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revista da número 9

setembro de 2003
abem

O musical escolar CDG como


moldura de educação musical

Helena Müller de Souza Nunes


Departamento de Música – UFRGS
helena@acdg.org.br

Resumo. Este texto procura discutir a idéia do musical como um recurso musicopedagógico de caráter
popular adequado à criança brasileira, baseado nos resultados obtidos por quatro trabalhos empíricos
realizados no âmbito da Proposta Musicopedagógica CDG. Ao longo de mais de uma década de
experiência CDG, busca-se desenvolver uma proposta metodológica que reúna, num único modelo, os
quatro principais aspectos da educação musical no Brasil: formação de professores; criação de material
didático e de recursos instrucionais; sistematização de idéias e procedimentos; e vinculação saudável e
produtiva com o mercado e a mídia.

Palavras-chave: musical escolar, CDG, canção infantil

Abstract. This essay discusses the idea of the musical as a Brazilian child appropriated educational
resource, based on the results of four experimental CDG musicals for children. During over 10 years of
CDG experience, the attempt has been to develop a methodological model including the four main
aspects of the music education in Brazil: teachers building, creation of didactic materials and instructional
resources, description of specific ideas and procedures, healthy market-media approach.

Keywords: schoolmusicals, CDG, songs for children

Apresentação

Já uma definição precisa do que seja um discutir esta idéia, baseado nos resultados obtidos
musical não é uma tarefa fácil. Tanto mais comple- por quatro trabalhos empíricos realizados no âm-
xo é o desafio de apresentá-lo e desenvolvê-lo como bito da Proposta Musicopedagógica CDG1 , ao lon-
um recurso musicopedagógico de caráter popular go de mais de uma década de sua existência, bem
adequado à criança brasileira. Este texto procura como no estudo:

1 O Projeto CDG é uma proposta musicopedagógica brasileira (Vale do Sinos, RS, 1991) com reconhecimento internacional, que
integra produção de repertório e material didático, bem como capacitação de professores e outros profissionais para o trabalho com
música no contexto educacional e da saúde. Essa proposta viabiliza-se através de musicais escolares infanto-juvenis, CDs, cancioneiros,
livros e cursos; está integrada por projetos de extensão e ensino, junto ao curso de Licenciatura em Música da UFRGS; e é objeto de
estudo do projeto de pesquisa Proposta Musicopedagógica CDG, registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, com certificação
desta mesma universidade.

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NUNES, Helena Müller de Souza. O musical escolar CDG como moldura de educação musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V.
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a) dos comportamentos do mercado mundi- tenha apresentado tantas pompas quanto a tradi-
al de sucessos musicais, considerando fil- ção lhe tem conferido. Naquela ocasião e nos anos
mes, desenhos, discos, CDs e espetáculos; que se seguiram, mesmo que em cenários e con-
textos altamente conflitantes entre si, foram confi-
b) da tendência da musicopedagogia inter- gurados conceitos de cultura e cidadania brasilei-
nacional, em especial a européia, desde o ras ainda hoje atuais e sempre ainda em desenvol-
princípio da década de 1990; vimento. Com a LDB no 9394/96, tem-se feito es-
forços no sentido de ter no conceito de cidadania
c) da repercussão da produção musical in- um sustentáculo da escola e da sociedade em ge-
fantil brasileira, tanto de caráter comercial ral. Mas, ao mesmo tempo, o mundo foi-se tornan-
quanto puramente artístico e pedagógico, a do cada dia menor diante dos avanços tecno-
partir da década de 1970; e lógicos, e mais facilmente alcançável diante dos
avanços dos meios de comunicação, o que provo-
d) das evidências históricas brasileiras, que
ca perplexidade diante dos direitos e deveres de
mostram a educação e a prática musical in-
cada um desses cidadãos, individualmente ou em
fantil fortemente vinculada às comemorações
seu grupo. Nunca, como desde os últimos anos,
do calendário letivo, as conhecidas festinhas
as pessoas se deram conta do quanto somos inter-
escolares, ou do ano eclesiástico, as festas
dependentes, e esta noção atinge tanto as cultu-
de igreja ou temas de ensino religioso. ras locais quanto as culturas decorrentes do con-
O tema frente à cultura popular e à educação tato das diversas nações entre si.
musical Na atualidade, porém, a prepotência de cer-
tos grupos formadores de opinião, bem como in-
Tanto com base na literatura especializada terpretações parciais que a própria população tem
quanto no senso comum, é comum aceitar-se pas- sobre o conceito de globalização, promovem
sivamente que a educação musical formal brasilei- distorções culturais prejudiciais a todos; em parti-
ra seja decorrente de modelos estrangeiros, em cular, a grupos minoritários e de menor poder eco-
especial europeus e norte-americanos. Não é ver- nômico e/ou conhecimento tecnológico. Tais
dade 2 . O fato é que um real comprometimento com distorções tornam o respeito às manifestações cul-
modelos e idéias distantes do Brasil, muitas ve- turais autóctones e a relação da cultura de massa
zes, tem servido de disfarce para o medo de pro- com o direito às particularidades desses grupos
por e desenvolver alternativas musicopedagógicas temas ainda mais complexos e de debate mais
mais ligadas ao povo brasileiro, com suas prefe- necessário do que nunca antes. No caso das ma-
rências autênticas e suas manifestações musicais nifestações musicais brasileiras, desde as iniciati-
espontâneas. O atestado de competência e valor vas do Barão de Macahubas no século XIX, pas-
das propostas musicais brasileiras – sejam elas sando pelo Canto Orfeônico do Período Vargas,
artísticas, comerciais, musicoterapêuticas ou pela descoberta do mercado infantil para grava-
musicopedagógicas – tem sido conferido ou por ções fonográficas nos anos 70 e, mais recentemen-
modismos de imposição mercadológica ou por ide- te, pela “adultização” precoce das crianças, eviden-
ologias políticas e/ou por critérios estabelecidos por cia-se um afastamento imenso entre o que se en-
academicismos distantes do cotidiano dos diver- sina na escola e o que se vive, espontaneamente
sos grupos sociais brasileiros. Nos últimos anos, ou imposto pela mídia, fora dela. A preferência in-
algumas pesquisas e projetos de desenvolvimento fantil evidencia a necessidade de se desenvolver
têm procurado corrigir esse quadro, e a Proposta um vínculo mais saudável entre uma educação
Musicopedagógica CDG empenha-se em contar musical formal e revestida de erudição com a cul-
entre eles. tura musical popular veiculada, principalmente,
pelos meios de comunicação de massa e compro-
Ao longo da história do Brasil, aconteceram metida com o mercado. Dentre as formas mais atu-
várias iniciativas de desenvolvimento de uma cons- ais desse encontro entre um fazer artístico criterioso
ciência nacional livre das determinações estran- e o gosto popular está o musical, sobre cujas par-
geiras. Possivelmente, o marco histórico mais re- ticularidades se passará a discorrer, tendo por ob-
presentativo deste fenômeno foi a Semana de Arte jetivo maior aproveitar suas possibilidades no pro-
Moderna de 1922, mesmo que, em si mesma, não cesso educacional musical da criança brasileira.

