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Psicologia e relações de gênero

a socialização do gênero feminino e suas implicações na violência conjugal em relação às mulheres

Nara Maria Batista Cardoso

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CARDOSO, NMB. Psicologia e relações de gênero: a socialização do gênero feminino e


suas implicações na violência conjugal em relação às mulheres. In ZANELLA, AV., et al., org.
Psicologia e práticas sociais [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.
pp. 260-272. ISBN: 978-85-99662-87-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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GILLIGAN, C. Uma Voz Diferente. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos,
Psicologia e relações de gênero: a socialização do gênero feminino e
1993.
suas implicações na violência conjugal em relação às mulheres
IRIGARA Y, L. Ce Sexe qui n’en Est pas un. Paris, Minuit, 1977.
Nara Maria Batista Cardoso*
MELLO, S. L. Pensando o Cotidiano em Ciências Sociais; identidade e
trabalho. Cadernos CERU, n. 5, série 2, p.23-31, 1994.
Introdução
OLIVIER, C. Les Enfants de locaste. Paris, Denöel, 1981.
A violência ocorre em diferentes lugares em diferentes culturas.
PIAGET, J. O Julgamento Moral na Criança. São Paulo, Mestre Jou, 1977.
Independe do nível socioeconômico ou das características culturais, pois
(1ª edição francesa de 1932).
desde há muito tempo está enraizada na formação sociocultural de muitos
países (Dobash e Dobash, 1977-1978, 1979; Lerner, 1986).
Em nosso país, a violência em relação às mulheres como problema
social aparece, por exemplo, na impunidade dos responsáveis por crimes
violentos (refletida, principalmente, no argumento da defesa da honra para
eximir os homens da culpa das agressões e dos assassinatos de mulheres),
nas falhas gerais dos sistemas criminais ao investigar e instituir processos.
Como objeto de preocupação e de ações sociais mostra-se, por exemplo,
nos Movimentos de Mulheres, o desenvolvimento de Campanhas, na
criação pelas administrações estaduais e federais, de Institutos e Conselhos
que tratam da condição feminina e no estabelecimento de Centros de
Atenção à Mulher.
Na realidade brasileira, embora os dados (IBGE, 1988; Starling,
1992; Thomas, 1992) referentes à violência em relação às mulheres sejam,
ainda, incipientes e recentes, já confirmam a gravidade do problema e a
necessidade urgente de ações que solucionem ou pelo menos amenizem esta
séria situação que avança em todos os segmentos da sociedade e é agravada
pelas condições de dificuldades sociais, econômicas e educacionais da
maioria da população brasileira. O problema da violência faz parte do
cotidiano das relações entre homens e mulheres no Brasil. Pode-se
considerá-lo como um grave problema enraizado no tecido social brasileiro.
Modificar esta situação não depende somente da intervenção da polícia,
senão, principalmente, ele medidas emergenciais e de políticas públicas que
promovam transformações culturais, psicossociais e econômicas.

*
Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, Professora da Universidade de
Santa Cruz do Sul, aluna de curso de formação em Terapia Familiar Sistêmica.
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A problemática social da violência em relação às mulheres é ainda verbais. O abuso físico se caracteriza pelo ato fisicamente agressivo que
desconhecida por muitos (as) profissionais da Psicologia Social e da área da causou, ou tem potencial para causar dano físico à mulher.
Saúde. É em virtude disso que surge a urgência e a relevância do estudo da
Gênero e poder são duas categorias básicas que organizam as
violência conjugal em relação às mulheres na nossa sociedade, mais
relações interpessoais e auxiliam na compreensão da violência conjugal em
especificamente, em mulheres de classes populares.
relação às mulheres.
