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METODOLOGIA DO ENSINO:

LITERATURA
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Metodologia do Ensino: Literatura – Prof.ª Dra. Ana Cláudia da Silva

Olá! Meu nome é Ana Cláudia da Silva. Sou Doutora em Estudos


Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho – Unesp - campus de Araraquara, Mestre em Letras, na área
de concentração de Estudos Comparados de Literaturas de Língua
Portuguesa e Especialista em Fundamentos Teóricos e Críticos da
Literatura, também pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho – Unesp - campus de Araraquara. Minha formação
inicial é de Bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo; anos
depois, fiz a complementação dos estudos pedagógicos – Programa
Especial de Formação Pedagógica em Letras, pelo Claretiano, na
modalidade EaD. Já atuei como docente de disciplinas da área de Literatura: literaturas
portuguesa, brasileira e infanto-juvenil e como coordenadora de cursos de Letras,
presenciais e a distância, no Claretiano. Minha área de pesquisa são as Literaturas Africanas
de Língua Portuguesa, especialmente a obra do escritor moçambicano Mia Couto. Sou
autora do livro Ciranda de escritas, em coautoria com a Profa. Dra. Susana Ramos Ventura,
com a qual produzi outros materiais didáticos para o curso de Letras – EaD do Claretiano:
Teoria da Literatura III e Literaturas de Língua Portuguesa V. Tenho refletido durante anos
sobre o ensino de literatura, tanto a partir de minha própria experiência docente, como
a partir da vivência como coordenadora de cursos de formação de professores. Minhas
paixões são duas: os Estudos Literários e a Educação. Gosto também de artesanato,
que faço nas (poucas!) horas de folga: patchwork, fuxicos, bordados e costura. Desejo a
todos bons estudos, e que esta disciplina possa contribuir efetivamente para a formação
profissional de cada um.
e-mail: anaclsv@uol.com.br

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Ana Cláudia da Silva

METODOLOGIA DO ENSINO:
LITERATURA

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

800.071 1 S71m

Silva, Ana Cláudia da


Metodologia do ensino: Literatura / Ana Cláudia da Silva – Batatais, SP :
Claretiano, 2013.
130 p.

ISBN: 978-85-8377-084-8

1. Literatura. 2. Texto. 3. Métodos. 4. Ensino. 5. Educação. I. Metodologia do


ensino: Literatura.

CDD 800.071 1

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


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Preparação Revisão
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Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 10
3 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS.............................................................................. 23
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 30

Unidade 1 – LITERATURA E DIREITOS HUMANOS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 31
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 31
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 31
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 33
5 O DIREITO À LITERATURA................................................................................. 38
6 LITERATURA, "SONHO ACORDADO DAS CIVILIZAÇÕES"................................ 43
7 LITERATURA É CONTEÚDO E FORMA.............................................................. 45
8 LITERATURA HUMANIZA................................................................................... 47
9 TEXTOS COMPLEMENTARES............................................................................. 49
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 50
11 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 52
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 52
13 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 53

Unidade 2 – O TEXTO LITERÁRIO NA SALA DE AULA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 55
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 55
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 56
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 57
5 TEXTO NÃO É PRETEXTO................................................................................... 58
6 QUANDO O TEXTO SE TORNA PRETEXTO........................................................ 61
7 TEXTO E CONTEXTO.......................................................................................... 72
8 TEXTOS COMPLEMENTARES............................................................................. 77
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 78
10 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 79
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 80
12 R EFERÊNCIAS BBLIOGRÁFICAS........................................................................ 80

Unidade 3 – TEXTOS DIDÁTICOS, DIDATIZADOS E PARADIDÁTICOS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 83
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 84
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 84
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 85
5 TEXTOS DIDÁTICOS........................................................................................... 86
6 TEXTOS DIDATIZADOS....................................................................................... 91
7 TEXTOS PARADIDÁTICOS.................................................................................. 94
8 TEXTOS COMPLEMENTARES............................................................................. 98
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 99
10 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 101
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 101
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 102

Unidade 4 – A LITERATURA NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 103
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 103
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 104
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 104
5 PERÍODO COLONIAL (1500 – 1821)................................................................... 105
6 BRASIL IMPÉRIO (1822 – 1888)......................................................................... 106
7 PRIMEIRA E SEGUNDA REPÚBLICAS (1889-1936)........................................... 109
8 LDB N. 4024 (1961) E LDB N. 5692 (1971)......................................................... 111
9 LDB N. 9.394 (1996)............................................................................................ 113
10 O S PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS............................................... 116
11 T EXTOS COMPLEMENTARES............................................................................. 125
12 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 126
13 C ONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 127
14 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 127
15 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 129
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O texto literário. Literatura e direitos humanos. A leitura literária: texto, contexto e
pretexto. Textos didáticos, didatizados e paradidáticos. A literatura na legislação
educacional. Literatura e outras linguagens.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Este Caderno de Referência de Conteúdo, Metodologia do Ensi-
no: Literatura, refere-se aos caminhos possíveis para o ensino da lite-
ratura na educação básica.
Desde há muitos anos, o ensino de literatura tem sido pau-
tado pela historiografia: estudam-se, em Literatura, os chamados
períodos literários, com seus respectivos estilos de época, seus
autores fundamentais, canônicos – isto é, "obrigatórios" para o co-
nhecimento daquele período – e suas obras capitais.
Contudo, de alguns anos para cá, o ensino da literatura vem
recebendo outras orientações. Conforme os Parâmetros Curricula-
8 © Metodologia do Ensino: Literatura

res Nacionais (PCNs), toda a educação básica é voltada para a for-


mação do cidadão na leitura e na escrita, bem como na preparação
para o mundo do trabalho.
O conhecimento da literatura, nesse contexto, permanece
nos currículos como uma forma de entender a cultura brasileira,
como expressão da cultura do nosso país. Embora o conhecimento
dos estilos de época seja ainda exigido nos exames vestibulares,
ele é preterido pela interpretação e leitura dos textos literários,
objetivando a formação do leitor.
Neste Caderno de Referência de Conteúdo, trabalharemos
com quatro unidades.
Na primeira unidade, intitulada "Literatura e direitos humanos",
refletiremos, a partir das ideias do sociólogo e crítico literário Antonio
Candido, sobre o poder que tem a literatura de humanização, isto é,
de tornar o homem mais apto para conviver consigo mesmo e com
os outros. A visão que Candido tem da literatura nos faz descobrir um
sentido mais profundo para o ensino dela nas escolas.
Em seguida, na segunda unidade, trataremos do texto lite-
rário na sala de aula, refletindo, com a professora Marisa Lajolo,
alguns aspectos que incidem sobre o trato que se dá aos textos
escolares, concentrados usualmente nos livros didáticos. Com ela,
passaremos a refletir sobre procedimentos comuns no ensino de
literatura que se pratica hoje nas salas de aula.
A Unidade 3 é uma continuação desse percurso. Nela vamos
abordar a presença de textos didáticos, didatizados e paradidáti-
cos na escola. Nossas reflexões terão por base os resultados obti-
dos na pesquisa "A Circulação de Textos na Escola", realizada, há
alguns anos, por pesquisadores da Universidade de São Paulo, me-
diante a observação e análise crítica dos textos que circulavam no
ambiente escolar.
Na última unidade, trataremos da legislação educacional,
acompanhando, com o professor William Roberto Cereja, algumas
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

das transformações pelas quais passou o ensino da literatura des-


de a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
em 1961, até os dias de hoje.
Esperamos, ao final deste percurso, ter permitido a você
pensar o ensino de literatura a partir de referenciais diferenciados,
tais como o sociológico, o didático e o legal. Conhecê-los, porém,
é apenas uma parte da sua formação como professor de literatura.
É o que julgamos mais importante para refletirmos juntos, mas de
modo nenhum esgota a questão do ensino da literatura.
É fundamental para sua formação, por exemplo, uma deter-
minação autodidática, de aprender por si só, de buscar soluções e
materiais de apoio além deste que ora lhe oferecemos.
Procure consultar, na medida do possível, a bibliografia in-
dicada em cada unidade; nela, você descobrirá outros aspectos
do ensino escolar da literatura que talvez mobilizem mais a sua
atenção do que aqueles que aqui abordamos e que, insistimos, são
apenas uma parcela do conhecimento que podemos adquirir refle-
tindo sobre a nossa prática e aprendendo com as análises tecidas
por outros pesquisadores.
Lembre-se de que todo bom professor é um ótimo leitor. Se
você não tem o hábito da leitura, comece a cultivá-lo desde já. Afi-
nal, é pela leitura que a literatura melhor se dá a conhecer; você
pode ler inúmeros compêndios de crítica literária e ser um expert
nas informações sobre os autores com que trabalhará na sala de
aula, mas nada disso substitui seu contato pessoal com a obra dos
autores. Este deve ser o tipo preferencial de leitura para você, a
partir de agora, se quiser tornar-se um professor de literatura que
faça alguma diferença na vida de seus educandos.
Afinal, ler é mais que prazer: é um compromisso de cidadania.

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10 © Metodologia do Ensino: Literatura

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-
dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará
em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma
breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões
no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral
visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do
qual você possa construir um referencial teórico com base sólida
– científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis-
são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi-
lidade social.
O ensino de literatura, tradicionalmente, tem sido pautado
pela História da Literatura. Isso implica no estudo do cânone lite-
rário, isto é, dos autores considerados fundamentais em cada pe-
ríodo literário e de suas principais obras. Entretanto, nos últimos
anos, o ensino da literatura tem recebido uma orientação diversa.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (conhecidos como PCNs),
observamos que toda a educação básica tem como objetivo pri-
mordial a formação da pessoa, especialmente do cidadão, na lei-
tura e na escrita, assim como sua preparação para ingressar de for-
ma competente e responsável no mundo do trabalho. O estudo da
literatura, dentro desse contexto, tem permanecido como discipli-
na nos currículos escolares como forma privilegiada de conhecer
e entender melhor a cultura do nosso país, o Brasil; a literatura é,
antes de outras coisas, uma expressão cultural da nação que a pro-
duz. Sabemos que o conhecimento dos estilos desenvolvidos em
cada período literário ainda permanece como uma das exigências
dos exames de ingresso no ensino superior; contudo, ele vem sen-
do substituído pelo trabalho com o texto propriamente dito, isto
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

é, pela leitura, análise e interpretação dos textos literários, tendo


como objetivo formar o leitor consciente.
Segundo Houaiss (2002), metodologia é o "ramo da lógica
que se ocupa dos métodos das diferentes ciências"; é também a
"parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela pró-
pria recorre". Metodologia é, portanto, o estudo dos métodos.
E método – o que vem a ser?
Ainda conforme Antônio Houaiss (2002), método é, de for-
ma geral, o "procedimento, técnica ou meio de fazer alguma coisa,
esp. de acordo com um plano".
Uma metodologia é, portanto, o estudo ou conhecimento
do caminho pelo qual se chega a realizar algo. Estamos, portanto,
nesta disciplina, atrás do caminho que conduz ao ensino da litera-
tura. No nosso caso, trata-se do estudo do caminho a percorrer no
ensino de literatura.
Na primeira unidade, procuraremos entender como a lite-
ratura contribui para a formação do homem integral, a partir das
ideias de Antonio Candido. Para ele,
[...] pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer
que aquilo que consideramos indispensável por anos é também in-
dispensável para o próximo. Esta me parece a essência do proble-
ma, inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário
um grande esforço de educação e auto-educação a fim de reco-
nhecermos sinceramente este postulado. Na verdade, a tendência
mais funda é achar que os nossos direitos são mais urgentes que os
do próximo (CANDIDO, 1995, p. 239).

Candido considera que a literatura é um direito fundamen-


tal da pessoa. Para justificar sua argumentação, ele recorre aos
conceitos de "bens compressíveis" e "bens incompressíveis", do
sociólogo francês padre Louis-Joseph Lebret, que classifica como
incompressíveis aqueles bens essenciais, garantidos no texto
constitucional, tais como saúde, trabalho, educação, alimentação,
moradia etc. Bens compressíveis, por sua vez, são aqueles que po-
dem ser diminuídos ou até mesmo suprimidos: cosméticos, perfu-
mes, roupas e brinquedos extras etc.

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12 © Metodologia do Ensino: Literatura

O fato é que os critérios de incompressibilidade são variá-


veis, e mudam de uma cultura para outra e de uma época para
outra. Experimente questionar pessoas que se distanciem de você
por uma ou duas gerações sobre quais são, para elas, os bens in-
dispensáveis para a vida, e você certamente obterá respostas di-
ferentes das que você daria a essa mesma pergunta. Pessoas de
classes economicamente distintas podem ter também respostas
divergentes para essa pergunta.
Candido defende a posição de que os bens incompressíveis
incluem os bens que favorecem não apenas a existência corporal,
mas também a integridade espiritual do homem.
Segundo Antonio Candido, todos os povos sempre produzi-
ram literatura – entendida dessa forma ampla. "Não há povo e não
há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de
entrar em contato com alguma espécie de fabulação" (CANDIDO,
1995, p. 242), de criação literária. Mesmo quando dorme, o ho-
mem cria, inventa: o próprio sonho é uma projeção inventiva, na
qual a pessoa que dorme projeta, inconscientemente, elementos
que depois traduz em histórias.
Partindo desta constatação científica, Antonio Candido (1995,
p. 243) faz uma comparação: "[...] assim como não há equilíbrio psí-
quico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social
sem a literatura." Para o crítico, a literatura é o "sonho acordado
das civilizações" (idem, p. 242), fator fundamental e indispensável
de humanização, até mesmo porque sua atuação no ser humano
acontece em grande parte de forma subconsciente ou inconsciente.
Ora, a literatura é composta de conteúdo e de forma. O po-
der humanizador da literatura, segundo o crítico e sociólogo, está,
pois, na conjunção dessas três facetas:
• Construção: todo texto literário é um objeto construído,
um conjunto de palavras ordenadas pelo seu produtor.
Essa ordem dada pelo autor favorece nossa própria orga-
nização mental e de sentimentos; com isso, nossa visão
de mundo fica mais organizada também.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

• Expressão: mais do que simples arranjo ordenado de pa-


lavras, a literatura é uma forma de expressão – expressa
os valores e a visão de mundo do seu autor e do seu con-
texto de produção.
• Conhecimento: a literatura apresenta níveis de conheci-
mento intencionais, isto é, propostos pelo autor e assimi-
lados pelo leitor, e níveis de conhecimento que o leitor
incorpora "difusa e inconscientemente", para lembrar as
palavras do autor. Estes se referem à organização mental
e emocional que a ordem do texto literário permite e que
não percebemos conscientemente durante a leitura.
Na segunda unidade, veremos como o texto literário é traba-
lhado na sala de aula.
Em sua obra Leitura em crise na escola: as alternativas do
professor (1991), Marisa Lajolo questiona o uso que se faz, na es-
cola, do texto literário. Ela lembra que a literatura, por sua nature-
za, é feita somente para a leitura:
O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um tex-
to existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro
entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor, reu-
nidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida do
igualmente solitário ato de escritura (LAJOLO, 1991, p. 52).

Para Lajolo, o texto literário, ao ser inserido no contexto es-


colar, deixa de ser interessante. Isso ocorre porque na escola o
texto costuma ser lido não em si mesmo, mas como pretexto para
outras aprendizagens, que não a do texto propriamente dito. Mes-
mo quando é "literariamente" estudado, o texto é desmontado,
fragmentado, submetido a uma análise que, se o professor não for
suficientemente hábil, pode não conduzir a uma interpretação que
amplie a leitura do texto.
Quando a presença do texto literário na escola se torna pre-
texto para outras aprendizagens, é possível que o professor en-
frente alguns problemas, tais como:

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14 © Metodologia do Ensino: Literatura

1) O texto é exemplo de comportamento, atitudes e valores.


2) O texto é pretexto para aumento de vocabulário.
3) O texto é exemplo da norma culta.
4) O texto é pretexto de valorização da linguagem contem-
porânea.
5) O texto é pretexto para exercícios de interpretação da
leitura.
6) O texto é pretexto para a produção de textos.
7) O texto é pretexto para o ensino da história da literatura.
A autora quer chamar a atenção sobre o fato de que o texto,
na escola, é frequentemente tomado como forma de aprender ou-
tras coisas que não o texto em si; com isso, perde-se, muitas vezes,
o que o texto tem de melhor, que é a sua capacidade humanizado-
ra, como apontara Antonio Candido.
Mas quais são os textos que chegam à escola? É o que vere-
mos na terceira unidade.
Grande parte dos textos que circulam na escola são prove-
nientes dos livros didáticos; outros, do processo de didatização, em
que o professor faz ele mesmo o recorte e leva o texto aos alunos.
Há ainda os textos paradidáticos, que costumam acompanhar o en-
sino da língua portuguesa especialmente no ensino fundamental.
Com relação aos livros didáticos, pesquisadores da USP fa-
zem notar os seguintes problemas:
1) uma dissociação entre o discurso de apresentação do
autor da coleção didática e a prática, isto é, esses livros
apresentam um programa teórico que se contradiz nas
atividades propostas;
2) geralmente, o manual didático não apresenta uma coe-
são interna à própria unidade, entre as unidades de um
mesmo volume e entre uma série e outra de uma cole-
ção, em termos de gradação de dificuldades e de seleção
de tópicos a serem estudados; a marca é a fragmentação
ou a repetição de conteúdos de uma série para outra;
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

3) uma estrutura comum permeia todas as unidades que


se abrem sempre com um texto, que é seguido pelo es-
tudo do vocabulário, questões de interpretação, estudos
de gramática e, às vezes, produção de texto;
4) os livros didáticos são elaborados de forma a serem um
material autossuficiente para o estudo de língua e lite-
ratura, pois não incitam a consulta de outros materiais
(como dicionários, gramáticas, antologias, obras inte-
grais etc.);
5) nessa linha de autossuficiência, os textos são produzi-
dos ou adaptados pelos autores do manual com intuito
facilitador, principalmente para as séries iniciais; para
as mais avançadas são apresentados fragmentos (nem
sempre os trechos mais significativos da obra do autor)
que, muitas vezes, retirados inadequadamente do con-
texto original, prejudicam a interação aluno-leitor-texto;
6) a abordagem textual se marca pela "mesmice" dos ques-
tionários, que apresentam padrão comum a qualquer
texto, ignorando as especificidades de tipo e gênero
(adaptado de MICHELETTI, 1997).
Diante dessas observações, você pode perguntar: então,
qual a alternativa do professor, uma vez que a adoção de livros di-
dáticos, muitas vezes feita por um período demasiadamente longo
e indireto, ainda é uma prática generalizada nas escolas?
É sempre bom lembrar o que já dizia Marisa Lajolo, na obra
que mencionamos anteriormente (LAJOLO, 1991): é sempre pos-
sível fazer um bom trabalho a partir de qualquer texto. Para isso,
o professor precisa desobrigar-se de seguir as instruções dos ma-
nuais didáticos que considerar inadequadas aos seus objetivos de
ensino. Em seguida, o professor pode complementar o que é pro-
posto no livro didático pela seleção de outros textos que comple-
mentem e aprofundem esses mesmos objetivos.
Quanto aos paradidáticos, sabemos que sua produção edi-
torial responde pelo maior mercado de consumo de literatura do
país. Dados de 1998 estimam que a venda desses títulos chega a 4

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16 © Metodologia do Ensino: Literatura

milhões de exemplares por ano, movimentando o que correspon-


dia a um faturamento de 25 milhões de reais para as editoras.
Embora haja muitos títulos desprezíveis publicados sob o
selo de paradidáticos, o fato é que essa literatura está presente
em todas as escolas e sua leitura é incentivada largamente pelos
professores.
O paradidático é especialmente presente nos projetos e
currículos que trabalham com a interdisciplinaridade. Isso ocorre
porque há uma vasta linha de paradidáticos voltados para outras
áreas do conhecimento, como Ciências, Física, Matemática, His-
tória, Geografia etc. Nesse sentido, o trabalho conjunto entre os
docentes de Língua Portuguesa e de outras áreas específicas pode
trazer resultados mais eficientes para o aproveitamento da leitura
– desde que esse trabalho seja realmente orientado, e não legado
apenas ao estudante, como se este, autonomamente, fosse capaz
de apreender todos os níveis de significação de uma obra contan-
do apenas com a sua própria leitura.
Na última unidade, você acompanhará as transformações
sofridas no ensino da literatura ao longo do tempo, por meio das
mudanças nas orientações legais para a formação do currículo.
Atualmente, são os Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs – que orientam o trabalho com a literatura.
Para o ensino fundamental, os PCNs indicam o trabalho com
diferentes gêneros textuais, alguns literários, outros não.
No ensino médio, o estudo da literatura inclui-se dentro da gran-
de área denominada "Linguagens, códigos e suas tecnologias". Nela, os
conhecimentos são direcionados para a construção de competências,
que são um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes.
Os PCNs, nas orientações específicas para a Língua Portu-
guesa, não dão ênfase ao ensino da literatura – o ensino da litera-
tura está subordinado à formação de competências na área da lin-
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

guagem e não é mais entendido como um componente curricular


autônomo. Veja:
Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está
a literatura, a gramática, a produção do texto escrito, as normas.
Os conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva
maior, que é a linguagem, entendida como um espaço dialógico,
em que os locutores se comunicam. Nesse sentido, todo conteúdo
tem seu espaço de estudo, desde que possa colaborar para a obje-
tivação das competências em questão (BRASIL, 1998).

A literatura é entendida como um conjunto de textos que se


relacionam entre si, cujo estudo tem o objetivo de contribuir para
o conhecimento cultural do povo brasileiro.
Muito embora as orientações curriculares oficiais sejam es-
sas, o fato é que os exames de ingresso ao ensino superior con-
tinuam exigindo, na sua maioria, uma lista de obras literárias de
leitura obrigatória (diferente para cada instituição) e conhecimen-
tos que permitam contextualizar a produção literária na história da
literatura brasileira.
O professor do ensino médio precisa, então, dar conta tanto
das orientações nacionais quanto da demanda do mercado: a efi-
cácia do ensino médio de uma escola é frequentemente medida
pela quantidade de alunos que consegue aprovar no vestibular –
ou, mais contemporaneamente, pela nota que seus alunos obtêm
no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Estes, vale obser-
var, tratam a literatura de forma próxima ao que indicam os PCNs,
indicando, pelo menos nesse aspecto, uma consonância entre a
política educacional e as formas de avaliação.
É importante também lembrar que, atualmente, o ensino da
literatura não se restringe mais aos bancos escolares. Há outros
ambientes e instâncias da sociedade que têm tomado para si a
tarefa de instigar à leitura e de proporcionar aos leitores, de forma
geral, um conhecimento mais profundo da literatura. Veja, a se-
guir, alguns deles.

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18 © Metodologia do Ensino: Literatura

1) Feiras literárias. Têm crescido no país, nos últimos anos,


a realização de feiras de literatura, sendo a mais famo-
sa delas a Festa Literária Internacional de Parati (FLIP).
A FLIP costuma reunir, anualmente, escritores de várias
nacionalidades, especialistas em literatura, teóricos,
críticos, leitores de modo geral e curiosos. A cada edi-
ção, os autores são convidados a proferirem palestras
e a participarem de colóquios sobre temas importan-
tes para a literatura no século 21. No blog específico
da FLIP – que você pode acessar no seguinte endereço:
<http://www.flip.org.br> - você encontrará entrevistas
com os autores, vídeos, posts, ilustrações e outras ma-
térias produzidas durante a intensa cobertura midiática
que o evento recebe. A primeira edição do evento foi
realizada em 2003, inserindo o nosso país no circuito dos
principais festivais literários do mundo. Essa festa tem
sido o que seu nome diz: uma festa, badalada pela mí-
dia e concorrida pelos brasileiros que amam a literatura.
É um espaço importante para a veiculação da literatura
nos dias atuais, em que o livro vem passando por modi-
ficações tão intensas.
2) Oficinas culturais. Associações culturais como o Serviço
Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio
(SESC) têm se mantido como espaços em que a literatu-
ra tem sempre um lugar importante. Movidos respecti-
vamente pelas verbas advindas dos setores industrial e
comercial da sociedade brasileira, essas instâncias pro-
movem oficinas, encontros, rodas de leitura e outras
atividades abertas ao grande público, geralmente dire-
cionadas por especialistas em literatura, com o objetivo
de fomentar a leitura literária entre as pessoas que fre-
quentam essas instituições. Embora se tratem de encon-
tros promovidos fora do âmbito acadêmico, é possível
encontrar nessas instâncias boas reflexões, que nos au-
xiliam a ampliar nosso conhecimento da literatura.
3) Bienal do Livro. Realizadas nos grandes centros urbanos,
tais como Rio e São Paulo, a cada dois anos, essas expo-
sições reúnem um grande número de autores e editoras.
Ali é possível entrarmos em contato com as novidades
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

do mundo editorial, bem como ouvir palestras, frequen-


tar cursos rápidos de formação e assistir a colóquios com
escritores. Constituem-se também em bons ambientes
para o fomento da leitura literária, seja pela quantida-
de de livros em exposição num só lugar, seja pelos pre-
ços, que geralmente costumam ser convidativos nesses
eventos.
4) Internet. O advento da internet tem sido decisivo para a
divulgação da literatura. Esse instrumento revolucioná-
rio de transmissão de informações tem sido muito eficaz
na difusão da literatura; a internet constitui-se, ao mes-
mo tempo, em excelente ferramenta de criação e de re-
flexão sobre a literatura. Ela nos oferece uma gama bas-
tante variada de opções no que diz respeito à literatura,
e que passamos agora a elencar para você.
5) Bibliotecas virtuais. As bibliotecas virtuais, tais como a
Domínio Público, têm sido excelentes lugares de divulga-
ção dos textos literários que já caíram em domínio públi-
co. Você sabe que, após cem anos decorridos da morte
do autor, o texto passa a ser de domínio público, isto é,
os direitos autorais deixam de ser propriedade particular
das famílias dos autores e passam a integrar o patrimô-
nio nacional, sendo então sua divulgação e reprodução
permitidas.
6) Livrarias e sebos. As livrarias virtuais prestam um ex-
celente serviço aos leitores. Por meio delas, é possível
receber em casa livros que muitas vezes não consegui-
mos encontrar nas prateleiras das livrarias físicas. Com
um volume de negócios cada vez maior, essas livrarias
permitem ao leitor a aquisição de livros com maior con-
forto, praticidade e, muitas vezes, rapidez; a pesquisa
de preços também fica facilitada pela possibilidade de
consulta virtual aos catálogos das livrarias. Nesse que-
sito, vale sublinhar a presença dos sebos virtuais, isto é,
de livrarias que comercializam livros usados. A Estante
Virtual é uma ótima referência de prestação desse tipo
de serviço.
7) Revistas literárias. As orientações mais recentes da Ca-
pes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Claretiano - Centro Universitário