2 Um quadro comparativo entre as datas nas quais os diversos métodos de educação musical foram propostos no Brasil e em outros
países do mundo apresenta-nos a surpreendente evidência da contemporaneidade desses acontecimentos. A coincidência de períodos
e graus de desenvolvimento das idéias musicopedagógicas brasileiras e internacionais não pode ser mera casualidade e, certamente,
pode ser evidência de que o Brasil não tenha sido, não seja e não precise ser um passivo recebedor de idéias estrangeiras. Este tópico
merece aprofundamento de estudos. Para maiores informações, vide Wöhl-Coelho (1999).

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A forma musical, suas origens e seus sociais e intelectuais, faz com que, na atualidade,
desdobramentos seja desenvolvido também como produto do mer-
cado de sucessos artísticos e editoriais de outros
O musical – simplificação do termo musical países3 . As grandes produções de musicais inclu-
comedy – é um gênero de espetáculo surgido em em shows, gravações, publicações e filmes que
torno da passagem do século e definitivamente movimentam milhões de dólares no mercado de
estabelecido nos anos 20, nos EUA, no qual diver- trabalho com arte e multimídia, e mexem com os
sas formas artísticas são aproveitadas numa mes- corações e as mentes de milhões de espectadores
ma peça, sem que haja rigor estilístico ou formal. em todo o mundo.
Segundo Oscar Hammersteins II (1895-1960), o
único elemento permanentemente encontrado em A evolução histórica do musical no cenário
todos os musicais é a música: “Es sollte alles sein, internacional, enquanto forma artística e de espe-
was es sein möchte. Es gibt nur ein Element, was táculo, é apresentada por Bering (1997) em seis
ein Musical unbedingt haben muß – Musik.” grandes momentos:
(Hammerstein apud Bering, 1997, p. 7). Assim, va-
mos encontrar burlesco, minstrel show, vaudeville, a) Velho e Novo Mundo (1700-1918)
opereta, revista, jazz e rock, combinados entre si
b) Era do Jazz (1918-1929)
ou não, em obras que incluem, além das canções,
diversas estruturas teatrais e coreográficas. Acon- c) novos temas, novos tons (1929-1943)
tece em um palco, um espaço limitado estabeleci-
do pelo consenso entre compositores e intérpre- d) musicais clássicos (1943-1957)
tes, que permite a elaboração de realidades ilimi-
e) tempo do rock (1957-1978)
tadas por excelência. Nesse espaço convencional-
mente reduzido, é possível refletir sobre a realida- f) mercado mundial (a partir de 1978)
de representada, aperfeiçoando-a com a proteção
do direito à fantasia. Assim sendo, tanto na forma A comédia musical, forma que se desenvol-
quanto na escolha de temas, textos e roteiros, o veu em Londres a partir da ópera cômica e burlesca
musical é uma forma polivalente e livre, que esti- nas últimas décadas do século XIX, consistia em
mula a imaginação e sustenta a aquisição de co- um roteiro que combinava livremente comédia e
nhecimentos. Tanto pode contar uma história trági- romance, numa estrutura musical incluindo canções
ca como uma cômica. Pode, também, sequer con- cativantes, conjuntos e danças. Nos Estados Uni-
tar uma história, no sentido mais restrito da expres- dos, houve uma adaptação desta forma de espetá-
são, limitando-se a apresentar conteúdos e situa- culo, a partir da década de 1920, com as obras de
ções reais ou imaginários de forma romantizada, Jerome Kern, George Gershwin e Richard Rodgers.
fantasiosa, naturalista, estilizada ou satírica. Já com o nome de musical play e exibindo roteiros
e partituras mais consistentes, o gênero atingiu seu
Fora de dúvida, no entanto, é seu compro- auge na década de 1940. Com esta origem moder-
misso com o sucesso de público. Inicialmente, o na, a partir da Segunda Guerra Mundial, difundiu-
musical moderno consistia de uma diversão das se mundialmente o musical, assim como é conhe-
camadas populares pequeno-burguesas e prole- cido atualmente (The New Grove Dictionary for
tárias norte-americanas; em pouco tempo, no en- Music and Musicians, 1980).
tanto, o gênero caracterizou-se por megaproduções
cinematográficas ou de palco e outros espaços de No Brasil, o tema ainda não foi estudado com
comunicação destinadas a todo tipo de público. a merecida ênfase. Valadares (2001, f. 12) afirma
Desde a origem, o musical tinha por objetivo prin- encontrar-se, nos diversos catálogos de composi-
cipal movimentar o show business da Broadway e tores eruditos brasileiros, somente uma obra com
os estúdios de filmes de Hollywood. O êxito finan- a nomenclatura específica musical, a saber, o mu-
ceiro dessa proposta, conseqüência mais imediata sical infantil Godó, o Bobo Alegre, escrito por Fran-
do interesse que despertou em todas as camadas cisco Mignone (baseado no livro homônimo de