O presente trabalho apresenta o conceito de gênero e poder como
O conceito de gênero é entendido como a forma social que adquire
fundamentais para entender-se a violência. Mostra dados referentes à
cada sexo, uma vez que recebe conotações específicas em termos de valores
pesquisa da autora enfocando aspectos relacionados à permanência de
e normas, portanto é uma aquisição cultural obtida através do processo de
mulheres agredidas por seu marido na relação conjugal. Identifica algumas
socialização que prepara os sujeitos para desempenhar os papéis sociais de
teorias que contribuem para o entendimento da violência em relação às
acordo com a sua “natureza” (Dorola, 1979).
mulheres desde uma perspectiva da socialização de gênero.
Neste sentido a naturalização dos papéis designados às mulheres faz
com que se torne invisível a regulação hierárquica dos sentimentos, dos
Conceituando violência, gênero e poder sexos, do uso do dinheiro, do processo de tomada de decisões, ocultando as
No presente trabalho a violência em relação às mulheres é entendida relações de poder na família (Giberti, Fernandez, 1989).
como compreendendo uma série de ações físicas que apresentam
Dentro desta linha de pensamento, a violência visível é aquela
continuidade e frequência, estão inter-relacionadas entre si e atingem o
implícita e contingente contra a mulher na família que se manifesta,
corpo da mulher com a qual o homem tem uma relação íntima (sexual-
principalmente, através da violência física podendo culminar com a morte.
emocional). Em geral são acompanhadas por violência emocional (ameaças
contra a vida da mulher, ofensas verbais, destruição de objetos pessoais da Por outro lado, a violência invisível,
mulher e da casa...) e pela violência sexual (obrigar a realização de atos é inerente a constituição da família estando explícita nos papéis
sexuais contra a sua vontade, obrigar a prática de posturas sexuais que não designados à mulher em relação à concepção “naturalista” e
lhe interessem...). Enfatizando o tema da dominação do homem na relação “essencialista” de sua condição de gênero, desconhecendo o caráter
com a mulher como uma característica dos relacionamentos violentos, de condição cultural que este reveste (Dorola, 1989, p.194-S).
Walker (1979), entende que a mulher agredida é aquela que está sujeita à
Segundo Dutton (1988), em grupos terapêuticos de homens
agressão continuada, física, sexual e/ou psicológica de seu marido, com o
agressores aparecem frequentemente problemas relacionados ao exercício
objetivo de obrigá-la a fazer algo que não lhe interessa, mas que é do
do poder na relação com a mulher. Segundo o autor, os homens apresentam
interesse de quem a domina, sem levar em conta os seus direitos.
uma necessidade de controlar c dominar a mulher, entendendo a
Para Murphy e O’Leary (1989), a qualificação da agressão em independência das mesmas como uma perda de controle por parte deles,
psicológica ou física, chama a atenção para a forma do comportamento do tentando, impor, deste modo, suas concepções sobre o relacionamento.
agressor, em vez de apontar apenas as consequências produzidas. Isto Neste sentido, o poder implica em um sistema de autoridade em que sua
porque atos agressivos fisicamente podem produzir tanto dano psicológico distribuição organiza-se em concordância com as hierarquias, conformando
como físico. Dentro desta mesma linha de pesquisa o estudo de Follingstad, relações de dominação/subordinação autoritárias.
Rutledge, Berge, Hause e Polek (1990) sobre a relação entre abuso físico e
emocional constatou que o último se caracteriza, principalmente, pelas
ameaças de abuso, ridicularização, ciúmes, dano à propriedade e ofensas
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A permanência de mulheres agredidas por seu marido na relação se da filha, pois temia que esta pudesse sofrer abuso sexual do pai, da
violenta: alguns dados para análise mesma forma que ela sofrera na sua infância.
