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A REVOLUÇÃO CUBANA E OS ESPAÇOS OCUPADOS POR HOMENS E

MULHERES

Andréa Mazurok Schactae 1

Resumo: A Revolução Cubana está entre os grandes acontecimentos do século XX. Um processo
revolucionário que uniu diferentes forças e após a vitória do Exército Rebelde e os seus aliados,
instaurou-se o governo revolucionários. Herdeira de uma tradição que está presente no Ocidente,
Cuba também construiu um discurso sobre sua História focado em grandes homens e em um ideal
de masculinidade. A imagem de homens com barba, armados e usando uniforme militar é recorrente
nas revistas na década de 1970. O objetivando contribuir para as reflexões no campo dos estudos de
gênero, volto olhar para as relações de gênero no espaço da luta revolucionária em Cuba. Sendo
assim, são analisados os espaços de poder ocupados por homens e mulheres nos movimentos que
compõem a luta revolucionária nos anos de 1950, observando os discursos da imprensa do Estado
Cubano na década de 1970. Esse estudo visa identificar construções de feminilidades e
masculinidades nos discursos da década de 1970. O observa-se que a construção da história oficial
de Cuba é marcada pela guerra. Uma construção que dá significada as relações de gênero, que
estabelece o homem militar, guerreiro como modelo de cidadania, bem como tende a definir a
mulher como a mãe dos guerreiros. Para orientar a reflexões é utilizado o gênero como categoria de
análise, bem como, os conceitos de identidades e masculinidade hegemônica. As fontes são
publicações do Estado Cubano e bibliografias.

Palavras-chave: Revolução Cubana; espaços generificados; masculinidades e feminilidades; luta


armada.

Voltando o olhar para a Revolução cubana: definindo o objeto2


A Revolução Cubana é um acontecimento que marcou a história Ocidental, especialmente
da América Latina, na segunda metade do século XX. As atuações políticas de dois dos líderes do
movimento revolucionário Cubano, Ernesto Guevara (Che) e Fidel Castro, legitimam a Revolução
Cubana como um símbolo de resistência ao imperialismo. Porém essa ideia é resultado de uma
construção discursiva, que remontam ao período da luta armada, nos anos de 1950 em Cuba, bem
como os primeiros anos dos revolucionários no poder em Cuba
Ao voltar o olhar para historiografia, observa-se que as narrativas sobre a Revolução
Cubana, remetem ao processo de independência de Cuba, no final do século XIX. Conforme afirma

1
Doutora em História, pesquisadora do NEG/UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil; Professora e pesquisadora do IFPR,
Telêmaco Borba, Paraná, Brasil.
2
Esse texto é parte dos resultados do projeto de pesquisa: A(s) Biografia(s) de Célia Sanchez: a construção de uma
heroína e de um ideal de feminilidade em Cuba; o qual está registrado no IFPR, referente ao período de 2016-2018.