20 © Metodologia do Ensino: Literatura

Nível Superior, órgão ligado ao Ministério da Educação


(MEC) – para a avaliação dos periódicos acadêmicos edi-
tados pelas universidades e seus respectivos cursos de
pós-graduação strictu senso (Mestrados e Doutorados)
incluem como um quesito muito importante a veicula-
ção dos periódicos também na internet. Isso significa, na
prática, que os leitores, pesquisadores e estudantes de
literatura têm à sua disposição, nos sites dos principais
programas de pós-graduação do país, uma vasta gama
de artigos publicados pelos pesquisadores que integram
as universidades. Estas, como você deve saber, têm se
mantido como instâncias por excelência de produção de
conhecimento científico; as publicações de seus pesqui-
sadores e professores são, por esse motivo, o que temos
de mais atual nos estudos literários; vale a pena conferi-
-las; você pode começar lendo os conteúdos destas que
indicamos na sequência:
• Estudos Avançados (Universidade de São Paulo - USP)
- http://www.iea.usp.br/iea/revista/index.html.
• Via Atlântica (Universidade de São Paulo - USP) -
http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pu-
blicado.html.
• Itinerários (Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho" - Unesp) - http://seer.fclar.unesp.br/
index.php/itinerarios.
• Estação Literária (Universidade Estadual de Londrina
- UEL) - http://www.uel.br/pos/letras/EL/.
• Literatura e Sociedade / Magma (Universidade de
São Paulo - USP) - http://www.fflch.usp.br/dtllc/re-
vistas.htm.
8) Blogs de novíssimos escritores. O advento de escrito-
res blogueiros tem sido cada vez maior nos círculos li-
terários. Há um grande número de escritores contem-
porâneos, novíssimos e de boa cepa, isto é, com textos
instigantes, de boa qualidade literária, que você pode
conferir nos blogs de seus escritores. Experimente con-
ferir estes três que indicamos:
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

• Daniel Galera - Amores Expressos - http://www.blog-


dodanielgalera.blogspot.com/.
• João Paulo Cuenca - http://oglobo.globo.com/blogs/
cuenca/.
• Clarah Averbuck - brasileira!preta - http://www.brazi-
leirapreta.blogspot.com/; Adios lounge – http://www.
adioslounge.blogspot.com/ e O mundo, o universo e
tudo mais - http://clarahaverbuck.virgula.uol.com.br/.
9) Blogs de escritores veteranos. O leitor que não gosta de
muitas experimentações no campo da produção literá-
ria, mais afeito aos escritores tradicionais, de mérito já
reconhecido, podem encontrá-los também na internet.
Tem crescido o número de escritores veteranos que vêm
explorando a internet como ferramenta de criação. Veja,
por exemplo, os sites que indicamos a seguir. Ali você
encontrará mais um pouco daqueles autores que tanto
gostamos de ver em nossas estantes e de folhear em
nossas mãos:
• A casa de Rubem Alves - http://www.rubemalves.com.br/.
• Fabrício Carpinejar - http://www.carpinejar.com.br/.
• Casa Lygia Bojunga - http://www.casalygiabojunga.
com.br/portugues/.
• Mário Prata - http://www.marioprataonline.com.br/.
• Millôr Fernandes - http://www2.uol.com.br/millor/
index.htm.
• Paulo Coelho - http://www.paulocoelho.com.br/.
• Menalton Braff - http://menalton.blog.uol.com.br/.
• José Saramago - Outros Cadernos de Saramago - http://
caderno.josesaramago.org/.
Como você pode observar, o estudo da literatura não existe
somente no ambiente escolar. A literatura é uma expressão cultu-
ral, muito antes de ser uma disciplina dos currículos escolares. É
somente porque ela tem uma grande função social como elemen-

Claretiano - Centro Universitário


22 © Metodologia do Ensino: Literatura

to da cultura de um povo que ela passa aos bancos escolares. Todo


cidadão tem, pois, direito a estudá-la, como você verá ao longo
deste Caderno de Referência de Conteúdo.
Durante nossos estudos, é essa a forma de veiculação da li-
teratura que vamos abordar mais detidamente: o ensino da litera-
tura no contexto das escolas de Educação Básica. Aprenderemos
mais sobre como a legislação educacional brasileira vem abordan-
do o ensino da literatura e sobre as orientações que nos dão os es-
pecialistas para o desenvolvimento desse material. Você verá que,
apesar de nossos esforços, não há receitas a serem seguidas. Em
educação, nunca temos receitas. O que dá certo com uma turma
não dá com a outra; o que funciona para um leitor não funciona
para o seu vizinho. Isso ocorre porque os grupos de alunos com os
quais lidamos diferem na exata proporção em que diferem seus
membros: ou seja, sempre. Cada turma é uma, cada leitor é um
universo particular; a soma de indivíduos num grupo que denomi-
namos classe ou turma implica na soma de repertórios de leituras
(literárias e de mundo) muito diferentes entre si.
Ainda assim, conscientes de que o desafio é grande, espera-
mos que, ao final do estudo deste Caderno de Referência de Conteú-
do, você tenha tido a oportunidade de conhecer melhor as ques-
tões referentes ao ensino escolar da literatura e tenha refletido
sobre os caminhos possíveis para trabalhar com o texto literário
na sala de aula.
É importante que você siga as orientações que são dadas no
seu Caderno de Referência de Conteúdo. Elas têm o objetivo de
dar a você parâmetros que o auxiliarão no processo de estudo,
principalmente nesta modalidade a distância. A participação nas
interatividades e a realização das leituras propostas também são
fundamentais, pois com certeza ajudarão você a tornar-se um pro-
fessor de literatura mais consciente de sua atividade e, portanto,
mais competente no exercício da profissão.
Bons estudos!
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

3. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados em Metodologia do Ensino: Lite-
ratura. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Conhecimento literário: a literatura apresenta níveis de
conhecimento intencionais, isto é, propostos pelo autor
e assimilados pelo leitor, e níveis de conhecimento que
o leitor incorpora inconscientemente. Estes se referem à
organização mental e emocional que a ordem do texto li-
terário permite e que não percebemos conscientemente
durante a leitura.
2) Construção literária: todo texto literário é um objeto
construído, um conjunto de palavras ordenadas pelo seu
produtor. Essa ordem dada pelo autor favorece nossa
própria organização mental e de sentimentos; com isso,
nossa visão de mundo fica mais organizada também.
3) Conteúdo literário: aquilo que o autor efetivamente diz,
somado aos significados que lhe podemos atribuir no
processo de leitura.
4) Contexto: etimologicamente, indica aquilo que é tecido
conjuntamente; em literatura aponta para as circunstân-
cias (históricas, políticas, sociais etc.) em que uma obra
foi criada.
5) Didático: destinado ao ensino; que facilita a aprendizagem.
6) Didatização: processo pelo qual um objeto é transferido
de seu contexto original para a sala de aula, para fins de
ensino.
7) Enredo, intriga ou trama: organização das ações narra-
das de acordo com a lógica da obra. "Também distinta
do conceito de fábula, que remete para a organização
das ações de forma lógica, a intriga tem maior liberdade
na ordenação das ações, conflitos, peripécias ou aventu-
ras que vivem as personagens de uma história narrada."
(CEIA [199-?])

Claretiano - Centro Universitário


24 © Metodologia do Ensino: Literatura

8) Ensino: ato, processo ou efeito de ensinar; ensinamen-


to, ensinança.
9) Fábula ou história: organização cronológica das ações
narradas.
10) Forma literária: aspecto de constituição formal – o modo
como ela se apresenta a nós; a forma é dada pelos elemen-
tos que constituem o texto, sejam eles externos ou internos.
11) Humanização: processo pelo qual o homem desenvolve
em si qualidades que o tornam mais capaz de conviver
com seus semelhantes.
12) Intertextualidade: diálogo entre textos; pode ser cons-
ciente ou não no momento da criação literária. Mani-
festa-se como um conjunto de referências, diretas ou
indiretas, a obras de outros autores.
13) Literatura, para Antonio Candido: compreende "[...] todas
as criações de toque poético, ficcional ou dramático em
todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de
cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até
as formas mais complexas e difíceis da produção escrita
das grandes civilizações" (CANDIDO, 1995, p. 242).
14) Metodologia: estudo ou conhecimento do caminho pelo
qual se chega a realizar algo.
15) Paradidáticos: etimologicamente, significa aquilo que
está ao lado do didático; no contexto desta obra, indica
os livros de leitura complementar, que acompanham o
processo de aprendizagem de determinados conceitos
ou valores.
16) Pretexto: historicamente, significa tecer algo na frente
de outra coisa; palavra de conotação negativa, tem hoje
o sentido de alegação falsa, mentirosa.
17) Repertório de leituras: conjunto de leituras anteriores,
que o leitor mobiliza durante o processo de leitura. Com-
preende tanto leituras de textos, como leituras de mun-
do, vivenciais.
18) Texto, para Marisa Lajolo: é "[...] o resultado, o produ-
to do ato de entrelaçar palavras, frases, parágrafos. [...]
pode indicar tanto um conjunto de palavras quanto ain-
da um livro inteiro" (LAJOLO, 2008, p. 102).
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre
os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com-
plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or-
denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se
que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque-
mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen-
to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos
significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem. 
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez

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26 © Metodologia do Ensino: Literatura

que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-


nitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você
o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).
Veja, a seguir, o esquema de conceitos-chave de Metodolo-
gia do Ensino: Literatura.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

por meio 
promove    HUMANIZAÇÃO 
de   

EXPRESSÃO 

DIREITO DO CIDADÃO  CONTEÚDO 

CONHECIMENTO 
é  FORMA + CONTEÚDO 
composta 
de 

na escola, 
  implica‐se   regula 
LITERATURA  ENSINO  LEGISLAÇÃO 
EDUCACIONAL 

é estudada 
por meio de
para 
definido 
pelo  é/não é
CONTEXTO  TEXTO  PRETEXTO 

na escola,  apresenta‐se como

     
DIDÁTICO  DIDATIZADO  PARADIDÁTICO 

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo de


Metodologia do Ensino: Literatura.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como disse-


mos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais importantes
deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre os principais
conceitos deste Caderno de Referência de Conteúdo e descobrir o ca-
minho para construir o seu processo de ensino-aprendizagem.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente
virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles
relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presen-

Claretiano - Centro Universitário


28 © Metodologia do Ensino: Literatura

cialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se


da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática do ensino de Literatura pode ser uma
forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-
solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se
preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso,
essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos
e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos apresentados, pois relacionar aquilo que está no campo
visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo
de emancipação do ser humano. É importante que você se atente
às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes
© Caderno de Referência de Conteúdo 29

nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas


com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você, como aluno do curso de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você am-
plie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático,
discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às
videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

Claretiano - Centro Universitário


30 © Metodologia do Ensino: Literatura

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua
Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas
Cidades, 1995. p. 235-263.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002.
LAJOLO, Marisa. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1991.
MICHELETTI, Guaraciaba; BRANDÃO, Helena Nagamine (Orgs.). Aprender e ensinar com
textos didáticos e paradidáticos. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
EAD
Literatura e Direitos
Humanos

1
1. OBJETIVOS
• Refletir sobre os conceitos de metodologia, ensino e literatura.
• Perceber a literatura como um direito de todo o cidadão.
• Reconhecer as contribuições da leitura literária na forma-
ção do ser humano.

2. CONTEÚDOS
• Conceito de método, ensino e literatura.
• Literatura como um direito humano inalienável.
• Contribuições da literatura para a formação e humaniza-
ção do homem.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explici-
tados no Glossário e suas ligações pelo Mapa Conceitual
para o estudo de todas as unidades deste Caderno de
32 © Metodologia do Ensino: Literatura

Referência de Conteúdo. Isso poderá facilitar sua apren-


dizagem e seu desempenho.
2) Leia os livros da bibliografia indicada, para que você am-
plie seus horizontes teóricos. Compare-os com o Mate-
rial Didático e discuta a unidade com seus colegas e o
tutor.
3) Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser in-
teressante conhecer um pouco da biografia de Antonio
Candido, cujo pensamento norteia o estudo desta uni-
dade.

Antonio Candido
Antonio Candido de Mello e Sousa nasceu aos 24 de julho de 1918, no Rio de
Janeiro. Grande parte de sua infância, porém, foi vivida com a família em Poços
de Caldas – MG.
Formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1941, Antonio
Candido tornou-se o maior crítico literário brasileiro, cujas obras são conhecidas
e debatidas em todo o território nacional e também no exterior.
Antonio Candido atuou também como jornalista, colaborando com jornais como
Folha da Manhã e O Estado de São Paulo.
Nos anos 40, juntamente com outros intelectuais como Décio de Almeida Prado,
Paulo Emílio Salles Gomes, Alfredo Mesquita, Florestan Fernandes e Gilda de
Moraes Rocha – sobrinha de Mário de Andrade e futura esposa de Candido –
criou a revista literária Clima, tornando-se seu redator-chefe. O grupo que se
reuniu em torno dessa revista deixou contribuições fundamentais no pensamento
sobre a cultura brasileira, nos âmbitos do teatro, cinema, moda, política etc.
Em 1957, iniciou sua atividade docente como professor de Literatura Brasilei-
ra na Unesp de Assis. Dois anos depois, publicou a obra que lhe daria maior
notoriedade: Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (CANDIDO,
1971).
Inaugurou, em 1961, a cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada da
USP, na qual se formaram os principais nomes da crítica literária brasileira, tais
como Davi Arrigucci Junior, Alfredo Bosi, João Alexandre Barbosa, Walnice No-
gueira Galvão e outros.
Sempre alinhado com a esquerda marxista, Antonio Candido foi militante no Par-
tido Socialista Brasileiro e, em 1980, juntamente com Luiz Inácio da Silva, Sérgio
Buarque de Hollanda e Florestan Fernandes, participou da fundação do Partido
dos Trabalhadores.
Seus artigos têm presença marcante nos estudos literários em todo o Brasil,
devido à lucidez e profundidade com que trata a literatura, tanto na sua especi-
ficidade artística, quanto no diálogo que estabelece com a sociedade brasileira.
Conheça melhor Antonio Candido lendo uma reportagem especial sobre seus 90 anos,
em: <http://www4.usp.br/index.php/especiais/14925-os-90-anos-de-antonio-candido-
-professor-da-fflch>. Acesso em: 16 out. 2011.
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 33

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Um dos poemas mais famosos de Carlos Drummond de An-
drade chama-se "Procura da poesia", do qual selecionamos um
fragmento que convidamos você, agora, a ler:
[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.


Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
[...]
(ANDRADE, 1994, p. 13-14)

Neste poema, inserido no volume intitulado A rosa do povo,


Drummond convida o poeta iniciante a conviver com seus poemas
antes de escrevê-los, isto é, a contemplar as palavras "em estado
de dicionário". Esta expressão é muito cara para nós, não somente
no âmbito da literatura, mas também para orientar nossos estudos
em qualquer área do conhecimento.
Dizemos isso porque o caminho inicial mais seguro para co-
nhecermos algo é a observação atenta das palavras que utilizamos
para defini-lo. Trata-se de um procedimento primário de pesquisa,
para o qual nos habilitamos com uma boa consulta ao dicionário.
Lá encontraremos as palavras com seus múltiplos significados,
prontas para serem "colhidas" e utilizadas pelos falantes e escre-
ventes da língua.

Claretiano - Centro Universitário


34 © Metodologia do Ensino: Literatura

Queremos, assim, iniciar nosso estudo de Metodologia do


Ensino: Literatura aceitando o convite de Drummond e penetran-
do no reino das palavras que usamos para nomear esta disciplina.

Para você refletir:


Você sabe o que é Metodologia?
E ensino, o que significa? É possível ensinar Literatura?
O termo Literatura, como você define?

Iniciamos, pois, pela definição – "em estado de dicionário" –


de metodologia.
Segundo Houaiss (2009), metodologia é o "ramo da lógica
que se ocupa dos métodos das diferentes ciências"; é também a
"parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela pró-
pria recorre". Metodologia é, portanto, o estudo dos métodos.
E método – o que vem a ser?
Ainda conforme Antônio Houaiss (2009), método é, de for-
ma geral, o "procedimento, técnica ou meio de fazer alguma coisa,
esp. de acordo com um plano". A etimologia da palavra, segundo
o lexicologista Houaiss, é a seguinte:
Método: do grego metá, atrás, em seguida, através de, e ho-
dós, caminho.
Uma metodologia é, portanto, o estudo ou conhecimento do
caminho pelo qual se chega a realizar algo. Estamos, portanto, nes-
ta disciplina, atrás do caminho que conduz ao ensino da literatura.
Mas o que vem a ser ensino? Vejamos a palavra em seu "es-
tado de dicionário":
• "Ensino: ato, processo ou efeito de ensinar; ensinamento,
ensinança";
• "Ensinar: repassar ensinamentos sobre (algo) a; doutri-
nar, lecionar; transmitir (experiência prática) a; instruir
(alguém) sobre";
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 35

• "Ensinamento: conjunto de ideias a serem transmiti-


das; conjunto de conhecimentos a serem repassados"
(HOUAISS, 2009).
Um rápido exame dos elementos apresentados pelo dicio-
nário nos leva às seguintes questões: é possível repassar ou trans-
mitir ideias ou conhecimentos literários? A resposta mais óbvia é:
NÃO! Vejamos o porquê.
Em primeiro lugar, conhecimentos são construídos por cada
pessoa e não tomados de empréstimo a outras. O conhecimento
que eu tenho sobre a literatura (ou sobre culinária, medicamentos,
cinema, política etc.) foi construído a partir das minhas experiên-
cias de vida e do meu repertório de leituras; das interações entre
a minha experiência e aquela que os autores apresentam em seus
livros. O conhecimento não pode ser embalado num pacote e le-
gado a outrem. Não funciona assim, não é mesmo? Conhecimento
se adquire, se constrói.
Mas qual seria, então, a tarefa do professor de literatura, se
o conhecimento sobre ela nasce da sua experiência de leitor?
Acreditamos que a tarefa do docente de literatura é funda-
mentalmente fazer a mediação entre o estudante e o conjunto
de conhecimentos que a humanidade construiu, ao longo de sua
história, sobre os fatos literários. O bom professor de literatura é
aquele que consegue despertar nos educandos a curiosidade li-
terária, o interesse pelos livros, a paixão pela leitura, pela poesia,
pela narrativa, pelo teatro.
Você pode objetar que o conjunto desses conhecimentos é
infinito e que não é possível abarcá-los na totalidade. Certo, cer-
tíssimo. Mas, se você se propõe a ensinar literatura, deve ter uma
experiência boa, profícua, de leitura – sua experiência, pessoal;
esta deve ser tão importante para você que lhe suscita o desejo de
partilhá-la com outras pessoas. Se você tem isso, pronto: já tem o
essencial para trabalhar com a literatura na escola.

Claretiano - Centro Universitário


36 © Metodologia do Ensino: Literatura

Agora vamos avançar mais um passo nesta nossa reflexão


inicial, perguntando-nos: o que é literatura? O que nos diz o dicio-
nário – você sabe? Se não, confira a seguir todas as proposições
que definem o termo "literatura":

Definições de literatura–––––––––––––––––––––––––––––––––
1 Rubrica: literatura.
uso estético da linguagem escrita; arte literária
Exemplo: tendências da literatura.
2 Rubrica: literatura.
conjunto de obras literárias de reconhecido valor estético, pertencentes a um
país, época, gênero etc.
Exemplo: literatura medieval
3 Derivação: por analogia.
conjunto das obras científicas, filosóficas etc., sobre determinada matéria ou
questão; bibliografia
Exemplos: literatura marxista; literatura farmacêutica
4 ofício, trabalho do profissional de letras
5 conjunto de escritores, poetas etc. que atuam no mundo das letras
6 disciplina escolar composta de estudos literários
7 conjunto de instruções, boletim, folheto etc. destinados a propaganda ou escla-
recimentos sobre certos produtos
8 Uso: pejorativo.
fantasia, irrealidade, ficção
Exemplo: Tudo o que havia dito era pura literatura.
(HOUAISS, 2009).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Observemos, pois, cada uma dessas definições.
A primeira forma possível de uso da palavra "literatura" re-
fere-se ao uso estético da linguagem, da palavra – é o que fazem
os poetas com as palavras: constroem objetos artísticos, tais como
contos, poemas, peças de teatro, romances, crônicas etc.
Literatura é também, segundo a definição 2, o conjunto de
obras literárias de um país – literatura brasileira, literatura fran-
cesa, literatura caboverdiana etc. -, ou de uma época – literatura
barroca, clássica, contemporânea etc. – ou, ainda, de um gênero
– literatura afrobrasileira, infanto-juvenil, marginal etc.
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 37

Literatura também designa o conjunto de obras sobre um


dado assunto, conforme a definição 3, o que a faz sinônimo de
bibliografia.
Designa também o trabalho do profissional de Letras, segun-
do a quarta proposição de Houaiss – definição complexa, pois o
que seja o profissional de Letras é algo que carece de definição.
Seria o escritor, o editor, o crítico, o professor ou todos eles? Pare-
ce-nos que Houaiss considera apenas o escritor como profissional
das letras, pois, a rigor, só ele (o escritor ou poeta) faz literatura.
Contudo, todos os demais agentes que citamos são, também, pro-
fissionais das letras – cada um com seu papel, todos colaboram
para a produção e circulação da literatura.
Mais estranha ainda é a quinta definição de Houaiss: acaso
você já ouviu o termo literatura usado para designar o conjunto de
escritores ou poetas? Eles são literatura ou produtores literários?
Veja que as palavras "em estado de dicionário" devem ser interro-
gadas, inquiridas; seu uso em tal ou qual sentido depende de outros
conhecimentos que o usuário deve mobilizar antes de empregá-la.
Talvez soe estranha a você, como também para nós, ainda, a
definição número 7; como ela não traz exemplos, seu entendimen-
to nesse sentido fica prejudicado.
Contudo, o uso pejorativo da palavra "literatura", apontado
na última proposição de Houaiss, é-nos familiar. Infelizmente, po-
demos dizer. O uso do termo "literatura" como sinônimo de irrea-
lidade e fantasia faz que todo o conjunto das produções literárias
que a humanidade produziu e acumulou durante séculos seja me-
nosprezado em relação a outros conhecimentos produzidos pelo
homem. Não é difícil nem raro encontrar quem pense que litera-
tura é perda de tempo, visto que se trata de realidades inventa-
das, ficcionais, que não existem de fato. Se os fatos referidos pelo
romancista, por exemplo, não existiram realmente, se tudo o que
está em um romance é invenção do autor, então por que perder
tempo com isso?

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38 © Metodologia do Ensino: Literatura

Esse preconceito nasce do desconhecimento do que seja lite-


ratura e das contribuições que esta traz ao desenvolvimento do ser
humano. São tantas, e tão profundas, que sua fruição tornou-se um
direito do ser humano.
Sim: desfrutar dos benefícios da literatura é um direito essen-
cial de todo cidadão. Quem defende essa proposição é o sociólogo e
crítico literário Antonio Candido, como veremos na sequência.

5. O DIREITO À LITERATURA
No ano de 1988, Antonio Candido foi convidado para profe-
rir uma palestra em um curso organizado pela Comissão de Jus-
tiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, com o tema "Direitos
humanos e literatura". Essa palestra deu origem ao ensaio deno-
minado "O direito à literatura", incluído no volume Vários escri-
tos (CANDIDO, 1995). Embora escrito há mais de 20 anos, esse
texto guarda algumas reflexões que consideramos essenciais na
formação do professor de literatura. Nele, Candido desenvolve
uma argumentação irrefutável sobre a contribuição da literatura
na formação do homem. Vamos ler e comentar alguns fragmen-
tos desse texto, perseguindo os passos do autor no desenvolvi-
mento da tese de que a literatura constitui um direito humano
inalienável.
Candido começa sua reflexão considerando o seguinte:
[...] em comparação a eras passadas chegamos a um máximo de
racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite
imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas
materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação. No
entanto, a irracionalidade do comportamento é também máxima,
servida freqüentemente pelos mesmos meios que deveriam rea-
lizar os desígnios da racionalidade. Assim, [...] em certos países,
como o Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssi-
ma distribuição dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos
meios que permitem o progresso podem provocar a degradação da
maioria (CANDIDO, 1995, p. 235).
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 39

Em sua lúcida colocação, Candido aponta um paradoxo do


progresso científico: seria de se esperar que o movimento de cres-
cimento científico e tecnológico trouxesse aos homens em geral
melhores condições de vida; o que se verifica, contudo, é que as
novas aquisições da humanidade em termos de conhecimento e
da aplicação deste ficam restritas a uma minoria privilegiada, per-
manecendo a grande massa nas mesmas condições degradadas
em que se encontram desde há muito tempo. Para estas, o pro-
gresso científico não acrescenta praticamente nada.
Esta discussão liga-se a uma outra, na qual se contrapõem os
conceitos de civilização e barbárie: o processo de civilização – con-
siderada aqui como o amplo processo de educação cultural que
promove o adiantamento dos povos – deveria exterminar a barbá-
rie, ou seja, a condição de embrutecimento que antecede o estado
civilizacional.
Contudo, nossa época, tal qual há vinte anos, conforme apon-
tava Candido, permanece profundamente marcada por desigualda-
des, as quais motivam inúmeros movimentos pelos direitos huma-
nos. Uma rápida olhada nos noticiários pode atestar essa condição.
Qual a relação desta reflexão com o ensino da literatura? Se
esta for a sua indagação, neste momento, aguarde mais um pouco
e você a verá respondida.
Apesar da constatação desalentadora, Candido aponta ou-
tros fatores que permitem recuperar a esperança na humanização
do homem:
1) atualmente, os meios materiais necessários para que al-
cancemos um estágio de mais civilidade existem; muitas
coisas que antes eram utópicas hoje são possibilidades
concretas – o desenvolvimento dos meios de comunica-
ção, por exemplo, são prova disso;
2) embora a barbárie continue crescendo, ela é cada vez mais
repudiada, ou seja, causa vergonha e não é mais motivo de
celebração, como em tempos remotos (em que os generais
vitoriosos se vangloriavam de suas matanças);

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40 © Metodologia do Ensino: Literatura

3) o discurso sobre a pobreza e a desigualdade tem se mo-


dificado substancialmente: se antes a pobreza era "von-
tade de Deus", hoje ela incomoda, provocando desde
sentimento de culpa até medo. Haja vista as ações le-
gais que procuram erradicar da nossa sociedade com-
portamentos preconceituosos com relação aos negros,
homossexuais, mulheres etc. (CANDIDO, 1995)
Embora falte o empenho concreto, real, no sentido de promo-
ver a igualdade de direitos – outro paradoxo – não se pode ignorar
as transformações nas consciências, o que é certamente um passo
fundamental da transformação social em direção à equidade.
Candido prossegue sua reflexão dando um segundo passo.
Vejamos:
[...] pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer
que aquilo que consideramos indispensável para nós é também in-
dispensável para o próximo. Esta me parece a essência do proble-
ma, inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário
um grande esforço de educação e auto-educação a fim de reco-
nhecermos sinceramente este postulado. Na verdade, a tendência
mais funda é achar que os nossos direitos são mais urgentes que os
do próximo (CANDIDO, 1995, p. 239).

