Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sobre a obra:
Sobre nós:
Editor
Gustavo Guertler
Coordenação editorial
Fernanda Fedrizzi
Revisão
Germano Weirich e Mônica Ballejo Canto
Produção de ebook
S2 Books
E-ISBN: 978-85-8174-292-2
[2016]
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA BELAS-LETRAS LTDA.
Rua Coronel Camisão, 167
Cep: 95020-420 – Caxias do Sul – RS
Fone: (54) 3025.3888 – www.belasletras.com.br
Capa
Folha de rosto
Créditos
Introdução
Dedicatória
Aproveite agora
Não mudaria nada
Trocar a fralda é o básico
Coração mole
O pai perfeito
Você vai entender quando crescer
Protegê-los de tudo
Segundo filho
Uma pequena tragédia
Um parto no futuro
Se tivermos sorte
Voto de riqueza
O antissocial
Chupeta
Ciência sem fronteiras
Presente o ano todo
Peguei primeiro
Mundo “melior“
Estou querendo aparecer
Limites
Cotidiano
O pior pai do mundo
Todo mundo está querendo mudar de vida
Qual é a sensação de ter um filho?
Olha, pai!
Vida após a morte
A coisa mais comum do mundo
Período de férias
Por que gosto de crianças
Quero que você finja
Levanta, meu filho
O que ninguém conta
Perderemos nossos filhos
É tudo verdade
O pai da Gabriela
O poder do “eu te amo”
Ano novo, notas novas
De novo!
Meu texto póstumo
Q u a n d o o M a rcos n a s ce u e u n ã o tin h a u m h ome m p ra s e g u ra r
a min h a mã o n a h ora d o p a rto, ma s tin h a u m mon te d e a mig a s . Éra mos
me io q u e u ma con fra ria d e jove n s mu lh e re s mora n d o n a me s ma
cid a d e , te n ta n d o g a n h a r a vid a como n u tricion is ta s n u ma é p oca e m
q u e o fast-food g a n h a va ca d a ve z ma is a d e p tos . O n a s cime n to d o
M a rcos foi u ma fe s ta p ro g ru p o. Tod a s me a ju d a va m a d a r b a n h o,
troca r fra ld a , fa ze r a q u e le b e b e zin h o d ormir.
Ele me a comp a n h a va p ra tod o la d o. Com d ois me s e s a g e n te ia
ja n ta r e m g ru p o, ma s e u e ra ob rig a d a a ch e g a r ce d o n a p izza ria ,
p orq u e n a é p oca o cig a rro e ra lib e ra d o e m a mb ie n te s fe ch a d os .
Q u a n d o a tu rma d a fu ma ça ch e g a va , me u g ru p o, e u e me u p imp olh o
e s tá va mos p a g a n d o a con ta . O M a rcos ia e m tod os os e ve n tos q u e
e u ia . Re u n iõe s d e tra b a lh o, fe s ta s d e a n ive rs á rio d e a mig os . Ele foi
cre s ce n d o e vira n d o o xod ó d a tu rma . D a n ça va mú s ica s d o M ich a e l
Ja cks on e n q u a n to a mu lh e ra d a b a tia p a lma . Era como u m Clu b e d a s
M u lh e re s , on d e o ú n ico h ome m tin h a a p e n a s trê s a n os .
M a s n e m tu d o e ra fe s ta . M in h a mã e e me u p a i q u e ria m q u e e u
tive s s e a b orta d o. Até os d ois a n os d e id a d e o M a rcos n ã o tin h a s id o
a ce ito p e los a vós . Uma d a s min h a s a mig a s in s is tiu p ra a p re s e n tá -lo
p ros me u s p a is . Via je i s e is h ora s e fu i re ce b id a com u ma ra iva
in e xp licá ve l: “ O q u e tu tá fa ze n d o a q u i? Q u e m te d e u a u toriza çã o p ra
vir a q u i? Te a rra n ca d a q u i!” . M ã e s s olte ira s n ã o s ã o a ce ita s .
O M a rcos tin h a q u a s e q u a tro a n os q u a n d o a min h a fa mília
a ce itou tota lme n te a id e ia d e e u te r u m filh o. Is s o s ó a con te ce u
q u a n d o e u a p a re ci com u m n a mora d o. Uma mã e s ó s e ria a ce ita s e
tive s s e u m ma rid o. Is s o fa z ma is d e 3 0 a n os . As cois a s p a re ce m te r
me lh ora d o, ma s te n h o a imp re s s ã o d e q u e a in d a é a s s im e m a lg u ma s
fa mília s .