Numa pesquisa recente da autora (Cardoso, 1996) através de A existência de filhos aparece como uma justificativa para a
entrevistas de depoimentos com dezesseis mulheres agredidas, foi constatado permanência da mulher na relação (impossibilidade de conciliar o trabalho
que a socialização dos gêneros na família e na sociedade representa um dos e o cuidado com os filhos, ter uma filha com o marido, filha portadora de
fatores que pode influenciar na permanência de mulheres na situação de deficiência mental, solicitações da filha para que ela continuasse a viver
violência, embora isto nem sempre seja percebido por elas. Um dos aspectos com o pai).
destacados na pesquisa é a influência que os estereótipos na educação dos Outro fator associado a este padrão é que além da falta de um lugar
gêneros exercem sobre essas mulheres, bem como a posição de submissão para permanecer com os filhos, três das depoentes não poderiam contar com
que elas assumem na relação conjugal ou que lhes é imputada. a ajuda da família para sair de sua casa. Retomavam para a relação porque
No trabalho citado ao eleger como uma das categorias de análise da não tinham possibilidades de manter-se por muito tempo com os filhos:
violência a permanência em situação de violência, tive como objetivo além de um lugar específico para viver com eles, faltavam-lhes recursos
apresentar os fatores que estão relacionados a ela. Esta experiência de econômicos.
permanecer na relação após sucessivos episódios de violência ou retomar à Desemprego é uma das dificuldades para manter-se economicamente
ela após períodos de separação, tem sido uma constante na vida de mulheres e aos filhos.
que sofrem violência conjugal e esta foi a experiência vivida pelas mulheres
entrevistadas. A aquisição e a preservação dos bens adquiridos, bem como a
enfermidade terminal do marido, faziam com que duas mulheres
A maioria delas (com exceção de dois casos) apresentavam um continuassem na convivência.
padrão de relação que se caracterizava pela separação-retomo-separação.
Segundo Dobash e Dobash (1979), este padrão existe nas relações violentas Isto foi também constatado nos estudos de Gelles (1987), Aguirre
e inclui três movimentos: permanecer na relação, separar-se e voltar a (1985), Strube e Barbour (1983 e 1984) que analisaram a reação de
conviver com o marido. mulheres frente aos episódios de violência. Elas voltaram a conviver com o
esposo por não terem recursos para manter-se e para planejar uma nova
Os fatores associados à permanência na relação violenta segundo os vida junto com seus filhos.
depoimentos, foram situados, principalmente, na esfera socioeconômica e
psicossocial. Esta conclusão também foi encontrada no trabalho de Grossi (1994)
junto à mulheres agredidas albergadas na casa de Apoio Viva Maria em
Na esfera socioeconômica Porto Alegre.
Um dos principais fatores nomeados pejas mulheres foi a falta de um Na esfera psicossocial
lugar para ir com os filhos, fator que mostrou-se importante para dez das
mulheres entrevistadas. Um dos principais fatores na esfera emocional, citados pelas
mulheres, eram as frequentes alterações no comportamento do marido, ora
Uma delas relatou que convivia com o marido porque não tinha um violento, ora calmo, que traziam esperanças em oito das mulheres
lugar para abrigar-se e, além disso, tinha medo de sair de sua casa, pois não entrevistadas de que ele poderia, efetivamente, modificar a sua conduta,
queria tornar-se “uma prostituta”. Além disso, não tinha vontade de separar- deixando de agir com violência. Por exemplo, as promessas do marido de
que não mais abusaria do álcool fazia com que elas retomassem para a
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convivência, sentindo-se motivadas a recomeçar uma vez mais o casamento representa um dos objetivos principais da vida da mulher. Em
relacionamento, tendo em vista a expectativa de alterar a situação. geral, a mulher que sofre agressões não se sente livre para afastar-se desse
relacionamento se não puder contar com apoio (Walker, 1979).
