclusãode que Leibniz, em
todos os pontos essenciais, teria feito a sua descoberta
/
independentemente da de Newton. Baseiam esta sua
convicção precisamente,já no particular caminho seguido
por Leibniz, partindo das suas ideias gerais para chegar
ao novo cálculo, já na originalidade da forma em que
o apresentou.O próprio Leibniz põs bem em foco a

gliU MÜã#81
relação desta sua descobertacom a sua tendênciapara
construir uma linguagem simbólica de sinais, e Gerhardt
114 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
dades tácticas precisam duma « razão suficiente'> lógica
e portanto -- o que dentro deste sistema obÚectivístico
vem a dar na mesma--de achara sua causareal na
ordem universal das coisas.Tudo é racional e determi-
nado. Como, porém, pode o puramente dado, o casual,
o individual, em cada caso,ser racionalmente
funda-
mentado? Eis aqui al resposta de Leibniz: A. primeira
ordem em que ele se funda, deve estar racionalmente
determinadaem Deus pelo próprio objectivo por este
tido em vista a respeito do mundo. Este ob.lectivo
como já vimos, a realizaçãodo «melhor dos mundos
possíveis», regressando assim à Teleologia e Teodicea
leibnizianas que já conhecemos.
Em seguida, trata-se de construir e fundamentar
este universo. Aqui também Leibniz é um continuador
das ideias renascentistas,transformando-as,através das
ciências naturais, na filosofia do Iluminismo., A base
para este fiM, fornece-aagora a mecânica.Todo o
mundo Hisiconos é dado como um sistema de movi-
mentos dos corpos no espaço,determinadopor leis.
As qualidades deste sistema só se nos tornam claras
quando ele se basear numa multiplicidade de unidades
energéticas. «Tudo o que é activo é substância singular,
e todas as substâncias singulares são ininterruptamente
activas». Cada unidade energética traz em si a mesma
lei de sequência das suas modificações. A soma destas
unidades energéticas na ordem da natureza acha-se deter-
minada duma vez .para sempre.Eis assim, nos princípios
geraisde Leibniz, outro ponto de partida para uma sua
notável contribuição para o progressodas ciênciasexac-
tas. Trata-se da caminho que, partindo de Galileu e Huy-
gens,leva à descobertada }ei da ca ieruczfãada e z'fria
LlaJBN]Z E A SUA ÉPOCA 115
J por Robert Mayel' e Helmholtz. Descartes estabelecera o
princípio da constânciaquantitativa e do movimentono
universo. Leibniz encontrou uma fórmula mais próxima
g da verdade, afirmando que se conserva a soma da ener-
gia activa existente.O princípio geral, porém, a que
aqui se soube elevar, estava no seu axioma da «razão
suficiente» : segundo este axioma, é impossível à energia
nascer do nada ou desaparecer llele. Assim,: o choque
é, de corpos não-elásticos não levaria de maneira alguma
à perda de energia, mas antes à sua dispersão entre as
fracções.
Leibniz dá.o último passo para a determinação das
unidades energéticas, incluindo a experiência interna
dente'o da sua especulação metafísica. As várias unida-
des energéticas singulares só podem compreender-se
segundo o tiPO (à /'exe#zP/e9do Eu. Cada corpo é um
agregado e sòmente no nosso Eu é que possuímos uma
l
energia actualmente homogénea. Esta conclusão ousada t
encontra o último fundamento numa exigência de inte- LJ
ligibilidade de todo o dado. Apenas com esta suposição l
se nos podem tornar compreensíveis tanto a natureza
l
da unidade enegética como a origem da sensaçãoe l
da' consciência.Uma valiosa confirmaçãodestefacto.
para Leíbniz, estava precisamente na circunstância de o
microscópio ter vindo revelar então todo um mundo
de seres infinitamente pequenos.
Desta maneira, o universo deve pensar-se como cons-
tituído pol' -'#zó#ada.f.ou unidades energéticasindividuais
de carácter anímico, trazendo cada qual em si a lei do
seu próprio desenvó].vimento, sem poder ser influenciada
nem destruída do exterior..A relação entre elas não é a
duma I'eal acção e reacção recíprocas: no decurso das

