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Djoni Schallenberger

Sandro Pereira

Teologi@

Cartas Universais
e Hebreus
ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DAS IGREJAS EVANGÉLICAS AS-
SEMBLÉIA DE DEUS NO ESTADO DO PARANÁ – AEADEPAR
FACEL FACULDADES

Sandro Pereira
Djoni Schallenberger

Cartas Universais
e Hebreus

Curitiba
2011
ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL DAS IGREJAS EVANGÉLICAS AS-
SEMBLÉIA DE DEUS NO ESTADO DO PARANÁ – AEADEPAR
FACULDADE FACEL

Copyright © 2011 – Todos direitos reservados à Associação Educacional


das Igrejas Evangélicas Assembléia de Deus no Estado Do Paraná –
AEADEPAR.

Proibida reprodução total ou parcial sem a expressa autorização.


Pirataria é crime e pecado.

Diagramação: Anne Demarco


Editor: Djoni Schallenberger
Revisão: Berta Morales Figueroa
Ficha Catalográfica: Rozane Denes

Schallenberger, Djoni.
Cartas universais. / Djoni Schallenberger; Sandro
Pereira. – Curitiba : Unidade, 2011.
172 p.

1. Bíblia - N.T. 2. Bíblia - A.T. 3. Hebreus – Antiga aliança


4. Bíblia - História de fatos Bíblicos. 5. Bíblia. -
N.T. - Hebreus - Comentários
I. Faculdade de Administração Ciências, Educação e
Letras – FACEL. II. Título.
CDD 227.87


APRESENTAÇÃO

Os Professores:
Djoni Schallenberger1
Sandro Pereira2

Chegou o momento de iniciar mais um módulo em sua caminhada


como estudante de teologia. Agora você poderá realizar um estudo um
tanto mais aprofundado em vários documentos do Novo Testamento.
O alvo deste módulo é apresentar-lhe a Epístola aos Hebreus, Tia-
go, as cartas de Pedro, João e Judas. Uma pequena modificação será reali-
zada na ordem canônica. A carta de Judas será estudada juntamente com
as epístolas de Pedro. Isto se justifica para que ao final, as epístolas de João
possam ser estudadas em conjunto. O objetivo é proporcionar, na medida
do possível, uma unidade temática.
As epístolas aqui estudadas, a exceção de Hebreus, são conhecidas
habitualmente pelo nome de “Epístolas Gerais” ou “Católicas”; o segundo
termo parece soar estranho aos ouvidos de protestantes e evangélicos, mas
no decorrer dos estudos ele será esclarecido. Estas epístolas são textos em
que os escritores mencionam os destinatários em termos gerais e não os
relacionam com uma localidade específica. Duas exceções são as epístolas
de II e III João. Quanto a Hebreus, muitos estudiosos não a consideram
uma Epístola Geral. Alguns eruditos afirmam que o autor dirigiu-se a um
1
Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP); Bacharel
e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Especialista em Fi-
losofia pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ), Mestre em Ciências da Religião pela
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
2
Bacharel em Teologia. Faculdade Teológica Batista do Paraná. Ênfase em Exegese
do Grego e Hebraico Bíblico. Mestrando em Ciências da Religião. Universidade Metodista
de São Paulo. 2010. Membro do Grupo de Pesquisa Oracula em São Bernardo do Campo,
São Paulo, onde desenvolve estudos na literatura apocalíptica dos séculos II a.C. a III / IV
d.C.
grupo específico (BÍBLIA, NT Hebreus 5. 11 – 6. 12).
A maioria das Epístolas Gerais usa o nome do autor como título.
Poderão ser observadas, claramente, as diferenças entre o endereçamento
específico das epístolas de Paulo “a todos os santos em Cristo Jesus [...]
que vivem em Filipos” (BÍBLIA, NT Filipenses 1. 1) e o endereçamento
bastante amplo das Epístolas Gerais: “às doze tribos que se encontram na
Dispersão” em Tiago 1. 1, por exemplo.
Independente desses pormenores de endereçamento – destinatá-
rios específicos ou não – e outras questões que serão discutidas quanto à
autoria dessas diversas epístolas, o(a) estudante deve se prender mais ao
conteúdo e à mensagem de que cada um desses escritos que compõem
nosso Novo Testamento, se faz portador.
Tendo como alvo o conteúdo e a mensagem, seu estudo será enri-
quecido e, com toda certeza, você poderá conhecer melhor o que os escri-
tores quiseram transmitir a seus primeiros leitores e, depois disso, como é
que esses ensinamentos podem (e devem) ser aplicados nas comunidades
de nossos dias.
Dedique-se ao estudo deste módulo e, não se esqueça de conhecer
o texto bíblico. O estudo realizado assim de forma conjunta propiciará um
maior esclarecimento dos diversos temas que aqui serão tratados.

Tenha certeza de que você alcançará grandes resultados.

Muito bem, vamos em frente!

Aproveite cada detalhe e faça bons estudos!


OBJETIVOS DAS UNIDADES

UNIDADE 1 - HEBREUS
Na primeira unidade você entrará em contato com a Epístola aos
Hebreus. Esta epístola é portadora de uma mensagem de advertência
aos cristãos judeus que estavam pensando em abandonar as riquezas de
Cristo para retornarem aos rituais “vazios” do judaísmo, religião da qual
eram provenientes. O(a) estudante terá a oportunidade de compreender
grandes temas da Bíblia. A epístola aos Hebreus faz muitas alusões ao An-
tigo Testamento e, com toda certeza, esse estudo iluminará sua compreen-
são de temas relativos à “Antiga Aliança”.

UNIDADE 2 - TIAGO
Aqui você estudará a epístola de Tiago. Este escritor também di-
rigiu uma advertência aos cristãos que estavam negligenciando a obediên-
cia dos mandamentos de ordem prática contidos nas Sagradas Escrituras.
O escritor intenta mostrar-lhes que uma religião desprovida de ações
concretas é inútil e vazia, ou seja, não é uma religião verdadeira. Esse estu-
do deve conduzir o(a) estudante a refletir na práxis de sua igreja. Principal-
mente nos tempos em que os “grandes discursos religiosos” muitas vezes
são valorizados em detrimento das práticas que demonstram o conteúdo
neles contidos.

UNIDADE 3 - EPÍSTOLAS DE PEDRO E DE JUDAS


O apóstolo Pedro redige sua epístola com o intuído de exortar ou
estimular os judeus e gentios contra a severa perseguição que lhes amea-
çava. Nesta unidade você compreenderá que os leitores das epístolas de
Pedro e da pequena epístola de Judas enfrentavam também desafios ad-
vindos de ensinos heréticos que ameaçavam minar a pureza e a vitalidade
espiritual de suas comunidades. São temas de grande relevância em face
à facilidade de acesso que as pessoas têm ao “conhecimento” nestes dias.
Co-
nhecimentos esses que também, em grande parte, provém de ensinamen-
tos errôneos e, por isso, o estudante é desafiado a compreender a doutrina
correta (ortodoxia) e também batalhar “pela fé” que herdamos dos profe-
tas e apóstolos.

UNIDADE 4 - EPÍSTOLAS JOANINAS


Para finalizar este módulo as epístolas de João serão tratadas em
uma única unidade com o intuito de proporcionar uma visão de conjunto
e uma coesão em seus ensinamentos. A primeira epístola teve o fim de in-
centivar os leitores primeiros a agirem de forma correta, a terem o espírito
verdadeiro e convicções corretas. A segunda, em certa medida, dá con-
tinuidade ao combate contra os falsos mestres – os anticristos, enquanto
a terceira parece tratar de algum tipo de disputa interna de determinada
igreja pertencente à comunidade joanina.
SUMÁRIO

UNIDADE 1 - HEBREUS
SEÇÃO 1 - O LIVRO DE HEBREUS .............................................................. 13
Autoria ................................................................................................... 15
Origem e Data ............................................................................................ 18
Os Destinatários .................................................................................... 19
Exercícios ................................................................................................. 21
SEÇÃO 2 – TEXTO, CÂNON, PROPÓSITO E ESBOÇO ............................ 22
Texto ........................................................................................................ 23
Hebreus e sua Aceitação no Cânon .................................................... 24
Propósito ................................................................................................. 26
Esboço ..................................................................................................... 28
Exercícios ............................................................................................ 30
SEÇÃO 3 - CONTEÚDO E MENSAGEM ..................................................... 31
Conteúdo ................................................................................................ 31
Exórdio – A Palavra Final de Deus por Meio de Jesus .................... 34
A Superioridade de Jesus em Relação aos Anjos, Moisés e Josué .. 34
Exercícios ............................................................................................ 39
SEÇÃO 4 - TEMAS CENTRAIS ..................................................................... 40
A Superioridade do Sacerdócio de Jesus sobre Arão ....................... 40
A Superioridade do Sacerdócio de Jesus sobre Melquisedeque ............. 45
A Superioridade do Ministério Sacrificial de Jesus e do Tabernáculo
Celeste, Inaugurando uma Nova Aliança ............................................................. 46
Fé e Paciência: Utilidade da Obra Sacerdotal de Jesus .................... 48
Exortação Final e Conclusão ................................................................ 49
Exercícios ............................................................................................ 51
RESUMO DA UNIDADE ................................................................................ 53
UNIDADE 2 - A EPÍSTOLA DE TIAGO
SEÇÃO 1 - TIAGO ........................................................................................... 58
Autoria e Data ......................................................................................... 59
Pano de Fundo ....................................................................................... 62
Destinatários ........................................................................................... 64
Exercícios ................................................................................................ 65
SEÇÃO 2 – PROPÓSITO, ESBOÇO E MENSAGEM .................................... 66
Propósito .................................................................................................. 66
Esboço ...................................................................................................... 67
Mensagem ................................................................................................ 68
Ricos e Pobres, Fé e Obras .................................................................... 70
Exercícios ........................................................................................... 71
SEÇÃO 3 – MENSAGEM ............................................................................... 72
Falhas que Dividem a Comunhão entre os Cristãos ......................... 73
Planejar sem Consultar a Deus – Corrupção por Causa da
Riqueza...................................................................................................... 74
Premissas para uma Cosmovisão Cristã ............................................. 76
Exercícios ........................................................................................... 78
SEÇÃO 4 – REFLEXÕES RELEVANTES ....................................................... 79
Relação com os Ensinos de Jesus ......................................................... 79
Tiago e Paulo – Obras e Fé ................................................................... 83
Unção dos Enfermos ............................................................................. 84
Exercícios ............................................................................................ 86
RESUMO DA UNIDADE .............................................................................. 88
UNIDADE 3 – EPÍSTOLAS DE PEDRO E JUDAS
SEÇÃO 1 – 1PEDRO ........................................................................................ 93
Autoria e Data ........................................................................................ 94
Pano de Fundo ...................................................................................... 94
Destinatários .......................................................................................... 95
Propósito ............................................................................................... 96
Esboço ..................................................................................................... 97
Exercícios ............................................................................................ 98
SEÇÃO 2 – MENSAGEM ............................................................................... 99
Conteúdo ............................................................................................... 99
Afirmação da Identidade e Dignidade Cristãs ................................ 100
Comportamento Adequado Visando o Bom Testemunho ........... 103
Atitude Diante da Hostilidade .......................................................... 104
Cristo Desceu ao Inferno? ................................................................. 106
Exercícios ......................................................................................... 109
SEÇÃO 3 – 2PEDRO ...................................................................................... 110
Autoria e Data ..................................................................................... 111
Pano de Fundo ..................................................................................... 112
Destinatários ........................................................................................ 112
Propósito .............................................................................................. 113
Esboço .................................................................................................... 113
Mensagem ............................................................................................ 114
Crescimento Espiritual, Perigo do Falso Ensino e a Esperança
Divina .................................................................................................... 115
Exercícios ......................................................................................... 118
SEÇÃO 4 – JUDAS ......................................................................................... 119
Autoria e Data ..................................................................................... 119
Contexto e Propósito ........................................................................... 121
Destinatários ........................................................................................ 121
Esboço.................................................................................................... 122
Mensagem ............................................................................................ 122
Exercícios........................................................................................... 125
RESUMO DA UNIDADE ............................................................................ 126
UNIDADE 4 – EPÍSTOLAS JOANINAS
SEÇÃO 1 – INTRODUÇÃO ......................................................................... 132
Autoria e Data de 1João ..................................................................... 132
Pano de Fundo .................................................................................... 135
Exercícios .......................................................................................... 138
SEÇÃO 2 – CONTEXTO, ESBOÇO E CONTEÚDO ................................. 139
Os Falsos Mestres ............................................................................... 139
A Mensagem de 1João ......................................................................... 143
Propósito .............................................................................................. 143
Esboço .................................................................................................. 144
Conteúdo de 1João ............................................................................. 145
O Requerimento de uma Vida Consagrada ................................... 145
Exercícios .............................................................................................. 147
SEÇÃO 3 – CONCLUSÃO DE 1JOÃO – 2 E 3JOÃO ................................ 148
A Prova da Filiação ............................................................................. 149
Um Texto Difícil 1João 5. 7-8 ............................................................. 150
1João Conclusão ................................................................................... 151
2 e 3João ............................................................................................... 151
Autoria ................................................................................................. 152
Esboço de 2João ................................................................................... 154
Destinação e Propósito ....................................................................... 154
Mensagem .......................................................................................... 155
Exercícios ................................................................................................. 156
SEÇÃO 4 –3JOÃO – MENSAGEM ............................................................. 157
Esboço de 3João................................................................................... 158
Destinação e Propósito .......................................................................158
Mensagem ........................................................................................... 159
Exercícios ......................................................................................... 162
RESUMO DA UNIDADE ............................................................................ 163
REFERÊNCIAS............................................................................................. 167
t
Cartas Universais e
Hebreus
UNIDADE I
Hebreus
˂˂˂ 13

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Nesta unidade você poderá compreender os principais pensamen-


tos acerca das questões introdutórias do livro de Hebreus e o conteúdo ge-
ral desta obra como marca do período inicial da expansão do cristianismo.
Ao concluir este estudo o leitor será capaz de explicar algo mais a
respeito do cristianismo do primeiro século, descrever o conteúdo, a men-
sagem e algumas características introdutórias de Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pe-
dro, 1, 2 e 3 João, além da carta de Judas.
Nesta primeira seção você terá contato com os principais pensa-
mentos da epístola de Hebreus que não é propriamente uma epístola, tam-
pouco o que chamam comumente de homilia. Não tem introdução, nem
começa com as costumeiras frases de endereçamento e saudações. A maté-
ria contida neste documento neotestamentário prontamente se divide em
dois aspectos: o doutrinário e o exortativo. O(a) estudante logo perceberá
que o pensamento dominante é a superioridade de Cristo.
Mais uma vez você está diante de uma leitura fascinante. Pode ter
a certeza de que a sua dedicação será grandemente recompensada!

É hora de começar os estudos!

SEÇÃO 1 – O LIVRO DE HEBREUS


Cartas Universais e Hebreus

Da mesma forma que qualquer outro livro da Bíblia, ao se colocar


diante do texto de Hebreus, o(a) estudante ávido por entendimento per-
cebe logo que diversas perguntas devem ser feitas a respeito da escrita de
um documento bíblico, neste caso do Novo Testamento, muitas das quais,
no caso de Hebreus, são impossíveis de ser respondidas com certo grau
14 ˃˃˃

de certeza. Mesmo assim podem ser sugeridas algumas respostas, desde


que seja vista a possibilidade de sustentá-las com bom senso. No entanto é
preciso admitir que, na verdade, não se sabe ao certo quem é o autor deste
texto e, da mesma forma, seus destinatários primeiros.
É preciso dizer ainda que a ignorância a respeito desses e de ou-
tros particulares não pode constituir-se em impedimento para uma boa
compreensão do valor teológico e espiritual de um documento que, desde
o princípio, tem comprovado por si mesmo a sua autoridade quando se
tem em vista seu valor intrínseco. De fato, afirma Davidson (1997, p. 1345),
“a única resposta adequada, dada pela fé cristã a essas perguntas, é que o
próprio Deus é seu Autor primário”. Davidson lembra ainda que os cris-
tãos “de todos os séculos são os leitores divinamente desejados para este
texto”. Isto se deve à verdade de que por intermédio deste texto Deus tem
falado, e continua falando, ao seu povo por meio de seu Espírito. Esta é,
pois, a maior vindicação do seu lugar no cânon do Novo Testamento.
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

É oportuno o comentário de Brown a respeito deste documento.


Ele consegue sintetizar em poucas linhas o que pode ser chamado de uma
boa descrição do texto de Hebreus:

Em todos os aspectos, essa é uma das obras mais notáveis do


NT. Conscientemente retórica, cuidadosamente elaborada,
habilmente redigida em grego primoroso e apaixonadamen-
te entusiasta de Cristo, Hebreus oferece um número excep-
cional de inesquecíveis noções que modelaram o cristianis-
mo subseqüente. (BROWN, 2004, p. 891).

Mesmo assim, ressalta-se que muito do que se pretende saber con-


cernente a Hebreus é um enigma.
˂˂˂ 15

• Autoria

No corpo do texto mesmo não encontramos indicação alguma a


respeito de seu autor. Ao contrário da maioria dos escritos do Novo Tes-
tamento, o escritor não se identifica. Disso resulta que chamar o texto de
Hebreus de carta ou epístola já é bastante controverso. Todas as tentativas
de identificar o autor de Hebreus têm sido infrutíferas. E o fato de ser anô-
nimo dificulta a localização do autor.
Como se pode observar nas cartas encontradas ao longo do cânon
do Novo Testamento, é comum que o texto tenha já em sua introdução
a identificação de seu autor(es). Em seguida a introdução menciona seus
destinatários e termina com uma saudação e ação de graças – há pequenas
variações, mas normalmente o padrão é seguido. Da mesma forma o final
das cartas geralmente contém alguns votos e saudações finais. Neste caso
o texto de Hebreus termina em forma de carta.
Do que foi dito, pode-se concluir que o texto de Hebreus tem a
introdução de um livro, em seu desenvolvimento segue a forma de sermão
– parênese – e termina em forma de carta. É, pois, um texto peculiar. Isto
já serve de alerta para o cuidado devido ao fazer afirmações ou chegar a
conclusões precipitadas.
Uma rápida observação nos escritores cristãos – não canônicos –
primitivos também não fornece testemunho unânime na questão da auto-
ria:
Cartas Universais e Hebreus

Tertuliano atribui a autoria a Barnabé. Tal afirmação carece de


testemunho.
Ressalta-se, contudo, que a Epístola de Barnabé – início do século
II – tem o estilo alegórico alexandrino similar ao de Hebreus.
Clemente sugeriu que o apóstolo Paulo a escreveu em hebraico,
sendo traduzida para o grego por Lucas.
16 ˃˃˃

Orígenes admitia que os pensamentos originais eram do após-


tolo Paulo, mesmo que a forma de escrita e a linguagem final não
o fossem.
As conexões do texto ao nome de Paulo contribuíram para que
lhe fosse conferida autoridade apostólica. Dessa forma, desde
cedo muitas cópias passaram a circular com o título “A Epístola
de Paulo aos Hebreus”.
No texto mais antigo de que dispomos hoje – o Beatty3 Papyrus
II p46 (início do século III) – o documento faz parte da obra pau-
lina, logo depois de Romanos (CARSON, 1997, p. 437). No entan-
to, a aceitação desta obra como sendo de autoria paulina acon-
teceu mais lentamente na Igreja ocidental. Em Alexandria, as-
sim como em Roma, nas listas oficiais do final do século IV e
começo do século V, Hebreus fazia parte do “corpo paulino”,
sendo às vezes situada antes das cartas pessoais – ou pastorais.
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

Gradualmente o nome de Paulo foi introduzido no título da


obra, aparecendo já na Vulgata (BROWN, 2004, p. 904).
Outras sugestões para autoria incluem os nomes de Apolo, Si-
las, Áquila (ou Prisca e Áquila) e Filipe, o evangelista.
Para Lutero, Apolo era a sugestão mais aceita. A julgar pelo texto
de Atos 18. 24-28 ele seria mesmo o tipo de homem que poderia
compôr tal texto. Apolo era judeu, nativo de Alexandria, elo
quente e versado nas Escrituras Hebraicas. Esta hipótese atraiu
grande número de seguidores. Mais uma vez, não há evidência
alguma para tal afirmação.
A maioria dos eruditos contemporâneos não aceita a autoria
paulina. (DAVIDSON, 1997, p. 1345).
Hale (2001, p. 338 – 347) discorre bastante a respeito dos possí-
3
Ou Papiro II de Chester Beatly conforme alguns manuais. Veja em HALE, B.
D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 347.
˂˂˂ 17

veis autores e quais as justificativas. Ele menciona: Paulo, Lucas,


Clemente de Roma, Barnabé, Apolo e Silvano. Hale lembra que
já Eusébio de Cesaréia, em sua História Eclesiástica vi. 25.11, 14,
dizia que “quem escreveu a epístola só Deus sabe certamente” e,
para concluir, registra a afirmação contundente de B. F. Wescott;
Este último escreveu que qualquer tentativa de colocar um nome
para o autor é devida à “má vontade de confessar francamente
nossa ignorância sobre uma questão que excita nosso interesse”.
Portanto, talvez seja mais sábio contentar-se em dizer “não sabe-
mos” e, “satisfazer-nos com a ironia de que o orador mais sofis-
ticado e o mais elegante teólogo do NT é um desconhecido:

Para empregar sua própria descrição de Melquisedec (Hb 7.


3), o escritor de Hebreus permanece sem pai nem mãe, nem
genealogia. A qualidade de seu grego e seu domínio das
Escrituras em grego sugerem que ele era um judeu-cristão
com boa educação helenística e algum conhecimento das cat-
egorias filosóficas gregas. Seu estilo hermenêutico alegórico
tem paralelos em Fílon e na interpretação alexandrina, mas
esta era ensinada em outra parte, de modo que a alegação de
que o escritor de Hebreus originava-se de Alexandria não é
provada (BROWN, 2004, p. 906).

Por último, mas não menos importante, é preciso admitir que o


próprio texto aponta para uma autoria “não-apostólica”. A perícope de 2.
2-4 fornece uma pista valiosa:
Cartas Universais e Hebreus

Portanto, convém-nos atentar, com mais diligência, para as


coisas que já temos ouvido, para que, em tempo algum, nos
desviemos delas. Porque, se a palavra falada pelos anjos per-
maneceu firme, e toda transgressão e desobediência recebeu
a justa retribuição, como escaparemos nós, se não atentarmos
para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anun-
ciada pelo Senhor, foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram;
testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e
várias maravilhas, e dons do Espírito Santo, distribuídos por
sua vontade? (BÍBLIA, N.T. Hebreus 2:2-4). Grifo Nosso.
18 ˃˃˃

É conveniente ficar com a opinião de Orígenes que, sendo um dos


mais letrados da era patrística, “contentou-se em deixar no anonimato o
verdadeiro escritor […] observando que somente Deus sabe quem escre-
veu Hebreus” (BROWN, 2004, p. 905).

• Origem e data

Uma vez que a autoria é desconhecida, a origem é mais desconhe-


cida ainda. A única pista explícita é a saudação aos leitores, enviados pelos
“da Itália” (13. 24). É bom relembrar algo da presença de judeus romanos
em Jerusalém durante o Pentecostes (Atos 2. 10). Contudo, a saudação em
13. 24 e o pedido em 13. 19, quando associados à libertação de Timóteo,
enfim, o trecho de 13. 23-24 parece sugerir que o autor estava em Roma.
Mesmo assim, não se pode afirmar ao certo a localidade correta.
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

O mesmo pode ser afirmado com relação à data. Contudo, Carson


(1997, p. 441) propõe algumas sugestões para este debate. Em primeiro
lugar, destaca-se o fato de os destinatários pertencerem à segunda geração
de Cristãos (2. 3) – já mencionado anteriormente.
As passagens em 10. 25 e 12. 4 esclarecem que a igreja estava sendo
provada. Poderia ser as perseguições movidas por Nero, ou os contratem-
pos da guerra judaico-romana. Descobre-se ainda que Timóteo havia sido
encarcerado, mas fora solto (13. 23). A causa de sua prisão não se sabe.
Alguns sugerem as datas entre os anos de 66 e 69 d.C., quando
os judeus de Alexandria e da Palestina se rebelaram contra o governo de
Roma. De outro lado um limite pode ser estabelecido por 1Clemente 36.
1-5 – composta possivelmente no final dos anos 90 – que faz eco a Hebreus
1. 3-5, 7, 13 (BROWN, 2004, p. 907). A data mais sugerida para a redação
de Hebreus é entre 60 e 90 d.C. A menção de Timóteo (13. 23) aponta para
˂˂˂ 19

uma data limite não muito posterior à proposta.

• Os Destinatários

Quem são os destinatários do texto? De acordo com os documen-


tos mais antigos o documento é dirigido “Aos Hebreus”. Hale (2001, p.
347) menciona que Tertuliano (c. 200) conheceu o título correspondente
em latim, Ad Hebraeos. Todavia, esta ainda é uma expressão vaga. Um he-
breu seria um israelita de nascimento e, segundo a religião, um descen-
dente de Abraão (BÍBLIA, NT Filipenses 3. 5; 2 Coríntios 11. 22). Endereça-
-se aos hebreus da Palestina, ou de outro lugar? O autor indica que os
crentes ainda não haviam resistido até o sangue (12. 4). É bom lembrar que
em Jerusalém houve perseguições cruéis contra os discípulos de Cristo. O
fato de Estevão ter sido apedrejado até a morte é uma evidência de que, ao
menos a igreja da capital, resistira até o sangue. Dessa forma, a exortação
(12. 4) não caberia à igreja de Jerusalém; Contudo, poderia ser qualquer
outra cidade da região da Palestina.
É preciso observar ainda que os irmãos de Jerusalém eram, em
geral, pobres. Em outros documentos do Novo Testamento encontramos
as igrejas gentílicas socorrendo-os em suas necessidades. Da leitura de He-
breus, a impressão que se tem é que os destinatários eram ricos, até mesmo
tinham condições de hospedar estranhos (13. 1-2, 16). Pelo menos uma vez
Cartas Universais e Hebreus

eles serviram aos pobres (6. 10).


Mais uma vez se enfrenta um enigma. Entretanto, ao julgar pelo
teor de Hebreus, podem ser levantadas algumas conjecturas no que diz
respeito aos primeiros leitores – aos quais se dirigiu o autor. É evidente
que o destino refere-se a judeus cristãos helenistas da diáspora. Dificil-
mente seria possível identificar os destinatários como judeus convertidos
20 ˃˃˃

na Palestina de fala aramaica, a quem se dirige o termo “hebreus” encon-


trado em Atos 6. 1.
Laubach (2000, p. 20) chama a atenção para a realidade histórica
de que já era de conhecimento de Tertuliano e dos professores da escola
em Alexandria, o título que encabeçava o documento “aos Hebreus”. Na
opinião de Carson (1997, p. 444) o autor tem em mente um grupo específi-
co. A exortação encontrada em 5. 11-14 sugere um determinado grupo de
fiéis “no âmbito de uma comunidade, do qual estão excluídos os irmãos
dirigentes, os líderes da comunidade”.
Por volta do ano 200, o titulo “Aos Hebreus” aparece no Beatty
Papyrus II (p46). Este documento já estava em uso no Egito e no Norte da
África e, além disso, nenhum outro título jamais apareceu como destina-
ção. Com base no conteúdo algo sobre o ambiente vivencial dos destinatá-
rios pode ajudar o entendimento. Alguns pontos mais relevantes podem
ser destacados:
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

a) No início, na avaliação do autor, eles foram devidamente


iluminados […]. A comunidade recebeu a mensagem cristã
de evangelizadores cuja obra fora acompanhada pela rea-
lização de milagres. A atividade do Espírito Santo era parte
daquela experiência (Hb 2,3-4; 6,4-5) […] os destinatários
valorizavam a riqueza religiosa do judaísmo. […] b) A seguir
(quando?), os cristãos foram afligidos por um tipo de perse-
guição, hostilidade e/ou maus-tratos (Hb 10,32-34). Foram
privados de propriedades, e alguns foram jogados na prisão.
c) No tempo em que Hebreus foi escrita, a crise de perse-
guição ativa parecia ter passado, mas existia contínua ten-
são e desânimo, bem como perigo futuro. Ofensas da parte
dos de fora constituíam ainda um problema (Hb 13,13). […]
Aparentemente, os afetados […] tinham parado de reunir-
se em oração com outros cristãos (10,25) (BROWN, 2004, p.
908, 909).

Muitas outras hipóteses e conjecturas têm sido levantadas. Desde


a região de Jerusalém até Roma podem ser tidas como comunidades desti-
natárias. Dessa forma, o que emerge da análise a respeito dos destinatários
˂˂˂ 21

é muito vago; as comunidades cristãs de quase todas as cidades do mundo


antigo, em um ou outro período, vêm sendo sugeridas como destinatários
de Hebreus.

SAIBA MAIS
BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,


1997.

DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.

EXERCÍCIOS

1. O que pode ser dito a respeito da autoria de Hebreus?

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
Cartas Universais e Hebreus

______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Qual o centro da obra de Hebreus?


a (.....) A Lei.
b (.....) O Sacerdócio Levítico.
22 ˃˃˃

c (.....) Jesus, o Filho de Deus.


d (.....) A graça.

II – Quem foram os destinatários do texto?


a (.....) Os judeus que não se converteram ao cristianismo.
b (.....) Os judeus que residiam em Jerusalém.
c (.....) Cristãos oriundos do judaísmo.
d (.....) Nenhuma das alternativas estão corretas.

III – Qual o documento mais antigo onde encontramos a expressão “Aos


Hebreus”?
a (.....) O texto sempre levou este título.
b (.....) Beatty Papyrus II (p46), por volta do ano 200 a.C.
c (.....) Beatty Papyrus II (p46), por volta do ano 200 d.C.
d (.....) Não existem documentos com esta expressão.
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SEÇÃO 2 – TEXTO, CÂNON, PROPÓSITO E ESBOÇO

Diversas são as informações que podem auxiliar na leitura e inter-


pretação de Hebreus. Além dos temas de destaque, é preciso antes esboçar
a obra como um todo. No entanto, antes de prosseguir, algumas informa-
ções históricas também são de bastante relevância para o(a) estudante de
teologia. Dentre eles, se tratará ainda do texto e de sua aceitação no cânon.
˂˂˂ 23

• Texto

No que diz respeito ao texto, os manuscritos mais importantes são


alexandrinos em sua imensa maioria (ATTRIDGE, apud CARSON, 1997, p.
449). A tradição bizantina é representada pelos unciais4 K e L (século IX)
e diversos minúsculos posteriores. No ocidente o texto de maior destaque
é representado por D (Códice Claromontano, século VI) e também pela
Antiga Versão Latina. De forma geral, Hebreus está bem preservado.
Ainda concernente ao texto, o gênero literário se reveste de im-
portância. Mais uma vez se depara com uma questão que ainda faz parte
do debate entre os eruditos. Em 1906, por exemplo, W. Wrede publicou
uma obra cujo título pode ser assim traduzido “O enigma literário da epís-
tola aos Hebreus”. H.E. Dana (apud Brown, 2004, p. 899) comenta: “co-
meça como um tratado continua como um sermão e termina como uma
epístola”5. Todavia, existem alguns problemas com a atribuição de cada
um desses gêneros ao texto. Mesmo levando em conta a cuidadosa expo-
sição da superioridade de Cristo, Hebreus não é simplesmente um tratado
teológico. A exposição doutrinária carrega o escopo apologético de adver-
tir os destinatários contra o abandono da fé em Cristo.
No que diz respeito a considerar Hebreus como sendo um sermão,
a obra se autointitula “palavra de exortação” (13. 22). Além disso, existem
expressões como “estamos falando” (2. 5; 5. 11; 6. 9). Usando as categorias
4
Esse termo é usado para contrastar certos manuscritos (escritos com letras maiús-
Cartas Universais e Hebreus

culas) aos manuscritos chamados “minúsculos” (escritos com letras minúsculas). Ambos ess-
es tipos de manuscritos eram escritos à mão (como é óbvio), mas o corpo (dimensões) de suas
letras variava. “Uncial” significa “letra em caixa alta”. É possível que esse adjetivo se derive
do hábito de alguns publicadores romanos usarem doze letras por linha. Eles contavam doze
polegadas para cada pé, como também doze onças para cada libra. A palavra latina uncia sig-
nificava ou “polegada” ou “onça”. E assim, os próprios manuscritos escritos com essas letras
graúdas passaram a ser conhecidos como “unciais”, enquanto os demais receberam o nome
de “minúsculos”. Quase todos os manuscritos do Novo Testamento até o século X d.C. eram
unciais, mas, depois disso, a situação inverteu-se. Portanto, esses dois tipos de letras nos dão
uma maneira aproximada de datar os manuscritos. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de
Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 6. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 525.
5 Já mencionado anteriormente.
24 ˃˃˃

da retórica aristotélica, H. W. Attridge (apud Brown, 2004, p. 900) afirma:


“Trata-se claramente de um discurso epidíctico, que celebra a importância
de Cristo”. Porém, existe ainda um elemento de retórica deliberativa, haja
vista a constatação de que Hebreus chama à ação com fidelidade e perse-
verança.
Quanto a ser uma carta, apenas no capítulo 13 – e de modo muito
particular – a conclusão em 13. 20-25 fornecem ao texto a aparência do
formato carta, tão conhecida nos escritos paulinos. Brown (2004, p. 900)
considera a obra com a definição relativamente simples como um sermão
ou homilia com final epistolar.
O excessivo uso de alegoria tem sido usado por alguns como argu-
mentação para defender que o autor escreveu de Alexandria. Isto porque
foi nesta escola que a interpretação alegórica das Escrituras teve seu maior
peso.
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• Hebreus e sua Aceitação no Cânon

É importante destacar, antes de tudo, alguns critérios para a cano-


nização dos documentos que compõem o Novo Testamento. Para isso, a
seguinte informação parece suficiente:

Não há uma lista formal de critérios que a Igreja primitiva


tenha usado para determinar quais livros deveriam fazer
parte do Novo Testamento. Mas os estudiosos sugerem três
critérios principais. Primeiro, o livro deveria ter sido escrito
por um apóstolo ou por alguém próximo de um apóstolo.
Segundo, deveria concordar com os ensinamentos tradicio-
nais cristãos. Terceiro, deveria ser amplamente usado pelas
igrejas e reconhecido por elas como um livro de autoridade
(A Bíblia e sua história, 2006, p. 94).
˂˂˂ 25

Os primeiros estudiosos da Igreja, bem como os primeiros concí-


lios e edições antigas da Bíblia, nem sempre concordavam quanto a quais
livros os cristãos deveriam respeitar como sendo autoritativos. O Bispo
egípcio, Atanásio, em uma de suas cartas de Páscoa para as igrejas no ano
de 367 d.C., foi a primeira pessoa conhecida na história a listar os 27 livros
que se encontram hoje no Novo Testamento (A Bíblia e sua história, 2006,
p. 96). Deixando de lado os indivíduos e, levando em conta apenas os câ-
nones, traduções e concílios, têm-se que listar os seguintes testemunhos:
Marcião (c. 140), Muratório (c. 170), Barocócio (c. 206), Apostólico (c 300),
Celtenhão (c. 360), Atanásio (c. 367), Diatessaron – de Taciano – (c. 170),
Antiga Latina (c. 200), Códice Sinaitico (c. 325), Antiga Siríaca (c. 400), Ni-
céia (c. 325-40), Hipo (393), Cartago (397) e, novamente, Cartago (419).
Dos testemunhos mencionados, Hebreus consta no Códice Sinaíti-
co, Atanásio e no Concílio de Cartago de 397, repetindo-se, é claro, em 419
(A Bíblia e sua história, 2006, p. 96).
Geisler (2003, p. 111 – 122) propõe a seguinte classificação, no que
diz respeito à aceitação canônica:
Homologoumena: A maioria dos livros aceitos pela igreja logo
de início, sem objeções;
Pseudepígrafos: Escritos falsos;
Antilegomena6 : Escritos com autenticidade questionada por al-
6 Antilegomena:Vem do grego antilegomena, isto é, «disputado» ou «contradito». A
palavra era usada pelos primeiros autores cristãos para denotar livros do Novo Testamento,
ou relacionados ao mesmo, que, embora geralmente conhecidos entre os cristãos, algumas
vezes usados em leituras nas igrejas, não eram realmente aceitos como dignos de fazer parte
do cânon. Esses livros eram chamados disputados em contraste com os homologoumena, ou
Cartas Universais e Hebreus

livros universalmente homologados ou aceitos. Os antilegomena são: II Pedro, T’iago, Judas,


II e III João, Hebreus e Apocalipse. Livros que finalmente não foram incluídos no cânon do
Novo Testamento, embora tivessem larga aceitação por algum tempo, foram Barnabé, o
Evangelho aos Hebreus, e a Didache. Aparentemente, Orígenes foi o primeiro a usar o termo
«antilegomena», e os titulas dados acima identificam os mesmos. Ele considerava como Es-
crituras Sagradas um certo número desses livros. Eusébio (até 340 D.C.), de Cesaréia, proveu
uma tripla, ou talvez uma quádrupla relação de livros: 1. Os homologoumena, os livros univer-
salmente aceitos em sua época. 2. Os antilegomena, aqueles que continuavam sendo disputa-
dos, conforme mostramos acima, com diferenças. 3. Os notha, ou espúrios. Sob esse último
título, ele alistava os Atos de Paulo, o Pastor de Hermas, o Apocalipse de Pedro, o evangelho
aos Hebreus, a epístola de Barnabé, e a Didache. Nesse grupo ele também incluía o nosso
livro canônico Apocalipse de João; embora comentasse que alguns não concordavam com a
26 ˃˃˃

guns dos pais da igreja e que, por isso, ainda não haviam sido reconheci-
dos de forma universal por volta do século IV;
Apócrifos: Livros que tiveram uma “canonicidade temporal e
local”, ou seja, haviam sido aceitos por um número limitado de cristãos,
durante um tempo limitado, mas nunca receberam um reconhecimento
amplo ou permanente.

