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coletivas, a cidade é resultado das constantes relações entre os habitantes e elementos tidos como
seu conjunto arquitetônico, vias, praças e parques, dentre outros, quanto pelas situações urbanas
que, enquanto campos de significação “são qualificadas por um conjunto de relações históricas,
políticas, econômicas, culturais, sociais e estéticas, cujos sentidos perpassam sua materialidade e
transformação desses cenários, uma vez que permite a renúncia por parte do espaço urbano à
Segundo Freire (1997), o espaço das cidades caracteriza-se como campo privilegiado para
as experiências artísticas, visto que possibilita a reinvenção dos limites do espaço de exposição e
democratiza o acesso a arte ao invalidar a definição de um público próprio. Por conseguinte, cada
exposição. Enquanto prática social, a arte se apropria de diferentes formas do espaço urbano, na
tentativa de compreender, a partir de um processo bilateral de representação e experimentação,
(FREIRE, 1997, p.57). Essas mudanças nas relações dos habitantes com a cidade são pautadas em
transformações tanto das práticas culturais quanto políticas e econômicas. Nesse contexto, a
interligados globalmente como fizeram com que os fatos culturais fossem “instantânea e
proporções” (CASTELLO, 2007, p. 4). A relação que era “local-local, agora é local-global”
Essa perda dos limites espaciais resultou na multiplicação dos não-lugares: “espaços não
presente” (PALLAMIN, 2000, p.67). Desse modo, a proliferação de lugares de passagem tornou
os lugares de permanência e encontro cada vez mais ignorados e cada vez menos assimilados,
década de 1990 percebe-se uma redefinição da noção de experiência, fruto da releitura da cidade,
seu espaço e seus processos, enquanto objeto cultural (FERNANDES, 2006). O espaço público,
habitantes, realiza uma espécie de colagem das experiências em meio a essa cultura do uso e da
ressignificação dos lugares da urbe é identificada nos espaços públicos do bairro Setor Sul.
Referência cultural da cidade de Goiânia em razão dos inúmeros estúdios de música, galerias de
arte e coletivos culturais, o bairro se destaca pela forte expressão cultural presente na quantidade
significativa de arte ao ar livre nas áreas verdes do interior das quadras. Esse considerável
conjunto de arte pública urbana apresenta-se em múltiplos suportes, como nos cegos muros e
paredes das casas, e no mobiliário urbano distribuído ao longo de treze das vinte e oito áreas
territoriais artísticas associadas a grupos culturais são responsáveis pela recente onda de interesse
Goiânia demonstra certa familiaridade com a arte pública, apesar das barreiras existentes a
linguagens não tão acadêmicas (PEREIRA, 2008), como o graffiti presente nos tantos murais do
Setor Sul que, na forma de uma arte voluntária hora patrocinada por alguns moradores do bairro,
(WILHELM, 2012, p.693). Tal expressão estética com conotações sociais e artísticas, surgiu no
bairro entre os anos de 2009 e 2010, como forma de ressignificação do lugar a partir de uma
espaços de convívio social em prol do interior das casas” 1 (FREIRE, 1997, p.170).
O Setor Sul foi projetado com seus lotes organizados em torno de vielas ou cul-de-sac, e
dois acessos em todas as casas, sendo o principal voltado para as áreas verdes no interior das
quadras e o secundário de serviço e veículos para as vias. No entanto, apesar das características
marcantes que o diferem de outros tradicionais bairros das cidades brasileiras, a ocupação não
orientada dos lotes e a consequente implantação, diferente do que havia sido planejado, resultou
com áreas marcadas pelo distanciamento e não reconhecimento por parte de moradores e outros
habitantes da cidade.
1
O “MUdA Ocupa Bacião”, uma ação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, aconteceu em outubro de 2014
e através de um trabalho colaborativo realizado nas praças do bairro, buscou por meio da arte transformar a
relação entre as pessoas e os ambientes urbanos. Em agosto de 2016, o projeto-ação “Casa fora de Casa”,
recorreu a diversas linguagens artísticas como forma de discutir e apropriar as áreas verdes do bairro.