116 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
suas representaçõese afãs, as « manadas » pl'ocedem ape-
,nas como se entre elas existisse esta relação. O pro:
fundo conceitocrítico dutna relaçãoentre os diversos
elementos do universo dentro duma ordem sistemática,
e não em ligações casuais, é assim transformado pot'
l Leibniz no dogma da «êz / a ia .prêei/aóe/eczaa».
Cada'
mónada reflecte o universo, como no seu lugar compe-
tentemente Ihe pertence reflectir. A ordem destas móna-
das é determinada por certos princípios. A tendência de
Leibniz para uma extremageneralizaçãoacha a sua ex-'
pressão suprema nas fórmulas destesprincípios, nas leis
da diferença individual de todas as unidades simples, da
continuidade, da constância da energia e da economia.
O fenómeno, assim bem fundamentado, desta ordem
das mónadas, porém, dá-no-lo o mundo sensível
seu mecanismo que a ciência matemática nele acusa.
E assim, depois de todas as aspiraçõesmonacais e
místicas e de todas as pretensõesda Renascençae dos
autores franceses, Leibniz consegue, finalmente, achar
também, partindo desta penetração na alma humana, bs
fundamentos duma psicologia explicativa. Descobre a
sededas representações
que mal se notam no fundo
da vida psíquica. A evolução da alma é o progresso
que conduz deste estado das representações obscuras
e confusas ao pensamento racional e à determinação
por ele da vontade. Este progresso realiza-se através da
percepção que eleva os conteúdos da alma à clareza da
evidência da própria consciência. Com isto, vencera-se
a distinção entre sensaçãoe razão,e o princípio da evo-
lução passou a poder aplicar-se também à vida psíquica.
Para a Teoria do Conhecimento alemã foi este axioma
dum largo alcance: as formas de relacionaçãocom que
T
LEIBN]Z E A SUA ÉPOCA 117
elaboramos os dados dos sentidos têm a sua origem na
pl'opria energia psíquica e estão já contidas no .mundo
das. nossas representações confusas. Tudo, porém --
numa palavra -- vem a cifrar-se na posição .já descrita
da. vontade perante à vida e que culmina naquela ten-
dência para considerar enfim a alegria como a cons-
ciência do próprio progresso.
j'
As últimas grandes criações
da religiosidade protestante
e o
Em nenhum outro país o dogmatismo cristão se
manteveainda de pé nesta época como na Alemanha.
Mas o novo espírito, cuja influência na literatura. na
poesia, na ciência e na filosofia acabamosde descre-
ver, foi estendendo também, cada vez mais, a sua
influência inclusivamente aos representantesda Igreja,
entre os quais, do mesmo modo; não deixaram de
surgir poderosos impulsos eminentemente favoráveis
ao desenvolvimento da vida intelectual alemã.
l
Nos países protestantes desenvolveu-se neste período,
ainda dentro dos confins do dogma, uma atitude reli-
giosa assazlivre. A pura vivência religiosa, a experiên-
cia interna, eis aí o novo método para os homens
118 LEÍBNIZ'E A:SUA ÉPOCA
conquistarema fé. utilizando-o ao mesmoteibpo como
uma arte e uma técnica. Esta nova forma de religiosi-
dade começou por desenvolver-seem algumas seitas
dos Países-Baixos e da Inglaterra, justamente no seio
de certas associações em que a fraternidade cristã tendia
a tornar-se realidadena base duma autêntica comuni-
dade de vida. E foi deste movimento que decorreu, na
Alemanha, um pouco. mais tarde, o chamado Pietismo.
Reprimidas a ferro e fogo pelos príncipes alemães as
diferentes seitas protestantes,foi dentro das Igrejas do
Estado que os círculos pietistas ergueram cabeça,
opondo-se abertamente aos métodos oficiais duma reli-
giosidade toda dogmática, regular e rotineira.
Entre as consequências que daqui derivaram, duas
são particularmente importantes. A religiosidade das
seitas e a do pietismo tiver'amsobre a moral individual
e a disciplina religiosa uma influência mais poderosado
que a religião oficial da Igreja. Como os rígidos e duros
conceitos do dogma se foram esbatendo com o aprofun-
damento da íntima vivência religiosa, a substância da fé
tornou-se mais susceptível de tomar também formas
mais livres e artísticas, ao sabor da fantasia.Além disso,
favoreceram e facilitaram ainda esta transformação artís-
tica da tradicional doutrina cristã os impulsos racionalis-
tas para uma concepçãomais livre do Cristianismo que
por essa época começaram também a fazer-se notar.
Assim, a canção religiosa de Paul Gerhardt até Zinzen-
dorf, não tardou em exprimir este sentimento de uma
amorável beleza do mundo, só acessívelà alma unida
com Deus. De Milton até Klopstock propaga-se a grande
poesia mística que tem por assunto a epopeia do pecado
original e da I'edenção. Esta representação artística da
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 119
religiosidadeprotestante.culmina, porém, na música
sacra de Bach e Haendel.
O movimento religioso que estava na base desta forma
}
da arte, tornou-se depois, é certo, cada vez mais pobre e
anta-cultural dentro do pietismo luterano-alemão. Leibniz,
no princípio, sentira ainda a afinidade que existia entre
+'
as suas aspirações pela união das lgrqjas protestantes e
o pietismo do seu amigo Spener. Mas as suas experiên-
cias posterioresnão tardaram em leva-lo a condenara
l religiosidade pietista, por ela destruir a verdadeira religio-
sidade, baseadana inteligência de Deus, sob o pretexto
de a querer intensificar, postulando um amor de Deus
que implicava afinal a renúncia ao pensamento cientí-
fico.- Pelo fim do século xvn} Thomasius defendera
também os pietistas no conflito entre estes e o lute-
l ranismo de Leipzig. Mias também ele, do mesmo modo,
acabou por os renegar publicamente, por causa do seu
anta-intelectualismo. E como se sabe, as intrigas pietistas
contra Christian WolfF, que levaram ao exílio do filósofo
sob a ameaçada forca, vieram revelar afinal aquelahos-
tilidade fundamental do pietismo contra a cultura que se
achava latente nos seus pressupostos.Pois a verdade é
.!
que toda a desvalorizaçãoda vida profana e a condena-
ção dos seus prazeresinocentes não pode deixar de rever-
ter sempre em prejuízo da cultura, quer soam monges,
quer pietistas, quer ainda um Tolstoi a proclama-las.
Nunca, com efeito, a pretensão de querer ver sempre
os desígnios,da Providência e o dedo de Deus em todos
os fugazesmomentos da existência pessoalê nos acasos
da vida quotidiana, pode ser conciliável com uma cons-
ciência clara da ordem do universo. Deste modo, o pie-
tisino tinha necessàriamente de combater a nova ciência.
l
l
 120 ].EIBXiZ ]B A SUÂ ÉPOCA
se não quisesseser refutado por ela. Além disso, reve-
lou-se incapaz de intervir na grande luta das forças
históricas, visto uma tal intervenção ser di6lcilmente
compatívelcom os critérios dum tão miúdo e estreito
moralismo. O seu lado mais respeitável está na delica-
deza da sua sensibilidadeética que submetiaas mais
E
leves emoções ao tribunal da própria consciência e que
convidava os espíritos a um pensamentocomum e a
um livre convívio religioso entre os correligionários
dentro duma pequenacomunidade.;Assim, o pietismo
conseguiu -- não há nega-lo -- intensificar consideràvel-
mente a honestidade burguesa e fomentar uma salutar
oposição ao afrancesamento dos costumes da nobreza.
Mas o pietismo cedo revelou a sua total incapacidade
pal'a se adaptar à riqueza da vida moderna quando a
arte profanaalemãe o seu novo ideal de vida se
afirmaram.
2
O cântico sacro foi sempre, sabe-se, a suprema
expressão da religiosidade protestante na literatura.
Reside aí a razão por que ele, assim como toda a restante
literatut'a protestante de edificação religiosa, tiveram o
privilégio de, através de um ininterrupto desenvolvi-
mento, se conservarem fiéis à língua de Lutero, no meio
aliás da mais completa barbarização da nossa lingua-
gem e do fatal divórcio que se estabeleceu
ente'ea
nossa poesia e o sentimento popular.
Na medida, porém, em que, a partir dum certo
momento, os valores religiosos ultrapassaram o dogma
LE[BNIZ H A SUA ÉPOCA 121
e ge projectaram no terreno da acção prática dos crer
tesa a canção religiosa mudou. também de carácter.
O antigo cântico confessional transformou-se num cân-
1' tico''Vde edificação. Esta evolução culmina em Paul
Gerhardt e Johann Heennann. Era o momento ein que
a consciênciada vida comum da freguesia,a dependên-
cia do canto da vida eclesiástica, o culto e as festas
religiosas se equilibravam ainda com as novas tendên-
cias dum maior aprofundamento religioso da personali-
dade. Ao carácter popular tradicional e à simplicidade
de expressãoda consciênciareligiosa em geral,.vieram
juntei'-se no novo cântico uma linguagemmais pura e
uma expressãomais poética, inauguradas por Weckher-
lin, Opitz e Fleming. Desse momento em diante, o subjec-
tivismo religioso impôs-se cada vez mais. A canção
religiosa tornou-se, cada vez mais, a expressão da inti-
naidadereligiosa individual.- Esta abriu-se cadL vez mais
ao :misticismo. à união da al.ma com Deus. e ao amor
de Jesus.
Desdeos primeiros tempos que um elementomístico
vivia oculto na crença de Lutero. Este vivera sempre
encera'ado dentro de uma profunda união entre a sua.fê
e a Igreja cristã, e a sua intimidade com Cristo que, pelo
lado do sofrimento humano. é um irmão da alma crente,
era a porta aberta por onde o misticismo amplamente
penetrava na alma protestante. Nos impressionantes can-
tos religiosos do próprio Lutero este elemento ainda não
se acentua muito. Mas esta mesma catolicidade da inspi-
ração levou já Heermanh a explorar, para a poesia dos
seus cânticos, o misticismo de S: Agostinho, S. Bernardo
e Tauler. E deve notar-se que foi precisamente na segunda
metade do século xvn que surgiu também aquele viga,
 122 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
rosa movimento místico dentro da lgi'eja católica que
teve a sua máxima expressão no cântico religioso de
um Friedrich Spee e' um Angelus Silesius.Daí partiu
uma corrente de exuberante misticismo amoroso que
acabou por inundar também a poesia protestante...
Estes poetas católicos do canto não deixam de
ocupar um lugar de destaquena poesia religiosa alemã.
Não estão dependentesda tradição eclesiásticanem do
culto. Por isso, com tanta mais liberdade se movem na
esfera poética. No canto religioso do jesuíta Spee, por
exemplo, o misticismo dos cânticos dedicados a Jesus
chega a ter a intensidade das canções amorosas. Mas
justamente, por isso mesmo, estas diversões da alma
crente com Jesus, segundo o modelo do Cântico dos
Cânticos interpretado misticamente, fazem diminuir' a
misteriosa grandiosidade do . seu objecto. Os louvores
ao Criador identificam-se com os tributados à perfeição
do mundo, e esta patenteia-se nas estrelas, nas fontes,
nas flores e nas abelhas,como mais tarde na poesia do
Iluminismo, sem dúvida com maior ternura e intimi-
dade, mas também com maiores requebrosde senti-
mentalidade. O poeta calcula, tal qual um monge, a
cera que as abelhas oferecem, ano após ano, ao Senhor:
Wachstichter vigie tawsetd
Sie zilndeK alt lfilr ihlt.
Die Tüg tuta Nücht in tausend
[Jnd tausetLd Kirc]telc gLllhn.
O ponto extremo deste artifício religioso está num
dueto amoroso entre Deus-Pai e Deus-Filho. e nas can-
ções bucólicas cristãs do bom-pastor e dos seus cordeiri-
LEIBNIZ E A SUA BROCA 123
nhos amados que se perderam. Há, porém, nestas poesias
uma combinação muito particular de ingenuidade e anel
de tom popular e técnicarenascentista.
Tudo quanto
Spee toca, dissolve-o na melodia do sentimento. Ange-
lus Silesius, que se destaca na gei'anão seguinte, está
animado pelo mesmo amor entusiástico de Jesug. Mas
o seu misticismo, no entanto, vai muito mais longe,
afundando-se no oceano do panteísmo místico. Inte-
gra-se na grande corrente que, partindo de SantaTe-
resa, vai ate Molhos, a Madama Guyon e Fénelon.
Refugia-se,perante o mundo turbulento e doloroso, na
imensa e tranquila profundidade de Deus, ao mesmo
tempo que, perante os afectos, se recolhe todo sob as
asas do mais desinteressado amor.
Wer Zeit immt altne Zeit und SorgeTt oltTte Sorgen,
Wem gestern war wie }tettt ultd Itet{.te gilt uie morgett
Wer alias gteiche scltàtzt, der tritt scholt in der Zeit
In. der gewilmchtell Staltd der liebelt Exoigkeit.
lclt bin se graus ctls .Gota, er ist lEIs iclt se kLein.
Er kalttt nicht {Lbermir. ich uzter {!z lzichtseilt
lch a-uch bin Gostes SohJI,
lch setbst bin Ewigkeit, wenll iclt die Zeit 'uerlasse
Ulü ltlich in Gott lwü Gott ilt miclt zttsam?nenlctsse
São dele também algumas das canções religiosas poe-
ticamente mais perfeitas dessa época, compostas num tom:-
que veio a ser mais tarde adoptadopor Novalis.
Neste mesmo sentido .de interiorização actuava tam-
bém o Pietismo, como já vimos. Fez da alma e do seu
1'
 7'
l
124 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA L'EIBNIZ E A SUA ÉF'OCA 123 l