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Fernandes, o nacionalismo cubano é resultado do processo de independência, que uniu diferentes
grupos sociais, contra um inimigo comum. Portanto, o nacionalismo,
[...] não cresceu a partir da dominação econômica, social e política dos estratos
conservadores frequentemente aliados aos controles externos e á própria representação
antinacionalista, mas da confluência de varias forças sociais divergentes, empenhadas na
liberação nacional [...] ou nas lutas contra imperialismo e a dominação estadunidense.
(FERNANDES, 2012, p. 90)
Para Aviva Chomsky, a Revolução Cubana, é compreendida a partir da luta armada na
Sierra Maestra, que é identificada como uma prática que liga a independência, do século XIX, à
Revolução, da década de 1950. Portanto, a Revolução é percebida como a aplicação dos ideais da
independência. E o Movimento 26 de Julho queria levar a cabo o projeto pelo qual José Martí e
tantos outros haviam morrido. Em 1898, as forças de ocupação norte-americanas impediram que o
exército rebelde de Cuba entrasse na capital de Santiago. (CHOMSKY, 2015, p. 46)
Chomsky e Fernandes identificam o processo revolucionário como uma continuidade dos
ideais que moveram as guerras da independência. Essa idéia também é compartilhada por Luis F.
Ayerbe (2004). O pesquisador destaca que “a revolução de 1959 tem profundas raízes na trajetória
histórica nacional, com antecedentes que remontam ao período independentista.” (AYERBE, 2004,
p. 21)
As três colocações apresentadas indicam que a Revolução ocorrida na década de 1950 é uma
continuação do ideal da independência, bem como, é um posicionamento contra a influência norte-
americana na ilha. Esse discurso também é compartilhado pelas narrativas construídas pelo Estado
Cubano, na segunda metade do século XX, seja nos livros ou nos impressos de circulação semanal e
mensal (revistas e jornais).
Para os historiadores cubanos, Francisca López, Oscar Loyola e Arnaldo Silva (2005) a
Revolução é um processo de libertação nacional das influências do capitalismo e do imperialismo
norte-americano. (LOPEZ; LOYOLA; SILVA, 2005, p. 223-228) A Revolução como um processo
resultante de uma conjuntura política e social, que remonta a meados do século XIX, é utilizada
para construir a narrativa sobre a Revolução, em Cuba.
Nos discursos de Fidel Castro, publicados pelo Departamento de Orientación
Revolucionária del Comité Central del Partido Comunista de Cuba, publicados em 1978, a história
de Cuba é uma história de lutas realizadas por homens, que se uniram contra o imperialismo,
iniciada no ano de 1868. Em entrevista com Ignacio Ramonet, Fidel reafirma que o início da
Revolução Cubana é a primeira guerra da Independência, em 1868. (RAMONET, 2006, p. 42-43).
Observando algumas narrativas sobre a Revolução construída pela historiografia e presente
nos discursos de Fidel Castro, percebe-se que todas essas construções discursivas, explicam a

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Revolução Cubana, a partir da longa duração. E também destacam os homens como agentes que
atuaram nesse processo e se constituíram em líderes e heróis. Uma construção que estabelece uma
masculinidade hegemônica (CONNELL, 1997) em Cuba.
Vale destacar, que esse período é também o período de construção de uma comunidade
imaginada em Cuba, considerando o conceito de Benedict Anderson (2005, p. 25), para explicar a
construção das identidades nacionais, no século XIX. E também o processo de construção dos
heróis nacionais. Para Raoul Girard não se trata essencialmente de um personagem, mas sim de sua
imagem, de representação que dela foi feita e que parece ter imposto muito amplamente a opinião,
em outras palavras, é uma narrativa, que é preciso ler e interpretar. (GIRARD, 1987)
Portanto, a narrativa da história nacional está atrelada a construção dos heróis, que são
representações da nação. Sendo assim, a nação luta contra o imperialismo e a dominação
estrangeira. Em nome da nação homens pegaram em armas. Essa é a ideal central nas narrativas.
Todavia, em diversos textos, publicados nas revistas, nos anos de 1970 em Cuba, as mulheres
também figuram como agentes desse processo histórico.
A partir dessa constatação, esse texto tem como objetivo analisar os espaços de poder
ocupados por homens e mulheres nos movimentos que compõem a luta revolucionária nos anos de
1950, observando os discursos da imprensa do Estado Cubano na década de 1970. Esses discursos
permitem identificar as construções de feminilidades e masculinidades. Vale destacar, que essas
narrativas são construtoras da história nacional. Essa construção é significativa para compreender as
narrativas sobre a Revolução Cubana, a partir das relações de gênero, pois marcadas pela luta
armada.
Para essa reflexão foram selecionados textos publicados pelo Estado Cubano, tendo como
foco central algumas edições da Revista Mujeres, dos anos de 1970. Esses discursos são analisados
partir da categoria gênero, dialogando com os conceitos de comunidade imaginada, de Benedict
Anderson (2005), de herói de Raoul Girardt (1987) e de masculinidade hegemônica, de R. Connel
(1997).