A necessidade de a mulher manter a relação ainda que para isso
precise sacrificar-se e assumir a responsabilidade por tudo o que ocorre De modo geral, alguns resultados do presente estudo são semelhantes
nesse relacionamento, foi analisada por Walker (1979) e NiCarthy (1986). aos identificados por Holtzworth-Munroe (1988), segundo os quais as
Isto foi associado à socialização feminina tradicional que inculca na mulher explicações mais comuns das mulheres agredidas para permanecerem na
o mito de que para ser considerada um ser completo, necessita ter situação de violência são: crença de que os maridos mudarão, dependência
permanentemente um companheiro. Quando ela consegue enfrentar o medo econômica, sentimento de pena e de amor por eles.
e decide separar-se, seu marido inicia um jogo emocional, apelando para o
seu perdão, prometendo modificar-se. Esta situação provoca na mulher o
Teorias que contribuem para o entendimento da violência em relação
desejo de tentar, uma vez mais, mudar o comportamento do marido,
partindo da ideia de que deve ser mais confiante e dedicada. Desta forma às mulheres: a teoria da união traumática e as teorias feministas
inicia-se e reinicia-se o ciclo da violência (Walker, 1979). A constatação das dificuldades da mulher e do homem para
Quatro mulheres explicaram que sua tentativa de separar-se e romper solucionar seus problemas conjugais e para romper com uma relação
com o ciclo da violência fazia com que o marido intensificasse as agressões, caracterizada por sucessivos episódios de violência é um fato comum para
chegando até a tentativas de homicídio. O medo gerado pelas constantes aqueles que tratam de casais. Partindo dessas evidências e de estudos
ameaças a si própria e a membros da sua família, aparece como um fator anteriores, alguns autores examinaram teorias psicológicas que tratam do
associado à permanência dessas mulheres. desenvolvimento de uniões caracterizadas por um padrão de agressão
intermitente e por uma divisão de poder desigual, denominadas uniões
Uma das mulheres também alegou que, com ele, em alguns traumáticas (Dutton & Painter, 1981).
momentos sentia-se amparada e protegida, o que lhe dificultava separar-se
dele. Sentimentos de amor que nutria pelo marido faziam-na permanecer Segundo os autores, há duas características comuns nos grupos
ao seu lado mas, ao mesmo tempo, reconhecia que continuava na sociais em que aparece a união traumática: desequilíbrio de poder e
convivência para punir-se de algo que não sabia identificar muito bem e natureza intermitente da violência (Graham, Rawlings & Rimini, 1988).
que denominou “carma”. O desequilíbrio na divisão do poder faz com que a pessoa agredida
O sentimento de pena do marido fez com que duas mulheres perceba a si mesma como subjugada ou dominada pela outra, possua menor
permanecessem na relação. autoestima, seja menos autônoma e, portanto, apresente mais necessidade
de apoiar-se em pessoas poderosas. Por outro lado, a pessoa poderosa
A proibição do marido de que convivesse com outras pessoas e também necessita desta relação para que a dependência da outra mantenha
buscasse trabalho fora de casa, intensificava o isolamento de uma das sua autoimagem como alguém que detém o poder. Além disso, este poder
mulheres e impedia-lhe de buscar assistência para a violência sofrida. baseia-se na habilidade para manter o controle absoluto da relação. Se este
As mulheres internalizam os mitos e os estereótipos da cultura vigente jogo simbiótico é interrompido, essa dependência dissimulada torna-se
com relação à família e ao casamento. Isto reforça seu empenho em manter a evidente, como por exemplo, nas tentativas desesperadas do marido de
relação ainda que para isso necessite sacrificar-se e assumir a responsabilidade intimidar sua esposa para trazê-la de volta à relação. Na perspectiva desta
por tudo o que ocorre em seu relacionamento íntimo. Na maior parte das teoria, portanto, a decisão de uma mulher agredida de voltar ao
sociedades, a educação do gênero feminino implica na inculcação de que o relacionamento não deve ser vista, necessariamente, como um indicativo de

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masoquismo ou distúrbios de personalidade, mas uma característica deste através da autoridade do homem, bem como, da passividade e
tipo de relação. dependência da mulher. Por exemplo, o despreparo de muitas mulheres
para obter recursos sociais e econômicos as deixa mais dependentes
A intermitência da violência significa que o abuso físico é intercalado
ainda e contribui para a manutenção da relação de violência.
com períodos de contatos permissivos e amigáveis, a chamada “lua de mel”.
