UE17 Mod3 PDF

Unidade Educacional XVII
Educação:
Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos
Módulo 3
Direitos Humanos
Professoras Autoras:
Gleidis Roberta Guerra e Maria Elena de Abreu Vercesi
Sumário
Conversa inicial�� 5
Aula 1. Direitos Humanos�� 6
1.1 A história dos Direitos Humanos�� 6
1.1.2 A Primeira Convenção de Genebra (1864) e as Nações Unidas (1945)�� 11
1.1.3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) �� 12
1.2 Os Direitos Humanos no Brasil�� 14
1.3 A Educação em Direitos Humanos no Brasil�� 17
1.3.1 Formação de professores para a Educação em Direitos Humanos no Brasil�� 17
Aula 2. O conceito de gênero�� 24
2.1 As representações de gênero no magistério�� 29
2.2 As construções sociais e culturais de masculino e feminino na escola �� 34
2.3 A construção da Identidade de Gênero�� 39
2.4 Alguns livros infantis sobre gênero�� 43
Aula 3. Conhecimento religioso�� 46
3.1 A comparação e a tolerância religiosa�� 51
3.2 O Ensino Religioso�� 54
Aula 4. Os projetos intergeracionais como tema transversal�� 57
4.1 O (pré) conceito social sobre a velhice�� 58
4.2 As mudanças favoráveis para a longevidade e qualidade de vida�� 60
4.3 Os programas intergeracionais�� 62
4.4 Quatro projetos que envolvem escolas�� 65
4.5 A literatura infantil como ação educativa gerontológica�� 68
Considerações finais�� 76
Referência Bibliográfica�� 77
2
Objetivo Geral
Conhecer a importância dos Direitos Humanos e compreender que os processos

educativos são os instrumentos prioritários na construção de uma consciência
social dos direitos humanos, entendendo a participação de cada um na
formação de uma cultura que possa criar, influenciar e consolidar mentalidades
e costumes, e gerar atitudes relacionadas ao respeito à dignidade humana.
Objetivos Específicos
• Reconhecer que o papel do professor está ligado ao profissional cidadão, ao

agente sociocultural e político, mobilizador e construtor de conhecimentos,
valores e práticas que destacam as premissas dos direitos humanos.
• Avaliar a importância das situações cotidianas em sala de aula como
momentos privilegiados para a constante ação pedagógica de impedir a
naturalização de práticas discriminatórias de preconceito de gênero ou
homofóbicas, promovendo diálogos, e ressaltando a valorização e a aceitação
do outro.
• Promover como educador a tolerância religiosa com respeito à opinião
diferenciada do outro, reconhecendo e aceitando o direito da liberdade de
escolha de culto.
• Compreender a importância dos projetos intergeracionais no currículo escolar
como potencial campo de construção, para as crianças, de outro conceito sobre
a velhice, bem mais positivo, distante do modelo estereotipado identificado
a tristeza e perdas, mas como uma geração portadora de conhecimentos e
aprendizagens interessantes.
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Conversa inicial
Olá caras alunas e alunos! Sejam muito bem-vindos ao módulo 3 da XVII Unidade
Educacional Educação: Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos.
Neste módulo, iniciaremos nossa conversa falando de um tema muito debatido e

que levanta calorosas discussões, os Direitos Humanos. Esses direitos estão sempre
presentes nas políticas públicas de todos os países ou grupos sociais, uma vez que
representam direitos fundamentais dos seres humanos como a cidadania, a liberdade
de expressão, educação e trabalho, igualdade, bem como o direito à própria vida.
Veremos juntos neste módulo como a educação é o campo prioritário para que esses
direitos, tão fundamentais para o convívio entre as pessoas, possam ser compreendidos
e postos em prática. O Brasil ainda tem muito o que investir nessa concepção de
educação para que esses direitos façam parte da cultura de todo o país, em toda a sua
extensão. Embora muitas vezes criticado, os Direitos Humanos influenciam novas e
antigas gerações para a importância de atitudes comuns que realizem socialmente o
respeito, a igualdade, a justiça, a compreensão, a tolerância e a paz.
Iremos estudar o que é gênero, e como que essa vivência de gênero se inicia na
pequena infância e nos acompanha durante toda a nossa vida. Descobriremos que
gênero não se restringe apenas a ser ou não ser heterossexual, mas que está muito
além disso. Como futuros educadores de crianças que vocês serão, compreender todo
esse conhecimento é perceber o mundo em que vivemos, e entender também como
as crianças conhecem, descobrem e aprendem sobre esse mundo.
A cultura de um país é muito diversificada, também na escolha da religião na qual

as pessoas depositam a sua fé. Embora diferentes entre si, as religiões têm em seus
livros religiosos a exaltação de valores essenciais para o relacionamento entre os
homens, como a fraternidade, humildade, compaixão, solidariedade e outros. Veremos
que o Brasil é um país com uma enorme liberdade religiosa e também uma grande
quantidade de religiões.
Por fim, estudaremos a importância de os projetos intergeracionais serem trabalhados

como eixo transversal nos currículos escolares. Vivemos em uma sociedade global que
exalta a juventude estigmatizando a velhice. Aqueles projetos alteram a compreensão
das crianças sobre a velhice, mostrando-se como um potencial campo de construção
de outro conceito sobre essa etapa da vida, bem mais positivo.
São portanto, quatro aulas e quatro temas de muita importância para o futuro educador.
Esperamos que gostem.
Bem-vindos ao módulo!
4
Aula 1. Direitos Humanos
Os Direitos Humanos estão ligados diretamente à democracia. Foi a partir da
promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização
das Nações Unidas (ONU), em 1948, que se iniciou a construção de bases
sólidas para a garantia desses direitos em todo o mundo. Inúmeros tratados,
resoluções e declarações buscaram garantir não somente políticas públicas,
mas a promoção dos respectivos direitos. Porém, os Direitos Humanos ainda
permanecem como uma questão em debate; são inúmeros os conceitos e
abordagens teóricas que tentam fundamentá-los. Esses direitos perpassam não
somente os documentos jurídicos e as políticas públicas, mas também estão nas
relações sociais e culturais, além de pertencerem a campos subjetivos de cada
grupo social existente no mundo. Portanto, os direitos humanos também fazem
parte do que chamamos de cidadania, pois garantem que todo ser humano
tenha, por exemplo, o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de
expressão e o direito ao trabalho e à educação. Todos merecem esses direitos,
sem discriminação.
1.1 A história dos Direitos Humanos
Os Direitos Humanos tiveram sua origem no período da Antiguidade, por volta