destino o cento'o da literatura..religiosa. A descrição ção religiosa protestante.Uma idêntica expressãodela

desse destino no SeeZe#.fc&a/z ('Zeiozí a daí a/mzK), .de
encontra-se ainda nas canções da comunidade pietista
Scriver, conseguiu exercer uma influência extraordinária de Herrnhut. Todo o escárnio lançado sobre a poesia
sobre a vida religiosa daquela época. pelo vigor da } palavrosa das canções de Zinzendorf, que se dirige a
!maginação re]igiosa e a sua linguagem impressiva. Deus no estilo cortesão da época e ao Salvador da
Assim se vê, portanto, que a substância e a forma da alma em atitudes de galantaria sentimental,está bem
canção religiosa se determinam também pela mesma
nota de afirmaçãoda alma crente,bem conscientedesse
t justificado. O mais característico da religiosidade her-
rnhuterianaresideno facto de a poesiae a música
seu significado.Três nomes se destacam.no meio da
penetrarem até à medula a vida da comunidade. A grande
abundância .das canções religiosas desse tempo colec- arte do herrnhuterianismo, que consiste em elevar por
cionadas no cancioneiro de Freylinghausen, o genro de múltiplos meios os olhos da alma para os objectos
l?rancke. Joachim .Neander é o poeta da comunicação metafísicos, caracteriza também a sua canção religiosa,
pessoal e religiosa .com Deus, ]nenos preocupado com conferindo-]he um significado único na ]listória do
a celebração dos dias religiosos. As canções juvenis Cristianismo. Posteriormente, a canção religiosa alemã
do genial Ottfried Arnold, outro discípulo de Spener, nada mais api'esentou de notável, perdendo-seem bana-
elevam-se a uma .região mística onde há também suÊ- ]idades religiosas e poéticas.
ciente lugar' para a grande e verdadeirapoesia...E é
nesta. . mesma .região mística que Gerhard Terstegen
vive também numa,.quietação de alma .toda doçura.e
idílio. 3