3 Conforme um artigo publicado no jornal Zero Hora (1998), o musical Cats, de Andrew Lloyd Webber, por exemplo, em 19 de junho de
1998 bateu recorde de apresentação na Broadway, com seu 6138o espetáculo. Durante o evento comemorativo, 22 atores e atrizes
integrantes desde o início das apresentações saudaram suas personagens e, ao final, cantaram juntos The Ad-Dressing of Bats. O
mesmo espetáculo é ininterruptamente apresentado em Hamburgo desde 1981, com igual sucesso de bilheteria, criando empregos para
artistas, editores, agências de turismo e profissionais ligados a esse tipo de mercado. Também no processo educacional das escolas de
música o referido espetáculo tem tido forte influência estilística e formal, conforme W. König, em entrevista à autora deste artigo em
agosto de 1998. Outros exemplos similares podem ser encontrados em Kaczerowski (1996).

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Pedro Bloch e ainda inédito ). Sob a nomenclatura sileiros”, a despeito de vulgarizações que tenha
ópera infantil, a autora localizou Maroquinhas Fru- sofrido, eram uma espécie de crônica bem-
Fru (1974), de Ernest Mahle, baseada em um texto humorada de acontecimentos políticos e sociais
de Maria Clara Machado, e O Milagre das Rosas de seu tempo. A associação entre as linguagens
(1968), de Mário Mascarenhas. No entanto, pode- artísticas, o mercado de trabalho para todo o tipo
se enumerar alguns fenômenos que indicam a im- de artistas e os acontecimentos reais do cotidia-
portância de formas artísticas e de espetáculo si- no, bem como a possibilidade de transformá-los
milares ao musical aqui, como, por exemplo: em objeto de reflexão, em conteúdo de estudo e
meio de entretenimento ao mesmo tempo, não foi
a) Escolas de samba: pode parecer estra- até hoje devidamente reconhecida pela
nho associar os musicais referidos acima aos des- musicopedagogia. Este é um dos aspectos que o
files e demais atividades de uma escola de sam- modelo de musicais escolares aqui apresentado
ba. E, mais estranho ainda, relacionar tais elemen- se ocupa em desenvolver.
tos à educação musical. No entanto, as escolas
de samba integram conhecimento formal e mani- c) Teatros musicados e mídia: o mais rele-
festações populares, música e cena, lazer e mer- vante para o tema aqui abordado são os aconteci-
cado. Além disso, despertam grande interesse e mentos ocorridos na década de 1970. Durante esse
entusiasmo na população. E a música é o fator período, as gravadoras e setores do mercado
máximo dessa integração. Essa importante evidên- fonográfico e televisivo descobriram o filão econô-
cia não se faz representar nos programas oficiais mico representado pelo público infantil, oferecen-
de ensino de música, mas atestam que, ao lado do a ele um repertório nem sempre adequado; pelo
da euforia do Carnaval enquanto festa popular menos, questionavelmente infantil, mesmo que os
importante desde a passagem do século, cresceu temas e as personagens o fossem. Vários podem
entre a população sentimentos autênticos de iden- ser citados, como a Casa de Brinquedos e a Arca
tificação nacional, saber musical e estruturas de de Noé, de Vinícius de Morais (década de 1980),
mercado típicas do musical do show business nor- Os Saltimbancos, de Chico Buarque de Hollanda,
te-americano. O potencial musicopedagógico des- e No Vale Encantado, de Osvaldo Montenegro, que
sa realidade ainda não foi devidamente explorado se utilizam de figuras da infância para metaforizar
no âmbito da educação musical brasileira; o que temas políticos censurados ou elaborar a criança
pode acontecer no âmbito do modelo dos musi- que mora dentro de cada adulto. Também a ten-
cais escolares. dência de entender a infância como o período da
vida em que a pessoa se diverte com o ridículo (Os
b) Teatro de revista: fora das escolas, na for- Saltimbancos Trapalhões, 1981) ou é apenas um
ma do teatro de revista4 , cresceu a valorização da adulto em miniatura, apesar dos disfarces pelo ex-
MPB, incentivada, especialmente entre 1930 e cessivo emprego de diminutivos e falas
1950, também pelos progressos dos meios de co- infantilizadas como o Xou da Xuxa (Globo, 1986-
municação (rádio e gravações de discos). Os te- 1993), Mara Maravilha (SBT, 1987-1993) e Angéli-
mas geradores do teatro de revista eram os acon- ca (SBT e Globo); ou é a manifestação do talento
tecimentos cotidianos e as personagens típicas da sem necessidade de investimento (A Turma do
sociedade da época. Tais temas eram representa- Balão Mágico, 1983-1986). Com o Sítio do Pica-
dos em espetáculos variados, que integravam mui- pau Amarelo (Globo, 1977) e Castelo Rá-Tim-Bum
tos tipos de profissionais e estilos das linguagens (Cultura, 1988, veiculando obras como Pé, Meu
artísticas. Ainda assim, as diversas tendências Querido Pé, de Hélio Siskind), entretanto, parece
dessas linguagens, da cultura popular e da educa- ser possível identificar uma busca pelo mundo ge-
ção formal, continuavam coexistindo isoladas umas nuinamente infantil, feita por adultos efetivamente
das outras e não se respeitando mutuamente. comprometidos com o desenvolvimento da crian-
Pode-se dizer que esses primeiros “musicais bra- ça. Relevante ao caso, no entanto, é o fato de que