É fácil enumerar os direitos do homem: saúde, educação,


moradia, trabalho, justiça, associação etc. Para nós e para nossos
semelhantes, estes são bens dos quais não se pode abrir mão. En-
tretanto, responda: a garantia dos direitos enumerados anterior-
mente é suficiente para sua felicidade?

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O Art. 6º. da Constituição brasileira, publicada em 1988, garantia como direitos
sociais "[...] a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância [e] a assistência aos desampara-
dos." (BRASIL, 1988). Em fevereiro de 2000, a moradia foi acrescentada a essa
lista e, dez anos depois, outra emenda acrescentou também a alimentação como
um direito social constitucionalmente garantido.
Segundo notícia publicada na Folha de S. Paulo de 10 de julho de 2010 (GUER-
REIRO, 2010), há um movimento para que se inclua, no texto legal, a busca
da felicidade como anterior a todos os direitos sociais. O texto constitucional
passaria a vigorar assim: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade,
a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 41

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma


desta Constituição."
O psicanalista italiano Contardo Calligaris, radicado no Brasil, comenta:

É claro que, se eu dispuser de casa, emprego, assistência médica, seguran-


ça, terei mais tempo e energia para buscar minha felicidade. No entanto o
respeito a esses direitos sociais básicos não garante a felicidade de ninguém;
como se diz, ter comida e roupa lavada é bom e ajuda, mas não é condi-
ção suficiente nem absolutamente necessária para a busca da felicidade.
Em suma, implico um pouco com o adjetivo "essencial" no texto da emenda,
mas, fora isso, gosto da iniciativa porque, como a Declaração de Independência
dos EUA, ela situa a busca da felicidade como um direito do indivíduo, anterior a
todos os direitos sociais.
[...]
Em matéria de felicidade, os governos podem oferecer as melhores con-
dições possíveis para que cada indivíduo persiga seu projeto - por exem-
plo, como sugere a emenda constitucional proposta, garantindo a to-
dos os direitos sociais básicos. Mas o melhor governo é o que não pre-
fere nenhuma das diferentes felicidades que seus sujeitos procuram.
Não é coisa simples. Nosso governo oferece uma isenção fiscal às igrejas, as
quais, certamente, são cruciais na procura da felicidade de muitos. Mas as esco-
las de dança de salão ou os clubes sadomasoquistas também são significativos
na busca da felicidade de vários cidadãos. Será que um governo deve favore-
cer a ideia de felicidade compartilhada pela maioria? Ou, então, será que deve
apoiar a felicidade que teria uma mais "nobre" inspiração moral?
Antes de responder, considere: os governos totalitários (laicos ou religio-
sos) sempre "sabem" qual é a felicidade "certa" para seus sujeitos. Juram
que eles querem o bem dos cidadãos e garantem a felicidade como um di-
reito social - claro, é a mesma felicidade para todos. É isso que você quer?
Enfim, introduzir na Constituição Federal a busca da felicidade como direito do
indivíduo, aquém e acima de todos os direitos sociais, é um gesto de liberdade,
quase um ato de resistência (CALLIGARIS, 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Podemos concluir que a busca da felicidade abrange os direi-
tos sociais garantidos, no Brasil, pela constituição; contudo, ser fe-
liz implica na satisfação de outras necessidades que podem variar
de pessoa a pessoa!
À parte da discussão acerca da inserção ou não da busca da
felicidade na constituição brasileira, retomemos a linha de pensa-
mento de Antonio Candido, que questiona:
Elas [as pessoas] afirmam que o próximo tem direito, sem dúvida, a
certos bens fundamentais [...]. Mas será que pensam que o seu se-
melhante pobre teria direito a ler Dostoievski ou ouvir os quartetos
de Beethoven? (CANDIDO, 1995, p. 239).

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42 © Metodologia do Ensino: Literatura

Para justificar sua argumentação, Candido recorre aos con-


ceitos de "bens compressíveis" e "bens incompressíveis", do soció-
logo francês, padre Louis-Joseph Lebret.
Novamente o dicionário nos auxilia nessa distinção: "com-
pressível" é aquilo que pode ser comprimido, concentrado, reduzi-
do (de volume) (HOUAISS, 2009). Incompressível, por extensão, é
aquilo que não pode ser reduzido.
Lebret classifica como incompressíveis aqueles bens essen-
ciais, garantidos no texto constitucional – saúde, trabalho, educa-
ção, alimentação, moradia etc. Bens compressíveis, por sua vez,
são aqueles que podem ser diminuído ou até mesmo suprimido:
cosméticos, perfumes, roupas e brinquedos extras etc.
Candido, porém, lembra que a fronteira entre essas duas ca-
tegorias nem sempre é fácil de delimitar, pois "[...] o valor de uma
coisa depende em grande parte da necessidade relativa que temos
dela." (CANDIDO, 2009, p. 240).
O fato é que os critérios de incompressibilidade são variá-
veis, e mudam de uma cultura para outra e de uma época para
outra. Experimente questionar pessoas que se distanciem de você
por uma ou duas gerações sobre quais são, para elas, os bens in-
dispensáveis para a vida e você certamente obterá respostas di-
ferentes das que você daria a essa mesma pergunta. Pessoas de
classes economicamente distintas podem ter também respostas
divergentes para essa pergunta.
Candido defende a posição de que os bens incompressíveis
incluem os bens que favorecem não apenas a existência corporal,
mas também a integridade espiritual do homem:
[...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram sobre-
vivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integri-
dade espiritual. São incompressível certamente a alimentação, a
moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o
amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também
o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à
literatura.
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 43

Mas a fruição da arte e da literatura estaria mesmo nesta catego-


ria? Como noutros casos, a resposta só pode ser dada se puder-
mos responder a uma questão prévia, isto é, elas só poderão ser
consideradas bens incompressíveis segundo uma organização justa
da sociedade se corresponderem a necessidades profundas do ser
humano, a necessidades que não podem deixar de ser satisfeitas
sob pena de desorganização pessoal, ou pelo menos de frustração
mutiladora. A nossa questão básica, portanto, é saber se a literatu-
ra é uma necessidade deste tipo (CANDIDO, 1995, p. 241).

Você pode ter achado estranho incluir a literatura entre os


direitos humanos. Continuaremos seguindo o pensamento do crí-
tico, mas, antes, precisamos entender o que é que ele está cha-
mando de literatura!

6. LITERATURA, "SONHO ACORDADO DAS CIVILIZA-


ÇÕES"
Antonio Candido dá uma definição bastante abrangente do
que seja literatura. Para ele, literatura compreende:
[...] todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em
todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura,
desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais
complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações
(CANDIDO, 1995, p. 242).

Observe que essa definição ampla de literatura considera


como tal também as criações populares, da oralidade: desde que
tenham um "toque poético, ficcional ou dramático". Candido alu-
de, nessa definição, aos três gêneros literários clássicos: a poesia,
a ficção e o drama, que estão presentes também nas formas mais
populares de criação com palavras.
Candido afirma que todos os povos sempre produziram lite-
ratura – entendida dessa forma ampla. "Não há povo e não há ho-
mem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar
em contato com alguma espécie de fabulação" (CANDIDO, 1995,
p. 242), de criação literária. Mesmo quando dorme, o homem cria,
inventa: o próprio sonho é uma projeção inventiva, na qual a pes-

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44 © Metodologia do Ensino: Literatura

soa que dorme projeta, inconscientemente, elementos que depois


traduz em histórias.
Segundo Flávio Aloé, neurofisiologista do Instituto de Psi-
quiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, "[a] não ser que
estejam sob medicação ou tenham alguma doença orgânica, todas
as pessoas sonham de quatro a seis vezes numa noite normal de
sono." (ALOÉ [19--?]). Os sonhos, explica o médico, para além das
interpretações que dão os psicanalistas, desempenham importan-
te função orgânica:
Do ponto de vista neurofisiológico, o sonho desempenha uma sé-
rie de funções. Uma é descarregar o excesso de informações, de
resíduos que deixaram de ser interessantes. Outra vem sendo estu-
dada desde 1988 e indica que o sonho é importante para fazer a re-
verberação, ou seja, a reativação de determinados circuitos. Parece
que ele tem a função de proporcionar um aprendizado indispensá-
vel para a perpetuação da espécie, pois facilita a transferência de
elementos apreendidos durante a vigília de uma memória de curto
prazo para outra de mais longo prazo. É como passar repetidas ve-
zes uma fita de vídeo para que a pessoa assimile o que nela está
contido (ALOÉ [19--?]).

Os sonhos, portanto, têm função vital indispensável para o


equilíbrio do ser humano. Partindo desta constatação científica,
Antonio Candido (1995, p. 243) tece uma comparação: "[...] assim
como não há equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, tal-
vez não haja equilíbrio social sem a literatura." Para o crítico, a li-
teratura é o "sonho acordado das civilizações" (idem, p. 242), fator
fundamental e indispensável de humanização, até mesmo porque
sua atuação no ser humano acontece em grande parte de forma
subconsciente ou inconsciente.
Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e
dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os
seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um
a presença e atuação deles (Idem, p. 243).

Insistimos com você, caro estudante, nestas questões, pois em-


bora pareçam distantes da nossa matéria de estudo nesta disciplina, é
delas que vem o fundamento da experiência de ensino da literatura:
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 45

até onde vimos, e acompanhando o pensamento de Antonio Candi-


do, podemos afirmar que o ensino da literatura se justifica pela con-
tribuição que ela tem a dar para o ser humano, pela sua função hu-
manizadora, vital para a sociedade e indispensável para o indivíduo.
Vejamos, agora, os porquês dessa afirmação de Candido:
você é capaz de imaginar de que modo a literatura humaniza? Se-
ria apenas pelo seu conteúdo, pelas "mensagens" que veicula? A
literatura consiste na atribuição de significado, pelo leitor, para as
obras artisticamente construídas?

7. LITERATURA É CONTEÚDO E FORMA


Na sequência, você verá que não é só isso, e para tanto será
necessário retomar uma formulação básica dos estudos literários:
LITERATURA = CONTEÚDO + FORMA
É isso. A literatura tem dois aspectos essenciais e indissociá-
veis: seu conteúdo (aquilo que o autor efetivamente diz, somado
aos significados que lhe podemos atribuir no processo de leitura)
e sua forma, isto é, seu aspecto de constituição formal – o modo
como ela se apresenta a nós.
Se fosse uma escultura, a forma seria dada pelo material
usado, pelas técnicas de construção do artista, pelo local em que
está colocada etc.; se pintura, sua forma conteria o tamanho e o
tipo da tela, a presença ou ausência de cores e imagens, o tipo de
pincelada e de tinta empregadas pelo artista, sua moldura.
Em literatura, a forma é dada pelos elementos que consti-
tuem o texto, sejam eles externos ou internos.
Como elementos externos que dão forma ao texto, temos:
1) o seu suporte (se em livro, se virtual, se em papiros etc.);
2) a forma de impressão, no caso dos livros impressos – o
tipo de papel, a mancha, que é a distribuição espacial do
texto em cada folha, o tipo e tamanho da fonte usada etc.;

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46 © Metodologia do Ensino: Literatura

3) os elementos paratextuais (que se encontram nas pro-


ximidades do texto literário): título, subtítulo, "orelhas",
sumário, informações da capa e contracapa, ilustrações,
prefácios, posfácios, introduções, notas de rodapé etc.
Além destes, há também os elementos internos ao texto literário:
1) gênero a que pertence o texto;
2) divisão em versos e estrofes ou em parágrafos e capítulos;
3) personagens, foco narrativo, espaço e tempo da narrati-
va, sequência contínua ou descontínua dos fatos narra-
dos, para a ficção;
4) imagens e figuras, para os poemas etc.
Todos esses elementos pertencem à forma de um texto lite-
rário.
Quanto ao conteúdo, esse é mais facilmente visível para os
leitores em geral, e inclui, entre outros elementos, o encadeamen-
to e desfecho das ações, na ficção; a ideologia que está por detrás
da construção dos textos literários; a multiplicidade de sentidos
que podemos atribuir aos poemas; a visão de sociedade que o au-
tor apresenta; a problematização da relação entre o ser e os ou-
tros seres, o ser e o meio social, o ser e seu entendimento de si
mesmo etc.
Você deve ter notado que, após cada elenco de itens que
fizemos, acrescentamos o "etc." – é porque cada um dos itens
apresentados, tanto com relação à forma quanto com relação ao
conteúdo da literatura, são passíveis de inúmeros estudos, espe-
cificações e teorias que os explicam, justificam e classificam. To-
dos os estudos mais especificamente literários – de teoria, crítica,
análise e interpretação dos fatos literários – têm o único sentido
de proporcionar uma leitura mais profunda da literatura; o espe-
cialista em literatura é tanto melhor quanto mais consegue mobi-
lizar, na sua interpretação do texto literário, esses conhecimentos
específicos. Para tanto, temos uma importante dica para você.
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 47

Dica de procedimento––––––––––––––––––––––––––––––––––
Se você não é exatamente um especialista em literatura, mas profissional de
outra área que será habilitado, por este curso, ao ensino da literatura, saiba que
tem à sua frente uma seara imensa – e intensamente prazerosa, tanto mais pra-
zerosa quanto maior for o seu gosto pela literatura!
Procure com o seu tutor indicações de textos que possam lhe fornecer o conhe-
cimento dos elementos formais da literatura; sempre que sentir necessidade,
recorra também à crítica literária especializada, sobre a qual o seu tutor também
poderá dar excelentes indicações, na medida da sua necessidade e interesse.
Só não deixe de estudar a teoria da literatura: sem ela, você será sempre um
leitor "ingênuo", capaz de ler os textos apenas na superfície – e perderá o que
de melhor a literatura tem a oferecer, que é o desvendamento de seus enigmas!
Todo texto literário pede agora a você: "Decifra-me (ou devoro-te!)"
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. LITERATURA HUMANIZA
Retomemos, pois, as observações de Antonio Candido. En-
tender que o conteúdo da literatura humaniza é mais simples. Ela
pode tratar de temas que se relacionam com valores importantes
para o ser humano, pode levar o leitor a refletir sobre as relações
que estabelece consigo mesmo e com o mundo e as pessoas que
o cercam. Antigamente, os exercícios de interpretação de textos
procuravam descobrir qual a "mensagem" do texto; os livros didá-
ticos da primeira metade do século 20 traziam textos recheados
de valores morais, pois acreditavam que o leitor escolar precisava
ser formado também na "moral" e nos "bons costumes". Nada de
errado com isso.
Hoje em dia, porém, entendemos que a função da literatura
não é "ensinar" valores. O texto literário, mediante sua condição
de objeto artisticamente construído, perde a qualidade quando se
compromete somente com a "panfletagem" de valores de deter-
minada parcela da sociedade.
O alcance da literatura está além do conteúdo que veicula –
e que pode, sim, servir de motivo para reflexões valorativas, uma
vez que o texto é produzido num dado contexto histórico, ou seja,
reflete o modo de pensar o mundo dos homens de uma dada cul-

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48 © Metodologia do Ensino: Literatura

tura, num tempo e espaço historicamente determinados. Mas não


é só pelo conteúdo veiculado que a literatura humaniza – torna o
homem mais humano. A forma literária também é fator de huma-
nização. Candido explica:
(1) ela [a literatura] é uma construção de objetos autônomos como
estrutura e significado;
(2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a
visão do mundo dos indivíduos e grupos;
(3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação
difusa e inconsciente (CANDIDO, 1995, p. 244, grifos nossos).

O poder humanizador da literatura, segundo o crítico e so-


ciólogo, está na conjunção dessas três facetas:
• Construção: todo texto literário é um objeto construído,
um conjunto de palavras ordenadas pelo seu produtor.
Essa ordem dada pelo autor favorece nossa própria orga-
nização mental e de sentimentos; com isso, nossa visão
de mundo fica mais organizada também.
• Expressão: mais do que simples arranjo ordenado de pa-
lavras, a literatura é uma forma de expressão – expressa
os valores e a visão de mundo do seu autor e do seu con-
texto de produção.
• Conhecimento: a literatura apresenta níveis de conheci-
mento intencionais, isto é, propostos pelo autor e assimi-
lados pelo leitor, e níveis de conhecimento que o leitor
incorpora "difusa e inconscientemente", para lembrar as
palavras do autor. Estes se referem à organização mental
e emocional que a ordem do texto literário permite e que
não percebemos conscientemente durante a leitura.
• Insistimos, nesta unidade, sobre estas reflexões de An-
tonio Candido, porque elas dão a nós, professores, um
objetivo magnânimo para o ensino da literatura – esse
instrumento poderoso de construção, expressão e conhe-
cimento. É pelo conjunto de todos esses atributos que a
literatura favorece a formação do homem, que o huma-
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 49

niza. Vejamos, para concluirmos esta etapa do nosso per-


curso, o que Candido entende por humanização:
Entendo aqui por humanização (já que tenho falado tanto dela) o
processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos
essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa
disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capa-
cidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a per-
cepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.
A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida
em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
sociedade, o semelhante (CANDIDO, 1995, p. 249, grifo do autor).

O conceito de humanização de Antonio Candido engloba tudo


aquilo que um educador pode desejar como resultado de seu fazer
pedagógico. Trata-se de uma formação que envolve competências
as mais diversas, baseadas na aquisição de conhecimentos (saber
conhecer) e de técnicas (saber fazer), bem como na aprendizagem
de como se relacionar melhor com os outros seres humanos (saber
relacionar-se) e de desenvolvimento pessoal (saber ser).
Essas competências que mencionamos são as mesmas in-
dicadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) para a educação do século XXI: espe-
ra-se que o homem deste século tenha favorecido, na escola, estes
quatro níveis de educação: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a relacionar-se e aprender a ser.
E em todos estes aspectos, a literatura, pela confluência de
forma e conteúdo, é um instrumento privilegiado de formação.

9. TEXTOS COMPLEMENTARES
Como textos complementares a esta unidade, sugerimos as
seguintes leituras:
• CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários
escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263.
• A leitura na íntegra desse artigo que comentamos nesta uni-
dade trará a você não apenas mais elementos para refletir

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50 © Metodologia do Ensino: Literatura

sobre a força humanizadora da literatura e sobre como ela


atua no homem. Sua leitura também é, em si, um excelente
instrumento pessoal de formação e de humanização, pois a
organização e clareza com que Antonio Candido expõe suas
ideias e conduz o leitor em sua reflexão testemunham a
grandeza de seu autor e o porquê de ser ele um dos críticos
literários mais valorizados no Brasil e fora dele.
• ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO,
A CIÊNCIA E A CULTURA – UNESCO. Educação: um tesouro
a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Interna-
cional sobre Educação para o século XXI. Relator: Jacques
Delors. Tradução de José Carlos Eufrásio. São Paulo: Cor-
tez; Brasília: Unesco, 1998. Disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000009.pdf>.
Acesso em: 14 jul. 2010.
• Conhecido também como "Relatório Delors", este livro
traz reflexões fundamentais para sua formação como
docente, na medida em que expõe com clareza tanto a
situação em que se encontrava a educação mundial no
fim do século 20, quanto o que as organizações mundiais,
por meio de seus representantes, esperam do futuro da
educação no mundo.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, do direito à literatura.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 51

cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma


cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Considere o seguinte fragmento que se encontra no início deste material:
Acreditamos que a tarefa do docente de literatura é fundamental-
mente fazer a mediação entre o estudante e o conjunto de conhe-
cimentos que a humanidade construiu, ao longo de sua história,
sobre os fatos literários. O bom professor de literatura é aquele que
consegue despertar nos educandos a curiosidade literária, o inte-
resse pelos livros, a paixão pela leitura, pela poesia, pela narrativa,
pelo teatro (SILVA, 2011).
A partir dele, responda:
a) O que significa fazer a mediação entre o aluno e o conhecimento?
b) Considerando o que se espera de um bom professor, identifique, na sua
experiência de vida, os bons professores que encontrou.
2) Para Antonio Candido,
[...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram sobre-
vivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integri-
dade espiritual. São incompressível certamente a alimentação, a
moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o
amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também
o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à lite-
ratura (CANDIDO, 1995, p. 241).
A partir da leitura desta unidade, justifique a afirmativa de que a literatura
está entre os bens incompressíveis.

3) A literatura tem dois aspectos essenciais e indissociáveis: seu conteúdo


(aquilo que o autor efetivamente diz, somado aos significados que lhe po-
demos atribuir no processo de leitura) e sua forma, isto é, seu aspecto de
constituição formal – o modo como ela se apresenta a nós. Escolha uma
obra literária de sua preferência e procure descrever, nela, os elementos que
a constituem formalmente e os aspectos mais relevantes de seu conteúdo.

4) Segundo Antonio Candido, o poder humanizador da literatura reside em sua


tríplice faceta de construção, expressão e conhecimento. Explique como es-
tes aspectos podem ser relevantes para desenvolver, no ser humano, suas
potencialidades de convivência consigo mesmo, com os demais e com o
mundo que o cerca.

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52 © Metodologia do Ensino: Literatura

5) Leia o seguinte depoimento de Tzvetan Todorov, um dos nomes mais impor-


tantes da Teoria Literária dos últimos anos:
Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem es-
pontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso
de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas
que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir
as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em con-
tinuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. [...]
(TODOROV, 2009, p. 23).
Considerando o que você estudou nesta unidade, responda: qual a relação
entre este depoimento de Todorov e as ideias de Antonio Candido sobre o
poder humanizador da literatura?

11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você estudou os conceitos de metodologia
e de literatura. Refletiu sobre as implicações que existem na ta-
refa de ensinar literatura e sobre o poder humanizador desta. Em
seguida, você aprenderá mais sobre a presença da literatura nos
livros didáticos.

12. E-REFERÊNCIAS
ALOÉ, Flávio. Sonhos. [19--?]. Entrevistador: Dráuzio Varella. São Paulo: Varal Produções,
[19--?]. Disponível em: <http://www.drauziovarella.com.br/ExibirConteudo/1089/
sonhos>. Acesso em: 13 jul. 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 10 jul. 2010.
CALLIGARIS, Contardo. O direito de buscar a felicidade. Folha de S. Paulo. São Paulo,
10 jun. 2010. Ilustrada. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/
fq1006201023.htm>. Acesso em: 10 jul. 2010.
GUERREIRO, Gabriela. Constituição pode incluir o "direito à felicidade". Folha de S. Paulo.
São Paulo, 10 jul. 2010. Cotidiano. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
cotidian/ff1007201020.htm>. Acesso em: 10 jul. 2010.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA
– UNESCO. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI. Relator: Jacques Delors. Tradução de
José Carlos Eufrásio. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 1998. Disponível em: <http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000009.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2010.
© U1 – Literatura e Direitos Humanos 53

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 4. ed. São
Paulo: Martins, 1971.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas
Cidades, 1995. p. 235-263.
HOUAISS, Antônio. Houaiss eletrônico. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss: Editora
Objetiva, 2009. Versão monousuário 1.0, jun. 2009. 1 CD.

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EAD
O Texto Literário
na Sala de Aula

2
1. OBJETIVOS
• Refletir sobre os usos que se faz do texto literário no con-
texto escolar.
• Desenvolver um olhar crítico para com os textos escola-
res.
• Repensar práticas escolares de ensino da literatura já cris-
talizadas pelo seu uso.

2. CONTEÚDOS
• A leitura do texto literário na sala de aula.
• O texto como pretexto para o ensino de valores, vocabu-
lário, norma culta e outros fatores a ele estranhos.
• O texto e seu contexto de produção.
56 © Metodologia do Ensino: Literatura

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Lembre-se de consultar, sempre que tiver necessidade,
o Glossário de Conceitos e o Mapa Conceitual, que exis-
tem para facilitar a sua aprendizagem.
2) Lembre-se de consultar a bibliografia recomendada ao
final desta unidade. Outros textos dos autores indicados
também podem ser relevantes para sua aprendizagem,
na medida em que ampliam seu repertório de leituras
sobre o ensino da literatura e sobre a leitura de textos
literários na sala de aula.
3) Os links apresentados nesta unidade permitem que você
encontre textos que complementam seu conhecimento
sobre o texto literário na sala de aula.
4) Nesta unidade, trabalharemos com conceitos e ideias de
três importantes pesquisadores: Marisa Lajolo, Guaracia-
ba Micheletti e José Luís Jobim. Você pode conhecê-los
melhor observando suas biografias.

Marisa Lajolo
Marisa Philbert Lajolo nasceu em São Paulo e viveu muito tempo na cidade
de Santos. Em 1967, concluiu o bacharelado e a licenciatura em Letras na
Universidade de São Paulo. Na mesma instituição, no Departamento de Teo-
ria Literária e Literatura Comparada, defendeu, em 1975, sua dissertação de
Mestrado, intitulada "Teoria Literária e Ensino de Literatura" e, em 1980, sua
tese de Doutorado, com o tema "Usos e abusos da literatura na escola"; ambas
com a orientação de Antonio Candido. Realizou também um Pós-Doutorado na
Brown University, em Providence (Long Island), em 1990, e várias pesquisas
na Biblioteca Nacional de Lisboa, na Biblioteca Saint Genevieve – Paris e na
John Carter Brown University. Desde 1979 atua como docente na Universidade
Estadual de Campinas, instituição com a qual mantém hoje um vínculo como
professora colaboradora voluntária. Atualmente é docente da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Em 2009, foi premiada com o Prêmio Jabuti, por sua
produção na área de Teoria e Crítica Literária. Além deste, a escritora recebeu
inúmeros outros prêmios.
Marisa Lajolo é autora de vários livros voltados para o ensino da literatura, a
formação de leitores e a literatura infanto-juvenil, dentre os quais podemos ci-
tar: Do mundo da leitura para a leitura do mundo (1994); A formação da leitura
no Brasil (1996); A leitura rarefeita (2002), em coautoria com Regina Zilberman
e Monteiro Lobato livro a livro (2008), escrito em parceria com João Luis Cec-
cantini.
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 57

Guaraciaba Micheletti
Guaraciaba Micheletti é graduada em Letras, pela Universidade de São Paulo, desde
1972. Também na USP, no Departamento de Teoria Literária e Literatura Compara-
da, sob a orientação de Davi Arrigucci Junior, desenvolveu sua pesquisa de Mestrado
(1983), intitulada "Na confluência das formas: estudo de uma narrativa compósita"; A
pedra do reino, de Ariano Suassuna, e de Doutorado (1992), esta sob o tema "A poe-
sia, o mar, a mulher: um só Vinícius", sobre a poesia de Vinícius de Moraes. Em 2000,
passou a integrar o corpo docente da Universidade de São Paulo, para a qual, mes-
mo depois de aposentada, continua a prestar serviços como colaboradora, orientando
pesquisas de Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Filologia e
Língua Portuguesa. Atualmente, é professora titular da Universidade Cruzeiro do Sul,
onde coordena o curso de Pós-Graduação em Linguística.
É autora de vários artigos e livros, dentre os quais destacamos A poesia, o mar e
a mulher: um só Vinícius (1994), Na confluência das formas: o discurso polifônico
de Quaderna/Suassuna (1997), Leitura e construção do real (2000), em parceria
com Letícia Paula de Freitas Peres e Ana Elvira Luciano Gebara.