No que diz respeito a Hebreus, foi basicamente a anonimidade do


autor que levantou dúvidas nos séculos iniciais. O fato de os “montanistas
heréticos terem recorrido a Hebreus em apoio a algumas de suas concep-
ções errôneas” contribuiu para a demora na aceitação nos círculos ortodo-
xos. Por volta do século IV, sob a influência de Jerônimo e de Agostinho, o
texto de Hebreus recebeu seu lugar definitivo dentro do cânon (GEISLER,
2003, p. 115).
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• Propósito

Registre-se que qualquer consideração quanto ao propósito de


Hebreus deve estar intimamente relacionada ao entendimento que se tem
de quem eram os destinatários. Carson (1997, p. 445) afirma que “não se
pode examinar o propósito sem pressupor algumas coisas a respeito dos
destinatários e vice-versa”. Este requisito foi abordado anteriormente. To-
dos os estudiosos concordam que o livro é escrito para cristãos. Percebe-se
ainda que, independentemente de onde viviam os destinatários, eles eram
bastante conhecidos pelo autor de Hebreus. Ele os descreve como genero-
sos (6. 10), porém imaturos (5. 11-14). O escritor estava bem inteirado da
sua opinião. 4. Os livros totalmente espúrios e ímpios, que supostamente eram obras dos após-
tolos, mas não o eram, como o evangelho de Pedro, Tomé, Matias, os Atos de André, de João e
de outros apóstolos. Esses livros ele considerava criações dos hereges. (Ver Eusébio, História
Eclesiástica, III.25). In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.
1. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 190.
˂˂˂ 27

perseguição que sofriam (10. 32-24; 12. 4) e planejava visitá-los depressa


(13. 19-23) (DOCKERY, 2001, p. 798).
O propósito do escritor era, pois, instar seus leitores a que se man-
tivessem firmes em sua confissão (3. 6, 14; 4. 14; 10. 23). O texto ainda traz
repreensão aos leitores que não se reuniam o bastante (10. 24-25) e adverte-
-os de que estavam em perigo de cair no pecado (3. 12-14). Muitos afirmam
que seus leitores pudessem ser um grupo de judeus cristãos à parte do
grupo principal dos cristãos na região. Alguns começavam a considerar o
retorno ao judaísmo como uma forma de escapar das perseguições e, dessa
forma, o autor escreve para adverti-los contra tal apostasia7 (6. 4-9; 10. 26-
31) e, conclui Dockery (2001, p. 798), “para ajudá-los a voltar ao centro da
comunidade cristã”.
Nota-se que o autor cita o Antigo Testamento grego como uma
pessoa que pressupõe o mesmo conhecimento de seus leitores e que, além
disso, estes últimos reconheciam a autoridade dessas Escrituras. Carson
(1997, p. 447) aponta para o fato de que mesmo que fossem tentados a
modificar alguns aspectos de sua crença cristã e a voltar num certo grau
a seu compromisso inicial com o judaísmo, não abalariam a sua confiança
naquilo que hoje se conhece como Antigo Testamento. Se fossem tentados
a voltar ao paganismo, pagãos convertidos com certeza seriam tentados a
não mais se submeterem às Escrituras que haviam, de certa forma, contri-
buído para sua conversão.
A opinião de Davidson parece resumir bem o propósito de He-
Cartas Universais e Hebreus

breus:

7 Apostasia: Deserção, rebelião. O termo clássico grego apostasia traz à mente um


contexto político ou militar e refere-se à rebelião contra a autoridade estabelecida. Na maio-
ria das versões em português a palavra apostasia (ARC 5; ARA 2; NVI 2) aparece como uma
referência à rebelião contra o Senhor. É uma ideia bem presente. No AT o maior pecado
nacional de Israel, é a idolatria, ou o abandono do culto ao Senhor (BÍBLIA, A.T. Êxodo 20.
3; Deuteronômio 6. 5,14; 29. 14-28). Para maiores detalhes veja DOCKERY, D. S. Manual Bí-
blico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 800.
28 ˃˃˃

O propósito do escritor, por conseguinte, era tornar seus


leitores plenamente cônscios, primeiramente, da admirável
revelação e salvação dada por Deus aos homens, na pessoa
de Cristo; em segundo lugar, deixá-los plenamente cônscios
do verdadeiro caráter celestial e eterno das bênçãos assim
livremente oferecidas e apropriadas pela fé; e em terceiro
lugar, para dar-lhes plena consciência do lugar de sofri-
mento e paciente persistência (mediante a fé) no presente
caminho terreno até o alvo do propósito de Deus, conforme
demonstrado na experiência e na obra do Capitão de nossa
salvação e na disciplina de Deus aplicada a todos os Seus fi-
lhos. Em quarto lugar, ainda, para proporcionar-lhes consciên-
cia do terrível julgamento que certamente sobrevirá a qualquer
que, conhecendo tudo isso, rejeitar tal revelação em Cristo.
Tendo-se esforçado para torná-los cônscios de tudo isso, o
propósito complementar do escritor é impeli-los a agir de
conformidade com esse conhecimento. Tais propósitos são
apresentados através da epístola inteira mediante o emprego
de exposição racional, exortação desafiadora e solene ad-
vertência (DAVIDSON, 1997, p. 1347).

Veja que em quatro afirmações o propósito de Hebreus pode ser


bem resumido e, nisso, Davidson, talvez seja bem sucinto sem, contudo,
deixar de lado algum foco de maior relevância.
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• Esboço

É preciso continuar e, para tanto, é bom esboçar Hebreus de forma


a colocar diante do(da) estudante uma visão panorâmica de toda a obra.
Diversos esboços podem ser sugeridos. O que segue adiante leva em conta
o conteúdo:


DIVISÃO CONFORME O CONTEÚDO
1. 1 – 2: Fórmula Introdutória
1. 4 – 13: Superioridade de Jesus como Filho de
Deus
1. 4 – 2. 18: em relação aos anjos
3. 1 – 4. 13: em relação a Moisés
4. 14 – 7. 28: Superioridade do sacerdócio
de Jesus
8. 1 – 10. 18: Superioridade do sacrifício de
˂˂˂ 29

Jesus e seu ministério no tabernaculo celeste, inaugu-


rando uma nova aliança8
10. 19 – 12. 29: Fé e paciência: utilidade da obra
sacerdotal de Jesus
10. 19 – 39: Exortação a tirar proveito do
sacrifício de Jesus
11. 1 – 40: Exemplos de fé do AT
12. 1 – 13: Exemplo do sofrimento de Jesus e da
disciplina do Senhor
12. 14 – 29: Advertência contra a desobe-
diência por meio de exemplos do AT
13. 1 – 19: Injunção sobre a ação
13. 20 – 25: Conclusão: bênção e sauda-
ções
(BROWN, 2004, p. 893).

Diante de um esboço como este, já é possível perceber que a cen-


tralidade de Hebreus tem seu foco em Jesus Cristo e sua superioridade.
Aqui, entenda-se superioridade em relação a tudo o que a religião judaica
havia revelado até então. Boa parte da contribuição canônica singular a
Hebreus, na opinião de Carson (1997, p. 450), encontra-se justamente nas
ênfases que distinguem este livro dos demais livros canônicos encontrados
no Novo Testamento. Essas ênfases atraem a atenção de estudiosos. He-
breus traz um considerável enriquecimento para a Cristologia, em especial
no que diz respeito à obra sacerdotal de Jesus de Nazaré, sua condição de
sacrifício último e definitivo, a natureza e condição de filho de Deus e a
importância de sua encarnação.
8 A Antiga e a Nova Aliança. Por definição, uma aliança é um acordo entre duas
partes, iguais ou não, um relacionamento onde os dois se comprometem mutuamente, de
modo condicional ou incondicional. Teologicamente, o termo foi usado para descrever o re-
lacionamento iniciado por Deus através da sua graça entre ele mesmo e a humanidade, entre
ele mesmo e aqueles que desejavam se submeter a essa aliança através de um compromisso
pessoal de fé. Isso de reflete na frase do Antigo Testamento “Eu serei o seu Deus e eles serão
o meu povo”. Uma aliança era estabelecida através de um sacrifício. Por isso a expressão
Cartas Universais e Hebreus

hebraica que descreve o ato de firmar uma aliança é “cortar uma aliança (Gn 15. 7-21). Da
perspectiva de Deus, sua aliança é incondicional e unilateral no seu estabelecimento, mas da
perspectiva da humanidade, ela é condicional e bilateral. A palavra aliança no Novo Testa-
mento é diatheke e funciona como o equivalente de berit no Antigo Testamento. A frase “nova
aliança” é encontrada seis vezes no Novo Testamento: 1 Coríntios 11. 15; 2 Coríntios 3. 6; He-
breus 8. 8; 9. 15; 12. 24. A nova aliança é o cumprimento da antiga aliança quanto à morte de
Jesus e o estabelecimento da era cristã. É superior à antiga de acordo com Hebreus 7. 20-22; 8.
6 e a substitui de acordo com Hebreus 8. 13; 10. 9. [...] A antiga aliança vigorou sob promessas
inferiores, perdeu sua finalidade e sua eficiência por não ter em si o poder necessário para
perpetuar suas condições. Em contraste, a nova aliança é incondicional, definitiva e espiritu-
almente eficaz. In DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001,
p. 802.
30 ˃˃˃

SAIBA MAIS

CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,


1997.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

GEISLER, N. L.; NIX, W. E. Introdução Bíblica. São Paulo: Vida, 2003.

MILLER, S. M.; HUBER, R. V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o


impacto da Bíblia. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.

EXERCÍCIOS

1. O que, e quais são os documentos canônicos antilegomena?

______________________________________________________________
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______________________________________________________________

______________________________________________________________
______________________________________________________________

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2. Assinale as alternativas corretas:

I – Quem foi o escritor da epístola aos Hebreus?


a (.....) Paulo.
b (.....) Barnabé.
c (.....) Apolo.
d (.....) Não se sabe ao certo quem é o escritor.

II – Qual o propósito do autor ao escrever Hebreus?


˂˂˂ 31

a (.....) Tornar seus leitores cônscios da revelação e salvação dada por Deus
aos homens, na pessoa de Cristo.
b (.....) Deixá-los conscientes do verdadeiro caráter celestial e eterno das
bênçãos oferecidas e apropriadas pela fé.
c (.....) Mostrar-lhes o lugar do sofrimento e da paciente persistência.
d (.....) Evidenciar o terrível julgamento que sobrevirá àqueles que rejeita-
rem tal revelação em Cristo.

III – O esboço de Hebreus mostra de forma panorâmica:


a (.....) A superioridade de Jesus Cristo em relação a qualquer aliança.
b (.....) Os exemplos de fé do AT e o sofrimento de Jesus Cristo.
c (.....) Cristo é eternamente supremo a tudo e a todos.
d (.....) Todas as alternativas estão corretas.

SEÇÃO 3 – CONTEÚDO E MENSAGEM

O conteúdo de Hebreus só pode ser devidamente apreciado em


relação a seu propósito. O escritor considera as Escrituras Sagradas que
chamamos de Antigo Testamento como plenas de figuras e antecipações
sobre as autênticas realidades do propósito de Deus em Cristo Jesus. É
assim que ele as usa continuamente para fundamentar seu tema a fim de
ilustrá-lo, desenvolvê-lo e ainda conceder-lhe uma base solidamente re-
Cartas Universais e Hebreus

vestida de autoridade divina (DAVIDSON, 1997, p. 1348).

• Conteúdo

O tema geral do texto parece nunca ter sido motivo de debates:


32 ˃˃˃

a supremacia incontestável do Filho de Deus, Jesus Cristo. Supremacia


esta que não é questionada, nem por seres angelicais nem por seres hu-
manos. O autor apresenta uma série de correlações da “Nova Aliança”
com a “Antiga Aliança”, sempre procurando demonstrar que Jesus Cristo
é “superior” à aliança que o precedeu. Dessa forma, o autor afirma que o
sacerdócio de Cristo é “melhor” do que o Levítico, o sacrifício oferecido
por ele é “melhor” que aqueles recomendados na lei mosaica. Na verdade,
até mesmo o propósito da revelação antecedente foi uma forma de apontar
para Cristo e para todas as bênçãos dele provenientes. Esse tema da supre-
macia de Jesus não é, de forma alguma, um artigo abstrato; Carson (1997,
p. 434) salienta que o propósito é “repetidas vezes revelado pelos trechos
parenéticos9 (2. 14; 3. 7–4. 11; 4. 14–16; 5. 11 – 6. 12; 10. 19–39; 12. 1 – 13.
17)”. Estas parêneses advertem os destinatários a não se voltarem para
as formas de piedade outrora conhecidas, correndo o risco de abandonar
a fé cristã. Propõem-se então como palavras chave para Hebreus: Antiga
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Aliança, Nova Aliança, superior e melhor.


Fica patente desde o início que Hebreus abre diante de seus leito-
res a “glória da nova aliança em contraposição à antiga, e resume a magni-
tude do sacrifício de Jesus que sobrepuja a tudo, em contraposição a todos
os sacrifícios do AT”, por intermédio da fórmula “quanto mais” (9. 14).
De uma maneira muito peculiar o texto enfatiza o caráter único da ação
redentora de Jesus Cristo. O autor desenvolve essa “glória extraordinária
da revelação de Deus na nova aliança por meio de três grandes ideias”. A
primeira seção da carta (1. 1 – 5. 10), conforme esboçado anteriormente,
apresenta a majestade da pessoa de Jesus, o Filho de Deus. Ele é superior
9 O material parenético é de origem judeu e helenístico. Com efeito, o cristianismo
nascente teve necessidade de enraizar-se no cotidiano concreto e isso suscitou não poucos
problemas para os missionários do Evangelho, pois, para a maioria das situações não ha-
via “um preceito do Senhor” (BÍBLIA, N.T. 1 Coríntios 7. 25). A comunidade assumia os
costumes então vigentes e a eles imprimia um espírito cristão. O material parenético inclui
os catálogos de vícios e de virtudes, a moral familiar e também os catálogos de deveres,
normalmente relacionados à moral. Prediz diretrizes para a boa conduta no cotidiano do dis-
cípulo de Cristo. Para maiores detalhes veja em SILVA, C. M. D. da. Metodologia de exegese
bíblica. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 185 – 229 “Gêneros Literários”.
˂˂˂ 33

aos poderes celestiais, aos mundos angelicais e, de igual modo, aos gran-
des personagens do passado hebraico: Moisés, Josué e Arão. Na segunda
seção (7. 1 – 10. 18) o autor coloca a obra de Jesus ao lado desse pensamen-
to e apresenta Jesus como o Sumo Sacerdote eterno e misericordioso. Na
última seção (11. 1 – 12. 29) vem à tona a realidade de que o encontro vivo
com a pessoa de Cristo e a experiência pessoal de sua obra de salvação
devem tornar-se “eficazes na vida das pessoas, a saber, na fé e na santifica-
ção” (LAUBACH, 2000, p. 27).
Portanto, claro está que as reflexões teológicas não são um fim em
si mesmas. Ao contrário, elas apontam para alguns breves trechos em que
o escritor chama a atenção dos fiéis que experimentaram Cristo em suas
vidas, para o imenso alcance de sua responsabilidade. O alvo prático da
carta, assevera Laubach (2000, p. 27) “são as exortações, que sucedem a
cada uma das seções principais”. Dando sequência à segunda seção, onde
já expusera a superioridade do sumo sacerdócio de Jesus com relação ao
santuário, o sacerdócio e os sacrifícios só Antigo Testamento, notadamente
em Levíticos, ele adverte-os novamente para o pecado proposital e exorta
os leitores a perseverarem firmemente na tribulação (10. 19-39). Finalmen-
te cabe ressaltar que o texto acrescenta à terceira seção, na qual tratara da
fé e da santificação (11. 12), exortações práticas sobre seguir a Jesus Cristo
com fé (13). Outrossim, a estrutura da carta proposta no esboço traçado
anteriormente revela que a descrição do sumo sacerdócio eterno de Jesus
(7. 1 – 10. 18) constitui a peça central da obra.
Cartas Universais e Hebreus

Em sua exposição o autor mostra que a posição de Mediador ocu-


pada pelo Sumo Sacerdote não é apenas importante. Muito antes a oração
de intercessão do Sumo Sacerdote eterno perante Deus em favor de sua
igreja (7. 25), significa para ele que o auxílio decisivo no sofrimento, bem
como o penhor de que os leitores alcançarão o alvo da glória (LAUBACH,
2000, p. 27).
34 ˃˃˃

Diante disso, o esboço proposto por Dockery marca bem as ênfa-


ses no tema da superioridade:

I. A superioridade de Cristo sobre os profetas do An


tigo Testamento (1. 1-3)
II. A superioridade de Cristo sobre os anjos
(1. 4 – 2. 18)
III. A superioridade de Cristo sobre Moisés (3. 1-19)
IV. A superioridade de Cristo sobre Josué (4. 1-13)
V. A superioridade de Cristo sobre Arão
(4. 14-10. 18)
VI. A prática da perseverança espiritual
(10. 19 – 12. 29)
VII. Últimas exortações (13. 1-1-25)
(DOCKERY, 2000, p. 798).

Agora que a ênfase está bastante clara diante do estudante, pode-


-se partir para alguns temas de relevância encontrados em Hebreus.

• Exórdio – A Palavra Final de Deus por Meio de Jesus


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O exórdio vai aqui inserido para demonstrar que desde o início


de seu texto, o autor de Hebreus destaca o caráter superior e peremptório
da revelação divina manifestada em Jesus Cristo, o Filho de Deus. O ver-
sículo 4 serve de transição para abrir o caminho para o primeiro e longo
argumento em favor da superioridade de Jesus: “ele é superior aos seres
angélicos (1. 5 – 14)” (CARSON, 1997, p. 435).

• A Superioridade de Jesus em Relação aos Anjos, Moisés e


Josué

O trecho inicial (1. 4 – 4. 13) já apresenta uma cristologia extrema-


mente desenvolvida. Essa cristologia é aplicada à superioridade do Filho
˂˂˂ 35

em relação aos anjos e a Moisés. Para desenvolver a argumentação da su-


perioridade em relação aos anjos (1. 4 – 2. 18) o autor insere uma cadeia
ou série de sete citações do Antigo Testamento em 1. 5-14, que tem sua
correspondência às designações do Filho na descrição introdutória de 1.
1-3. A posição “sobreangélica” de Jesus Cristo como o Filho de Deus é,
sem dúvida alguma, sublime exaltação, se puder lembrar de que, no pen-
samento judaico, anjos eram “filhos de Deus”.
Gundry (1998, p. 248) ressalta também a ênfase dada pelo autor de
Hebreus, em que Cristo é superior aos anjos, a quem os seus contemporâ-
neos judeus reputavam como mediadores da legislação mosaica, no Monte
Sinai (BÍBLIA, NT Atos 7. 53; Galátas 3. 19); porque Cristo é o Filho divino
e criador eterno, mas os anjos são apenas servos e seres criados (1. 3 – 2.
18). Ressalta-se ainda que o fato de Ele ter se tornado menor que os anjos,
mediante a encarnação e a morte, esta foi uma ocorrência meramente tem-
porária. Era necessário que Ele se tivesse tornado um ser humano. Somen-
te dessa maneira ele estaria qualificado como aquele que, por Sua morte,
“pudesse elevar o homem decaído àquela dignidade que originalmente
lhe fora propiciada por Deus, quando da criação. Por causa de Seu ato
expiatório, Cristo foi revestido de imensa honra”. De acordo com Brown
(2004, p. 892, 893) nos Manuscritos do Mar Morto, dois anjos, “que eram
respectivamente os espíritos da verdade e da falsidade, dominavam toda a
humanidade; os anjos eram os mediadores da Lei”.
Muito significativo é o trecho de 1. 8-9, onde, mencionando o Sal-
Cartas Universais e Hebreus

mo 45. 7-8, o autor faz Deus endereçar a Jesus palavras que jamais dirigiu
a um anjo: “O teu trono, ó Deus, é para os séculos dos séculos […], por
isso, ó Deus, te ungiu o teu Deus com o óleo da alegria”. Este consiste,
portanto, em um dos trechos do Novo Testamento em que Jesus Cristo é
chamado Deus. Parece que naquele tempo havia um perigo, entre alguns,
de considerar os anjos superiores a Jesus, contudo é preciso cautela quanto
36 ˃˃˃

a esse pressuposto entre o público destinatário primeiro de Hebreus. Com


a intenção de confirmar a posição de Cristo, para o escritor “a superiorida-
de em relação aos anjos pode ter parecido um esclarecimento” (BROWN,
2004, p. 893).
Na opinião de Laubach (2000, p. 41, 42) o escritor apresenta os
anjos como servos que Deus criou para ministrarem aos fiéis (1. 14). En-
quanto em 1. 5, 6 o escritor destaca as características da dignidade – o Filho
é o Primogênito, os anjos são entes que o adoram – em 1. 7-12 ele ressalta
as insígnias de serviço, ou seja, os anjos são servos de Deus (v.14), o Filho
é o Rei e Criador do mundo, ele criou e também governa. As passagens
do Antigo Testamento são referidas diretamente à pessoa e obra de Jesus
Cristo. Jesus é o Filho (v.5), ele é Deus (v.8), e ainda, ele é o Senhor (v.10);
ele serve como Profeta (v.2), como Sacerdote (v.3) e como Rei (v.8, 9). Em
fim, é superior aos anjos. Perceba a densidade do texto. Se alguém preten-
de aprofundar-se em cada uma dessas afirmações está claro que se faz
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necessário um estudo particular.


Carson (1997, p. 435) demonstra que a esses argumentos segue a
primeira seção em forma de advertência: se essa revelação é superior, é,
pois, de vital importância que os leitores não se afastem do evangelho que
a superioridade de Cristo traz, notadamente quando se tem em mente a
condenação terrível que caiu sobre quem desconsiderou a revelação da
Antiga e inferior Aliança (2. 1-4). Eis aí então a admoestação: o autor insta
para que os leitores originais da epístola não declinassem da sua profissão
cristã.
Em 2. 5-18 Hebreus traz a verdade histórica da encarnação, hu-
milhação e exaltação do Filho de Deus. Ao enfatizar que “Todas as coisas
sujeitaste debaixo dos seus pés” o escritor fundamenta-se nos Salmos 8. 7
e 110. 1, que estão estreitamente interligados (BÍBLIA, NT 1Coríntios 15.
25-27; Efésios 1. 20-22). Por consequência não há quem possa esquivar-se
˂˂˂ 37

da autoridade de Jesus, o Rei celestial. Cristo detém “poder sobre toda a


carne” (BÍBLIA, NT João 17. 2). Contudo, agora sua soberania universal
ainda não está visível. Laubach (2000, p. 55) menciona que o “ainda não”
(v.8) aponta para o futuro e tem paralelos no Novo Testamento (BÍBLIA,
NT Marcos 13. 7; 1 João 3. 2; Apocalipse 17. 10, 12). Essa expressão “ainda
não” evidencia a tão conhecida tensão entre o cristianismo presente e o
futuro. O caminho da Igreja, enquanto Corpo de Cristo, situa-se entre a hu-
milhação e a exaltação de Jesus, já realizadas, e a irrupção iminente de seu
domínio mundial, ainda não abertamente manifesto. Dessa forma, a vida
dos fiéis com Cristo realiza-se, do ponto de vista humano, no abscôndito.
A comunhão do discípulo com o Mestre será tornada evidente perante
todo o mundo somente no momento de sua volta (BÍBLIA, NT Colossen-
ses 3. 1-4). É assim que, “antes da chegada das dificuldades, da aflição e
da perseguição de fora, bem como das tribulações de dentro” o escritor
busca inculcar em seus leitores a verdade de que também Cristo passou
pelo sofrimento até a glória (2. 9). Para seus seguidores existe somente esta
mesma trajetória.
Na posição de divino Filho sobre a casa de Deus, Jesus Cristo é su-
perior a Moisés, um servo na casa de Deus (3. 1-6). A exortação, pois, visa a
evitar incorrer no juízo de Deus, como resultado da incredulidade. A gera-
ção de israelitas que saiu do Egito sob a liderança de Moisés, mas morreu
no deserto por causa da indignação divina contra a rebelião deles serve
como uma terrível ilustração e ainda um severo exemplo de advertência
Cartas Universais e Hebreus

(3. 7-19). Isto é exposto mediante a citação de Salmos 95. 7-11 (Hebreus 3.
7-11) e também da relação entre o descanso a que os leitores do Salmo são
convidados, qual seja, o descanso intrínseco à entrada na terra da Canaã e
até mesmo o descanso que Deus desfruta desde a época em que concluiu
sua obra criadora inicial (3. 7 – 4. 11) (CARSON, 1997, p. 435).
O autor enfatiza que Cristo é melhor do que Josué. Embora Josué
38 ˃˃˃

tenha feito Israel entrar na terra de Canaã, Cristo conduzirá aos fiéis ao lu-
gar de repouso eterno, nos céus, onde Deus descansa de Sua obra criativa
(4. 1 – 10). Ele ressalta que Josué não conseguiu fazer Israel entrar nesse
repouso celestial; Para tanto ele menciona que muito tempo depois de Jo-
sué ter vivido e morrido, Davi falou do lugar de repouso de Israel como
lugar ainda não atingido (BÍBLIA, AT Salmo 95. 7 – 8). A comparação entre
Jesus e Josué é bem mais impressionante no Novo Testamento grego, pois
o apelativo hebraico “Josué” assume a forma “Jesus”, no grego (GUNDRY,
1998, p. 249). Vale lembrar que o texto grego desconhece a distinção entre
o nome próprio Josué, do Antigo Testamento, e o nome próprio Jesus, do
Novo Testamento.
Dando prosseguimento a sua argumentação, o autor exorta os
seus leitores a entrarem no descanso celestial, mediante sua fidelidade à
sua profissão da fé cristã (4. 11-16). Ao enfatizar a total suficiência da obra
expiatória de Jesus elimina qualquer implicação de que a continuação das
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boas obras, na vida do crente, merece a salvação. Entretanto, as boas obras


e o desviar-se da apostasia são coisas necessárias para demonstração da
genuinidade da profissão de fé cristã. O versículo 12 “contém a famosa
comparação da Palavra de Deus com uma espada de dois gumes, que pe-
netra e desnuda o ser mais interior do homem”. É assim que os discípulos
de Cristo devem “provar que sua externa profissão de fé se origina de uma
realidade interna” (GUNDRY, 1998, p. 249).

SAIBA MAIS

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

GUNDRY, ROBERT H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida


Nova, 1998.
˂˂˂ 39

LAUBACH, F. Carta aos Hebreus: comentário esperança. Curitiba: Espe-


rança, 2000.

EXERCÍCIOS

1. Coloque em rápidas palavras o conteúdo geral de Hebreus:

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – .Quais podem ser as Palavras-chaves de Hebreus?


a (.....) Antiga Aliança, Nova Aliança, Lei mosaica e graça.
b (.....) Antiga Aliança, Nova Aliança, sacerdócio Levítico e de Cristo.
c (.....) Antiga Aliança, Nova Aliança, superior e melhor.
d (.....) Antiga Aliança, Nova Aliança, superior e maior.

II – Nesta primeira análise o texto ressalta que Jesus é superior:


a (.....) Aos anjos.
b (.....) A Moisés.
c (.....) A Josué.
Cartas Universais e Hebreus

d (.....) Todas as alternativas estão corretas.

III – Por que a leitura do texto grego deixa o texto mais impressionante?
a (.....) O nome hebraico “Josué” assume a forma “Jesus”, no grego.
b (.....) Podemos ter uma visão mais correta da intenção do autor.
c (.....) Ele ressalta que na realidade, Josué e Jesus possuem o mesmo nome.
40 ˃˃˃

d (.....) As alternativas “a” e “c” estão corretas.

SEÇÃO 4 – TEMAS CENTRAIS

Dando continuidade à análise dos temas encontrados em He-


breus, passamos agora a perceber que o longo trecho que vai de 4. 14 a 7.
28 trata da superioridade do sacerdócio de Jesus e segue em 8. 1 – 10. 18
argumentando a respeito da superioridade do sacrifício de Jesus e de seu
ministério no tabernáculo celeste, inaugurando uma nova aliança. Após
estes longos trechos, o conteúdo e tema passam para uma abordagem da
fé e da paciência como fruto da obra sacerdotal de Jesus. Para tanto o autor
discorre também sobre diversos exemplos ou modelos de fé fazendo uso,
mais uma vez, das Escrituras do Antigo Testamento. Aborda o sofrimento
de Cristo e a disciplina do Senhor, advertindo seus leitores contra a deso-
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bediência por meio de exemplos do Antigo Testamento. A partir de 13. 1,


finalmente, o escritor traz injunções sobre a ação e conclui com benção e
saudações, desta feita, em gênero literário epistolar. Vejam então, de forma
resumida, os diversos temas encontrados a partir de Hebreus 4. 14.

• A Superioridade do Sacerdócio de Jesus sobre Arão

Em 2. 17 o autor de Hebreus chamou Jesus de sumo sacerdote.


Agora ele desenvolve este conceito, provando a superioridade de Jesus
sobre os sacerdotes do Antigo Testamento (BOYD R. G. 2005, p. 68). A par-
tir deste, ponto no verso inaugural (4. 14), é declarado o tema dominante:
“Tendo, pois” – essas palavras são enfáticas – “um grande sumo sacerdo-
te”, ou seja, sumo sacerdote eminente; alguém que tem sua grandeza na
˂˂˂ 41

sua natureza essencial: Ele é verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Brown


(2004, p. 895) chama a atenção para o fato de que:

Embora Hebreus e João partilhem a noção de uma encarna-


ção, não encontramos em João uma descrição da realidade
da humanidade de Jesus comparada à apresentada por essa
seção de Hebreus. Sumo sacerdote que é capaz de com-
padecer-se de nossa fraqueza, Jesus foi provado em tudo,
como nós, exceto no pecado (Hb 4,15). Tal qual o sumo sac-
erdote israelita, Cristo não se exaltou, mas foi escolhido por
Deus, um aspecto ilustrado pelos salmos de coroação real
(Hb 5:1-6). Descrevendo os sofrimentos de Jesus nos dias
de sua carne, quando apresentou orações e súplicas àquele
que tinha o poder de salvá-lo da morte (Hb 5,7-9), o escritor
afirma que Jesus aprendeu a obediência, não obstante fosse o
Filho […] Quando ele foi levado à perfeição, transformou-se
em fonte de eterna salvação pata todos os que lhe obedecem
[…] (BROWN, 2004, p. 895).