4 Tinhorão (1998) aponta João José da Costa Júnior e Chiquinha Gonzaga como os primeiros compositores brasileiros da fase pioneira
de criação do intercâmbio existente ente teatro, música popular e Carnaval, numa tentativa de adaptar erudição e gosto popular, estilizando
no palco os ritmos da rua (tangos, maxixes e marchinhas). Provavelmente, os primeiros compositores desse século para o teatro de
revista foram Sinhô (1920), Pixinguinha (1926), Lamartine Babo (1926) e Ari Barroso (1928), figuras muito conhecidas já em sua época
e, até hoje, conhecidos músicos populares. No entanto, também compositores considerados mais eruditos, como Heckel Tavares (1926),
compuseram para o teatro de revista. O teatro de revista (ou simplesmente revista), um dos gêneros de maior sucesso no teatro
brasileiro, misturava dança, música e esquetes. Inicialmente, o gênero apresentava influências portuguesas, mas, com o tempo, difundiu-
se e abrasileirou-se nos tipos, nas temáticas e, principalmente, no lançamento e/ou reforço de músicas de sucesso e tinha um caráter
malicioso, recheado por satíras políticas.

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a música, como estrutura para espetáculos de tea- processo que bem pode ser aproveitado como
tro e/ou televisão, foi progressivamente despertan- musicopedagógico.
do interesse e se constituído em produto comerci-
al. A par desses produtos, outros de menor valor Nem as escolas de samba, nem o teatro
artístico se impuseram e se impõem com muita for- de revista e nem os teatros musicados com ou
ça de mídia, interferindo e modelando o gosto in- sem o apoio da mídia, são musicais ou musicais
fantil, pois o poder da televisão ao transmitir repre- escolares, nos sentidos mais restritos dos ter-
sentação cênica (que inclui cenografia, indu- mos; no entanto, o interesse que despertam e a
mentária, coreografia, textos, etc.) associada à força que têm atestam a importância de fazer,
música é enorme. Mas nem só a televisão detém de trabalhos como esses ali desenvolvidos, fon-
este poder de propor o que talvez até mesmo se te de inspiração para materiais e idéias de edu-
poderia chamar ideologia multimídia. Atualmente, cação musical vinculadas à cultura popular.
crescem em atuação e importância grupos como o
Bases musicopedagógicas para musicais
Palavra Cantada (São Paulo), Roda Pião (Belo
escolares CDG
Horizonte), Cuidado que Mancha (Porto Alegre),
que procuram levar suas canções através do con- Originado de uma experiência prática qua-
tato direto com as crianças, em shows escolares. se casual entre 1991 e 1994, o modelo aqui pro-
posto teve sua fundamentação musicopeda-
d) Já no âmbito educacional, merecem re-
gógica e sua coerência com a realidade brasi-
ferência os teatros musicados das escolas e das
leira cientificamente estudada entre 1995 e 1997.
igrejas. Na escola, essa prática iniciou com a
Entre 1998 e 2002, foram intencionalmente re-
metodologia educacional ministrada pelos jesu-
alizados e documentados mais três trabalhos
ítas ainda durante o Período Colonial. Eles em-
empíricos decorrentes da experiência original
pregavam representações artísticas incluindo a
associada ao estudo científico que se seguiu a
música associada ao teatro. Séculos mais tar-
ela. Registrada desde 2002 no Diretório de Gru-
de, as comemorações cívicas do canto orfeônico
pos de Pesquisas do CNPq, com certificação da
continuavam repetindo essa forma de represen-
UFRGS, a Proposta Musicopedagógica CDG
tações artísticas escolares. Sem entrar em seus
aperfeiçoa seus procedimentos e recursos, atra-
méritos ideológicos, o fato é que integravam ele-
vés do trabalho de uma equipe internacional de
mentos folclóricos, populares e eruditos, bem
pesquisadores. Conforme resultados obtidos ao
como reuniam e motivavam um grande número
longo desse tempo, um modelo musicopeda-
de pessoas de todas as idades e grupos soci-
gógico ideal para a realidade brasileira deve
ais. No caso da tradição desenvolvida nas igre-
contemplar, concomitantemente, seus quatro
jas, observa-se o hábito de representar eventos
aspectos fundamentais, quais sejam:
do calendário litúrgico e textos bíblicos associ-
ando cena e música. Cabe lembrar que tais prá- a) formação de professores e sua
ticas foram/são especialmente importantes para capacitação para o aproveitamento da mú-
aquelas denominações cuja propagação acon- sica em sala de aula e em outros ambientes
teceu por intermédio de movimentos educacionais e formativos;
evangelizadores de massa, muitas vezes reali-
zados em praças públicas. Aqui se encontra, b) produção de repertório (CDs, cancionei-
também, produção de repertório publicado em ros) e materiais didático-instrucionais em
cancioneiros, contendo textos com acompanha- música (jogos pedagógicos, vídeos
mentos harmônicos cifrados e, mais raramente, ilustrativos);
de partituras. Essa produção, embora reduzida,
c) sistematização de procedimentos e de téc-
é significativa por evidenciar a necessidade do
nicas de ensino, bem como desenvolvimen-
aspecto editorial na área. No entanto, em ne-