Entre fuzis, barbas e marianas: masculinidade(s) e feminilidade(s) nos anos de 1970


Em janeiro de 1959 terminaram os combates e os rebeldes ocupam os campos de poder em
Cuba, portanto deixam de ser rebeldes para se constituírem em estabelecidos. No processo de
construção da nova estrutura de poder do Estado Cubano, foram criadas novas instituições entre

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elas o Exército Revolucionário, composto por homens e mulheres que haviam lutado para depor o
governo de Batista, e Federación de Mujeres Cubanas (FMC).
Os discursos de Fidel Castro, bem como, outras publicações do Estado Cubano, são lugares
de construção de uma memória sobre a Revolução e o processo de estabelecimento de um Estado
Socialista em Cuba. Esses discursos são parte da construção e re-construção da identidade nacional
cubana, na segunda metade do século XX. Portanto, voltar o olhar para esses discursos é
fundamental para compreender as narrativas sobre a Revolução Cubana e a significação das
políticas implantadas pelo poder estabelecido. Todavia as publicações dos 1970 são fundamentais
para compreender essa nova identidade nacional e o estabelecimento da memória sobre a
Revolução, pois os anos de 1970 foram marcados pela construção de um aparato de instituições,
organizadoras e legitimadoras do Estado Cubano. Mesmo que muitas instituições tenham sido
criadas nos anos de 1960, foi na década seguinte elas se afirmam como legitimadoras do Estado
Cubano, e demarcam espaços de poder.
Voltando o olhar para Federación de Mujeres Cubanas (FMC), observa-se que a criação
ocorreu no dia 23 de agosto de 1960 e que naquele momento possuía 17.000 (dezessete mil)
mulheres federadas. No início da década seguinte esse número passou de um milhão de federadas.
Esses números demonstram que a instituição estava cumprindo com seu objetivo, que era unificar
todas as organizações femininas cubanas e uma única organização. Além desse objetivo Vilma
Espín – que foi presidente da FMC, ao longo da segunda metade do século XX –, destaca, em seu
discurso no ato de criação da instituição, que:
(…)organización, la Federación de Mujeres Cubanas, se propone, (…), la defensa de la
mujer y el niño, la defensa de la paz mundial, la salvaguarda de las generaciones presentes
y futuras, y la defensa de la soberanía de nuestro pueblo. Pues, además de eso, es nuestro
propósito, en la nacional, apoyar a la Revolución Cubana, y en lo internacional la
solidaridad con todos los pueblos de Latinoamérica y el mundo. Además de eso, hemos
acordado algunas labores específicas, como por ejemplo: el comenzar a trabajar
inmediatamente en la creación de guarderías o creches para los hijos de la mujer
trabajadora, (…). (ESPIN, 1960; BELL; LÓPEZ; CARAM, 2007, p. 267)
No ano de 1962 foi realizado o I Congresso Nacional da FMC, quanto foi aprovado o
estatuto e o programa de trabalho para os anos seguintes. Em setembro de 1974 ocorreu o II
Congresso Nacional, no qual foram apresentadas as políticas realizadas ao longo da primeira década
de existência da instituição.
O discurso de Fidel Castro, no Segundo Congresso da Federação de Mulheres Cubanas, no
ano de 1974, foi publicado na Revista Bohemia, e destaca o espaço da mulher após 15 anos de
revolução. Todavia ele admite que os espaços de poder ocupados pelas mulheres em Cuba ainda
apresentavam números baixos (mulheres em cargos de dirigentes 15%; no Partido 12,79% e nos