Luft, die atles fllILet,

Ao declinar da poesia, como fonna de expressãoda
DriK soir immer schmeben, #
religiosidade protestante na Alemanha, correspondeu,
Aller Diuge Grund uzd beber, portanto, um progresso constante da música sacra.-Esta
Heerültn GrttTtd and Ente.
foi a suprema revelaçãoartística do génio alemãopos-
bVilnder aller Wuxder, l
terior a Düref e anterior à poesia clássicaalemã.
lch sewk ?nich in dica tlinlclzter
Heinrich Schütz foi quem conseguiu realizar a fusão
lclt i% dir, dtt in mir; da música alemã com a italiana no meio ainda da Guerra
dos Trinta Anos. Já pelo fim da guen'a, as suas Sete
Nestes três poetas acentua-se também o progresso Palavras da Cruz (Szeóe# Wo fe am .K>eaz0 revelam a
geral da poesia profana na linguagem e versiíicaêão. perfeita expressão musical da i'eligiosidade protestante.
Trata-se duma derradeira florescência póstuma da can- Decorridos menos de dois decénios depois de con-.

l
 126 LEIBNIZ:E Á SUA ÉPOCA
y'
fluída a paz, o ancião publicou,ainda,na sua mais
avançada idade e no momento da mais diHicil situação
económica da Alemanha, as suas três grandes Paàrókr
lira/s que constituema bbasedos Ora/óráo.ç
de Bach
e Haendel.
Nenhuma influência exercida por qualquer povo civi-
lizado moderno sobre outro, no domínio da arte, foi tão
fecunda como esta transmissão das formas e meios de
expressão da música italiana pal'a a música do protes-
tantismo alemão.Por toda a parte, na Alemanha,a
mesma íntima relação entre a ascensão da música sacra
e a evolução das restantes afirmações da cultura espiritual
se deixa notar. Partidário dos ortodoxos nas discussões
entre estese os pietistas,pol' julgar a ortodoxiamais
favorável ao desenvolvimento do culto pela música saca'a,
Bach não deixou de sofrer também fo?tementea influên-
cia do pietismo e do misticismo. A música das suas
BaixõPsconstitui a expressãomais emocional da nova
religiosidade subjectiva. A modulação mais rica da vida
sentimental e os seus tons mais suaves fazem-se sentir
ainda no tratamento musical dos coros nos quais se
manifesta a consciência da comunidade cristã que acom-
panha a acção. E como chegariaHaendela arquitectar
o seu Ora/ár/o na base das formas da nova ópera,con-
vertendo-o no drama religioso musical (a princípio s6
destinado para o palco), se não fosse capaz de apreciar
também a existência e a arte profanas que conheceu
com a mesma perfeição ? Como conseguiria ele alcançar
K aquele grau de concentração da mentalidade religiosa.
aqui atingido,se não fossea existênciade uma con-
cepção mais livre .do Cristianismo? No seu Mesiim,
toda a acçãohistóricae todo o estadode alma doa
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 127
crentes .,estão subordinados à consciência triunfal da
comunidade, à consciência dum reino de Deus que tudo
tem nas suas mãos: tanto a redençãoe o destino dos
bem-aventurados, como o futuro dos crentes e da Igreja.
As obras mais impressionantes deste luterano baseiam-se
na concepção heróica da vida dos grandes vultos 'bíbli-
cos, que se desenvolvera na religiosidade reformada e
no puritanismo. Mias Bach também não é um compor
sitor religioso no sentido rigoroso da palavra. Também
a ele o cei'ca o brilho da ópera italiana e da música
instrumental profana. Nada de humano Ihe era estranho.
E precisonão deixarmosde ter presentesaqui a sua
rica personalidade humana, o seu optimismo, o seu
humorismo, a sua melancolia, aquela espontaneidade
com que se abandonava aos seus sentimentos, o manejo
despreocupado dos instrumentos e das formas de expres-
são musical. Estes grandes músicos são, sem dúvida.
na forte consciência de si mesmos, os verdadeiros repre-
sentantestípicos daquele homem novo que já se nos
revelouser o grande obreiro da cultura alemãnaquele
século. Bach e Haendel estão cheios da altiva consciên-
cia da sua missão artística--aspecto este de máxima
importância, pois ainda aqui é o carácter que está na
base deste espírito espontâneo, natural e sublime da arte.
A grandeza incomparável da música de Bach e
Haendel só é, afinal, compreensível pela íntima relação
que existe entre ela e o espírito.da Reforma, entre ela e a
religiosidade protestante. Se a lgrqa católica tinha encon-
trado a suprema expressão do seu culto numa colabora-
ção entre todas as artes, o invencível poder protestante
da .pa/aura encontrou antes o seu órgão mais adequado
na poesia e na música.
 128 LE]BNIZ E A SUA ÉPOCA