José Luís Jobim


José Luís Jobim de Salles Fonseca é Doutor e Mestre em Letras, na área
de concentração das Ciências da Literatura, pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro; sua dissertação de Mestrado, de 1980, teve como tema "Literatura
e encenação" e sua tese de Doutorado data de 1986; nela o autor pesquisou
sobre "O livro didático e o ensino de literatura no segundo grau". Em 2001, fez
um Pós-Doutorado na Universidade de Stanford. Jobim é professor titular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor associado da Universidade
Federal Fluminense. Entre os anos de 2004 e 2006, foi presidente da Associa-
ção Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), a mais importante associação
de pesquisadores de literatura do Brasil. José Luís Jobim é também consultor
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e
parecerista das seguintes instituições: Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro (FAPERJ) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP). Jobim é autor de inúmeros livros e capítulos de livros publi-
cados em diversas editoras do país, e de grande número de artigos científicos.
Entre suas obras mais importantes, podemos destacar as seguintes: Palavras
da crítica: tendências e conceitos no estudo da literatura (Organizador; 1992);
A poética do fundamento: ensaios de teoria e história da literatura (1986); A bi-
blioteca de Machado de Assis (Organizador; 2001); Formas da teoria (2002) e
Trocas e transferências culturais: escritores e intelectuais nas Américas (2008).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, debruçamo-nos sobre os conceitos de
metodologia, de ensino e de literatura. Vimos que a metodologia
indica um caminho de ação; que o ensino é indissociável da apren-
dizagem e que o professor é um mediador entre o aluno e o co-

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58 © Metodologia do Ensino: Literatura

nhecimento literário; vimos também que a literatura comporta um


uso estético da linguagem, designando também as particularida-
des culturais de diferentes nações, tais como: literatura brasileira,
angolana, francesa etc.
Em seguida, acompanhamos o pensamento de Antonio Can-
dido, que defendia que a literatura está entre os bens incompressí-
veis, isto é, que não podem ser excluídos da vida humana sob pena
de fortes perdas para o desenvolvimento da pessoa; por este mo-
tivo, Candido a elenca entre os direitos humanos fundamentais.
Vimos que a literatura, pela sua estrutura de forma e con-
teúdo, tem a capacidade de favorecer a organização mental do
homem, bem como de ajudá-lo a pensar sobre si mesmo, sobre o
mundo que o cerca e sobre suas relações com os outros.
É esta a justificativa mais profunda para que a literatura seja
inserida nos currículos das escolas, constituindo, ao longo do tem-
po, matéria ora mais, ora menos valorizada, mas sempre presente
e, na medida do possível, atuante.
Nesta unidade, abordaremos algumas relações que per-
meiam a leitura literária na escola: primeiramente, abordaremos o
binômio "Texto/Contexto", isto é, trataremos das relações entre a
literatura e o seu contexto de produção.
Em seguida, abordaremos também outro aspecto funda-
mental da presença da literatura na escola: sua relação com outros
saberes, isto é, com conhecimentos de outras áreas, especifica-
mente a Língua Portuguesa.

5. TEXTO NÃO É PRETEXTO


Em sua obra Leitura em crise na escola: as alternativas do
professor (1991), Marisa Lajolo questiona o uso que se faz, na es-
cola, do texto literário. Ela lembra que a literatura, por sua nature-
za, é feita somente para a leitura:
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 59

O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um


texto existe apenas na medida em que se constitui ponto de en-
contro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor,
reunidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida
do igualmente solitário ato de escritura.
No entanto, sua presença na escola cumpre funções várias e nem
sempre confessáveis, freqüentemente discutíveis, só às vezes inte-
ressantes (LAJOLO, 1991, p. 52).

Para Lajolo, como vimos, o texto literário, ao ser inserido


no contexto escolar, deixa de ser interessante. Isso ocorre porque
na escola o texto costuma ser lido não em si mesmo, mas como
pretexto para outras aprendizagens, que não a do texto propria-
mente dito. Mesmo quando é "literariamente" estudado, o texto
é desmontado, fragmentado, submetido a uma análise que, se o
professor não for suficientemente hábil, pode não conduzir a uma
interpretação que amplie a leitura do texto.
Lajolo entende que a leitura do texto literário na escola é
artificial e indiretamente orientada. Ou seja: aquela relação pri-
mordial do leitor com o escritor, mediada pelo texto, desaparece.
Veja os esquemas a seguir:

Esquema 1 Leitura solitária.

No Esquema 1, temos representado o processo de leitura


solitária: o escritor produz o texto literário; o leitor, ao ler o texto,
entra em contato com seu produtor, tendo como única mediação
o texto de sua autoria.
 
Veja, agora, este outro esquema:

(Leitor 1) (Leitor 2) (Leitor 3)


Esquema 2 Leitura na escola.
   

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60 © Metodologia do Ensino: Literatura

Este Esquema 2 representa a leitura da literatura como é feita,


geralmente, nas escolas: o escritor produz o texto literário; o autor do
livro didático seleciona e recorta o texto do autor para inseri-lo no livro
didático – é um leitor em primeiro grau; o professor seleciona o livro
didático, no qual está inserido o recorte do texto literário original feito
pelo autor do manual didático e, a partir dele, prepara sua aula – é um
leitor em segundo grau, pois lê o texto literário em segunda mão, isto
é, mediado pela leitura do autor didático. Só então o texto chega ao
aluno, que se constitui como um leitor de terceiro grau: ele lê o texto
literário do livro indicado pelo seu professor, que já é, ele mesmo, um
leitor indireto. Assim, a relação entre o leitor final (no caso, o aluno) e
o escritor é "filtrada" pelas lentes de outros dois leitores.
Esse percurso pode trazer menos prejuízo quanto mais con-
tato tiver o leitor com o texto literário em si mesmo – só assim, ex-
posto a um grande número de leituras, o leitor pode se configurar
como um leitor maduro. Ou não, e isso pode acontecer quando o
leitor lê mecanicamente, sem implicar na leitura toda sua inteli-
gência, sensibilidade e conhecimento de mundo.
É em função disso – da distância estabelecida entre o aluno
e a literatura no contexto escolar – que Marisa Lajolo afirma que a
presença do texto na escola é artificial:
É nesse sentido que a presença do texto no contexto escolar é arti-
ficial: a situação de aula é coletiva, pressupõe e incentiva a leitura
orientada. Mais ainda: visa a uma reação do leitor/aluno deflagrada
a partir de atividades cuja formulação parte de uma leitura prévia e
alheia: a interpretação que o leitor/autor do livro acredita ser a mais
pertinente, útil, adequada, agradável, etc. (LAJOLO, 1991, p. 53).

Lajolo chama a atenção para o fato de que o professor preci-


sa ser um bom leitor, a fim de não aceitar passivamente tudo o que
está nos manuais didáticos. O professor, segundo ela, não precisa
concordar nem com a seleção de textos do autor do livro didáti-
co, nem com o encaminhamento que este dá para a interpretação
do texto. É preciso, diante do manual didático, que o professor se
sinta livre para adequar o que é ali proposto aos objetivos que ele,
professor, tem em seu trabalho.
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 61

O fato de que um texto está inserido no manual não quer


dizer que o professor tenha que trabalhar obrigatoriamente com
ele. É saudável que o professor exerça seu direito de selecionar os
melhores textos para o trabalho em sala de aula; deixar de traba-
lhar com determinado texto – ou determinado recorte de um mes-
mo texto – proposto pelo autor do livro didático e substituí-lo por
outro que se considere mais adequado é uma prática que pode e
deve ser incentivada.
Sabemos, contudo, que muitas vezes há, nas escolas, formas
de controle da atividade do professor – seja pelos pais, seja nas
instâncias de coordenação e direção, seja pelos próprios alunos,
que insistem em que o conteúdo do livro didático seja estudado
na íntegra. Nesses casos, é sempre possível encontrar alternativas
para lidar com os problemas que o texto eventualmente possa ofe-
recer. Para isso, para encontrar soluções diante dos textos escola-
res que resultem num trabalho mais significativo, é fundamental
que o professor seja, antes de tudo, um bom leitor. Quanto maior
for seu repertório de leituras, tanto mais ele será capaz de propor
alternativas ao trabalho indicado pelo autor do manual didático –
em caso de discordância, evidentemente.

6. QUANDO O TEXTO SE TORNA PRETEXTO


Quando, porém, a presença do texto literário na escola se
torna pretexto para outras aprendizagens, é possível que o profes-
sor enfrente alguns problemas. Vejamos.

Problema 1: O texto é exemplo de comportamento, atitudes e


valores
Embora isso pareça um pouco fora de moda, sabemos que
os textos selecionados para a leitura escolar eram escolhidos, até
alguns anos atrás, por sua característica de exemplaridade, ou
seja, pela sua capacidade de ser instrumento de inculcamento de
valores que se considerava desejáveis que o aluno obtivesse.

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62 © Metodologia do Ensino: Literatura

Ainda hoje é possível encontrar, por exemplo, textos que


visem à reflexão sobre uma dada celebração cívica – o dia do ín-
dio, por exemplo. Nos livros didáticos da primeira etapa do ensino
fundamental, eles ainda estão presentes. O texto não é escolhido,
então, pela sua qualidade literária, ou pela pluralidade de signi-
ficados que possa ensejar, mas, sim, como um pretexto para se
formar uma consciência moral sobre a necessidade de se respeitar
outras culturas.
Lajolo comenta:
A presença desses textos (e de outros que celebram o bom filho, o
bom aluno, o pobre conformado e limpo, o rico caridoso etc.) em
livros sobre cuja adoção o professor não se pode pronunciar é in-
cômoda. O mestre de bom senso vê nesta situação sérios riscos de
atrofia da sensibilidade dos alunos (LAJOLO, 1991, p. 55).

Nesses casos, se for obrigatório que o professor trabalhe


com esses textos, é sempre possível ao professor privilegiar, no
texto, outros fatores que não a interpretação dos valores – muitas
vezes dogmáticos – que o autor do texto quis inculcar em seus
leitores. O professor pode, por exemplo, privilegiar o lado formal
do texto: sua métrica, seu ritmo, em caso de poesia, ou o tipo de
foco narrativo, a presença de discurso direto ou indireto, na prosa.
O professor também pode contrapor ao texto do livro didá-
tico outros textos que apresentem a mesma questão sob novas
perspectivas, levando os alunos a descobrir outras formas literá-
rias de lidar com uma mesma questão.
Lajolo (1991, p. 55) lembra que "[...] mesmo com um texto
ruim, se pode fazer um bom trabalho." Para isso, é preciso que o
professor tenha imaginação e – como já frisamos – um bom reper-
tório de leituras.

Problema 2: O texto é pretexto para aumento de vocabulário


Muito embora hoje em dia seja absurdo valorizar mais um
determinado registro de linguagem em detrimento de outros – por
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 63

exemplo, a norma culta em detrimento da variante popular – ain-


da é possível encontrar nos livros didáticos textos cujo vocabulário
seja carregado de preciosismos. Subjaz à escolha desses textos o
que hoje em dia entendemos como preconceito linguístico.
O texto literário não pode ser tomado como exemplo de bom
uso da língua. Deve, sim, ser tratado como um uso particularizado
a uma dada situação de comunicação, ou a uma determinada épo-
ca. Um texto não é melhor do que outro por apresentar palavras
mais raras, ou um vocabulário mais preciosista.
É comum encontrar, nos textos escolares, a presença de um
vocabulário que "traduza" para os leitores em formação as ocor-
rências que o autor julga menos usuais. Ora, também essa pro-
posta não pode ser explorada mecanicamente. É possível que os
alunos encontrem, na leitura, dificuldades de vocabulário que o
autor do manual não previu, e que precisam ser enfrentadas para
melhor compreensão do que foi lido.
Marisa Lajolo sugere:
Os inevitáveis tropeços nesse tipo de proposta para "aproveita-
mento" do texto podem, talvez, ser contornados com uma certa
dose de sensibilidade do mestre: por que não discutir – a propósito
do vocabulário que diligentemente os autores didáticos fornecem
– a impossibilidade de fazer uma palavra substituir a outra? (meni-
no/garoto/moleque/pivete) ou qualquer conjunto semelhante, de
livre trânsito na prática linguística dos alunos, serve como começo
de conversa, e permite a discussão dos limites de uma concepção
bancária da língua (LAJOLO, 1991, p. 56).

Em tempo: o termo "concepção bancária" refere-se aos estu-


dos de Paulo Freire, importante educador brasileiro. Para Freire, a
educação bancária é aquela em que o professor (ou o autor do livro
didático) é o detentor de um conhecimento que deve ser transmiti-
do, ao aluno, que chega à escola totalmente ignorante. O professor
então é a fonte dos conhecimentos que são depositados nos alunos
– por isso o uso do termo "bancária". Ora, hoje em dia sabemos
que os alunos não chegam à escola como tábulas rasas, isto é, des-
providos de conhecimentos. Ao contrário, trazem em sua bagagem

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64 © Metodologia do Ensino: Literatura

conhecimentos advindos de suas experiências de vida, de seu reper-


tório de leituras – leituras de textos e leituras de mundo.
A bagagem trazida pelos alunos pode e deve ser mobiliza-
da pelo professor no trato com a linguagem. Não é verdade que
o aluno chega à escola sem conhecer a Língua Portuguesa ou –
numa concepção ainda mais preconceituosa – usando a língua de
forma errada ou fazendo dela um mau uso. Todo estudante, em
condições normais, é um usuário da língua, isto é, traz em si um
conhecimento linguístico que usa no dia a dia e que lhe permite
se comunicar com os demais – este pode e deve ser valorizado no
âmbito da sala de aula.

Problema 3: O texto é exemplo da norma culta


O texto literário pode ser também o repositório de exemplos
de uso da norma culta da língua, até mesmo em suas ocorrências
mais raras. Veja o que diz Marisa Lajolo:
Outra forma de exemplaridade desempenhada pelo texto é sua
dimensão de repositório de ocorrências linguísticas que seguem à
risca as normas gramaticais cultas. Rui Barbosa, Euclides da Cunha,
Vieira e até Machado de Assis costumam ser as vítimas preferidas
dos que vêem no texto pretexto para sapecar na criançada regên-
cias, colocações e concordâncias em desuso. E, de vítima, esses au-
tores transformam-se em algozes: castigam professores e alunos,
fazendo-os deter-se em normas intrincadíssimas e de aplicabilida-
de bastante discutível (LAJOLO, 1991, p. 56).

Sabemos que a leitura pode apresentar ao aluno um regis-


tro linguístico que não é usual para ele, e a literatura muitas vezes
mobiliza a norma culta em sua construção. Conhecê-la, porém, não
implica que o aluno passará a falar ou escrever "melhor", "mais cor-
retamente". Contudo, é seu direito, como cidadão, conhecer a nor-
ma culta para utilizá-la em situações em que seu uso gera algum
prestígio ou vantagem pessoal. De mais a mais, mesmo a linguagem
– e o vocabulário preciosista – utilizado, por exemplo, pelos poetas
árcades faz parte do conhecimento historicamente acumulado pe-
los homens, ao qual o aluno tem o direito de ter acesso e usufruir.
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 65

Parece-nos que a questão apresentada por Lajolo é a de que


o texto não pode ter sua apreciação literária diminuída pela va-
lorização de formas arcaicas de uso da língua. Elas serão notadas
pelos alunos, mas não precisam constituir o centro de sua atenção,
uma vez que raramente serão aplicáveis pelo estudante. Os textos
em que há esse tipo de ocorrência precisam ser contextualizados
para os alunos – e por eles, segundo Lajolo (1991, p. 56). A autora
sugere que esses textos sejam oportunidades para discutir a his-
toricização da norma culta, seus limites e as relações entre falar e
escrever, entre a escrita que se usa atualmente e a escrita que se
usava em épocas passadas (Ibidem).
Lajolo lembra – e isso é fundamental para o ensino da litera-
tura – que o texto não está a serviço da linguagem, mas o contrá-
rio: é a língua e suas possibilidades de uso que são matéria-prima
da criação literária. O texto, assim, não pode ser pretexto para o
estudo da gramática – antes, é a compreensão da linguagem que
deve ter como objetivo, no ensino da literatura, ampliar a com-
preensão do texto literário.
Resumindo: quanto ao aprendizado das modalidades cultas da lin-
guagem, é preciso ver que ele só é eficiente na medida em que ha-
bilita o aluno a produzir textos nela, a reconhecê-la quando frente a
ela e, mais importante ainda, a perceber as ocasiões oportunas de
sua utilização (LAJOLO, 1991, p. 57).

Problema 4: O texto é pretexto de valorização da linguagem


contemporânea
É comum encontrar, nos livros didáticos mais atuais, a presen-
ça quase maciça, especialmente nas séries iniciais do ensino funda-
mental, de textos contemporâneos. Os próprios Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCNs), como você terá oportunidade de ver mais
adiante, indicam que se faça uso de textos de gêneros variados.
Marisa Lajolo comenta:
Essa tendência modernizante de arejar o livro com a presença do
artigo de jornal, da crônica, da letra de música – enfim – do texto
contemporâneo, pode criar um outro problema: em vez de a escola

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66 © Metodologia do Ensino: Literatura

ir familiarizando o aluno com textos gradualmente mais complexos


(o que permitiria o amadurecimento progressivo do leitor), o mo-
nopólio do moderno pode estancar o diálogo, sempre necessário,
entre diferentes registros. A noção de historicidade da língua, por
exemplo, vai para escanteio, se ao longo de oito ou talvez onze anos
de escolaridade, o aluno nunca se defrontar com textos outros que
não os de seu cotidiano linguístico (LAJOLO, 1991, p. 58).

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra: é este o sentido desta


nova observação de Marisa Lajolo. Se, no item anterior, vimos que o
professor não deve supervalorizar as estruturas mais antigas da lín-
gua, presentes em determinados textos literários, pelo fato de que
elas terão pouca aplicabilidade na vida do aluno, também é verdade
que não deve, o professor, percorrer o caminho contrário, suprimindo
do programa tudo o que diz respeito às épocas mais distantes da pro-
dução literária, sob o pretexto de que sua linguagem é ultrapassada.
O equilíbrio e a progressão na oferta de textos mais contempo-
râneos e textos mais antigos parece ser um bom caminho para familia-
rizar o leitor com textos cada vez mais complexos – como indica Lajolo.

Problema 5: O texto é pretexto para exercícios de interpretação


da leitura
É comum que encontremos nos livros didáticos, após a apre-
sentação dos fragmentos de textos literários selecionados pelos
autores e do estudo do vocabulário, perguntas que induzem à in-
terpretação do que foi lido.
Há alguns anos, essas perguntas eram simplesmente do tipo
episódicas, isto é, procuravam averiguar se o aluno compreendeu
o que o texto diz num nível muito superficial: quem fez o que,
onde e como. Isso ainda pode ser visto em algumas questões de
vestibulares, ou mesmo nas fichas de leitura, cujo único propósito
é averiguar se o aluno leu a obra toda.
Também com relação às perguntas que dirigem a interpreta-
ção textual, o professor pode e deve sentir-se livre para segui-las
ou para modificar o seu curso.
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 67

É com boa dose de ironia que Marisa Lajolo comenta a presen-


ça de questões meramente episódicas nas interpretações de textos:
[...] Parece realmente importante assegurar-se que o leitor perce-
beu que quem foi para a escola foi João e não José, que o patinho
que nadava no lago era o amarelo e não o preto e, num outro nível,
que quem morre no final de Grande sertão: veredas é Diadorim e
não Riobaldo que, aliás, é quem conta a história...
Se esta compreensão episódica é fundamental, ela não se esgota
em si. Saber só isso de um texto é saber muito pouco ou quase
nada, pois é um saber que se constrói às custas da polissemia do
texto. Principalmente porque, na maioria dos casos, o nível das
questões propostas insulta não só os alunos como os professores
coniventes com elas, ao patrociná-las sem crítica. Este equívoco
tem seu preço: pode transformar-se num modelo de leitura redu-
tora do que o texto tem de mais essencial (LAJOLO, 1991, p. 59).

A compreensão episódica pode ser relevante somente se for


acompanhada de reflexões que tenham ligação com a natureza do
texto literário, por exemplo, da perspectiva de que o texto todo é
uma narração, ou de que o lugar de um dado episódio no enredo
é fundamental para a construção da fábula.

Fábula ou história: Organização


cronológica das ações narradas.–––––––––––––––––––––––––
Enredo, intriga ou trama: Organização das ações narradas de acordo com a
lógica da obra. "Também distinta do conceito de fábula, que remete para a orga-
nização das ações de forma lógica, a intriga tem maior liberdade na ordenação
das ações, conflitos, peripécias ou aventuras que vivem as personagens de uma
história narrada." (CEIA [199-?])
Vejamos um exemplo. Se eu recontar a história do Patinho Feio, de Andersen,
ignorando seu enredo, terei a seguinte fábula: uma pata chocou, por engano, o
ovo de um cisne e seu filhote desenvolveu crises de identidade. É bem desinte-
ressante, não acha? Andersen, contudo, preferiu construir o enredo omitindo o
fato de que o Patinho era um cisne e revelando-o somente ao final da narrativa,
permitindo ao leitor comover-se com a suposta rejeição da personagem por sua
aparência física.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Problema 6: O texto é pretexto para a produção de textos


A utilização de textos literários para a produção escolar de tex-
tos é prática mais ou menos comum nas escolas, patrocinadas pelos

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68 © Metodologia do Ensino: Literatura

manuais didáticos. É fato que há uma relação estreita entre a leitura


e a escrita, isto é: quem lê mais, escreve melhor. Mas esse é um pro-
cesso de formação que se dá ao longo de toda a vida do indivíduo, e
não pode ser mensurado apenas na produção ocasional de um texto.
Marisa Lajolo comenta o seguinte:
[...] o que parece difícil de aceitar é que, por exemplo, a leitura de
uma crônica que narra um assalto sofrido pelo eu-narrador num res-
taurante baste, isoladamente, para os alunos se colocarem na pele
de outro freguês e recontarem "com suas palavras" o mesmo fato.
Em primeiro lugar, porque narrar "com palavras diferentes" não é
narrar o mesmo fato. Em segundo, porque o que se quer que o aluno
reproduza (o relato da vivência do assalto) é apenas um aspecto do
texto, e não necessariamente o mais relevante (LAJOLO, 1991, p. 60).

A autora chama a atenção para o fato de que a produção de


textos precisa ser significativa para o estudante. O estabelecimen-
to de significado que se faz na leitura de um texto escrito pode,
sim, ser o ponto de partida para uma produção de outro texto,
desde que a proposta seja também relevante para o estudante.
Para Lajolo (1991, p. 60), a condição de ser escrito de um tex-
to é que pode ser o motor da produção de outro texto, igualmente
escrito. Privilegia-se, assim, o próprio ato de escrever e não o texto
lido como "modelo" a ser parcialmente seguido.

Problema 7: O texto é pretexto para o ensino da história da


literatura
Ora, você deve estar pensando: no que o ensino da literatura
difere do ensino da história da literatura?
Respondemos: em tudo. A História da Literatura inclui, de
modo genérico, o entendimento e a apreciação das obras literárias
em seu contexto de produção, considerando as modificações que
a literatura vem sofrendo ao longo do tempo.
Porém, o campo de atuação da História da Literatura é muito
mais vasto e pode abranger estudos teóricos os mais diversifica-
dos, tais como estes, propostos por José Luís Jobim:
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 69

Pode-se, por exemplo, tratar do inventário de mudanças nas descri-


ções do que é literatura; averiguar por que e como essas mudanças
se deram; indagar sobre a autoconsciência dos produtores destas
descrições no passado; ou sobre a nossa própria autoconsciência, ao
examinarmos a deles. Pode-se examinar como se configuram visões
de ou sobre a literatura em estruturas sociais, tanto de "dentro" de
um período, na perspectiva produzida por este período sobre si pró-
prio, quanto de "fora", na visão que outro período lança sobre ele.
Pode-se também presumir que tanto os pressupostos, métodos
e limites do que se concebe como História mudaram e mudam,
como também mudou e muda o que se entende por literatura. Para
compreender o roteiro das mudanças, podem-se recuperar insti-
tuições, maneiras de pensar, modos de escrever que se procurou
apagar ou que de alguma maneira sobreviveram. É possível tam-
bém trabalhar com as descrições de autores, obras, períodos; com
sua aprovação ou reprovação por vários e sucessivos públicos; com
os alegados fundamentos desta aprovação ou reprovação; com as
interpolações, inferências, escolhas, arranjos, ordenações, seleções
– e princípios usados para controlar seleções –, juízos – e critérios
usados para a emissão desses juízos –; com a escolha de temas e
interesses; com a relação entre o conhecimento histórico e os pro-
blemas e concepções dominantes da cultura do período em que foi
escrito; com os processos ou argumentos utilizados para justificar
uma interpretação histórica; com a temporalidade dos discursos
de e sobre a literatura, inseridos em quadros de referência de di-
ferentes visões de mundo, nas quais se expressa a complexidade
das formas de representação da realidade; com a escrita da história
literária como evento também histórico, cujos enunciados pagam
necessariamente tributo ao momento de enunciação; com o sen-
tido atribuído às formas com que se produz o discurso histórico de
e sobre a literatura. A análise desse discurso poderia inclusive en-
riquecer nossa compreensão sobre a configuração e o papel social
dele, relacionando-o: com os programas de vida que comunidades
humanas inventaram no passado e com as representações que fo-
ram criadas para preencher seu imaginário; ou com as justificativas
necessárias para estas invenções, a ponto de, às vezes, pela impo-
sição de crenças coletivas operadas socialmente, transformá-las de
possibilidades em necessidades.
Também os pressupostos que constituem a fundamentação episte-
mológica das representações fazem parte da realidade da comunida-
de que os adota. Se definirmos a realidade dentro ou a partir destes
pressupostos, sempre que mudarmos nossas representações e os
objetos constituídos por elas, mudaremos também a realidade. [...]
Se nos afastarmos de uma concepção de História da Literatura como
o inventário de uma continuidade cumulativa de textos, podemos

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70 © Metodologia do Ensino: Literatura

também propor o estudo histórico dos conceitos e da terminologia


empregados nos discursos de e sobre a literatura. Podemos inves-
tigar: as comunidades acadêmicas e/ou literárias organizadas em
torno de conceitos compartilhados; a organização de campos a par-
tir de conceitos comuns – pesquisando sua duração, seu lugar, sua
relação com outros campos; a mudança de conceitos, terminologias
e quadros de referência disciplinares, como indicativo possível de
mudanças nos critérios de objetividade (e, portanto, nos objetos); o
âmbito de sentido dos conceitos e terminologias em seu contexto de
produção, e a diferença entre a recepção destes, naquele contexto e
em outros posteriores; a relação destas mudanças com o ambiente
sócio-cultural em que se inserem, a partir do qual podem ser vistas
como sintoma, efeito, causa, vestígio ou prenúncio de algo; os ter-
mos e conceitos cuja reiterada presença e aparente permanência
encobrem diferenças de "conteúdo" no seu emprego em diversos
períodos; a genealogia, circulação, predominância ou posição secun-
dária de quadros conceituais e terminológicos; o conceito como uma
forma de aglutinar e relacionar determinadas referências vigentes
em um momento histórico (JOBIM, 1998, p. 9-11).