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quadros ou funcionários do Partido 6%; entre os eleitos são 3% em uma população de
aproximadamente 50% de mulheres). Como solução Fidel afirma ser necessário rever as políticas e
transformar as construções tradicionais, pois segundo ele: “la realidad es que aún subsisten
factores objetivos e subjetivos que mantienen una situación de discriminación con relación a la
mujer”. (CASTRO, 1974)
No entanto, os estudos do historiador Julio César González Pagés, sobre a participação das
mulheres na História de Cuba, indicam que desde o século XIX mulheres cubanas participam de
espaços historicamente masculinos entre os quais a luta armada no século XIX e no século XX. O
pesquisador indica que entre 1941 e 1958, haviam noventa e nove (99) organizações de mulheres,
em Cuba (PAGÉS, 2005). E na década de 1950, muitas mulheres integraram organizações
oposicionistas a ditadura de Batista, bem como criaram organizações oposicionistas femininas como
a Frente Civico de Mulheres do Centenario Martiniano, criada no início da década e a organização
Mujeres Oposicionistas Unidas (M.O.U), criada no ano de 1956. Conforme as investigações do
historiador o objetivo dessa última organização foi reunir as mulheres de diferentes grupos de
oposição (Partido Socialista Popular; Diretória Revolucionário; Movimento 26 de Julho; Mulheres
Católicas; Professoras Universitárias). (PAGÉS, 1991)
No ano de 1976, o Partido Comunista de Cuba – vale destacar que o I Congresso do Partido
Comunista de Cuba, ocorreu no ano de 1975 – afirma que o papel Federación de Mujeres Cubanas,
era:
(…)educar ideológicamente a través de cada tarea, crear conciencia para en prender
actividades cada vez más complejas, preparar a la mujer para desempeñar su papel en la
edificación del socialismo y para representar los intereses y aspiraciones especificas de este
importante sector de la población. (DEPARTAMENTO DE ORIENTACION
REVOLUCIONÁRIA DEL COMITÉ DEL PARTIDO DE CUBA, 1976, p. 6)
O processo de unificação das organizações femininas em Cuba é percebido como uma
necessidade da homogeneização de práticas e discursos dirigidos as mulheres, sendo o Estado o
legitimador desse discurso. Portando, todos os questionamentos sobre os diretos das mulheres eram
absorvidos pelo Estado, representado pela Federación de Mujeres Cubanas, a qual apresentava uma
resposta.
Com parte desse projeto de unificação está à criação de um periódico direcionado para o
público feminino, a Revista Mujeres. No dia 15 de novembro de 1961 foi publicado o primeiro
número do periódico, o qual permanece sendo publicado até os dias atuais.
Vale destacar que o discurso da Revista Mujeres, que é a voz da FMC e portanto de uma
parte do Estado Cubano, pode ser identificado como um instrumento que objetiva: a) orientar a
construção de um modelo ideal de feminilidade; b) divulgar as políticas públicas voltadas para as