Ambas estasartes foram para a religiosidadepro-

Ri
testante o mesmo que outrora tinham sido os grandes
pintores, a partir de Giotto, igualmenteanimados poi
uma mais íntitna religiosidade, para o Cristianismo
católico.
A' música. libertou as representações da mentalidade
cristã de todas as limitações que para ela resultavam dos índice onomástica de contemporâneos
conceitos religiosos, elevando-a a uma região supratem- de leibniz, citadosno lexlü
poral em que apenas encontram expressão os aspectos
mais dinâmicos desta mentalidade. Pala esta região apon-
tam também as Szó//ezó-e os .P»c$P/as de Miguel Angelo
e as l;qrge#i .de Rafael, e para elas acenam ainda as
harmonias dos Orafár/os de Bach e Haendel, libertas
das limitações dos símbolos intelectuais de que nos ser-
vimos para exprimir a nossa relação para com o Infinito: Anrnuslus, Johann(1556-1638),
filósofo do Direito e do Estado.
ANDRnAn, Johann Valentia ( 1586-1654), teólogo protestante,
calos pfimoiros escritos serviram de basepara a associa-
ção dos Rosacruzes rRosen#reüzerJ.
AKanLus SiünsiuS, pseudónimodo Johann Schofflor (1624-77),
poeta místico alemão, autor da obra OBerbi%i9cÀer
Wan-
dersmann(Peregrino quorubino, 1657),om que reuniu a
sua lírica religiosa comporta antes 8 depoía da aua conver-
são ao Catolicismo.
ANPOK ULnion, Duque do Wolfonbü6to1 (1663-1714), autor do
}.

cançõesreligiosas o da romances no estilo do bacoco('J){e

l dzircÀZauchfi#gfe S#reHR .4ramena -- A ilustríssima síria A.
l -- o Z)ie EõmeHn O#fauia -- A romana O. --), membro da
Z'rWcãfbHngepzden GeseZZsc#afZ(Sociedade Fecunda).
AnNOi-D, Gottfiied (1666-1714), poeta místico alemão Q autor
duma .HZsfária i]nparciaZ da ]gre/a e da #êresia ('anpar-
íeiiscie Z:rcÀe%-ziRd -KefzerÀisfade,), que é uma apologética
dos horétiços.
:

B
9
 130 LEIBNIZ E A.SUA ÉPICA
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 131

BAUMGARTnN,
Sigismund Jakob (1706-57),teólogo protestante,
Cantos n, roi da Restauraçãoom Inglatorra, onda reinou da
autor do livro -EuaPzgeZi$cÀe
GZawbensZeÀre(Doutrinaevan- 1660 até 1685.
gélica, 1759-60).
OOPÉRNICOpNicolau (1473-1543), astrónomo alemão, autor do
BATI.n, Pierro (1647-1706), 61ósofo franoêB do Ooptioiomo, autor
novo sistema holiocêntrico do universo.
do oélob3'0 .Dic amar o pZ08ó#co.

Bnannn, Johann Joaohim (1635-82), médico alemão, autor da DAcn, Simon (1605-1659), poeta lírico alemão do tendências

livros sobro a química, o d& oração O saHcfamaior natura. humanistas, professor da Universidade de IKoonigsberga.
aefernererum ardo, que Loíbniz discuto na 3.a pal'tot $ 350, D.hKCKiüi.nAxn,
Ebarhard Christ. Balthasar, Barão do (1649-1722),
da sua T%eodicéa. ministro o estadista brandeburguês.
BHKKnn,Baltha8ar (1634-98),teólogo reformado, precursor do DinTnnn von loenburg (1412-1482),
Príncipe Eleitor do ilogún-
lluminiamo, adversário da8crençassupersticiosas8m fan- Cia, do 1459 até 1463, o do 1475 até 1482.
tasmas, bruxas o feitiços. EIJaÉNlo, Príncipe do Sabóía (1663-1736),vencedor dos Turcos
BBRTHOLO vox liEnKKnnnKa, Príncipe ]Cloitor do Mogunoía
(Zontn, 1697, Peterwardein, 1716, Bolgrado, 1717).
(1484-1504); deve-se a elo prinoipalmonto a eleição do
Fna Anp, Johann (1545-90),jurista alemão o autor do obras
Maximiliano para Roi Romano,o a instituição dum Su-
religiosas o satíricas, inspirando-se em Rabelais o polemi-
premo Tribunal do Império, aom cedo 6xa.
zandocontra o luteranismoo o jesuitismo;a suaobra
Bn88nR,Johann von (1654-1729),poeta alemão o mostro de ceri-
principal é .DasaZüc#ÀafZe
ScÀiff(O barco da boa 80rte).
mónias na Corte real de 3'rodorico l da Prús8ía.
Fi.Ruina, Paul (1609-1646)) poeta lírico alemão do orientação
BoHRnAVD, lElormann (1668-1738), médico holandês. humanista.
BolnnAu-DusPnÉAux) Nioolas (1636-1711), poeta o crítico fran-
cês, autor de Z'.4rf poéfiqwe. F'KANaxn, August 1Eermann (1663-1727))teólogo proteotanta
alemão, pedagogo piotista, instituiu em 1695 a Fundação
BolNHBuna, Johann Ohriatian (1622-72), ministro do Prínaipo Franckoüna om líallo, constituída por várias 08colaa.
Eleitor, Jogo Filipo do Mogúnoia, até 1664. ])emendou o
orfanato, tipografia, caga editora, oto.
entendimentopolítico entro a Áustria e a Trançao a reu-
FRnYUNaHAusHN, Johann Anastasiua (1670-1739), genro do Au-
nião das oon6osõoocristãs, convertendo-se ao Catolíciomo
8m 1656. gust llermann Franoko,editor dum oancionoiroreligioso
l protestante.
BRAnn, [Pyoho do (1546-1601),astrónomo dinamarquês, constru-
tor do observatórios. FnnDnnico 11, o Grande,terceiro rei da Prússia, ralhou do 1740
Bucnoi,vz, AndreaB Hoinrich (1607-71), teólogo o romancista até 1786, vonaodor d& Áustria nas guerras Bilesianas, o da

alemão, autor do romano08 amorosos o heróicos no estilo coligação lustro-frango-russa, na Guerra dos Bato Anos :
{
bacoco. ÊlóSofo,post% compositor o historiógrafo, protector daa
R
l bolas-aftas o ciências, amigo do Voltairo.
 ''v'
132 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA
LEIBN]Z © À SUA ÉPOCA 133

FK D Rico 111(1)(1687-1713),
primeiro rei da Prússia,olovou o
canções religiosas populares, durante a Guerra dos Trinta
eleitorado de Brandoburgo a Reino da Prüssia, procla- Anos.
mando-se roi em 1701.
1' ljloBnns, Thomas (1588-1679),Elóaofo inglês, autor do Zeuiafãa»,
FnnnnKioo GUZLxnKna [, o Grande ]ê?eitor,Prínoipo do IBrando- representante da teoria matemático-mooânioa da natureza
burgo,reinou do 1640 até 1688. a nomina]ístioo-matemática da lógica.
Fnnnnnlao GuiLnnnun 1, segundoroi da Prüssia, reinou do IIOFMANN VON IIOFMANNSWALDAU, Chr. (1617-79), poeta BRIGO
1713até 1740,o Rei-saldado,
criou o organizouo exército alemão
prussiano. liunYaEms, Christian (1629-95), físico holandês.