Ufa! Parecem infinitas as possibilidades, não é? Pois bem. A


História da Literatura é uma disciplina que contempla também o
estudo dos chamados "ismos" – Realismo, Romantismo, Condorei-
rismo, Modernismo, Simbolismo etc. – e as produções característi-
cas desses estilos de época.
O ensino da literatura na educação básica, contudo – para sua
surpresa – não é o ensino da história da literatura. Embora seja essa
a concepção de todos (ou pelo menos quase) os livros didáticos, a li-
teratura não é a sua história. Ela é o produto, e não o processo, nem
o meio ou contexto no qual surgiu, nem a biografia de seu autor,
nem o momento histórico de sua produção. A literatura é o texto
produzido. Todos os demais conhecimentos que costumam cercar
o ensino da literatura – de ordem sociológica, política, histórica, ar-
tística etc. – devem estar a serviço da literatura e não substituí-la.
Marisa Lajolo lembra que os chamados estilos de época – os
"ismos" – são conceitos historicamente construídos:
É preciso levar em conta, para refletir sobre isso, que tanto as teo-
rias da literatura quanto a subdivisão dela em conjuntos de obras
e autores rotulados por um ismo são históricas e ideológicas. E, na
diluição que sofrem até chegarem aos níveis médios de escolari-
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 71

dade (segundo grau [hoje Ensino Médio], supletivos, cursinho...)


transformam-se numa paródia de si mesmas. Perdem o significado
que têm na formulação original e se transformam em informações
desprovidas de sentido (LAJOLO, 1991, p. 61).

Você pode estar se perguntando: como, então, se deve tra-


balhar com a literatura na sala de aula – sem abordar os períodos
literários e seus respectivos estilos?
Isso não seria possível, visto que a orientação historiográfica
para o ensino de literatura – você verá mais sobre isso na Unidade 4:
"A literatura na legislação educacional", mais à frente – tem perdura-
do desde há muitos anos e se colocou quase como a única alternativa
praticada nas escolas. Marisa Lajolo dá as dicas de como o trabalho
com o texto literário pode ser feito minimizando o historicismo que
tem marcado os estudos literários na escola. Veja o que diz a autora:
Como sempre, uma hipótese viável é explicitar para os alunos o
artificialismo desta dinâmica escolar. Se houver condições, mostrar
os limites da exemplaridade de qualquer texto como protótipo de
uma modalidade ou figurino da produção literária. Contextualizar o
texto, quando fragmento, na obra integral; discutir como os traços
tidos como fortes, num determinado fragmento, se contradizem ou
se atenuam quando vistos de uma perspectiva mais ampla (LAJO-
LO, 1991, p. 61).

Este texto de Marisa Lajolo que vimos acompanhando – "O


texto não é pretexto" – faz parte das leituras "obrigatórias" da for-
mação do professor de literatura, porque nos faz repensar as prá-
ticas que se vêm adotando há muitos anos, com poucas variações,
no ensino de literatura. Trata-se de um texto produzido no ano de
1982, inserido no volume Literatura em crise na escola: as alterna-
tivas do professor.
Dez anos depois de seu lançamento, Guaraciaba Micheletti,
então docente da Universidade de São Paulo, fez circular entre seus
alunos um texto em que refletia sobre as proposições de Marisa
Lajolo, intitulado "O texto e a escola", Vejamos o que ela propôs,
então.

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72 © Metodologia do Ensino: Literatura

7. TEXTO E CONTEXTO
Diferentemente de Marisa Lajolo, Guaraciaba Micheletti de-
fende que o texto, no contexto escolar, é sempre pretexto para o
ensino de algo que está além dele – sua inclusão no sistema de
ensino tem sempre alguma intenção:
Ter consciência da intencionalidade do texto é o primeiro dever de
todo e qualquer professor. É preciso ter presente que um texto é um
tecido em que se entrecruzam ideologias, sentimentos, culturas. Na
escolha do professor também se cruzam aspectos diferentes: o pro-
fessor, quando seleciona um texto, parte de um objetivo de ensino,
mas para a formulação desse objetivo concorrem não só os pressu-
postos da escola, de uma filosofia de ensino, mas também traços de
sua formação pessoal e profissional (MICHELETTI, 1992, p. 2).

Observe que a autora chama a atenção para o fato de que


há vários aspectos que se cruzam na escolha de um determina-
do texto. Muitas vezes, essa escolha recai sobre o livro didático a
ser adotado – isso quando este (livro ou apostila) não é imposto
pela escola, cabendo ao professor escolher apenas a forma de tra-
balhar com os textos selecionados primeiramente pelo autor do
manual, e depois pela coordenação pedagógica da escola, ou pelo
docente que o antecedeu.
Contudo, mesmo quando o professor pode escolher livre-
mente o material didático a ser adotado, sua escolha é limitada
pelos títulos que lhe chegam às mãos, via de regra aqueles que
as editoras divulgam nas escolas. Guaraciaba Micheletti (1992, p.
2-3) lembra que outros fatores influem na seleção do livro didá-
tico: o preço, a presença ou não de um manual para o professor
(muitas vezes seguido à risca, sem questionamento) ou a indicação
de algum colega. De qualquer modo, o texto chega à escola, já se-
lecionado, recortado e escolhido por algumas pessoas, com níveis
distintos de autonomia para essa seleção e com ideologias e obje-
tivos que nem sempre coincidem com os do professor.
Marisa Lajolo chama a atenção para o fato de que o texto lite-
rário não foi elaborado para a escola, mas para a leitura, para a frui-
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 73

ção. Ao didatizá-lo, isto é, ao transportá-lo para o meio escolar, ele


perde parte de seu conteúdo original; deixa de pertencer a um dado
universo de referências e passa a integrar outro. Micheletti explica:
O texto não foi elaborado, na maioria das vezes (excluindo-se al-
guns metalingüísticos e outros tantos claramente artificiais), para
ser um objeto didático-pedagógico, mas é só por isso que é trans-
portado para a sala de aula. Não há como fugir do pretexto (MICHE-
LETTI, 1992, p. 4, grifos da autora).

A pesquisadora lembra que os textos são lidos sempre em


diálogo, isto é, de forma intertextual. Um texto evoca sempre ou-
tros textos, os quais compõem o repertório de leituras do leitor.
Dessa forma, por exemplo, a leitura do "Poema de sete faces", de
Carlos Drummond de Andrade, ensejou outras muitas leituras. Ve-
jamos.
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(DRUMMOND, 1983, p. 3)

Para saber mais!


O "Poema de sete faces" foi musicado por Samuel Rosa.
Você poderá lê-lo na íntegra e também ouvir a música no site in-
dicado a seguir:
<http://letras.terra.com.br/carlos-drummond-de-andrade/460830/>

Trata-se de um poema publicado em 1930, no livro Algu-


ma poesia. Nele, o eu lírico é uma pessoa que se sente deslocada
(gauche quer dizer "esquerdo") na vida. Esse deslocamento é en-
tendido como uma predestinação que lhe fora dada por um anjo
ao nascer. Note-se que o anjo é qualificado como anjo torto – bem
diferente do anjo da guarda, que protege as crianças.
Anos mais tarde, em 1976, a poetisa Adélia Prado publica,
em seu primeiro livro de poemas, intitulado Bagagem, os seguin-
tes versos:

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74 © Metodologia do Ensino: Literatura

Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
[...]
(PRADO, 1991, p. 11)

Dialogando com o poema de Drummond, a poetisa contrapõe


ao discurso drummondiano não somente a voz feminina, mas a ale-
gria; seu anjo é "esbelto" e não "torto", e lhe anuncia um destino
glorioso: vai carregar bandeira, isto é, vai abrir caminhos. Note que
o anjo de Drummond apenas diz, enquanto o do poema de Adélia
anuncia, ou seja, profetiza, vaticina – é uma palavra mais ligada ao
universo religioso que circunda a obra de Adélia Prado, diferente-
mente do clima desencantado do poema drummondiano.
Dois anos mais tarde, também uma canção de Chico Buarque
de Hollanda passou a dialogar com esse poema de Drummond. Veja:
Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
(HOLLANDA, 1978)

O anjo, na canção, passa de "torto" a "safado" e "chato",


anunciando para o eu lírico, também no instante de seu nascimen-
to, que sua existência seria "errada". É também uma predestina-
ção, que o eu lírico, aqui, vê de forma mais humorada e menos
inconformada que no poema de Drummond. O anjo, aqui, não diz
nem anuncia: ele decreta, autoritariamente ordena uma existên-
cia ruim, em que nada parece dar certo, para um eu lírico que, a
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 75

despeito dos insucessos, teima em continuar - essa resistência é


observável em muitas das produções literárias da época da dita-
dura militar no Brasil.
Pois bem, voltemos ao nosso texto.
Guaraciaba Micheletti lembrava que todo texto encontra-se
inserido num contexto que condiciona e orienta sua leitura. Assim,
o texto, na escola, pode vir a ser um "bom pretexto" para o ensino
de Língua Portuguesa e de Literatura.

Lajolo revisitada
Vinte e seis anos após a escrita de "O texto não é pretexto",
Marisa Lajolo procede a uma revisitação de seu texto, amplian-
do-o com a experiência acumulada nesse tempo em que muitos
acontecimentos vieram alterar o campo de estudos sobre a leitura:
cursos, teses, ensaios, congressos, pesquisas – muito se produziu,
entre 1982 e 2008, sobre essa questão.
Nesse novo texto, intitulado "O texto não é pretexto. Será
que não é mesmo?", Lajolo (2009, p. 99) retoma, não sem espan-
to, as convicções - por vezes demasiadamente assertivas – de seu
texto anterior.
Sua revisão inicia por uma explicação dos termos do título:
texto significa, etimologicamente, "tecido", e pretexto é, na ori-
gem, "aquilo que se tece antes", ou seja, que se tece para encobrir
algo que está numa camada inferior.
Em seguida, a autora questiona sua proposição antiga de
que o texto se constitui numa instância que promove a comuni-
cação entre o leitor e o escritor. Mais acertadamente, na mesma
linha de raciocínio de Guaraciaba Micheletti, Marisa Lajolo recon-
sidera essa questão, e afirma:
Hoje, não acredito mais na autonomia do texto, nem na solidão,
nem no caráter individual da escrita e da leitura. Aprendi que no
texto inscrevem-se elementos que vêm de fora dele e que os su-
jeitos que se encontram no texto – autor e leitor – não são pura

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76 © Metodologia do Ensino: Literatura

individualidade. São atravessados por todos os lados pela história:


pela história coletiva que cada um vive no momento respectivo da
leitura e da escrita, e pela história individual de cada um: é na inter-
seção destas histórias, aliás, que se plasma a função autor e leitor
(LAJOLO, 2008, p. 104).

Lajolo concorda, também, que um texto pode ser retirado de


seu contexto original – uma tira de quadrinhos, por exemplo – e
didatizada, transportada para a sala de aula com ganhos para o lei-
tor. Melhor ainda se o professor puder contextualizá-la de acordo
com o contexto de sua produção; nesse caso, então o texto origi-
nal ganha, na escola, outra amplitude: depois de contextualizado,
pode servir de apoio a outras aprendizagens.
Além disso, na escola, a leitura tem um caráter socializado,
no que difere da leitura individual, solitária, particular. Ora, se mes-
mo a leitura solitária já permite que o leitor dialogue tanto com o
autor, como com os outros textos de seu repertório de leituras,
na escola esse diálogo é ampliado ao extremo: são várias pessoas
que se intercomunicam a partir do mesmo texto; cada um mobiliza
seus repertórios de leitura (de textos e de mundo) e dispõe para a
leitura coletiva:
O caráter coletivo da leitura que a escola patrocina pode também
recuperar o caráter coletivo e socializado de práticas sociais de lei-
tura e de escrita. A argumentação com que meu ensaio condenava
o que considerava falsas situações de leitura estava muito próxima
de postular como universais, essenciais e únicas, algumas práticas
de leitura que agora entendo que são históricas. A me levar ao pé
da letra, a escola não poderia trabalhar com nenhum tipo de tex-
to: levados para classe, artigos de jornal deixam de ser artigos de
jornal, letras de música deixam de ser letras de música, e contos
deixam de ser contos.
E hoje acredito que a forma de alunos aprenderem a ler artigos
de jornal, contos e letras de música é, exatamente, distanciarem-se
das situações comuns de circulação destes gêneros. Nesse distan-
ciamento, é mais fácil desenvolverem categorias críticas de leitura
para que, em situações comuns, exteriores à escola, os alunos pos-
sam ser sujeitos críticos da leitura que fazem de tais textos (LAJO-
LO, 2008, p. 106, grifos da autora).
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 77

Ops? E agora? Antes, a transposição didática do texto era


condenada pela autora, pelo fato de que este era afastado de seu
contexto de produção e passava a servir de pretexto para aprendi-
zagens que encobriam seu sentido real (pretexto significa "aquilo
que se tece sobre algo", lembra?). Agora, Marisa Lajolo revê esse
posicionamento, e defende que o texto, ao ser introduzido no con-
texto escolar, pode ser um bom instrumento para preparar os estu-
dantes para lidarem com a leitura de textos extramuros da escola.
A questão fundamental que Lajolo aponta neste seu segun-
do texto é a contextualização. Veja como ela conclui a revisitação
de seu famoso texto:
É sobre tal noção [de contexto, que é, etimologicamente, o resulta-
do de um tecer conjunto] que se encaminha a conclusão desta re-
leitura de meu velho texto de 1982, pois é do texto no contexto de
sua produção, de sua circulação e de sua leitura que deve ocupar-se
a escola, pois talvez os equívocos de trabalhos escolares com texto
residam no apagamento desse contexto. É esta noção de contexto
que permite recuperar a dimensão coletiva da escrita e da leitura,
bem como é nela que se abrigam as diferentes leituras que um tex-
to recebe ao longo de sua história, da história de seu autor e da his-
tória de seus leitores (LAJOLO, 2008, p. 107-108, grifos da autora).

8. TEXTOS COMPLEMENTARES
Como textos complementares a esta unidade, sugerimos as
seguintes leituras:
• LAJOLO, Marisa (Org.). Leitura em crise na escola: as al-
ternativas do professor. 10. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1991.
• Este livro encontra-se atualmente esgotado, mas você
pode encontrá-lo com facilidade nas bibliotecas e nos se-
bos (se quiser, procure-o na Estante Virtual, portal que
reúne grande número de sebos on-line - <http://www.
estantevirtual.com.br>). Trata-se de um livro que reúne
artigos importantes sobre o ensino de língua e literatura,
bem como sobre a formação do leitor.

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78 © Metodologia do Ensino: Literatura

• ZILBERMAN, Regina; ROSING, Tania (Orgs.). Escola e Leitu-


ra: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
• Esta nova obra aborda as mesmas questões da obra ante-
riormente indicada (Leitura em crise na escola), colocando,
porém, os problemas sob uma perspectiva mais atualizada.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
As questões a seguir procuram abordar os tópicos que es-
tudamos nesta unidade. Elas estão aqui dispostas para que você
faça a sua autoavaliação. Se você tiver dificuldades, reveja o que
foi estudado anteriormente; caso a dificuldade persista, recorra ao
seu tutor: ele estará pronto e disponível para ajudar você.
1) Em seu texto "O texto não é pretexto", Marisa Lajolo afirma:
O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um
texto existe apenas na medida em que se constitui ponto de en-
contro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor,
reunidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida
do igualmente solitário ato de escritura.
No entanto, sua presença na escola cumpre funções várias e nem
sempre confessáveis, frequentemente discutíveis, só às vezes inte-
ressantes (LAJOLO, 1991, p. 52).
Anos mais tarde, a autora revê essa posição e conclui que o texto não é, mesmo,
pretexto para nada – mas com outra justificativa. Como você explica essa mu-
dança, no primeiro texto e no segundo, no embasamento da mesma afirmativa?

2) Outra afirmação de Lajolo é que a leitura do texto literário na escola é artificial:


[...] a presença do texto no contexto escolar é artificial: a situação
de aula é coletiva, pressupõe e incentiva a leitura orientada. Mais
ainda: visa a uma reação do leitor/aluno deflagrada a partir de ativi-
dades cuja formulação parte de uma leitura prévia e alheia: a inter-
pretação que o leitor/autor do livro acredita ser a mais pertinente,
útil, adequada, agradável, etc. (LAJOLO, 1991, p. 53).
Vinte e oito anos depois, Lajolo revê seu posicionamento e decide que a pre-
sença do texto na escola não é artificial. Que considerações fizeram com que
a autora mudasse de ideia com relação à artificialidade do texto na escola?
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 79

3) Considerando os sete problemas apresentados por Marisa Lajolo nos casos


em que o texto se torna pretexto de outras aprendizagens, procure respon-
der:
a) Que alternativa você acharia viável para que o professor trabalhe com
textos que, eventualmente, sejam modelos de comportamento?
b) Quanto aos vocabulários presentes nos manuais didáticos, como você
pensa que o trabalho com eles na sala de aula pode ser produtivo?
c) Por que o texto literário não pode ser pretexto para o ensino da norma
culta da língua? Em que sentido Marisa Lajolo aborda essa questão?
d) Que cuidados o professor deve ter com relação aos exercícios de inter-
pretação de textos propostos pelos livros didáticos?
e) Qual a relação possível, segundo Lajolo, entre o texto literário e a produ-
ção de textos?
4) Nesta unidade, você pôde observar, pelas colocações de José Luís Jobim
(1998, p. 9-11), que o campo de atuação da História da Literatura é bastante
vasto. Na escola, o ensino da literatura confunde-se com o ensino da história
da literatura. Releia o fragmento a seguir:
O ensino da literatura na educação básica, contudo [...] não é o
ensino da história da literatura. Embora seja essa a concepção de
todos (ou pelo menos quase) os livros didáticos, a literatura não é
a sua história. Ela é o produto, e não o processo, nem o meio ou
contexto no qual surgiu, nem a biografia de seu autor, nem o mo-
mento histórico de sua produção. A literatura é o texto produzido.
Todos os demais conhecimentos que costumam cercar o ensino da
literatura – de ordem sociológica, política, histórica, artística etc. –
devem estar a serviço da literatura e não substituí-la.
Qual a diferença, então, entre o estudo literário e o estudo da historiografia
literária? Como poderia ser desenvolvido um estudo em que a história da lite-
ratura estivesse a serviço da leitura do texto literário e não o contrário?

5) Tanto Guaraciaba Micheletti quanto Marisa Lajolo, em seu texto de 2009,


valorizam a contextualização da produção literária como um elemento capaz
de resgatar o que ela tem de mais essencial, e de posicionar o leitor numa
perspectiva de leitura correta, em que o texto não seja colocado em segun-
do plano em função de outras aprendizagens alheias a ele. Reveja esse tó-
pico e responda: como o contexto pode iluminar a leitura do texto literário?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, refletimos sobre a didatização do texto lite-
rário. A discussão sobre tomar a literatura como pretexto para a
aprendizagem de outros saberes também foi retomada, tanto por
nós, quanto pelos próprios autores que a produziram.

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80 © Metodologia do Ensino: Literatura

Lembre-se de que nosso intuito é contribuir para a sua forma-


ção como professor de literatura. Invariavelmente você encontrará
textos literários no seu cotidiano de sala de aula; refletir, portanto,
sobre a natureza dele e sobre as relações entre a literatura e outras
áreas do conhecimento humano é de fundamental importância!

11. E-REFERÊNCIAS
CEIA, Carlos. Intriga. In: ______ (Org.). E-dicionário de termos literários. [199-]. Disponível
em: <http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_content&view=frontpage&Item
id=1>. Acesso em: 10 ago. 2010.
HOLANDA, Chico Buarque de. Até o fim. 1978. Disponível em: <http://www.chicobuarque.
com.br/letras/ateofim_78.htm>. Acesso em: 12 ago. 2010.

12. REFERÊNCIAS BBLIOGRÁFICAS


ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 16. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983.
JOBIM, José Luís (Org.). Palavras da crítica: tendências e conceitos no estudo da
Literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
_______. A poética do fundamento: ensaios de teoria e história da literatura. Niterói:
Editora da Universidade Federal Fluminense, 1996.
_______. (Org.). A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Topbooks/Academia
Brasileira de Letras, 2001.
_______. Formas da teoria: sentidos, conceitos e campos de força nos estudos literários.
Rio de Janeiro: Caetés, 2002.
_______. O trabalho teórico na História da Literatura. Miscelânea, Assis, v. 3, p. 9-15,
1998.
_______. (Org.). Trocas e transferências culturais: escritores e intelectuais nas Américas.
Niterói (RJ): Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008.
LAJOLO, Marisa; CECCANTINI, João Luis (Org.). Monteiro Lobato livro a livro (obra
infantil). São Paulo: Editora Unesp, 2008.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A leitura rarefeita: livro e leitura no Brasil. 2. ed.
São Paulo: Ática, 2002.
_______. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1994.
_______. (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 10. ed. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1991.
_______. O texto não é pretexto. In: ______. (Org.). Leitura em crise na escola: as
alternativas do professor. 10. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991. p. 51-62.
© U2 – O Texto Literário na Sala de Aula 81

LAJOLO, Marisa Philbert. O texto não é pretexto. Será que não é mesmo ?. In: ZILBERMAN,
Regina; ROSING, Tania (Orgs.). Escola e Leitura: velha crise - novas alternativas. São
Paulo: Global, 2009.
MICHELETTI, Guaraciaba; PERES, Letícia Paula de Freitas; GEBARA, Ana Elvira Luciano.
Leitura e construção do real. São Paulo: Cortez, 2000.
MICHELETTI, Guaraciaba. Na confluência das formas: o discurso polifônico de Quaderna,
de Ariano Suassuna. São Paulo: Leia Cliper, 1997.
_______. A poesia, o mar e a mulher: um só Vinícius. São Paulo: Escuta, 1994.
_______. O texto e a escola. São Paulo, 1992. Texto inédito; cópia gentilmente cedida
pela autora.
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.

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EAD
Textos Didáticos,
Didatizados e
Paradidáticos
3

1. OBJETIVOS
• Refletir sobre a presença dos livros didáticos na escola,
sobre sua contribuição e sobre os cuidados que devemos
ter ao adotá-los.
• Conhecer o processo de didatização de textos e sua inser-
ção no ensino de literatura.
• Elaborar critérios para a escolha dos livros paradidáticos e
de leitura que costumam acompanhar o ensino de Língua
Portuguesa.
• Observar a relação entre a literatura e as outras lingua-
gens e perceber que contribuições as adaptações de obras
literárias podem trazer para o aprendizado do aluno, bem
como algumas restrições ao seu uso.
84 © Metodologia do Ensino: Literatura

2. CONTEÚDOS
• Textos didáticos.
• Textos didatizados.
• Textos paradidáticos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Lembre-se sempre de que os conceitos contidos no
Glossário e no Mapa Conceitual são ferramentas impor-
tantes para o estudo das unidades.
2) Na bibliografia indicada ao final desta unidade, você en-
contrará indicações importantes para complementar seu
estudo sobre os temas que nela trabalharemos. Lembre-se
de que este caderno contém apenas referências dos con-
teúdos e que, para ampliar sua aprendizagem, você deverá
consultar outras fontes indicadas.
3) Os links indicados nesta unidade também oferecem ex-
celente material complementar para que você possa am-
pliar seu conhecimento a respeito dos livros didáticos, di-
datizados e paradidáticos. Acesse-os, leia-os e anote suas
observações para discutir, depois, com seus colegas.
4) Nesta unidade, trabalharemos com conceitos e ideias
advindos de um projeto de pesquisa desenvolvido na
Universidade de São Paulo e que vale a pena conhecer
melhor.

A circulação de textos na escola


Nos anos 1990 e seguintes, um grupo de pesquisadores da Universidade de São
Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram
um projeto temático que versava sobre a circulação de textos na escola, sob a
coordenação da Profa. Dra. Ligia Chiappini, da USP. O projeto foi desenvolvido
a partir da observação sistemática (estágios) de mais de mil horas-aula em es-
colas, na sua grande maioria, da rede estadual de ensino; estas observações,
registradas, constituíram um banco de dados que foi, depois, minuciosamente
analisado por um corpo de pesquisadores que reunia bolsistas de iniciação cien-
tífica, professores com bolsa de aperfeiçoamento, mestres e doutores.
O resultado dos trabalhos da primeira fase foi apresentado em três volumes,
cada um coordenado por um ou mais docentes da USP. O primeiro, denomina-
do Aprender e ensinar com textos de alunos (CHAPPINI, 1997a), esteve sob a
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 85

coordenação de João Wanderley Geraldi, docente da Unicamp e reuniu sete


capítulos cuja temática girava em torno das relações entre a fala e a escrita na
escola, a produção de textos, a reescritura de textos.
O terceiro volume foi coordenado por Adilson Citelli, docente da USP, e teve
como título Aprender e ensinar com textos não escolares (CHIAPPINI, 1997b).
Nele são apresentadas reflexões sobre alguns meios de comunicação que inci-
dem sobre a escola, tais como a televisão, o telejornal, o rádio, os quadrinhos, o
teatro e os jogos interativos.
O segundo volume, que é o que nos interessa nesta unidade, mais de perto, teve
sua composição coordenada por Helena Brandão e Guaraciaba Micheletti, que
eram, então, professoras da USP. Intitulado Aprender e ensinar com textos di-
dáticos e paradidáticos (CHIAPPINI, 1997), esse volume inclui estudos sobre os
textos didáticos e didatizados, a cópia e a leitura oral na escola, os exercícios de
interpretação de textos e o trabalho com o poema na escola e os paradidáticos
no contexto escolar.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou alguns aspectos que dizem
respeito à presença de textos literários na sala de aula do ensino básico.
Você deve ter percebido que grande parte dos textos que
circulam na escola são provenientes dos livros didáticos, então é
sobre eles que nos debruçaremos agora, nesta unidade.
Além dos livros didáticos, há também os textos que não são
produzidos com finalidades didáticas, mas tornam-se didáticos na
medida em que o professor os recorta e os insere no contexto edu-
cacional. Esse processo recebe o nome de "didatização", e será
objeto do nosso trabalho, também, nesta terceira unidade.
Além dos textos didáticos e didatizados, é importante voltar-
mos os olhos ainda para os paradidáticos, que costumam acompa-
nhar o estudo e suscitam uma série de reflexões.
Nesta unidade, trabalharemos também, brevemente, sobre
a relação entre a literatura e as outras linguagens, especialmente
o cinema, o teatro e a música, procurando refletir sobre como as
adaptações de obras literárias para outras linguagens podem con-
tribuir para o ensino de literatura.
Vamos, pois, aos textos!