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mulheres; c) legitimar um espaço para as mulheres na estrutura do Estado. Portanto, é importante
uma análise do discurso desse periódico, pois ele é entendido como construído e construtor de
significados para o(s) feminino(s), bem como orientador de relações de gênero, as quais resultam na
construção de femininos e definem os espaços ocupados pelas mulheres na sociedade cubana,
construindo uma ordem diferente. Uma ordem que redefine relações de poder entre masculino e
feminino, embora a tendência seja de o Estado reproduzir o domínio masculino sobre o feminino.
Vale destacar que, no ano de 1958 das treze (13) pessoas citadas como membros da direção
nacional do Movimento 26 de Julho, três (3) são mulheres. Isso significa que 23% dos cargos
diretivos do movimento pertenciam às representantes do sexo feminino3 e segundo afirma Yolanda
Ferrer das seis províncias cubanas da década de 1950 três (Matanzas, Oriente e Villas) tiveram
mulheres como coordenadoras provinciais do Movimento 26 de Julho, o que significa 50% das
coordenações provinciais. (FERRER, 2002) Todavia em 1975, durante o primeiro Congresso do
Partido Comunista Cubano, somente cinco (05) mulheres figuravam entre os cento e vinte (120)
homens na direção do PCC (Partido Comunista Cubano). (BOHEMIA, n. 53, ano 67, 1975) Esses
dados demonstram que embora existisse um discurso de inclusão das mulheres nos espaços de
poder, na prática a representação de mulheres em espaços de poder durante o processo de luta
armada foi maior que na estrutura de poder do Estado Cubano, na década de 1970.
Considerando esses dados, é fundamental voltar o olhara para o discurso da Revista
Mujeres, sobre as mulheres na Revolução Cubana. A edição comemorativa do 15º aniversário do
Exército Rebelde, de dezembro de 1971, vincula o Pelotón Mariana Grajales ao Exército Rebelde.
Vale destacar, que o esse pelotão de guerrilheiras foi criado por Fidel Castro, em setembro de 1958.
Além da matéria sobre a criação do Exército Rebelde e sobre o Pelotón Mariana Grajales, a
edição trouxe uma entrevista com algumas marianas – as mulheres que participaram do Pelotón
Mariana Grajales –, e uma entrevista com então Vice Ministro Chefe da Direção Política das
Forças Armadas Revolucionárias (FAR), o Comandante Antonio Perez Herrero. Sendo que, ao
longo da entrevista, o Comandante é questionado sobre o papel da mulher cubana nas FAR.
Completando o olhar da revista sobre as mulheres militares/guerrilheiras estão publicadas fotos de
agentes militares realizando atividades no espaço militar. Portanto, essa edição permite uma leitura

3 Os dados resultam da consulta aos seguintes textos: SUÁREZ, Eugenio Pérez; CANER, Acela A. Román. Fidel: de
Cinco Palmas a Santiago. La Habana: editorial Verde Olivo, 2006; RAMOS, Lucrecia Estives. El apoyo de la mujer
santiaguera a la lucha contra a tirania de Batista de 1952-1958. Trabalho de graduação. Universiade do Oriente,
Faculdade de Filosofia e Historia: Santiago de Cuba, 1984.

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sobre a construção de significados sobre o feminino e o masculino, no espaço da luta armada em
Cuba.
A matéria sobre o as marianas tem como destaque uma fotografia composta por algumas
mulheres do Pelotón Mariana Grajales e o Fidel Castro. A composição da imagem emite um
discurso sobre a relação de poder entre masculino e feminino. O líder – Fidel – no centro e as
mulheres ao redor, marcam espaços de poder. O centro é o lugar do poder e o lugar ocupado pelas
mulheres, legitimam o poder masculino. Todavia, ao mesmo tempo em que a presença delas
legitima o poder masculino, por estarem no espaço da guerra, elas rompem com a ordem
estabelecida. Sendo assim, as soldados e as guerrilheiras, tendem a ser legitimadoras e
transgressoras da ordem. Elas subvertem a ordem por se constituírem em guerrilheiras e soldados,
mas legitimam ao colocarem os homens no centro e como modelo de guerrilheiro, o qual é
referência para homens e mulheres, pois historicamente o modelo de guerrilheiro é percebido como
domínio de homens.
Imagem 1 – Marianas com Fidel na Sierra Maestra - 1958

Fonte: Revista Mujeres, ano 11, nº 12, de dezembro de 1971, p. 12


No primeiro parágrafo da matéria – identificada pelo título: “Pelotón Mariana Grajales” –
há seguinte afirmação: “Mujeres guerrilleras y estirpe de Mariana. Partes de la historia
independentista que desemboco en una batalla decisiva de emancipación social, económica e
política: la Revolución.” (REVISTA MUJERES, 1971, p. 13) Essa afirmação apresenta um ideal
de feminilidade, que é buscado pela Revolução, o qual é constituido pela guerrilheira – que pega em
armas para defender a patria – e pela mãe – que deve se inspirar em Mariana Grajales, a mãe dos
Maceos, heróis da Independêcia de Cuba, no século XIX.
O discurso da revista reafirma o ideal de feminilidade que se constituiu no espaço da guerra,
a relação entre a guerreira e a maternidade, pois a construção de heroína Mariana Grajales, destaca-