Como “um bairro singular, para uma capital planejada” (GONÇALVES, 2002, p.57), o
Setor Sul foi idealizado no Plano de Urbanização de Goiânia, que, elaborado na década de 1930,
foi proposto por Attílio Corrêa Lima e reformulado pela equipe técnica da companhia Coimbra
Bueno & Cia., sob a orientação de Armando Augusto de Godoy. O plano para a nova capital do
vizinhança e da paisagem natural integrada à paisagem urbana. Como principal núcleo da cidade,
principais vias. O Setor Sul, que se destinava a localização da zona residencial, foi proposto no
perímetro do centro comercial, em uma malha também ortogonal e caracterizada pelo baixo
adensamento.
cidade e no que diz respeito ao Setor Sul, a adoção de um traçado orgânico opôs-se ao “rígido
plano remanescente de Attílio” (MELLO, 2006, p.45). Planejado como bairro-jardim3, os lotes
organizados em torno de cul-de-sac buscavam resgatar o convívio social ao voltar as casas para
jardins internos comuns aos moradores. A separação dos tráfegos de veículos e pedestres era uma
forma de resguardar as ruas de residência do barulho e trânsito intenso. Pelo Decreto-Lei 2.104 de
27 de julho de 1937 que regulamentou a venda de terrenos em Goiânia, a ocupação do Setor Sul
seria iniciada apenas quando a população dos setores Central e Norte atingissem 12 mil
2
“Tais sentidos de modernização e interiorização foram reforçados com a Marcha para o Oeste, que, nos anos
30, constituía um aspecto central da ideologia defendida pelo governo de Getúlio Vargas.” (MANSO, 2001,
p.247).
3
O traçado no Setor Sul foi inspirado no modelo americano da cidade de Radburn, concebida por Clarence Stein
e Henri Wright, que em sua área habitacional caracterizava-se pela separação entre as circulações de veículos e
pedestres, e pelas residências distribuídas em cul-de-sac e circundadas por áreas verdes.
habitantes, não podendo esse prazo ser inferior a seis anos. No entanto, a crise financeira
enfrentada durante a execução das obras da nova capital associada à pressão da população e a
esclarecimento dos moradores quanto aos princípios do projeto original acarretou uma
negando por completo. Nos anos seguintes, o que se viu foi um processo de territorialização do
espaço público, marcado pela apropriação indevida das áreas verdes enquanto extensão das
residências do bairro. Em uma demonstração clara dos limites entre o que é público e privado,
alguns moradores ocuparam as áreas verdes com estacionamentos próprios, pátios e jardins de
suas casas, além da abertura de vias de acesso as garagens sem o consentimento ou aprovação do
poder público.
Até o início da década de 1960, a situação de descaso com os espaços públicos do bairro
não tinha se modificado. A infraestrutura urbana e a urbanização das áreas verdes foram
encontravam com pouca ou nenhuma vida pública. Boa parte do mobiliário urbano foi roubada e a
de forma coletiva, lugares da cidade até então ignorados. A dotação de sentido ao território, seja
através das linguagens artísticas ou formas de apropriação e personalização das áreas verdes do
proposto por uma arquitetura de muros, grades e vigilância (CANTON, 2011), a arte urbana
presente em treze (13) áreas internas das quadras do bairro (figura 1) é um importante instrumento
pública do Setor Sul. Esses painéis de arte ao ar livre são resultado do desejo de artistas em se
dialogar com os espaços públicos da cidade e expandir suas relações, associado ao anseio de
alguns moradores por resgatar áreas desprezadas pelo poder público e por outros habitantes. A
ressignificação dos muros e paredes através das ações artísticas abre “uma brecha simbólica nos
silêncios cúmplices do esquecimento” (JEUDY, 2006, p.17), oferecendo àqueles que frequentam,
moram, ou apenas estão de passagem, sinais de vitalidade no espaço público através das cores,
Figura 2: Praça Maria Angélica da C. Brandão, conhecida como Bacião das Artes, Setor Sul. Foto: Ana Isabel
Oliveira.
lhe significado através de uma apropriação cotidiana capaz de construir relações de pertencimento
ao local. Como expressão de arte urbana, o graffiti é responsável pelo sentimento de “algo a ser
visto” no bairro, atraindo uma quantidade significativa de pessoas que buscam apreciar as tantas
galerias a céu aberto. Associada a essas ações artísticas, outras formas de apropriação dos espaços
públicos reforçam o anseio por sociabilidade e preservação das áreas verdes do Setor Sul, como os
canteiros demarcados por telhas cerâmicas e tijolos de barro, protegendo flores e plantas cuidadas
pelos próprios moradores, mobiliário urbano improvisado com pneus de borracha, além das tantas
placas sinalizando a proteção ao espaço. O registro do Bacião das Artes (figura 2), uma das
principais praças do setor, ilustra algumas dessas formas de apropriação – como a arte nos muros
verticalização.
lugar. Nessa construção coletiva, o território enquanto produto das variadas relações sociais se
bairro Setor Sul em Goiânia é resultado da articulação não só física, mas também simbólica dos
espaços, que não são necessariamente usufruídos por todos os moradores. Ou seja, nem todos
usufruem dessa multiplicidade, se fechando para lugares de maior familiaridade e não assimilando
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