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86 © Metodologia do Ensino: Literatura

5. TEXTOS DIDÁTICOS
Ao serem inseridos no contexto escolar, os textos – literários
e outros – sofrem um processo de didatização, que pode ocorrer
em dois níveis: o dos textos didatizados e o dos textos didáticos:
O primeiro nível de didatização é o encontrado no livro didático: o
autor do manual seleciona os textos que, no geral, não foram escritos
visando ao ensino e elabora um trabalho sobre eles. Assim, o pro-
fessor, ao adotar o livro, ou ao consultá-lo, estará lançando mão de
textos já didatizados, sendo apenas um transmissor do processo de
didatização do material que leva a seus alunos (SILVA, 1997, p. 32).

Segundo as autoras, o livro didático está no meio estudantil


desde antes, ainda, de 1965, quando seu uso é pela primeira vez
regulamentado pela legislação educacional.
Em 1971, o Parecer n. 853 do Conselho Federal de Educação
citava o advento do livro didático "[...] como uma forma de eco-
nomia, pois 'se o aluno leria ao final do ginásio cerca de 50 livros,
passaria a ler 15 ao final do mesmo período, o que diminuiria o
ônus das famílias'." (SILVA, 1997, p. 34).
O uso do livro didático, assim, prosperou durante o período
da ditadura militar, pois, apoiado pela ideia governamental de ser
ele um material condensado e, por isso, mais econômico, facilitava
a vida do professor na medida em que trazia para a sala de aula os
materiais sancionados pelo governo.
Seu uso tem permanecido nas práticas pedagógicas até hoje,
em todo o território nacional – o que é, por si, uma questão com-
plicada. Pois, veja:
Atualmente o livro didático continua equivocado quando se pensa na
individualidade do aluno, ou até de um grupo de alunos (o caso das
diferenças regionais, por exemplo); no direito à cidadania; na preser-
vação do patrimônio cultural etc., pois ele se coloca como um grande
modelo que deve ser seguido do Norte ao Sul do país, suprimindo a
voz do professor, que por sua vez suprime a voz e as inquietudes do
aluno, não deixando acontecer "o cidadão/leitor que pretendemos".
O momento histórico do controle ideológico do Estado passou, mas
o posicionamento do livro didático permanece (SILVA, 1997, p. 35).
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 87

Contudo, apesar dos inúmeros estudos que o livro didático


vem suscitando ao longo das últimas décadas, seu uso ainda é pra-
ticamente obrigatório, ao menos no que diz respeito à educação
pública.
Segundo informações colhidas no site da Fundação Nacional
para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), o governo federal
sustenta hoje três programas voltados para a distribuição de livros
didáticos:
• Programa nacional do Livro Didático (PNDL);
• Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM);
• Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização
de Jovens e Adultos (PNLA).
Veja como é feita a distribuição desses livros:
No ensino fundamental, os alunos do 1º e 2º ano recebem livros
consumíveis (sem necessidade de devolução) de alfabetização
matemática e alfabetização linguística. Há ainda a distribuição de
obras reutilizáveis de ciências, história, geografia, matemática e lín-
gua portuguesa. A partir de 2011, cada estudante do 6º ao 9º ano
receberá também livros consumíveis de língua estrangeira (inglês
ou espanhol).
Já para o ensino médio, a distribuição envolve livros reutilizáveis
de língua portuguesa, matemática, história, geografia, biologia,
química e física. A novidade a partir de 2012 será o envio de livros
consumíveis de língua estrangeira (inglês ou espanhol), filosofia e
sociologia (FUNDAÇÃO NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO, 2010).

Tanto o PNLD quanto o PNLEM, que nos interessam mais


diretamente, têm a mesma forma de funcionamento. As edito-
ras inscrevem suas coleções de livros didáticos para participar do
processo avaliativo que o Ministério da Educação (MEC) promove.
Os livros passam por uma triagem que procura garantir que estes
atendam às exigências técnicas e físicas determinadas no edital. A
seguir, os livros aprovados são enviados à Secretaria de Educação
Básica (SEB), que nomeia um grupo de especialistas para avaliar o

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88 © Metodologia do Ensino: Literatura

material, conforme os critérios da SEB. Os livros aprovados são re-


senhados pelos especialistas, e passam a compor um documento
denominado Guia do Livro Didático.
Esse Guia é disponibilizado aos professores e diretores, que
escolhem um, dentre eles, que será adotado em sua escola no ano
letivo seguinte, e enviam suas escolhas ao FNDE, que passa, então,
a negociar com as editoras a aquisição das obras selecionadas. Os
livros reutilizáveis podem ser trocados a cada três anos; os demais
são selecionados anualmente.
Os critérios adotados pelos especialistas para a seleção dos
livros didáticos do PNDL são os seguintes:
1. respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas
ao ensino fundamental;
2. observância aos princípios éticos necessários à construção da
cidadania e ao convívio social republicano;
3. coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica
assumida pela coleção, no que diz respeito à proposta didático
– pedagógica explicitada e aos objetivos visados;
4. correção e atualização de conceitos, informações e procedi-
mentos;
5. observância das características e finalidades específicas do ma-
nual do professor e adequação da coleção à linha pedagógica
nele apresentada; e
6. adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos obje-
tivos didático-pedagógicos da coleção (MINISTÉRIO DA EDUCA-
ÇÃO, 2010, p. 14).

O Guia de livros didáticos oferecido aos professores, com as


descrições detalhadas das coleções assinadas pela equipe de es-
pecialistas, apresenta uma parte geral, que dispõe sobre a legisla-
ção do PNDL e sobre os procedimentos adotados nas escolas para
a seleção dos livros.
O documento conta também com cadernos de conteúdo es-
pecífico, para as disciplinas de Ciências, Geografia, História, Lín-
gua Estrangeira, Matemática e Língua Portuguesa. O caderno de
Língua Portuguesa, que orienta a escolha de livros para o triênio
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 89

2011-2012-2013, indica ao professor os seguintes critérios para a


seleção dos manuais:
a) Critérios gerais:
• Respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas
ao ensino fundamental.
• Observância de princípios éticos necessários à construção da
cidadania e ao convívio social republicano.
• Coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica
assumida pela coleção, no que diz respeito à proposta didático-
-pedagógica explicitada e aos objetivos visados.
• Correção e atualização de conceitos, informações e procedi-
mentos.
• Observância das características e finalidades específicas do ma-
nual do professor e adequação da coleção à linha pedagógica
nele apresentada.
• Adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos obje-
tivos didático-pedagógicos da coleção (MINISTÉRIO DA EDUCA-
ÇÃO, 2010a, p. 13-16).
b) Critérios específicos:
• Relativos à natureza do material textual selecionado;
• Relativos ao trabalho com o texto.
• Leitura.
• Produção de textos escritos.
• Relativos ao trabalho com a oralidade.
• Relativos ao trabalho com os conhecimentos linguísticos (MI-
NISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2010a, p. 21-25).

Para saber mais!


No site da FNDE, você pode acessar o Guia do Livro Didático:
PNDL 1001 – Língua Portuguesa. Acesse em:
<http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didatico>.

Agora que você conhece o processo pelo qual os livros di-


dáticos chegam às escolas públicas de educação básica, observe
alguns aspectos analisados pelos pesquisadores do projeto "A cir-
culação de textos na escola".

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90 © Metodologia do Ensino: Literatura

A primeira verificação feita pela equipe é que, dentre os tex-


tos que circulam na escola, o que predomina é o livro didático. A
equipe analisou manuais utilizados nas escolas que fizeram parte
da pesquisa, e constatou os seguintes fatos:
a) uma dissociação entre o discurso de apresentação do autor da
coleção didática e a prática, isto é, esses livros apresentam um
programa teórico que se contradiz nas atividades propostas;
b) geralmente, o manual didático não apresenta uma coesão in-
terna à própria unidade, entre as unidades de um mesmo vo-
lume e entre uma série e outra de uma coleção, em termos de
gradação de dificuldades e de seleção de tópicos a serem estu-
dados; a marca é a fragmentação ou a repetição de conteúdos
de uma série para outra;
c) uma estrutura comum permeia todas as unidades que se abrem
sempre com um texto, que é seguido pelo estudo do vocabulá-
rio, questões de interpretação, estudos de gramática e, às ve-
zes, produção de texto;
d) os livros didáticos são elaborados de forma a serem um ma-
terial autossuficiente para o estudo de língua e literatura, pois
não incitam a consulta de outros materiais (como dicionários,
gramáticas, antologias, obras integrais etc.);
e) nessa linha de autossuficiência, os textos são produzidos ou
adaptados pelos autores do manual com intuito facilitador,
principalmente para as séries iniciais; para as mais avançadas
são apresentados fragmentos (nem sempre os trechos mais
significativos da obra do autor) que, muitas vezes, retirados
inadequadamente do contexto original, prejudicam a interação
aluno-leitor-texto;
f) a abordagem textual se marca pela "mesmice" dos questioná-
rios, que apresentam padrão comum a qualquer texto, ignoran-
do as especificidades de tipo e gênero (SILVA, 1997, p. 78).

Diante dessas observações, você pode perguntar: então,


qual a alternativa do professor, uma vez que a adoção de livros di-
dáticos, muitas vezes feita por um período demasiadamente longo
e indireto, ainda é uma prática generalizada nas escolas?
É sempre bom lembrar o que já dizia Marisa Lajolo, no texto
que estudamos (LAJOLO, 1991): é sempre possível fazer um bom
trabalho a partir de qualquer texto. Para isso, o professor precisa
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 91

desobrigar-se de seguir as instruções dos manuais didáticos que


considerar inadequadas aos seus objetivos de ensino. Em seguida,
o professor pode complementar o que é proposto no livro didático
pela seleção de outros textos que complementem e aprofundem
esses mesmos objetivos. É essa a principal função da didatização
de textos, que veremos a seguir.

6. TEXTOS DIDATIZADOS
Depois do texto didático, segundo pesquisadores da USP, o
tipo de texto que mais circula na escola é o didatizado. Já vimos
que o livro didático institui-se como um primeiro nível de didati-
zação de textos. Há, contudo, um segundo nível, que é o seguinte:
O segundo nível [de didatização de textos] é aquele em que o edu-
cador pode instituir-se como sujeito do processo, pesquisando tex-
tos em diversas fontes e trazendo-os para a sala de aula, com a sua
proposta de trabalho (SILVA, 1997, p. 32).

Os textos didatizados são, então, selecionados e apresenta-


dos aos alunos pelo próprio professor, sem a mediação do autor
do manual didático.
Ao observar o trabalho feito com estes textos na escola, os
pesquisadores notaram que muitos textos coincidiam com aqueles
trazidos por manuais diferentes daquele adotado pelo professor –
isto é, sua pesquisa restringia-se a outros livros didáticos. Mesmo
nos casos em que a seleção do professor recaía sobre textos que
usualmente não comparecem nos livros didáticos, a forma de tra-
balhar com eles era a mesma, ou seja, o texto muda, mas a dinâ-
mica do trabalho continua a mesma.
Muitas vezes, segundo essa pesquisa, os textos são levados
para a sala de aula como pretextos para o estudo do vocabulário,
ou, por exemplo, de aliterações, assonâncias e outros elementos
da composição poética/textual. O texto fica, assim, em função de
outras aprendizagens e seu conteúdo mais profundo fica perdido
na leitura.

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92 © Metodologia do Ensino: Literatura

Há, também, outro problema sério no que diz respeito aos tex-
tos didatizados pelo professor: a ausência de dados que indiquem a
autoria e a fonte bibliográfica da qual o professor retirou o texto.
Omitindo estas informações, perde-se a oportunidade de evidenciar
para os alunos que todo texto tem uma autoria, e que esta deve ser
respeitada e referida sempre que lidarmos com o texto de outrem.
Em tempos de propagação da internet como fonte de pesqui-
sa e de acesso ao conhecimento de todas as áreas, o descuido com
a autoria pode induzir o leitor/ estudante à ideia de que aquilo que
está disponibilizado na rede pertence a qualquer um e pode, por
isso, ser apropriado para os fins mais diversos. A apropriação de tex-
tos de outra pessoa, sem referir a autoria e a fonte, constitui não
apenas um erro de metodologia científica, mas fere o princípio de
autoria – em síntese, constitui-se em crime contra o direito autoral.
Os pesquisadores concluem:
[...] hoje ocorre nas escolas uma naturalização do processo de di-
datização, segundo os moldes do manual didático. O texto, mesmo
que "original", está fadado a se encaixar em modelos de exercícios
preestabelecidos pelo livro didático, presente implícita ou explicita-
mente em sala de aula, e [...] o texto didatizados, da maneira que
este trabalho o concebe, está ausente da sala de aula devido á ins-
titucionalização do manual didático (SILVA, 1997, p. 76).

Ora, o texto didatizado está ou não presente na sala de aula?


Se está presente, como as autoras concluem pela sua ausência?
Isso se explica porque a didatização de textos, no contexto
escolar, pressupõe um trabalho que complemente aquele do ma-
nual didático, ou que lhe sirva como alternativa. Se, contudo, o
professor leva para a sala de aula textos de outros manuais e ainda
trabalha com eles da mesma forma que o livro didático, onde está
a novidade? Onde está a marca autoral do professor, que deveria
ser o sujeito do processo de didatização?
É nesse sentido que as autoras concluem que a didatização
está ausente da escola. Parece que falta ao professor a ousadia
de romper com os modelos do manual didático e de explorar, no
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 93

texto, o que ele tem de melhor, que é a sua leitura, o acesso a ca-
madas progressivamente mais profundas de significação para os
diferentes leitores.
O livro didático instala-se no processo de ensino e aprendi-
zagem com uma autoridade inquestionável, que é reforçada não
só pelo professor, que vê nele um facilitador de seu trabalho, abdi-
cando, assim, de pensar por si só a respeito do texto literário.
Muitas vezes, a ditadura do livro didático é reforçada por po-
líticas como a do PNDL, em que o professor não tem autonomia de
avaliar com seus próprios critérios o livro a ser adotado – e, menos
ainda, de dispensar o uso do livro didático. Este, quando não é
adotado nas escolas, é substituído pelas apostilas, que cumprem
a mesma função.
Políticas de formação de professores como a que adota,
atualmente, o Estado de São Paulo também contribuem para o
"emburrecimento" do professor. Este recebe do Estado um trei-
namento para a condução do processo educativo e, quanto mais à
risca o docente seguir as indicações do Estado, mais será valoriza-
do – isto é, seu salário aumenta em função das gratificações dadas,
por meio de avaliação periódica, aos professores que adotaram as
proposições do Estado na íntegra.
O que causa espanto e tristeza é concluir que as políticas
públicas pressupõem que os professores não são mais capazes de
desempenhar responsável e eficientemente o seu trabalho. Se isso
é verdade, em muitos casos (basta para isso espiarmos os noticiá-
rios), não será por que a profissão docente está tão desvalorizada
que não incita mais no profissional da educação o gosto de tornar-
-se um profissional cada vez melhor? Esta, porém, é uma questão
que foge ao âmbito específico deste nosso Caderno de Referência
de Conteúdo. Voltemos, pois, a ela.
Além dos textos didáticos e didatizados, outro tipo de texto
largamente adotado nas escolas, principalmente no ensino funda-
mental, é o paradidático.

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94 © Metodologia do Ensino: Literatura

7. TEXTOS PARADIDÁTICOS
Etimologicamente, a palavra "paradidático" quer dizer "aqui-
lo que está ao lado do didático". No contexto escolar, trata-se de
um conjunto de obras produzidas para a leitura na escola e utiliza-
das como complemento para a aprendizagem nas diferentes áreas
do conhecimento.
Os livros paradidáticos são adotados principalmente no ensi-
no fundamental e acompanham todo o processo de alfabetização
dos alunos.
A produção editorial de paradidáticos responde pelo maior
mercado de consumo de literatura do país. Dados de 1998 esti-
mam que a venda desses títulos chega a 4 milhões de exemplares
por ano, movimentando o que correspondia a um faturamento de
vinte e cinco milhões de reais para as editoras.
Na década de 1970, o mercado de paradidáticos oferecia aos lei-
tores, prioritariamente, histórias de aventuras, tais como as que inte-
gravam a antológica Coleção Vagalume, da editora Ática. Na década de
1980, a temática começou a incluir as histórias policiais. Nomes como
Marcos Rey e Pedro Bandeira destacam-se nesse setor, obtendo algo
difícil de conquistar pelos autores tradicionais de literatura: renda.
Num país em que o livro está longe de ser um disputado bem de
consumo, esses autores conseguiram a proeza de se profissionali-
zar, ganhando um bom dinheiro para os padrões editoriais brasi-
leiros. Muitos vivem confortavelmente apenas com o resultado do
trabalho com a pena (GRAIEB, 1998).

Embora haja muitos títulos desprezíveis publicados sob o


selo de paradidáticos, o fato é que essa literatura está presente
em todas as escolas e sua leitura é incentivada largamente pelos
professores.
As pesquisadoras Ana Maria Bonato Garcez Yasuda e Maria
José Ciccone Teixeira, da USP, fizeram um estudo sobre a circula-
ção dos paradidáticos no contexto escolar. As autoras comentam:
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 95

Diante da vasta produção editorial de obras chamadas paradidáti-


cas, tanto ficcionais quanto informativas, bem como da significati-
va produção acadêmica voltada para estes textos, esperava-se que
sua circulação, nas escolas observadas, fosse considerável. Não é,
entretanto, o que refletem os dados coletados nos quinze diários
de campo, pelo número de episódios de leitura ou atividades de-
senvolvidas com esses livros, considerando-se que foram levados
em conta não só os paradidáticos usados em Língua Portuguesa,
mas em todas as disciplinas (YASUDA; TEIXEIRA, 1997, p. 167).

As pesquisadoras observaram que nas escolas quase não há


oportunidades para a leitura dessas obras, nem para a manifesta-
ção daquilo que os leitores puderam apreender de suas leituras.
Consideradas como textos extraclasses, essas leituras são indica-
das como complemento das atividades escolares, e devem ser fei-
tas, via de regra, no tempo que o estudante está fora da escola.
O paradidático é especialmente presente nos projetos e currí-
culos que trabalham com a interdisciplinaridade. Isso ocorre porque
há uma vasta linha de paradidáticos voltados para outras áreas do
conhecimento, como Ciências, Física, Matemática, História, Geografia
etc. Nesse sentido, o trabalho conjunto entre os docentes de Língua
Portuguesa e de outras áreas específicas pode trazer resultados mais
eficientes para o aproveitamento da leitura – desde que esse trabalho
seja realmente orientado, e não legado apenas ao estudante, como
se este, autonomamente, fosse capaz de apreender todos os níveis de
significação de uma obra contando apenas com a sua própria leitura.
O que se observou, em várias escolas, é que as proposta de
trabalho escolar com os paradidáticos são muito variadas:
As propostas de trabalho pedagógico com os paradidáticos, regis-
tradas nos diários de campo, vão desde aquelas em que o professor
age como mediador (e, baseando-se nas impressões verbalizadas
pelos alunos, leva-os a perceber a estratégia de leitura mais ade-
quada a cada texto), até as mais tradicionais, tais como resumo,
preenchimento de fichas, que restringem a leitura à superfície do
texto e não levam em conta a atribuição de sentido construída pelo
leitor (YASUDA; TEIXEIRA, 1997, p. 169).

Há, entre os títulos paradidáticos, alguns que rapidamente


são esquecidos, e outros mais clássicos, cuja permanência nas es-

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96 © Metodologia do Ensino: Literatura

colas atravessa décadas. Esse é o caso das produções de Montei-


ro Lobato, Fernanda Lopes de Almeida, João Carlos Marinho, Ana
Maria Machado, Ziraldo e outros. Suas obras são, geralmente, con-
sideradas de boa qualidade, em relação a tantos outros autores
que produzem obras paradidáticas de baixíssima qualidade literá-
ria, cujos enredos repetem esquemas narrativos já banalizados e
previsíveis de histórias de amor e de ação. A respeito dessas obras,
Yasuda e Teixeira comentam:
Dificilmente seriam importantes para a formação de um leitor críti-
co, pois apenas espelham o nível de leitura, de conhecimento e de
linguagem do jovem. A par disso, sem a magia dos contos de fadas
nem o fabuloso do realismo fantástico, as aventuras rocambolescas
ou pretensamente intimistas que contam tornam-se inverossímeis
e dificilmente envolvem o leitor, mesmo sendo esse aluno da escola
pública, com pequena bagagem de leitura, mas com rica experiên-
cia de vida (YASUDA; TEIXEIRA, 1997, p. 174).

As pesquisadoras comentam, também, que a escolha de um


bom título não garante, por si, um bom trabalho com a leitura. É o
que acontece, por exemplo, com os textos da coleção Para Gostar
de Ler, também da Ática. São textos quase sempre presentes na lis-
ta de livros lidos pelos alunos, não tanto por sua qualidade literá-
ria, mas por serem textos curtos, geralmente crônicas, que tratam
de temas do cotidiano. Parece, então, que a escolha do professor
recai sobre os textos considerados de leitura mais fácil.
Veja, no quadro a seguir, um fragmento do texto de Yasuda e
Teixeira. As autoras abordam, com muita propriedade, os tipos de
paradidáticos que mais circulavam na escola, nos anos 1990.

O tipo de paradidático que mais circula na escola––––––––––


Ana Maria Bonato Grazes Yasuda
Maria José Ciccone Teixeira
Primeiramente é preciso esclarecer que existem no mercado excelentes publi-
cações paradidáticas infanto-juvenis, mas que, infelizmente, não é o caso da
grande maioria das que chegam à escola. [...] [Estas] são histórias cujo enredo
consiste sobretudo em ação, em que o protagonista é um jovem adolescente que
com sua turma vence o grupo adversário, representado pelos vilões, geralmente
adultos. Ou são histórias que narram conflitos existenciais vividos por adoles-
centes.
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 97

São narradas numa linguagem estereotipada que tenta reproduzir a maneira de


falar e de viver do jovem. Há casos em que a tentativa é tão forçada, pelo uso
de gírias localizadas no tempo e no espaço e facilmente descartáveis, sobre-
tudo pela rotatividade de expressões veiculadas pelos meios de comunicação
de massas, que livros com cerca de dez, quinze anos de existência tornam-se
velhos e necessitam ser "traduzidos" para o leitor/aluno. Com relação às publi-
cações de meados da década de 80 em diante, começa a ocorrer uma inversão
dessa linguagem: "a pressão da escola ocorreu no sentido de um retorno a uma
linguagem distante da experiência de vida da criança..." [RAMOS, Maria Cecí-
lia Mattoso. O paradidático: esse rendoso desconhecido. Tese de Doutorado,
FFLCH-USP, 1987. (Inédito)]. Ou seja, a escola tende a incorrer em extremos,
ora valorizando apenas as novidades, ora as obras estritamente didáticas.
As publicações que apresentam uma linguagem bem cuidada, mas, no entanto,
próxima da vivência do aluno, mais dificilmente chegam às mãos do professor,
porque são, em grande parte, obras cujo custo editorial é mais elevado e não
são endereçadas com exclusividade ao mercado escolar. Além disso, demandam
maior esforço intelectual para sua fruição. Dois fatores – preço e facilidade – in-
terferem na indicação, já que, numa sociedade de consumo, os bens culturais
perdem espaço para os que podem ostentar maior prestígio social. Com relação
à facilidade, o professor subestima o aluno por considerá-lo incapaz de entender
textos mais elaborados; subestima também sua própria capacidade de leitor ao
excluir de suas escolhas as obras que não se façam acompanhar de suplemen-
tos de trabalho. Quer dizer, o professor abre mão de sua condição de sujeito que,
assim como o aluno, constrói o conhecimento.
A leitura de publicações destas diferentes épocas pode revelar obras que se tor-
naram ultrapassadas, desinteressantes, porque, sem outros recursos a oferecer
ao leitor, se apoiaram excessivamente na reprodução da linguagem atribuída ao
jovem pela mídia da época. Outras, entretanto, como os primeiros livros de João
Carlos Marinho, por sua qualidade literária, continuam encantando os leitores,
além de aludirem ironicamente à história recente do país.
É impossível, porém, ignorar a produção dos paradidáticos e a dificuldade de
acesso, por parte dos professores, a uma maior variedade dessa produção. Já
que, valendo-se da falta de tempo do professor para ler e selecionar melhor suas
indicações, como também de baixos salários que não lhe permitem usufruir de
bens culturais, como os livros, as editoras mais agressivas acabam impondo às
escolas um determinado tipo de texto, e também como este deve ser abordado
via suplemento de atividades. Assim, o esforço do professor para superar seus
próprios limites de leitor crítico são desestimulados de antemão.
Seria então necessário pensar se e como o paradidático poderia ocupar seu pa-
pel na formação de leitores de literatura sem adjetivos: nem infantil, nem juvenil.
[...] (YASUDA; TEIXEIRA, 1997, p. 177-180).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Se você já atua como professor de Língua Portuguesa, a rea-
lidade descrita pelas pesquisadoras certamente é-lhe familiar. A
escolha de títulos para a chamada leitura extraclasse é condicio-
nada pelas oportunidades que tem o professor de ter acessos a
essa produção.

Claretiano - Centro Universitário


98 © Metodologia do Ensino: Literatura

Vale lembrar, porém, que as políticas educacionais vêm


atentando, há alguns anos, para essa questão. Além dos progra-
mas de distribuição do livro didático, há outro programa do MEC
que procura incentivar a leitura nas escolas: o Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE).
Criado em 1997, o PNBE busca promover o hábito de leitura
em alunos e professores, mediante a seleção, feita anualmente por
uma equipe de técnicos contratados pelo MEC, de títulos que vão
compondo, para as escolas, tanto o acervo de leituras para os alu-
nos do ensino fundamental e médio, quanto para os professores,
incluindo títulos voltados para a reflexão sobre a prática docente.
Vale notar que uma iniciativa desse porte, sem dúvida valio-
sa, pode ser "boicotada" por um mau trabalho com o texto, ou por
um trabalho que fique condicionado aos níveis mais superficiais
de leitura. Para os paradidáticos, vale o mesmo que havíamos con-
cluído a respeito dos textos didáticos, e que havia sido apontado
por Marisa Lajolo, mesmo com um texto ruim, é possível fazer um
bom trabalho.