to e ampla discussão de idéias; e
nhum destes casos – respectivamente, escola e
igreja – existe uma preocupação maior com o d) cooperação autônoma e produtiva, com
mercado, antes procuram negá-lo; e procuram estruturas mercadológicas e com a mídia.
não se deixar influenciar decisivamente pela
cultura popular, antes procuram influenciá-la. De Verificou-se, também, que o modelo de mu-
qualquer forma, apontam para a importância sig- sicais escolares apresenta tais possibilidades, pois
nificativa da associação entre diversas lingua- contempla todos esses aspectos, vinculando o fa-
gens artísticas e do problema editorial, respec- zer educacional e artístico a uma postura empre-
tivamente, de direito autoral, em torno de um sarial, que está atualizada, no contexto internacio-

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nal,5 e é inovadora, no contexto nacional, confor- tituídos de experiências reais assistidas e/ou com-
me estudos comparativos realizados com base na partilhadas por um público. Como se desenvolvem
bibliografia especializada e amplamente discutida na frente de um público, precisam “dar certo” aos
em tese de doutoramento (Wohl-Coelho, 1998). olhos desse público. Saber lidar com isso, apro-
Nessa tese, sob o tema um projeto para a educa- veitar todas essas possibilidades de um musical
ção musical no Brasil, foi estudada a importância CDG implica, naturalmente, preparo docente es-
dos musicais escolares para o ensino de música pecífico, repertório adequado, estruturas escola-
nos contextos nacional e internacional, bem como res e sociais condizentes e comprometimento
a adequação deste modelo para o Brasil. Musical sociocultural. Conforme já caracterizado nos pará-
escolar CDG, portanto, é um conceito surgido em grafos anteriores, o musical enquanto gênero, e em
1991, referente a iniciativas que proporcionem edu- sua concepção original, é mais do que apenas uma
cação musical, formação estética e desenvolvimen- forma de divertimento, pois envolve ainda merca-
to integral a crianças tanto em salas de aula da dos de produção profissional e de consumo, bem
escola regular quanto em associações culturais, no como atinge públicos diversos, influenciando até
âmbito do projeto CDG. Enquanto gênero artístico, mesmo o gosto, os hábitos e a moda. O musical
o musical CDG se orienta pelos grandes musicais; escolar CDG tem essas possibilidades potencia-
no entanto, ao contrário destes, não busca lizadas, pois está proposto como parte consciente
prioritariamente a perfeição de espetáculo e o aten- do sistema educacional. Precisa e deve ser estu-
dimento das expectativas de mercado, mas sim o dado com muito seriedade e abrangência.
desenvolvimento das capacidades musicais, ver-
bais e cênicas das crianças que dele fazem parte. A Proposta CDG propõe o modelo Musical
com os seguintes componentes:
Durante o processo de produção de um mu-
sical CDG, toda a comunidade escolar pode ser a) espetáculo cujos intérpretes sejam,
envolvida, associando, na forma de experiências prioritariamente, crianças e adolescentes,
estéticas, conteúdos interdisciplinares, convívio mas também pessoas da comunidade em
social e estruturas de personalidade. Trata-se da geral, como seus pais, irmãos e amigos, to-
abertura de novas perspectivas para o desenvolvi- dos artistas amadores;
mento individual; vivências artísticas integrais com
b) espetáculos a tal ponto estruturados por
música, teatro, dança e artes plásticas; competên-
adultos e abertos para as crianças, que pos-
cia crescente nas diversas linguagens artísticas;
sam ser revividos/reinventados a cada nova
contato com os meios de comunicação de massa e
apresentação, com garantia de êxito no pro-
recursos de multimídia; amadurecimento advindo
duto final;
da distinção entre o real e o fictício; poder de co-
municação e expressão; critérios de julgamento c) CD contendo o repertório e seus respecti-
fundamentados. O maior cuidado que se deve ter vos acompanhamentos instrumentais, para
é com a verdade da teatralização, isto é, a criança que as canções possam ser repassadas
não pode ser levada a “representar” o que, em sua mesmo por grupos e/ou em situações de
vida real, jamais presenciou. Por ainda não ter acu- ensaio onde não existam músicos
mulado experiências em quantidade e qualidade acompanhadores;
suficiente, ela tem critérios de julgamento e
distanciamento ingênuos. Em sua imaturidade, d) cancioneiro com as melodias, os textos e
acredita em tudo o que experimenta, e constrói as cifras para acompanhamento;
parâmetros e referenciais de vida com base nesse
e) vídeo, onde as coreografias básicas são
material. Assim sendo, pode-se afirmar que, quan-
descritas e ensinadas;
to mais jovens forem os atores, menos deverão “re-
presentar” e mais “presenciar”. Isso resulta em es- f) financiamento desses produtos feito atra-
petáculos que se renovam a cada reexibição. Lite- vés das leis de incentivo à cultura; e
ralmente, acontecem, já no palco, pela primeira vez.
São jogos, são brincadeiras. g) divulgação e veiculação pela mídia.