Cristo é, pois, superior a Arão e seus sucessores no ofício sumo


sacerdotal (5. 1 – 12. 29). O autor da epístola aos Hebreus primeiramente
destaca dois pontos semelhantes entre os sacerdotes levíticos e Jesus Cris-
to:
À semelhança de Arão, Cristo foi divinamente nomeado ao sumo
sacerdócio;
Ao compartilhar da experiência humana, Cristo adquiriu pelo ser
humano uma simpatia pelo menos, isto é, no mínimo igual à de Arão (5.
1 – 10). O maior exemplo desses sentimentos de Jesus é que Ele instin-
tivamente procurou até furtar-se da morte, quando orava no jardim do
Cartas Universais e Hebreus

Getsêmani – embora jamais do terror da morte, como se fosse culpado,


e, obviamente, também não houve a recusa de aceitar a cruz (GUNDRY,
1998, p. 249).
Veja que assim como o sumo sacerdote tinha de atravessar o san-
tuário terreno, a fim de prestar serviço no lugar santíssimo – ou santos
dos santos – assim também Jesus “penetrou nos céus” (4. 14) para chegar
42 ˃˃˃

à presença de Deus. A fraqueza do ser humano designa sua caducidade


tanto no aspecto do corpo como na fé (4. 15). Uma vez que Jesus Cristo, o
Filho de Deus, abriu o caminho até Deus, também se deve trilhá-lo agora.
Portanto, o fato de ter um sacerdote junto a Deus que intercede, também
dá o direito de chegar em oração a Deus com alegre confiança.
Em seguida, o autor traz ao centro a ordem de Deus para o sumo
sacerdócio na terra (5. 1). Com as palavras “dentre os humanos... a favor
dos seres humanos” (ex anthrőpon... hypér anthrőpon - evx avnqrw,pwn ...
u`pe.r avnqrw,pwn) os leitores são confrontados pelo privilégio e limita-
ção, incumbência e responsabilidade do sumo sacerdócio terreno em Isra-
el. Para oferecer apropriadamente sacrifícios por outras pessoas, o sumo
sacerdote precisava “condoer-se dos ignorantes e dos que erram”. É um
“sentir com os” (metriopatheín – metriopaqei/n) (5. 2). Este vocábulo consta
somente aqui no Novo Testamento e ressalta que o sumo sacerdote terreno
era repetidamente exortado por sua própria culpa e fraqueza, a ser come-
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dido em sua indignação e ira pelas incessantes transgressões do povo de


Deus. Aí está a diferença essencial entre a mentalidade do sumo sacerdo-
te Arão e a mentalidade do Sumo Sacerdote celestial Cristo. A expressão
“sentir com” remete de volta à expressão usada em 4. 15 para Cristo: é o
compadecer-se (sympathēsai – sumpaqh/sai)10 , literalmente simpatizar-se.
Durante sua vida terrena Jesus conheceu a dimensão absoluta da suscep-
tibilidade humana à tentação e à culpa, embora tenha permanecido sem
pecado e sem falhas. É aí que se encontra o fundamento de sua profunda
e cordial misericórdia pelos seres humanos, que mesmo os já salvos, con-
tinuam suscetíveis à tentação e vulneráveis para o pecado (LAUBACH,
2000, p. 87).
No trecho que vai de 5. 11 a 6. 20 encontram-se dois temas de pro-

10 Ressalta-se que esta “simpatia”, ou “ter compaixão” não é uma comiseração com-
preensiva que tolera tudo... mas um ‘sentir com’, o qual resulta da familiaridade total com a
seriedade da situação e também tem condições de incluir a culpa que para nós mesmos está
oculta. W. Michaelis, Ki-ThW, vol. v, p. 935 – 936. Apud Laubach (2000, p. 87).
˂˂˂ 43

funda relevância. A crítica contra a imaturidade espiritual (5. 11-14) e a im-


possibilidade de renovar o arrependimento; sendo o último tema bastante
controvertido.
Quanto à imaturidade espiritual, o autor de Hebreus retorna à
exortação, desta feita repreendendo a imaturidade de seus primeiros lei-
tores, que, segundo ele escreve, precisam beber leite, mostrando-se inca-
pazes de absorver alimento sólido (BROWN, 2004, p. 895). É evidente que
todo crescimento necessita de tempo, tanto na vida espiritual quanto na
física. Dessa forma, embora a crítica do escritor seja inegável, ela também
contém, ao mesmo tempo, uma indicação da maravilhosa possibilidade
divinamente concedida aos cristãos; existe, na acepção mais correta, um
“exercitar-se na vida espiritual”, são os bons hábitos que não deveriam
faltar nas vidas dos filhos de Deus. Na concepção de Brown a “enumera-
ção de seis pontos da doutrina elementar em Hebreus 6. 1-2 é um pouco
vexatória para os cristãos de hoje”.
No trecho de 6. 1 – 8 alguns afirmam que aí se encontra o ensino
de que um verdadeiro cristão pode perder sua salvação. Este é um tema
controvertido. Que apostasia é uma preocupação do autor fica evidente
em 6. 4 – 8 (da mesma forma que em Hebreus 10. 26 – 31), quando ele de-
clara que não existe arrependimento depois da iluminação. Dockery (2001,
p. 802) lembra que essa passagem estaria então em contradição com outras
passagens do Novo Testamento como João 10. 27 – 29, Romanos 11. 29 e Fi-
lipenses 1. 6. Há também aqueles que veem a advertência como hipotética
Cartas Universais e Hebreus

e não real.
É importante que se estude essa passagem à luz de seu paralelo
mesmo em Hebreus 10. 26 – 32, que torna a interpretação pouco provável.
O texto se dirige a pessoas “que uma vez foram iluminadas”. Trata-se,
portanto, de um acontecimento de fé caracterizado como único. Em 10. 32
encontra-se: “Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois de
44 ˃˃˃

iluminados (photisthénias – fwtisqe,ntaj). Em ambas as passagens o verbo


está no aoristo passivo; isto indica que: a) o aoristo descreve uma ação in-
definida que normalmente ocorre no passado. Da mesma forma que o im-
perfeito é sempre contínuo, o aoristo é sempre indefinido. Ele informa ao
leitor que a ação aconteceu, mas nada mais a respeito da ação. Isso signifi-
ca que na tradução pode ser empregado o português no pretérito perfeito:
“estudei”, e não “estudava”. Contudo, apesar de ser comum ouvir dizer
que os verbos no aoristo denotam uma ação completada, acabada, mas
nem sempre é essa a intenção do texto. Sempre devem ser evitados os ex-
tremos e, ao invés de fixar-se meramente no verbo, observar o contexto11;
b) o verbo está no passivo, indicando uma ação externa. Ou seja, os cristãos
não obtiveram a iluminação por si mesmos, mas “foram iluminados” por
uma ação exterior. Esta é a ação de Deus por meio do Espírito Santo, atra-
vés da fé em Cristo Jesus.
Laubach (2000, p. 99) salienta que se comparar com o texto em 2
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Coríntios 4. 6, onde o apóstolo Paulo descreve o mesmo acontecimento,


pode-se levar à conclusão de que a iluminação que acontece uma única
vez deve estar se referindo mesmo à fundação da fé, isto é, ao recebimento
do Espírito Santo na conversão e no renascimento. Veja que as palavras
subsequentes parecem depor em favor dessa leitura. A ênfase pode estar
na realidade de que o perigo da apostasia acompanha à trajetória do discí-
pulo como uma “possibilidade”. A apostasia não deve ser entendida como
um “pecado qualquer”, mas sim como uma ruptura completa da vida com
Jesus, o abandono da verdade divina experimentada. Portanto, uma pes-
soa que interrompeu radicalmente as pontes até Jesus Cristo jamais poderá
retornar a ele. Dessa forma a palavra do escritor faz eco às palavra do pró-
prio Jesus em Marcos 3. 29 “aquele que blasfemar contra o Espírito Santo
não tem perdão para sempre!” (LAUBACH, 2000, p. 101).

11 Para um estudo um tanto mais acurado a respeito do aoristo, veja MOUNCE, W. D.


Fundamentos do grego bíblico: livro de gramática. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 233 – 267.
˂˂˂ 45

Em 6. 9-20 se vê assim o incentivo e ânimo para que os discípulos


perseverem nas promessas de Deus. Brown (2004, p. 896) lembra que Deus
é fiel às promessas, e isso é a garantia para a eficácia da intercessão de
Jesus no interior do santuário celeste, como sumo sacerdote segundo a or-
dem de Melquisedeque, este é outro tema interessante. O que fica por aqui
é a certeza inabalável da salvação, bem como da confiança na redenção já
experimentada e eternamente válida. Jesus mesmo, em João 10. 28, declara
em vista das pessoas que o seguem com verdadeira obediência de fé: “Eu
lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da mi-
nha mão”. Em João 17. 24 ele afirma : “Pai, a minha vontade é que onde eu
estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha
glória que me conferiste [...]”. De acordo com Laubach, essas palavras ates-
tam o inabalável refúgio que o ser humano pode experimentar em meio ao
mundo pela fé em Cristo Jesus (LAUBACH, 2000, p. 109). Contudo, deve
ficar claro que não se trata de uma promessa sem premissas, Deus espera
que a pessoa se arrependa consciente de sua absoluta perdição.

• A Superioridade do Sacerdócio de Jesus sobre Melquisedeque

O autor de Hebreus resgata a história de Melquisedeque12 (BÍ-


BLIA, AT Gênesis 14. 17-20) para explicar a natureza do sacerdócio de
Cristo. O Salmo 110. 4 é a única passagem que faz referência ao misterioso
Cartas Universais e Hebreus

relato de Gênesis (DOCKERY, 2001, p. 802). A Bíblia não registra nem o


início nem o fim de sua vida. Mas, acima de qualquer especulação, o que
deve ficar patente aos olhos do estudante é que Melquisedeque13 é supe-
12 Pelos Manuscritos do Mar Morto – 11Q Melquisedec ficamos sabendo um pouco
mais a respeito do misticismo que envolvia Melquisedec como figura celeste. KOBELSKI, P.J.
Apud BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 896.
13 É sugerido que os conversos da comunidade do Mar Morto levaram algumas de
suas crenças para o cristianismo (Yigael Yadin, The Scrolls and the Epistle to the Hebrews
– Os Rolos e a Epístola aos Hebreus – p. 38). [...] Contudo, uma leitura cuidadosa de Hebreus
e do documento 11 Q Melq. Revela uma ampla discrepância de pensamento básico. Parece
46 ˃˃˃

rior ao patriarca Abraão, ao seu descendente Levi e aos sacerdotes de


Arão. Os levitas descendem de Arão; Melquisedeque é de origem celestial;
os levitas recebem dízimos de seus irmãos; Melquisedeque recebeu o dízi-
mo do ancestral; Também os levitas estão obrigados a entregar o dízimo a
Melquisedeque, pois seu ancestral Levi estava nos “quadris” do patriarca
Abraão quando este se encontrou com Melquisedeque; No final Melquise-
deque abençoou Abraão e, portanto, esta bênção não pode ser invertida.
O cumprimento da esperança do Antigo Testamento por uma nova ordem
sacerdotal inclui que alguém que pela lei de Moisés não tem nenhuma
promessa para isto pode vir a ser sacerdote. Não é mais Levi, mas Judá é a
Nova Aliança, a casa de onde procede o sacerdócio.
Portanto, afirma Laubach (2000, p. 130), o sumo sacerdócio de Je-
sus, bem como no sacerdócio da igreja, não estão fundamentados sobre
a lei do Antigo Testamento, mas, assim como Melquisedeque, sobre a ri-
queza interior da pessoa bendita do Senhor Jesus Cristo, sobre sua glória
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divina: “… não com base numa lei de determinações humanas, porém com
base e no poder de uma vida indissolúvel”. É assim que o estudante deve
ver sua vida pessoal nessas grandes correlações, que se ordenam todas sob
a mão de Deus num plano perfeito e, por isso mesmo, louvar e adorar a
Deus por tudo isto.

• A Superioridade do Ministério Sacrificial de Jesus e do Ta-


bernáculo Celeste, Inaugurando uma Nova Aliança

Em 8. 1 – 10. 18 se observa que a ideia de que Jesus é um sumo


que o autor de Hebreus não obteve esta informação sobre Melquisedeque na comunidade es-
sênica, mas no Antigo Testamento. O Melquisedeque [...] de Hebreus aparece como a figura
histórica na história de Israel, e não como uma figura angelical, conforme acreditado pelos
essênios. O conceito essênio de Messias, em sua relação com a linha real de Davi e o sacerdó-
cio araônico, não se iguala favoravelmente com o de Hebreus, embora sejam usados termos
semelhantes. Veja em HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos,
2001, p. 349.
˂˂˂ 47

sacerdote perante Deus leva a pensar num tabernáculo celeste. É esclare-


cedora a afirmação de Koester (2005, p. 292) de que na interpretação do
Antigo Testamento o escritor de Hebreus segue o método alegórico ale-
xandrino, conhecido por meio das obras de Fílon de Alexandria – Pau-
lo também conhecia este método como se lê em 1 Coríntios 10. 1-13, por
exemplo. Além da alegoria, Hebreus ainda tem com comum com Fílon
uma cosmovisão platônica, ou seja, a transitoriedade terrena é sombra e
cópia da realidade celeste. Nos textos do Antigo Testamento usados para
referir-se ao tabernáculo (BÍBLIA, AT Êxodo 25. 9-40; 26. 30, dentre outros)
o autor pôde inspirar-se em uma longa tradição de interpretação. Os corre-
latos mais próximos para suas declarações exegéticas, bem como para seu
método interpretativo, encontram-se nos escritos de Fílon de Alexandria.
Contudo, não é possível demonstrar alguma dependência direta de Fílon
(KOESTER, 2005, p. 293).
Os textos do Antigo Testamento mencionados narram como Deus
mostrou a Moisés o modelo celeste segundo o qual o tabernáculo terreno
deveria ser construído. Em Hebreus 8. 2-7, esse santuário anterior pode
estar influenciado mesmo pelo esquema platônico da realidade. Neste es-
quema Brown (2004, p. 897) menciona que o tabernáculo celeste, erigido
por Deus é verdadeiro, enquanto o tabernáculo terreno é uma cópia ou
uma sombra.
Ao usar o esquema platônico, afirmando que a Antiga Aliança
com seus sacrifícios do santuário não era senão uma sombra da realida-
Cartas Universais e Hebreus

de celestial, o escritor fornece em contraste a realidade de que o sacrifício


de Cristo, que estabeleceu a Nova Aliança, foi sua entrada no templo ou
tabernáculo celeste verdadeiro. É por isso que a Nova Aliança está firme.
Parece que o argumento não é dirigido contra o judaísmo, mas contra o
gnosticismo, que nega a realidade da morte de Cristo. Veja que o texto
afirma que essa entrada na realidade do templo celeste foi realizada por
48 ˃˃˃

Cristo por meio de sua própria carne, ou seja, sua morte física humana real
(KOESTER, 2005, p. 295).

• Fé e Paciência: Utilidade da Obra Sacerdotal de Jesus

Após apontar para a realidade da superioridade de Cristo, o es-


critor volta-se para a exortação à fé e à paciência (10. 19 – 12. 29).
Agora é necessário manter-se firme na confissão deste sumo sa-
cerdote, Jesus Cristo, e não mais cair no pecado (10. 19-31). Como os lei-
tores antes permaneceram fiéis no sofrimento, afirma Kümmel (1982, p.
513), devem agora esperar a vinda do Senhor Jesus com paciência firme
e perseverante (10. 32-39). É aí que o escritor insere uma longa e magnífi-
ca lista de fiéis do Antigo Testamento. O autor trata de uma “multidão”,
uma “nuvem” de testemunhas, iniciando com Abel e terminando em Jesus
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Cristo, o inaugurador – autor – e o realizador – consumador – da fé, cuja


missão é fortalecer a fé que espera bênçãos e graças futuras, e que pode
ter absoluta certeza e confiança nas coisas que são invisíveis (11. 1 – 12.
3). Ele convida seus leitores a olhar para Jesus (aphorõntes eis tòn tês písteos
archegòn kaì teleiotèn, Iesoyn - avforw/ntej eivj to.n th/j pi,stewj avrchgo.n kai.
teleiwth.n VIhsou/n), o pioneiro (fundador) e aperfeiçoador da fé (12. 1-3).
Jesus é aquele que abriu o caminho para Deus e concluiu tudo o que era
necessário. Dessa forma, todas as tribulações que eles enfrentaram devem
ser suportadas como disciplina proveniente da mão amorosa de Deus (12.
4-11); qualquer queda por falta de perseverança é como equiparar-se a
Esaú (CARSON, 1997, p. 436, 437). Veja que o texto em (12. 16) traz pórnos,
è Bébelos, hos Esay (po,rnoj( h’ be,bhloj( w`j VHsau/) onde o autor lhe dá os ad-
jetivos de impuro – imoral, veja a raiz da palavra pornografia – e profano
As palavras “incontinente ou impuro” – também adúltero ou ímpio – evi-
˂˂˂ 49

dentemente devem ser entendidas aqui no sentido figurado como “rene-


gado e de mentalidade baixa”. Veja que no Antigo Testamento o adultério
muitas vezes é usado como figura do afastamento de Deus (BÍBLIA, AT
Ezequiel 16. 1-43).
Dessa forma, Laubach (2000, p. 213) exorta os estudantes a que se
recordem mais uma vez de Moisés, que constitui um exemplo para a igreja
pelo fato de haver preferido “ser maltratado junto com o povo de Deus a
usufruir prazeres transitórios do pecado” (11. 25).

• Exortação Final e Conclusão

Por fim, o escritor chega aos momentos finais de sua obra: (13.
1-19) Exortação final e (13. 20-25) como uma espécie de conclusão. Trata-se
de uma conclusão epistolar, saudações pessoais e a bênção.
Na opinião de Carson (1997, p. 437) as exortações finais, sem dúvi-
da, são elaboradas de forma a impedir maneiras específicas em que a apos-
tasia incipiente dos leitores primeiros corre o risco de se manifestar. Ele dá
instruções éticas (13. 1-6); exorta-os a seguir o exemplo daqueles que foram
os primeiros a lhes trazer o evangelho (13. 7-8) e a que se submetam a seus
líderes atuais (13. 17). Aqui ele insere um incentivo prático contrastando
com os sacrifícios de louvor da Antiga Aliança, visto que estes foram cum-
pridos no sacrifício de Jesus Cristo, ocorrido “fora do acampamento” (13.
Cartas Universais e Hebreus

9-16). Subentende-se que é infinitamente melhor participar de sua desgra-


ça do que se afastar de sua graça. E sua graça é esta: que na aflição estamos
seguros e que sob o nosso fardo encontramos a paz. O escritor encerra com
um pedido de oração (13. 18-19), insere sua própria oração e doxologia14

14 Vem dos termos gregos doxa, «louvor», «honra», «glória», e logos, «palavra», ou
seja, algo dito que expressa louvor, atribuindo glória e honra a alguém, a alguma circunstân-
cia ou a algum estado. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia.
Vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 229.
50 ˃˃˃

(13. 20-21), menciona alguns conhecidos e termina com as saudações finais


e a bênção (13. 24-25).
A oração final resume a estreita conexão entre os aspectos dou-
trinários e éticos do tema inteiro. Menciona a natureza de Deus – o Deus
de paz, a ressurreição de Cristo, a função de Cristo – pastor, o sangue da
aliança, e a aplicação prática – cumprir a vontade de Deus.
O pensamento básico que sustenta todas as afirmações do autor é
que Jesus Cristo é o Filho de Deus desde toda a eternidade. De igual modo
ele é ser humano e traz a palavra de clemência de Deus. Como Sumo Sa-
cerdote ele ofereceu-se pessoalmente a Deus como oferta de sacrifício; Foi
assim que ele efetuou a salvação que possui um valor de vigência eterna.
Depois da morte na cruz, Cristo foi aperfeiçoado pela ressurreição e as-
censão tornando-se o precursor, o líder e consumador de sua igreja. Como
Senhor vivo ele convida seus discípulos para fora deste mundo. Ele con-
grega todos os fiéis, formando o povo de Deus migrante da Nova Aliança,
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colocando-o no caminho que acaba diante do trono de Deus, onde está a


verdadeira pátria. É exatamente pelo fato de os cristãos não terem cidade
permanente neste mundo, que o lugar deles é onde Jesus sofreu. Este é
o desafio de Hebreus para os fiéis de todos os tempos que procuram seu
lugar em uma salvação celestial.

SAIBA MAIS

BOYD R. G. In Comentário Bíblico Mundo Hispano. Tomo 23: Hebreos,


Santiago, 1 y 2 Pedro, Judas. El Paso, Texas: Mundo Hispano, 2005.

GUNDRY, ROBERT H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida


Nova, 1998.

KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. 2. São Paulo: Paulus,


2005.
˂˂˂ 51

KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus,


1982.

EXERCÍCIOS

1. Qual a relevância de Jesus Cristo ser um sacerdote segundo a ordem de


Melquisedeque?

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – O sacrifício de Cristo foi mais eficaz que o Levítico porque:


a (.....) Foi oferecido no tabernáculo celeste.
b (.....) O santuário Levítico era apenas uma “sombra” do celestial.
c (.....) Jesus ofereceu-se a si mesmo de uma vez por todas.
d (.....) Todas as alternativas são corretas.

II – Qual o propósito de Deus nas provações?


Cartas Universais e Hebreus

a (.....) Desenvolver santidade.


b (.....) Produz justiça.
c (.....) Deus não tolera um estilo de vida desobediente e egocêntrico.
d (.....) Dá ao cristão persistência e reverência.

III – Como Jesus mostrou sua disposição em ajudar o ser humano?


52 ˃˃˃

a (.....) Participou voluntariamente de nossas limitações.


b (.....) Escolheu participar da natureza dos anjos.
c (.....) Enviou os sacerdotes para realizarem os sacrifícios.

d (.....) Ofereceu-se a si mesmo como sacrifício único, suficiente e definiti-

vo.
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˂˂˂ 53

RESUMO DA UNIDADE

O estudo de Hebreus demonstrou que o escritor planejou cuida-


dosamente a sua obra. Sempre que digressões ocorrem na sequência do
seu pensamento, não interfere no desenvolvimento principal do seu argu-
mento. O texto é muito rico e procura apresentar a seus leitores o caráter
do Filho de Deus, sem, contudo, esquecer de sua humanidade através da
encarnação. Ele faz referências ao sofrimento terreno de Jesus Cristo. Ao
final o escritor enfatiza que, mesmo sob o aspecto humano, Jesus foi per-
feito. Hebreus esclarece definitivamente que Jesus é o Cristo exaltado. Sua
superioridade em relação aos anjos, Moisés, Josué, Arão e o sacerdócio
levítico é evidenciado nas inúmeras comparações e ilustrações utilizadas
pelo escritor.
O texto de Hebreus serve como encorajamento à fé evocando figu-
ras do passado, os “heróis da fé”. Sua principal menção, é claro, recai sobre
a pessoa e obra de Jesus como o mais extraordinário exemplo de paciência
diante dos sofrimentos. Para o escritor, às vezes o sofrimento é disciplina,
além de se constituir em sinal de filiação divina.
Ao final de sua obra o escritor põe em relevo a superioridade do
novo pacto. O Novo Pacto está fundamentado sobre o sangue de Cristo
derramado na cruz do calvário e aspergido no santuário celestial. Assim
o escritor exorta seus leitores ao amor mútuo, à hospitalidade, à simpatia,
Cartas Universais e Hebreus

ao uso saudável da moral, ao perigo da avareza, à imitação dos líderes que


andam segundo o exemplo de fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Há também
um alerta contra ensinamentos distorcidos e à aceitação conformada da
perseguição; às ações de graças e à oração perseverante. A superioridade
de Cristo deve ser o fator preponderante para evitar a apostasia.
Veja que a quantidade de temas faz de Hebreus um documento
54 ˃˃˃

riquíssimo para aqueles que querem ser aperfeiçoados levando em conta


o alto preço pago por Jesus ao ser crucificado e ter seu sangue derramado
para remissão dos pecados de todos aqueles que tomam a firme decisão de
seguí-lo na totalidade de seus ensinamentos e na imitação de sua vida.

Parabéns!
A primeira Unidade foi concluída e você deve ter sido enriquecido!

Vá em frente
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Cartas Universais e
Hebreus
UNIDADE II
A Epístola de Tiago
˂˂˂ 57

PARA INÍCIO DE CONVERSA

A partir desta unidade o interesse se voltará para aqueles docu-


mentos que, desde Eusébio15, no início do século IV, têm sido denomina-
das como as sete epístolas católicas ou gerais, designação que – ao menos
no cristianismo oriental – foi considerada apropriada para obras endereça-
das à Igreja universal, quais sejam: Tiago, 1 e 2 Pedro; 1, 2 e 3 João; e Judas.
16

A epístola de Tiago é a primeira de um grupo de setes livros do


Novo Testamento denominado “Epístolas Gerais” ou Católicas. As igrejas
protestantes e evangélicas são um tanto hesitantes em usar o termo “Cató-
licas” para nomear estas sete cartas. É preciso saber, contudo, que o termo
em si é uma transliteração do adjetivo grego katolikό, que vertido para o
português significa “geral” ou “universal”. Em latim, dois adjetivos tradu-
zem a palavra grega perfeitamente: generalis e universalis, porém, a Vulgata
apenas transliterou o grego como catholicas. É assim que o título “Epístolas
Católicas” tornou-se a designação comum entre os diversos tradutores e
estudiosos.
Um comentário anônimo do século VIII sobre a epístola de Tiago
afirma que o termo foi usado porque estas cartas são encíclicas, isto é, não
são endereçadas a igrejas ou pessoas individuais, mas escritas de forma
coletiva para todas as igrejas. Todavia, esta descrição geral pode valer para
Tiago, 1 e 3 Pedro, 1João e Judas. Já 2 e 3 João são endereçadas a um grupo,
ou pessoa particular e, dessa forma, não caem dentro da definição. Mas
Cartas Universais e Hebreus

15 Esta é a história de Tiago, do qual se diz que é a primeira “carta” das chamadas
católicas. Mas deve-se saber que não é considerada autêntica. Dos antigos não são muitos os
que a mencionam, assim como a chamada de Judas, que é também uma das sete chamadas
católicas. Ainda assim, sabemos que também estas, junto com as restantes, são utilizadas
publicamente na maioria das igrejas. In Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica. São Paulo:
Novo Século, 2002, p. 47.
16 História Eclesiástica 2. 23, 25: “as sete [epístolas] chamadas católicas”. No uso
cristão ocidental, “católico” tem a conotação de “canônico”. A ordem canônica foi ditada
provavelmente pela lista dos “pilares” da Igreja de Jerusalém em Gálatas 2:9 – “Tiago, Cefas
[=Pedro] e João” –, tendo Judas como apêndice. Nas listas de algumas Igrejas orientais, essas
epístolas aparecem de forma bastante lógica entre Atos e o corpus paulino. Apud BROWN, R.
E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 919.
58 ˃˃˃

estas duas últimas cartas foram consideradas anexas a 1João e, por isso,
estão agrupadas juntamente com ela (HALE, 2001, p. 360, 361).
Vejamos então cada uma dessas sete cartas separadamente. Lem-
bre-se de que sua dedicação será recompensada com bons frutos!
Prossiga!

SEÇÃO 1 – TIAGO

A epístola de Tiago pode ser muito bem classificada entre a lite-


ratura que, na Bíblia, recebe o nome de “literatura de sabedoria”. É fácil
perceber isto quando se leva em conta o seu propósito.
Este é caracterizado por instruções para o bem viver, para o co-
tidiano, para uma compreensão das perplexidades da vida. Exemplos de
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literatura sapiencial no Antigo Testamento são os livros de Jô, Provérbios


e Eclesiastes. Hale (2001, p. 360) chama a atenção para o fato de que “en-
tre todos os livros do Novo Testamento, Tiago é o menos doutrinário e o
mais prático”. Este foi um dos motivos pelo qual este documento foi muito
negligenciado e, até mesmo, considerado num nível inferior aos demais
documentos do Novo Testamento. Mesmo assim, o conteúdo do livro é
portador de um encanto maravilhoso de alguém que deve ter sido muito
próximo do Senhor Jesus durante seu ministério terreno, de alguém que
pode tê-lo compreendido erroneamente de princípio, mas acabou reconhe-
cendo-o como o Senhor da glória.
Lembre-se de que de acordo com a classificação de Eusébio a epís-
tola de Tiago pertence aos cinco “livros disputados” (antilegomena – anti-
legomena) do Novo Testamento: Tiago, 2Pedro, 2 e 3 João, e o Apocalipse.17

17 História Eclesiástica, II, xxiii, 24, 25. Apud HALE, B. D. Introdução ao Novo Testa-
mento. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 349.
˂˂˂ 59

Mesmo assim, o próprio Eusébio aceitava este documento como autêntico


e canônico. Na igreja de fala latina a carta não aparece até Hilário (357),
Jerônimo e Agostinho – final do século IV. Também não consta no cânon
Muratoriano, a lista dos livros do Novo Testamento aceita pela igreja em
Roma durante o século II. Sabe-se, contudo, que a primeira designação
encontrada na igreja síria está no manuscrito Peshita Siríaco do século V
(c. 412). Na igreja de fala grega, Orígenes é o primeiro a mencionar a carta
pelo título. Todavia, parece haver ecos de Tiago em Clemente de Roma (95
d.C.) e Hermas (início do século II), mas são obscuros demais para se tirar
conclusões definitivas. Foi na época de Atanásio (367 d.C.) que a carta foi
recebida no cânon como sendo de autoria de Tiago, o irmão de Jesus Cris-
to. Mesmo havendo alguma contestação no que diz respeito a seu valor,
ela acabou sendo aceita como genuína (HALE, 2001, p. 361).

• Autoria e Data

Quem é este que se apresenta simplesmente como: VIa,kwboj qeou/


kai. kuri,ou VIhsou/ Cristou/ dou/loj (Iákobos Theoy kai kyríou Iesoy Christoy
doylos) “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”? De acordo com
Hale (2001, p. 361) nos registros do Novo Testamento encontram-se pelo
menos quatro homens (KÜMMEL, 1982, p. 539, 540 enumera cinco) que
receberam este nome:
Cartas Universais e Hebreus

Tiago, filho de Zebedeu (Marcos 1. 19; 3. 17 e paralelos; Atos 12. 2);


Tiago, filho de Alfeu (Marcos 3. 18 e paralelos);
Tiago, pai do apóstolo Judas (Lucas 6. 16; Atos 1. 13).
Tiago, o Menor (Marcos 15. 40 e paralelos, filho de uma tal Maria,
conforme Marcos 16. 1);
Tiago, irmão de Jesus, filho de José e de Maria (Marcos 6. 3 e para-
60 ˃˃˃

lelos; 1Coríntios 15. 7, Gálatas 1. 19; 2. 9,12; Atos 12. 17; 15. 13; 21. 18; Judas
1);
O primeiro, filho de Zebedeu foi o primeiro dos doze a ser morto,
tendo sido decapitado por Herodes Agripa I (BÍBLIA, NT Atos 12. 1, 2) por
volta de 44 d.C.
O filho de Alfeu era o filho de outra Maria (Marcos 15. 40). Logo
após a lista dos apóstolos em Atos 1. 13 ele não mais é mencionado no
Novo Testamento.
Tiago, pai de Judas é chamado Tadeu (BÍBLIA, NT Mateus 10. 3
e Marcos 3. 17). Ele é desconhecido, a não ser como o pai de Judas – não
o Iscariotes. Nada mais se sabe a seu respeito. Da mesma forma, nada se
sabe sobre Tiago “o menor”.
Finalmente, há Tiago, irmão do Senhor Jesus – termo usado por
Paulo em Gálatas 1. 19. Ele está relacionado entre os irmãos de Jesus Cristo
em Marcos 6. 3 e Mateus 13. 55. Parece ter tido alguma influência na igreja
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primitiva, e, após a morte de Tiago, o filho de Zebedeu ele tornou-se o


porta-voz da igreja em Jerusalém, posição mantida até a sua morte, por
volta de 62 d.C. (HALE, 2001, p. 361).
É verdade que no cristianismo primitivo havia apenas um Tiago
que era bastante conhecido e que ocupava uma posição bem significativa;
a ponto de ser designado simplesmente pelo nome de Tiago, o irmão do
Senhor, o que demonstra ser ele bem conhecido. Kümmel (1982, p. 540)
destaca que o documento de Tiago reclama para si a honra de ter sido es-
crito por ele. Depois de haver permanecido na retaguarda durante a vida
terrena de Jesus18, esse Tiago se converteu logo após a Páscoa, por uma
18 Pelos evangelhos, parece que Tiago e seus três irmãos não eram simpatizantes ao
ministério de seu outro irmão, Jesus, e às suas ideias acerca de sua natureza e ministério.
Algumas vezes eles estiveram, com sua mãe e irmãs, acompanhando Jesus em seu ministério
itinerante; contudo não aceitavam ou não puderam aceitar sua obra. Lê-se em Marcos 3. 20-33
(Mateus 12. 46-50 e Lucas 8. 19-21) que a família de Jesus foi tentar levá-lo para casa, acredi-
tando que ele estivesse fora de si. Em João 7. 1-9, os irmãos ridicularizaram Jesus, “porque
não criam nele” (7. 5). Os irmãos tinham tão pouca simpatia por ele que, quando ele estava
na cruz, cumprindo o dever de filho mais velho, encomendou sua mãe ao apóstolo João (João
19. 26, 27). É em Paulo que lemos o relato interessante de que Jesus apareceu particular-
˂˂˂ 61

aparição do Senhor ressuscitado (BÍBLIA, NT 1 Coríntios 15. 7). Como ir-


mão de Jesus veio a tornar-se o líder da igreja primitiva (BÍBLIA, NT Atos
12. 7; Gálatas 1. 19; Atos 21. 18).
No que diz respeito à data da escrita e levando-se em conta as
diversas semelhanças entre os ensinos de Tiago com o Sermão na Monta-
nha em Mateus, nota-se que o autor conhece, mesmo usando linguagem
diversa, o tipo de ensinamento de Jesus encontrado nos evangelhos. Para
Brown (2004, p. 965) esse relacionamento estreito com a tradição de Jesus
e, assumindo que este Tiago seja de fato o irmão do Senhor, pode situar
o documento talvez antes de 62 d.C. Isto está em sintonia com os escritos
de Flávio Josefo (Antiguidades, xx, ix, i). Josefo traz a informação de que
Tiago foi morto por ordem do sumo sacerdote Anano, depois da morte do
procurador romano Festo e antes da chegada de seu sucessor Albino.

Anano [...] era homem ousado e empreendedor, da seita dos


saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos
judeus e os mais rigorosos nos julgamentos. Ele aproveitou o
tempo da morte de Festo, e Albino ainda não tinha chegado,
para reunir um conselho, diante do qual fez comparecer Tia-
go, irmão de Jesus, chamado Cristo, e alguns outros; acusou-
os de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedreja-
mento (JOSEFO, F. 2004, p. 939).