GnRHARDT) Paul (1607-76), poeta protestante alemão, de 6enú laAnnl oo P.LL.LnKATO (1652-1722), esposa de Filipe 1, Duque
dênoias para o misticismo, autor do numerosas canções de Orleães, irmão do Luas XIV, do Franca.
religiosas evangélicas. Jogo FRHDnRIColDuque de Brunsviquo (1665-79),
protector do
Laibniz.
GKluuni.snAusnK, lllans Jakob Christoffol von (1610-76),roman-
cista o poeta alemão, autor de Z)er abentetóe7'Zãcãe
SilMpZi- Joio Fimpn, de Sohoenborn(1605-73),Príncipe 3]1oitordo Mo-
cissi#nós (Simplicíssimo, o avonturoiro), inspirado nos gúncia, desde1647,defensor das tentativas irénioa6,o da
acontecimentosa que o escritor assistiu, o no ambiente paz franco-alemã ; desempenhou importante papol naBnego-
om que vivos, durante a Guerra dos Trinta Anos. ciações da paz da Vostofália (1648).

GRYPnnJ%
Androas (1616-64),poeta lírico Qdramático alemão, JuNaius, Joaohim (1587-1657),
erudito alemão,íãlósofo,mate-
autor do poesias I'oligiosas, dos dramas Zeo .4rmenáz&8, mático, físico, botânico, médico, autor d& bgica móz4r-

(safari a uon Gearyien, Gorda áws w%d aez pôde,.Die geZiebZe gz+ePzsis o da teoria corpuscular.
Z)or-P&ro$e, o das comédias Pelar SgzóeHZ, Hbr2'ábáZÍcribi$üa, KArsuK, Roinhard (1674-1739), compositor alemão, regente-mor
.Das uerZiebfe (;espeHsf, oto. da ópera alemã, om IH.amburgo,autor de 77 óperaso do
HAnNnnl, Goorg Friodrioh (1685-1759'), compositor alemão, oratórios, cantatas o mais música sagra.
!

autor do numerosas óperas (7uZ{ s Chegar,Bodespoda,:

Xer- KEPLER,Johannes (1571-1630),astrónomo o matemático alemão,
res.. .) o oratórios (Me$sia8,Jubas]Za#Êab#ws,)
B de música inventor do telescópio astronómico ; formulou as /eis ÀepZe-
sagra o profana orquestral, do câmara, órgão e piano. Ao riamassobro os movimentos planetários.
serviço da casa de llanovor, seguia para Londros, quando i KLAI, Johannes (1616-1656), saaordoto protestante o poeta lírico
a esta coube a sucessão ao trono da ]ng]atorra, onde ]laon- alemão, um dos fundadoras do PoyPzesiscÀer .BZwmenordeH
dol oxorcouprofunda influência na vida musical.
(Ordem pognosiana das flores), de Nuromborga.
HAanoonK, Friodrioh von (1708-54), poeta lírico alemão, autor
KNuznx, Mártir (1713-51), matemático o ülóaofo alemão, pro-
do poesiasanacreõnticas o do fábulas. fessor do Künt; procurou relacionar o l-aoionülismo do
HnnnuAWK, Johann (1585-1647), pregador protestante o poeta da Wolff como piotismo.
 'v'
134
LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA LEIBNIZ E A~SUA ÉPOCA 135

KOLBn voN 'WxnpnKBlona, Conde Johann ](asimír (1643-1712), Nnwvox, lsaao (1643-1727), matomático, físico e astrónomo
estadista prussiano, favorito do Fredorioo l.
inglês, famoso pela descoberta do princípio da gravitação
lümBnnv, Johann llleinrich (1728-77),íilósofa, matemático, fieico e do oapoctro,do movimento planetário, ütc.
8 astrónomo alemão, autor dos livros /'yrometrid, .Pãofo- Onvz, Martin (1597-1639),
poetaalemãoo autor dumateoria da
mefr a 8 KasmoZagia.
ano poética (:BÍócÀZei ua der de f8cÀen Paefereg9.
LAURnMBnRa, Johann (1590-1658), poeta satírico alemão. PAscAL, Blaiso (1623-62),âlósofo o mabomátioonancês, autor
LooKn, John (1632-1704),61ósofoinglês do idealismo o ompi- \

das Onrfasa m proui ciaZ,do tondênciaaanui-jesuíticas,Q

rnmol precursor do Iluminismo.
dos Pznsamefas; ospíribo de profunda roligioaidado; como
LonnasTnxK, Daniol Kaspar von (1635-83),poeta alemão, autor oiantiata, é famoso por aor o inventor do cálculo das pro-
do dramas o romances no oatilo bacoco,prolixo, bombáB- babilidades.
tioo, trágico-horroroso, muito popular na época. RniuAnus, Elormann Samue1 (1694-1768), 61ósofo alemão, célebre
MAíipnnTuzo, Piorre Louça Moreau de (1698-1759),matemático pela sua intorprotação radicalmonto profana das origens
francês, desde 1741 Prosidonto da Academia das Ciências
do Cristianismo, num manuscrito aditado, dopoia da aua
do ]3erlim.
morte, por Lossing.
MnR8nNNlo, Mlarin (1588-1648)) matemático Q âlósofo &ancês,
Raurnn, Christian (1665-1712),
estudante,autor do romance
amigo de Desaartos, autor duma Harmoníe %iuer8eZZe
8cheZmz+/fsÀy,o do comédias satíricas.
(1616-7).
Riso, Johann (1607-67)) poeta alemão, autor do canções religio-
MiLroK, John (1608-70),
poeta inglês, autor da opopoiaO Pa- sas evangélicas.
raíso Perdida.
ScAuann, Juliua Caesar(1484-1558),filólogo, médios e crítico
M.ouros, Miguel do (1640-97),místico espanhol.
alemão, adversário de Erasmo.
Mosannnoson, Johann Michao1 (1601-69),escritor satírico ale-
Sonnnn, Paul (1539-1602), conhecido sob o pseudónimo do
mão, autor d& Ge$cÃicÃfe.PhiZa deraz;aHSitlewaZd(EEiBtória
MALissuu, pooba humanístico alemão, autor duma tradu-
de Philander da floresta moral), do tendências pütrióbicas ção dos 23aZmos, em rimas.
8 üanoófobas.
Sonupp,Balthasar (1610-66),pregador alemão,satírico, publicista.
MuaKonnAusnN,Kart Friodrioh liieronymus von ( 1720-97),a
SonuuTzl Heinrich (1585-1672), compositor alemão, precursor
barba menu raso; as suas ..{ueHlwras apareceram om 1785
do Bach, autor da .ópera -Daph4e,o do música sacra, nomea-
numa edição inglesa, feita por Raspa, o em alemão, edi-
damente .Paiaãe$ o Oratórios.
tadas por Bürgor, om 1787.
Soalvnx, Christian, pregadoralemão o autor de escritosmoram:
NEANnnn,Joaahim (1650-80))poeta alemão do oançõoBreligio-
sas evangélicas. Go(tÀoZds faZZige .dKdacÀteR, considoraçõea dovotaa sobra
a vida quotidiana(1667), o See/epzscÀalz rTz$oz ra das .almas;,
ll NauKiRoa, Bonjamin (1665 o 1729), lírico alomEo.
1675-91,tratado parabólico da dignidade original d& alma,
136 LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA LEIBNIZ E A SUA ÉPOCA 137