De fato, espetáculos infantis devem ser cons- Este conjunto de procedimentos foi testado

5 Esta proposta participou da EXPO 2000 de Hannover com seu musical infanto-juvenil Curupira – Histórias, Mitos e Lendas das
Florestas Brasileiras e com a conferência Visões da Musicopedagogia no Brasil e o Projeto CDG, durante o evento Brasil – Europa 500
Jahre: Musik und Ent-Decken neuer Welt, congresso promovido por diversas instituições internacionais, entre 3 e 7 de setembro de
1999, em Colônia. Nessas ocasiões, bem como através de críticas e reportagens publicadas em jornais alemães da época, foi possível
comprovar tal afirmativa.

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e desenvolvido nos quatro trabalhos a seguir: de cena e personagens são inéditos, inspirados em
personagens lendários das florestas brasileiras
a) Cante e Dance com a Gente (1991): inici- (Curupira, Licocó) e sua flora e fauna (Jequitibá,
almente, deveria ser apenas um disco comemora- Borboletas, Vitória-Régia). As compositoras inspi-
tivo; no entanto, o interesse despertado entre cri- raram-se em ritmos e fórmulas tradicionais da mú-
anças e professores acabou por gerar um espetá- sica popular e folclórica brasileira e gaúcha. As
culo realizado por sete crianças entre 4 e 12 anos, canções incluíam recitativos, solos, partes instru-
que teve quase 70 apresentações, ao longo de mais mentais e efeitos sonoros diversos. As partes de
de três anos. Também foi tema de uma tese de fala estão construídas sobre uma métrica determi-
doutorado, sete cursos para professores e toda a nada, marcadas por coreografias e integram o todo
reflexão aqui apresentada. Este trabalho incluiu a musical da obra. Os instrumentos integrantes in-
gravação de um disco de vinil com 30 canções, a cluem tanto instrumentos convencionais como
publicação de um cancioneiro com o repertório gra- construídos especialmente para a execução da
vado (texto, partitura e cifras para acompanhamento obra, e tocam tanto o acompanhamento das can-
harmônico) e um show com 30 minutos de dura- ções quanto executam os efeitos da trilha sonora.
ção. Durante as apresentações, o som foi feito em O lançamento foi em setembro de 2000, no Salão
playback. O cenário despojado era modelado pe- de Atos da UFRGS, dentro do projeto Aprendendo
los próprios atores durante a encenação, e era com Arte, do Departamento de Difusão Cultural da
sustentado pelos figurinos. Essa indumentária, leve UFRGS, e o trabalho apresentou-se na Alemanha,
e simples, era feita com tecidos coloridos, espuma em setembro/outubro deste mesmo ano, como pro-
e papel, e também era trocada no palco, como par- posta musicopedagógica selecionada para a
te das coreografias. A estrutura do espetáculo foi EXPO2000 de Hannover. Ao todo, foram sete apre-
a de colagem, onde cada uma das canções tratava sentações no Brasil e 29 na Alemanha, por várias
de um tema da fase pré-escolar: rotina, esquema vezes divulgadas e referidas elogiosamente pela
corporal e afetos. crítica especializada alemã, em particular.
b) Histórias (1998): esse trabalho procurou d) Natal dos Anjos: essa obra faz parte do
seguir, rigorosamente, o modelo original, descrito projeto CDG nas Escolas de Dois Irmãos. A pri-
acima; no entanto, não houve recursos para a mul- meira apresentação, ainda em fase experimental e
tiplicação do cancioneiro (o trabalho em arte-final com apenas duas canções (Canção de Advento e
está disponível). Foi feita a gravação de um CD É Natal), foi realizada em 1999, na abertura do IV
com 18 canções e um show com 45 minutos de Natal dos Anjos de Dois Irmãos. A segunda apre-
duração, apresentado pelo mesmo grupo que apre- sentação, na abertura do V Natal dos Anjos, em
sentara o primeiro trabalho, mais um grupo de no- 2000, já trazia seis novas canções, em versão mais
vos integrantes, totalizando 37 crianças e adoles- completa do repertório: Anjo Gabriel, Magnificat,
centes. Como as crianças do grupo original esta- Jesus Nasceu, Bichos do Presépio, Glória dos An-
vam mais velhas, o repertório acompanhou seu jos, Estrela-Guia). Em 2001, fixaram-se as coreo-
amadurecimento, incluindo canções que tratavam grafias e, em 2002, a instrumentação e as últimas
de releituras irônicas e divertidas das mais tradici- seis canções que integram o conjunto da obra,
onais histórias infantis (Três Porquinhos; Cinderela; publicada em cancioneiro em 2003. Ao longo des-
Natal), sobre as personagens dessas mesmas his- se tempo, transforma-se em uma tradição integrante
tórias (Bruxa; Anão; Rei), ou ainda sobre seus te- dos festejos natalinos da serra gaúcha.
mas (Namorado Rocardel; Rock Dog Virtual). In-
tercalando essas canções, explorava-se o uso de Conclusão
rimas infantis e jogos de calçada, dando unidade
ao roteiro. O lançamento do CD foi em março de A análise do processo evolutivo da
1999, em Novo Hamburgo, e durante esse ano o musicopedagogia no Brasil, em particular no que
espetáculo foi levado a escolas e casas de espe- se refere à sua relação direta com a escola e a
táculo do Vale do Sinos e de algumas cidades do cultura, evidencia acontecimentos significativos,
interior do Rio Grande do Sul, totalizando 22 apre- que reúnem atuações isoladas. Ainda não apare-
sentações. ceu uma proposta metodológica com repercussão
nacional, que reúna, num único modelo, os quatro
c) Curupira – Histórias e Lendas das Flores- principais aspectos da educação musical no Bra-
tas Brasileiras: esse musical é constituído de três sil: formação de professores; criação de material
atos, dura cerca de 45 minutos e foi interpretado didático e de recursos instrucionais; sistematiza-
por 30 crianças entre 6 e 19 anos, com música ao ção de idéias e procedimentos; e vinculação ade-
vivo. Todo o texto, repertório, coreografia, efeitos quada com o mercado e a mídia. Historicamente,