do ano de 539 a.C., com o governo do rei da Pérsia (atualmente o Irã) chamado
Ciro, o Grande. Ao conquistar a região da Mesopotâmia (atualmente o Iraque),
o rei persa chega até a cidade cultural da Babilônia, local em que determina
ações de defesa da população que vivia sob o seu reinado.
Ciro, o Grande, libertou os escravos, declarou que todas as pessoas tinham o

direito de escolher sua própria religião e estabeleceu a igualdade racial. Esses
5
direitos concedidos pelo rei caracterizaram um importante avanço para esse
período da história. Esses e outros decretos determinados pelo rei persa foram
gravados em um cilindro de argila com escrita cuneiforme. Conhecido como o
“Cilindro de Ciro”, esses decretos da Antiguidade foram considerados como a
primeira escritura dos direitos humanos no mundo. Traduzido nas seis línguas
oficiais da ONU, seus dizeres são análogos aos quatro primeiros artigos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Verbete
Análogo: que ou o que tem analogia; que ou o que é semelhante, parecido,

afim — que ou o que se funda, se baseia em analogia.
Saiba Mais
A escrita cuneiforme foi criada na Antiguidade pelo povo sumério, e sua

definição pode ser dada como uma escrita que é produzida com o auxílio
de objetos em formato de cunha, escritos em uma superfície de argila,
que era aquecida em forno para garantir a permanência dos registros.
6
Cilindro de Ciro – atualmente no Museu Britânico em Londres. Fonte: http://www.lavia.org/italiano/archivio/
CilindroCiroIT.htm
Os decretos de Ciro tornaram-se inspiração para os povos da Índia, da Grécia e

para os romanos. Foi justamente em Roma, no período republicano (509 – 27
a.C.) que os decretos de Ciro deram lugar a um novo conceito chamado de Lei
Natural. Esse conceito foi definido por um filósofo estoico chamado Cícero. Após
passar alguns anos estudando na Grécia, e possuindo grande habilidade como
orador, Cícero defendeu no Fórum Romano a existência de Leis Naturais ou
Direitos Naturais de qualquer ser humano, ou seja, tudo aquilo que pertence
ao homem por natureza, como, por exemplo, o direito à vida. Cícero observou
que o senso ético é inerente aos homens. Todos temos um instinto ético que,
manifestado por meio da nossa razão, nos leva ao comprimento de determinadas
leis, mesmo se essas leis não estiverem escritas. Os Direitos Naturais foram
incorporados ao chamado Direito Romano, que se tornou a base para boa parte
dos conjuntos de leis que, a partir desse momento, surgiriam na história.
Verbete
Estoicismo: doutrina fundada por Zenão de Cício (335–264 a.C.) em

Atenas, e desenvolvida por várias gerações de filósofos, caracteriza-se por
uma ética em que a tranquilidade, a extirpação das paixões e a aceitação
resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o
único apto a experimentar a verdadeira felicidade (o estoicismo exerceu
profunda influência na ética cristã). POR EXTENSÃO: rigidez de princípios
morais.
Inerente: que existe como um constitutivo ou uma característica essencial

de alguém ou de algo.
7
Portanto, documentos que defendem os direitos naturais de todos os homens,
como a Magna Carta de 1215, assinada pelo Rei João da Inglaterra; a Petição
de Direito criada em 1628 pelo Parlamento Inglês como uma declaração de
liberdades civis; a Constituição dos Estados Unidos assinada em 1787 por
George Washington, que conjuntamente com a Declaração de Direitos dos
Estados Unidos (1791), limitavam os poderes do governo federal e protegiam
os direitos de todos os cidadãos, residentes ou não do território americano; a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão escrita em 1789 na França logo
após a Revolução Francesa e que defendia a liberdade, igualdade e fraternidade
para todos os homens, são leis precursoras, por escrito, de muitos documentos
atuais relacionados aos direitos humanos.
8
Na primeira imagem a Magna Carta (1215); na segunda imagem temos a Constituição dos EUA (1787); e na terceira
imagem, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)
9
1.1.2 A Primeira Convenção de Genebra (1864) e as Nações Unidas
(1945)
A convite do Conselho Federal Suíço e do Comitê de Genebra, em 1864 uma

conferência diplomática contou com a presença de dezesseis países europeus e
de alguns estados americanos a fim de debater medidas internacionais para o
tratamento de soldados feridos em guerra.
A partir desse encontro, a Convenção de Genebra determinou em documento

internacional a obrigação a assistência socorrista de soldados feridos, sem
discriminação tanto do ferido quanto da equipe médica, e o respeito à
identificação de equipes socorristas que portarem uma cruz vermelha em fundo
branco. Esse documento foi fundamental para as duas grandes guerras que
ocorreriam no século seguinte, a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918,
e a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.
Tanto a Primeira Grande Guerra quanto a Segunda Grande Guerra deixaram

milhões e milhões de soldados e civis mortos, além de milhares sem abrigo ou
comida. Foram guerras devastadoras que arruinaram países europeus e asiáticos.
O mundo sentia suas consequências e a união internacional se fazia necessária.
Em abril de 1945, em território norte-americano, reuniram-se 50 países com o
objetivo de formar um pacto internacional para a promoção da paz, evitando
futuras guerras de grande proporção. Em preâmbulo de sua carta proposta, os
50 países assinaram os seguintes dizeres: Nós, os povos das Nações Unidas,
estamos determinados a salvar as gerações futuras do flagelo da guerra, que
por duas vezes em nossas vidas trouxe dor indescritível para a humanidade.
A carta da nova Organização das Nações Unidas (ONU) entrou em vigor no dia
24 de outubro de 1945, data em que é comemorado o Dia das Nações Unidas.
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1.1.3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
A fundação da ONU possibilitou que os direitos naturais de todos os homens, até