8. TEXTOS COMPLEMENTARES
Além da leitura dos textos integrais que comentamos aqui,
você pode aprofundar mais o conhecimento sobre a temática desta
unidade a partir da leitura dos seguintes textos complementares:
• MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Guia de livros didáticos:
PNDL 2011 – Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da
Educação/Secretaria da Educação Básica, 2011.
• Neste Guia, elaborado para orientar os professores na
escolha dos livros didáticos, você poderá encontrar não
apenas as diretrizes de avaliação dos livros didáticos para
o ensino de Língua Portuguesa, mas também a legislação
nacional que regula a presença dos manuais didáticos nas
escolas.
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 99

• SANTOS, Cícero Gabriel dos; REINALDO, Maria Augusta Gon-


çalves de M. A escolha do livro didático de língua portuguesa
e o uso desse material em sala de aula: implicações para o
ensino da escrita. Disponível em: <http://www.linguaeduca-
cao.net/press/05.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2010.
• Neste artigo, os autores fazem outras considerações so-
bre o livro didático de Língua Portuguesa e enfocam, es-
pecialmente, as propostas nele contidas para o trabalho
com a produção de textos.
• FARBIARZ, Jackeline Lima; CAVALCANTE, Nathália Sá. O
livro didático de língua portuguesa em uma sociedade
educacional. Disponível em: <http://www.maxwell.lamb-
da.ele.puc-rio.br/11979/11979.PDF>.
• Neste artigo, as autoras analisam o livro didático de Lín-
gua Portuguesa do ponto de vista das imagens nele pre-
sentes, tendo como critério de avaliação os mesmos di-
vulgados no Guia do Livro Didático.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
As questões de autoavaliação a seguir foram sugeridas para
que você possa avaliar os resultados de seu estudo neste Cader-
no de Referência de Conteúdo. Lembre-se de que elas são mais um
parâmetro para que você possa aferir a qualidade de sua apren-
dizagem. Assim, se encontrar dificuldades em respondê-las, reto-
me a leitura da unidade. Caso as dificuldades persistam, procure
esclarecê-las com seu tutor.
1) Considere a seguinte afirmação:
O uso do livro didático, assim, prosperou durante o período da di-
tadura militar, pois, apoiado pela ideia governamental de ser ele
um material condensado e, por isso, mais econômico, facilitava a
vida do professor na medida em que trazia para a sala de aula os
materiais sancionados pelo governo (SILVA, 2011, p. 5).

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100 © Metodologia do Ensino: Literatura

Levando em conta o que você estudou nesta unidade, explique o caráter auto-
ritário do livro didático, que permanece até os nossos dias.

2) Você viu, nesta unidade, que as políticas educacionais contemplam alguns


programas que visam incentivar a leitura, seja mediante a distribuição de
livros didáticos pré-selecionados para as escolas – é o caso do Programa Na-
cional do Livro Didático (PNDL), seja com a ampliação do acervo bibliográfico
das escolas, promovido pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
Observe, agora, a Figura 2 com o gráfico a seguir:

Gráfico 1 - Médias de Proficiência em Lingua Portuguesa - Brasil


1995 - 2005

Fonte: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2007, p. 6.


Figura 2 Médias de Proficiência em Língua Portuguesa – SAEB.

Você deve ter notado que, em termos gerais, as médias de proficiência em


Língua Portuguesa no SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica - vêm
diminuindo. Considerando o que você estudou nesta unidade, e considerando
também que os professores têm em mãos material julgado de boa qualidade,
qual a sua hipótese para a queda nos índices de Língua Portuguesa do SAEB?

3) As pesquisadoras da Universidade de São Paulo, no âmbito do projeto "A


Circulação de Textos na Escola", afirmam que, depois do livro didático, os
textos didatizados são os que têm mais presença na escola. Contudo, ao
final, elas concluem o seguinte:
[...] hoje ocorre nas escolas uma naturalização do processo de di-
datização, segundo os moldes do manual didático. O texto, mesmo
que "original", está fadado a se encaixar em modelos de exercícios
preestabelecidos pelo livro didático, presente implícita ou explici-
tamente em sala de aula, e [...] o texto didatizado, da maneira que
este trabalho o concebe, está ausente da sala de aula devido à ins-
titucionalização do manual didático (SILVA, 1997, p. 76).
Explique por que os textos didatizados presentes na escola não correspondem
a um modelo adequado de didatização.
© U3 – Textos Didáticos, Didatizados e Paradidáticos 101

4) Por que é possível afirmar que os textos paradidáticos se prestam bem aos
projetos intertextuais na educação fundamental? Procure entender esta
questão, lembrando exemplos de textos que poderiam ser trabalhados, con-
juntamente, em Língua Portuguesa e em outras disciplinas.

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, fizemos algumas reflexões sobre os textos
didáticos, didatizados e paradidáticos que circulam no ambiente
escolar. Eles são importantes instrumentos de apoio ao professor
e, por esse motivo, sua presença na sala de aula deve ser objeto
da nossa atenção.
Tudo o que ocorre na sala de aula é responsabilidade direta
do professor, é ele quem responde, em primeira instância, pela
sala de aula e pela condução do processo de aprendizagem de seus
alunos. Questionar o uso dos materiais didáticos ou paradidáticos
que circulam na escola é, portanto, parte de sua tarefa!

11. E-REFERÊNCIAS
FUNDAÇÃO NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Programas – Livro
Didático. [2010]. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-livro-
didatico>. Acesso em: 12 ago. 2010.
SANTOS, Cícero Gabriel dos; REINALDO, Maria Augusta Gonçalves de M. A escolha do
livro didático de língua portuguesa e o uso desse material em sala de aula: implicações
para o ensino da escrita. Disponível em: <http://www.linguaeducacao.net/press/05.
pdf>. Acesso em: 13 ago. 2010.
FARBIARZ, Jackeline Lima; CAVALCANTE, Nathália Sá. O livro didático de língua portuguesa
em uma sociedade educacional. Disponível em: <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/11979/11979.PDF>. Acesso: 13 ago. 2010.
GRAIEB, Carlos. Para gostar de ler. Disponível em: <http://veja.abril.com.
br/130598/p_134.html>. Acesso em: 13 ago. 2010.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE): leitura
e bibliotecas nas escolas públicas brasileiras. Brasília: Ministério da Educação, 2008.
Coordenação-Geral de Materiais Didáticos; elaboração de Andréa Berenblum e Jane
Paiva. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Avalmat/livro_mec_
final_baixa.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2010.

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102 © Metodologia do Ensino: Literatura

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SAEB 2005 - primeiros resultados: Médias de desempenho


do SAEB/2005 em perspectiva comparada. fev 2007. Disponível em: <http://www.inep.
gov.br/download/saeb/2005/SAEB1995_2005.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2010.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CHIAPPINI, Ligia (Coord.). Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São
Paulo: Cortez, 1997. v. 2, coordenado por Helena Brandão e Guaraciaba Micheletti.
CHIAPPINI, Ligia (Coord.). Aprender e ensinar com textos não escolares. São Paulo:
Cortez, 1997b. v. 3, coordenado por Adilson Citelli.
CHIAPPINI, Lígia (Coord.) Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez,
1997a. v. 1, coordenado por João Wanderley Geraldi e Beatriz Citelli.
SILVA, Ana Cláudia da et al. A leitura do texto didático e didatizado. In: CHIAPPINI, Ligia
(Coord.). Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez,
1997. p. 31-93.
SILVA, Ana Cláudia da. Metodologia de ensino: Literatura. Batatais (SP): Centro
Universitário Claretiano, 2011. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Guia de livros didáticos:
PNDL 2011. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria da Educação Básica, 2010.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Guia de livros didáticos: PNDL 2011 – Língua Portuguesa.
Brasília: Ministério da Educação/Secretaria da Educação Básica, 2010a.
YASUDA, Ana Maria Bonato Garcez; TEIXEIRA, Maria José Ciccone. A circulação do
paradidático no cotidiano escolar. In: CHIAPPINI, Ligia (Coord.). Aprender e ensinar com
textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997. p. 167-195.
EAD
A Literatura na Legislação
Educacional

4
1. OBJETIVOS
• Conhecer a legislação educacional no que diz respeito ao
ensino da literatura.
• Perceber as mudanças de sentido que foram historica-
mente sendo atribuídas aos estudos literários na educa-
ção básica.
• Utilizar os indicadores nacionais como parâmetros para o
trabalho com o texto literário na sala de aula.

2. CONTEÚDOS
• O desenvolvimento dos estudos literários na legislação
educacional.
• A literatura nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
104 © Metodologia do Ensino: Literatura

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Na bibliografia indicada e comentada ao final desta
unidade, você encontrará indicações importantes para
complementar seu estudo sobre os temas que nela tra-
balharemos. Sua leitura pode servir de estímulo para
discussões com seus colegas e com seu tutor.
2) Nesta unidade, o estudo das políticas educacionais para o
ensino da literatura será acompanhado pelas reflexões de
William Roberto Cereja, cuja biografia vale a pena conhecer.

William Roberto Cereja


William Roberto Cereja é um nome bastante conhecido dentre os autores de livros
didáticos para o ensino de língua portuguesa. O autor possui graduação em Linguís-
tica e Português pela Universidade de São Paulo (1979). É Mestre em Letras (Teoria
Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo desde 1994; nes-
sa ocasião, trabalhou com a prosa de ficção de Jorge de Lima. Em 2004, obteve seu
Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo, desenvolvendo pesquisa sobre a literatura no ensino
médio. Com experiência docente de mais de 20 anos, Cereja tem mais de dez obras
didáticas que circulam no mercado editorial, com reedições constantes. Destacamos
a obra Gramática: texto, reflexão e uso (1998), em coautoria com Teresa Cochar
Magalhães, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de 1999, na categoria "Didático de 1º.
e 2º. grau". As reflexões feitas em sua tese de doutorado deram origem ao volume
intitulado Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura
(2005), cujas reflexões abordaremos nesta unidade.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, refletimos sobre os livros didáticos para
o ensino de língua e literaturas de língua portuguesa; abordamos
também o processo de didatização dos textos. Outro tópico do
qual tratamos foi a presença dos paradidáticos na escola e a con-
tribuição que estes podem dar ao ensino, principalmente no que
diz respeito à interdisciplinaridade.
Nesta unidade, abordaremos o ensino de literatura do ponto
de vista das legislações educacionais do Brasil. Para isso, tomare-
mos uma perspectiva histórica, apresentando os modos como a
literatura vem sendo concebida pela legislação ao longo do tempo,
e as mudanças inerentes às transformações ocorridas.
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 105

5. PERÍODO COLONIAL (1500 – 1821)


Desde o "descobrimento" do Brasil até o século 19, os es-
tudos literários sempre tiveram um lugar de destaque no ensino
escolar. Eles integravam o modelo humanista de educação, que foi
trazido ao Brasil pelos jesuítas.
Do ponto de vista pedagógico, compreende-se o modelo humanis-
ta de educação como aquele que se volta para a formação integral
do ser humano, isto é, para a aquisição de uma cultura geral ou
universal, que é ou pode ser comum a todos. Com disciplinas como
latim, grego, artes, letras, além de gramática, retórica e poética, a
educação humanista se opõe ao modelo de educação que se volta
para a preparação profissional ou para o exercício de tarefas espe-
cializadas (CEREJA, 2005, p. 90).

Esse modelo, de origem europeia, vigorou na educação bra-


sileira até 1759, quando da expulsão dos jesuítas. A principal críti-
ca a ele é o fato de que não contemplava as particularidades dos
estudantes nascidos no Brasil e das culturas das quais provinham
(indígena, portuguesa ou ambas) (CEREJA, 2005, p. 90).
Segundo Bello (1998),
Todas as escolas jesuítas eram regulamentadas por um documen-
to, escrito por Inácio de Loiola, o Ratio atque Instituto Studiorum,
chamado abreviadamente de Ratio Studiorum. Os jesuítas não se
limitaram ao ensino das primeiras letras; além do curso elementar
eles mantinham os cursos de Letras e Filosofia, considerados se-
cundários, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível supe-
rior, para formação de sacerdotes. No curso de Letras estudava-se
Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso de Filosofia
estudava·se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físi-
cas e Naturais.

Como você pode notar, o ensino das Letras existia no Brasil


desde o período colonial e foi mantido pelos jesuítas até meados
do século 18.
A expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias, por deci-
são do Marquês de Pombal (primeiro-ministro de Portugal de 1750 a
1777), é seguida pelo fechamento de suas escolas. No Brasil, à época,
contava-se com dezessete colégios e trinta e seis missões, além de

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106 © Metodologia do Ensino: Literatura

escolas de ensino elementar em todas as cidades onde a Companhia


de Jesus esteve presente. A desmobilização desse sistema deixou um
vácuo que a política pombalina não conseguiu preencher.
Em substituição ao ensino jesuítico, Pombal instituiu as aulas
régias de Latim, Grego e Retórica. Os professores eram improvi-
sados e mal remunerados, e nomeados por indicação dos bispos.
Segundo Bello (1998), as mudanças pombalinas reduziram
a educação no Brasil a quase nada, exceto pela criação, no Rio de
Janeiro, de um curso de estudos literários, em julho de 1776. Trata-
-se do primeiro do gênero na história do país.
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, a educa-
ção brasileira ganha novo impulso, com a criação de uma escola de
educação, no Rio de Janeiro, na qual se ensinavam as línguas por-
tuguesa e francesa, Retórica, Aritmética, Desenho e Pintura. Além
desta, foram criadas também as Academias da Marinha e Militar,
a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios; inaugura-se a Biblioteca
Nacional e o Museu Nacional no Rio de Janeiro.

6. BRASIL IMPÉRIO (1822 – 1888)


Após a independência do Brasil, foi promulgada nossa pri-
meira Constituição, em 1924, que garantia instrução primária gra-
tuita a todos os cidadãos; em 1827, outra lei imperial manda que
sejam criadas escolas de primeiras letras em todas as cidades e
vilas mais populosas:
Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções
mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional,
e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e
apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História
do Brasil (LEI, 1827).

O objetivo do ensino da leitura era, então, voltado para o


conhecimento das leis e da história do país.
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 107

Segundo Cereja, porém, essa lei não era cumprida, e a edu-


cação ficava "nas mãos do [...] 'econômico e eficiente' método
Lancaster, que consistia em atribuir aos alunos 'mais inteligentes'
a tarefa de ensinar seus conhecimentos aos colegas" (2005, p. 90).
A primeira tentativa de organização do ensino geral no país
ocorreu, segundo Cereja (2005), com a criação do Colégio Pedro
II – uma espécie de escola modelo para as demais. Era uma esco-
la voltada para o ensino humanista, para as elites brasileiras; sua
orientação era baseada nos modelos educacionais da Europa, sem
que implicasse em quaisquer contextualizações o fato de o Colégio
ter suas raízes em solo brasileiro.
Ao analisar os programas de ensino da época do Império,
cujo programa escolar tinha a duração de sete anos, William Cere-
ja indica os seguintes marcos:
• 1858-1859 – inicia-se o estudo de Poética no 7º. ano do Colégio;
• 1860-1861: a Poética passa a ser ensinada no 6º. ano;
• 1862-1869: introduz-se o ensino de Literatura Nacional no 7º. ano;
• 1870-1876: passa-se a estudar, no último ano, História da Literatu-
ra – geral e também portuguesa e nacional (CEREJA, 2005, p. 92ss).

A partir daí e até 1900, disciplinas como Literatura, Literatu-


ra Nacional, Literatura Geral e História Literária passam a compor
os currículos escolares, com algumas variações, a partir do 6º. ano.
Os programas oficiais de ensino dos dois últimos anos de es-
colarização demonstram uma presença maciça da literatura, que
compreendia Literatura, História da Literatura Portuguesa e Histó-
ria da Literatura Brasileira.
Quanto à Literatura, Cereja explica que
[...] os conteúdos dessa parte do programa eram a principais ma-
nifestações da literatura ocidental. Começavam pelas literaturas
bíblica, grega e latina, e, posteriormente, enfocavam as principais
produções das literaturas francesa, espanhola, italiana, inglesa e
alemã dos séculos XII a XIX (CEREJA, 2005, p. 95).

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108 © Metodologia do Ensino: Literatura

Como você pode observar, o conteúdo de literatura geral nos


currículos oficiais era bem amplo, englobando também as princi-
pais produções literárias da Europa, às quais as literaturas portu-
guesa e, por extensão, brasileira, são devedoras.
O currículo de História da Literatura Portuguesa incluía o re-
sumo da história da Língua Portuguesa e a divisão da história da
literatura portuguesa em seis épocas distintas: séculos 12 a 14, sé-
culo 15, século 16, século 17, século 18 e século 19 (CEREJA, 2005,
p. 96).
A História da Literatura Brasileira abrangia o caráter da lite-
ratura brasileira e sua divisão em três épocas: do século 16 ao 17,
século 18 e século 19 (Idem, ibidem).
William Cereja lembra que o estudo da literatura por meio de
sua divisão em períodos, como se fazia no século 19, assemelha-
-se ao ensino de literatura praticado no Brasil a partir dos anos 70:
Entre as semelhanças, nota-se primeiramente a ênfase na visão pa-
norâmica da literatura, enfocando-se os cânones da tradição literá-
ria. Além disso, a produção de cada país era organizada em épocas,
assim como hoje é organizada em estilos de época ou movimentos
literários. Por último, também há semelhança na divisão dos perío-
dos literários. Comparemos a organização dada à literatura portu-
guesa com a periodização mais comum encontrada nos manuais de
literatura do final do século XX (CEREJA, 2005, p. 158).

Para que você entenda melhor essa parte histórica, a compa-


ração que Cereja faz é a seguinte:
Quadro 1 Ensino de Literatura Portuguesa.
Século 19 Final do Século 20
1ª. época séculos 12-14 Trovadorismo séculos 12-14
2ª. época século 15 Humanismo século 15
3ª. época século 16 Classicismo século 16
4ª. época século 17 Barroco século 17
5ª. época século 18 Arcadismo século 18
6ª. época século 19 Romantismo século 19
Fonte: adaptado de Cereja (2005, p. 158).
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 109

O ensino de literatura brasileira que se pratica hoje também


se assemelha com aquele que se praticava no Brasil imperial:
Quadro 2 Ensino de Literatura Brasileira.
Século 19 Final do Século 20
Quinhentismo século 16
1ª. época séculos 16-17
Barroco século 17
2ª. época século 18 Arcadismo século 18
3ª. época século 19 Romantismo século 19
Fonte: adaptado de Cereja ( 2005, p. 158-163).

A diferença na nomenclatura das épocas se deve ao fato de


que, à altura do século 19, ainda não se tinha um distanciamento
crítico suficiente que permitisse olhar a literatura enxergando cada
época conforme os estilos que nela predominavam. Esse estudo
foi desenvolvido somente mais tarde, no século 20.

7. PRIMEIRA E SEGUNDA REPÚBLICAS (1889-1936)


Com a proclamação da República, em 1889, quem assume o
Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos é o militar,
engenheiro e professor Benjamin Constant, que propõe, em 1890,
uma reforma educacional que recebe seu nome:
A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orien-
tadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gra-
tuidade da escola primária. Estes princípios seguiam a orien-
tação do que estava estipulado na Constituição brasileira.
Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em
formador de alunos para os cursos superiores e não apenas prepa-
rador. Outra intenção era substituir a predominância literária pela
científica.
Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não
respeitava os princípios pedagógicos de Comte; pelos que defen-
diam a predominância literária, já que o que ocorreu foi o acrésci-
mo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enci-
clopédico (BELLO, 1998).

Aos poucos, o ensino da literatura vai sendo restringido em


função da ampliação dos estudos científicos. A orientação educa-

Claretiano - Centro Universitário


110 © Metodologia do Ensino: Literatura

cional brasileira caminha rumo ao pragmatismo que a domina na


atualidade, distanciando-se progressivamente de seu caráter hu-
manista.
Outro gesto importante do início do século 20 para o ensino
de literatura foi a promulgação do Decreto 8.660, de 5 de abril de
1991. Segundo Cereja (2005, p. 103), esse decreto substituiu as
disciplinas de Lógica e Literatura para dar lugar às de Higiene e
Instrução Cívica.
A literatura só voltaria a ser estudada nos bancos escolares
em 1925, mediante outra reforma, a do Ministro João Luís Alves,
que trouxe de volta ao ensino secundário a Literatura Brasileira
(CEREJA, 2005, p. 166).
Durante o advento da chamada Segunda República (1930 a
1936), não houve alterações legais significativas que introduzis-
sem mudanças no panorama do ensino da literatura no Brasil.
No período entre 1937 e 1945, com o advento do Estado
Novo, houve no Brasil eventos importantes na área da educação,
tais como a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), a fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e a
reforma do ensino secundário – conhecida como Reforma Capane-
ma - que estabeleceu, segundo Menezes e Santos (2002), uma cor-
respondência entre os sistema educacional e a divisão econômico-
-social do trabalho, isto é, a cada parcela da sociedade caberia um
tipo diverso de educação, de acordo com suas necessidades. Essa
mesma reforma instituiu o ensino de português para todas as sé-
ries (CEREJA, 2005, p. 103). No campo do ensino da literatura, este
foi um período sem grandes avanços (ou retrocessos).
No ano de 1943, porém, uma Portaria ministerial expandiu o
programa de Português nos cursos Clássico e Científico do ensino
secundário (CEREJA, 2005, p. 166).
O Professor William Cereja faz um balanço do desenvolvi-
mento histórico do ensino da literatura no país nesse período:
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 111

Como se pode notar nesse rápido painel do ensino de literatura


de meados do século XIX a meados do século XX, os conteúdos de
história da literatura firmaram-se nos programas escolares desde
1858, tornando-se disciplina escolar a partir de 1870. Desde então,
como as demais disciplinas, a história da literatura esteve sujeita a
diferentes influências, como as das reformas de ensino empreendi-
das pelo Estado e a dos materiais didáticos adotados. Com períodos
de valorização e expansão, ou de retração ou exclusão do programa
escolar, a historiografia literária consolidou-se e legitimou-se como
conteúdo, como disciplina e como prática de ensino de literatura
por excelência. Qualquer proposta de ensino que enseje quebrar
esse paradigma encontrará, com certeza, muitas dificuldades e re-
sistências por parte dos professores (CEREJA, 2005, p. 166).

8. LDB N. 4024 (1961) E LDB N. 5692 (1971)


Ainda no final do período da Nova República, tivemos a pro-
mulgação, aos 20 de dezembro de 1961, da primeira Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB): a Lei 4.024. Embora significasse
um avanço no sentido da organização dos sistemas educacionais bra-
sileiros da época, essa lei não mencionava nada especificamente liga-
do ao ensino de literatura e língua portuguesa, exceto o fato de que
é nessa língua que seria ministrado o ensino no Brasil (BRASIL, 1961).
Essa LDB vigorou até 1971, quando foi substituída pela nova
LDB, n. 5.692, que estabelecia atenção especial para o ensino de
língua portuguesa tanto no 1º. como no 2º. grau (equivalentes,
hoje, respectivamente, aos ensinos fundamental e médio). Veja-
mos o que dizia seu Artigo 4º.:
§ 2º No ensino de 1º e 2º graus dar-se-á especial relevo ao estudo
da língua nacional, como instrumento de comunicação e como ex-
pressão da cultura brasileira (BRASIL, 1971).

Embora a lei trate apenas do ensino da língua portuguesa, o


ensino de literatura encontra-se subentendido dentro da expres-
são "cultura brasileira", da qual a língua é expressão.
A língua portuguesa e a literatura passam a integrar um nú-
cleo de estudos definido como "Comunicação e Expressão", cujo

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112 © Metodologia do Ensino: Literatura

ensino, segundo a Resolução n. 8, de 01 de dezembro de 1971, em


seu Artigo 3º, visaria:
a) Em Comunicação e expressão, ao cultivo de linguagens que ensejem
ao aluno o contacto coerente com os seus semelhantes e a manifesta-
ção harmônica de sua personalidade, nos aspectos físico, psíquico e
espiritual, ressaltando-se a Língua Portuguesa como expressão da Cul-
tura Brasileira (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1971).

O desenvolvimento dessa disciplina, segundo a mesma re-


solução, se daria como Comunicação e Expressão até no máximo
a 5ª. série; no 2º. grau, seria desdobrado em Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira. William Cereja comenta:
[...] a menção feita a "Língua Portuguesa e Literatura Brasileira", de
modo desdobrado, evidencia uma dicotomia entre língua (gramáti-
ca) e literatura e exclui indiretamente a literatura portuguesa. Essa
dicotomia [...] legitimou e acentuou a tendência existente nas esco-
las durante a década de 1970, marcada pelo espírito tecnicista, de
dividir conteúdos e professores de uma mesma disciplina, a fim de
"especializar" (e inevitavelmente fragmentar) ainda mais o ensino.
Assim, em Língua Portuguesa, por exemplo, surgiram os professores
de gramática, os de literatura e os de redação, muitos deles com ma-
teriais didáticos e avaliações específicos. Em outras disciplinas não foi
diferente. [...] As pressões do exame vestibular e as aulas dos cursi-
nhos, que dividem cada uma das disciplinas em várias "frentes", [...]
acentuam ainda mais a fragmentação dos conhecimentos e o enfo-
que tecnicista do ensino (CEREJA, 2005, p. 170-171).

Embora a legislação não sinalize especificamente o ensino de


Literatura Portuguesa, ele esteve sempre presente nos currículos,
geralmente antecedendo o ensino da Literatura Brasileira e depois
acompanhando-a, embora de modo mais restrito, isto é, abrangendo um nú-
mero de autores e obras significativamente menor. Isto vale para a
perspectiva historicista do ensino da literatura, ou seja, para aquela
em que a literatura fica subordinada à historiografia literária.
Vale lembrar, ainda, com relação ao comentário do Prof.
Cereja, que a divisão do ensino de Língua Portuguesa em Língua,
Literatura e Produção de Textos se mantém não somente nos cur-
sinhos pré-vestibulares, mas nos colégios de grande porte, da rede
particular. No ensino público do estado de São Paulo, essa realida-
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 113

de é diferente: o aluno conta ainda com o professor "generalista"


de Língua Portuguesa, que integra em sua atividade tanto o ensino
da língua pátria, como da literatura e da produção de textos.
Cereja aponta ainda outro documento relevante, ainda sob os
auspícios da LDB 5.692/71, para o ensino da literatura. Trata-se do Pare-
cer n. 853/71, de 11 de novembro de 1971. Segundo o autor, esse docu-
mento deixa explícito que a formação profissionalizante deve predomi-
nar sobre a formação geral. Nele, o papel da literatura é assim indicado:
Ao lado de sua função instrumental, o ensino de Língua Portuguesa
há de revestir [...] um indispensável sentido de "expressão da Cultu-
ra Brasileira". As situações criadas e os textos escolhidos para leitu-
ra, em articulação com as outras matérias, devem conduzir a uma
compreensão e apreciação da nossa História, da nossa Literatura, da
Civilização que vimos construindo e dos nossos valores mais típicos.
Isto, evidentemente, não há de conduzir a exclusivismos estreitos.
Assim como a nossa História é parte da História Universal, a Literatu-
ra Brasileira não poderá ser estudada com abstração de suas raízes
portuguesas e sem inserir-se no complexo cultural europeu de que
se origina. Seja como for, é preciso não esquecer que "atrás de uma
língua há um país, nesse país existem homens, e o que se pretende
é conduzir a eles (M. Laloum) (MEC apud CEREJA, 2005, p. 109-110).

A literatura portuguesa fica, assim, inserida como "raiz" da


brasileira e esta deveria ser ensinada, segundo esse Parecer, como
expressão da cultura brasileira, e de seus "valores mais típicos".
O ensino da literatura volta-se então não para o texto em si, mas
para o contexto social e histórico de sua produção – ele passa a
ser entendido como um "documento" da cultura nacional em suas
diferentes épocas de desenvolvimento. A apreciação estética da
literatura – a poesia pela poesia – fica de fora.

9. LDB N. 9.394 (1996)


A LDB n. 9.394, de 1996, traz algumas mudanças significati-
vas para a educação nacional. Em primeiro lugar, inclui a educação
infantil no sistema da educação básica, juntamente com o ensino
fundamental e o ensino médio.