Eusébio de Cesaréia é ainda mais meticuloso ao narrar a morte de


Tiago e lança algumas informações que não encontramos em Josefo:
Cartas Universais e Hebreus

mente a Tiago após sua ressurreição (1 Coríntios 15. 7). Em algum momento, entre a morte
de Jesus e aquele aparecimento, Tiago veio a crer em Jesus. Atos 1. 14 narra que os irmãos
de Jesus estavam presentes no cenáculo quando o sucessor de Judas Iscariotes foi escolhido.
[...] Paulo escreveu que, quando da sua volta para Jerusalém, vindo de Damasco, ele só viu
Pedro e “nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor (Gálatas 1. 19). [...] Na
última visita de Paulo a Jerusalém (Atos 21. 18, Tiago está definitivamente a cargo da igreja
naquela cidade. Ele era tido em alta estima pelos judeus em toda parte e reconhecido como
um homem justo, a tal ponto de ser chamado “o justo” por eles. História Eclesiástica, II, xxiii,
24, 25.HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 362, 363.
62 ˃˃˃

E assim os mencionados escribas e fariseus puseram Tiago


em pé sobre o pináculo do templo e disseram-lhe aos gritos:
“O tu, o justo!, a quem todos devemos obedecer, posto que
o povo anda extraviado atrás de Jesus o crucificado, diga-
nos quem é a porta de Jesus.” E ele respondeu com grande
voz: “Por que me perguntam sobre o Filho do homem? Ele
também está sentado no céu à direita do grande poder e
há de vir sobre as nuvens do céu.” E sendo muitos os que
se convenceram completamente e ante o testemunho de
Tiago, irromperam em louvores dizendo: “Hosana ao filho
de Davi!”. Então os mesmos escribas e fariseus novamente
disseram uns aos outros: “Fizemos mal em proporcionar tal
testemunho a Jesus, mas subamos e lancemo-lo para baixo,
para que tenham medo e não creiam nele.” E puseram-se a
gritar dizendo: “Oh! Oh! Também o Justo extraviou-se!” E
assim cumpriram a Escritura que se encontra em Isaías: Tire-
mos de nosso meio o justo, que nos é incômodo. Então co-merão o
fruto de suas obras. Subiram pois e lançaram abaixo o Justo.
E diziam uns aos outros: “Apedrejemos a Tiago o Justo!” E
começaram a apedrejá-lo, porque ao cair não chegou a mor-
rer. Mas ele, virando-se, ajoelhou-se e disse: “Eu te peço Sen-
hor, Deus Pai: Perdoa-os, porque não sabem o que fazem.
E quando estavam assim apedrejando-o, um sacerdote, um
dos filhos de Recab, filho dos Recabim, dos quais o profeta
Jeremias havia dado testemunho, gritava dizendo: Parai, que
estais fazendo? O Justo roga por vós! E um deles, tecelão,
agarrou o bastão com que batia os panos e deu com este na
cabeça do Justo, e assim foi que sofreu o martírio. Enterr-
aram-no naquele lugar, junto ao templo, e ainda se conserva
sua coluna naquele lugar ao lado do templo. Tiago era já um
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testemunho veraz para judeus e para gregos de que Jesus


é o Cristo. E em seguida Vespasiano os sitiou.” (EUSÉBIO,
2002, p. 46, 47)

Tiago, juntamente com outros, foi acusado de transgredir a lei e,


por isso, foi apedrejado até a morte em 62 d.C. (HALE, 2001, p. 363).

• Pano de Fundo

Para os estudos aqui propostos é importante compreender o con-


texto ou pano de fundo. A carta mostra a imagem de Tiago como um judeu
cristão conservador e leal observador da Lei. Todavia, ele não era um lega-
lista extremado, pois tanto em Atos 15 quanto Gálatas 2 há concordância
que ele ficou ao lado de Paulo ao declarar que os gentios não precisavam
˂˂˂ 63

ser circuncidados quando viessem a crer em Cristo. Contudo, afirma Bro-


wn (2004, p. 947), “o discurso que aparece em seus lábios em Atos 15. 13-21
apresenta motivos mais tradicionais para a aceitação dos gentios”. Veja
que para os gentios aplicam-se os preceitos de Levíticos 17 – 18, válidos
para estrangeiros que viviam em Israel.
A decisão tomada em Jerusalém significou para Paulo a indicação
de liberdade perante a Lei para os gentios convertidos; Mesmo assim em
Antioquia “alguns homens vieram da parte de Tiago” e questionaram a
mesa comum entre judeus cristãos e gentios cristãos por não observarem
as leis alimentares. De acordo com a narrativa em Atos 21. 18-25, quando
Paulo chegou a Jerusalém (c. 58 d.C.) Tiago contou-lhe quantos judeus ha-
viam-se convertido na cidade, e aconselhou-o a purificar-se e ir ao templo
(BROWN, 2004, p. 947, 948).
É bem provável que a carta tenha sido escrita em Jerusalém duran-
te o período que Tiago liderou a igreja cristã naquela cidade. O contexto
social e econômico que perpassa a carta diz respeito aos leitores e ao autor.
Da mesma forma coaduna com uma procedência palestina: comerciantes
que percorrem imensas regiões em busca de lucro (4. 13-17), proprietários
de terras que residiam em outros locais e acabavam tirando vantagem da
força operária que se tornava cada vez mais pobre e desprovida de terras
(2. 5-7; 5. 1-6) e acalorada controvérsia religiosa (4. 1-3). Estas pistas pa-
recem corroborar para Jerusalém como local de origem (CARSON, 1997,
p. 459). Além disso, ainda pode-se destacar a especial sensibilidade pelos
Cartas Universais e Hebreus

pobres, conhecimento da tradição de Jesus, referências as primeiras e às


últimas chuvas, típicas do clima palestinense (5. 7). Brown (2004, p. 966)
destaca que “de acordo com Hegesipo (História Eclesiástica 3. 19-20), os
descendentes da família de Jesus (chamados desposinos)”, especialmente
os netos de Judas, “seu irmão segundo a carne”, dirigiam as igrejas da Pa-
lestina até o tempo de Trajano (c. 98-117 d.C.).
64 ˃˃˃

• Destinatários

No que diz respeito aos destinatários, Brown (2004, p. 966) obser-


va que a exortação moral em Tiago é obviamente direcionada a comunida-
des como uma voz contra a cultura dominante (1. 27). Entretanto, ele não
era sectário, mas estava principalmente preocupado em corrigir os cristãos
de dentro, os quais eram seus conhecidos. Além disso, o caráter marcada-
mente judaico do texto sugere um escritor e um público destinatário de
judeus cristãos.
Hale (2001, p. 368) menciona o próprio texto em que Tiago ende-
reça sua carta “às doze tribos que são da Dispersão” (taîs dódeka phylaîs taîs
en tê diasporâ – tai/j dw,deka fulai/j tai/j evn th/| diaspora/|)19 (1. 1). A “Dis-
persão” ou “Diáspora”20 era um termo usado para os judeus que estavam
espalhados pelo mundo gentio; E, a expressão “as doze tribos” era usada
pelos judeus como um sinônimo para expressar a unidade do povo eleito
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de Deus (BÍBLIA, NT Mateus 19. 28; Atos 26. 7). Por fim, deve-se concluir
que os destinatários eram judeus cristãos que viviam fora da Palestina.
Indica, portanto, um cristianismo judaico que se havia formado no mundo
helenístico.

19 O termo diáspora aparece apenas cinco vezes no Novo Testamento Grego e com
diferentes formas: João 7. 35; Atos 8. 34; 11. 19; 23. 10; Tiago 1. 1 e 1 Pedro 1. 1. Somente em
João 7. 35; Tiago 1. 1 e 1 Pedro 1. 1 é que o vocábulo assume o sentido de judeus dispersos no
mundo helênico..
20 Esse termo é usado pelos historiadores para referir-se às colônias judaicas (força-
das ou não), que eles estabeleceram em outras partes do mundo, fora da Palestina. A pala-
vra é grega e significa «dispersão». Equivale ao vocábulo hebraico golah. O termo inclui os
movimentos voluntários de emigração de judeus para outras terras, mas também se refere
às colônias judaicas que resultaram de guerras, exílios e aprisionamentos. Os descendentes
dos exilados e deportados também vieram a fazer parte da diáspora. Os Oráculos Sibilinos
(cerca de 250 a.C.) refletem a extensão da dispersão dos judeus, afirmando que cada terra e
que cada mar estava repleto de judeus. Nos tempos do Novo Testamento, havia mais judeus
vivendo fora da Palestina do que dentro dela. O número de judeus dispersos, naquela época.
têm sido calculado entre três a cinco milhões de pessoas. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia
de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 141.
˂˂˂ 65

SAIBA MAIS

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

EXERCÍCIOS

1. Qual o pano de fundo da carta de Tiago?

_________________________________________________________________

_________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Qual Tiago escreveu a epístola que tem esse nome?


a (.....) Tiago, filho de Zebedeu.
b (.....) Tiago, pai do apóstolo Judas.
c (.....) Tiago, o Menor.
d (.....) Tiago, o irmão de Jesus, filho de José e de Maria.
II – Na igreja de fala grega quem foi o primeiro a mencionar a carta pelo
Cartas Universais e Hebreus

título?
a (.....) Clemente de Roma.
b (.....) Atanásio.
c (.....) Barnabé.
d (.....) Orígenes.
66 ˃˃˃

III – Com quem e quando a epístola de Tiago foi recebida no cânon?


a (.....) Desde a igreja primitiva, por todos os apóstolos.
b (.....) Com Hermas no segundo século depois de Cristo.
c (.....) Na época de Atanásio (367 d.C.).
d (.....) Agostinho e Jerônimo na produção da Vulgata.

SEÇÃO 2 – PROPÓSITO, ESBOÇO E MENSAGEM

Em epístola de Tiago não pode ser tomada como uma carta pro-
priamente dita, mas uma circular geral em forma de parênese. Koester
(2005, p. 173) salienta que ela parece “uma compilação de ditos tradicio-
nais, de admoestações, instruções e normas proverbiais de conduta reu-
nidas livremente. Percebe-se, de fato, que arranjos temáticos entrelaçam
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diversos ditos em cada caso. Os conteúdos derivam da parênese do juda-


ísmo helenístico. Existem também alguns ecos de ditos que ocorrem nos
Evangelhos, a bênção dos pobres (BÍBLIA, NT Tiago 2. 5; Lucas 6. 20) e o
dito de exaltação e humilhação (Tiago 4. 10; Lucas 14. 11).

• Propósito

O texto de 5. 12 é especialmente surpreendente ao trazer a expres-


são da proibição de jurar numa forma que parece ser mais antiga que a
própria formulação de Mateus 5. 35-37. Percebe-se que Tiago estava bem
inteirado dos ensinamentos anteriores à redação dos sinóticos. O autor
pretende defender a observação da lei e à tradição parenética judaica em
uma igreja em desenvolvimento em todo o mundo. Ao mesmo tempo, tam-
˂˂˂ 67

bém ataca aqueles que afirmam possuir sabedoria do alto: compreende-se


melhor a rejeição peculiar da falsa sabedoria em 3. 13-18 como crítica aos
círculos gnósticos. Traz ainda, a exortação de que a moralidade da diáspo-
ra judaica deveria ser de grande valor para a promoção de uma vida cristã
piedosa, inteligente e responsável. Cabe ainda mencionar o pensamento
de Hale (2001, p. 370) que afirma que Tiago exortava seus leitores a trans-
cenderem o judaísmo formalístico na prática, como já o haviam transcen-
dido em sua fé no Senhor Jesus Cristo. Eles haviam crido em Jesus como
“O Cristo” – Messias; agora deveriam portar-se como verdadeiros discípu-
los do Mestre da Galiléia e não como os discípulos do grupo farisaico.
O texto visa corrigir erros que os irmãos praticavam contra a con-
duta genuinamente cristã. No entanto, eles precisavam de carinho: sofriam
castigos e eram vítimas de opressão. Eles são exortados mansamente por
Tiago que reconhece seus sofrimentos. O objetivo parece ser um encoraja-
mento, pois disserta sobre o valor da vitória sobre a tentação (1. 24); frisa a
origem do pecado (1. 12-18) e finaliza o capítulo exortando a prática da Pa-
lavra de Deus. Tiago aconselha seus leitores a como se conduzirem diante
de estranhos, como recebê-los e considerá-los (2. 1-6). Admoesta-os a que
tenham sua fé acompanhada de boas obras e termina o texto com algum
material variado de cunho prático. Como principais temas teológicos po-
dem ser destacados: Deus, escatologia, fé, obras e justificação, a lei, vida
cristã, a sabedoria, a pobreza e a riqueza.
Cartas Universais e Hebreus

• Esboço

Para este componente das Epístolas Gerais pode ser proposto um


esboço que bem parece ter a estrutura de um sermão:
68 ˃˃˃

SAUDAÇÃO (1. 1)
REALIDADE CONTRA IMITAÇÃO (1. 2-2:26)
III. Realidade em Caráter (Contra Imitação)
(1. 2-18)
II. Realidade em Culto Público (Contra Imitação) (1. 19-
27)
III. Realidade em Amor (Contra Imitação)
(2. 1-13)
IV. Realidade em Fé (Contra Imitação)
(2. 14-26)

MESTRES (3:1-18)
Responsabilidade Maior e Perigo Maior (3. 1-12)
II. Sabedoria Verdadeira Contra Sabedoria Imitada
(3. 13-18)

O MUNDO CONTRA DEUS (4. 1-5:20)


III. Prazeres (Como o Alvo da Vida) Contra Deus
(4. 1-10)
II. Submissão Contra a Presunção (4. 11-5:6)
III. A Conduta Cristã Neste Mundo Transitório
(5. 7-20).

Esboço resumido da estrutura proposta por HALE (2001,


p. 371, 372).


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Com a estrutura apresentada fica mais fácil ter uma visão pano-
râmica do conteúdo global para que em seguida se possam tratar alguns
pormenores que merecem maior destaque. Observe que o esboço é um
auxílio para o estudante da Bíblia. Nas ponderações que seguem não se
obedecerá necessariamente este esboço. Com isso procura-se enriquecer as
possibilidades de diferentes leituras para esta carta.

• Mensagem

Em toda a carta há 54 imperativos. Isto demonstra que o autor


escreve e exorta como um pastor, a partir de sua experiência pessoal, para
ajudar seus leitores no viver uma vida cristã prática. O tema básico da pri-
meira seção é a verdade contrastada com a hipocrisia ou imitação.

˂˂˂ 69

A atitude e o tema refletem de maneira forte os escritos sapienciais do


Antigo Testamento adaptados a uma mentalidade escatológica e combina-
dos com a ênfase nos ensinamentos de Jesus, como o memorável Sermão
na Montanha (BÍBLIA, Mateus 5 – 7), por exemplo. Em 1. 2-27 o escritor
lembra Jesus advertindo seus seguidores de que eles sofreriam provações
e tribulações, durante as quais necessitariam muito crer no poder divino
de ir ao encontro das necessidades deles (Mateus 5. 11; 24. 9 – 13). Brown
(2004, p. 949) destaca o discurso de 1. 9 – 11 àqueles de condição humilde e
aos ricos, contrastando-lhes o destino. Tiago aproxima-se do conteúdo de
Lucas 6. 20 – 24 da bem-aventurança para o pobre, seguida de infortúnio
para o rico. Outras passagens em Tiago (2. 1 – 9; 5. 1 – 6) atacam os ricos.
Desta maneira pode-se dizer que o tema pobres/ricos provavelmente re-
flete uma situação social conhecida pelo autor em sua igreja, através da
qual ele extrapola para outras.
Outro ensinamento de Tiago, em linguagem similar ao dualis-
mo entre luz e trevas dos Manuscritos do Mar Morto, é chamar a Deus
“o Pai das luzes” (1. 17). O sentido geral parece ser algo como o que se-
gue: sendo o Pai das luzes que concede dons preciosos e perfeitos, Deus
não tenta levar as pessoas à prática do mal, alterando a forma como ele
lida com as pessoas. Para Tiago Deus gera seguidores de Cristo pela pa-
lavra da verdade e quer que eles sejam como as primícias que, na litur-
gia judaica, pertencem ao Senhor (1. 18). Para tanto, os leitores não po-
dem ser apenas ouvintes; Devem demonstrar seu efeito em suas vidas.
Cartas Universais e Hebreus

Não existe nada de teórico na religião defendida por Tiago (1. 27), ao
contrário, a verdadeira religião se manifesta no cuidar das viúvas e ór-
fãos necessitados e no conservar-se sem ser contaminado pelo mundo
(BROWN, 2004, p. 950).
70 ˃˃˃

• Ricos e Pobres, Fé e Obras

Aqui se abordará do trecho que vai de 2. 1 – 26. O versículo 1,


na NRSV foi escrito como pergunta – para a qual se espera uma respos-
ta negativa: “Meus irmãos e minhas irmãs, será que com seu favoritismo
por algumas pessoas vocês estão de fato crendo em nosso glorioso Senhor
Jesus Cristo”? (OMANSON, 2010, p. 489). Observe que é quase uma inter-
pretação, mas mesmo assim traduz muito bem o sentido do texto. Tem-se
a impressão de que os leitores de Tiago viviam em uma comunidade que
se reunia em uma sinagoga (2. 2) – Neste verso ARA é mais fiel, trazendo
mesmo “sinagoga” ao invés de ajuntamento como ACF, por exemplo.21
Nessas reuniões os ricos tendiam a ser recebidos com gentileza e atenções
especiais.
É de um alto relevo, de modo particular, a afirmação de que os
cristãos ricos “vos” oprimem e “vos” arrastam aos tribunais. Brown (2004,
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

p. 951) resume bem a realidade de que, da mesma forma que para Jesus
(BÍBLIA, NT Mateus 22. 39-40; e Levítico 19. 18), “agora também para
Tg 2. 8-10 o amor ao próximo resume a Lei e os mandamentos, e ofender
esse ponto torna alguém culpado de infringir a Lei em sua totalidade”.22 A
expressão “no,mou evleuqeri,aj” 2. 12 (nómoy eleytherías – Lei de Liberdade)
traz um desafio à dicotomia entre lei e liberdade tão pregado nos púlpitos.
Ao tratar da fé e obras o escritor inicia com a diatribe23 greco-roma-

21 NRSV: New Revised Standard Version; ARA: Almeida Revista e Atualizada; ACF:
Almeida Corrigida Fiel.
22 Tiago jamais menciona as “obras da lei” ou a circuncisão, como o faz Paulo; tam-
pouco se refere às leis rituais. A “lei” nessa seção significa a lei moral do Antigo Testamento
e da tradição de Jesus, contrastada com a parcialidade discriminatória. C. H. Felder (Journal of
Religious Thought 39, 51-69, 1982-1983) Apud BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento.
São Paulo: Paulinas, 2004, p. 951.
23 A diatribe é uma forma retórica que usa um método abusivo. A palavra vem do
grego diatribe, «desgaste». Essa maneira de falar era usada com perfeição por alguns dos pri-
meiros filósofos gregos. Bíon de Borístenes [...] merece o crédito de ser o seu inventor. Dion
Crisóstomo (cerca de 40-120 D.C.), um filósofo grego, desenvolveu ainda mais esse estilo.
Infelizmente, muitos pregadores evangélicos modernos usam mais da diatribe do que da
prédica homilética. In CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.
2. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 143.
˂˂˂ 71

na. Ao trazer um exemplo imaginário ele ilustra os resultados desastrosos


da indiferença em relação às boas obras. Em seguida ele evoca exemplos
bíblicos como Abraão e Raabe. Na concepção de Brown (2004, p. 952) Tia-
go traduz na prática a advertência de Cristo de que não é aquele que diz
“Senhor, Senhor” que entrará no reino do céu (BÍBLIA, NT Mateus 7. 21).
A qualquer tempo, os de fora poderiam julgar os cristãos pelo bom padrão,
segundo o qual a fé sem obras é morta.

SAIBA MAIS

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.

EXERCÍCIOS

1. Como devem ser entendidas as provações e aflições?


______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
Cartas Universais e Hebreus

2. Assinale as alternativas corretas:

I – A que tipo de literatura se assemelha Tiago?


a (.....) Narrativa.
b (.....) Parábola.
c (.....) Sabedoria.
72 ˃˃˃

d (.....) Profecia.

II – Pode uma fé sem obras produzir salvação?


a (.....) Uma fé constituída de palavras amáveis não é salvífica.
b (.....) Palavras sem oferta de ajuda não produz salvação.
c (.....) A fé meramente afirma uma crença. Se não produzir mudança de
vida é morta.
d (.....) Todas as alternativas estão corretas.
III – De acordo com a epístola de Tiago o que produz a paciência?
a (.....) As tentações.
b (.....) Tribulações.
c (.....) Perseguições.
d (.....) Uma vida de oração.
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SEÇÃO 3 – MENSAGEM

Dando continuidade à análise geral da mensagem esta seção pros-


segue a partir do capítulo 3. É aí que Tiago começa a tratar dos proble-
mas que dividem uma comunidade. Era um fato nas comunidades, já nos
primeiros tempos, assim como tem sido uma realidade nas comunidades
cristãs de hoje. Dessa forma, os leitores pós-modernos de Tiago nem preci-
sam contextualizar a hermenêutica de certos trechos, basta apenas lê-los e
aplicá-los imediatamente a suas vidas.
˂˂˂ 73

• Falhas que Dividem a Comunhão entre os Cristãos

O texto segue com uma série de parágrafos repletos de exemplos


em que Tiago trata dos pecados e dos defeitos que são particularmente
ameaçadores para a harmonia exigida pelo mandado do amor mútuo.
Ele procura apontar para um cristão moderado, uma vez que o discípulo
de Jesus é moderado quando sabe que nem todos são aptos para ensinar.
Quantas são as pessoas que começam a ensinar sem que tenham a aptidão
ou o dom e por isso carecem de coerência para ensinar. Brown (2004, p.
952) aponta para o fato de que Tiago, a exemplo de um mestre sapiencial
do Antigo Testamento, em 3. 1 – 12 traz um feixe de exemplos – freios na
boca de cavalo, leme num navio, fogo, veneno, água salgada – e descreve
de forma eloquente o perigo que uma língua solta pode causar, principal-
mente da parte dos mestres.
O cristão moderado é aquele que já aprendeu a controlar a sua
língua e pode ser considerado maduro. Da mesma forma, pode ainda con-
trolar qualquer outra parte do seu corpo. Da mesma forma que a fé precisa
ser manifesta em obras, a língua confirma como a sabedoria demonstra o
que vai à mente dos mestres. Jesus disse que “Pelos seus frutos os reconhe-
cereis” (BÍBLIA, NT Mateus 7. 16), assim, afirma Brown (2004, p. 952), a
sabedoria do alto é identificada por seus frutos – pura, pacífica, moderada.
Essa ênfase na conduta do sábio leva à condenação da cobiça e dos
desejos que dividem as pessoas e as torna infelizes (4. 1 – 10) – desejos que
Cartas Universais e Hebreus

são o oposto do espírito de bem-aventurança. Essa passagem apresenta


uma advertência séria contra uma vida cristã de concessões e convoca os
leitores ao arrependimento. Na linguagem bíblica, moicali,dej (moichalides
- adúltera) é um vocábulo usado em sentido metafórico para falar sobre
Israel como a esposa infiel do Senhor Deus24 e, de modo semelhante, no

24 Veja Salmo 73. 27; Isaías 54. 5; Jeremias 3. 20, Ezequiel 16, 23; e Oséias 9 .1, para citar
algumas.
74 ˃˃˃

Novo Testamento, em Mateus 12. 39; 16. 4 e Marcos 8. 38. O cristão apai-
xonado por Deus é aquele que deve aprender a lamentar pelos pecados
cometidos. Após humilhar-se diante de Deus ele experimenta a exaltação.
Para evitar o risco de leitores entenderem uma tradução literal como re-
ferência ao casamento, talvez seja preferível traduzir o texto por “gente
infiel”25 ou “vocês não estão sendo fiéis para com Deus!” (OMANSON,
2010, p. 493). Para permanecer fiel ao texto é preferível mesmo inserir uma
nota, explicando a linguagem bíblica empregada.
Depois de tratar da sabedoria celeste, das contendas, procurando
manter a paz que procede da humildade de Deus, Kümmel (1982, p. 530)
ressalta o problema da murmuração. Portanto, a seção termina com uma
exortação final sobre a fala (4. 11 – 12) “não murmureis” (CARSON, 1997,
p. 454). No verso 12 a palavra nomoqe,thj (nomothétes - legislador) alerta
para o perigo do julgamento. Um discípulo de Cristo deixa o julgamento
do seu semelhante por conta do Senhor. Na medida em que não se respei-
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ta a tarefa de Deus e colocam-se como juízes há perigo de ocorrer muitas


dissensões e divisões entre o povo do Senhor. Há quem consiga arrasar as
pessoas com suas palavras e pecam por querer serem deuses.

• Planejar sem Consultar a Deus – Corrupção por Causa da


Riqueza

Parece que para Tiago também consiste em um combate a Deus


fazer planos para o futuro sem levá-lo em conta. Os negociantes judeus
iriam aos centros comerciais da época, ou seja, Antioquia, Alexandria,
Damasco e outras grandes cidades, e em cada uma dessas deveriam gas-
tar um considerável tempo (DAVIDSON, 1997, p. 1397). Tiago trata da
“Solene Incerteza”. A vida é incerta demais, afirma Hale (2001, p. 371), e
25 Como na Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
˂˂˂ 75

o cristão não deve usurpar a prerrogativa divina de planejar o futuro. A


precariedade da vida não permite ter certeza do amanhã. Tiago não está
condenando o fazer planos. É bom lembrar que Jesus ensinou aos seus dis-
cípulos serem prudentes e previdentes. A condenação está em fazer planos
sem considerar a Deus. Por isso ele acrescenta a pergunta “Que é a vossa
vida? (v.14). A pergunta na verdade é uma reprimenda e a resposta é dura
e inflexível. Tiago lembra seus leitores que eles não são senhores da pró-
pria vida, portanto, ao formulardes vossos planos, não vos esqueçais de
que estais diante de Deus (v.14 – 16).
O tema dos ricos, já tratado anteriormente, retorna como caus-
ticante ataque em 5. 1-6. A seção apresenta uma severa denúncia contra
os ricos que têm granjeado prosperidade mediante a opressão. Tiago traz
reminiscências das maldições proféticas conta eles (BÍBLIA, AT Amós 8.
4 – 8) e da pregação de Jesus.26 Davidson (1997, p. 1397) informa que a prin-
cipal oposição aos cristãos naquela época, partia dos ricos. Tiago especifica
outras razões de queixa e mostra como as riquezas deles se têm corrompi-
do. Os ricos não somente fechavam as portas da compaixão pelos pobres,
mas os salários justos e legais, devidos aos trabalhadores que ceifavam
em suas terras eram retidos por eles (4). Ao pintar esse quadro de luta en-
tre capital e trabalho Tiago não hesita em acusar de fraude os opressores.
Mesmo que o gemido dos oprimidos encontrasse ouvidos cerrados por
parte de seus opressores, penetravam os ouvidos do Senhor dos Exércitos.
Assim, Kümmel (1982, p. 531) afirma: Tiago insere o imperativo “ricos,
Cartas Universais e Hebreus

reconhecei vossa culpa e vosso castigo merecido (5. 1 – 6).


No trecho de 5. 7-11 Tiago apela à paciência, até a vinda do Se-
nhor, relacionando com a expectativa de que os pobres obterão justiça das
mãos dos ricos deste mundo (BROWN, 2004, p. 953). O texto exorta para

26 Defraudar os trabalhadores de seus salários é condenado em Levítico 19. 13; Deu-


teronômio 24. 14 – 15. Além disso, Tiago reflete as queixas contra os maus-tratos do justo na
literatura sapiencial como, por exemplo, em Sabedoria 2. 18-20. In BROWN, R. E. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 953.
76 ˃˃˃

que os leitores sejam pacientes tendo em vista o próximo julgamento de


Deus. Eis aí o reconhecimento de que Deus, quando da volta do Senhor,
julgará os ricos ímpios e recompensará os justos. É um tema escatológico.
Nogueira ressalta ainda mais o contraste entre o rico e o pobre como tema
dominante em toda a carta:

Outro texto que contrasta o rico e o pobre é 4.13-5. 6. Ali o


rico é condenado por oprimir o pobre, por reter seu salário
e por sua postura arrogante. Também neste texto a aparên-
cia e os demonstrativos de status são destacados. O rico glo-
ria-se (kauchaomai) de sua riqueza e dos lucros que planeja
alcançar. Na sua destruição os bens que o distinguem na
sociedade (roupas, ouro, prata, tesouros), mostrando, por-
tanto tratar-se de uma pessoa honrada, são destinados para
a destruição. A forma como a experiência de opressão é sen-
tida é de humilhação do pobre (ver que 1. 9 não contrasta
o rico e o pobre, mas o rico e o humilde!). A demonstração
ostensiva de status social do rico (bem ao gosto das aristo-
cracias do mundo greco-romano) ofende profundamente ao
pobre. Já a sua humilhação pública, que de alguma forma
deve ter ocorrido [...] faz com que ele clame aos céus por
justiça (NOGUEIRA, 1998, p. 105 in RIBLA 31).
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Veja que os pobres oprimidos devem esperar com paciência. O


texto traz como estímulo à paciência a ênfase na parusia. Na vinda do Se-
nhor os pobres serão honrados e a corrupção causada pela riqueza será
destruída.

• Premissas para uma Cosmovisão Cristã

Ao final (5. 12), juramentos, oração e correção dos desviados são


os assuntos que encerram a carta; aparentemente ainda no contexto do
julgamento final vindouro. A postura negativa e enfática com relação a
juramentos novamente aproxima Tiago do Sermão na Montanha (BÍBLIA,
NT Mateus 5. 33-37).
˂˂˂ 77

Em 5. 17-18 Tiago trata do poder da oração de intercessão. Ele


já vinha tratando do tema da oração desde 5. 13-15, onde ele estimu-
la os cristãos a que orem – ungindo os doentes – evn tw/| ovno,mati tou/
kuri,ou (en to onómati toy kyríoy – em nome do Senhor), ou seja, o poder
vem de Deus e assim deve ser feita a oração para que haja cura e perdão
dos pecados. A oração de uma pessoa obediente a Deus tem muito po-
der (5. 16). Agora (5. 17), mais uma vez, Tiago evoca um grande nome
do passado de seu povo: Elias. E para deixar claro aos seus leitores que
a oração é poderosa – e que o poder não está na pessoa de quem ora, ele
lembra que VHli,aj a;nqrwpoj h=n o`moiopaqh.j h`mi/n (Elias ánthropos hén
homoiapathès hemîn) Elias era homem sujeito às mesmas paixões, ou seja,
(homoiapathès) com a mesma natureza, sujeito às mesmas condições.
As últimas linhas de Tiago (5. 19-20) surgem como uma surpre-
sa: ele demonstra preocupação em reconduzir e perdoar aqueles que se
desviaram. A epístola termina abruptamente. Davidson (1997, p. 1400)
destaca que não há palavras de despedida, mas há uma última exortação
“Se algum entre vós planhqh/| avpo. th/j avlhqei,aj (planethê27 apo tês aletheías
– se desviar da verdade)” (v.19), é dever e privilégio do cristão procurar
restaurá-lo. Aquele que o fizer, mostra que compreende que “aquele que
converte um pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele,
e cobrirá multidão de pecados”. Dessa forma, a fé operosa evidencia-se
não somente em devoção ao Senhor, mas também no interesse pelo bem
dos outros, particularmente pelos irmãos em Cristo. São muito honrados
Cartas Universais e Hebreus

os cristãos restauradores. Estes se mantêm firmados na verdade da Pala-


vra de Deus e tem como meta trabalhar na recuperação dos cristãos afas-
tados. Eles atuam e conseguem com a ajuda de Deus reintegrar aqueles
que se afastaram; sua tarefa experimenta o perdão dos pecados. Tiago faz
27 Aquele que se desvia da verdade é chamado aqui de “errante”, alguém que
caminha de forma desorientada; Sem perspectiva de onde veio e sem a certeza de para onde
está indo. Veja que a palavra lembra o vocábulo português planeta. A raiz vem de plane: des-
vio, erro, ilusão, engano. In GRINGRICH, F. W. DANKER, F. W. Léxico do Novo Testamento
Grego / Português. Vida Nova: 1993, p. 167.
78 ˃˃˃

uso do mesmo vocábulo encontrado em Mateus 18. 12, onde Jesus conta
a parábola da ovelha perdida. Portanto, da mesma forma que no decorrer
de toda a carta, Tiago encerra com admoestações correlatas aos ensinos de
Jesus.

SAIBA MAIS

CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.

EXERCÍCIOS
FACEL - Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras

1. Explique as ideias de Tiago no que diz respeito ao poder, obstinação e


sobre uma língua incoerente:
______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Uma vida mundana pode afetar a vida de oração?


a (.....) A vida pessoal nada tem que ver com a oração.
b (.....) Pela graça de Deus a oração de qualquer pessoa é ouvida.
c (.....) A oração dos justos resolve qualquer problema.
˂˂˂ 79

d (.....) Não se pode coadunar uma vida mundana com uma vida de oração.

II – De que forma a certeza da volta de Cristo traz forças para enfrentar o


sofrimento?
a (.....) Lembra de que o sofredor deve desejar a justiça divina.
b (.....) Os que sofrem por amor a Cristo terão sua justa recompensa.
c (.....) Sofrer não traz esperança para ninguém.
d (.....) O sofrimento não é assunto de cunho escatológico.

III – Sobre a oração pode ser dito que:


a (.....) Tiago afirma que a oração pela cura é sempre atendida.
b (.....) A oração de uma pessoa obediente a Deus é poderosa.
c (.....) A oração poderosa não indica que a pessoa é especial.
d (.....) As alternativas “b” e “c” estão corretas.

SEÇÃO 4 – REFLEXÕES RELEVANTES

Na última seção desta unidade serão retomados alguns textos de


Tiago e analisados de forma mais pormenorizada. O objetivo aqui é pro-
porcionar um aprofundamento em temas de grande relevância e também,
se possível, dirimir algumas dúvidas e desfazer alguns mal-entendidos
nas leituras realizadas neste documento precioso de nosso Novo Testa-
Cartas Universais e Hebreus

mento.

• Relação com os Ensinos de Jesus

Gundry (1998, p. 254) destaca a notável semelhança dos ensinos


80 ˃˃˃

de Tiago com os de Jesus. A epístola de Tiago contém numerosas alusões


a afirmações de Jesus, também registradas nos evangelhos, sobretudo ma-
terial associado ao Sermão na Montanha. Como exemplo, o contraste em
Tiago 1. 22, entre ouvintes e praticantes da palavra. Este contraste evoca a
parábola do homem sábio, que edificou sua residência sobre um sólido ali-
cerce, por ter ouvido e posto em prática as palavras de Jesus, e do homem
insensato, que edificou sobre a areia, por ter ouvido, mas não praticado as
Suas palavras (BÍBLIA, NT Mateus 7. 24-27 e Lucas 6. 47-49).
É intrigante e notável a proximidade entre o conteúdo de Tiago
e de várias seções de Mateus que apresentam os ensinamentos de Jesus.
Brown (2004, p. 955 – 958) oferece uma extensa lista que aqui é inserida em
forma de tabela para facilitar a visualização e comparação:

Tg 1. 2: [...] tende por motivo de Mt 5. 11-12: Felizes, sois, quando


grande alegria o serdes submetidos vos injuriarem e vos perseguirem
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a múltiplas provações. e, mentindo, disserem todo o mal


contra vós por causa de mim. Ale-
grai-vos e regozijai-vos.
Tg 1. 4: [...] a fim de serdes perfeitos Mt 5. 48: Portanto, deveis ser per-
e íntegros, sem nenhuma deficiên- feitos como o vosso Pai celeste é
cia. perfeito.
Tg 1. 5: [...] peça-a a Deus, que a Mt 7. 7: Pedi e vos será dado.
concede generosamente a todos
sem recriminações.
Tg 1. 19-20: Que cada um esteja Mt 5. 22 [...] todo aquele que se en-
[...] lento para encolerizar-se; pois colerizar contra seu irmão [/irmã]
a cólera do homem não é capaz de terá de responder no tribunal.
cumprir a justiça de Deus.
Tg 1. 22: Tornai-vos praticantes da Mt 7. 24: [...] aquele que ouve essas
Palavra e não simples ouvintes, minhas palavras e as põe em prá-
enganando-vos a vós mesmos. tica.