então presentes nos inúmeros documentos oficiais dos vários países do mundo,
fossem debatidos com o objetivo de serem assegurados de forma global, em
um movimento único que garantisse a integridade e a execução desses direitos.
Com isso, uma comissão foi constituída em 1948, chamada Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas, presidida por Eleanor Roosevelt, representante
dos Estados Unidos. A Comissão buscou redigir um novo tratado, ou seja, um
acordo entre Estados, em que se comprometeriam legalmente com a defesa
dos direitos naturais da humanidade, mas que agora passariam a ser chamados
de Direitos Humanos. Algumas das características mais importantes dos direitos
humanos são:
• O direito ao respeito pela dignidade e pelo valor de cada pessoa;
• A universalidade, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem
discriminação a todas as pessoas;
• A inalienabilidade, ou seja, ninguém pode ser privado de seus direitos

humanos; em situações específicas eles podem ser limitados, como, por
exemplo, o direito à liberdade, que pode ser restringido quando uma pessoa
é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido
processo legal;
11
• A indivisibilidade, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos
e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito
por muitos outros. Portanto, cada direito deve ser visto como de igual
importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de
cada pessoa. (https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/)
Curiosidade
Anna Eleanor Roosevelt nasceu na cidade de Nova Iorque em 1884, vindo

a falecer em 1962 na mesma cidade. Casada com Franklin Roosevelt, foi
primeira-dama dos Estados Unidos de 1933 a 1945.
Envolvida com questões humanitárias e de justiça social, lutou por

causas importantes como direitos iguais para mulheres, afro-americanos
e trabalhadores. Em 1946, Eleanor Roosevelt foi nomeada como
representante dos Estados Unidos nas Nações Unidas pelo então presidente
Harry Truman. Como líder da Comissão dos Direitos Humanos, foi decisiva
na formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Comissão apresentou, portanto, um novo documento intitulado Declaração

Universal dos Direitos Humanos, que foi adotada pela ONU em 10 de dezembro
de 1948. Os países membros se comprometeram a trabalhar coletivamente
para promover os 30 artigos de direitos humanos que, pela primeira vez na
história, estavam reunidos em um único documento.
12
Multimídia
Este vídeo trata de forma objetiva a história dos Direitos Humanos.

Desenvolvido pela ONG norte-americana Unidos pelos Direitos Humanos,
o vídeo relata todo o percurso histórico de tais direitos, levantando
questões importantes para a sua defesa e promoção.
https://www.youtube.com/watch?v=QyCfWhuEKZc
Ficha técnica: The Story of Human Rights

Autor: United for the Human Rights
www.humanrights.com
Ano: 2011
1.2 Os Direitos Humanos no Brasil
A temática dos direitos humanos não era uma questão central para a sociedade
brasileira até o Regime Militar de 1964. Apesar de o Brasil ter participação
na Organização das Nações Unidas desde sua fundação, o entendimento e a
divulgação dos direitos humanos ocorria de modo difuso, principalmente em
reivindicações políticas e econômicas ligadas aos movimentos sociais, ou
setores da sociedade preocupados com o desenvolvimento de práticas ligadas
à cidadania.
Foi no conflito entre a sociedade civil e o regime militar ditatorial, que perdurou
no país de 1964 a 1985, que a questão dos direitos humanos tornou-se presente
e parte fundamental na luta pelo Estado de Direitos Democráticos. Portanto, o
país só fortaleceu o respeito aos seus direitos civis e políticos nos últimos vinte
anos, e os direitos humanos ainda estão vinculados a um grande descompasso
entre o que está escrito nas leis e o que ocorre de fato na realidade do país.
Em outras palavras, os direitos humanos sofrem com a dicotomia entre a lei e
a realidade brasileira.
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The Ultimate Confrontation: The Flower and the Bayonet, Marc Riboud.
Fonte: https://thousandsphotos.wordpress.com/2015/03/06/marc-riboud-flower-child/
Verbete
Dicotomia: ETIM gr. dikhotomía — divisão em duas partes iguais.
A Organização das Nações Unidas está presente no Brasil desde 1947, com
sede na cidade de Brasília, além de possuir escritórios no Rio de Janeiro e
em Salvador. É representada por diferentes agências especializadas, como a
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), UNESCO (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), ONU–Mulheres e ONU–
Meio Ambiente, além de fundos e programas de desenvolvimento humano.
Multimídia
Este vídeo relata o trabalho desenvolvido pela ONU em todo o mundo,

desde sua criação em 1945 até os dias de hoje.
https://www.youtube.com/watch?v=68vNaJlUYCs&feature=youtu.be
Ficha técnica: A ONU é seu mundo

Autor: Organização das Nações Unidas
https://nacoesunidas.org/conheca/
Ano: 2014
14
A ONU Brasil atua por meio de projetos desenvolvidos em conjunto com diferentes
instâncias governamentais, com a iniciativa privada, ONGs e com as instituições
de ensino básico e superior. Mas é por meio da atuação da Unesco que a defesa
dos direitos humanos aparece de forma mais acentuada em projetos por todo
o país. Esses projetos buscam incentivar a defesa dos direitos civis, políticos,
sociais, econômicos e culturais brasileiros. Porém, a Organização ainda avalia
que há um alto número de pessoas que continuam com grandes dificuldades no
exercício de sua cidadania e na garantia de seus direitos fundamentais. Como
proposta para tais problemas, a Unesco incentiva a consciência cidadã por meio
dos espaços educacionais.
Segundo a Unesco, a educação em direitos humanos é uma parte integral

do direito à educação e está ganhando cada vez mais reconhecimento como
um direito humano em si (www.unesco.org). Assim, os espaços educacionais
brasileiros tornam-se lugares de formação da cidadania, ou seja, do respeito
pelos direitos de todos. A educação em todo seu sistema de ensino torna-se,
dessa forma, o espaço de construção de valores como a paz, a igualdade, a
justiça, a tolerância, a não discriminação e o respeito à dignidade humana. O
Brasil, assim como outros países do mundo, faz parte do Programa Mundial
para a Educação em Direitos Humanos, desenvolvido pela Unesco em 2013, e
que tem como objetivo a implementação de planos e ações educacionais em
prol do desenvolvimento dos direitos humanos no mundo.
Multimídia
Este link permite o acesso ao Programa Mundial para a Educação em

Direitos Humanos da Unesco, tanto em língua inglesa quanto francesa.
https://www.ohchr.org/EN/Issues/Education/Training/WPHRE/
ThirdPhase/Pages/ThirdPhaseIndex.aspx
Ficha técnica: World Programme for Human Rights Education.