Q u e ria q u e me u s p a is p u d e s s e m ve r a p e q u e n a re volu çã o
q u e o livro d o M a rcos ca u s ou . Es s e s d ia s , e m u m re s ta u ra n te , a
g a rçon e te ve io me d ize r como o livro mu d ou a vid a d o irmã o, q u e
d e ixou d e s e r u m p a i a u s e n te p a ra p a rticip a r d a vid a d o filh o. Tod os
os d ia s re ce b e mos me n s a g e n s d e ca rin h o, d e mã e s q u e s e
id e n tifica m com a min h a h is tória , d e p a is q u e d e cid ira m s e r ma is
p re s e n te s p or ca u s a d o livro. Cria n ça s , mu lh e re s , s e n h ore s , tod os
e mocion a d os com a s h is tória s d a s min h a s n e ta s . M ilh a re s d e re a is
d oa d os p a ra in s titu içõe s d e ca rid a d e . Q u e ria q u e me u s p a is
p u d e s s e m ve r tu d o is s o.
Pra e s cre ve r e s s e te xto, e u e me u filh o con ve rs a mos
b a s ta n te . Le mb ra mos d o d ia d o p a rto, e u rod e a d a d e a mig a s . D os
p rime iros a n os a fa s ta d os d o re s to d a min h a fa mília . D a s fe s ta s e m
q u e o M a rcos ia comig o e a ca b a va vira n d o o ma s cote . D e q u a n d o d e i
p ra e le u m g ra va d or d e fita ca s s e te e e le a d ora va s e g ra va r, como s e
e s tive s s e e m u m p rog ra ma d e rá d io. D e q u a n d o e le ficou
a d ole s ce n te e a g e n te b rig a va . D e q u a n d o min h a mã e morre u . D e
q u a n d o e u fiq u e i e m coma d e p ois d e u m a cid e n te d e ca rro. D e
q u a n d o e u d e s cob ri o câ n ce r.
Q u a n d o e le me p e rg u n tou s e e u s in to s a u d a d e d e a lg u ma
cois a , e u d is s e q u e n ã o. Eu me s in to a b s olu ta me n te b e m re s olvid a .
Ap e n a s p os s o d ize r q u e , d e ve z e m q u a n d o, te n h o s a u d a d e d e u ma
p e s s oa .
M e u p a i.
Para Eloisa Piangers.
Para Ana Emília, Anita e Aurora.
E para todas as mães solteiras.
Obrigado!
Você, que acabou de descobrir q u e va i te r u m filh o. A me lh or
cois a q u e a lg u é m p od e te d ize r, n e s te mome n to, é : “ Pa ra b é n s , ca ra .
Es p e ro q u e tu d o s e ja in críve l. Es p e ro q u e você te n h a te mp o p ra
a p rove ita r tu d o d e p e rto” . É is s o q u e d e s e jo p ros me u s a mig os .
D e s e jo is s o p ra mim me s mo. Te r te mp o p a ra s e u s filh os é u ma
fortu n a . A p ior cois a q u e a lg u é m p od e d ize r é : “ Pre p a re -s e ! Ap rove ite
p ra d ormir a g ora ! D e p ois d e te r filh o você n ã o va i con s e g u ir!” .
Exis te m cria n ça s q u e re a lme n te ch ora m mu ito, e s tã o s e mp re
com fome , tê m cólica s . M a s s ã o e xce çõe s . A ma ioria d e la s a lte rn a u m
s on in h o g os tos o (d a q u e le s q u e d á von ta d e d e fica r olh a n d o) com
n oite s e ve n tu a is d e ch oro e re cla ma çã o. M a s , cá e n tre n ós : q u a n ta s
n oite s você virou a cord a d o b e b e n d o com os a mig os ? O u q u a n ta s
n oite s ficou a cord a d o e s tu d a n d o? O u ve n d o b ob a g e m n o Fa ce b ook?
