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Justiça: Legal, Social ou Política?

COSTA JR, João Batista Soares da1

A obra “Comentários a uma sentença anunciada: O Processo Lula” organizada por Carol
Proner, Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, ilustres pesquisadores e
operadores do Direito, atuantes em instituições de renome em nosso país e também no exterior,
é um compêndio jurídico, produzido através de uma coletânea contendo 103 artigos, elaborados
no período após o dia 12 de julho de 2017, data que foi publicada a sentença referente a Ação
Penal Nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR até seu lançamento em agosto do mesmo ano, por
122 autores, expondo a visão, pesquisa e comparações sobre a sentença de 238 páginas
proferida pelo Juiz Sergio Moro, da 13º Vara Federal de Curitiba, condenando o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, tudo isso distribuído nas 544 páginas
que compõe a publicação.

Editada pelo Projeto Editorial Praxis, através da Canal 6 Editora, em Bauru, São Paulo,
sendo expandida sua edição a várias outras editoras, o livro está sendo comercializado no valor
médio de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais), porém, encontra-se esgotado nas principais
livrarias2. Concomitantemente a obra está sendo disponibilizada gratuitamente em formato
digital, tanto em português quanto em inglês, pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia
em defesa do Devido Processo Legal3.

O livro retrata a opinião de mais de uma centena de juristas, professores, estudiosos,


advogados, e intelectuais a respeito da decisão, cada um com fundamentações baseadas nas leis
vigentes, doutrinas, princípios e jurisprudências pertinentes a questão, esmiuçando os
procedimentos abordados na sentença e esclarecendo diversas interpretações sobre as regras em
vigor.

A gama de conhecimento presente nos artigos integrantes do livro conta com as palavras
do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, além de outros ilustres personagens do âmbito
jurídico nacional como Afrânio Silva Jardim, Cecília Caballero Lois, Djeferson Amadeus,

1
Graduando em Direito pela Universidade Estácio de Sá – UNESA, membro do Comitê de Jovens Arbitralistas /
CBMA - costajr@assessoria.adv.br - http://lattes.cnpq.br/3514185117159229
2
http://www.canal6livraria.com.br/pd-4ba827-comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-processo-
lula.html?ct=1954e0&p=1&s=1 ou https://www.saraiva.com.br/comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-
processo-lula-9755731.html acessado em 29/01/2018
3
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2018/01/sentenca-anunciada-de-lula acessado em 29/01/2018
Giovanni Alves, Lenio Luiz Streck. Significativo é o fato da apresentação do livro ser escrita
por Geraldo Prado4, Professor, Mestre e Doutor, atuante em diversos grupos, institutos e
universidades, momento em que o mesmo profere suas palavras acerca da obra, ressaltando sua
importância e significância no tocante ao perigo referente a perda dos direitos individuais e as
possibilidades da conversão das exceções em regra, este trata a obra como uma “Carta
Compromisso com a Cidadania, a Democracia e o Estado de Direito” parabenizando os
organizadores por sua coragem e incentivo em lutar pacificamente pela dignidade cívica.

O livro aborda a importância da racionalidade das regras, dos Princípios serem a base
para a orientação decisória dos juízes, utilizados como armas pacificadas do Estado
Democrático de Direito, alicerçando a assertiva que esta é uma das mais importantes conquistas
da civilização ocidental. Dentre os Princípios destacados na obra temos: Princípio da motivação
das decisões judiciais; Princípio da publicidade; Princípio do devido processo legal; Princípio
da imparcialidade do juiz; Princípio da Isonomia; Princípio da ampla defesa; Princípio da
proibição da prova ilícita; Princípio da inafastabilidade da jurisdição; Princípio do juiz natural;
Princípio da presunção de inocência. Além dos princípios também são convocadas diretrizes
sobre os Direitos Fundamentais Constitucionais e também da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

Aos possíveis leitores que, ao se deparar com o título da obra, imaginam o livro como
uma obra de defesa descabida e insustentável sobre a condenação do ex-presidente Lula, podem
ficar tranquilos. A imparcialidade dos autores ficou extremamente bem alinhada aos fatos
analíticos sobre a sentença, suas omissões, inconstitucionalidades e demais falhas. Em sua
maioria, debatem sobre uma decisão onde descrevem a falta de imparcialidade do julgador
como a principal falha processual existente. Sendo assim, não poderiam recair no mesmo erro.
Os artigos trabalham através de uma linha de pensamento que traz uma abordagem sobre temas
extremamente importantes presentes na base legal brasileira, mesmo assim seus autores têm a
respeitabilidade ética de não adentrar a seara sobre o julgamento do mérito em questão.