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se seu papel de mãe dos “grandes guerreiros”, os Maceos. As marianas representam esse ideal e
também assumem outros papéis sociais, no espaço de luta armada.
Entre os lugares ocupados por elas, além das armas estão: enfermeiras, guias de mulas,
abastecedoras de alimentos para a os combatentes, transportadoras de munições e armas,
professoras e mensageiras. Essas práticas são definidoras da multiplicidade de papéis e
identificações que essas mulheres “marianas” desempenharam no espaço da guerra. Portanto, todas
as mulheres cubanas também são capazes de assumirem essas múltiplas atividades, inclusive
atividades tidas como pertencentes aos homens, o combate na guerra. Essa é a idéia que norteia a
construção do discurso apresentado pela Federación de Mujeres Cubanas.
Todavia, a constituição da guerrilheira é apresentada como uma tarefa difícil, da qual Fidel
Castro, figura como grande idealizador e defensor. Segundo o texto, muitos homens se
posicionaram contra a criação do pelotão de guerrilheiras. Entendiam que o combate era papel de
homens. O posicionamento de Fidel, segundo a Revista Mujeres indicava que ele
“Queria que la mujer combatiera, pues ésta no era sólo para los menesteres domésticos y
como madre, sino como parte integral de la guerrilla. Que no sólo era para cocinar, atender
a los herido, buscar agua, sino que era preciso reivindicar suposición social.(…).El
comandante en Jefe, al defender la presencia de la mujer en lucha de liberación, defendía el
papel que debla ocupar posteriormente.” (REVISTA MUJERES, 1971, p. 13)

Porém, a construção do discurso coloca que romper com a ordem em um espaço de poder e
de construção de um ideal de masculinidade é a finalidade de Fidel. O texto indica que essa ruptura
permitiria construir uma nova ordem social, na qual homens e mulheres teriam direitos iguais e o
ocupar todos os espaços sociais. No entanto quem deu as mulheres esse direito foi “El comandante
en Jefe”. O poder simbólico da atuação do comandante, coloca as mulheres como sujeitos menos
importantes no processo, mesmo elas sendo agentes construtoras do processo, o discurso transfere o
poder de conferir-lhes um espaço ao homem chefe, que também representa um ideal de
masculinidade a ser seguido.
O pesquisador Rafael Teixeira, destaca que a relação entre os guerrilheiros e a luta armada
em defesa da pátria, é uma relação de amor entre os homens e a mulher-pátria. (TEIXEIRA, 2009,
p. 120) Conforme ele destaca, o perfil do guerrilheiro é do herói viril, o homem-macho, que defende
a mulher-pátria e conquista as mulheres. (TEIXEIRA, 2009, p. 158)
Vale destacar que os anos de 1960 em Cuba, são marcados pela perseguição aos
homossexuais4, especialmente aos homens devido ao ideal de masculinidade que foi estabelecido no

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Unidades Militares de Ayuda a la Producción (UMAP), existiram entre 1965-1968, e muitos homossexuais do sexo
masculino, foram enviados para essas instituições.