Exis te m mome n tos ch a tís s imos n a p a te rn id a d e ; u m jog o d e
ta b u le iro com u ma me n in a d e trê s a n os , p or e xe mp lo. Você jog a o
d a d o. D á cin co. Ela le va ce rca d e vin te min u tos p a ra con ta r a s
b olin h a s p re ta s d o d a d o. “ Cin co! Va mos log o, filh a !” , você s e n tirá
von ta d e d e g rita r. En tã o, e la s e g u ra a s u a p e ça e va i p u la n d o ca s a s
e te n ta n d o con ta r. “ Um...” , e p u la d u a s ca s a s . “ Q u a tro...” e p u la d u a s
ca s a s . “ O ito!” , e coloca a p e ça n o me io d o ta b u le iro, e m u m e s p a ço
q u e n e m fa z p a rte d o tra je to.
Noite s e m cla ro, cocôs e m re s ta u ra n te s , ch oros in ce s s a n te s
e n q u a n to você e s tá d irig in d o. Es s e s s ã o os p iore s mome n tos . E,
ta mb é m, os me lh ore s . Ca d a n oite ma ld ormid a va i te tra n s forma r e m u m
h e rói. Ca d a n oite e m cla ro é u m s orris o q u e você re ce b e , u ma
mã ozin h a s e g u ra n d o s e u d e d o. Ca d a fra ld a s u ja é u ma ch a n ce d e
você fu g ir d e u ma con ve rs a ch a ta . Ca d a ve z q u e você a ca lma o ch oro
d o s e u filh o, s e n te -s e u m e n ca n ta d or d e b e b ê s . Você s e s e n te
p ron to p ra cu id a r d e d e z cria n ça s . Você s e s e n te imb a tíve l.
D a n e m-s e a s n oite s d e s on o. Es p e ro q u e tu d o s e ja in críve l.
Es p e ro q u e você te n h a te mp o p ra a p rove ita r tu d o d e p e rto. É is s o
q u e d e s e jo p a ra os me u s a mig os .
Uma vez eu fugi de casa. Fiq u e i u ma s e ma n a com a mig os
p e g a n d o ca ron a e d ormin d o e m p ra ia s . D e ixe i u m re ca d o n a me s a d a
cozin h a : “ mã e , fu g i” . Eu fu me i cig a rro n a fa cu ld a d e , p ra p a re ce r
d u rã o. Com a s mã os fin g ia u ma n a tu ra lid a d e , a g a rg a n ta tod a
a rra n h a d a . Von ta d e d e tos s ir mon s tra . Eu a n d a va com a s ca lça s
la rg a s d e ma is e min h a cu e ca e s ta va s e mp re a p a re ce n d o. Is s o
d e ixa va min h a mã e ma lu ca . D é ca d a s d e p ois , tod os os rap p ers
a n d a va m com a s cu e ca s a p a re ce n d o. D e a lg u ma forma , a q u ilo virou
mod a . Pro d e s g os to d a min h a mã e .
Eu n a more i u ma me n in a p or a lg u m te mp o. Ela ficou tris te
q u a n d o a ca b ou n os s o la n ce . Eu a ch a va q u e ia ca s a r com e la , ma s
n ã o rolou . D e p ois , n a more i ou tra me n in a . Ela e ra lin d a e e u fiq u e i
mu ito tris te q u a n d o a ca b ou n os s o la n ce . Eu ch ore i, p orq u e a ch a va
q u e ia ca s a r com e la . M a s n ã o rolou . En tã o, con h e ci ou tra me n in a e
fica mos ju n tos p e la p rime ira ve z e m u m D ia d os Na mora d os . Você te m
q u e va loriza r u ma cois a d e s s a s . Log o, e s ta va mora n d o com e la . Es s a
me n in a é a s u a mã e , An ita . Q u a n d o d e s cob rimos q u e você viria ,
ch ora mos os d ois , me io d e a le g ria e me io d e me d o. Nos s a vid a ia
mu d a r.
E mu d ou . Pra u ma in fin id a d e d e me lh ora me n tos .
Um ta xis ta me d is s e e s s e s d ia s q u e s e a rre p e n d e d e n ã o te r
top a d o u m tra b a lh o e m u ma cid a d e d o in te rior. “ M in h a vid a ia s e r
me lh or. Hoje e u e s ta ria rico.” Uma ve z, u m a mig o d is s e q u e s e
a rre p e n d ia d o cu rs o q u e e s colh e u n a fa cu ld a d e . “ Nã o con s ig o
e mp re g o.” O u vi u m ca ra la me n ta n d o n o rá d io q u e te ve a ch a n ce d e
s e r s ócio d e u ma e mp re s a q u e h oje va le milh õe s . “ M in h a vid a te ria
mu d a d o!”