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verifica-se que a cultura popular nunca foi, devida- nais; e educar a sociedade para o aproveitamento
mente, nem respeitada nem aproveitada pela edu- adequado dos mecanismos de mercado e comuni-
cação formal. No caso específico da música, exis- cação de massa, promovendo integração de cultu-
te um abismo enorme entre o que é ensinado na ras e, simultaneamente, respeitando e valorizando
escola e o que é vivido fora dela. Nem mesmo du- as culturas particulares.
rante o período do canto orfeônico, que, em seus
discursos, afirmava ser o resgate das culturas na- Os musicais, nascidos do show business
cionais sua mais importante bandeira, este respei- norte-americano em torno da década de 30, espa-
to existiu de fato. Com a queda da Ditadura Vargas, lharam-se pelo mundo. Seus espetáculos reúnem
até mesmo as iniciativas escolares nesse sentido multidões no público e movimentam profissionais
foram abruptamente interrompidas. Nos anos em variados. Na moldura desses musicais, alojam-se
que valeram os princípios da Reforma do Ensino questões culturais, artístico-musicais e de merca-
da década de 1970, a profissionalização vinculada do. Os musicais promovem espaços restritos e, si-
aos avanços tecnológicos e uma pretendida multaneamente, desencadeiam espaços ilimitados.
integração entre as artes – entendidas, estas, numa Eles possibilitam redes que partem de uma moldu-
dimensão sofisticada, internacionalizada, repleta de ra aparente para dentro de si mesma, como acon-
discursos acadêmicos – foram mais importantes do tece durante a produção de um espetáculo ou a
que valores culturais populares. Num tempo em que gravação de um CD, por exemplo. Nessa dimen-
a escola não ofereceu educação musical específi- são, pode-se elaborar inúmeros conteúdos sob as
ca, os meios de comunicação de massa invadiram mais diversas e particulares formas. Mas o musi-
as casas de todos com seus próprios repertórios. cal também possibilita conexões para fora dessas
Sem critérios próprios e com sentimentos de inferi- molduras específicas, na medida em que acontece
oridade em relação à própria cultura, as crianças para ser apreciado pela sociedade e precisa desta
passaram a ter suas vivências musicais modela- para veicular-se para fora de si mesmo. Por todos
das e condicionadas pelo mercado internacional esses interessantes desdobramentos, na última
de sucessos. década eles passaram a ser objeto de estudo de
musicopedagogos. Ao incluírem canção e coreo-
Sem entrar no mérito das questões políticas, grafia – que acontecem num cenário determinado,
econômicas e ideológicas de todos esses aconte- o qual, por sua vez, é sustentado e garantido por
cimentos, o fato é que uma estrutura que, garan- uma estrutura de mercado e pela mídia –, os musi-
tindo espaços institucionais e metodológicos, fa- cais têm-se evidenciado como um modelo desafia-
voreça o ensino de música associado à realidade dor para a escola e grupos sociais particulares, que
vivida pelo povo parece tornar-se cada dia mais desejam integrar-se com o mundo do qual fazem
difícil de ser desenvolvida. Coloquemo-nos frente parte. O nome musical pertence ao repertório in-
à situação de hoje: por um lado, uma geração de ternacional, e, se adotado diretamente, poderia
professores, que sequer teve a oportunidade de representar mais uma apropriação de idéias inter-
vivenciar a música na escola em sua própria infân- nacionais pela cultura brasileira. O que seria uma
cia, não recebe formação específica em seus cur- injustiça, pois conforme já foi dito, a idéia essenci-
sos profissionalizantes, é bombardeada pela con- al de um musical tem similar na cultura brasileira.