˂˂˂ 81

Tg 2. 5: Não escolheu Deus os po- Mt 5. 3: Felizes os pobres em espírito,


bres em bens deste mundo [...] para porque deles é o Reino dos Céus.
serem [...] herdeiros do reino [...]? Veja ainda Lc 6. 20: Felizes vós, os
pobres, porque vosso é o Reino de
Deus.
Tg 2. 10: [...] aquele que guarda Mt 5. 19: Aquele, porventura, que
toda a Lei, mas desobedece a um só violar um só desses menores man-
ponto, torna-se culpado da trans- damentos e ensinar os homens a
gressão da Lei inteira. fazerem o mesmo, será chamado o
menor no Reino de Deus.
Tg 2. 13: [...] o julgamento será sem Mt 5. 7: Felizes os misericordiosos,
misericórdia para quem não prati- porque alcançarão misericórdia.
ca a misericórdia.

Tg 3. 12: [...] pode a figueira produ- Mt 7. 16: [...] colhem-se uvas dos es-
zir azeitonas ou a videira produzir pinheiros ou figos dos cardos?
figos?
Tg 3. 18: Um fruto da justiça é se- Mt 5. 9: Felizes os que promovem a
meado pacificamente para aqueles paz, porque serão chamados filhos
que promovem a paz. de Deus.
Tg 4. 4: [...] aquele que quer ser Mt 6. 24: Não podeis servir a Deus
amigo do mundo torna-se inimigo e ao Dinheiro.
de Deus.
Tg 4. 10: Humilhai-vos diante do Mt 5:4: Felizes os mansos, porque
Senhor e ele vos exaltará. herdarão a terra.
Tg 5. 2-3: Vossa riqueza apodreceu Mt 6. 19-20: Não ajunteis para vós
e as vossas vestes estão carcomidas tesouros na terra, onde a traça e o
pelas traças. Vosso ouro e vossa caruncho os corroem e onde os la-
prata estão enferrujados [...]. Ente- drões arrombam e roubam, mas
sourastes [=punição] como que um ajuntai para vós tesouros no céu.
fogo nos tempos do fim.
Tg 5. 9 [...] não murmureis uns con- Mt 7. 1: Não julgueis para não ser-
Cartas Universais e Hebreus

tra os outros, para que não sejais des julgados. Pois com o julgamento
julgados. com que julgais sereis julgados.
Tg 5. 10: [...] tomai como exemplo Mt 5. 12: [...] foi assim que perse-
de vida de sofrimento e de paciên- guiram os profetas, que vieram an-
cia os profetas. tes de vós.
82 ˃˃˃

Tg 5. 12: [...] não jureis, nem pelo Mt 5. 34-37: [...] não jureis em hipóte-
céu nem pela terra, nem por outra se nenhuma; nem pelo céu [...] nem
coisa qualquer. Antes, seja o vosso pela terra [...]. Seja o vosso “sim”,
sim, sim, e o vosso não, não. sim, e o vosso “não”, não.

Fora do Sermão na Montanha, estes são possíveis paralelos: Tg 1.


6 = 21. 21 (fé, dúvida, mar); Tg 2. 8 = Mt 22. 39 (amar o próximo como a
si mesmo); Tg 3. 1 = Mt 23. 8 (contra os mestres); Tg 3. 2ss = Mt 12. 36-37
(contra o falar displicente); Tg 5. 7 = Mt 24. 13 (perseverar até o fim); Tg 5.
9 = Mt 24. 33 (Juiz/Filho do Homem às portas). 28

Perceba que apesar da proximidade da mensagem e do sentido


dos ensinamentos, nem a linguagem dos paralelos e nem a ordem na qual
aparecem são as mesmas. Por conseguinte, muitos eruditos afirmam que
Tiago não tinha conhecimento do texto do Evangelho escrito por Mateus,
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mas conhecia muito bem a tradição de Jesus que era familiar também a
Mateus e semelhante a Q29.30

28 SHEPHERD, M. H. JBL 75, 40-51, 1956. Apud BROWN, R. E. Introdução ao Novo


Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 955.
29 Q é uma fonte hipotética, postulada pela maioria dos estudiosos para explicar o
que anteriormente foi denominado Dupla Tradição, ou seja, concordância (muitas vezes nas
palavras) entre Mateus e Lucas em material não encontrado em Marcos. Por trás da hipótese
está a pressuposição plausível de que o evangelista mateano não conheceu Lucas e vice-
versa, de modo que devem ter tido uma fonte comum. É preciso muitas precauções antes de
reconstituir Q. BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p.
193. Julga-se que a designação “Q”, do alemão Quelle, “fonte”, tenha sido criada por J. Weiss
em 1890. Cf. F. Neirynck, ETL 54, 119 – 125, 1978. Apud BROWN, R. E. Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 193.

30 De acordo com os post-bultmannianos, o material representado pelo documento


“Q”, e encontrado atualmente nos evangelhos de Lucas e Mateus e em pequena porção em
Marcos, onde este coincide com “Q”, é o substrato escrito mais antigo dos evangelhos, até
mesmo do que Marcos. Por este motivo, “Q” é situado por volta do ano 50 d.C. O documento
“Q” consta principalmente de discursos, mas também deve ter contido narrativas (BÍBLIA,
N.T. Lucas 4. 2-13; 7. 1-10; 7. 17-23; 11. 29-32) In BITTENCOURT, B. P. A Forma dos Evangel-
hos e a Problemática dos Sinóticos. São Paulo: Imprensa Metodista, 1969, p. 146, 147.
˂˂˂ 83

• Tiago e Paulo – Obras e Fé

Alguns textos em Paulo (BÍBLIA, NT Gálatas 2. 16; Romanos 3. 28)


declaram de forma enfática que o ser humano não se justifica pelas obras
da Lei, mas pela fé em Jesus Cristo. Afirma ainda que o indivíduo é justifi-
cado pela fé, sem a prática da Lei. Contrastando com os ensinos de Paulo,
em Tiago e lê 2. 24 “o`ra/te o[ti evx e;rgwn dikaiou/tai a;nqrwpoj kai. ouvk evk
pi,stewj mo,nonÅ” (horate hoti ex érgon dikaioytai ánthropos kai oyk ek písteos
mónon) – “Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não so-
mente pela fé”. Perceba que a linguagem é bastante próxima e, ambos ape-
lam para o mesmo exemplo de Abraão (BÍBLIA, AT Gênesis 15. 6). Diante
dessas circunstâncias Brown (2004, p. 954) afirma que “o problema da fé/
obras é bastante importante para Paulo em Gálatas e Romanos, enquanto
que para Tiago é mais circunstancial”. É importante compreender então
que Paulo argumentava que a “observância ritual” das obras prescritas
pela Lei mosaica, particularmente a circuncisão, não justificaria os gentios;
pelo contrário, exigia a fé naquilo que Deus realizou em Cristo, uma fé que
requeria o envolvimento da vida.
O que se vê no texto de Tiago é a demonstração da genuinidade
da fé mediante as boas obras produzidas pela fé (2. 14-26). Tiago escreve
acerca da justificação pelas obras como evidência externa, perante os ho-
mens, daquela fé interna. Dessa forma, ele não contradizia a Paulo. Este,
por igual modo, salienta as boas obras como consequência da verdadeira
Cartas Universais e Hebreus

fé (GUNDRY, 1998, p. 254).


Agora se pode ver que Tiago pensa nas pessoas que já são discípu-
las de Jesus Cristo, isto é, crêem em Jesus, já são cristãs e, portanto, salvas.
Todavia, não traduzem tal crença na prática da vida; ele insiste em que as
obras (não se trata de obras rituais prescritas pela Lei mosaica, mas o com-
portamento que reflete o amor) precisam, necessariamente, corresponder
84 ˃˃˃

à fé. Veja que isto é algo que Paulo concorda plenamente. Isto pode ser
facilmente observado nas seções “imperativas” de suas cartas que insistem
nas atitudes.31 É possível afirmar que se o escritor de Tiago tivesse lido
Romanos perceberia que o apóstolo Paulo e ele não estavam lidando com
o mesmo problema. Diante disso, é bom que fique claro que Paulo não pro-
clamou a justificação somente mediante uma fé que não implicava viver
como Cristo deseja que seus seguidores vivam (BROWN, 2004, p. 955).

• Unção dos Enfermos

Como último tópico desta seção se voltará ao tema da unção com


óleo. A passagem em (5. 13) é um convite à oração como resposta para o
sofrimento humano, e louvor a Deus com cantos, como resposta ao senti-
mento de alegria. A preocupação está, contudo, em que esta é a resposta
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apresentada para aquele que está doente. É importante saber que na prá-
tica posterior da Igreja, a cura dos doentes pela unção feita por um sacer-
dote foi considerada um sacramento e, por isso, inevitavelmente o texto
de Tiago afetou os debates entre os reformadores e Roma. Sabe-se que a
Igreja Romana instituiu, em vista dessa passagem, a extrema-unção32 na
Seção XIV do Concílio de Trento (1716 – 1719) considerando como uma
instituição de Cristo promulgada por Tiago, decidindo que os presbíteros,
não são simplesmente membros idosos da comunidade, mas os sacerdotes
ordenados pelo bispo.
31 Cf. Gálatas 5. 6: “fé agindo pela caridade (amor)”; 1 Coríntios 13. 2: “[...] ainda que
tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade (o amor), nada
seria”; Romanos 2. 13: “[...] não são os que ouvem a lei que são justos perante Deus, mas os
que cumprem a Lei”; e a insistência na obediência em Romanos 6. 17; 16. 19.26; 2 Coríntios 10.
6; Filemon 21. Contudo, podemos estar bem seguros de que Paulo jamais teria formulado seu
imperativo positivo acerca do comportamento na linguagem de Tiago 2. 24 – “obras, e não
simplesmente a fé”. In BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas,
2004, p. 954, n. 26.
32 Designação surgida durante a Idade Média quando a Igreja Ocidental – romana
– restringiu a unção aos gravemente enfermos ou doentes terminais. In BROWN, R. E. In-
trodução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 958, n. 29.
˂˂˂ 85

Brown (2004, p. 959) lembra que “ungir com óleo em nome do


Senhor é a primeira coisa na sequência do que se espera que os presbíteros
façam”. Na antiguidade o óleo de oliveira era usado como remédio (BÍ-
BLIA, AT Levítico 14. 10-32) e, além disso, era prescrito no ritual da purifi-
cação da lepra. O texto de Isaías 1. 6 mostra que as feridas são amolecidas
ou aliviadas com óleo. Em Jeremias 8. 22 pressupõe-se o poder curativo do
bálsamo de Gileade. O Novo Testamento (BÍBLIA, NT Marcos 6. 13) narra
um aspecto da obra dos apóstolos enviados por Jesus em Marcos 6. 7 em
que “[...] eles curavam muitos enfermos, ungindo-os com óleo”. Observe
que em Mateus 10. 1 indica que a cura de doentes e enfermos era uma or-
dem dada por Cristo.
Quanto ao mais, é importante ficar claro que a oração da fé so-
bre o enfermo salvará (curará?) este, e o Senhor o soerguerá. Além disso,
se tiver cometido pecados, estes lhes serão perdoados (Tiago 5. 15). Por
último, Brown (2004, p. 960) lembra que a visita aos enfermos e a oração
pelos amigos doentes eram encorajadas no Antigo Testamento (BÍBLIA,
AT Salmo 35. 13-1433 ). Orar a Deus pela cura de um doente tinha muitas
vezes um acento especial porque o pecado era visto como raiz e causa da
enfermidade. Isto pode ser facilmente observado no pensamento dos ami-
gos de Jô que queriam orar por e com ele, pedindo-lhe que reconhecesse
seu pecado, para que Deus o pudesse curar. A “Oração de Nabônidas”,
nos Manuscritos do Mar Morto, descreve o rei afligido por uma tendência
maligna orando ao Deus Altíssimo e sendo perdoado de seus pecados.
Cartas Universais e Hebreus

Nos evangelhos, Jesus apresentava-se como médico (BÍBLIA, NT Mateus


9. 12; Lucas 4. 23), e para aqueles que ele curava, ser “salvos” muitas vezes
implicava a cura da enfermidade e ainda o perdão dos pecados. É com esse
pano de fundo que Tiago mostra-se bastante coerente: a oração da fé salva

33 Quanto a mim, porém, estando eles enfermos, as minhas vestes eram pano de saco;
eu afligia a minha alma com jejum e em oração me reclinava sobre o peito, portava-me como
se eles fossem meus amigos ou meus irmãos; andava curvado, de luto, como quem chora por
sua mãe (ARA).
86 ˃˃˃

o doente de modo duplo – soergue-o da doença e perdoa-lhe os pecados.


Vale ressaltar aqui que os presbíteros eram os membros mais idosos da
comunidade, e a oração e unção com óleo eram simplesmente a atividade
deles, nada tinha que ver com autoridades ou o equivalente primitivo a
“clero”, ou seja, função eclesiástica.
O pensamento cristão está dividido no que diz respeito à unção
dos enfermos. Contudo, não se pode negar que Tiago retomou e deu pros-
seguimento à cura, uma preocupação importante que provinha de Jesus
Cristo. Também Paulo mencionou o dom de cura (BROWN, 2004, p. 971).
Fica aqui um ponto extremamente relevante para reflexão:
A maioria dos cristãos não julga ter recebido um dom especial
para curar. “Que responsabilidade eles têm na continuação da ênfase
cristã primitiva na cura e no cuidado dos doentes, especialmente em
uma cultura que confia cada vez mais a cura à medicina profissional e às
organizações de saúde?”
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SAIBA MAIS

CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

HALE, B. D. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001.

EXERCÍCIOS

1. Como comparar a sua doutrina de obras da fé com o ponto de vista


paulino da fé?
˂˂˂ 87

____________________________________________________________

____________________________________________________________

___________________________________________________________

____________________________________________________________

___________________________________________________________

______________________________________________________________

2. Assinale as alternativas corretas:

I – Com qual dos Evangelhos Tiago assemelha seus ensinamentos?


a (.....) João.
b (.....) Marcos.
c (.....) Mateus.
d (.....) Lucas.

II – Sabe-se que Tiago provavelmente não tinha acesso a um evangelho


escrito.
a (.....) Seus ensinos fazem parte da tradição dos ensinos de Jesus.
b (.....) Ele deve ter tido acesso à outro documento.
c (.....) Ele conhecia os ensinamentos de Jesus Cristo.
d (.....) As alternativas “a” e “c” estão corretas.
Cartas Universais e Hebreus

III – No que diz respeito à unção com óleo:


a (.....) Deve ser realizada com a oração de uma pessoa obediente a Deus.
b (.....) Era uma função dos anciãos da comunidade.
c (.....) É preciso ungir também objetos, roupas, casas, carros e outras coisas.
d (.....) As alternativas “a” e “b” estão corretas.
88 ˃˃˃

RESUMO DA UNIDADE

Deve ter ficado claro que em Tiago o tema é a maturidade espiri-


tual. É uma boa oportunidade para examinar o próprio coração para ver
em que pé estamos na vida cristã. Uma vez tendo nascido de novo como
um bebê humano, o bebê espiritual também tem um pai e uma mãe – o
Espírito de Deus e a Palavra de Deus. É sempre preciso examinar com ho-
nestidade a vida à luz da Palavra de Deus. Tiago compara a Bíblia com um
espelho. Outro elemento essencial é a preparação para algumas provações.
Sempre que um discípulo fiel a Cristo passa por um momento de cresci-
mento espiritual mais pronunciado, as oposições parecem se multiplicar.
Ao contrário do crescimento físico, o crescimento cristão não é au-
tomático. A maturidade cristã é algo em que se deve trabalhar constante-
mente. Portanto, não dá para desistir! Assim como trabalho de parto ante-
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cede o nascimento, o trabalho árduo conduz à maturidade. O crescimento


espiritual deve ser medido de acordo com as Escrituras. Não se deve usar
como parâmetro a vida de outros, mas sim a Palavra de Deus e o Filho de
Deus. Nem todos os que crescem em estatura crescem em maturidade.
Também há uma diferença entre crescer e amadurecer.
Com isso, você chega ao fim do estudo da Epístola de Tiago. Este
pode ser um bom momento para examinar o próprio coração e verificar
como está a sua maturidade. Os padrões propostos pelo estudo desta car-
ta foram: Paciência; Resistência às tentações e provações; Obediência às
Escrituras Sagradas; Ausência de preconceitos; Controle da língua; Agir
como pacificadores; Tornar-se orientadores espirituais; Ser amigo de Deus
e não do mundo; Fazer planos considerando a vontade de Deus em pri-
meiro lugar; Ter cuidado com o uso do dinheiro; A dependência na atitu-
de de oração e, por último, ajudar e buscar a restauração daqueles que se
extraviaram no caminho.

Não devemos apenas envelhecer, mas sim crescer!


E com isso você venceu mais uma etapa.
Muito bem!
t
Cartas Universais e
Hebreus
UNIDADE III
Epístolas de Pedro e de
Judas

Cartas Universais
e Hebreus
˂˂˂ 93

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Os textos encontrados no Novo Testamento que reivindicam a au-


toria petrina são dois. O primeiro deles ganhou mais simpatia e obteve
melhor aceitação. O segundo, por umas características peculiares ao seu
feitio, a princípio recebeu certa oposição quanto à sua aceitação. Inobstan-
te, 1 e 2 Pedro também conquistaram seu lugar no cânon.
A epístola de Judas é composta de apenas 25 versículos, mas con-
tém uma mensagem atual e apropriada para os cristãos em geral. O texto
indica ter sido escrito por Judas, irmão de Tiago e do Senhor Jesus Cristo.
O alvo é a exortação e o encorajamento para que seus leitores resistissem
àqueles que desejavam desviá-los.
O estudo dessas cartas será bastante proveitoso para sua vida e
ministério!
Bons estudos!

SEÇÃO 1 – 1PEDRO

Com a possível exceção de 1João, a Primeira Epístola de Pedro é a


mais largamente lida e melhor conhecida entre as Epístolas Gerais. Talvez
seja pelo fato de que 1Pedro seja um livro bastante fácil de se ler e compre-
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ender. Mesmo o leitor pós-moderno fácil e rapidamente identifica-se com


os primeiros leitores a quem o escritor se dirigiu. 1Pedro advoga ser uma
carta genuína do apóstolo Pedro, destinada aos cristãos na Ásia Menor,
que estavam experimentando momentos de dificuldade. O estudo dessa
carta trará ao(à) estudante conhecimento e conforto diante das circunstân-
cias que hoje se vive.
94 ˃˃˃

• Autoria e Data

Este documento realmente é uma carta. Já em seu início apare-


ce a identificação de seu autor Pe,troj avpo,stoloj VIhsou/ Cristou// (Pétros
apóstolos Iesoy Christoy)“Pedro, apóstolo de Jesus Cristo” (1Pe 1. 1). Pensa-
-se, portanto, no discípulo Simão, a quem Jesus dera o cognome Cefas (ara-
maico) = Pedro (greco-latino). Os evangelhos o caracterizam de maneira
tangível. Seu papel de liderança nos primórdios do cristianismo primitivo
em Jerusalém e a primeira atuação são explicitados a partir de Atos dos
Apóstolos que, no entanto, silencia acerca dele a partir de Atos 15. 7. Em
decorrência, o Novo Testamento não informa nada acerca da continuação
de sua atividade nem sobre o fim de sua vida, exceto que inicialmente
evangelizou, sobretudo entre judeus (BÍBLIA, NT Gálatas 2. 8), que foi
corrigido por Paulo em Antioquia (BÍBLIA, NT Gálatas 2. 11ss) e que leva-
va a esposa consigo no trabalho missionário (BÍBLIA, NT 1Coríntios 9. 5).
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Em João 21. 18s deve-se constatar certa alusão ao fim de sua vida, onde se
informa que o Ressuscitado lhe anunciou a morte de martírio, entrementes
provavelmente ocorrida (HOLMER, 2008, p. 6).
De acordo com Harrison (1987 p. 393) Eusébio já a colocava entre
os livros “não disputados”. Aparentemente não houve quem contestasse a
autoria petrina.

• Pano de Fundo

Como local de redação a carta cita Babilônia (5. 13). Provavelmen-


te isso se refere a Roma. Era tempo de perseguição. Uma vez que se aceita
Pedro como autor, a carta deve ter sido escrita provavelmente no começo
da história cristã, na década de 60. Carson (1987, p. 471) ressalta que a
˂˂˂ 95

perseguição rondava, e isso indica o reinado de Nero, ocasião em que, de


acordo com a tradição, deve ter ocorrido a morte de Pedro. No conteúdo
da carta não há quase nada que indique algum tipo de estrutura eclesiásti-
ca, um sinal de antiguidade do material. Dessa forma, tudo se encaixa para
colaborar com a ideia de que a carta foi escrita em Roma não muito antes
de o apóstolo sofrer o martírio.

• Destinatários

Mais uma vez o próprio texto indica a resposta para este tópico.
Os destinatários são os evklektoi/j parepidh,moij diaspora/j Po,ntou( Galati,aj(
Kappadoki,aj( VAsi,aj kai. Biquni,aj( (eklektoîs parepidémois diásporas Póntoy,
Galatías, Kappadokías, Asías kaì Bithinías) “eleitos que são forasteiros eleitos
da Diáspora no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia”. Naquele tem-
po esses nomes regionais da Ásia Menor designavam províncias romanas
maiores, todas surgidas entre 133 a.C. (Ásia) e 17 d.C. (Capadócia). A pro-
víncia romana da Galácia abarca, além da antiga região com esse nome no
centro da Ásia Menor, também a Licaônia, Pisídia e o leste da Frígia. Fa-
ziam parte da província romana da Ásia as regiões da Mísia, Lídia, Frígia
e Cária. Se assumir que Pedro se ateve às designações oficiais romanas, os
nomes citados abrangem quase todo o território da Ásia Menor. Somente
Lícia, Panfília e Cilícia, no extremo sul, não foram citadas (CARSON, 1997,
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p. 471).
De acordo com Holmer (2008, p. 6) os destinatários parecem ter
sido predominantemente cristãos gentios. Porque somente de ex-gentios
se pode afirmar: no passado sua vida, na ignorância, foi determinada pelas
paixões (1. 14), foram redimidos da conduta vã legada pelos pais (1Pe 1.
18), outrora eram “não um povo”, agora, porém, são povo de Deus (2. 10) e
96 ˃˃˃

“basta que nos tempos passados realizastes a vontade dos gentios” (4. 3s).
No entanto, com certeza também cristãos judeus faziam parte das igrejas
para as quais Pedro escreve. Isso condiz inteiramente com a ideia que já
possuímos acerca da atuação do apóstolo Paulo na Ásia Menor. Somente
poucos intérpretes (B. Weiß; Kühl) supõem que Pedro escreveu a carta a
cristãos judeus. Dois aspectos são característicos para os destinatários da
carta: há muitos recém-convertidos entre eles (2. 2), e eles passam por di-
versos sofrimentos e aflições (1. 6; 2. 20; 3. 14ss; 4. 12ss; dentre outras pas-
sagens).
Veja que a epístola de Pedro tem endereço abrangente e, portanto,
merece mesmo o nome de Epístola Universal, para ver o mapa do lugar
acesse o Ambiente Virtual de Aprendizagem.

• Propósito
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A epístola tem caráter de conforto e de admoestação. Diante da


perseguição, do ódio, do sofrimento, das acusações injustas, os leitores de-
vem permanecer firmes em suas comunidades, na “verdadeira graça de
Deus”, tendo como meta a esperança celeste que está a disposição de todos
aqueles que se conservam fiéis à fé cristã e que, com um compromisso ade-
quado, não consentem em deslizar para o erro. Quanto às perseguições,
alguns sugerem calúnia levantadas pelos compatriotas gentios (2. 12, 15;
3. 14ss; 4. 3s, 14s), que acabavam se transformando em acusações injustas
contra os cristãos diante dos tribunais. É importante observar que estas
acusações não se limitavam a certos lugares, mas atingem o cristianismo
como um todo (5. 9), como já se observou também em Hebreus e Tiago.
Portanto, Kümmel (1982, p. 551) pensa que os leitores deveriam interpretar
como o início do juízo final (4. 7, 17). Tendo em vista o perigo da apostasia
˂˂˂ 97

que disso resulta, o escritor busca convencer os leitores de que o sofrimen-


to desse tipo deve ser encarado como um meio que Deus usa para provar
os cristãos antes da vinda de Cristo (1. 6s; 4. 12s, 19), de maneira que não
existe tensão entre isso e a exortação tradicional à obediência (2. 20).

• Esboço

É óbvio que esta epístola é bastante complexa de ser analisada.


No entanto, aqui se usará de um esboço resumido tomado da proposta de
Hale, como segue:

Introdução
(1. 1, 2)

A VOCAÇÃO DO CRENTE: A SALVAÇÃO (1. 3 – 2. 10)


I — A Doutrina Exposta (1. 3-12)
II — O Dever Imposto
(1. 13-25)
III — O Desígnio Demonstrado (2. 1-10)
A CONDUTA DO CRENTE: SUBMISSÃO (2. 11 – 3. 12)
I — Submissão nas Relações Civis (2. 13-17)
II — Submissão nas Relações Sociais (2. 18-25)
III — Submissão nas Relações Domésticas (3. 1-7)
A DISCIPLINA DO CRENTE: O SOFRIMENTO (3. 13 – 5. 11)
I — Disciplina no Mundo (3. 13 – 4. 6)
II — Disciplina na Igreja (4. 7 – 5. 7)
III — Disciplina nos Lugares Celestiais (5.
8-11)Conclusão
(5. 12-14)

Esboço resumido da estrutura proposta por HALE (2001,


p. 385).
Cartas Universais e Hebreus

É um esboço panorâmico e, da mesma maneira que em Tiago, veja


que ele pode servir como subsídio para interpretação, bem como para a
delimitação de parágrafos de pregação. É, pois, de grande auxílio para a
leitura e pregação desta epístola.
98 ˃˃˃

SAIBA MAIS

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1997.

HARRISON, E. Introducción al Nuevo Testamento. Michigan: Subcomi-


sión Literatura Cristiana de la Iglésia Cristiana Reformada, 1987.

EXERCÍCIOS

1. Discorra rapidamente sobre o contexto desta epístola

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2. Assinale as alternativas corretas:

I – Quanto à autoria de 1Pedro pode-se afirmar que:


a (.....) Há uma certa disputa quanto à autenticidade petrina.
b (.....) Esta epístola está na lista dos antilegomena.
c (.....) O autor é Pedro, apóstolo de Cristo.
d (.....) Nada se sabe com respeito ao autor.

II – Quais são os destinatários da epístola?


a (.....) Forasteiros do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia.
b (.....) A epístola é “católica” e, por isso os destinatários não são explici-
˂˂˂ 99

tados.
c (.....) O texto não contém destinatários.
d (.....) As alternativas “a” e “b” estão corretas.

III – O texto foi produzido em um contexto de:


a (.....) Liberdade religiosa.
b (.....) Paz no Império Romano.
c (.....) Perseguição e calúnias.
d (.....) Expansão do cristianismo.

SEÇÃO 2 – MENSAGEM

A mensagem da epístola, apesar da complexidade de esboçá-la, é


bastante simples e fácil de ser compreendida. Pedro trata diretamente da
vocação, salvação, submissão e do sofrimento daqueles que optaram por
se tornar discípulos de Jesus Cristo.

• Conteúdo

Carson resume sabiamente o conteúdo desta epístola e escreve


Cartas Universais e Hebreus

que:

Depois da saudação inicial (1.1-2) a carta louva a Deus pela


esperança e salvação que ele concedeu em Cristo (1.3-12),
Isso forma a base para uma exortação à vida santa e obe-
diente (1.13-16) e um lembrete da obra redentora de Cristo
(1.17-21), com um lembrete adicional acerca da importância
de viver em santidade e amor (1.22—2.2). Em seguida, Cristo
é apresentado como aquele em quem as profecias do Antigo
Testamento a respeito da “pedra” se cumprem (2.4-8), e a
100 ˃˃˃

igreja é descrita em termos empregados para o povo de Deus


no Antigo Testamento (2.9-12). Os cristãos devem viver na
devida submissão às autoridades (2.13-17). Há exortações
em separado para escravos, esposas e maridos (2.18—3.7). A
comunidade cristã em geral é instada a viver em harmonia e
amor (3.8-12) e a seguir o exemplo de Cristo que lhes indica
como devem sofrer, se necessário for, quando não tiverem
cometido erro algum (3.13-22). Os crentes abandonaram o
estilo pecaminoso de viver (4.1-6); devem viver de maneira
que resulte em louvor a Deus (4.7-11). Os leitores estão pas-
sando por uma tribulação dolorosa, mas devem suportar o
sofrimento da maneira correta (4.12-19). Depois vêm exorta-
ções aos presbíteros (5.1-4), aos jovens (5.5-6) e a todos (5.8-
9), conduzindo a uma doxologia (5.10-11) e a uma conclusão
epistolar normal (5.12-14) (CARSON,1987, p. 467).


Observe que apesar da resumida descrição de conteúdo, Carson
não deixa escapar nenhum dos temas mais relevantes.


• Afirmação da Identidade e Dignidade Cristãs
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Logo após a fórmula introdutória (1. 1-2) onde Pedro menciona os


endereços listados acima, se analisa a primeira seção do corpo, que pode
ser recortada em 1. 3 – 2. 10, onde Pedro afirma a identidade e dignidade
cristãs. É importante destacar aqui a afirmação de Pedro em 1. 3 de que
os cristãos nasceram de novo avnagennh,saj (anagennésas), isto é, “nos ge-
rou de novo”. Ele irá repetir esta expressão em 1. 13: avnagegennhme,noi
(anagegenneménoi), esta vez ele afirma “Sendo gerados de novo”. Estas ex-
pressões são importantes para a compreensão da identidade cristã, pois
o discípulo de Cristo agora, ao nascer de novo, foi gerado para uma viva
esperança e para a imortalidade – avfqa,rtou (aphthártou – incorruptível ou
imortal). Isto dá a segurança da salvação eterna, além de proporcionar que
os filhos de Deus andem conforme o caminho de Cristo.
Em 2. 2 Pedro irá retomar a ideia de que o cristãos são aqueles que
nasceram de novo, ele então fará uso da expressão w`j avrtige,nnhta bre,fh
˂˂˂ 101

(hos artigénneta bréphe) “como meninos novamente nascidos” – na verdade


bebês mesmo. Toda esta ênfase é proposital, já que o apóstolo deseja in-
culcar na mente de seus leitores a realidade de que eles agora pertencem
a um novo povo e, portanto, a um novo estilo de vida. Este estilo de vida
traz suas exigências, mas também traz grandes bênçãos. Tudo isso ele irá
desenvolver no decorrer da carta. Veja que para Pedro os cristãos foram
gerados de novo “para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus
Cristo dentre os mortos” (1. 3). A ênfase final recai toda sobre a esperança
viva que todo o cristão deve experimentar. Holmer (2008, p. 13) lembra
bem que esta afirmação é dirigida a cristãos atribulados e perseguidos.
Quem deseja ajudá-los nesses tempos de aflição precisa fortalecer-lhes a
esperança.
Voltando ao capítulo 1, no verso 13, a descrição reflete vividamen-
te a imagem do êxodo do Egito e a experiência do Sinai. Da mesma forma
que os peregrinos hebreus, que na primeira Páscoa deviam cingir os rins,
os destinatários de Pedro devem cingir a mente (1. 13). O povo que aden-
trou o deserto acabou desejando voltar às panelas de carne do Egito, mas
os cristãos não devem se conformar com os desejos de sua ignorância pre-
gressa. A experiência com Deus no Sinai onde Ele proclamou o imperativo
{Agioi gi,nesqe( o[ti evgw. a[gio,j eivmiÅ (Hágioi gínesthe, hoti ego hágios eimi)
“Sede santos, porque eu sou santo”, é repetida (BÍBLIA, AT Levítico 11. 44;
1Pedro 1. 16), e são retomados o bezerro de ouro – 1. 8 pode ser uma alusão
à isto, o cordeiro pascal, isto é, o precioso sangue de Cristo, e o resgate que
Cartas Universais e Hebreus

Deus fez a Israel (BÍBLIA, AT Deuteronômio 7. 8) na admoestação de que


os destinatários foram resgatados não com prata e ouro, mas com o sangue
de Cristo que é mais valioso por excelência, tal qual um cordeiro sem má-
cula (BROWN, 2004, p. 924).
Pareceu importante detalhar um pouco mais o tema da santidade
do povo de Deus devido à realidade de que algumas pessoas ensinam que
102 ˃˃˃

Deus não exige de seus filhos a santidade que Ele mesmo possui. É óbvio
que o “Ser” de Deus e o “ser” de qualquer humano, mesmo tendo sido
gerado de novo, não podem ser comparados. Entretanto, no imperativo
para a santidade não há diferença alguma no “tipo” de santidade exigida
por Deus. Mesmo se tomar o texto citado diretamente da Bíblia Hebraica
se chega à mesma conclusão, senão, veja: “Porque eu éhw”hy> (YHWH) vosso
Deus ‘~T,v.DIq;t.hiw> (wehiteqadoshtêm – sou santo) vós vos ~yviêdoq. (qedoshim - san-
tificareis) e sereis vAdßq’” (qadosh - santos). Veja que mesmo desconsiderando
a realidade de que Pedro tenha citado a versão grega dos LXX, o texto
hebraico traz exatamente o mesmo sentido.
O capítulo 1 é permeado com expressões animadoras: graça e paz
vos sejam multiplicadas, viva esperança, incorruptível, incontaminável,
não pode murchar, guardada nos céus, para a salvação, grandemente vos
alegrais, mais preciosa do que o ouro, em louvor, e honra, e glória, vos
alegrais com gozo inefável e glorioso, a salvação da alma, da graça que vos
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foi dada, a glória que se lhes havia de seguir, fostes resgatados, por amor
de vós, purificando a vossa alma, para o amor fraternal. Depois de tantas
palavras de conforto o apóstolo trata da questão da mutualidade: amai-
-vos ardentemente uns aos outros.
A partir do capítulo 2 então, Pedro começa a tratar da boa conduta
do cristão. Uma vez tendo enfatizado a condição de “nova criatura”, per-
tencentes a um “novo povo” e os direitos adquiridos por fazerem parte da
família de Deus, a seção culmina (2. 4-10) concentrada em duas séries de
três textos do Antigo Testamento. Esta série focaliza Cristo como a pedra
escolhida por Deus, mas rejeitada por alguns seres humanos; na comuni-
dade cristã que se tornou o povo de Deus. O verso 9 interpreta Êxodo 19.
6 – da Septuaginta (LXX): “Mas vós sois uma raça eleita, um sacerdócio
real, uma nação santa – e;qnoj a[gion (éthnos hagion)”. Aqui ele novamente
ressalta a santidade daqueles que foram gerados de novo, o que já havia
˂˂˂ 103

mencionado também em (2. 5) “sois edificados casa espiritual e sacerdó-


cio santo” – oi=koj pneumatiko.j eivj i`era,teuma a[gion (oikos pneumatikòs eis
ierateyma hágion). A repetição dos termos é importnte para a compreensão
da mensagem petrina. Para Brown (2004, p. 925) isto ressalta que os privi-
légios de Israel agora são os privilégios dos cristãos.