Eu n ã o mu d a ria n a d a n a min h a , An ita . Nã o d e ixa ria d e fu g ir,
a q u e la ve z. Nã o d e ixa ria d e n a mora r q u e m n a more i. Nã o e s colh e ria
ou tro tra b a lh o, n e m ou tra e s p os a , n e m ou tra cid a d e . M a n te ria tod os
os me u s e rros , e os a ce rtos . Até o d ia e m q u e você n a s ce u . Pra q u e
você n a s ce s s e a s s im como n a s ce u . Ig u a lzin h a , d e a cord o com a s
imp re vis ib ilid a d e s g e n é tica s . Com s e u s d e n tin h os tortos e s e u s
olh os g ra n d e s . Com s u a d oçu ra e s u a s op in iõe s .
D e p ois , e u con tin u e i e rra n d o. E me a rre p e n d e n d o d os me u s
e rros e e s colh a s , ma s n ã o os mu d a ria . Porq u e , e n tã o, ve io a s u a irmã
e d e u s e n tid o a tod os os e rros . Nã o mu d a ria n a d a . Pra q u e tu d o
a con te ce s s e n o d ia e n a h ora ce rta . Pra q u e você s fos s e m
e xa ta me n te como s ã o. Nã o mu d a ria n a d a . Ne m me u s e rros . Ne m
min h a s fa lh a s . Ne m me u s fra ca s s os . Pra q u e você s fos s e m
ig u a izin h a s . E d e s s e m s e n tid o a tu d o.
Pai que é pai troca fralda. Ó b vio. Ab orre ce m-me e s s a s
p e s s oa s q u e me p e rg u n ta m: “ M a s você é p a i d e ve rd a d e ? Troca a
fra ld a d os filh os e tu d o? ” . Eu me s in to e m 195 5 . Só d e e xis tir e s s a
p e rg u n ta a g e n te já vê q u e e s tá tu d o e rra d o. Troca r a fra ld a é o
b á s ico. D a r b a n h o é o b á s ico. Coloca r p ra d ormir é o b á s ico. Acord a r
d e ma d ru g a d a é o b á s ico. D a r comid a d e colh e r fa ze n d o a viã ozin h o é
o b á s ico. É o b á s ico d o b á s ico. D o b á s ico.
Q u e ro ve r p a i fa lta r a o tra b a lh o p ra fica r com os filh os . Sa ir
ma is ce d o d o tra b a lh o p ra p e g a r os filh os n a cre ch e . Fa lta r n a ce rve ja
com os a mig os . Nã o comp a re ce r a o a mig o s e cre to d o e s critório
p orq u e o filh o e s tá com d or d e g a rg a n ta . Le va r os filh os p ro tra b a lh o
e m u m d ia d e re u n iã o imp orta n te . D ize r n ã o p ra u ma p romoçã o p orq u e
p re cis a fica r ma is te mp o com os filh os . Troca r a fra ld a é fá cil.
Q u e ro ve r a b rir mã o d a s u a vid a p or ca u s a d e ou tra p e s s oa .
Q u e ro ve r d a r d in h e iro, te mp o, s on h o, a mig os , ju ve n tu d e , tod os os
s e u s p re cios os d ia s p ra u ma ou tra p e s s oa , p ra q u e e la s e ja me lh or.
Pra q u e o mu n d o s e ja me lh or com e la . Pra q u e a s u a vid a s e ja me lh or,
me s mo com tod a s a s re n ú n cia s . M ã e s fa ze m e s s e tip o d e cois a o
te mp o tod o.