da sua queda, ponitênoía, santidade, tributação, ânsia d& TgCnIRNnAuslEhronfried. Waltor, Conde de (1651-1708), mate-
otornidado o preparação para a morto. mático o 61ósofo alemão.
SEMLnR,J ohann Salomon (1725-91),teólogo protestante alemão, VONDIDL,
Joost van don (1587-1679),poeta neerlandês, autor do
precursor da crítica histórica dos Escritos Sagrados o dos drama Zzaifet'.
dogmas. WncKEinKUN, Rudolf (1584-1653), poeta anaareõntioo alemão,
SnAFrESBURY, Anthony Ash]oy Cooper, Conde da (167]-1713), W íanl, Erhard (1625-99), matemático alemão o prof08sor do
filósofo inglês, famoso pela sua teoria da beleza o pela sua Leibníz; autor da SpÃ.dera
moraZi8,
que o Êlósofodiscuta
âlosofia do eudomonismo. em .4»imaduersiones ad WedgeZiwm.
coPiA, Princesa do Hanover (1630-1714), filha do rei do {Buer%a, Wnisn, Chriatian (1642-1708),poeta alemão, autor de dramas a
FrodericoV do Palatinato,osposndo PríncipeErnesto romances.
Augusto de .Elanovor. Wirr, Cornolítls de (1623-73), político holandês, irmão..de:
copia CAnhOTA (1668-1705), esposa do primeiro rei d& Prússia, WivT, Jan do (1625-72),estadista neorlandêa, defensor do podar
Frodorico l. marítimo holandês contra a Inglaterra; adversáriodo
Sopé LuíaA, terceira 08posa do roi Froderico l da Prússia. Luas XIV.
Spiün,Friodrich von (1591-1635),
jesuíta alemão,contrário aos WoLpp, Ohristian (1679-1754),âlósofo alemão do racionalismo,
prooeosos do bruxas; poeta religioso, autor do canções o primeiro a osoj'favoras suas obrasno idioma nacional;
devotas.
autor cla moderna terminologia 61osó6oa.
SPnNER, Philipp Jakob (1635-1705), teólogo evangélico, fundador ZnsnK, Philipp von (1619-89), escritor alemão, autor do romanos
do pietismo. Ádr al ache RosamHWHd.
TER8TnlüGEN, .Gorhard (1697-1769), místico oalvinista, autor do Zi aLnn, .Hloinrioh Anshelm von (1663-96), escritor alomao,
canções religiosas. autor do romance .4siafÍscÀe Banise, odor das ÓZwtige, doca
TnnTAamA, Niccoló (1500-57),matomábico italiano, estudou oe mwfige -Pega.
problemasdo cálculo das probabilidad08,da detorminaçEo
dos pesos eõpooífiooo, o d& balística; autor do OepzeraZe
fraffafo deá ?zumeri e mi8w}.e.
Aquisição por.--...
ó2 ,.
TnOUASiU$ Christian (1655-1728),filósofo o jurista alemão ; de-
fendeu & doutrina do direito natural o insurgiu-se Contra á$#,nz ::;&''""uh
a intolorânoia e a tortura ; o primeiro professoruniversi-
tário alemão a fazer as suas preloaçõosno idioma nacio-
a8g....Z....:kg#lH....9:.$.,gÇ':":
/ ..
nal (1688).

TnonAsluB, Jakob (1622-84),professor om Lípoia.

éé#ngéaz,...y:.
TOLANDiJohn (1669-1722), Êlóaofo inglês do deísmo.
 1'
+

COLECÇÃO STVDIVM

VOLUMES PUBLICADOS

1 -- Heari .Raberf,O Advogado. Tradução e prefácio do Dr. J.

Pinto Louceiro, 2.' edição (esgotado).
2 -- PÍerre BozócÀardo?},
O Magistrado. Tradução e prefácio do
Dr. J. Pinto Loureiro (esgotado).
3 -- Z. Eabinouíaz, O Crime Passional. Tradução do Dr. Fer-
nando de ciranda (em reímpressão).
4 -- MI. de .Flewrgr,O Médico. Tradução e prefácio do Prof. Rocha
Brita (esgotado).
5 -- OarZos
RicÀef,O Homem de Ciência. Traduçãode D. Mana
Dantas de Campos Tavares -- revisão e prefácio do Prof. Agos-
tinho de Campos.
6--Mgr. .E. JaZieB, O Padre. Tradução e prefácio do Padre
t Dr. Luasde Meio
7 -- Heimz .IZeimsoe&Zh
A Filosofia do Século XX. Tradução do
Prof. L Cabtal de Montada (2.a edição).