• Comportamento Adequado Visando o Bom Testemunho

Depois de afirmar a identidade dos cristãos como aqueles que fo-


ram gerados novamente e, situando-os como povo de Deus chamado para
viver em santidade, dada a dignidade do povo cristão, existe um padrão
de conduta que pode apresentar um exemplo para os pagãos do local, a
fim de reagir à pouca estima que eles tinham dos cristãos. É assim que Pe-
dro convida-os a viver como peregrinos, mantendo-se imaculados diante
dos olhos dos homens (2. 11-12) e sujeitos à autoridade do governo (2.
13-17). De maneira similar os escravos devem permanecer em sujeição a
seus senhores, seguindo o exemplo e a conduta de Jesus Cristo ao ser mal-
tratado (2. 18-25). Do mesmo modo, as mulheres têm a obrigação de sub-
meterem-se a seus maridos (3. 1-6) e os esposos devem tratar com elevada
consideração e gentileza a suas esposas (3. 7). Para Harrison (1987 p. 394)
os verdadeiros discípulos de Cristo devem ser governados por um espírito
de amor e ternura que lhes assegure a benção divina (3. 8-12).
Cartas Universais e Hebreus

Brown (2004, p. 926) aponta que o término desta seção se dirige


a “todos vós”, com cinco breves imperativos sobre como devem tratar-se
mutuamente, a fim de que possam viver mesmo como uma verdadeira
comunidade cristã. A promessa de bênção divina destacada por Harrison
é resultado de uma vida de acordo com esta conduta que é, na realidade,
uma citação do Salmo 34. 13-17.
104 ˃˃˃

• Atitude Diante da Hostilidade

A terceira seção do corpo da carta pode ser recortada em 3. 13 – 5.


11. Esta trata do problema a respeito de se o sofrimento em 1Pedro advém
de perseguição ou de desestima. Os cristãos estão comprimidos em um
planeta que parece super povoado com pessoas cuja natureza pecaminosa
os faz inimigos de Deus e uns dos outros. Muitos querem manter uma
boa convivência com os demais, mas isto não é fácil. Assim, segundo Bro-
wn (2004, p. 926) os cristãos estão sofrendo, sendo aviltados e maltratados
por seus companheiros gentios que não podem compreender a estranha
mudança que Cristo realiza na vida dos que “foram gerados de novo”,
distanciando-os da sociedade. Para isso os cristãos têm em Cristo o exem-
plo de que o justo sofreu pelos injustos. A morte de Jesus não foi o fim,
ele ressuscitou e a seguir foi proclamar a vitória sobre os anjos maus, que
estavam aprisionados num poço, depois de pecar com mulheres, vindo a
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provocar o juízo divino através do dilúvio (3. 18-19).


O verso 19 informa que Jesus “kai. toi/j evn fulakh/| pneu,masin
poreuqei.j evkh,ruxen” também foi e pregou aos espíritos em prisão, ou
como prefere a versão Reina Valera “también fue y predicó a los espíritus
encarcelados”. As versões latinas, como a mencionada antes parecem dar
mais peso à sentença, o latim e o italiano verteram dessa forma, respectiva-
mente: “qui in carcere erant” e “che erano in carcere”. Por fim Pedro evoca a
figura de Noé e outros “tou/tV e;stin ovktw. yucai,( diesw,qhsan diV u[datoj\”
(toyt’ éstin oktò psychaí diesóthesan di’ hýdatos) isto é, oito almas foram salvas
pela água. Nisto parece que ele procura fazer uma correlação na salvação
do cristão simbolizada pela imersão nas águas.
No capítulo 4 vê-se que, se “Cristo padeceu por nós na carne,
amai-vos também vós com este pensamento: que aquele que “paqw.n evn
sarki,” (pathòn en sarkí) padeceu na carne já cessou do pecado, para que o
˂˂˂ 105

tempo que vos resta na carne, não vivais mais segundo as concupiscências
dos homens, mas segundo a vontade de Deus”. Brown (2004, p. 927) con-
sidera que é como se Pedro intentasse dizer-lhes assim:

Uma vez que Cristo mostrou que o sofrimento era a vereda


para a glória, os cristãos não devem surpreender-se se exper-
imentarem “um incêndio purificador” e grandes sofrimentos
(1Pd 4.12-19). O julgamento começará com a comunidade
cristã, “a casa de Deus” (v.17). Pedro, que foi testemunha
dos sofrimentos de Cristo e partícipe da glória a ser revelada,
encoraja os presbíteros da comunidade a cuidar do rebanho
(1Pd 5.1-4). A estrutura eclesial implícita está bem estabe-
lecida, e os membros parecem receber salários, pois 1 Pedro
insiste em que eles devem ser pastores com generosidade, e
não por lucro sórdido. O modelo para eles é o Cristo, o pas-
tor supremo.

Kümmel (1982, p. 548) arremata mostrando que uma série de


exortações gerais e uma doxologia formam a conclusão (4. 7-11). Em se-
guida o escritor recomeça uma exortação para suportar adequadamente
os sofrimentos (4. 12-19 traz novamente à mesa o debate a respeito do so-
frimento), seguida de exortações dirigidas a pessoas mais velhas e mais
jovens (5. 1-5). Em seguida, (5. 5-9) a imagem que repercute o Salmo 22. 14
é memorável “[...] vosso adversário, o diabo, vos rodeia como leão a rugir,
procurando a quem possa devorar”. A doxologia (5. 10-11) traz a solene
promessa de que nessa luta Cristo confirmará, fortalecerá e estabelecerá os
cristãos depois que estes tiverem sofrido um pouco. A epístola termina (5.
Cartas Universais e Hebreus

12-14) com saudações finais (BROWN, 2004, p. 928).


Pedro dá bastante ênfase aos sofrimentos de Cristo. Parece que as
ideias de 1 Pedro sobre a alegria no sofrimento brotam de uma tradição a
propósito da perseguição dos primeiros judeus cristãos, em que a experi-
ência do sofrimento é interpretada como escatologicamente necessária e
como algo que devia ser esperado (KÜMMEL, 1982, p. 552).
106 ˃˃˃

• Cristo Desceu ao Inferno?

São dois os textos que trazem este debate:


2. 19 – “o qual também foi e pregou aos espíritos em prisão”;
3. 6 – “porque, por isto, foi pregado o evangelho também
aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os
homens, na carne, mas vivessem segundo Deus, em espírito”.
Poucos se atrevem dizer algo a respeito. Carson e Kümmel sim-
plesmente passam por cima do texto, como se ele não estivesse ali. Koester
e Hale procedem da mesma maneira. Têm-se algumas informações pelo
menos em Dockery, Holmer e Brown. Veja resumidamente.
Apesar de ser bem pequeno, afirma Mueller (1988, p. 207), o texto é um
dos mais controvertidos de todo o Novo Testamento. Praticamente cada
uma das suas nove palavras – no grego – tem sido objeto de intenso debate
na pesquisa bíblica. Mais tarde foi incorporado ao Credo Apostólico: “foi
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crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno, ressuscitou dos mortos


ao terceiro dia”.
Para Dockery (2001, p. 815) os “espíritos em prisão” referem-se a
seres sobrenaturais ou anjos maus que se opõem a obra de Deus (BÍBLIA,
AT Gênesis 6. 1 – 4 ; NT 2Pedro 2. 4 – 5; Judas 6). Pregar para eles, dessa
forma, não era a oferta de outra oportunidade de arrependimento, mas o
anúncio do juízo final. A exata localização desses espíritos não pode ser
identificada. Alguns intérpretes afirmam que Jesus desceu ao inferno. Ao
comparar os espíritos em prisão aos anjos que pecaram em 2Pedro 2. 4, en-
tão refere-se ao Tártaro. No pensamento grego o lugar de punição estava
abaixo do Hades.
Na concepção de Holmer (2008, p. 53, 54) “foi no espírito que Cris-
to chegou aos espíritos e lhes “anunciou”, a saber, sua vitória. Não apenas
à terra e ao mundo dos mortos, mas também aos mundos celestiais chega o
˂˂˂ 107

poder eficaz de seu padecimento”. Os “espíritos na prisão” são os espíritos


dos falecidos (4. 6). Encontram-se “na prisão”, podendo ouvir a mensagem
de Cristo e com certeza também responder e tomar decisões. Para isso Hol-
mer combina com as várias informações do Novo Testamento: “ao morrer
o ser humano de fato perde o corpo carnal, mas permanece preservado
como pessoa (BÍBLIA, NT Mateus 10. 28; Lucas 16. 22ss; 23. 43; Atos 7. 59;
Hebreus 12. 23; Apocalipse 6. 9)”. Se fosse esse o caso, o falecido pode ser
designado tanto como “alma” como também “espírito”. O vocábulo “pri-
são” refere-se ao local em que se encontram os espíritos dos adormecidos,
ou seja, o reino dos mortos. Foi lá que lhes foi anunciado, literalmente: “tra-
zida mensagem de arauto”.
Pedro não afirma nada sobre o conteúdo da mensagem, alguns
pensam que ele teria anunciado juízo aos mortos. No entanto, pelo fato de
Pedro empregar aqui o mesmo termo usado no anúncio da mensagem de
salvação aos vivos pode-se depreender que também aqui tem em mente
uma oferta de salvação (4. 6). Holmer afirma que a boa nova deste trecho
da chamada “descida ao inferno” é que ele se voltou aos que faleceram
antes de seus dias na terra, anunciando-lhes sua vitória. Essa “descida” ao
mundo dos mortos também é atestada em Romanos 10. 7 e Efésios 4. 9s.
Brown (2004, p. 930) ressalta também que alguns vagos textos do
Novo Testamento (os mesmos indicados por Holmer) indicam que Jesus,
presumivelmente depois de sua morte, desceu às profundezas da terra e
retirou de lá os santos mortos (BÍBLIA, NT Mateus 27. 52; Efésios 5. 8) e
Cartas Universais e Hebreus

triunfou sobre as forças angélicas más (BÍBLIA, NT Filipenses 2. 10; Colos-


senses 2. 15). Brown destaca ainda duas possíveis razões:
Por razões salvíficas: Essa é a interpretação mais antiga, data, no
mínimo, do começo do século II. É essa a interpretação de Justi-
no, em Diálogo 72 (c. 160 d.C.); Clemente de Alexandria (c. 200
d.C.) e Orígenes;
108 ˃˃˃

Por razões condenatórias: A interpretação de 1Pedro 3. 19 à luz


de 1Pedro 4. 6, pregar aos espíritos aprisionados equivale a evan-
gelizar os mortos e certamente teria um intenso cunho salvífi-
co. No entanto W. J. Dalton (apud Brown, p. 931) declara que os
dois versos não se referem ao mesmo acontecimento. Para Dal-
ton em 4. 6 Cristo não faz o anúncio; ao contrário, o texto refere-
-se à pregação sobre Cristo, que é a proclamação do evangelho.
Na antropologia semítica o vocábulo “espíritos” é uma maneira
inusitada de referir-se aos mortos; com maior probabilidade aos
anjos, se levar em conta a referência a Noé esses anjos seriam
os filhos de Deus que agiram mal ao manter relações com mulhe-
res na terra (BÍBLIA, AT Gênesis 6. 1 – 4). Brown conclui que a
mensagem é semelhante à de João 16. 11, aonde o retorno de
Jesus para Deus assinala a condenação do Príncipe deste mundo,
e à de Apocalipse 12. 5-13, em que, quando o Messias nasce – res-
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suscita, e é elevado ao céu, o mal e seus anjos são derrubados.


Brown afirma que essa talvez seja a explicação mais plausível para 1Pe-
dro 3. 19.
Por fim, vale mencionar que qualquer que seja a nuança atribuída
a seu objetivo, a proclamação aos espíritos encarcerados, que tinham sido
desobedientes nos dias de Noé (3. 19), significa que a vitória de Cristo foi
aplicada àqueles que viveram e atuaram nos tempos do Antigo Testamen-
to. Pode ser que essa afirmação contenha elementos imaginários, porém
representa a intuição cristã de que a vitória de Cristo afetou não somente
aqueles que o seguiram temporariamente, mas também aqueles que o pre-
cederam, ou seja, uma universalidade temporal como parte da teologia de
que todos são salvos por intermédio de Cristo (BÍBLIA, NT Mateus 27. 52).
Brown deixa em aberto a seguinte reflexão:

Como os cristãos conciliam tal dependência a


˂˂˂ 109

Cristo com a crença de que as pessoas que não conheceram


Cristo são julgadas por Deus de acordo com o modo segun-
do o qual viveram à luz de seu próprio conhecimento e con-
sciência? (BROWN, 2004, p. 941).

É uma questão que merece profunda reflexão teológica, principal-


mente para questões apologéticas.

SAIBA MAIS

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.

HOLMER, U. Primeira Carta de Pedro: comentário esperança. Curitiba:


Esperança, 2008.

MUELLER, Ê. R. I Pedro: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida


Nova, 1988.

EXERCÍCIOS

1. Como as provações desenvolvem fé genuína e que resposta da nossa


parte promove o desenvolvimento da fé na provação?

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Cartas Universais e Hebreus

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2. Assinale as alternativas corretas:

I – Como se manifesta a santidade?


110 ˃˃˃

a (.....) Pela quantidade de dons que uma pessoa possui.


b (.....) Pelo longo período de tempo que o cristão passa em oração.
c (.....) Em forma de amor intenso pelos irmãos.
d (.....) Mediante a assiduidade na frequência às reuniões promovidas pela
igreja.

II – A que Pedro exorta aos que foram gerados de novo?


a (.....) A permanecerem irredutíveis quanto ao judaísmo.
b (.....) A plena comunhão com os gentios.
c (.....) À santidade demonstrada por uma vida separada dos antigos há-
bitos.
d (.....) Nenhuma das alternativas estão corretas.

III – Com relação ao sofrimento:


a (.....) Pedro dá bastante ênfase aos sofrimentos de Cristo.
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b (.....) O escritor recomenda a que seus leitores aprendam a suportá-lo.


c (.....) As ideias de Pedro brotam de uma tradição em que a experiência do
sofrimento é interpretada como escatologicamente necessária.
d (.....) Todas as alternativas estão corretas.

SEÇÃO 3 – 2PEDRO

O autor denomina-se Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cris-


to (1. 1), testemunha presencial de sua grandeza no monte da transfigura-
ção (1. 16), de quem recebeu aviso de sua próxima saída deste tabernáculo
(1. 14; cp. Jo 21. 19), e apresenta-se em linha paralela com o apóstolo Paulo
(3. 15). A falta de simplicidade, de estilo e liberdade de expressão contrasta
˂˂˂ 111

com a simplicidade da sua primeira epístola, motivo pelo qual já no tempo


de Jerônimo se impugnava a sua autenticidade.

• Autoria e Data

Dentre os livros do Novo Testamento, a Segunda Epístola de Pe-


dro é aquela cuja autenticidade é mais debatida pelos estudiosos. 2Pedro
é dito ser a carta com a mais fraca atestação entre os escritores antigos e a
mais desacreditada, entre os estudiosos modernos, de qualquer livro do
cânon. A epístola era praticamente desconhecida antes do terceiro século
e foi rejeitada como ilegítima por vários escritores patrísticos. É preciso
admitir que o problema é complexo e deve ser tratado cuidadosamente
(HALE, 2001, P. 387).
Em Eusébio de Cesaréia fica-se sabendo que Orígenes afirmava:
“E Pedro, sobre quem se edifica a Igreja de Cristo, contra a qual não pre-
valecerão as portas do Hades, deixou só uma carta por todos reconhecida.
Talvez também uma segunda, pois é posta em dúvida” (História Eclesiás-
tica, 2002, VI, xxv, 8, p. 138).
Vários aspectos contribuíram para o questionamento da auten-
ticidade petrina. A carta não foi muito usada pela igreja primitiva. Seu
uso não consta claramente no século II. No século III foi pouco utilizada
e somente no século IV teve aceitação geral. Lembre-se de que esta carta
Cartas Universais e Hebreus

consta nos “antilegomena”. Dockery (2001, p. 817) afirma que apesar das
dificuldades, a igreja finalmente aceitou como legítima e digna de inclusão
no cânon.
Por fim, uma opinião de peso é dada por Green e vale a pena inse-
rí-la aqui em sua íntegra:
112 ˃˃˃

Estou impressionado pela ausência de qualquer sugestão


de quiliasmo em 3:8 ao citar o próprio versículo usado por
Barnabé, Justino, 2 Clemente, Metódio e Irineu para apoiá-
lo. Acho isto quase incrível se 2 Pedro realmente adveio de
um escritor do século II. Estou igualmente impressionado
com o contraste entre o ensino de 2 Pedro acerca da parusia
e do Apocalipse de Pedro, do século II. Estou impressionado
pela ausência de interesse na organização da igreja (uma das
preocupações principais das obras do século II tais como a
Didaquê e a Ascensão de Isaías), pela natureza não desenvolv-
ida da heresia contra a qual a Epístola é dirigida, e pelo fato
de que a demora da parusia ainda é um escândalo ardente.
Por estas razões, o Comentário que se segue suporá, provi-
soriamente, que o autor é Simão Pedro (GREEN, 1993, p. 33)

Da mesma forma, nestes estudos, será assumida a autoria petrina.

• Pano de Fundo

A julgar pelo conteúdo – o apóstolo menciona que está próximo o


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tempo de sua morte – talvez ela possa ter sido escrita um pouco antes que
ele sofresse o martírio na perseguição dos cristãos promovida pelo impe-
rador romano Nero (Holmer, 2008, p. 7). Na opinião de Dockery (2001, p.
817) uma data entre o fim da década de 60 parece um período de tempo
aceitável. Desta forma, a carta está inserida em um pano de fundo onde os
cristãos estavam sendo severamente perseguidos.

• Destinatários

Não há destino definido como na primeira epístola. Ao julgar pelo


conteúdo de 3. 1 o escritor parece estar dirigindo-se ao mesmo grupo de
1Pedro. Holmer (2008, p. 7) acredita que os destinatários são caracteriza-
dos apenas pelo estado de sua fé, não segundo o local de moradia. Mas
˂˂˂ 113

igualmente 2Pedro tem a forma de uma carta circular, que provavelmente


também chegou a outras igrejas que não faziam parte das regiões da Ásia
Menor. Contudo, parece melhor propor que o escrito destina-se às igrejas
localizadas ao norte da Ásia Menor (DOCKERY, 2001, p. 817).

• Propósito

Está claro nos capítulos dois e três, que o propósito de 2Pedro foi
o de advertir os leitores contra a heresia ocasionada pelos falsos mestres.
Há um consenso entre os estudiosos que a heresia é a do gnosticismo. A
característica essencial desta heresia foi uma tentativa de estabelecer-se
uma aristocracia do conhecimento na religião e rejeitar-se o princípio cris-
tão básico, que não reconhece nenhuma distinção entre classes de pessoas.
As palavras para “conhecer” e “conhecimento” ocorrem dezesseis vezes,
seis das quais se referem ao conhecimento de Cristo (1. 2, 3, 8; 2. 9, 20;
3. 18). Este conhecimento está espiritualmente baseado numa experiência
crescente com Cristo (3. 18) e não é meramente acadêmico. Com o apare-
cimento dos falsos mestres, é claro que o escritor temeu o perigo interno
da apostasia mais que as crueldades da perseguição infligida de fora pelo
paganismo ignorante. A carta foi escrita para enfatizar a natureza do co-
nhecimento salvífico (1. 1-11) e como os crentes devem viver em vista de
sua esperança da volta de Cristo (3. 13-18) (HALE, 2001, p. 395, 396).
Cartas Universais e Hebreus

• Esboço

Mais uma vez enfatiza-se que são diversas as possibilidades de


esboçar um escrito bíblico. A proposta aqui apresentada é bastante simpli-
114 ˃˃˃

ficada:

Fórmula introdutória: 1. 1-2


Corpo: 1. 3 - 3. 16
1. 3 - 21: Exortação a pro-
gredir na vir-
tude
2.1 - 22: Condenação dos
falsos dou-
tores (polêmica de Ju-
das)
3. 1-16: Adiantamento
da segunda vinda
Exortação conclusiva e
doxologia: 3. 17-18.

Fonte: Brown (2004, p. 991).

Veja de forma sucinta a mensagem desta epístola.


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• Mensagem

O texto de 1. 1-2 é uma saudação típica de carta. No verso 2 “ca,rij


u`mi/n kai. eivrh,nh plhqunqei,h evn evpignw,sei tou/ qeou/ kai. VIhsou/ tou/
kuri,ou h`mw/n” (cháris hymîn kaì eiréne plethytheíe en epignósei toy Theoy kaì
Iesoy toy kyríoy hemôn) o escritor deseja que seus leitores, experimentem o
favor amoroso de Deus e a plenitude espiritual – vos sejam multiplicadas
– por causa do conhecimento claro e pessoal que tinham de Jesus Cristo.
˂˂˂ 115

• Crescimento Espiritual, Perigo do Falso Ensino e a Espe-


rança Divina

O escritor indica que com o dom do conhecimento de Cristo o


cristão é provido de tudo o que é necessário para a obtenção da piedade,
virtude e glória (1. 3). Além disso, as promessas de Deus proveem o ím-
peto para fugir-se das concupiscências carnais, que impedem a pessoa de
participar da natureza divina (1. 4). Este conhecimento salvífico aumenta
através do crescimento na experiência, promovendo as graças espirituais
da: fé, virtude, conhecimento, domínio próprio, perseverança, piedade,
fraternidade e amor. Estas, por sua vez, levam à maturidade e dão a cer-
teza de entrada no reino do Senhor Jesus Cristo (1. 5-11) (HALE, 2001, p.
396). Os leitores devem considerar-se como participantes da natureza di-
vina. Quem não progride torna-se cego e se esquece de que foi purificado
dos pecados (1. 9). Em seguida ele avisa que tem conhecimento de que sua
morte se aproxima (1. 14).
Um texto bastante importante, principalmente para o hermeneu-
ta consta no versículo 21 “ouv ga.r qelh,mati avnqrw,pou hvne,cqh profhtei,a
pote,( avlla. u`po. pneu,matoj a`gi,ou fero,menoi evla,lhsan avpo. qeou/
a;nqrwpoiÅ” (ou gàr thelémati anthrópoy enéchthe propheteía pote, allá hypo
pneymatos hagioy pherómenoi elálesan apo Theo ánthropoi). O texto poderia ser
assim traduzido de forma mais literal “pois não pela vontade de homem
algum a profecia foi produzida, mas sob a plenitude do Espírito Santo da
Cartas Universais e Hebreus

parte de Deus falaram os homens”. Veja que esta tradução não modifica o
sentido das traduções correntes. Contudo, pensa-se que a expressão “mas
sob a plenitude do Espírito Santo da parte de Deus” coloca mais ênfase na
verdade que o texto quer transmitir. Isto significa que, de fato, as Escritu-
ras não são passíveis de interpretações particulares. A falta de observância
desta verdade bíblica tem introduzido uma série de doutrinas errôneas e
116 ˃˃˃

o surgimento de falsos ensinos no meio cristãos. Isso já era uma realidade


no tempo em que a carta foi redigida, por isso a advertência enfática.
É assim que a polêmica condenação dos falsos mestres reforça esse
objetivo ao comparar os adversários aos falsos profetas que atormentaram
Israel. De acordo com Brown (2004, p. 993) o escritor tinha em mente uma
asserção falsa específica acerca da parusia como se verifica em 3. 3-4. Con-
tudo, como que preparando o caminho, ele usa uma polêmica que poderia
adequar-se a quase todos os mestres equivocados.
O texto de 2. 10-16 denuncia o orgulho, a luxúria e a cobiça
dos hereges. O escritor chega a chamá-los de animais irracionais “zw/|a
gegennhme,na” (zôa gegenneména) e, na sequência afirma que aqueles que
seguem os vãos ensinos dos hereges e foram enganados por promessas
vazias (2. 7-19).
Brown (2004, p. 993, 994) lembra que o escritor ilustra essa natu-
reza de animal irracional mencionando a jumenta de Balaão (2. 16). Em
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2. 17-22 encontra-se outra acusação dura, o escritor acentua que os falsos


mestres escaparam às impurezas do mundo por meio do conhecimento de
Cristo, mas emaranharam-se de novo, de modo que a situação final é pior
do que a primeira. Parece que era preferível não ter conhecido o caminho
da justiça a ter de retroceder depois de havê-lo conhecido. O provérbio
do cão que volta ao vômito e da porca lavada que volta à lama (BÍBLIA,
AT Provérbios 26. 11 para o provérbio do cão, e Ahikar 8. 18 siríaco, da
sabedoria semítica para o segundo, além da tradição grega de Heráclito,
Demócrito e Sexto Empírico) é contundente.
A partir de do capítulo 3 o escritor discute um erro doutrinário
dos falsos mestres: a negação da volta de Cristo. Por isso, em 3. 1-4 ele
lembra a seus leitores do incentivo à obediência decorrente da promessa
da volta de Jesus. Os falsos mestres tratavam esse tema com ceticismo (3.
3-4). A resposta às negações dos hereges consiste na afirmação de que a
atual estabilidade do mundo não é argumento para a permanência na mes-
ma forma. Para Deus o tempo não é visto como para os homens (3. 8). O
autor então descarta o “atraso” da parusia alegando a inescrutabilidade do
“tempo” divino. Aos olhos de Deus, mil anos são como um dia (BÍBLIA,
AT Salmo 90. 4). A dilatação se deve à longanimidade de Deus e, para isso,
o escritor evoca as figuras de Noé e Ló (BROWN, 2004, p. 995).
A esperança cristã está firmada na verdade de que o Dia do Se-
nhor virá inesperadamente, como um ladrão, e a terra e todas as suas obras
serão consumidas. Assim, os leitores são aconselhados a levar uma vida de
santidade e piedade, a fim de ser encontrados sem mancha e sem defeitos
(3. 10-14).
Antes da exortação conclusiva e da doxologia (3. 17-18), o escritor
retoma o perigo de interpretações errôneas que distorcem certas cartas de
“nosso amado irmão Paulo” e “igualmente as outras Escrituras”. Com isso
pode-se dizer que o escritor coloca em pé de igualdade os escritos paulinos
com as Escrituras que eles já tinham por sagradas. O último versículo traz
a tão conhecida exortação do crescimento na graça e no conhecimento “de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”.

SAIBA MAIS

GREEN, M. Segunda epístola de Pedro e Judas. São Paulo: Vida Nova, 1993.

HOLMER, U. Segunda Carta de Pedro: comentário esperança. Curitiba:


Esperança, 2008.
118 ˃˃˃

EXERCÍCIOS

1. A carta afirma que a salvação vem pelas obras ou que estas comprovam
a posse da salvação? Qual a diferença dessas possibilidades (1. 5-11)?
______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Qual a principal preocupação nesta segunda carta?


a (.....) A falsa doutrina.
b (.....) Perseguições.
c (.....) Prisões.
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d (.....) A volta de Cristo.

II – Em que o escritor baseou-se para a confirmação de sua doutrina


a (.....) Na inspiração dos profetas.
b (.....) No seu profundo conhecimento teológico.
c (.....) Na afinidade de suas ideias com as do apóstolo Paulo.
d (.....) Nas revelações diretas vinda da parte de Cristo.

III – Qual a resposta dada aos zombadores sobre a volta de Cristo?


a (.....) O silêncio.
b (.....) A disputa teológica.
c (.....) A lembrança do dilúvio.
d (.....) A sólida doutrina.
˂˂˂ 119

SEÇÃO 4 – JUDAS

Este é um dos menores livros da Bíblia. A epístola de Judas é com-


posta de apenas 25 versículos. Contudo, é portadora de uma mensagem
atual e apropriada. Infelizmente parece quase desconhecida pelos cristãos
atuais. É um texto bastante relacionado com a Segunda Epístola de Pedro.
Aqui serão discutidos outros temas.

• Autoria e Data

O autor identifica-se como “Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão


de Tiago” (v.1). Judas era um nome bastante comum naquele tempo e,
dentro do Novo Testamento, há seis homens mencionados por este nome:
Judas Iscariotes, um dos doze – Marcos 3. 19;
Judas, também chamado Labeu, filho de Tiago – Lucas 6. 16;
Judas, um irmão de Jesus – Mateus 6. 3;
Judas da Galiléia – Atos 5. 37;
Judas de Damasco – Atos 9. 11;
Judas Barsabás – Atos 15. 22.

Através do acréscimo de “irmão de Tiago” meio-irmão de Jesus,
Cartas Universais e Hebreus

na introdução, parece que Judas se identifica como irmão de um Tiago que


não precisa de mais nenhuma apresentação (HALE, 2001, p. 399).
Kümmel (1982, p. 562) assevera que a suposição de que o autor
fosse um Judas desconhecido que tivesse um irmão chamado Tiago é ex-
tremamente improvável, principalmente por causa da semelhança linguís-
tica entre Judas 1 e Tiago 1. 1. Contudo, tanto Eusébio quanto Jerônimo
120 ˃˃˃

incluem Judas entre os textos “contestados”. Todavia, esta dúvida não se


apoia numa tradição independente, mas na ofensa feita por Judas ao usar
os apócrifos. O Cânone Muratoriano, Tertuliano e Clemente de Alexandria
consideram a Epístola de Judas canônica. Além disso, na lista canônica
da Igreja ocidental, a partir do século IV a Epístola mantém-se firme sem
sofrer nenhum desafio ou ameaça.
Muito pode ser aprendido a respeito de um homem ao escutar o
que tem a dizer de si mesmo. Judas faz duas alegações relevantes. Primeiro
ele se auto afirma “servo de Jesus Cristo”. O próprio reconhecimento de
Jesus como Cristo ou Messias significava que o cristão se via como o servo
devoto – literalmente “escravo” – de Jesus. Mesmo apóstolos como Paulo
(BÍBLIA, NT Romanos 1. 1; Filipenses 1. 1) e Pedro (2Pedro 1. 1) gloriavam-
-se nisto, e tanto Judas quanto Tiago (1. 1), que eram, segundo parece, ir-
mãos de Jesus, fazem questão de se chamarem Seus escravos. Nisto se vê
uma mudança desde os dias antes da ressurreição, quando os irmãos de
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Jesus não acreditavam nele, ao contrário, pensavam que estava fora de si


(BÍBLIA, NT João 7. 5; Marcos 3. 21, 31). Uma vez que se tornara crente, o
alvo de Judas na sua vida era colocar-se em absoluta disposição ao Messias
Jesus. É preciso dizer que um dos grandes paradoxos do cristianismo é que
em semelhante devoção alegre o homem acha a liberdade perfeita (GRE-
EN, 1993, p. 148)
No que diz respeito à data, Brown (2004, p. 984) faz menção de
que a escala de propostas plausíveis vai de 50 a 120 d.C. O argumento
para a datação do século II, segundo o qual Judas escreveu para gnósticos,
tem pouco valor e, além disso, descartaria a hipótese da autenticidade de
autoria de Judas irmão do Senhor. As propostas de data variam muito e,
por isso, tem-se pouca chance de chegar a uma decisão conclusiva. Mesmo
assim, se Judas nasceu no princípio do século I, a epístola pode ser datada
entre 65 e 80 d.C. (DOCKERY, 2001, p. 831).
˂˂˂ 121

• Contexto e Propósito

Aqui o contexto e o propósito podem ser tratados juntos, pois o


propósito indica claramente o contexto. De acordo com o caráter da epís-
tola que parece ter sido escrita para uma ocasião especial e está cheia de
alusões que somente seriam entendidas pelo povo judaico, parece que foi
endereçada igualmente a uma corporação cristã que pelas necessidades do
momento deixou de ser mencionada. É mais natural admitir que a epístola
foi destinada aos cristãos vindos do judaísmo e que habitavam a Palestina.
A epístola reflete-se bastante na 2 epístola de Pedro, especialmente no cap.
2.
A Epístola teve por fim combater uma heresia nascente com ten-
dências imorais, talvez semelhantes ao gnosticismo, condenadas nas epís-
tolas pastorais e no Apocalipse, vv. 3, 4, 10, 15, 16, 18, e destinadas a salvar
as igrejas de sua influência perniciosa, 1, 2, assinala o motivo de a escrever,
3, 4, anuncia a condenação reservada para os falsos mestres, 5-16, mostra
qual seja o dever dos cristãos em tais circunstâncias, 17-23, terminando
com uma rica e apropriada doxologia, 24, 25. Quanto ao local, qualquer
lugar sugerido seria pura conjectura (HALE, 2001, p. 401).

• Destinatários
Cartas Universais e Hebreus

O escritor endereça sua epístola “oi/j evn qew/| patri. hvgaphme,noij


kai. VIhsou/ Cristw/| tethrhme,noij klhtoi/j\”, ou seja, “aos chamados, amados
em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo” (1). Uma saudação genérica que
não fornece nenhuma pista da localização de seus leitores. Ao falar de fal-
sos mestres como aqueles que “infiltraram-se dissimuladamente no meio
de vocês” dá a impressão de ser uma referência a certa situação bastante
122 ˃˃˃

específica. Entretanto, o que o escritor menciona acerca dos destinatários


e dos falsos mestres não permite chegar a dados mais precisos. O melhor
mesmo é dizer que “não sabemos quais foram os primeiros destinatários
da carta” (CARSON, 1997, p. 511).

• Esboço

Apesar da brevidade deste documento é possível sugerir um pe-


queno esboço para fins didáticos:

I. Saudação
(v.1-2)
II. O motivo da epístola
(v.3-4)
III. A descrição dos falsos mestres
(5-16)
IV. A resistência dos falsos mestres
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(17-23)
V. Doxologia
(v.24-25)

Fonte: Dockery (2001, p. 831).

Tem-se um esboço dividido em cinco partes, o que permite deta-


lhar um pouco mais sua mensagem.