Q u e ro ve r fa la r s ob re s e xo com s u a filh a . Con ve rs a r s ob re
h omos s e xu a lid a d e com s e u filh o. Q u e ro ve r e s p e ra r p a cie n te me n te
s e u filh o d e trê s a n os te n ta r le r u ma fra s e comp le ta e n q u a n to você
a te n d e u m te le fon e ma imp orta n te . Q u e ro ve r la rg a r o ce lu la r p or u m
s á b a d o in te iro. E u m d omin g o. Q u e ro ve r p e d ir d e mis s ã o. Q u e ro ve r
e n s in a r s e u filh o a le r, a e s cre ve r, a fa ze r con ta s , a a n d a r d e skate, a
a n d a r d e b icicle ta , a p a s s a r n o ve s tib u la r, a d irig ir, a tra ta r b e m a
n a mora d a , a fa ze r in te rcâ mb io, a ca s a r, a cu id a r b e m d o filh o. Q u e ro
ve r e n s in a r o s e u filh o a s e r p a i.
Q u e ro ve r você org u lh os o n o d ia d os p a is , d a q u i a vin te a n os .
Q u e ro ve r você org u lh os o d e te r s id o p a i d e ve rd a d e . Q u e ro ve r você
fe liz, com s e u n e to n o colo. Q u e ro ve r você troca n d o fra ld a d o s e u
n e to.
Vô q u e é vô troca fra ld a . Is s o é o b á s ico d o b á s ico.
Os tempos são, cada vez mais, in d ivid u a lis ta s e me s q u in h os e ,
você s a b e , é s e mp re mu ito d ifícil d is cu tir com p e s s oa s in d ivid u a lis ta s
e me s q u in h a s . Pe rg u n ta m “ q u a l a u tilid a d e d e u m filh o? ” , como s e
u ma cria n ça fos s e u m e le trod omé s tico ou u m n ovo mod e lo d e ce lu la r.
Como s e u m filh o p u d e s s e lh e s e con omiza r a lg u m d in h e iro ou lh e s
d e ixa r a lg u n s ce n tíme tros ma is a lto. Você n ã o e n con tra rá e s te tip o
d e u tilid a d e e m u m filh o.
Pe lo con trá rio: u m filh o va i e s g ota r s u a s e con omia s e min g u a r
s u a s n oite s d e s on o. Va i s u ja r s u a s ca mis a s n ova s e d e s e n h a r e m
s u a s p a re d e s . Você n ã o va i te r u m filh o p a ra ob te r va n ta g e n s ,
d e s con tos , d e d u çõe s d o imp os to d e re n d a ou b a lõe s d e g ra ça
s e mp re q u e for a o s h op p in g . Você va i te r u m filh o p a ra a p re n d e r a
a ma r ou tra p e s s oa ma is d o q u e a você me s mo.
Es ta é a u tilid a d e s e cre ta d e u m filh o: e le n os torn a
ime d ia ta me n te p e s s oa s me lh ore s . Pre ocu p a mo-n os e m s e r ma is
e d u ca d os com a s ou tra s p e s s oa s , e m d a r o e xe mp lo. Es força mo-n os
p a ra p re s e rva r o me io a mb ie n te , p a ra q u e o mu n d o con tin u e s e n d o
u m lu g a r a g ra d á ve l p ra e le .
Você p a s s a a s e p a ra r o lixo, a d ize r “ com lice n ça ” , a p a ra r n o
s in a l a ma re lo. Você p a s s a a s e p re ocu p a r com b ullying, com p ia d a s
p re con ce itu os a s , com a lime n ta çã o in d u s tria liza d a . Você d e volve o
troco q u e ve io e rra d o, re colh e o lixo q u e ou tra p e s s oa jog ou n o ch ã o.
Você s e torn a u ma p e s s oa me lh or. Pa ra q u e s e u filh o s e ja me lh or q u e
você . M e lh or q u e s e u s p a is . M e lh or q u e s e u s a vós . Pa ra q u e o
mu n d o d e le s e ja me lh or d o q u e o s e u mu n d o.
O s te mp os s ã o, ca d a ve z ma is , in d ivid u a lis ta s e me s q u in h os .
Con tra e le s , a mor e a b n e g a çã o. Te r u m cora çã o mole e m u m mu n d o
cru e l n ã o é s in a l d e fra q u e za , é s in a l d e cora g e m.
Va i q u e a mod a p e g a .
As meninas estão no quarto, b rin ca n d o, e n q u a n to e s cre vo
is s o. M in h a filh a ma is ve lh a a ca b ou d e p u xa r p a p o e e u d is s e q u e
n ã o p od ia fa la r a g ora . Pre cis o tra b a lh a r. Ela me p e d iu d e s cu lp a s e
s a iu . Ach o q u e fu i u m p ou co g ros s e iro com e la .