A intermitência corresponde ao que Walker (1979) denominou a terceira 2. O segundo nos diz, que a família mediatiza os valores entre o contexto
fase do ciclo da violência. Isto pode dificultar ou impedir que a mulher saia social mais amplo e as relações interpessoais. Segundo alguns autores
da relação. O marido sente-se culpado e começa a tratá-la agradavelmente, (Dobash & Dobash, 1979; Dei Martin, 1976), o modelo familiar que
tentando, deste modo, reduzir suas próprias culpas e fazer com que a esposa predomina nas sociedades ocidentais ainda apresenta características da
permaneça na relação. família nuclear burguesa pós-revolução industrial. Este modelo
caracteriza-se pela visão da família como um núcleo da sociedade; pela
A teoria da união traumática postula que quando uma mulher rompe
divisão do contexto social em esferas pública (domínio predominante
um vínculo violento, seus medos e sentimentos com relação ao agressor
dos homens) e privada (domínio predominante das mulheres); pela
podem começar a se manifestar. Se o contexto social não se responsabiliza
instituição do matrimônio que possibilitou a união moral e legal entre
por ajudá-la a buscar a resolução efetiva desta problemática, as dificuldades
homens e mulheres.
econômicas, os problemas jurídicos e o estado de privação emocional
incidirão mais gravemente na sua tomada de decisões. 3. O terceiro postulado chama a atenção para a importância de se
considerar o tema da violência na perspectiva das experiências vividas
Na atualidade, a perspectiva teórica feminista constitui um dos
pelas próprias mulheres. Quando o referencial masculino representa a
marcos mais reconhecidos na investigação e na intervenção psicossocial
norma, o que é produzido pelas mulheres pode ser desvalorizado,
com mulheres que sofrem violência de seu marido (Walker, 1979,1984;
inferiorizado ou, simplesmente, tornado invisível. Por exemplo, isto
Douglas & Walker, 1988; Pressman, Cameron e Rothery, 1989; Yllo &
pode ser visto em estudos sobre a violência que apresentam crenças
Bograd, 1988; Hoff, 1990; Dobash & Dobash, 1989; Saffioti, 1994;
equivocadas sobre a situação da mulher. A abordagem feminista enfatiza
Saffioti, 1995), bem como nos trabalhos sobre violência sexual (Burguess,
que as mulheres não são culpadas pela situação de violência, são
1983; Browmiller, 1975).
sobreviventes desta situação e são responsáveis por buscar soluções para
Uma das teorias feministas (Yllo & Bograd, 1988) apresentadas neste o problema (Bograd, 1988; Hoff, 1991).
trabalho baseia-se em quatro postulados específicos, sobre a violência em
4. O quarto postulado, enfatiza a importância de desenvolver-se modelos
relação às mulheres:
teóricos e de intervenção que tratem especificamente de temas
1. O primeiro deles diz que a violência deve ser compreendida a partir do relacionados à situação da mulher, a partir da experiência vivida pelas
contexto social, onde se estruturam as relações de gênero e poder. Além mesmas, refletindo sobre as condições de vida e socialização das
de receberem distintas orientações no seu desenvolvimento psicossocial, mulheres.
o homem e a mulher passam por diferentes experiências com relação à
Segundo as teorias feministas, os referenciais teóricos sobre a
divisão do poder. Através da socialização, o homem aprende que possui
violência tanto psicológicos como sociológicos, muitas vezes ignoram
poder sobre as mulheres, o que se manifesta tanto em nível pessoal como
questões fundamentais como, por exemplo, a do poder. Neste sentido, estas
laboral, econômico e social. O acesso das mulheres a diferentes esferas
teorias buscam articular a compreensão psicológica do ser humano, o
da sociedade torna-se mais difícil enquanto o exercício do controle
conceito de sociedade patriarcal, a ideia de divisão desigual do poder e os
social dos homens sobre a conduta das mulheres é facilitado. Em
entendimentos sobre os padrões culturais que sustentam as diferenças de
situações de violência este controle se exerce de medo mais evidente
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gênero. A análise feminista enfatiza que as mulheres sofrem consequências Referências bibliográficas
graves por haverem sido submetidas à violência e que os sintomas que
AGUIRRE, B. E. Why do they Return? Abused wives in shelters. Social
apresentam são uma consequência e não a causa preliminar. Centra sua
Work, p.350-354, 1985.