+,
8--Haas Ze/seH,
Teoria Geral do Estado.Tradução
do
Dr. Fernando de ciranda (2.a edição).
9 --- ZI. .Donpzediewde Vabre6, A Justiça Penal de Hoje. Tr'adu-
ção do Dr. Fernando de Mirando (esgotado).
10 -- nênlv T.-.F'. .R#ode8, O Génio e o Crime. 0 homem do génio
e o criminoso, na sua revolta contra a sociedade. Tradução do
Dr. Fernando de Mirando (em reimpressão).
 11-- 17alzsKê/sea,Teoria Pura do Direito. Traduçãodo Dr.'rei- 27 -- ZwÍs .4. .DtearfeSanfo$,Bíotipologia Humana (esgotado)
nando de Mirando. (Nova edição). 28 -- ]Uawreaio .HàZbwczcÀs, Morfologia Social. Tradução do
12-- .n .4cÀ{ZZe--Dezenas
e .@arceZ
BoZZ,
A Personalidade Humana. Dr. Fernando de Miranda.
Tradução dos Drs. David Augusto Júlio e Fernando de 29-- W{ZZeam Mc -DougaZ,A Psicologia (Estudodo Comporta-
Miranda (esgotado). mento).Traduçãodo Dr. Enio Ramalho.
13 -- Zenriqz+e Eerri, Discursos Forenses CDefesas Penais). Tra- 30 -- -EKrico Oo tieri, O estado de necessidade. Tradução do
dução do Dr. Fernando de Míranda (2.a edição). Dr. Ferrando de ciranda
14-- -ZZeMriqzóe
ZETH,Ao Lado das Vitimas (Discursosde Acusa 31 -- fieira de .4Zmeida, Filosofia da Arte.
ção). Tradução do Dr. Fernando de ciranda. 32 -- X-8pe?zZé,
O Pensamento Alemão. Tradução do Dr.xMário
15-- Zdmo d Zocard, A Investigação Criminal e os Métodos Ramos.
Científicos. Tradução do Dr. Ferrando de Mirando. 33 -- .E. .PZa»c;zard. Introdução à Psicologia das Crianças.
16 -- Berframd R seZ, Os Problemas da Filosofia. Tradução e Tradução do Dr. Fernando de Mirando.
prefáciodo Dr. António Sérgio (2.' edição). 34 -- -Enrico.4Zfaui/Za,
Psicologia Judiciária (l.o vo1.)(0 processo
17--ZwÍs de Zat4Hagr,O fim dum mundo e o mundo novo. psicológicoe a verdadejudicial). Traduçãodo Dr. Fernando
Traduçãode Jorre Barbosa. de Miranda.
18 -- .liberta .BorciaHi, As ofensas à honra COs ci'ime8 de injúria 35 --Z. .BaffisfeZJI ,
A Mentira nos normais, nos criminosos
e difamação).Traduçãodo Dr. Fernandode ciranda. e nos loucos. Traduçãodo Dr. Fernandode Miranda.
19-- .4beZSaZazar,O que é a Arte? (esgotado). 36 -- Z. -Bati sfeZZI, A vaidade (Ensaio Psicológico). Tradução do
20 -- ..{.-D. SertiZZa7zges,.
A Vida Intelectual (Espírito-Condições- Dr.' Ferrando de Miranda.
Métodos).Tradução e prefácio do Prof. A. Pinto de'Carvalho 37 -- T'leira de .4Zmeida, Introdução à Filosofia
(2.' edição). 38 -- .E. .4/fauiZZa,Psicologia Judiciária (2.o vol.) (O acusado,
21 -- liberto Riuawd, As grandes correntes do pensamento o$ofendidos e os denunciantes).Tradução do Dr. Fernando
antigo. Traduçãodo Prof. A. Pinto de Carvalho. de Miranda.
22--.4. awuiZZÍer,
Introduçãoà Sociologia.Tradução
do 39 -- fieira de .4Zmeida, Lógica Elementar.
Dr. Ferrando de Mjranda (esgotado).
40 --JoÀa7tHes MessePZ,Filosofia dos Valores. Tradução do
23--Z;. OabraZ
de Mo?zcada,
Um «Iluminista» portuguêsdo Prof. L. Cabral de Moncada.
século XVlll: Luas Antónío Verney. 41 --SÍZuio .L{»ia, Ensaio sobre a essência do ensaio.
24-- PazóZo7{gnawa', O pensar da Idade-Média. Tradução do 42 -- .4?&lónão
.Mira?zda, Teoria Fotónlca -- Uma nova física (ao
Prof. A. Pinto de Carvalho. alcance de todos).
l 25 - ZêHr{ .Batemcz»,
O Regime Matrimonial no Direito Inter- 43--S. ]lleóaZ
#ou,A Luta contra a Morte.Tradução
do
nacional Privado. Tradução do Dr. Fernando de Miranda Dr. David A. Júlio.
(esgotado). 44 ---E. .4ZtauiZZa,
Psicologia Judiciária (3.o vol.) (A testemunhar
#
26-- J. .4rtàz&r Thomso», Introdução à Ciência. Tradução do -- o documento--o perito e o intérprete). Tradução do
D.r. António Sérvio. Dr. Ferrando de Miranda.
45 --.E. .4ZfauiZZa,Psicologia Judiciária (4.' vol.) CO advogado
--o Ministério Público e o Juiz). Tradução do Dr. Fer
mandode Mirando.
46-- J. .Hüizinga,Nas Sombras do amanhã (Diagnóstico
da
enfermidade espiritual do n08sotempo). Tradução de Manuel
Vieira.
47 -- a. RadbrwcÀ, Filosofia do Direito CParto Geral). Tradução
Prof. Cabra! de Montada
48 -- G. RadbrucÀ, Filosofia do Direito (Pai'te especial). Tra-
dução do Prof. Cabral de Moncada.
49 -- OüZuet
deafagam/}ãe8,A Responsabilidade Penal do Médico.
50 -- .EmZe PZancÃ.ard,
A Investigação Pedagógica (Objecto--
Métodos
-- Resultados).Tradução do Dr. Fernando de Mi-
randa.
5i -- .Hêl'#â»iCidade,O conceito de poesia cl)mo expressão
da cultura.
52--.4. .aZa/olaria, A Teoria da eloquência (l.o volume de
A Arte do falar em público). Tradução do Dr. Fcrnando de
Miranda.
53 -- A. ]UaloraJza, As Formas Práticas da Eloquência. Tra-
dução do Dr. Fernando de ciranda.
54-- O. F. Bo/üzow,Filosofia Exjstencíal. Traduçãoe Prefácio
do Prof. Cabras de Montada.