Autor: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO).
Ano: 2013 – Palácio das Nações / Suíça
Redefinir imaginários e mentalidades de uma sociedade não é tarefa fácil, por

isso os processos educativos são os instrumentos prioritários na construção
de uma consciência em relação aos direitos humanos. No caso brasileiro, o
instrumento é a educação formal de modo especial, pois ela garante a
participação efetiva de grande parte da população que, desde a Educação
Infantil, encontra formação para a cidadania. Assim, a Educação em Direitos
15
Humanos é um eixo fundamental da escolarização, mas que depende da
atuação dos professores como agentes comprometidos com a sua construção.
1.3 A Educação em Direitos Humanos no Brasil
A definição de educação em direitos humanos fundamenta-se em primeiro lugar

na sua natureza permanente, contínua e global; em segundo, nas mudanças
sociais que ela busca alcançar e, por último, em uma internalização de valores
não apenas no campo da instrução, mas que atinja os valores culturais de uma
sociedade. Portanto, para tornar-se educação em direitos humanos é preciso
uma educação continuada, voltada para a mudança e ampla, no sentido de
mobilizar emoções. Essencialmente, trata-se da formação de uma cultura que
possa criar, influenciar e consolidar mentalidades e costumes que possam gerar
atitudes relacionadas ao respeito à dignidade humana, a liberdade, justiça,
igualdade, solidariedade, cooperação, tolerância e paz.
No caso do Brasil, a mudança cultural está ligada à quebra de valores e costumes

construídos historicamente e que perpassam por questões raciais, pela
complacência frente à corrupção e aos privilégios, por um sistema educacional
discrepante, pelo preconceito, pelo descaso com a violência e tantos outros
traços que ferem os princípios dos direitos humanos. Sendo assim, uma educação
em direitos humanos pode promover a conscientização de que só haverá o
desenvolvimento social quando ocorrer o aprimoramento da condição humana,
auxiliando na formação de sujeitos atuantes que estarão presentes em todos
os processos de elaboração, gerenciamento, monitoramento e avaliação das
diversas instituições sociais brasileiras.
1.3.1 Formação de professores para a Educação em Direitos Humanos

no Brasil
Os modelos educacionais vivenciados na maioria das escolas brasileiras

estiveram historicamente ligados a uma perspectiva tradicional de educação.
Esses modelos estão fortemente introjetados em cada indivíduo; quando estes
fazem a opção pela docência, acabam por reproduzir em suas práticas esses
16
modelos, mesmo quando debatidos criticamente em disciplinas presentes
no ensino superior. Para iniciar a formação de professores na perspectiva da
Educação dos Direitos Humanos é preciso que os futuros docentes explicitem
os modelos educacionais vivenciados e os analisem criticamente a partir
da perspectiva dos direitos humanos, buscando romper padrões e assim
reconfigurar suas práticas educativas de modo consciente, reflexivo e coerente.
Os professores não devem ser considerados técnicos ou instrutores responsáveis

por determinados conteúdos e por funções de disciplinamento; seu papel na
educação dos direitos humanos está ligado ao profissional cidadão, ao agente
sociocultural e político, mobilizador e construtor de conhecimentos, valores e
práticas que destacam as premissas dos direitos humanos. Atuar nesse sentido é
entender o caráter interdisciplinar dos saberes que são ensinados na totalidade
curricular. É trabalhar e definir os Projetos Pedagógicos coletivamente.
Analisar os documentos internacionais e, principalmente, os documentos

nacionais que constituem referências básicas para a prática em direitos humanos
auxilia na formulação das práticas realizadas em sala de aula, bem como nos
valores que serão apresentados e debatidos pelo professor. O estudo desses
documentos dá subsídios para uma formação mais completa e para ações
coerentes dentro do campo educacional. Entre os documentos necessários ao
17
estudo, podemos destacar a Constituição Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96).
Toda lei, para ser escrita, parte de alguns princípios. Os princípios são
elementos básicos que definem o significado de um determinado assunto. Uma
lei normalmente contém alguns princípios que são apresentados no início de
seu texto e toda sequência seguinte são desdobramentos desses princípios.
O ensino brasileiro possui princípios gerais que orientam a sua condução e
que estão, consequentemente, presentes na Constituição e na LDB com muita
semelhança. Observe abaixo o quadro com o art. 206 da Constituição e o art.
3° da LDB:
Texto Constitucional Texto da LDB

Art. 206. O ensino será ministrado Art. 3°. O ensino será ministrado com
com base nos seguintes princípios: base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o I – igualdade de condições para o

acesso e permanência na escola; acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, II – liberdade de aprender, ensinar,

pesquisar e divulgar o pensamento, a pesquisar e divulgar a cultura, o
arte e o saber; pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e oncepções III – pluralismo de ideias e oncepções

pedagógicas, e coexistência de pedagógicas;
instituições públicas e privadas de
ensino; IV – respeito à liberdade e apreço à
tolerância;
IV – gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais; V – coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
V – valorização dos profissionais da
educação escolar, garantidos, na VI – gratuidade do ensino público em
forma da lei, planos de carreira, com estabelecimentos oficiais;
ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das VII – valorização do profissional da
redes públicas; educação escolar;
VI – gestão democrática do ensino VIII – gestão democrática do ensino

público, na forma da lei; público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
VII – garantia de padrão de qualidade.
18
Texto Constitucional Texto da LDB
VIII – piso salarial profissional nacional VIII – gestão democrática do ensino
para os profissionais da educação público, na forma desta Lei e da
escolar pública, nos termos da lei legislação dos sistemas de ensino;
federal;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extra-

escolar;
XI – vinculação entre a educação

escolar, o trabalho e as práticas
sociais;
XII – consideração com a diversidade

étnico-racial;
Quadro retirado do texto “A educação formal: focar em seus princípios para atender suas finalidades”, de Aline da S.
Freitas e Ester Z. de Jesus, contido em Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Estudos em virtude dos 20 anos da
Lei n. 9.394/1996, p. 15.
Ao analisar o quadro comparativo entre a Constituição e a LDB, é possível

identificar princípios que não somente regem a educação brasileira, mas que
estão relacionados a princípios importantes dos direitos humanos, como por
exemplo a democracia, o respeito à liberdade, o apreço pela tolerância e pela
diversidade étnico-racial. Portanto, o estudo dos documentos brasileiros é parte
importante na formação do professor em educação dos direitos humanos.
Outros documentos importantes e que devem ser estudados são: o Estatuto da