Para os profissionais atuantes nas mais diversas áreas pertinentes ao Direito, considero
o livro como um teste de raciocínio, onde poderão debater internamente sobre princípios
internalizados que muitas vezes passam desapercebidos, em meio aos prazos e processos
habituais do dia a dia. Os temas abordados no livro, tanto princípios, como doutrinas, direito
comparado, entre outros, se apresentam como um repositório de informações muito bem

4
http://www.geraldoprado.com/curriculo.php Consultado em: 28/01/2018
fundamentadas. Considero uma obra essencial na cabeceira de qualquer estudante de Direito
que tenha ânimo de partilhar sobre o entendimento de tantos renomados juristas, o teor
pedagógico e esclarecedor sobre os temas são elementos únicos para a formação das próximas
gerações de operadores do Direito.

Os autores tratam também sobre o Lawfare, termo norte americano que agrupa Law (lei)
e warfare (guerra), até pouco tempo atrás muito pouco utilizado em nosso cotidiano, porém,
surge em diversos momentos na elucidação dos juristas sobre a sentença. Significa o uso
ilegítimo da legislação em manobras jurídicas com a intenção de causar danos a um adversário
político, pode ser considerado também como uso estratégico da Justiça para criar impedimentos
aos adversários. Segundo os autores essa estratégia é a base para toda a especulação em torno
da sentença condenatória infringida ao ex-presidente Lula.

Os autores abordam em diversos momentos sobre o desmantelamento democrático, a


especulação midiática e inconstitucionalidade das atitudes tomadas durante o processo e
presentes na sentença. Muitos artigos fazem uso de comparações, algumas bem humoradas,
outras nem tanto, caminhando desde Chapolin Colorado, Clark Kent até Frankstein, citando
ícones do conhecimento e do humor, trilhando momentos históricos desde a antiga Grécia,
Roma, ao caos das Grandes Guerras, e chegando em nossa contemporaneidade.

A obra traz o conceito de que a sociedade ainda não se deu conta das perdas
democráticas resultantes dos atos praticados pelo judiciário. Alguns trechos podem parecer, a
olhos desatentos, absurdos, mas sua fundamentação formaliza, de modo insuperável, a
indignação dos autores frente ao esquecimento dos Direitos Fundamentais, contidos não
somente na legislação brasileira, mas também na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, na Declaração Americana dos Direitos
Humanos, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no Convênio Europeu para a
Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais e na Carta de Direitos
Fundamentais da Europa.

Os autores retratam a inversão de valores sobre os princípios e doutrinas mencionados


acima. Apontam, de forma contundente, a inobservância dos Direitos Fundamentais, o
constante enfrentamento da realidade com a mídia, muitas vezes comprometida com outros
setores, dentro e fora do Brasil, visando vantagens econômicas e tratando a corrupção,
simplesmente, como um método utilizado por políticos para atender a interesses privados. É
repudiante, para a maioria, o jornalismo corrompido e corruptor, que engana e viola o direito à
informação e a verdade dos fatos, trabalhando de forma manipuladora, conivente com os
retrocessos sociais e o aumento do autoritarismo. Também condenam a colocação do
positivismo jurídico frente a opinião pública, com o intuito de promover um culpado, mesmo
que, sem um mínimo de ética.

Aproveitando o ensejo ao autoritarismo, muitos salientam sua presença nas 238 páginas
da extensa sentença condenatória, baseada em suposições próprias, os autores acabam usando
de sarcasmo nas vezes que se referem a imparcialidade do Juiz. É encontrado facilmente em
muitos trechos do livro críticas quanto ao arbítrio e autoritarismo, onde os autores comparam
tais atitudes com as prisões nos porões da ditadura, subvertendo os princípios basilares do
Direito em nome de um pretenso combate a corrupção, enfatizando o retrocesso sócio político
e intelectual.