Uma s e n h ora me p a rou n o a e rop orto n a s e ma n a p a s s a d a . Ela
e ra d e Cu ritib a . Foi tre me n d a me n te ca rin h os a , d is s e q u e a d ora os
te xtos , q u e a p a le s tra a fe z ch ora r vá ria s ve ze s e ma n d ou o víd e o p ra
tod a a fa mília . Es s a s cois a s q u e você s ó p od e re s p on d e r com mu ito
ob rig a d o, com fico a g ra d e cid o, com ob rig a d o p e lo ca rin h o. Eu coloco a
mã o n o p e ito, te n to d ize r com mímica o q u a n to me u cora çã o d á u ma
a u me n ta d in h a q u a n d o ou ço e s s a s cois a s . O b rig a d o, d e ve rd a d e .
M u ito ob rig a d o. E a s e n h ora d is s e : “ Su a s me n in a s tê m mu ita s orte ” .
Com is s o n ã o p os s o con cord a r. O s ortu d o s ou e u . Já fu i
d e s a te n to, re la p s o, a u s e n te , b ê b a d o. Já tra te i ma l min h a mã e , min h a
e s p os a , min h a s filh a s . Já q u a s e n os s e p a ra mos . Ain d a h oje s ou ma l-
h u mora d o, fico q u ie to d e ma is d u ra n te a lmoços , tra b a lh o d e ma is . Às
ve ze s , e u e min h a mu lh e r va mos g u a rd a n d o u m mon te d e p e q u e n a s
má g oa s , e q u a n d o a g e n te coloca tu d o p ra fora s in to q u e e la me
od e ia u m p ou q u in h o. Ela d e ve s e n tir a me s ma cois a .
Se e xis te p a i p e rfe ito, e le n ã o mora a q u i e m ca s a . Pa i n ã o é o
ca ra q u e n ã o e rra , é o ca ra q u e e s tá lá . O ca ra q u e e s tá p re s e n te ,
e rra n d o a tra p a lh a d a me n te te n ta n d o a ce rta r. M is e ra ve lme n te
a rre p e n d id o d os e rros . É imp os s íve l n ã o e rra r, e s ta n d o p re s e n te . Eu
e rro o te mp o tod o. Erre i a g ora h á p ou co, q u a n d o fu i g ros s e iro com a
min h a filh a . Es tou e rra n d o a g ora p or n ã o me le va n ta r d e s s a ca d e ira e
d a r u m a b ra ço n e la .
D e e m-me u m min u to.
Es tou d e volta .
Ap e n a s p ra d ize r q u e a g ra d e ço à q u e la s e n h ora d o a e rop orto,
p or tu d o o q u e d is s e . Ag ra d e ço tu d o o q u e fa la m s ob re os te xtos , os
víd e os , a s p a le s tra s . M a s o p a i p e rfe ito n ã o e s tá a q u i. O p a i p e rfe ito
e s tá a í d o s e u la d o, p re cis a n d o d e liçõe s con s ta n te s . Pod ia te r d a d o
tu d o e rra d o, ma s min h a mã e , min h a mu lh e r, min h a s filh a s e s ta va m lá
p ra me e n s in a r u ma p orçã o d e cois a s . A s orte n ã o é d e la s . O h ome m
ma is s ortu d o d o mu n d o s ou e u .
``Por que eu tenho que ir pra escola?`` “ Por q u e e u n ã o
p os s o p a s s a r o d ia n o vid e og a me ? ” “ Por q u e e u n ã o p os s o ir
s ozin h a a o s h op p in g ? ” “ Por q u e te n h o q u e e s p e ra r te r 18 a n os p ra
d irig ir? ” Q u a n d o a g e n te e ra jove m, ta mb é m fa zia tod a s e s s a s
p e rg u n ta s . Nos s os p a is d izia m: “ você va i e n te n d e r q u a n d o cre s ce r” .
Era u ma re s p os ta te rrive lme n te fru s tra n te .
Pa ra u ma cria n ça , a p ior cois a é s e r le mb ra d a d e q u e é u ma
cria n ça . Cria n ça s q u e re m s e r d e z a n os ma is ve lh a s , a d ole s ce n te s
q u e re m s e r d e z a n os ma is ve lh os , jove n s q u e re m s e r d e z a n os ma is
ve lh os . Ve lh os q u e re m s e r trin ta a n os ma is n ovos .