Criança e do Adolescente, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
e as Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o marco regulatório legal dos

direitos humanos das crianças e dos adolescentes no Brasil. Foi determinado
como lei em 1990, tendo como inspiração a Constituição de 1988, a Declaração
Internacional dos Direitos da Criança, as regras estruturadas pela ONU para a
justiça da infância e da juventude (Regras de Beijing) e as Diretrizes das Nações
Unidas para a prevenção da delinquência juvenil.
19
Multimídia
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está disponível no site do

governo federal para acesso público, conforme o link abaixo:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069Compilado.htm
Ficha técnica: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Autor: Governo da República Federativa do Brasil.
Ano: 1990 / Brasília
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) é o documento

redigido em 2003, tendo sua versão final em 2006, em que o governo brasileiro
assume o compromisso de promover uma educação de qualidade para todos,
entendida como direito humano essencial. Esse documento é uma parceria
entre o governo e instituições internacionais como a Organização das Nações
Unidas, para o avanço de projetos que visem à universalização do ensino
fundamental, à ampliação da educação infantil, do ensino médio, da educação
superior e à melhoria na qualidade em todos os níveis. Além disso, o governo
assume, por meio do PNEDH, o dever de garantir a educação de pessoas com
necessidades especiais, a profissionalização de jovens e adultos, a erradicação
do analfabetismo e a valorização dos profissionais da educação, tendo como
eixos estruturantes o conhecimento e a consolidação dos direitos humanos.
Multimídia
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) está

disponível no site do governo federal para acesso público, conforme o link
abaixo:
h t t p : / / p o r t a l . m e c . g o v. b r / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&category_
slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192
Ficha técnica: Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)

Autor: Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, Ministério da
Educação, Ministério da Justiça, UNESCO.
As Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DNEDH) foram

lançadas pelo Ministério da Educação em 2012. Em consonância com a
20
Constituição de 1988 e com a LDB, as diretrizes têm o objetivo de divulgar
e difundir informações relativas à educação em direitos humanos, segundo
o Programa Mundial de Direitos Humanos. Seus princípios básicos são: a
dignidade humana, a igualdade de direitos, o reconhecimento e valorização
das diferenças e das diversidades, a laicidade do Estado e a democracia na
educação. Esse documento objetiva orientar a comunidade escolar e todos que
são responsáveis pela educação brasileira.
Multimídia
As Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DNEDH) estão

disponíveis no site do governo federal para acesso público, conforme o
link abaixo:
h t t p : / / p o r t a l . m e c . g o v. b r / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
docman&view=download&alias=32131-educacao-dh-diretrizesnacionais-
pdf&Itemid=30192
Ficha técnica: Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)

Autor: Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, Ministério da
Educação, Ministério da Justiça, UNESCO.
Dessa forma, para formar professores que construam uma nova cultura em
direitos humanos é preciso ter conhecimento sobre os documentos oficiais
e a partir deles: desconstruir a visão do senso comum sobre esses direitos,
apontando que seu papel principal é a afirmação da dignidade de todas as
pessoas; é preciso assumir uma concepção de educação histórico-crítica para a
promoção dos direitos humanos; construir ambientes educativos que respeitem
e promovam tais direitos; e estimular a produção de materiais interdisciplinares
que auxiliem os professores em sala de aula.
21
Conviver com a alteridade constitui um dos princípios da democracia, e esse
sistema só é apreendido por meio de sua vivência cotidiana. Não existem
direitos humanos sem democracia, pois as práticas democráticas, quando
aprofundadas, permitem ampliação do respeito à diversidade em todos os seus
sentidos.
Verbete
Alteridade: situação, estado ou qualidade que se constitui através de

relações de contraste, distinção, diferença.
A educação em direitos humanos permite, portanto, a construção de novos

caminhos que, por meio dos professores e de suas práticas pedagógicas, por
meio da relação entre esses professores e seus alunos, possam construir uma
nova consciência social em prol de uma cultura dos direitos humanos.
22
Aula 2. O conceito de gênero
As crianças aprendem, tanto na família como na escola e na sociedade, um
conceito de gênero sobre os diferentes papéis masculinos e femininos. Desde
pequenas, elas são expostas aos diferentes papéis sociais para homens e
mulheres de maneira constante. Uma das formas de exposição é feita pela
mídia. A mídia oferece fortes estereótipos dos papéis sociais de gênero;
tanto nas publicidades como em programas, novelas ou filmes, a mulher é
frequentemente mostrada em atividades da casa, em situações inseguras
ou em momentos românticos; aparece muitas vezes submissa às escolhas
masculinas, enquanto o homem é mostrado com mais frequência em esportes,
trabalho ou atitudes de valentia, de coragem e em ações decisivas. Mesmo nas
programações infantis os meninos assumem mais as aventuras perigosas e as
meninas as atitudes mais tranquilas.
Outro fator que também reforça os papéis diferenciados de gênero é a atitude

dos pais. Quando o bebê está para nascer, familiares e amigos perguntam se vai
ser menino ou menina e, dependendo da resposta, os presentes já começam a
ser carregados das cores rosa ou azul.
Isso se dá também em relação aos brinquedos. Os meninos desde cedo são

diretamente incentivados a brincar com carrinhos e caminhões pela quantidade
desses brinquedos que recebem; o mesmo se dá com as meninas, que são
incentivadas às bonecas e ao cuidado materno.
As reações dos pais também são mais positivas em relação aos filhos quando
esses estão brincando com brinquedos “condizentes” socialmente com o
sexo com o qual nasceram. Pais participam demonstrando entusiasmo em
brincadeiras com seus filhos meninos com caminhões ou lutas de espada, e as
mães participam com mais entusiasmo em brincadeiras de “casinha” com suas
filhas meninas.
23
A criança nessa idade busca a aprovação de seus pais, elas sabem que vão
receber essa aprovação ao escolher brincadeiras e brinquedos que são os
esperadas pelos pais.
Multimídia
Você sabia que os cérebros das crianças que brincam com brinquedos ou
jogos que desenvolvem noções espaciais (bola, carrinhos, avião, bicicleta)
mudam fisicamente depois de três meses?
Você sabia que os brinquedos desenvolvem tipos diferentes de habilidades