Os artigos que compõe a obra expõe como principais falhas e obscuridades na sentença:
o abuso processual; a competência do foro; inobservância a vários artigos da Constituição
Federal de 1988, dentre eles o art. 5º e o art. 109; cerceamento de defesa; falta de
imparcialidade; fragilidade tanto argumentativa quanto das provas apresentadas; sentença
arbitrária e previsível; condenação com base em presunções; admissão de provas ilegais;
arbitrariedade do Juiz; erro técnico; sugestionabilidade de culpados com o apoio da mídia;
inconsistência da sentença; falta de provas; condenação baseada em convicções pessoais; perda
de democracia; infringir diversos princípios do Direito; ignorar o devido processo legal;
tentativa de redesenhar o conceito de culpabilidade; e, principalmente, arrogância desastrosa
por parte do Juiz e do judiciário.

É relevante também a assertiva da obra que retrata a tentativa de instituir no Brasil o


“Direito Penal do Inimigo”, doutrina criada na década de 80 por um jurista alemão, que definia
que “inimigos do estado” não deteriam todas as garantias e proteções asseguradas aos demais
indivíduos. Esta doutrina ganhou força após os ataques de 11 de setembro nos EUA. Essa
tentativa criaria uma lacuna, deixando de lado o Direito Penal Garantista utilizado em nosso
Ordenamento Jurídico.

Aos amigos estudantes, mais uma vez, gostaria de salientar que a leitura desta obra
poderá ser encarada como um excelente objeto de estudo, sobre os princípios constitucionais,
direito penal, processo penal, teoria geral do processo, filosofia do direito, sociologia jurídica,
teoria do direito, teoria da argumentação jurídica, ciência política, pois a análise minuciosa da
sentença, na visão de tão renomados profissionais evoca elucidações muito didáticas sobre os
mais variados temas relativos a formação acadêmica de futuros profissionais operadores do
direito.

Por fim, podemos notar a imortalidade das palavras de Rui Barbosa, um dos maiores
juristas brasileiro, advogado, político, diplomata, escritor e filósofo, que conquistou o epíteto
de "Águia de Haia" ao defender o Princípio da Igualdade dos Estados na II Conferência da Paz,
em Haia (Holanda, 1907). Mesmo no início do século passado, poucos anos após a queda do
império brasileiro, suas palavras se mostram mais atuais do que muitas outras proferidas em
desacordo com as evoluções que sofremos, então, podemos refletir sobre a grandeza dessas
mudanças e se realmente houveram mudanças.

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a


desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os
poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a
rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”5

Resenha do Livro

Livro: Comentários a uma sentença anunciada: O Processo Lula


Carol Proner, Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João
Organizadores:
Ricardo Dornelles
Projeto Editorial Praxis - Canal 6 Editora, Bauru, SP, 1º
Editora:
Edição 2017
Páginas: 544
R$ 55,006 porém sua versão impressa está esgotada na
maioria das livrarias.
Valor Médio:
Disponibilizado gratuitamente pela Frente Brasil de
Juristas pela Democracia7
Direito Processual Penal. Argumentação Jurídica.
Palavras chave:
Sentença – Comentários. Abuso de Autoridade

5
Disponível em https://kdfrases.com/autor/rui-barbosa - Acessado em 02/02/2018 - "Requerimento de
informações sobre o caso do Satélite". Discurso no Senado (17/12/1914), Obras completas, Vol. 41, citado em
"Sobre cultura e mídia" - página 99, Por Roberto Murcia Moura, Publicado por Irmãos Vitale, 2001, ISBN
8574071552, 9788574071558, 204 páginas
6
http://www.canal6livraria.com.br/pd-4ba827-comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-o-processo-
lula.html?ct=1954e0&p=1&s=1 acessado em 29/01/2018
7
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2018/01/sentenca-anunciada-de-lula acessado em 29/01/2018

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