“ Por q u e você n ã o fa la s ob re q u e m é me u p a i? ” , e ra a
p e rg u n ta q u e e u ma is fa zia p ra min h a mã e . “ Você va i e n te n d e r
q u a n d o cre s ce r” , e la d izia . Eu iria e n te n d e r q u a n d o fos s e d e z a n os
ma is ve lh o, vin te a n os ma is ve lh o, q u a n d o tive s s e me u p róp rio filh o.
Q u a n d o e u fos s e p a i, e n te n d e ria a min h a mã e . Aq u ilo me d e ixa va
re volta d o. Eu já s a b ia d e tu d o s ob re a vid a e e la me d ize n d o q u e e u
s ó e n te n d e ria d e p ois d e ve lh o.
E, s u rp re s a : a g ora q u e s ou p a i, e n te n d o.
M in h a mã e n ã o fa la va s ob re q u e m e ra me u p a i p orq u e e la
tin h a me d o d e q u e e u o p rocu ra s s e . E q u e e u me d e ce p cion a s s e .
Porq u e é cla ro q u e e u iria me d e ce p cion a r com u m h ome m q u e
a b a n d on ou u ma mu lh e r g rá vid a . Tod a s a s p e s s oa s q u e e u con h e ço
q u e fora m a trá s d e s e u s p a is b iológ icos s e d e ce p cion a ra m. E o q u e
e la s e s p e ra va m d e u m h ome m q u e n ã o q u is s e r p a i? O q u e e u
e s p e ra va ? Eu a ch a va q u e s a b ia d e tu d o, ma s n ã o s a b ia d e n a d a .
O b rig a d o, mã e . Ag ora e u e n te n d o.
Você va i e n te n d e r q u a n d o cre s ce r. Q u a n d o tive r filh os ,
e n te n d e rá s e u s p a is . A g e n te s ó a p re n d e a s e r filh o q u a n d o vira p a i.
E, d ize m, s ó a p re n d e a s e r p a i q u a n d o vira vô.
É d e s lu mb ra n te e s s a n os s a p a s s a g e m p or a q u i.
A Aurora estava correndo com os b ra cin h os a b e rtos , os
olh in h os fe ch a d os , e você s a b e o q u e a con te ce q u a n d o corre mos d e
olh os fe ch a d os . A Au rora trop e çou , ca iu e ra lou os joe lh os e a s mã os ,
e foi a q u e la g rita ria , ca lma , ca lma , n ã o foi n a d a , ve m n o colo,
u a a a a a a a a a a a a a a a a a a a , ca lma , ca lma , d e ixa e u p a s s a r u ma
a g u in h a .
No me io d o s olu ço, e la con fe s s ou q u e corria com os b ra ços
a b e rtos p ra te n ta r voa r. “ Eu q u e ria voa r ju n to com os p a s s a rin h os ” ,
d is s e e la , tod a ma ch u ca d a e fru s tra d a . Es s e s ma ch u ca d os q u e d oe m
ma is n a g e n te d o q u e n e le s p róp rios . A in g e n u id a d e d a s cria n ça s d ói
n a g e n te .
O filh o d e u m a mig o d e s cob riu s ob re a morte . Com lá g rima s
n os olh os p e rg u n tou : “ Pa i, tu d o morre ? ” . M e u a mig o re s p on d e u :
“ Tu d o” . “ M a s e u n ã o q u e ro morre r, p a i” . “ Q u e m b rin ca mu ito n ã o
morre ” , d is s e me u a mig o. O me n in o a b riu u m s orris o, ia corre n d o p a ra
o p á tio, p a rou e d is s e : “ Pa i, a ma n h ã você b rin ca comig o o d ia tod o? ” .
Es s a p u re za d ói p rofu n d a me n te . Ele s n ã o s a b e m d e n a d a . D a
morte , d a p e rd a , d a fa lta d e b on d a d e . Nã o s a b e m d a g a n â n cia d o
h ome m, d a p a s s ivid a d e d e q u e m p od e e n ã o a ju d a os ou tros . Nã o
s a b e m d o h ome m q u e ma ta , d o h ome m q u e rou b a , d o h ome m q u e
s e q u e s tra e ma ch u ca . D ói n a g e n te s a b e r q u e e le s n ã o s a b e m d e
n a d a d is s o. D ói s a b e r q u e u m d ia s a b e rã o. D ói s a b e r q u e é
imp os s íve l p rote g ê -los p ra s e mp re . D e tu d o.