• Mensagem

O corpo da epístola (3-23) – excluindo a introdução e a doxologia


– tem como moldura alusões à fé nos vv. 3 e 20. Já na abertura a circuns-
tância é estabelecida nos vv. 3-4, qual seja: a “nossa salvação comum”. Ob-
˂˂˂ 123

serve que nesta epístola, o escritor considera fé como um corpo tradicional


de ensinamentos, tanto de ordem moral como de ordem doutrinal. Isto
se depreende de sua sentença “th/| a[pax paradoqei,sh| toi/j a`gi,oij pi,stei”
que significa “uma vez por todas confiada aos santos fiéis”. A maioria das
traduções omitem o termo “fiéis”. Algumas traduções inglesas, espanho-
las, italianas e portuguesas foram consultadas e constatou-se que, de fato,
todas omitem. Somente a Vulgata parece ter preservado o vocábulo tradu-
zindo assim: “sanctis fidei”. Parece que a expressão “fiéis” é de vital impor-
tância para a compreensão da epístola, uma vez que ela irá atacar os falsos
mestres, isto é, os “infiéis”.
Após a referência aos homens ímpios e imorais que aparecem en-
tre os leitores (3-4) o escritor mostra três exemplos de punição pela deso-
bediência e a aplicação deles (5-10). Brown (2004, p. 977) presume que os
destinatários conheciam o que havia de errado no ensinamento que ele
combate; assim, ele se concentra em como Deus rejeitará tal doutrina. Os
três exemplos são retirados da tradição israelita:
(v.5) Daqueles que tirou do Egito, Deus destruiu os que não cre-
ram e, por isso não entraram na Terra Prometida (BÍBLIA, Nú-
meros 14);
(v.6) Os anjos que deixaram seu lugar e arderam em busca de
mulheres (BÍBLIA, AT Gênesis 6. 1-4) foram trancados sob a ter-
ra, na escuridão, até o dia do julgamento (1Henoc 10. 4-6; caps.
12 – 13);
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(v.7) Sodoma e Gomorra praticaram imoralidade e foram puni-


das com fogo (BÍBLIA, AT Gênesis 19. 1-28).
Mas esses falsos mestres são piores. (v. 8-10) Eles não respeitam
suas próprias limitações, como fez o arcanjo Miguel, de forma que fazem
coisas que conduzem à sua própria destruição (CARSON, 1997, p. 509).
Seu orgulho é mencionado novamente no versículo 16.
124 ˃˃˃

Kümmel (1982, p. 559) aponta que no versículo 11 o escritor lem-


bra Caim, Balaão e Coré, os falsos mestres provocam a destruição da
vida da comunidade (v.12 – “evn tai/j avga,paij u`mw/n” – en tais agápais
hymôn – em “em vossos ágapes”), mas da mesma forma como profetizou
Henoc, eles mesmos atrairão sobre si um julgamento terrível.
As profecias de Henoc fazem parte da advertência e da lembran-
ça de que a vinda dos ímpios fora predita para os últimos tempos. No
versículo 17 o próprio Jesus é lembrado como aquele que alertou apoca-
liticamente sobre falsos messias – ungidos – e falsos profetas nos últimos
tempos (BÍBLIA, NT Marcos 13-22) (BROWN, 2004, p. 979).
A exortação apostólica inserida em 20-23 apresenta a maneira de
“batalharmos pela fé” e de que nas igrejas sejam mantidas a sã doutrina e a
conduta digna do Senhor Jesus Cristo. Brown (2004, p. 980) lembra que se
deve demonstrar misericórdia para com aqueles que hesitam ou duvidam;
outros devem ser salvos e arrancados ao fogo; outros ainda devem receber
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misericórdia com extrema prudência, rejeitando a corrupção. Ficam claros


os ensinamentos de Cristo acerca de julgamento na comunidade não fica-
rem sem efeito (BÍBLIA, NT Mateus 18. 15-22). A carta termina com uma
doxologia (24-25) onde a mente do escritor concentra-se no poder de Deus
todo-poderoso que é o único que pode dar a força necessária para a ver-
dadeira obediência. Deus é louvado por seu poder que sustenta os santos
fiéis.

SAIBA MAIS

CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,


1997.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.


˂˂˂ 125

GREEN, M. Segunda epístola de Pedro e Judas. São Paulo: Vida Nova, 1993.

EXERCÍCIOS

1. Cite algumas características dos falsos mestres mencionados na epístola.

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

_____________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Que assunto tratado por Judas também é tratado por Pedro?


a (.....) A apostasia na igreja.
b (.....) O enfraquecimento do cristianismo.
c (.....) O crescente aumento da perseguição romana.
d (.....) A perigosa doutrina judaizante.

II – Qual é um dos propósitos da epístola?


a (.....) A concorrência religiosa desleal.
b (.....) A heresia gnóstica.
c (.....) A crise causada por falsos ensinamentos.
d (.....) A substituição do líder na igreja.
Cartas Universais e Hebreus

III – A epístola exorta os leitores a:


a (.....) Batalhar pelo ensino da sã doutrina.
b (.....) Uma maior flexibilidade quanto à interpretação bíblica.
c (.....) Lutar pela salvação comum dada aos santos fiéis.
d (.....) As alternativas “a” e “c” estão corretas.
126 ˃˃˃

RESUMO DA UNIDADE

Ao final desta unidade o(a) estudante deve ter compreendido que


em face da glória futura, é imperativo que os crentes tenham uma conduta
santa. Eles foram remidos pelo sangue de Jesus da servidão ao pecado,
redenção essa que evidencia que Ele sacrificou a Sua vida em favor dos
pecadores. Também é imperativo que os crentes se amem mutuamente,
com base no fato que todos eles nasceram na família de Deus através de
Sua Palavra, a fim de crescerem como infantes recém-nascidos e de serem
edificados como templo espiritual, tendo a Cristo como pedra angular.
Acresça-se que os crentes estão na responsabilidade de impor ao mundo
uma impressão favorável ao evangelho, mediante seu ordeiro comporta-
mento. Isso envolve uma cidadania exemplar, a obediência dos escravos
para com seus senhores, sem desrespeito nas palavras, o adorno das espo-
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sas cristãs com a obediência aos seus esposos, ao invés de seguirem modas
espalhafatosas, o respeito das mulheres para com seus maridos, e, uma vez
mais, o amor mútuo dentro da comunidade cristã.
A menção à profecia autêntica, no final do primeiro capítulo de
2Pedro, leva o apóstolo a condenar as profecias fictícias. Os mestres falsos,
presentes e futuros, encontram-se na mesma posição de condenação em
que eram tidos os falsos profetas do Antigo Testamento, e terão de sofrer o
mesmo juízo divino condenatório que aqueles. Quem foi gerado de novo,
todavia, deve relembrar as predições de juízo, quando da segunda vinda
de Cristo, segundo os moldes do dilúvio, embora através do fogo, e não da
água. A demora aparente do retorno de Jesus não deve ser erroneamente
interpretada como um cancelamento. Antes, essa postergação se apresenta
como paciência de Deus, que convida e deseja dar a cada geração mais
tempo para arrependimento. Todavia, tendo em vista que o presente es-
quema das coisas será destruído, os fiéis discípulos de Cristo devem viver
retamente, à luz dos valores eternos, em antecipação à volta de Jesus. A
classificação das epístolas de Paulo entre “as demais Escrituras” (3. 15,16)
mostra que elas já eram então consideradas Escrituras inspiradas.
Judas escreveu reagindo à infiltração da Igreja por parte de falsos
mestres. O que o compeliu para uma exortação a que os cristãos lutassem
vigorosamente em defesa da verdade do Evangelho. Ele descreve em ter-
mos vívidos tanto a iniquidade dos falsos mestres quanto a condenação
deles, ao citar exemplos de juízo divino no passado: a geração de israelen-
ses que perecera no deserto, por causa de sua infidelidade; os anjos caídos;
e Sodoma e Gomorra. Os falsos mestres eram destituídos de reverência
pelas realidades espirituais e por seres sobre-humanos, o que contrasta
com a cautela com que o arcanjo Miguel disputara com Satanás em torno
do cadáver de Moisés.
Apesar da riqueza de temas encontrados nessa unidade, podemos
dizer que a ênfase deve ser dada à conduta diante do sofrimento e a infeliz
existência de falsos mestres e profecias errôneas. Contudo, o foco maior
fica na viva esperança da realização da promessa de que Jesus voltará.

Excelente! Se você chegou até aqui, só resta uma unidade.

Agora é só prosseguir com ânimo!


Cartas Universais
e Hebreus

UNIDADE 4

Epístolas Joaninas
Hebreus

t
Cartas Universais e

UNIDADE IV
Epístolas Joaninas
˂˂˂ 131

PARA INÍCIO DE CONVERSA

As Cartas de João são importantes pela luz que lançam sobre


o pensamento e a teologia do Novo Testamento, e pela informação que
proporcionam sobre a organização da Igreja em seus primeiros tempos.
Há poucos livros que mostram com clareza os perigos das heresias e das
correntes de pensamento errôneas que brotavam dentro da Igreja mesma.
Desta forma elas fazem coro com as cartas de Pedro e Judas.
A primeira epístola de João é evidentemente escrita pelo autor do
quarto evangelho. Encontra-se nela a mesma fraseologia característica em
ambos os livros e a mesma construção das sentenças. A epístola destinava-
-se a quem já tinha conhecimento do evangelho do mesmo autor. Ambos
os escritos foram dirigidos às mesmas igrejas, e segundo a opinião de mui-
tos, a epístola era um suplemento do evangelho. As primeiras palavras fa-
zem lembrar o prólogo do evangelho. Em ambos se encontram passagens
paralelas em quase todos os versículos.
Em completa harmonia com as reservas que o apóstolo guarda na
primeira epístola, quanto ao nome de seu autor, na segunda epístola ele se
denomina “O Presbítero”, à semelhança do apóstolo Pedro (BÍBLIA, NT
1Pedro 5. 1), nome que Papías dá a todos os apóstolos. Nesta segunda car-
ta, dirige-se à Senhora Eleita e a seus filhos, manifestando a sua alegria por
ter achado que alguns deles andavam na verdade, e advertindo-a contra os
perigos de doutrinas heréticas.
Cartas Universais e Hebreus

Outra epístola, a terceira atribuída a João, contém apenas 14 versí-


culos. É dirigida ao caríssimo Gaio, louvando-o pela hospitalidade que ha-
via dispensado aos irmãos, particularmente aos peregrinos, estimulando-o
a imitar tudo que é bom. Há uma referência a certo Diótrefes, que a ele se
opôs; e outra a Demétrio, de quem todos davam bom testemunho. Parece
ter sido pessoa proeminente em uma das Igrejas da Ásia, sem, contudo,
132 ˃˃˃

exercer funções eclesiásticas. Esta epístola, como as precedentes, é notável


pelo estilo e pelos pensamentos.
Esta unidade irá procurar tratá-las em conjunto. Isso pode propor-
cionar unidade ao texto, trazendo benefícios ao(à) estudante.
Mais uma vez você está chegando ao final.
A persistência deve ser sua companheira!

SEÇÃO 1 – INTRODUÇÃO

Os desdobramentos posteriores mostram que a composição do


Evangelho de João representou um momento decisivo na história das co-
munidades joaninas separadas. Logo após seu aparecimento o evangelho
passou por uma revisão que o aproximou mais da teologia majoritária do
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cristianismo sírio. A Primeira Epístola de João é um importante testemu-


nho desse desdobramento. A posição teológica do seu autor ainda está
muito ligada à do autor do evangelho. Pode-se mesmo supor que o autor
desta epístola e o redator do evangelho sejam a mesma pessoa (KOESTER,
2005, p. 211, 213). Esse é o primeiro tema a ser discutido nesta seção.

• Autoria e Data de 1João

Somente a Epístola aos Hebreus e 1João iniciam sem qualquer in-


formação sobre o nome ou título do autor. Na verdade não há nenhuma
saudação introdutória, o que elimina 1João do gênero literário “cartas”.
Não há explicação para o anonimato de 1João com a sugestão de que o
˂˂˂ 133

autor está escrevendo um tratado teológico, ou mesmo uma epístola “Ca-


tólica”, como a chamou Orígenes. A forma de tratamento “eu-vós-nós” é
mantida do começo ao fim; os destinatários são os amados “filhinhos” do
autor, dos quais a história espiritual, e as presentes circunstâncias, ele bem
conhece.
De acordo com Stott (2005, p. 13) todas as três epístolas constam
nos manuscritos gregos mais antigos. A primeira epístola está incluída,
até mesmo nas mais antigas versões da igreja do Oriente e do Ocidente, a
saber, a Siríaca e a Latina, ao passo que a segunda e a terceira não estão na
Velha Siríaca.
Uma informação relevante ainda é dada por Stott:

A mais antiga referência a estas epístolas nos chamados País


vem de Policarpo de Esmirna (morto cerca de 155 H.D.),
que, no capítulo sete de sua carta aos filipenses, talvez es-
crita trinta ou quarenta anos antes de seu martírio, assevera
que, todo aquele que não confessa que Jesus Cristo veio em
carne é anticristo. Ele prossegue, instando a um retorno à
mensagem transmitida desde o princípio. Aqui há citações
de 1 João 4:2,3 (com uma possível reminiscência de 1 João
2:22 e 2 João 7) e de 1 João 2:24. Contudo, Policarpo não atri-
bui as suas citações a João (STOTT, 2005, p. 14).

Na verdade, o primeiro a referir-se especialmente a uma epístola


joanina foi Papías de Hierápolis, em meados do século II, que, de acordo
com Eusébio (iii, 39. 71), “utilizou testemunhos extraídos da mais antiga
Cartas Universais e Hebreus

epístola de João”. Quando se chega em Irineu de Lião (c. 130-200) a primei-


ra e a segunda epístola já são explicitamente atribuídas ao João que era tan-
to o “discípulo do Senhor” como o autor do quarto evangelho. Stott (2005,
p. 14) ainda menciona que na obra Adversus Haereses (iii. 16.18), Irineu faz
citação completa de 1João 2. 18-22; 4. 1-3, 5. 1 e João 7, 8.
No que diz respeito às evidências externas, a segunda e a terceira
134 ˃˃˃

epístolas não são tão claras como as concernentes à primeira. Mais uma
vez foi Irineu que, em sua obra Adversus Haereses iii. 16.3,8 menciona duas
epístolas, atribuindo-as a “João, o discípulo do Senhor”, além disso, ele
cita 2João 7, 8, 10 e 11 (STOTT, 2005, p. 15). Lembre-se mais uma vez que
tanto a 2 quanto a 3João estão entre os antilegomena.
Tanto no estilo quanto no vocabulário existem tantas semelhanças
entre 1João e o Evangelho de João que ninguém pode duvidar de que pro-
vêm da mesma tradição (BROWN, 2004, p. 519). Quanto aos dois outros
documentos – 2 e 3João – Stott (2005, p. 23) afirma que não é necessário por
em ordem longos argumentos em favor da autoria comum de 2 e 3João.
Para este escritor é quase que patente nelas mesmas. Apesar de a terceira
epístola conter uma ou duas palavras que lhe são singulares - filoprwteu,wn
no v. 9 e fluarw/n no v. 10, referindo-se à “primazia de Diótrefes” e “profe-
rindo palavras maliciosas”, respectivamente – não obstante, a despeito das
circunstâncias diferentes que as evocaram e do fato de que o destinatário
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masculino da terceira era uma pessoa, e o destinatário feminino da segun-


da provavelmente era uma personificação, há semelhança de tratamento
– de “o presbítero” a alguém “a quem eu amo na verdade” – a mesma situ-
ação subjacente a missionários itinerantes, a mesma extensão, bem como o
padrão, estilo, linguagem e conclusão.
Observe que as evidências externas a respeito de 1João são abun-
dantes e, por isso, pode-se assumir realmente a autoria joanina. As evi-
dências externas em favor de 2 e 3João não são tão fortes; isso em parte é
resultado de elas serem curtas e menos voltadas à temas teológicos, tão ca-
racterísticos na redação joanina. Isto deve ter contribuído para que elas não
tenham sido citadas com frequência entre os primeiros escritores cristãos.
Mesmo assim, de fato, Irineu liga 2João a 1João e Clemente tem conheci-
mento da existência de mais de uma epístola joanina. Carson (1997, p. 495)
menciona que Orígenes – falecido em 253 d.C. – é quem pela primeira vez
˂˂˂ 135

menciona as três epístolas, mas de acordo com Eusébio, Orígenes assim


procede em parte para admitir que nem todos aceitavam a autenticidade
de 2 e 3João. Dessa forma, Carson (1997, 499) conclui que hoje é quase
inaceitável que as razões mais fundamentais apresentadas para a rejeição
da autoria joanina dessas epístolas não giram em torno de evidências con-
cretas ou de teorias de fontes, porém estão em foco as reconstruções do
desenvolvimento do “círculo” ou “comunidade” ou “escola joanina”. Esta
reconstrução admite que, caso 2 e 3João não tenham sido escritas pela pena
do apóstolo, ao menos partiram de seu círculo de discípulos e, isto lhes
confere autoridade.
No que diz respeito às datas da redação Brown (2004, p. 521, 536 e
543) propõe “por volta do ano 100 d.C.”; “cerca do ano 100 d.C.” e “pouco
depois do ano 100 d.C.” respectivamente para 1, 2 e 3João. Dockery (2001,
p. 827) sugere que 90 d.C. é a data mais provável.

• Pano de Fundo

Tendo em vista que as datas prováveis para redação são bastante


próximas, podem-se, da mesma forma, tratar do contexto ou lugar viven-
cial também de forma conjunta.
Carson (1997, p. 499) admite que “Quer se pense em termos de
autoria apostólica ou de uma escola joanina, a procedência mais provável
Cartas Universais e Hebreus

é Éfeso. Existem muitas evidências históricas de que João filho de Zebe-


deu – e também o evangelista Filipe e suas filhas – mudou-se para Éfeso à
época da Guerra Judaica (66-70 d.C.), onde foi morto. Mesmo não sendo
conclusivas essas evidências são consistentes. Elas dependem basicamente
do testemunho de Polícrates, bispo de Éfeso, que escreve a Vitor, bispo de
Roma, por volta do ano 190 d.C. A este respeito Eusébio de Cesaréia escre-
136 ˃˃˃

ve:

Sobre João, quanto ao tempo, também já foi dito; mas quanto


ao lugar de seu corpo, indica-se na carta de Polícrates, bispo
da igreja de Éfeso, que foi escrita para o bispo de Roma, Vic-
tor. Junto com João menciona o apóstolo Felipe e as fi-lhas
deste nos seguintes termos: “Porque também na Ásia re-
pousam grandes luminares que ressuscitarão no último dia
da vinda do Senhor, quando virá dos céus com glória em
busca de todos os santos: Felipe, um dos doze apóstolos, que
repousa em Hierápolis com duas filhas suas que chegaram
virgens à velhice, e a outra filha, que depois de viver no Es-
pírito Santo, descansa em Éfeso; e também há João, o que
se recostou sobre o peito do Senhor e que foi sacerdote por-
tador do pétalon, mártir e mestre; este repousa em Éfeso.”
(História Eclesiástica XXXI, 2, 3, 4)

Barclay oferece uma visão panorâmica bastante vívida do contex-


to. Próximo ao ano 100 d.C. tinham ocorrido quase inevitavelmente certas
coisas dentro da Igreja, e especialmente num lugar como Éfeso, local onde
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se pressupõe tenham sido escritas as cartas de João. Ele destaca alguns


pontos de relevância:

(1) Muitos cristãos eram naquela época cristãos de segunda e


até de terceira geração. A emoção dos primeiros tempos e do
novo achado tinha passado para alguns, ao menos em certa
medida, irremediavelmente.
Os primeiros dias da cristandade se caracterizaram por sua
glória e seu brilho, certa magnificência e alegria de viver. Mas
ultimamente o cristianismo tinha chegado a ser uma questão
de hábitos; como alguém disse, “tradicional, morno, nomi-
nal”. [...] João escrevia numa época em que, ao menos para
alguns, o primeiro entusiasmo tinha desaparecido, quando
a chama da devoção se reduziu a uma efêmera piscada. [...]
(2) Uma das primeiras conseqüências foi que havia mem-
bros da Igreja que encontravam incômodas e aborrecidas as
normas de conduta que o cristianismo exigia. Não queriam
ser santos no sentido do termo no Novo Testamento. A pa-
lavra traduzida santo é hagios. Etimologicamente significa
diferente. [...] o cristão estava chamado a ser hagios para ser
diferente dos outros homens. Houve sempre uma separação
distintiva entre o cristão e o mundo. [...] Mas tudo isto impli-
cava uma exigência ética. Exigia uma nova norma de pureza
moral, uma nova ética sexual, uma nova bondade, um novo
˂˂˂ 137

serviço, uma nova maneira de perdoar, e resultava difícil. E


logo que o primeiro entusiasmo e otimismo passaram, foi
cada vez mais difícil destacar-se do mundo, privar-se das
coisas do mundo, recusar acomodar-se às normas e práti-
cas sociais usualmente aceitas pela sociedade da época. O
que num tempo tinha sido um desafio dignificante chegou a
converter-se numa carga pesada.
[...] O mal que 1João procura combater não procedia de es-
tranhos que queriam destruir a fé cristã mas sim de homens
que pensavam que a estavam aperfeiçoando, que aspiravam
tornar o cristianismo intelectualmente respeitável (BAR-
CLAY, 1960, p. 6, 7).

Diante disso é fácil perceber a dificuldade enfrentada pelas igrejas


no final do primeiro século. Parte dos problemas era de origem interna,
isto quer dizer que os cristãos mesmos é quem não estavam levando uma
vida pautada por uma conduta digna do Senhor. Quanto o problema é
interno parece sempre mais difícil extirpá-lo do seio da igreja.
Sabe-se que através de todo o mundo grego havia uma forte ten-
dência de constante desenvolvimento do pensamento que recebe o nome
genérico de gnosticismo. A crença básica do pensamento gnóstico é que
só o espírito é bom, sendo a matéria essencialmente má. Dessa forma, o
gnosticismo despreza o mundo, porque o mundo é matéria e, portanto,
todas as coisas criadas do mundo são naturalmente más. Particularmente
o gnosticismo despreza o corpo: o corpo é matéria, portanto é mau. Para
o pensamento gnóstico o espírito é prisioneiro do corpo. O espírito é uma
semente, uma emanação do espírito que é Deus, inteiramente bom (BAR-
CLAY, 1960, p. 8). É assim, pois, que o propósito da vida deve-se libertar
Cartas Universais e Hebreus

dessa semente celestial prisioneira na natureza má do corpo. Para isso é


necessário um complicado e secreto conhecimento e ritual de iniciação que
só a fé gnóstica pode subministrar. Fixe-se nisso: para o gnosticismo toda
matéria é má, o espírito só é bom, e a única tarefa sensata na vida é libertar
o espírito humano da prisão pecaminosa do corpo.
Tem-se então o pano de fundo para as três epístolas. Essas comu-
138 ˃˃˃

nidades localizavam-se na província romana da Ásia Menor e, em sua


grande maioria, estavam em Éfeso mesmo. Apesar do mesmo pano de fun-
do, os propósitos, conteúdos e destinatários revelam situações por vezes
totalmente distintas, como poderá ser observado mais à frente. Portanto,
se deixará para tratar da situação vivencial separadamente.

SAIBA MAIS

KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. 2. São Paulo: Paulus, 2005.

STOTT, J. R. W. As epístolas de João: introdução e comentário. São Paulo: Vida


Nova, 2005.

EXERCÍCIOS
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1. Escreva um pouco sobre a autoria das epístolas joaninas.

______________________________________________________________
______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________

______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – De forma geral podemos dizer que a primeira carta se dirige à:


a (.....) Filhos de João.
b (.....) Membros da comunidade joanina.
c (.....) Papias.
˂˂˂ 139

d (.....) Diótefres.

II – A quem se destina a segunda carta e terceira carta respectivamente?


a (.....) Papias e Eusébio.
b (.....) Clemente e Vitor de Roma.
c (.....) Polícrates de Éfeso.
d (.....) Senhora Eleita e ao presbítero Gaio.

III – No que diz respeito às epístolas joaninas podemos afirmar que:


a (.....) Irineu de Lião menciona a existência de duas cartas.
b (.....) 2 e 3João pertencem aos “livros disputados” - antilegomena.
c (.....) Nada pode ser afirmado conclusivamente.
d (.....) As alternativas “a” e “b” estão corretas.

SEÇÃO 2 – CONTEXTO, ESBOÇO E CONTEÚDO

A Primeira Carta de João se denomina uma carta, mas nem come-


ça nem termina como tal. Não principia com um destinatário nem finaliza
com saudações como ocorre com as Cartas de Paulo, e mesmo assim não
é possível lê-la sem perceber seu caráter intensamente pessoal. Toda carta
ou mensagem similar é provocada e produzida por uma situação real e
Cartas Universais e Hebreus

não podem compreender-se totalmente à margem de dita situação.

• Os Falsos Mestres

Tendo isso em mente é importante mencionar que as Epístolas Jo-


140 ˃˃˃

aninas deixam transpirar a existência de falsos mestres e das coisas que


ensinavam. Ao que tudo indica tinham nascido dentro da Igreja, mas se
separaram dela. “Saíram de nós, mas não eram de nós” (BÍBLIA, NT 1João
2. 19). Eram homens de influência porque pretendiam ser profetas. “Mui-
tos falsos profetas saíram pelo mundo” (1João 4. 1).
Na opinião de Barclay (1960, p. 9) alguns desses falsos mestres,
no mínimo, negavam que Jesus fosse o Messias: “Quem é o mentiroso,
senão aquele que nega que Jesus é o Cristo?” (1João 2. 22). É bom lembrar
também que as coisas sempre tinham sido difíceis com relação aos judeus
convertidos, mas os acontecimentos da história as fizeram duplamente di-
ficultosas. Era muito difícil que um judeu cresse num “Messias” crucifica-
do. Mesmo para aqueles que creram, pode ser que suas preocupações não
tinham desaparecido. Os cristãos creram no breve retorno de Jesus, um
retorno no qual Ele viria para salvar e reivindicar seu povo. E o que acon-
teceu então?
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No ano 70 d.C. Jerusalém foi capturada pelos romanos, e eles es-


tavam tão enfurecidos pela longa intransigência e a resistência suicida dos
judeus, que literalmente não deixaram na Cidade Santa pedra sobre pedra,
e passaram um arado pelo meio dela. Josefo assim descreve a situação do
Templo:

Embora não se possa saber, sem pesar, da destruição do ed-


ifício mais esplêndido que jamais existiu em todo o mundo,
quer pela sua estrutura, sua magnificência e suas riquezas,
quer pela sua santidade, que era como o cúmulo de sua
glória, há, entretanto, motivo de nos consolarmos, se consid-
erarmos a necessidade inevitável do fim, que depois de um
certo número de anos sobrevém à vida de todos os animais;
assim, não há nada sob o sol cuja duração seja perpétua. Não
poderíamos, porém, não nos admirarmos bastante, de que
a destruição desse incomparável Templo, tenha acontecido
no mesmo mês e no mesmo dia em que os babilônios out-
rora o haviam também incendiado. Esse segundo incêndio
aconteceu no segundo ano do reinado de Vespasiano, mil
cento e trinta anos, sete meses e quinze dias depois que o rei
Salomão o havia construído pela primeira vez; seiscentos e
˂˂˂ 141

trinta e nove anos, quarenta e cinco dias depois que Ageu


o tinha feito restaurar, no segundo ano do reinado de Ciro
(JOSEFO, F. 2004, p. 1469).

Em vista disto, era mesmo difícil um judeu aceitar facilmente a


esperança cristã de que Jesus viria para salvar a seu povo. A Cidade Santa
estava desolada; os judeus se dispersaram por todo mundo. A cidade de
Deus estava ruída; o povo de Deus, totalmente submetido. Como podia
aceitar que tinha chegado o Messias? Enquanto os judeus conservassem
algum resto de esperança nacionalista, era-lhes impossível aceitar o mes-
sianismo de Jesus, porque Jesus tinha chegado e foi embora, e a nação ju-
dia estava destruída. Indubitavelmente havia judeus que tinham esperado
que Jesus retornasse para salvar ao povo, e sem dúvida esses mesmos ju-
deus negavam que Jesus pudesse ser o Messias.
Diante disso havia algo ainda mais sério: Falsos ensinos que pro-
cediam diretamente da intenção dentro da Igreja de alinhar o cristianismo
com o gnosticismo. A partir da perspectiva da natureza má daquilo que é
material, toda verdadeira encarnação é impossível. Segundo esse ponto de
vista é impossível que Deus tenha assumido jamais a carne humana. Mas
havia uma grande declaração cristã que nunca tinha encontrado em ne-
nhum autor pagão: “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (João 1. 14).
Do momento em que os pensadores pagãos criam na corrupção essencial
da matéria e em consequência na maldade essencial do corpo, isso era algo
que nunca podiam dizer.
Cartas Universais e Hebreus

Assim, declara Barclay (1960, p. 10), é evidente que os falsos mes-


tres contra os quais João escreve em sua Primeira Carta negavam a realida-
de da encarnação e do corpo físico de Jesus. “Todo espírito”, escreve João,
“que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que
não confessa a Jesus não procede de Deus.” (1João 4. 2-3).
142 ˃˃˃

Esta crença gnóstica tinha certas consequências práticas e éticas


na vida daqueles que a sustentavam. A atitude gnóstica com relação à ma-
téria, ao físico e à totalidade das coisas criadas gerava certa atitude com
relação ao corpo e com relação às coisas do corpo. Tal atitude podia tomar
alguma das três formas seguintes. (1) Desde que o corpo era considerado
totalmente mau, podia tomar a forma de ascetismo; (2) Desde que o corpo
é totalmente mau, podia tomar a forma de uma afirmação de que o cor-
po não era importante; portanto seus apetites e suas luxúrias podiam ser
gratificados sem controle nem limite algum; (3) Evidentemente o gnóstico
via-se a si mesmo como um homem totalmente espiritual, considerava-se
desprendido das coisas materiais da vida, e tendo libertado seu espírito da
escravidão da matéria. Tais gnósticos criam que estavam completamente
acima do pecado: o pecado tinha deixado de existir para eles; eram tão
espirituais que estavam acima e mais além do pecado, tendo alcançado a
perfeição espiritual.
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As consequências saltam à vista. Os gnósticos produziram uma


aristocracia espiritual que olhava com desprezo e desgosto e até com abor-
recimento àqueles mais diminuídos. Os pneumatikoi olhavam aos psyquikoi
como desprezíveis, como criaturas confinadas à Terra, que jamais pode-
riam conhecer a verdadeira religião nem jamais aproximar-se de Deus. É
óbvio que semelhante atitude levaria à aniquilação da comunhão cristã
(BARCLAY, 1960, p. 16).
É por isso que João insiste várias vezes em suas Cartas, em que
a verdadeira prova do legítimo cristianismo é o amor pelos irmãos. “Se
realmente andarmos na luz, temos comunhão uns com os outros” (1. 7).
“Aquele que diz que está na luz e aborrece a seu irmão, ainda está em
trevas” (2. 9-11). “A prova de que passamos das trevas para a luz é que
amamos a nossos irmãos” (3. 14-17). As marcas do cristianismo são: crer
em Cristo e amar aos irmãos (3. 23). “Deus é amor, e aquele que não ama,
˂˂˂ 143

de maneira nenhuma conhece a Deus” (4. 7-8). “Porque Deus nos amou,
nós devemos amar a outros; quando nos amamos uns aos outros Deus per-
manece em nós” (4. 10-12). O mandamento é que quem ama a Deus deve
amar também a seu irmão; e quem diz que ama a Deus e ao mesmo tempo
aborrece seu irmão, é chamado mentiroso (4. 20-21).
Para Barclay (1960, p. 17) eis aí o quadro dos falsos mestres – os
gnósticos. Estes declaravam haver nascido de Deus, de estar caminhando
na luz, de não ter pecado, de permanecer em Deus e conhecê-lo. Não ti-
nham ideia de que estavam destruindo a fé e a Igreja

• A Mensagem de 1João

A carta 1João é muito breve, e mesmo que tivesse proposto, João


não teria podido percorrer toda a gama das crenças cristãs ortodoxas; não
se pode buscar nela uma exposição sistemática da fé cristã; não obstante
resultará de grande interesse examiná-la para ver que crenças fundamen-
tais João confronta àqueles que ameaçavam fazer naufragar a fé.

• Propósito

O propósito de João ao escrever é duplo. Escreve para que a ale-


Cartas Universais e Hebreus

gria de seu povo se cumpra (1. 4), e para que não pequem (2. 1). Vê clara-
mente que por atrativo e fascinante que seja o mau caminho, não procura
a felicidade. Levar-lhes alegria e preservá-los do pecado é uma e a mesma
coisa. Além disso, Hale (2001, p. 413 assinala a intenção de advertir os
leitores acerca do perigo, para a fé cristã, das atividades dos ensinos dos
falsos mestres mencionados antes.
144 ˃˃˃

• Esboço

A julgar pela extensão da carta pode-se fazer um esboço bastan-


te breve. Ainda que em grande parte das traduções bíblicas a Primeira
Epístola de João contenha diversas divisões, é possível esboçá-la de forma
simples:

A NATUREZA DA COMUNHÃO COM O


FILHO
(1. 5 – 2. 28)
I — O Requerimento: Uma Vida Consagrada (1.
5 – 2. 11)
II — Esta Comunhão Significa Desapego às
Coisas Mun danas (2. 12-17)
III — A Advertência Contra os Ensinos do Anti-
cristo
(2. 18-28)
A PROVA DE FILIAÇÃO (2. 29 – 5. 12)
I — Os Filhos Têm as Características do Pai (2.
29)
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II — O Ideal e o Destino do Filho Ê Ser Como


Jesus Cristo (3. 1-3)
III — O Filho de Deus Não Continua em Pecado
(3. 4-10)
IV — A Prova da Filiação: Amar Uns aos Out-
ros, Amar os irmãos
Morrer Uns Pelos Outros (3. 11-24) V — A Falsa
Filiação (Contra os Gnósticos Docéticos) (4. 1-6)
VI — O Distintivo dos Filhos É o Amor (4. 7-2l)
VII — Os Filhos Creem Que Jesus Ê o Cristo, o
Filho de Deus (5. 1-12)
A CONCLUSÃO FINAL (5. 13-21)
I — O Mundo Fica com o Maligno II — Guar-
dai-vos dos ídolos

Adaptado de Hale (2001, p. 416, 417).


Fica fácil observar que o texto trabalha com dois grandes temas: A
natureza da comunhão com o Filho (1. 5 – 2. 28) e a prova de filiação divina
(2. 29 – 5. 12). O conteúdo do texto bate fortemente contra os ensinos dos
˂˂˂ 145

falsos mestres.

• Conteúdo de 1João

O prólogo é semelhante ao Evangelho de João. Talvez a maior di-


ferença esteja na narrativa feita na primeira pessoa do plural “nós”. Este é
um dos motivos que levam os estudiosos a atribuírem o texto ao “círculo
joanino”, a primeira impressão é que o texto parte de uma comunidade e
não de um indivíduo. O que se destaca é que no Evangelho a ênfase está
no “Verbo”, aqui a ênfase recai sobre a “vida”, e esta na “carne”, ou seja,
a afirmação de que o “Verbo” “viveu na carne”, a qual os gnósticos tanto
criticavam. O verso 1 é enfático ““o] e`wra,kamen toi/j ovfqalmoi/j h`mw/n(
o] evqeasa,meqa kai. ai` cei/rej h`mw/n evyhla,fhsan peri. tou/ lo,gou th/j zwh/
j&”””””””(hò heorákamen tois ophthalmois hemon hò etheasámetha kai ai cheires
hemôn epseláphesan peri toy lógoy tês zoês) “o que ouvimos, e vimos com os
olhos nossos, temos contemplado e apalpamos com as mãos nossas acerca
do Verbo da vida”. A afirmação joanina derruba toda a tentativa gnóstica
de ensinar a impossibilidade da encarnação do Verbo em um corpo huma-
no comum. Depois o texto prossegue lembrando que foi essa a mensagem
“avggeli,a” (aggelía) que lhes fora anunciada.