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114 © Metodologia do Ensino: Literatura

A função da educação como instância que prepara para a


cidadania e o mundo do trabalho é afirmada nas finalidades gerais
da educação (Capítulo II, Artigo 22):
A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em es-
tudos posteriores (BRASIL, 1996).

Quanto aos currículos, a LDB em vigor determina o seguinte:


Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter
uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema
de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cul-
tura, da economia e da clientela.
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obri-
gatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o
conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e po-
lítica, especialmente do Brasil.

Uma abertura desta Lei é a possibilidade de os currículos con-


templarem uma parte diversificada, que pode ser estabelecida con-
forme as características e interesses da comunidade escolar. Isso sig-
nifica que em uma escola situada, por exemplo, no Mato Grosso do
Sul, podemos ensinar, além das obras literárias costumeiramente in-
seridas nos programas de literatura, a literatura sul-mato-grossense.
Na sequência, o Artigo 26 estabelece algumas indicações re-
ferentes ao ensino de História, Arte, Educação Física e língua es-
trangeira. Uma lei complementar, a n. 10.639, de 9 de janeiro de
2003, inclui na educação básica, nos níveis fundamental e médio,
o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História
e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 115

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira se-


rão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras
(BRASIL, 2003).

Dois anos depois, a Lei n. 11.645 alterou a Lei n. 10.639, tor-


nando obrigatório também o ensino sobre História e Cultura indígena.
Essas leis implicam-se diretamente no ensino de literatura,
uma vez que a literatura é uma produção cultural, e que por meio
dela podemos conhecer mais a cultura brasileira, então os itens
de ensino obrigatório, referentes às culturas africanas, afro-brasi-
leiras e indígenas, concernem também aos estudos literários, uma
vez que há um corpus já estabelecido para as literaturas africanas
de língua portuguesa, afro-brasileiras ou negro-brasileiras e, com
menor visibilidade, indígenas.

Para saber mais!


Os estudos sobre as literaturas africanas de língua portuguesa
têm se desenvolvido muito no território nacional. Se você precisa
de uma boa referência a respeito dessas literaturas, consulte a Co-
leção Literaturas de Língua Portuguesa, da editora Arte & Ciência.
Trata-se de uma coleção selecionada por um concurso do Progra-
ma de Ação Cultural (PAC), da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo, a fim de divulgar parte do conhecimento que se tem
construído sobre essas literaturas. A coleção traz três volumes que
abordam literaturas africanas de língua portuguesa: um volume é
dedicado a Angola (MACÊDO; CHAVES, 2008); outro, à produção
literária de Moçambique (MACÊDO; MAQUEA, 2008); e outro, ain-
da, aborda a literatura cabo-verdiana (SANTILLI, 2008).
Quanto à produção literária brasileira feita por afrodescendentes,
vale a pena conferir a obra Literatura negro-brasileira, de Cuti
(2010), que trata de como a literatura brasileira tem contemplado
as vivências dos afrodescendentes no Brasil.
E, por fim, com relação à literatura indígena, vale a pena consultar
o site Estante Virtual – Literatura Indígena, você encontrará obras
dos principais autores indígenas do país, entre os quais se des-
taca Daniel Munduruku, com uma obra vasta dedicada ao povo
infanto-juvenil (mas não só). O autor, que mantém também um site
próprio: <http://www.danielmunduruku.com.br/>, costuma visitar
escolas divulgando sua obra e a cultura dos índios mundurukus.

William Cereja (2005) lembra que a LDB n. 9.394/96 também


foi detalhada por vários outros documentos legais:

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116 © Metodologia do Ensino: Literatura

1) parecer n. 5, de 1997;
2) parecer n. 15, de 1998;
3) parecer n. 1, de 1999;
4) resolução n. 3, de 1998;
5) resolução n. 2, de 1999;
6) diretrizes Curriculares para o ensino médio, de 01 de ju-
nho de 1998.
É ele quem comenta:
[...] de acordo com o ponto de vista expresso nesses documentos,
o profissional dos novos tempos deve ser qualificado não apenas
quanto aos requisitos técnicos, mas também quanto à capacidade
de se adaptar a novos contextos sociais e profissionais, de interagir
e se comunicar com outras pessoas, de lidar com as tecnologias de
ponta e de expressar uma visão democrática, solidária e ética da
vida em sociedade (CEREJA, 2005, p. 111).

Para orientar a formação dos currículos escolares, foram di-


vulgados, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
Vejamos o que eles dizem com relação ao ensino de literatura.

10. OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS


Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(PCNs) dividem-se em duas partes fundamentais: os PCNs para o
Ensino Fundamental e os PCNEM, para o Ensino Médio.

PCNs – Ensino Fundamental


Os PCNs para o Ensino Fundamental trazem, no bojo de
orientações mais gerais, os seguintes objetivos para o ensino da
língua portuguesa na primeira etapa do Ensino fundamental:
As práticas educativas devem ser organizadas de modo a garantir,
progressivamente, que os alunos sejam capazes de:
• compreender o sentido nas mensagens orais e escritas de que é
destinatário direto ou indireto: saber atribuir significado, come-
çando a identificar elementos possivelmente relevantes segun-
do os propósitos e intenções do autor;
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 117

• ler textos dos gêneros previstos para o ciclo, combinando estra-


tégias de decifração com estratégias de seleção, antecipação,
inferência e verificação;
• utilizar a linguagem oral com eficácia, sabendo adequá-la a in-
tenções e situações comunicativas que requeiram conversar
num grupo, expressar sentimentos e opiniões, defender pontos
de vista, relatar acontecimentos, expor sobre temas estudados;
• participar de diferentes situações de comunicação oral, aco-
lhendo e considerando as opiniões alheias e respeitando os di-
ferentes modos de falar;
• produzir textos escritos coesos e coerentes, considerando o lei-
tor e o objeto da mensagem, começando a identificar o gênero
e o suporte que melhor atendem à intenção comunicativa;
• escrever textos dos gêneros previstos para o ciclo, utilizando a
escrita alfabética e preocupando-se com a forma ortográfica;
• considerar a necessidade das várias versões que a produção do
texto escrito requer, empenhando-se em produzi-las com aju-
da do professor (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO,
1997).

Como você pode observar, a ênfase está na aquisição da lei-


tura, no uso da linguagem oral, na produção de textos escritos.
Nessa fase, é proposta a leitura de vários gêneros discursivos, a
saber:
a) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral:
• contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas popu-
lares;
• poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava-
-línguas, piadas;
• saudações, instruções, relatos;
• entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e televisão);
• seminários, palestras.
b) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita:
• receitas, instruções de uso, listas;
• textos impressos em embalagens, rótulos, calendários;
• cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal,
etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem, etc.);
• quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infan-
tis: títulos, lides, notícias, classificados, etc.;

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118 © Metodologia do Ensino: Literatura

• anúncios, slogans, cartazes, folhetos;


• parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava-
-línguas, piadas;
• contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas po-
pulares, folhetos de cordel, fábulas;
• textos teatrais;
• relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de di-
cionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos,
revistas, livros de consulta, didáticos, etc.) (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1997).

Dentre os gêneros discursivos mencionados, há gêneros literá-


rios, tais como contos populares e poemas, indicados para o trabalho
com a linguagem oral, e, para o trabalho com a linguagem escrita, os
PCNs sugerem também poemas, contos populares e textos teatrais.
Para a segunda etapa do Ensino Fundamental, isto é, para as
séries finais, os objetivos de ensino da língua portuguesa são os
seguintes:
As práticas educativas devem ser organizadas de maneira a garan-
tir, progressivamente, que os alunos sejam capazes de:
• compreender o sentido nas mensagens orais e escritas de que
é destinatário direto ou indireto, desenvolvendo sensibilidade
para reconhecer a intencionalidade implícita e conteúdos dis-
criminatórios ou persuasivos, especialmente nas mensagens
veiculadas pelos meios de comunicação;
• ler autonomamente diferentes textos dos gêneros previstos
para o ciclo, sabendo identificar aqueles que respondem às
suas necessidades imediatas e selecionar estratégias adequa-
das para abordá-los;
• utilizar a linguagem para expressar sentimentos, experiências e
idéias, acolhendo, interpretando e considerando os das outras
pessoas e respeitando os diferentes modos de falar;
• utilizar a linguagem oral com eficácia, começando a adequá-la
a intenções e situações comunicativas que requeiram o domí-
nio de registros formais, o planejamento prévio do discurso, a
coerência na defesa de pontos de vista e na apresentação de ar-
gumentos e o uso de procedimentos de negociação de acordos
necessários ou possíveis;
• produzir textos escritos, coesos e coerentes, dentro dos gêne-
ros previstos para o ciclo, ajustados a objetivos e leitores deter-
minados;
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 119

• escrever textos com domínio da separação em palavras, esta-


bilidade de palavras de ortografia regular e de irregulares mais
freqüentes na escrita e utilização de recursos do sistema de
pontuação para dividir o texto em frases;
• revisar seus próprios textos a partir de uma primeira versão e,
com ajuda do professor, redigir as versões necessárias até con-
siderá-lo suficientemente bem escrito para o momento (MINIS-
TÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1997).

A ênfase, agora, está na leitura autônoma, no uso da lingua-


gem oral para expressar-se, na produção de textos escritos com
coesão e coerência.
Os gêneros discursivos indicados para o estudo, nesse se-
gundo ciclo, são estes:
a) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral:
• contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas po-
pulares;
• poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava-
-línguas, piadas, provérbios;
• saudações, instruções, relatos;
• entrevistas, debates, notícias, anúncios (via rádio e televisão);
• seminários, palestras.
b) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita:
• cartas (formais e informais), bilhetes, postais, cartões (de
aniversário, de Natal, etc.), convites, diários (pessoais, da
classe, de viagem, etc.); quadrinhos, textos de jornais, re-
vistas e suplementos infantis: títulos, lides, notícias, rese-
nhas, classificados, etc.;
• anúncios, slogans, cartazes, folhetos;
• parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava-
-línguas, piadas;
• contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas po-
pulares, folhetos de cordel, fábulas;
• textos teatrais;
• relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicio-
nário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, re-
vistas, livros de consulta, didáticos, etc.), textos expositivos
de outras áreas e textos normativos tais como estatutos,
declarações de direitos, etc. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E
DO DESPORTO, 1997)

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120 © Metodologia do Ensino: Literatura

Comparativamente aos gêneros discursivos indicados para o


trabalho com a linguagem – oral e escrita – para o primeiro ciclo,
no que diz respeito à presença de textos literários, quase nada é
acrescentado.
Você deve estar se perguntando: se o ensino fundamental
não trabalha necessariamente com a literatura – a ênfase do tra-
balho de formação de leitores está no tratamento dos gêneros
elencados anteriormente, com o apoio dos livros paradidáticos –
então onde está a literatura?
Vejamos o que nos indicam, a esse respeito, os PCNs do En-
sino médio – PCNEM.

PCNs – Ensino Médio


Os PCNs para o Ensino Médio são divididos em três grandes
áreas de conhecimento:
• linguagens, códigos e suas tecnologias;
• ciências da natureza, matemática e suas tecnologias;
• ciências humanas e suas tecnologias.
A organização das competências em cada área segue a orien-
tação da Unesco: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender
a viver (relacionar-se) e aprender a ser.
A Língua Portuguesa, inserida na primeira grande área men-
cionada, é assim descrita:
A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de arti-
cular significados coletivos em sistemas arbitrários de representa-
ção, que são compartilhados e que variam de acordo com as neces-
sidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de
qualquer ato de linguagem é a produção de sentido.
Podemos, assim, falar em linguagens que se inter-relacionam nas
práticas sociais e na história, fazendo com que a circulação de sen-
tidos produza formas sensoriais e cognitivas diferenciadas. Isso en-
volve a apropriação demonstrada pelo uso e pela compreensão de
sistemas simbólicos sustentados sobre diferentes suportes e de seus
instrumentos como instrumentos de organização cognitiva da reali-
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 121

dade e de sua comunicação. Envolve ainda o reconhecimento de que


as linguagens verbais, icônicas, corporais, sonoras e formais, dentre
outras, se estruturam de forma semelhante sobre um conjunto de
elementos (léxico) e de relações (regras) que são significativas:
• a prioridade para a Língua Portuguesa, como língua materna
geradora de significação e integradora da organização do mun-
do e da própria interioridade;
• o domínio de língua(s) estrangeira(s) como forma de ampliação
de possibilidades de acesso a outras pessoas e a outras culturas
e informações;
• o uso da informática como meio de informação, comunicação e
resolução de problemas, a ser utilizada no conjunto das ativida-
des profissionais, lúdicas, de aprendizagem e de gestão pessoal;
• as Artes, incluindo-se a literatura, como expressão criadora e
geradora de significação de uma linguagem e do uso que se faz
dos seus elementos e de suas regras em outras linguagens;
• as atividades físicas e desportivas como domínio do corpo e
como forma de expressão e comunicação.
Importa ressaltar o entendimento de que as linguagens e os códigos
são dinâmicos e situados no espaço e no tempo, com as implicações
de caráter histórico, sociológico e antropológico que isso representa.
É relevante também considerar as relações com as práticas sociais
e produtivas e a inserção do aluno como cidadão em um mundo
letrado e simbólico. A produção contemporânea é essencialmente
simbólica e o convívio social requer o domínio das linguagens como
instrumentos de comunicação e negociação de sentidos.
No mundo contemporâneo, marcado por um apelo informativo
imediato, a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas, que se
mostram articulados por múltiplos códigos e sobre os processos e
procedimentos comunicativos, é, mais do que uma necessidade,
uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania dese-
jada (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 2000).

Observe que a Língua Portuguesa é concebida como instru-


mento de comunicação, junto com as demais linguagens (arte,
educação física, informática, língua estrangeira). É assim que ela
será estudada no ensino médio, e não como um conjunto de re-
gras de gramática que os alunos devem memorizar.
O ensino médio está organizado sob a forma de competên-
cias. Vejamos o que significam competências, essa palavra tão uti-

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122 © Metodologia do Ensino: Literatura

lizada e frequentemente mal compreendida. Segundo Menezes e


Santos (2002), competência é:
É o conjunto de conhecimentos (saberes), habilidades (saber fazer)
e atitudes (saber ser).
O conceito de competência na educação passou a ser bastante
utilizado a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, que
propõe um currículo escolar do ensino médio que oriente para
o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício
da cidadania, enfatizando a formação geral para que o aluno, ao
terminar essa etapa, possa continuar estudando ou entrar para o
mercado de trabalho. O objetivo é que, com o desenvolvimento
de competências, os alunos possam assimilar informações e saber
utilizá-las em contextos pertinentes.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o conceito de com-
petências no qual se baseou a LDB tem como referências básicas
a epistemologia genética de Jean Piaget e a linguística de Noam
Chomsky. Eles desenvolveram a noção de que "a espécie humana
tem a capacidade inata de construir o conhecimento na interação
com o mundo; de referenciá-lo e significá-lo social e culturalmente;
de mobilizar este conhecimento frente a novas situações de for-
ma criativa, reconstruindo no desempenho as possibilidades que
as competências, ou os esquemas mentais, ou ainda a gramática
interna, permitem potencialmente."
Dessa forma, segundo o MEC, as competências são ações e opera-
ções que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos,
situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. São ope-
rações mentais estruturadas em rede que mobilizadas permitem a
incorporação de novos conhecimentos e sua integração significada
a esta rede. As habilidades decorrem das competências adquiridas
e referem-se ao plano imediato do saber fazer.
Com essas orientações, a prática pedagógica não será a transmis-
são dos saberes, mas o processo mesmo de construção, apropria-
ção e mobilização destes saberes. A construção de competências
depende de conhecimentos significados. A competência implicaria,
portanto, numa mudança do papel da escola e, conseqüentemen-
te, num novo ofício de professor, cujo objetivo é fazer aprender
(MENEZES; SANTOS, 2002).

O conceito de competência, como você pode observar, está


baseado nos chamados "pilares" da educação, descritos no Rela-
tório Jacques Delors (que indicamos a você como leitura comple-
mentar da primeira unidade).
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 123

A seguir, você encontra as competências gerais que devem,


segundo os PCNs, ser desenvolvidas na área de Língua Portuguesa:
Representação e comunicação
• Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes mani-
festações da linguagem verbal.
• Compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna,
geradora de significação e integradora da organização do mun-
do e da própria identidade.
• Aplicar as tecnologias de comunicação e da informação na esco-
la, no trabalho e em outros contextos relevantes da vida.
Investigação e compreensão
• Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacio-
nando textos/contextos, mediante a natureza, função, orga-
nização, estrutura, de acordo com as condições de produção,
recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes
da criação e propagação das idéias e escolhas, tecnologias dis-
poníveis).
• Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas
de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representa-
tivo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no
eixo temporal e espacial.
• Articular as redes de diferenças e semelhanças entre a língua
oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e lingüísticos.
Contextualização sociocultural
• Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de
acordos e condutas sociais e como representação simbólica de
experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar
e agir na vida social.
• Entender os impactos das tecnologias da comunicação, em es-
pecial da língua escrita, na vida, nos processos de produção, no
desenvolvimento do conhecimento e na vida social (MINISTÉ-
RIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 2000).

Compreender, analisar, confrontar, utilizar-se, conhecer, apli-


car, entender: tratam-se de objetivos que abrangem tanto conhe-
cimentos quanto habilidades e valores.

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124 © Metodologia do Ensino: Literatura

Para sua surpresa, os PCNs, nas orientações específicas para


a Língua Portuguesa, não dão ênfase ao ensino da literatura – o
ensino da literatura está subordinado à formação de competên-
cias na área da linguagem e não é mais entendido como um com-
ponente curricular autônomo. Os próprios autores do documento
explicitam isso:
Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está
a literatura, a gramática, a produção do texto escrito, as normas.
Os conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva
maior, que é a linguagem, entendida como um espaço dialógico,
em que os locutores se comunicam. Nesse sentido, todo conteúdo
tem seu espaço de estudo, desde que possa colaborar para a obje-
tivação das competências em questão.
O ponto de vista, qualquer que seja, é um texto entre textos e será
recriado em outro texto, objetivando a socialização das formas de
pensar, agir e sentir, a necessidade de compreender a linguagem
como parte do conhecimento de si próprio e da cultura e a respon-
sabilidade ética e estética do uso social da língua materna (MINIS-
TÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 2000).

A literatura, portanto, é entendida como um conjunto de


textos que se relacionam entre si, cujo estudo tem o objetivo de
contribuir para o conhecimento cultural do povo brasileiro.
Pode ser que você, que provavelmente foi educado dentro
de um sistema mais tradicional, tenha dificuldades de entender
essa nova forma de estudar a literatura. É por isso que ela en-
contra tanta resistência junto aos estudiosos da área; muitos en-
tendem, mesmo, que a literatura desapareceu dos PCNs e ficou
diluída no estudo das linguagens, perdendo sua característica
própria.
Muito embora as orientações curriculares oficiais sejam es-
sas, o fato é que os exames de ingresso ao ensino superior conti-
nuam exigindo, na sua maioria, uma lista de obras literárias de lei-
tura obrigatória (diferente para casa instituição) e conhecimentos
que deem conta de contextualizar a produção literária na história
da literatura brasileira.
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 125

O professor do ensino médio precisa, então, dar conta tan-


to das orientações nacionais, quanto da demanda do mercado: a
eficácia do ensino médio de uma escola é frequentemente medida
pela quantidade de alunos que consegue aprovar no vestibular –
ou, mais contemporaneamente, pela nota que seus alunos obtêm
no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Estes, vale obser-
var, tratam a literatura de forma próxima ao que indicam os PCNs,
indicando, pelo menos nesse aspecto, uma consonância entre a
política educacional e as formas de avaliação.

11. TEXTOS COMPLEMENTARES


Para saber mais sobre como o ensino da literatura compare-
ce na legislação educacional, leia os seguintes textos:
• MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério
da Educação e do Desporto/Secretaria da Educação Mé-
dia e Tecnológica, 2000. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em:
16 ago. 2010.
• MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros
curriculares nacionais: Ensino Fundamental. Brasília: Mi-
nistério da Educação e do Desporto/Secretaria do Ensino
Fundamental, 1997. Disponível em: <http://www.zinder.
com.br/legislacao/pcn-fund.htm#Portug>. Acesso em: 14
ago. 2010.
Os PCNs do Ensino Fundamental e Médio trazem uma im-
portante base de reflexões que ajudarão você a entender de forma
mais completa o que o Brasil espera de seus professores de Língua
Portuguesa. Vale a pena lê-los na íntegra, pois são os documentos
mais importantes da área, que orientam a composição dos currí-
culos em todas as escolas.

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126 © Metodologia do Ensino: Literatura

12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


As questões que se seguem são autoavaliativas, isto é, ser-
vem para que você possa aferir sua compreensão daquilo que foi
estudado nesta unidade. Lembre-se de que as dificuldades nor-
malmente podem ser resolvidas com uma revisitação à própria
unidade; se persistirem dúvidas, procure seu tutor.
1) No início da unidade, afirmáramos que "Desde o ‘descobrimento’ do Brasil
até o século 19, os estudos literários sempre tiveram um lugar de destaque
no ensino escolar. Eles integravam o modelo humanista de educação, que foi
trazido ao Brasil pelos jesuítas." Agora, depois de ler a unidade na íntegra, e
de acompanhar as transformações pelas quais passou o ensino da literatura
na história da educação brasileira, diga o que mudou, no século 20, na con-
cepção de como devem ser os estudos literários no currículo escolar.

2) No período imperial, os estudos literários aproximavam-se do estudo que


hoje entendemos como mais tradicional na literatura, ou seja, do estudo
dos períodos literários. Esse modelo difere das atuais concepções de ensino
da literatura, conforme os PCNs em vigor. Qual é a diferença fundamental
que se estabeleceu no ensino de então e no que está nos indicadores legais?
Justifique, tendo em vista o conceito de competências, que norteia os cur-
rículos atuais.

3) Em seu texto "A literatura no ensino médio: um modo de ver e usar", José
Luís Jobim afirma:
Nossa proposta para o ensino de literatura é, também, de um curso
que possibilite ao aluno refletir sobre sua vida e o contexto em que
se insere, a partir da discussão e da problematização de temas que
lhe dizem respeito.
[...]
Sabemos que o aluno é, concomitantemente, elo transmissor e re-
ceptor em uma cadeia significativa contínua. Quando um texto se
apresenta ao aluno, não se apresenta diante de um receptor pas-
sivo e isolado, nem esse texto é, ele próprio, um elemento isola-
do: é contextualizado, inserido em múltiplos sistemas significativos
(2009, p. 123).
Procure identificar, a partir do que estudamos nesta unidade, qual a orienta-
ção seguida pela proposta de Jobim para o trabalho com a literatura no ensino
médio.
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 127

4) Observe o seguinte comentário:


Nos dias de hoje, os professores e autores didáticos, com frequên-
cia impressionante, tendem a sublinhar o aspecto "ficcional" da
literatura, sendo "ficção" aí entendida, lamentavelmente, apenas
como "fingimento", "irrealidade" etc. [...] cabe dizer que, na estei-
ra dessa tendência à desvalorização do ficcional, ocorre também a
negação da socialidade da literatura, como se esta arte fosse ape-
nas um mero jogo verbal, independente do contexto social (JOBIM,
2009, p. 125).
Neste fragmento, o autor contrapõe duas formas de entender a literatura: pri-
meiro, como jogo de palavras artisticamente ordenadas; depois, como objeto
socialmente constituído. Segundo a legislação atualmente em vigor, qual das
duas formas de conceber a literatura é mais adequada?

5) Você deve ter notado que os PCNs trouxeram grandes mudanças nas orien-
tações para os estudos literários. Como você avalia essas transformações?

13. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nesta disciplina, você teve a oportunidade de refletir sobre
o ensino da literatura e algumas questões implicadas nessa ativi-
dade. As propostas aqui feitas foram baseadas nas experiências de
educadores que têm a preocupação de formar cidadãos livres e
responsáveis, que possam colaborar de maneira ativa na constru-
ção de um Brasil melhor. Nesse sentido, a leitura literária torna-se
um excelente instrumento de formação. É preciso, porém, que o
professor seja, antes de tudo, um leitor; só assim conseguiremos
formar um país de leitores competentes – leitores de livros e de
mundo. Conhecer a literatura é, assim, mais do que entrar em
contato com nosso patrimônio cultural: é abrir a inteligência e a
sensibilidade para pensar e recriar o mundo!

14. E-REFERÊNCIAS
BELLO, José Luiz de Paiva. História da educação no Brasil. Rio de Janeiro, 1998. Disponível
em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb01.htm>. Acesso em: 30 jul. 2010.
BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da educação
nacional. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_

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128 © Metodologia do Ensino: Literatura

escritas/6_Nacional_Desenvolvimento/ldb%20lei%20no%204.024,%20de%2020%20
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BRASIL. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de
1º. e 2º. graus, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.
htm>. Acesso em: 5 ago. 2010.
BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura
Afro-Brasileira", e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm#art1>. Acesso em: 5 ago. 2010.
BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/
L11645.htm#art1>. Acesso em: 5 ago. 2010.
CONSTITUIÇÃO política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>.
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LEI de 15 de outubro de 1827. Manda criar escolas de primeiras letras em todas as
cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Disponível em: <http://www.histedbr.
fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/3_Imperio/lei%2015-10-1827%20lei%20
do%20ensino%20de%20primeiras%20letras.htm>. Acesso em: 30 jul. 2010.
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "Reforma Capanema"
(verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix
Editora, 2002. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.
asp?id=371>. Acesso em: 5 ago. 2010.
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Competência. Dicionário
Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002.
Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=56>. Acesso
em: 16 ago. 2010.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino
Fundamental. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria do Ensino
Fundamental, 1997. Disponível em: <http://www.zinder.com.br/legislacao/pcn-fund.
htm#Portug>. Acesso em: 14 ago. 2010.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino
Médio. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria da Educação Média e
Tecnológica, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.
pdf>. Acesso em: 16 ago. 2010.
© U4 – A Literatura na Legislação Educacional 129

15. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Teresa Cochar. Gramática: texto, reflexão e uso.
São Paulo: Saraiva, 1998.
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho
com literatura. São Paulo: Atual, 2005.
CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Summus, 2010.
MACEDO, Tania; CHAVES, Rita. Literatura de língua portuguesa: marcos e marcas –
Angola. São Paulo: Arte & Ciência, 2008.
SANTILLI, Maria Aparecida. Literatura de língua portuguesa: marcos e marcas – Cabo
Verde. São Paulo: Arte & Ciência, 2008.
MACEDO, Tania; MAQUEA, Vera. Literatura de língua portuguesa: marcos e marcas –
Moçambique. São Paulo: Arte & Ciência, 2008.
JOBIM, José Luís. A literatura no ensino médio: um modo de ver e usar. In: ZIELBERMAN;
Regina; RÖSING, Tania M. K. (Orgs.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São
Paulo: Global, 2009. p. 113-137.

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