atenção nos fatores estruturais que contribuem para a incidência e o
predomínio da violência e não apenas nos indivíduos envolvidos na BOGRAD, M. Power, Gender and the Family; feminist perspectives on
situação. Por exemplo, focaliza as repercussões psicológicas na mulher que family systems theory. In: DUTTON-DOUGLAS; M. A; WALKER,
sofre ameaças de morte ou é submetida a frequentes espancamentos durante L (Eds). Feminist Psychotherapies. Integration of Therapeutic and
um grande período de tempo e discute como as redes de apoio social, Feminist Systems, Newbury Park, Ablex Publishing Corporation,
quando existem, tratam desta problemática. p.118-133, 1988.
Este questionamento aponta a necessidade de mudanças radicais nas BROWMILLE R, S. Against our Will; men, women and rape. New York,
instituições sociais, que ao longo da história assumiram estereótipos de Batam Books, 1975.
classe social, gênero, raça/etnia, os quais interferem na análise da violência BURGUESS, A. W. (Ed.). Rape and Sexual Assault; a research handbook.
em relação às mulheres. New York, Garland Publishing Inc., 1985.
Murphy e O’Leary (1989) colocam que resulta difícil chegar a CARDOSO, N. M. B. Mulheres Agredidas; reconstruindo histórias. Porto
compreender o porquê uma pessoa adulta permanece em uma relação de Alegre, 1996. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social e da
violência, já que se considera capaz de sair por si mesma desta situação. Personalidade, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade
Isto pode ser consequência da falta de apoio nas redes sociais: familiares, Católica do Rio Grande do Sul.
amigos e instituições sociais. Como consequência, as mulheres podem
encontrar-se isoladas, justamente no momento em que mais necessitam de DOBASH, R. E; DOBASH, R. P. Wives; the appropiate victims of marital
apoio. Mesmo quando existe uma compreensão das causas que levam à violence. Vietimology, [s.n.], v. 2, n. 3/4, p.426-42, 19771978.
violência, a sociedade, em geral, não tem clareza sobre os fatores que DOBASH, R.E; DOBASH, E. Violence Against Wives. New York, Free
determinam a permanência da mulher em uma relação com violência. De Press, 1979.
fato, todas as crenças tem um ponto de acordo que é a perpetuação da noção
de que a vítima provoca a violência. Estas crenças, na maior parte, tem a DOROLA, E. La naturalización de los Roles y la Violencia Invisible. In:
finalidade de proteger o agressor das consequências da sua agressão. A GIBERTI, E.; FERNANDEZ, A.M. (Eds). La Mujer y la Violencia
importância de tanto as mulheres como os seus maridos adquirirem Invisible. Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1989.
consciência sobre tais crenças reside na necessidade de esclarecer as causas DOUGLAS, M. A; WALKER, L. E. (Eds). Feminist Psychotherapies;
efetivas do problema, os efeitos e os passos que levam ao término da integration of therapeutic and feminist systems. New Jersey, Ablex
violência. Deste modo, poderá vir a efetivar-se com êxito uma intervenção Publishing, 1988.
psicossocial junto a esta camada da população. É necessário, portanto,
informar sobre esta problemática, com a finalidade de promover a DUTTON, D. G; PAINTER, S. L. Traumatic Bonding; the development of
conscientização das pessoas e a mudança nas atitudes da sociedade, bem emotional attachments in battered women and other relationships of
como fomentar um maior apoio as mulheres agredidas. intermittent abuse. Vietimology An International Journal, [s.1], v. 6,
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