e também formas diferenciadas de como as crianças se veem?
A BBC – British Broadcasting Corporation, uma emissora pública de rádio

e televisão do Reino Unido, fez um experimento com duas crianças
vestidas de forma contrária ao sexo biológico e quatro voluntários
que individualmente tinham que brincar com elas em uma sala com
brinquedos variados. A experiência era para saber se reforçamos ou não
os estereótipos masculino/feminino. O resultado surpreendeu os quatro
voluntários.
Veja esse experimento em:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-40974995
As crianças aprendem o conceito de gênero, que se refere à natureza própria

de ser menino ou menina, por meio da diferença física e nas roupas e cortes
de cabelo que os pais vão colocando para eles. Outro conceito que as crianças
também aprendem no convívio social são os comportamentos, aqueles que
“combinam” com uma menina e os que “combinam” com um menino. Esse
conhecimento comportamental é o papel de gênero aceito e esperado pela
sociedade na qual a criança nasceu. Todos esses papéis sociais envolvem um
conjunto de comportamentos, direitos, deveres esperados por uma determinada
24
cultura. Em algumas culturas, esses papéis determinam as profissões que
homens e mulheres podem ter e as que não podem ter.
Embora compreendendo perfeitamente os papéis relacionados aos diferentes

sexos, as crianças podem se comportar de maneiras bem característica ao seu
sexo, ou podem ter comportamentos e gostos misturados, não tão característicos.
A partir de um ano e meio as crianças demonstram uma preferência nas
brincadeiras pelas crianças de mesmo sexo. O entendimento da diferença entre
os sexos e de seu próprio gênero progride na proporção em que a criança começa
a ter uma compreensão de mundo, das relações sociais entre as pessoas que
ela conhece, e nos ambientes em que vive, como a família e a escola.
Importante
A primeira compreensão que a criança tem sobre gênero é a identidade

de gênero. Ela entende qual é o seu gênero e consegue separar e apontar
os meninos e as meninas, os homens e as mulheres, ou seja, ela aprende
que as pessoas se dividem socialmente nesses dois gêneros.
A segunda compreensão sobre gêneros é a compreensão da estabilidade de

gênero. Isso se dá quando a criança entende que o gênero é permanente,
ou seja, a menina será uma mulher e o menino será um homem. Assim,
ela aprende que o gênero de uma pessoa será o mesmo para o resto da
vida.
25
A terceira compreensão se dá quando ela percebe que, mesmo com a
alteração do comprimento do cabelo, ou com a mudança de vestimenta, ou
com a prática de esportes ou atividades de outro gênero, o sexo biológico
não vai se alterar. Essa compreensão é a constância de gênero. Assim, se
um menino deixar o cabelo comprido, ou uma menina jogar futebol, isso
não fará com que eles tenham seu sexo biológico alterado.
Essa compreensão de mundo se reflete também no comportamento das

crianças a partir do momento que entendem a estabilidade de gênero, pois
quando percebem que serão meninos ou meninas para sempre tendem a
reforçar as atitudes relacionadas ao sexo biológico a que pertencem. Dessa
forma, aprendem também a separar, em relação ao gênero, os que são “iguais
a mim”, e tendem a se fechar nesses “iguais” tanto nas amizades como nas
brincadeiras na escola.
Crianças em idade de educação infantil, caso possuam irmãos maiores de

mesmo sexo que o seu, apresentam mais cedo a compreensão de atitudes
e gostos diferenciados, pois são incentivadas pelos irmãos a determinantes
atitudinais de gênero referentes à cultura a que a família pertence.
As crianças desde cedo já diferem as atividades mais ligadas aos homens e

as mais ligadas às mulheres. As atividades de casa, como as de limpeza e da
cozinha, são associadas às mulheres; já atividades como concerto de carro e
assistir a futebol são associadas aos homens. Esse começo de diferenciação
é apreendido pelas crianças tanto por meio da observação das atividades
da família como também por meio da televisão. Aos 4 ou 5 anos, mesmo
com a compreensão da estabilidade de gênero firmada, as crianças em uma
brinquedoteca trocam de tarefas: alguns meninos querem cuidar de um bebê,
ou as meninas querem ser a motorista do ônibus.
26
A troca de papéis socialmente colocados pela sociedade não impede nessa
idade as experiências diversas — e essas experiências devem ser incentivadas.
As crianças estão querendo “saber” como são as atividades socialmente
atribuídas ao “outro” gênero. Já nos primeiros anos do Ensino Fundamental,
as crianças começam a estereotipar as atividades relacionadas ao seu sexo e a
criticar e até mesmo a não aceitar que outras crianças troquem as atividades
socialmente determinadas. Nessa idade, as crianças buscam padrões que
possam guiar o seu comportamento dentro do que entendem como ordem
social. Essa compreensão de papéis é apreendida tanto na família como na
escola ou em outros lugares sociais. Desse modo, as crianças percebem nos
adultos atitudes e falas diferentes para meninos e meninas quando conversam
ou brincam com eles.
Valores e conceitos sobre o que é certo e errado, e o que é esperado nas atitudes
e escolhas, têm um peso muito maior para a criança quando são adotados
e vividos no cotidiano familiar e social. As representações familiares são
formadoras na educação das crianças, e para elas são inquestionáveis.
As crianças, em sua compreensão de mundo, tendem a criar ordens para

esse mundo de adultos que estão vivenciando. Nessa busca de ordem que
explique o mundo e as ajude a dar sentido às suas experiências cotidianas,
elas determinam para si mesmas regras que determinam o que os homens
27
fazem e o que as mulheres fazem, regras baseadas em suas observações das
atitudes e falas de pessoas de sua família, do meio social com quem convive, e
também do que lhes chega através da mídia. Um dos grandes reforçadores de
estereótipos masculinos e femininos são os filmes e desenhos infantis.
A escola sempre manteve um discurso interno de ser um espaço exclusivo ao