corrência desleal dos modismos culturais impos- Até mesmo muito antes do que a Broadway,
tos pela mídia e pressionada pelo desejo das cri- Hollywood, Hamburgo, Londres e outros centros
anças de fazerem música. Por outro, os materiais musicais famosos, as escolas de samba, o teatro
e repertório existentes são pouco atraentes, de revista e nossos teatros musicados (escolares,
desatualizados e inadequados à realidade atual religiosos ou profissionais) já existiam por aqui. A
dessas crianças. Essa situação precisa ser rever- diferença está no fato de que as coisas importan-
tida, pois que a música seja importante no proces- tes de cada um deles ainda não foram reunidas em
so de desenvolvimento integral e harmônico da um só modelo. Nesse sentido apresenta-se esta
pessoa, bem como que as crianças gostem, mere- reflexão.
çam e precisem cantar e dançar são idéias pacifi-
camente aceitas por pais e professores. Para que O fortalecimentos do próprio contexto
esta reversão possa acontecer, as primeiras e mais sociocultural e a integração com o mundo através
importantes medidas que precisam ser tomadas da globalização é evidenciada por uma linha
são: produzir repertório, materiais e modelos mú- evolutiva detectada pelo estudo das diversas, im-
sico-didático-pedagógicos; capacitar professores portantes e, aparentemente, desconexas atuações
para o ensino e aproveitamento das possibilida- de educação musical no Brasil: a cada nova tenta-
des da música em todas as situações educacio- tiva, ao longo de nossa história, um novo enfoque

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foi sendo acrescentado ao processo. Assim sen- âmbito educacional e a valorização dos dados cul-
do, fomos nos dando conta de questões referentes turais em seu estado mais autêntico são fracas, e
à função da música na escola, ao preparo dos pro- de longe superada pela imposição do gosto musi-
fessores, à exigência de pessoal especializado, à cal promovido pelos meios de comunicação de
pesquisa e à produção de repertório e, finalmente, massa. As crianças, que compram CDs, cantam e
a partir dos anos 70, ao mercado e à mídia. O gran- dançam, e se envolvem com a música, estão na
de problema desse último aspecto está, no entan- escola ou em outros grupos sociais como clubes e
to, no fato de que as noções e conceitos desse igrejas. Onde está a competência dos profissionais
mercado e dessa mídia não foram e nem estão dessas instituições para aproveitar essa oportuni-
sendo trabalhados no âmbito educacional, nem dade com fins mais nobres do que o simples
suficientemente considerados em sua repercussão acúmulo de capital? Acredita-se que todos estes
sobre a cultura popular, mas sim, puramente, no assuntos e tentativas de encaminhamento das
de exploração econômica. A atratividade do reper- questões daí decorrentes possam ser trabalhados
tório e dos procedimentos de cultivo da música no no modelo CDG, aqui proposto.

Referências
BERING, Rüdiger: Musical. Dumont: Köln, 1997.
THE NEW Grove dictionary for music and musicians. 1980. p. 815, v. 12.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo, Editora 34, 1998.
VALADARES, Jane: O Musical Infantil – uma abordagem estrutural e funcional a partir do Godó, o Bobo Alegre, de Francisco Mignone”.
Monografia sob orientação de Ana Guiomar Rêgo de Souza. Goiânia, Universidade Federal de Goiás – Escola de Música e Artes
Cênicas, 2001.
WÖHL-COELHO, Helena: Cante e Dance com a Gente: ein Projekt für die Musikerziehung in Brasilien. Frankfurt: Peter Lang, 1999.
Publicação da Tese de Doutorado junto à Dortmund Universität/Alemanha, 1999.
ZERO HORA. Porto Alegre, 21 jun. 1998.

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