Q u e ro p rote g ê -los d e tu d o.
D a morte . D a ma ld a d e . D a g ra vid a d e .
Voa e n tre os p a s s a rin h os , Au rora . En q u a n to a in d a é p os s íve l.
Como posso explicar s e m p a re ce r ma lva d o? Ab rin d o o te xto com
u ma p e rg u n ta re tórica , ta lve z. Ta lve z d ize n d o q u e n ã o fa ço is s o p or
ma l. Ta lve z d ize n d o q u e n ã o é a lg o q u e a con te ce tod o d ia . M a s ,
in d e p e n d e n te d e você s e s ta re m me ju lg a n d o n e s s e mome n to, e u
con fe s s o: te n h o u ma filh a fa vorita .
Q u a n d o min h a s e g u n d a filh a n a s ce u , a ma is ve lh a tin h a s e te
a n os . Éra mos os me lh ore s a mig os d o mu n d o. M a s u m b e b ê e s ta va
ch e g a n d o e n os s a a miza d e corria p e rig o. Eu me a b a ixe i, e n tã o, e
olh e i b e m n os s e u s olh os : “ Você s e mp re s e rá min h a filh a fa vorita .
Você é min h a p rime ira filh a e e u s e mp re vou te a ma r ma is . Você é u m
p re s e n te . Nã o vou jog a r e s s e s s e te a n os q u e a g e n te vive u ju n tos
fora . Se mp re q u e e u te ch a ma r d e ‘fifa ’, como e u te ch a mo d e ve z e m
q u a n d o, s a ib a q u e s e cre ta me n te e s s e a p e lid o s ig n ifica ‘filh a
fa vorita ’” .
E e la ficou fe liz. E é cla ro q u e e u me a rre p e n d i.
Q u a n d o a ma is n ova s orriu p e la p rime ira ve z. E q u a n d o me
a b ra çou p e la p rime ira ve z. E q u a n d o d is s e : “ e u te a mo, p a p a i” p e la
p rime ira ve z. Eu a ma va a q u e la p e s s oa p e q u e n a ma is d o q u e tu d o,
ma is d o q u e e u me s mo, ma is d o q u e o re s to d a h u ma n id a d e . Ne s s e s
mome n tos , e u con fe s s o: a ma is n ova foi min h a filh a fa vorita .
M a s e n tã o a ma is ve lh a s e a p a ixon ou p e los livros e p or
ciê n cia e p or filme s le g a is . E p a s s a mos ta rd e s a n d a n d o d e b icicle ta e
con ve rs a n d o. E n e s s a s con ve rs a s e u te n h o ce rte za d e q u e e la foi
min h a fa vorita . E a ch a mo d e “ fifa ” , p ra q u e e la s a ib a q u e e u g os to
mu ito d e la . Nã o s e i s e ma is ou me n os d o q u e a ou tra , ma s e u d iria
q u e à s ve ze s ma is , à s ve ze s me n os , a lte rn a d a me n te .
A ch e g a d a d o s e g u n d o filh o n os ob rig a a d ivid ir o te mp o, a
a te n çã o, o ca rin h o. D ivid ir o olh a r, a con ve rs a . A g e n te n ã o mu ltip lica
o a mor. A g e n te d ivid e . Is s o d ói, ma s n os a cos tu ma mos .
Ne s te mome n to, e s cre ve n d o e s te te xto, a mo a s d u a s
ig u a lme n te . Ela s e s tã o d ormin d o. M a s a ma n h ã , q u a n d o a cord a re m,
te re i me u s fa voritis mos . Como p os s o d ize r is s o s e m p a re ce r
ma lva d o?
Fe ch a n d o o te xto com u ma p e rg u n ta re tórica ?
UMA PEQUENA
TRAGÉDIA
/MarcosPiangers
Pa ra ca d a p rod u to comp ra d o, a Be la s -Le tra s d oa
ou tro p a ra b ib liote ca s q u e p re cis a m.