conhecimento com objetivo claro de impedir qualquer assunto ou demonstração
de sexualidade dentro de seus muros. Os organizadores e dirigentes educacionais
têm a preocupação permanente de impedir manifestações sexuais ou afetivas
de contato entre seus alunos, desde o conhecimento da sexualidade da infância
até a pré-adolescência e principalmente na adolescência. Porém por mais que
a vigilância e a inculcação de comportamentos seja realizada constantemente,
sempre existirão crianças que desafiam essas normas sociais, não se adaptando
e não seguindo os papéis esperados para meninos e meninas.
A postura daqueles que trabalham nas instituições escolares e dos que compõem
o corpo docente deve ser constantemente vigiado debaixo de regras estritas
para que nada aconteça “fora dos limites” determinados. Essa vigilância teve
início com a entrada das mulheres na profissão docente, com o aumento do
número de meninas nas escolas, e com a formação das salas mistas.
2.1 As representações de gênero no magistério
A partir da segunda metade do século XIX, o magistério começou a ser visto

no Brasil como uma tarefa feminina, principalmente na escolarização dos dez
primeiros anos das crianças. Foi nessa época que as mulheres começaram a levar
28
os seus estudos para além da escolarização primária, e a buscar uma profissão
dentro das socialmente aceitas para as mulheres. A função de professora foi
uma das mais procuradas pelas moças da época, pois além de educar e cuidar
de crianças, tarefa associada à maternidade, não ocupava mais do que meio
período do dia, o que dava à mulher um trabalho mais leve e feminino. Porém
a profissão de professora não abria campo para um crescimento feminino na
carreira dentro da Educação. Nessa mesma época e até meados do século
XX, todos os cargos de decisão — como diretores de Secretaria da Educação,
intelectuais ligados a decisões sobre a Educação Nacional, ou mesmo como
diretores e professores das escolas de formação do magistério — eram ocupados
por homens. Dessa forma, configurava-se politicamente que os cargos de
direção e de tomada de decisões na área educacional eram cargos “superiores”
e masculinos, enquanto a docência básica na execução dessas decisões em sala
de aula era um cargo feminino.
Importante
Para o educador e sociólogo Tomaz Tadeu da Silva, em toda e qualquer

civilização as representações dos diferentes grupos sociais que a compõe
são criadas socialmente e produzem significados que indicam as “relações
sociais de poder”. Pelas representações que cada grupo apresenta no
jogo social, podemos saber qual grupo se coloca como o sujeito da
representação e utiliza um poder social para representar a si mesmo e ao
outro, e qual grupo é colocado como objeto da representação e é apenas
representado.
Dentro das representações sociais que foram sendo criadas em relação ao

magistério, às professoras foram atribuídos significados de modelos de virtude,
como gentis normalistas, dedicadas alfabetizadoras ou “solteironas”; aos
professores (homens) foram atribuídos significados de orientadores espirituais
como sábios mestres, competentes educadores ou exemplos de cidadãos. Você
consegue perceber nessa diferença de representações sociais entre gêneros no
magistério qual grupo é o sujeito da representação e qual grupo é o objeto da
representação?
29
A partir da representação do magistério como dedicação, doação e vocação
espiritual, a função começa a aproximar-se da maternidade e da feminilidade.
Dessa forma, o magistério, principalmente nos graus iniciais, vai se tornando
uma profissão composta mais por mulheres do que por homens. As primeiras
mulheres que começam a assumir o magistério tinham muitas vezes que residir
em cidades interioranas, onde as escolas para normalistas ainda não existiam.
Além disso, sua dedicação à profissão não poderia atrapalhar a dedicação à
maternidade ou às atividades femininas do lar. Assim, as primeiras professoras
foram principalmente as mulheres solteiras, o que fez com que durante muitos
anos a figura da professora fosse associada à mulher que não “conseguiu um
marido”.
30
Apesar dessa representação social de insucesso na constituição de um lar,
a mulher professora possuía uma instrução mais elevada, e ocupava uma
profissão remunerada que lhe proporcionava a garantia de seu sustento, o que
a diferenciava das outras mulheres.
A entrada da mulher como docente no espaço escolar — que na época era um

espaço rigidamente disciplinado para evitar qualquer demonstração de gênero,
dirigido por homens —, fez com que ela se apresentasse da maneira mais
assexuada possível. Seus trajes e comportamento deveriam apagar qualquer
indício da sexualidade de seu gênero feminino; ela deveria ter uma vida
pessoal recatada e irrepreensível, comportando-se de maneira discreta embora
amorosa e dedicada.
31
A associação da figura da mulher como professora ideal para as crianças em seus
dez primeiros anos foi, primeiramente, justificada pela sua vocação maternal e,
em seguida, incentivou a construção dos “cursos para normalistas”. Com isso,
reforçou-se durante muitos anos a relação entre a mulher como professora e
as crianças, criando a representatividade social de uma profissão tipicamente
feminina.
Mesmo existindo até hoje a forte ligação entre a mulher e a educação de crianças,
principalmente no Brasil, com o tempo a representatividade da profissão foi
alterando seus significados. Como em todas as profissões, a mudança dos
arranjos sociais e políticos dentro da pós-modernidade proporcionou a resistência
dos sujeitos para antigas imposições sociais. A professora hoje se apresenta
como uma mulher sindicalizada, com sua vida particular livre de regras e
restrições, reivindicando melhores condições de trabalho e melhores salários.
Hoje professores e professoras levantam bandeiras em praças públicas e lutam
para alterar essa representatividade social de sacerdócio, procurando separar
a dedicação profissional no exercício docente da exigência de reconhecimento
social e de melhores salários.
32
A mudança social na atualidade pós-moderna não atingiu somente os docentes
nas escolas, mas também a própria organização escolar. A escola existe pela
composição de pessoas que fazem parte e convivem dentro de seu espaço; a
comunidade escolar é formada não só por professores e alunos mas também
por funcionários, pais, famílias e comunidade. A mudança sociocultural e a
entrada da força da mídia na sociedade não poderiam deixar de fazer parte
também da estrutura educacional. O aumento das diferentes formas de arranjos
familiares, das relações fora do casamento, bem como a revolução de valores
e conceitos produzida pelos meios de comunicação, atravessam a escola e as
relações escolares. A abertura a diferentes classes sociais, a multiplicidade de
saberes e de modos de vida, de comportamentos e valores, a alteração política
e social derrubaram normas e regras de conduta e de currículos, fazendo com
que a escola se abrisse a novas perspectivas. Porém, se as representações se
alteram, ficando mais flexíveis nas escolas, a educação familiar nem sempre
concorda com essa flexibilidade, adotando muitas vezes concepções divergentes
e conflitantes.
2.2 As construções sociais e culturais de masculino e feminino na