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processo de construção da nação cubana, entre o final do século XIX e meados do século XX
(PAGÉS, 2002; SIERRA, 2006). Essa prática deve ser percebida dentro de um processo de
legitimação de um ideal de masculinidade, que é definido pelos heróis da Revolução Cubana, o
Che, o Camilo e o Fidel.
Portanto, para conseguirem o reconhecimento dentro do ideal que se estabelecia as mulheres
lutaram lado a lado com os homens. Essa relação entre a incorporação de um padrão de
masculinidade pelas mulheres, no espaço da luta arma, é destacado por Fidel em um do discurso no
ano de 1959, mas cujo trecho foi publicado em 1971. Para ele, “las mujeres son tan excelentes
soldados como nuestros mejores soldados hombres.” (REVISTA MUJERES, 1971, p. 14)
Vale destacar, que para elas serem aceitas elas deveriam lutar igual aos melhores soldados,
pois se elas fossem com a maioria não seria possível legitimar sua presença na guerra. Portanto, o
espaço das armas permanece como espaço de poder dos homens e eles sedem parte desse espaço
para as melhores soldados. Todavia aos homossexuais se nega qualquer espaço, pois são percebidos
como traidores da revolução. Uma revolução macho/viril, que cedeu alguns espaços para as
mulheres, porém sem romper a ordem estabelecida. O domínio e o predomínio do poder nos
espaços da guerra e da política deveriam seguir nas mãos dos homens.
Nas memórias sobre a guerrilha figuram algumas mulheres. Na Revista Mujeres, ao lado do
discurso de Fidel, está a foto das guerrilheiras: Célia Sánchez, Lidia Rielo, Téte Puebla e Isabel
Rielo (dispostas da esquerda para direita – Imagem 2). Elas com suas armas legitimam seu espaço
na guerra e a identificação de guerrilheira. A posse da arma – símbolo do poder do macho/viril –
legitima a construção de um espaço para as mulheres de poder dentro do Estado Cubano, o qual
estava sendo construído pelos “rebeldes barbudos”.
Imagem 2: Mulheres do Pelotón Mariana Grajales (1959)

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Fonte: Revista Mujeres, ano 11, nº 12, de dez. de 1971, p. 15.
Além dessas guerrilheiras, figuram nas páginas da Revista Mujeres outras dezessete (17)
guerrilheiras, as quais constituíam o Pelotón Mariana Grajales – 1) Isabel Rielo, 2) Lidia Rielo, 3)
Norma Ferrer, 4) Rita Garcia, 5) Teté Puebla, 6) Olga Guevara, 7) Dolores Feria, 8) Angelina
Antolin, 9) Eva Rodrigues, 10) Juana Peña Hernandez, 11) Aurora Quiñones Rodriguez, 12) Isabel
Rivero Nuñez, 13) Bertha Arnau Ojito, 14) Laura Perez Rencol, 15) Orosia Soto Sardinas, 16)
Benita Ramos Osorio e 17) Vicenta Duret Sarmiento. Vale destacar que durante os combates a Teté
Puebla, recebeu patente de capitã, e atualmente General de Brigada das FAR. Além dela, outras
desse grupo se tornaram agentes das FAR.
O Pelotón é representado como um espaço de atuação das mulheres em múltiplas atividades
que permitiram a vitória do Exército Rebelde. A vitória é apresenta como o resultado de múltiplas
ações que uniu homens e mulheres em torno de um projeto: a revolução. As marianas para a Revista
Mujeres, no ano de 1971, são todas as mulheres que construíram o processo de luta contra Batista –
nas cidades e na Sierra Maetras –, independente dos papéis que ocuparam, são todas identificadas
como componentes do Pelotón Mariana Grajales.
O olhar da revista torna o pelotão em um batalhão, ao incluírem todas as atividades exercitas
pelas mulheres como atividades guerrilheiras, não apenas o combate. Assim, as marianas não foram
apenas às mulheres treinadas por Fidel para combaterem, mas todas que correram o risco e entram
no espaço da guerra de professoras a guerrilheiras. Pois o espaço da guerra não estava restrito a
Sierra Maetra e aos combates com armas, mas todas as práticas que eram contra a ditadura de
Batista. Portanto, Lídia Doce e Clodomira Acosta Ferrales, as mensageiras que desapareceram, em
12 de setembro de 1958, as quais foram torturadas e assassinadas pela polícia do governo de
Batista, e seus corpos nunca foram encontrados, também são marianas, considerando o
posicionamento da Federación de Mujeres Cubanas, expresso na Revista Mujeres.
A participação das mulheres na luta revolucionária indica a construção de um Estado
marcado por uma ordem diferente. Considerando as colocações de Pierre Bourdieu, é “o Estado,
que dispõe de meios de impor e de inculcar princípios duráveis de visão e de divisão de acordo com
suas próprias estruturas, é o lugar por excelência da concentração e do exercício do poder
simbólico.” (BOURDIEU, 1996:107-108) O Estado Cubano, colocou a masculinidade viril e os
ideais da guerrilha como centrais na construção de um modelo de cidadão. As mulheres foram
respeitadas por igualarem-se aos homens no espaço da guerra. Os homens não viris foram
marginalizados e as mulheres femininas, mantiveram seu espaço de mulheres.