Cartas Universais e Hebreus

• O Requerimento de uma Vida Consagrada

A comunhão com Deus requer uma vida consagrada. Na lingua-


gem joanina uma vida consagrada equivale a “caminhar na luz” (1. 5-7).
1João 1. 8 – 2. 22 volta-se agora para os propagadores que recusam o re-
conhecimento de seus delitos e pecados. Aqueles que caminham na luz
146 ˃˃˃

são capazes de reconhecer e confessar publicamente seus pecados, para os


quais Jesus é a expiação34. Os leitores são exortados a não pecar (2. 1), mas
consolados com o fato de que, se pecarem, possuem um “Advogado”35
junto ao Pai: Jesus Cristo, o Justo (BROWN, 2004, p. 521).
Contrariando a possibilidade gnóstica de viver uma vida dissolu-
ta, (2. 3-11) trata do imperativo de guardar os mandamentos, afirmando
que é essa conduta que pode levar à perfeição o amor de Deus por nós, ou
ao nosso amor para com Deus. De maneira muito peculiar, o mandamento
do amor pelo companheiro cristão – irmãos e irmãos em Cristo – é salien-
tado. Mesmo sendo um antigo mandamento, conhecido do círculo joanino
“desde o princípio”, quando foram novamente gerados por Cristo, perma-
nece novo porque ainda precisa ser colocado plenamente em prática num
mundo libertado do poder das trevas, por Jesus “kai. to. fw/j to. avlhqino.n
h;dh fai,nei” (kaì to phôs to alethinòn éde phaínei) “a luz verdadeira já alumia”
ou resplandece, como preferem os irmãos italianos.
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Um tema interessante, que pode receber nova luz é destacado por


Brown. Ele menciona em 2. 12-14 a existência de três títulos para os desti-
natários: Filhos, pais e jovens, ao que Brown fornece a seguinte sugestão:

34 A ideia que está por trás da palavra expiar é reconciliar. Especificamente, a palavra
é usada em referência ao processo pelo qual os obstáculos a essa reconciliação são removidos.
Toda a Bíblia demonstra que, sem ação expiatória, a raça humana está separada de Deus.
Essa alienação, causada pelo pecado tem de ser reparada. No Antigo Testamento, expiar e
expiação vêm da palavra kpr, que significa cobrir ou, como alguns estudiosos propõem limpar.
A septuaginta traduziu kpr e todos os seus derivados principalmente pela família de pala-
vras formada por exhilaskomaí, exhilasmos e hilasterios. A palavra expiação não se encontra
na maioria das traduções do Novo Testamento. Usa-se “sacrifício”, “propiciação”, “propici-
atório”. O Novo Testamento apresenta um tesouro rico e variado de expressões concernentes
à expiação. As palavras hilasterion, hilaskomai e hilasmos vêm da raiz que significa agradar ou
tornar propício. O pecado que separa as pessoas de Deus. Em sua obra expiatória, Deus obteve
a reconciliação pela obra de Jesus Cristo. “Ele é a nossa paz [...], tendo derribado a parede
da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne a lei [...], fazendo a paz,
e [reconciliando] ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por
ela a inimizade (Ef 2. 14-16). Em Cristo, a expiação em favor do cristão foi concretizada. In
DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 823.
35 O vocábulo aqui usado “para,klhton” (parákleton) é o mesmo que é utilizado no
Evangelho de João referindo-se ao Espírito Santo; É um intercessor, aquele que vem em so-
corro.
˂˂˂ 147

“Filhos” pode significar uma forma geral de interpelação


para todos os cristãos joaninos, inclusive “pais” (que são
cristãos há mais tempo e, portanto, conhecem aquele que é
desde o princípio) e “jovens” (cristãos mais recentes que têm
lutado contra o Maligno e vencido). [...] A idéia de uma luta
contra o Maligno leva a uma apaixonada denúncia do mundo
(1Jo 2. 5-17) e de suas atrações: cobiça sensual, a cobiça dos
olhos e a pretensão da boa-vida. A natureza transitória de
mundo introduz o tema da luta com o agente do Maligno, o
anticristo (ou a figura do antideus; cf. 2Ts 2. 3ss) (BROWN,
2004, p. 522)

A conexão entre a escatologia já realizada em João e a escatologia


final, que aguarda a parusia em 1João é esta: mesmo Jesus, que é justo, es-
teja presente em todos os discípulos que agem corretamente, a plena união
só é possível em sua volta definitiva. Portanto, afirma Brown (2004, p. 523),
é a união “atual com Jesus” que capacita o discípulo a aguardar “confiada-
mente sua volta e julgamento (quer na morte, quer no fim do mundo).

SAIBA MAIS

BOOR, W. de. Cartas de João: comentário esperança. Curitiba: Esperança,


2008.

GUNDRY, ROBERT H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida


Nova, 1998.
Cartas Universais e Hebreus

JOSEFO, F. História dos Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

EXERCÍCIOS

1. Relacione alguns sinais da vida eterna focalizados nesta epístola.


148 ˃˃˃

______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
2. Assinale as alternativas corretas:

I – Quem eram os anticristos?


a (.....) Anjos maus.
b (.....) Homens que anunciavam que a volta de Cristo já havia acontecido.
c (.....) Falsos mestres com ensinos gnósticos.
d (.....) Nenhuma das alternativas.

II – Qual era a verdade doutrinária que os falsos mestres negavam?


a (.....) A realidade da morte de Cristo.
b (.....) A ressurreição de Cristo.
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c (.....) Que não havia problema em cometer pecados.


d (.....) A encarnação do Verbo.

III – De que tipo de amor entre cristãos o texto trata?


a (.....) O texto não se preocupa com este tema.
b (.....) O respeito mútuo.
c (.....) Um amor demonstrado através de atitudes.
d (.....) Amar é consolar os irmãos em momentos difíceis.
˂˂˂ 149

SEÇÃO 3 – CONCLUSÃO DE 1JOÃO – 2 E 3JOÃO

Este último espaço servirá para concluir a Primeira Epístola de João.

• A Prova da Filiação

Um último tópico deve ser acrescentado. 1João 3. 11-18 proclama


a mensagem do amor. Para o escritor de 1João o ódio é uma forma de as-
sassinato. Contrastando a isso, Cristo deu sua vida pelos seus discípulos,
de modo que seus discípulos devem estar dispostos a dar suas vidas a seus
irmãos e irmãs (BÍBLIA, 1João 3. 16). Repare o paralelo entre João 3. 16 e
1João 3. 16. De modo especial João chama a atenção para que uns atentem
para as necessidades dos outros. Parece que havia um grupo separatista
representado pelos membros mais ricos da comunidade joanina que ele
compara ao mundo. Brown (2004, p. 523) mostra que 1João 4. 1-6 é um
teste de “pelos seus frutos, conhecê-los eis” a fim de discernir os falsos
profetas com sua pretensão de ser guiados pelo Espírito.
Em 4. 7-10 o escritor retorna à revelação do amor de Deus. Para ele
“aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor”. No versículo
8 a palavra é “e;gnw” (égno) “não reconheceu”. O vocábulo leva os ouvintes
a recordar o termo “gnosticismo”, a palavra que se havia tornado a arro-
Cartas Universais e Hebreus

gante autodesignação do movimento tão seriamente combatido pela carta.


Esse movimento imputava às igrejas: ora, vocês apenas “creem” no que os
apóstolos vos dizem; nós, porém, “reconhecemos” pessoalmente a Deus.
No caminho do “conhecimento” filosófico ou místico religioso avança-se
até Deus e “reconhecemos a Deus” nos grandes sistemas doutrinários.
150 ˃˃˃

João não se envolve em um exame desses sistemas nem em


um debate com todas as afirmações deles. Levanta uma só
pergunta: como é entre vocês o “amor”? Por mais convicto
e esplendoroso que possa soar o discurso deles sobre seu
“conhecimento”, não vivem no amor. Em razão disso essas
pessoas orgulhosas de seu conhecimento na verdade nem se-
quer “conheceram” a Deus. Todas as suas especulações pas-
sam longe da verdadeira essência dele (BOOR, 2008, p. 55).

Esta é a verdade que permeia toda a carta: “[...] Se nos amarmos


uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu Amor em nós é realiza-
do”. Quem diz que ama a Deus, mas odeia seus irmãos são mentirosos.

• Um Texto Difícil 1João 5. 7-8

Este trecho da carta de João já foi palco de debates teológicos. Uma


leitura variante desta passagem diz “dando testemunho no céu: o Pai, a
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Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um. E há três testemunhas na


terra: o Espírito, a água e o sangue”. Mesmo que essa leitura mais longa
apareça no textus receptus e, portanto nas traduções mais antigas como KJV
e ARC ela não conta nos melhores manuscritos, pelo contrário:

[...] ela está ausente de praticamente todos os manuscritos


gregos, de todas as versões antigas, com exceção da latina, e
não aparece em nenhuma citação desse texto feito por algum
dos Pais da Igreja. Se essas palavras, conhecidas também
como ‘parêntese joanino’, tivessem constado no original, é
muito provável que teriam sido omitidas, seja de forma aci-
dental seja de forma deliberada. [...] a presença e história
desse acréscimo é mais importante para a história da teolo-
gia do que para a interpretação do texto de 1João ... e dá a en-
tender que a força motivadora por trás da elaboração desse
acréscimo foram as exigências da controvérsia trinitariana”
(OMANSON, 2010, p. 533.
˂˂˂ 151

Após o v. 8 ainda consta em alguns manuscritos o chamado “Com-


ma Johanneum”, isto é, a frase: “Três são os que dão testemunho no céu: o
Pai, a palavra e o Espírito Santo, e esses três são concordes.” A transmissão
grega do texto, como um todo, não conhece o “Comma Johanneum”. Mas ele
também falta na Ítala e na Vulgata mais antiga. Logo, trata-se de um aden-
do acrescentado apenas mais tarde na igreja ocidental, sem que se possa
acompanhar com exatidão seu surgimento nem a história de sua inclusão.
De forma alguma se encaixa no encadeamento do presente texto (BOOR,
2008, p. 71).

‘ • 1João Conclusão

A epístola conclui afirmando que o amor se baseia na fé (4. 7-21) a


fé se baseia no amor (5. 1-13), sendo ambos encarados em conjunto como
sinais de que a pessoa nasceu de Deus. Kümmel (1982, p. 574) destaca como
ideias conclusivas (5. 14-21): a certeza de possuir a vida confere alegria à
oração (14) e favorece a intercessão, exceto quando existe pecado mortal
(16). As verdades fundamentais mantêm-se sólidas: não pecar é o resulta-
do de se ter nascido de Deus e de a pessoa manter-se firme na confissão de
Deus em Jesus Cristo (18-20). Por fim: guardai-vos dos ídolos (21). Talvez
fosse importante um aprofundamento no conceito do que vem a ser um
“ídolo”.
Cartas Universais e Hebreus

• 2 e 3João

A Segunda e a Terceira epístolas de João são os documentos mais


curtos do Novo Testamento. A Segunda epístola de princípio parece ser
152 ˃˃˃

uma carta a um membro particular da igreja, especificamente a uma “se-


nhora”, escrita com propósito de instruí-la quanto à atitude correta para
com os falsos mestres. Não devia dar-lhes hospitalidade. O escritor não
ensinava o mau tratamento aos cristãos que doutrinariamente diferem
dos de hoje ou que se encontram nos laços do erro. Alguns comentadores
afirmam ser uma igreja. A terceira epístola dá uma ideia de certas con-
dições que existiam numa igreja local no tempo de João. O autor tinha
enviado um grupo de mestres itinerantes, com cartas de recomendação,
a diferentes igrejas, uma das quais, era assembleia a que pertenciam Gaio
e Diótrefes. Esta foi escrita para elogiar Gaio por ter recebido os obreiros
cristãos que dependiam inteiramente da hospitalidade dos crentes e para
denunciar a falta de hospitalidade de Diótrefes.

• Autoria
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Barclay (1960, p. 5) aponta para o fato de que a própria brevidade


destas duas pequenas cartas é a melhor garantia de sua genuinidade. São
tão concisas e, relativamente tão pouco importantes, que ninguém se pre-
ocupou de inventá-las nem de atribuir-lhe a João. Uma folha de papiro de
tamanho comum media ao redor de vinte por vinte e cinco centímetros, e
a longitude destas Cartas ocuparia quase exatamente uma folha cada uma.
Deve se disser, contudo, que esta opinião não é unânime. Carson
(1997, p. 494, 495), por exemplo, menciona como evidências externas (1)
Clemente de Roma, que descreve o povo eleito de Deus como “aperfeiço-
ado no amor” (2) Didaqué apresenta algo semelhante em 10. 5, neste caso
um paralelo ainda mais marcante devido à menção, no verso seguinte, da
referência de que o mundo passa; (3) Epístola de Barnabé (c. 130) que fala
de Jesus como “o Filho de Deus vindo em carne”; e (4) Policarpo adverte
˂˂˂ 153

nos seguintes termos contra receber falsos irmãos: “Pois todo aquele que
não confessa que Jesus Cristo veio na carne é Anticristo”, provavelmen-
te baseado em 2João 7 e de 1João 4. 2-3. No entanto, o primeiro autor a
referir-se especificamente a uma dessas epístolas como sendo de João é
Papias de Hierápolis em meados do século II. Segundo Eusébio (H.E. 3. 39,
17), Papias teria feito “uso de exemplos extraídos da primeira epístola de
João”. Ressalta-se ainda que a expressão “a primeira” é de Eusébio e não
de Papias. Somente nos tempos de Irineu (c. 180) é que pelo menos a pri-
meira e a segunda epístolas são explicitamente atribuídas a João, discípulo
do Senhor Jesus Cristo e autor do Quarto Evangelho.
Para Koester (2005, p. 213) os escritos conhecidos como 2João e
3João pertencem ao círculo joanino, como bem mostram sua linguagem
e teologia. As duas cartas teriam sido escritas pelo “Presbítero” ou “An-
cião”, mas somente 3João, de acordo com Koester, é uma carta verdadeira.
Várias tentativas foram realizadas para reconstruir a situação em que esta
carta se insere, contudo as circunstâncias que inspiraram sua composição
permanecem enigmáticas. Não se pode afirmar quem era o Ancião, nem
Gaio, nem Diótefres e nem os lugares onde o Ancião e Diótefres residiam.
Parece que o motivo gira em torno de questões de organização da igreja ou
de atividades missionárias.
A segunda epístola provavelmente foi escrita depois de 1 e 3João,
porque contém elementos de ambas. Segundo os estudiosos não é uma
carta de fato – nem um bilhete – mas uma compilação superficial de sen-
Cartas Universais e Hebreus

tenças joaninas em forma de epístola católica; a “senhora eleita” de 2João


com muita probabilidade é uma igreja local. Da 3João o autor de 2João
aproveita o título “Ancião” e copia de 2João a confissão de que Jesus veio
na carne, que ele difunde como doutrina correta. 2João é importante por
demonstrar como o cristianismo joanino, seguindo os passos de 1João tor-
na-se defensor da teologia anti-gnóstica (KOESTER, 2005, p. 214). Percebe-
154 ˃˃˃

-se que as opiniões são bastante contrárias e, portanto não é aconselhável


chegar a uma conclusão definitiva. O que importa não é tanto a autoria,
mas sim os ensinamentos nelas contidos.

• Esboço de 2João

Veja que mesmo com a brevidade do texto ainda é possível propor


certa divisão de temas e elaborar um pequeno esboço:

I. Saudação
(1-3)
II. Incentivo ao amor cristão
(4-6)
III. Advertência contra falsos ensinos
(7-11)
IV. Conclusão
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(12-13).

Adaptado de Dockery, 2001, p. 827).

• Destinação e Propósito

A destinação também contém alguns problemas. O autor endereça


sua carta à evklekth/| kuri,a| kai. toi/j te,knoij auvth/j (“senhora eleita, e a seus
filhos”). O problema gira em torno das duas primeiras palavras e é uma
questão de tradução, que depois se torna uma questão de interpretação.
Hale (2001, p. 417) afirma que o problema da interpretação é que estas
duas palavras podem referir-se tanto a uma pessoa quanto a uma igreja:
˂˂˂ 155

Se a carta é endereçada a uma pessoa, seria uma mulher, e


a tradução poderia ser: 1) “senhora eleita”; 2) “senhora Elec-
ta”; 3) “Kyria eleita”; 4) “Electa Kyria”. Todas são possíveis
traduções, e alguns estudiosos creem que esta carta foi es-
crita a uma senhora cristã e a seus filhos. Contudo, o uso de
evklekth/|, em referência a uma “irmã” (v. 13), simplesmente
quase que impede o nome “Electa”. Também Kyria era ex-
tremamente raro como um nome próprio no primeiro sécu-
lo, embora ocorresse. [...] A destinação mais provável, para
a carta, é uma igreja, com a expressão evklekth/| kuri,a| sendo
sua personificação. [...] A linguagem de II João não é apro-
priada para uma pessoa real, é apropriada para uma comu-
nidade de fé. A expressão “de teus filhos” (v.4) significa que
alguns estão andando na verdade e, por implicação, alguns
não estão. Não há nenhuma referência pessoal óbvia (a não
ser que seja a do v.1), como existe em II João, a Gaio, Diótre-
fes e Demétrio. Além disso, o uso do pronome da segunda
pessoa do plural (v.6, 8, 10,12) é mais natural que o singular
(v. 4, 5,13). Por toda parte, em II João, o pronome singular é
usado em todas as referências a Gaio (HALE, 2001, p. 417)

Dessa forma é mesmo melhor tomar a carta como destinada a uma


igreja.
Quanto ao propósito, à maneira da I Epístola de João é de advertir
acerca da vinda de falsos mestres e sua heresia do gnosticismo e seu pro-
grama de “conhecimento avançado”. A estes o escritor alerta que: “polloi.
pla,noi evxh/lqon eivj to.n ko,smon” (polloì plánoi eksêlthon eis tòn kósmon)
“muitos enganadores entraram no mundo” (7).

• Mensagem
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A mensagem de 2João é objetiva. Em (4-6) Brown (2004, p. 537)


assinala o mandamento do amor e a necessidade de viver segundo os man-
damentos. Isso ressoa o impulso ético principal de 1João. Da mesma forma
que 1João, o corte cristológico é ecoado no verso 7, no reconhecimento de
que Jesus veio na carne, como uma marca distintiva entre aqueles a quem
o “Ancião” reconhece como filhos amados e os anticristos impostores, que
156 ˃˃˃

se foram para o mundo. No v.8 tem-se uma admoestação para cautela – o


original diz “ble,pete e`autou,j” “olhai por vós mesmos” – quanto ao risco
de perder o que já foi alcançado e para que não sejam recebidos os porta-
dores de outra doutrina (10-11).
Os versos 12 e 13 servem como fechamento da carta. O escritor
menciona sua alegria em poder escrever-lhes e espera vê-los pessoalmen-
te. O verso 13 repete a menção “VAspa,zetai, se ta. te,kna th/j avdelfh/j sou th/j
evklekth/jÅ” “Saudam-te os filhos de tua irmã, a eleita”. O que demonstra
que a “Senhora eleita” seja mesmo uma personificação da igreja.

SAIBA MAIS

CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.

BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.


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DOCKERY, D. S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.

EXERCÍCIOS

1. Muitos cristãos atualmente usam o termo “anticristo” para referir-se a


um líder poderoso do final dos tempos. Como o uso que João faz do termo
se distingue disso?

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__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________
˂˂˂ 157

2. Assinale as alternativas corretas:


I – Como o escritor de 2João se identifica?
a (.....) João, apostolo de Jesus Cristo.
b (.....) Presbítero.
c (.....) Ancião.
d (.....) As alternativas “b” e “c” estão corretas.

II – Os principais focos da carta são:


a (.....) Incentivo ao amor cristão.
b (.....) Advertência contra os falsos mestres.
c (.....) A necessidade de batalhar pela fé.
d (.....) As alternativas “a” e “b” estão corretas.

III – A quem é endereçada a II Epístola de João?


a (.....) A uma mulher com o nome Kyria.
b (.....) A uma comunidade (igreja) do círculo joanino.
c (.....) A senhora eleita e aos seus filhos.
d (.....) As alternativas “b” e “c” estão corretas.

SEÇÃO 4 – 3JOÃO – MENSAGEM

Agora se chegou ao mais breve livro do Novo Testamento. Ele é


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muito semelhante a 2João no formato, no estilo, na autoria e na extensão.


3João é, porém, bem diferente a 1 e 2João no conteúdo. Não há crítica con-
tra a indiferença moral ou contra erros cristológicos. Os problemas trata-
dos dizem respeito a relacionamentos eclesiais que envolvem autoridades
aparentemente rivais – uma situação muito difícil de diagnosticar.
158 ˃˃˃

• Esboço de 3João

Mais uma vez se aproveita a sugestão de Dockery para adaptar


um esboço para este breve documento:

I. Saudação
(1)
II. Elogio à hospitalidade de Gaio
(2-8)
III. Condenação da rebeldia de Diótrefes
(9-11)
IV. Perspectivas de uma visita futura
(12-14).

Adaptado de Dockery, 2001, p. 829).

• Destinação e Propósito
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A 3Epístola de João é endereçada a Gaio (v.l), acerca de quem


nada mais é conhecido além dessa informação. Provavelmente este Gaio
não é um dos três mencionados no Novo Testamento: um Gaio da Mace-
dônia (BÍBLIA, NT Atos 19. 29), um de Derbe (BÍBLIA, NT Atos 20. 4) e um
de Corinto (BÍBLIA, NT 1Coríntios 1. 14). Hale (2001, p. 419) informa que
Gaio era um nome comum nos países de fala grega do primeiro século.
Embora nada mais seja conhecido acerca de Gaio, a carta tem sua
importância. O “Ancião” escreve acerca de uma carta anterior escrita à
igreja, mas Diótrefes havia suprimido a carta e recusara hospitalidade para
os mensageiros do ancião (v.9).
˂˂˂ 159

• Mensagem

A fórmula introdutória (1-2), a seção do remetente e do destinatá-


rio também é a mais breve de todo o Novo Testamento, contudo se aproxi-
ma das cartas seculares do período. Um desejo de bem-estar (2) é bastante
comum nas aberturas de cartas seculares daquela época, mas o “Ancião”
(~O presbu,teroj) estende seu cuidado ao bem-estar espiritual de Gaio, o
que estabelece uma conexão entre corpo e alma (BÍBLIA, NT Mateus 10.
28). Fica patente que o “Ancião” considera Gaio uma pessoa muito simpá-
tica (BROWN, 2004, p. 541).
Stott (2005, p. 188) observa que três das primeiras onze palavras
gregas utilizadas no início da carta referem-se ao amor. O amor do “An-
cião” por Gaio era genuíno e agora se expressa num “desejo”, “oro” – faço
votos – em favor de seu bem estar. Acima de tudo “peri. pa,ntwn” (perì pán-
ton) dificilmente pode significar que este fosse o mais encarecido de todos
os desejos do escritor. O melhor é tomar as palavras como se referindo, não
à oração, mas à prosperidade de Gaio “em todos os aspectos”. O vocábulo
“euvodou/sqai” (eyodoysthai) significa literalmente “ter uma boa viagem”
e, metaforicamente “ter sucesso”, “prosperar”. As versões espanholas, ita-
lianas e latinas enfatizam este aspecto repetindo o vocábulo prosperidade,
senão vejam:
Italiana: Carissimo, io desidero che tu prosperi in ogni cosa e goda buona
salute, come prospera la tua anima; (Grifo nosso).
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Vulgata: carissime de omnibus orationem facio prospere te ingredi et


valere sicut prospere agit anima tua; (Grifo nosso).
Espanhola: Amado, mi oración es que seas prosperado en todas las cosas
y que tengas salud, así como prospera tu alma. (Grifo nosso).
Essas traduções fazem jus ao texto grego que também repete os
vocábulos “euvodou/sqai” e depois “euvodou/tai,”. Nas traduções em lín-
160 ˃˃˃

gua portuguesa parece que somente ARA preserva a integridade do texto


(1) “Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, as-
sim como é próspera a tua alma.” Isto concorda com Brown que afirma a
conexão entre o corpo e a alma. A simpatia entre eles é de fato muito forte.
Depois disso tudo, o escritor vai ao assunto que lhe moveu a es-
crever a carta (5-14). Os irmãos entre os quais Gaio goza a reputação de
ser hospitaleiro, estão indo da comunidade de origem da carta àquela de
Gaio; por isso pedem que Gaio os ajude um pouco mais em sua viagem.
Brown (2004, p. 542) ressalta aí um quadro dos primeiros pregadores de
Cristo, que partiram por causa “do Nome”, cuidando de não receber ajuda
dos pagãos (v.7), e que dependem, portanto, da generosa assistência dos
cristãos locais (vv. 5, 8). No verso 8 o “Presbítero” usa uma bela expressão
para aqueles que ajudam os missionários e tornam-se “cooperadores da
Verdade”.
Vindo de tão belas e alegres palavras, de repente a carta se volta
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para a figura de Diótefres, “que ambiciona o primeiro lugar na Igreja36, e


que não dá a devida atenção ao ancião cujas cartas têm desprezado. Além
disso, Diótrefes anda espalhando maledicência sobre o ancião, e recusa-
-se a acolher os “irmãos”, impedindo aqueles que desejam recebê-los e
expulsando-os da igreja. Brown (2004, p. 542) assinala que uma rejeição
mais completa da autoridade do presbítero é impossível imaginar. Era de
se esperar que o presbítero simplesmente ordenasse a remoção ou mesmo
a exclusão de Diótrefes, mas a relativamente cordial exortação a não imitar
o mal (v.11) mostra que ele não tinha nem autoridade nem poder práti-
co para tal. Pelo contrário, o “Presbítero” escreve a Gaio solidarizando-
-se com alguém chamado Demétrio (v.12), aparentemente um missionário
para quem esta carta serve como recomendação.
36 Muito provavelmente uma Igreja da vizinhança, não aquela em que Gaio vive, pois,
no v. 14, o ancião declara que espera fazer uma visão cordial a Gaio, ao passo que a visita à
Igreja conduzida por Diótrefes promete ser hostil (v.10). O v. 9 contém a primeira referência a
ekklesia no corpus joanino (também no final de 3Jo 10). In BROWN, R. E. Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 542, n. 1.
˂˂˂ 161

Hale (2001, p. 419) conclui, então, que a epístola mostra que os


mensageiros mencionados eram, provavelmente, missionários itinerantes
enviados da parte do Ancião como mestres para ajudar nas igrejas ao redor
de Éfeso. Eles dependiam da hospitalidade das igrejas, para seu sustento e
acomodação (5-8). O texto nitidamente mostra que Diótrefes recusou-se a
permitir aos membros da igreja se entreter com esses obreiros, e até mesmo
excluíra da igreja aqueles que quiseram ajudar (9,10). O “Ancião” deixa
claro que: “:Egraya, ti th/| evkklhsi,a|\ avllV o` filoprwteu,wn auvtw/n Diotre,fhj
ouvk evpide,cetai h`ma/jÅ”,,, , ou seja, escreveu à igreja, mas Diótrefes além
de procurar manter a primazia, não dá acolhida aos enviados pelo Ancião.
Dessa forma, afirma Hale (2001, p. 419) os mensageiros retorna-
ram com as notícias da situação, e por isso a carta é escrita para Gaio,
pedindo-lhe para ajudar aqueles mesmos missionários (5, 6). A posição de
Demétrio (v.12) não é clara. Não é provável que ele seja um do grupo nos
versos 5 e 6. Ele é colocado em contraste com Diótrefes, e possivelmente,
um dos excluídos da igreja por Diótrefes. Seja qual for sua ligação com
Diótrefes, Demétrio era um fiel seguidor da verdade.
Ao final “os amigos daqui” – da igreja originária da carta – enviam
saudações a Gaio e aos amigos de lá, “cada um por seu nome”.

SAIBA MAIS

KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus,


1982.
Cartas Universais e Hebreus

MILLER, S. M.; HUBER, R. V. A Bíblia e sua história – o surgimento e o


impacto da Bíblia. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006.

STOTT, J. R. W. As epístolas de João: introdução e comentário. São Paulo:


Vida Nova, 2005.
162 ˃˃˃

EXERCÍCIOS

1. Quais são as atitudes que o escritor de 3João elogia em Gaio? Como você
pode imitar suas atitudes nos dias de hoje?

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2. Assinale as alternativas corretas:

I – Quais são os propósitos da III Epístola de João?


a (.....) Elogiar Gaio.
b (.....) Repreender Diótrefes.
c (.....) Recomendar seus irmãos itinerantes.
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d (.....) Todas as alternativas estão corretas.

II – A saudação da carta é:
a (.....) Parecida com as cartas seculares daquele período.
b (.....) Semelhante às epístolas paulinas.
c (.....) Oferece um desejo que faz conexão entre corpo e alma.
d (.....) As alternativas “a” e “c” são corretas.

III – Dentre as acusações contra Diótrefes podem ser destacadas:


a (.....) Ele procura ter a primazia entre os cristãos.
b (.....) Não é hospitaleiro para com os enviados pelo Presbítero.
c (.....) Não faz caso das cartas recebidas.
d (.....) É bastante receptível aos itinerantes.
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RESUMO DA UNIDADE

Como você pôde aprender, a primeira epístola de João explora as


dimensões da comunhão entre o povo e Deus. Ele é um Deus de luz, e os
crentes devem andar em integridade diante; ele é um Deus de amor, e os
crentes devem manifestar amor uns pelos outros; ele é um Deus de vida, e
os crentes podem estar convictos da vida eterna em Cristo.
A segunda epístola de João foi escrita para incitar os leitores a per-
manecer inabaláveis na verdade apostólica e lembrar-lhes de andar em
amor e obediência ao mandamento do Senhor. O escritor também insiste
com eles a não serem hospitaleiros com aqueles mestres cuja doutrina so-
bre Cristo é impura.
Para finalizar esta unidade você pôde estudar a Terceira Epístola
de João. Pode ser notado que o escritor parecia haver recebido notícias
através dos mestres itinerantes que ele comissionara, os quais relatavam a
afetuosa hospitalidade de Gaio em seu favor. O apóstolo agradece pessoal-
mente a Gaio por andar na verdade e pelo apoio dado a estes missionários,
em contraste com Diótrefes, que rejeitou e ordenou aos demais que agis-
sem da mesma forma.
Diante das atitudes de Diótrefes você pode aprender tanto como
se deve proceder quanto a como não se deve portar-se para com os irmãos
em Cristo.
Neste módulo, o aluno pode aprender muito a respeito da Epísto-
Cartas Universais e Hebreus

la aos Hebreus e das chamadas “Epístolas Gerais”.


A carta aos Hebreus descreve a grandeza de Jesus Cristo em rela-
ção à revelação de Deus no Antigo Testamento. Moisés foi o representante
mais importante dessa revelação, mas Jesus Cristo é ainda maior, porque
ele é o Filho de Deus. Por meio do culto de sacrifícios acontecia a expiação
da culpa e a reconciliação com Deus, mas por meio da morte de Jesus Cris-
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to na cruz todos os sacrifícios se tornaram desnecessários.


Tiago está entre os escritos polêmicos do Novo Testamento. O seu
conteúdo, que trata do agir dos cristãos, parece estar em contradição com
as cartas do apóstolo Paulo, nas quais a necessidade da fé é enfatizada
(Gálatas e Romanos). A pergunta é se a carta de Tiago é uma recaída no
legalismo judaico ou uma tentativa de corrigir a interpretação errônea das
cartas de Paulo. A questão merece atenção e esclarecimento, já que até
Martinho Lutero, em virtude dessa problemática, colocou-a juntamente
com Judas no final das cartas do Novo Testamento. Nesta unidade o aluno
pode perceber que os temas referem-se a diferentes realidades e, portanto,
se coadunam perfeitamente.
Neste módulo tivemos duas cartas do apóstolo Pedro. A primei-
ra carta é caracterizada por uma estrutura bem elaborada e pela temática
coesa. Trata-se, nessa carta, da Igreja de Jesus Cristo como o novo povo
de Deus e o fato de ela se impor em uma sociedade desconhecida e mui-
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tas vezes hostil. Descreve a vida do povo de Deus que são “peregrinos” e
“forasteiros”. A segunda carta, como vimos, é uma das mais contestadas
e polêmicas do Novo Testamento. Não pelo seu conteúdo, pois os temas
tratados — eleição e chamado, a transfiguração de Jesus, palavra da pro-
fecia, o combate a heresias provavelmente gnósticas, a volta de Jesus e o
fim dos tempos — cabem muito bem no todo do Novo Testamento. O que
é questionado é, se esta carta pode, de fato, vir de Pedro. Mais uma vez, o
estudante deve prender-se à riqueza do conteúdo, uma vez que esta carta
há séculos tem sido aceita no cânon cristão.
Pouco valor é dado à epístola de Judas. Isso pode estar relaciona-
do ao seu conteúdo, que é influenciado pela tradição do judaísmo daquela
época mais do que qualquer outro escrito do Novo Testamento. Por isso,
despreocupadamente se fazem menções de escritos judaico-apocalípticos
como da Ascensão de Moisés (v. 9) e do Apocalipse de Enoque (v. 14)
como também a lendas judaicas (v. 9, 11). Para muitos leitores atuais da
Bíblia, aquele é um mundo totalmente estranho. Inutilmente buscam evi-
dências para os fatos citados no Antigo Testamento.
A primeira epístola de João se caracteriza por uma estrutura inco-
mum, pelo conteúdo extraordinário, pela argumentação contra uma frente
de falsos mestres e pela proximidade em linguagem, estilo e teo-
logia ao evangelho de João. A estrutura incomum se caracteriza pela apre-
sentação tripla de cada tema importante da carta: a comunhão com Deus,
a vitória sobre o pecado, o amor a Deus e a obediência aos mandamentos,
o amor ao irmão, a vitória sobre o mundo, o anticristo e a declaração de fé
sobre Jesus. Isso aparece logo após o prólogo em três sequências repetidas
dos temas citados.
A carta 2João tratou de dois temas: o autor estimula os leitores a
uma vida com amor, que se evidencia na obediência aos mandamentos.
Ele também adverte os leitores sobre aqueles que tentam seduzir as pes-
soas com falsos ensinos sobre Jesus. A III epístola de João é de cunho um
tanto mais pessoal e aborda de um assunto bastante específico: uma apa-
rente disputa interna nas igrejas que faziam parte da comunidade joanina.
No geral, as Epístolas estudadas neste módulo são ricas em ensi-
namentos teológicos, éticos e morais. Elas oferecem modelos para a vida
cotidiana e não simplemente conhecimento teológico abstrato. Nossa es-
perança é que você possa desfrutrar da plenitude de tudo aquilo que pode
ser tratado aqui. Além disso, lembre-se que foram feitas diversas recomen-
dações de outras obras que podem auxiliá-lo em seu desenvolvimento e,
acima de tudo, o contato direto com o texto bíblico lhe dará um excelente
crescimento.
Com isso você conclui outra importante etapa.
Você é vencedor!
Parabéns pelo esforço e dedicação!
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REFERÊNCIAS

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