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Em dezembro de 1970, nas primeiras páginas da Revista Mujeres, está uma reflexão escrita
por Isolina Triay (1970), sobre Ernesto Guevarra, cujo título é: “Che: El hombre del siglo XXI”. A
autora reafirma o modelo de masculinidade e de cubania, ao citar um fragmento dos escrito do
Ernesto Guevarra, sobre o homem novo, no qual ele afirma que: “... este tipo de lucha nos da
oportunidad de convertinos en revolucionarios, el escalón más alto de la especie humana pero
también nos permite graduarnos de hombres ...”. (TRIAY, 1970, p. 7)
Portanto, o espaço de luta tende a ser percebido como um lugar onde se constitui homens.
Essa construção discursiva, presente no Estado Cubano nos anos de 1970, tende a reproduzir as
relações de poder generificadas, presentes em outros Estados militarizados no Ocidente, no mesmo
período.
Referências
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Consejo de Estado, 2005.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo, Cia das Letras, 2005.

BELL, José; LÓPEZ, Delia Luisa; CARAM, Tania (org.). Documentos de la Revolución Cubana –
1960. La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, 2007.

BOHEMIA. Revista Bohemia, n. 53, ano 67, 1975.


CASTRO, Fidel. Discurso do encerramento do 2º Congresso da Federação de Mulheres Cubanas.
Havana, 29 de novembro de 1974. In. BOHEMIA, 06 de dezembro de 1974, n. 49, ano 66, p. 50-65.
CONNELL, R. W. La organización social de la masculinidad. In: VALDÉS, T.; OLAVARRÍA, J.
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The Cuban Revolution and the spaces occupied by men and women

Astract: The Cuban Revolution is among the great events of the twentieth century. A revolutionary
process that united different forces and after the victory of the Rebel Army and its allies, the
revolutionary government was instated. Heiress of a tradition that is present in the West, Cuba also
constructed a discourse on its History focused on great men and an ideal of masculinity. The image
of men with beards, armed and wearing military uniform is recurrent in the magazines in the 1970s.
In order to contribute to the reflections in the field of gender studies, I return to look at gender
relations in the space of the revolutionary struggle in Cuba. Thus, the power spaces occupied by
men and women in the movements that make up the revolutionary struggle in the 1950s are
analyzed, observing the Cuban state's press discourses in the 1970s. This study aims to identify
constructions of femininities and masculinities in discourses Of the 1970s. It is observed that the
construction of Cuba's official history is marked by war. A construction that gives meaning to
gender relations, which establishes the military man, warrior as a model of citizenship, as well as
tends to define the woman as the mother of the warriors. To orient the reflections is used the gender
as category of analysis, as well as, the concepts of hegemonic masculinity and identity. The sources
are publications of the Cuban State and bibliographies.
Keywords: Cuban Revolution; gender-spaces; masculinities and femininities; armed struggle.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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