escola
A escola já possuía desde o seu início manuais sobre disciplina e educação

de corpos. Antigos mestres sabiam como formar os corpos e as almas de seus
alunos, impondo exigências de como se sentar, andar, colocar-se em sala ou
em outros ambientes escolares, como tratar e onde colocar seus pertences,
como livros, canetas e cadernos. A postura reta exigida aos alunos valia tanto
para o corpo como para as virtudes. Assim, corpos escolarizados apresentavam,
em suas diversas ações, as diferenças entre meninos e meninas. Hoje, sob
novas teorias pedagógicas, a escola procura se adequar às metodologias atuais,
apresentando novas formas arquitetônicas de construção; porém ainda continua
utilizando mecanismos de distinção e classificação de corpos e mentes.
Na Educação Infantil, é esperado entre os professores que nas diversas

atividades das crianças, principalmente nas áreas de recreação livre, os meninos
33
se apresentem mais agitados que as meninas. Essa seria uma reação natural,
mas quando ocorre o contrário, ou seja, meninos que preferem atividades mais
tranquilas e meninas que se mostram muito agitadas, esses fatos chamam a
atenção dos professores, como comportamentos não “naturais”. Currículos,
teorias, práticas pedagógicas, brincadeiras, jogos e critérios avaliativos
são constituídos muitas vezes com distinções de gênero que deveriam ser
questionadas e reavaliadas.
Meninos e meninas sofrem opressão relacionada a escolhas de gênero aceitas

socialmente. No caso dos meninos, espera-se, incentiva-se e quase que se os
obriga a gostar de futebol, a ter um time para torcer e usar camisetas de times.
Tanto a família quanto escola incentivam a prática dessa modalidade. Já as
meninas devem ser obedientes, delicadas e organizadas, tanto com suas coisas
em casa como com seu material escolar. Os professores normalmente possuem
expectativas diferentes para seus alunos e alunas no desenvolvimento escolar.
Em relação à execução de atividades escritas é esperado um capricho maior
das meninas, e em relação às atividades físicas é esperado um desempenho
melhor dos meninos.
E assim meninos e meninas procuram desenvolver essas habilidades para

corresponder ao que se espera deles. Para receber frases de elogio e incentivo,
as crianças sempre procuram corresponder às expectativas dos adultos.
34
Assim, são construídas as preferências na escola e na família. O modelo binário
masculino–feminino é apresentado diariamente para que as crianças sigam um
modelo socialmente imposto. Quando esse modelo é desrespeitado por meninos
que querem brincar de bonecas e se vestir de noivas ou meninas abrutalhadas
em seus modos que querem jogar com os meninos, professoras insistem em
mudar essas preferências por atitudes mais adequadas e esperadas.
Os meninos têm como símbolo de masculinidade, reconhecido pela comunidade

escolar, ser excelente em algum esporte. Porém, atividades esportivas que
exigem uma certa agressividade não são recomendadas às meninas para não
machucá-las e não “diminuir” a sua feminilidade. Com isso, podemos perceber
que muitas das observações e teorias nas atitudes escolares se dirigem
diferentemente ao universo masculino e ao universo feminino, o que, além de
restringir e coibir atitudes que não se enquadrem dentro dessa linha divisória,
faz com que a sexualidade seja vista e concebida de modo restritamente
heterossexual, como a única lógica a ser tratada.
Multimídia
Louie Ponto, uma youtuber brasileira, desde pequena compreende e vive

de uma maneira muito própria o feminino e o masculino, que ela chama
de caixinhas. Assista ao seu vídeo, onde ela explica como funcionam as
caixinhas e como ela lida com essa diferença.
https://www.youtube.com/watch?v=LV7l13SZcw8
A linguagem é o campo por excelência onde se pode conferir a existência das

distinções e separações entre os gêneros, como também outros campos da
desigualdade como a étnica e a social. Nas relações escolares, a linguagem
é muito mais do que um meio “natural” de comunicação; ela atravessa todas
as práticas e ações, dentro ou fora da sala de aula. Trata-se do campo mais
eficaz para se expressar relações e poderes, além de ser o meio persistente de
instituir e fixar as diferenças. Um exemplo dessa instituição da diferença reside
35
na regra de linguagem que prescreve que toda a espécie humana seja designada
pela palavra “homem” — por exemplo “o homem moderno”, “o homem é um
ser racional”. Essa expressão “genérica” se refere tanto ao indivíduo do sexo
masculino como a toda a humanidade, homens e mulheres. Esse ocultamento
da mulher e a igualdade da expressão genérica da humanidade ao homem é
uma forma direta de exaltar os atributos masculinos em uma relação de poder.
Nas instituições educacionais, a linguagem pode tanto exaltar a importância de

determinadas atitudes, posturas e escolhas como pode também ocultar aquelas
que são consideradas como reprováveis, de modo a silenciar sobre assuntos ou
indivíduos que escolheram atitudes e posturas não esperadas ou não aceitas. É
o que normalmente ocorre nas escolas em relação à homossexualidade. Ao não
se falar oficialmente em sala de aula sobre esse assunto, exclui-se a existência
dessa possibilidade no ambiente escolar, como se tratar desse assunto pudesse
expor os meninos e as meninas a um comportamento que não faz parte dos
“valores” confiáveis e aceitos pela escola.
As instituições escolares que tomam esse tipo de atitude, não legitimando a

homossexualidade no ambiente de sala de aula, incentivam a construção de
atitudes de “gozação” e “insulto” nos diversos espaços escolares, configurando
a homossexualidade, para os alunos, como algo errado e indesejado.
36
Saiba Mais
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento recentemente

formulado e aprovado, que irá orientar os currículos da educação básica
de todas as escolas brasileiras, estabelecendo quais conhecimentos,
competências e habilidades todos os estudantes devem desenvolver ao
longo da educação infantil e do ensino fundamental. Na construção desse
documento, o MEC retirou as palavras e quaisquer menções a “gênero” e
“orientação sexual”. Leia a reportagem abaixo e formule a sua opinião
sobre essa determinação do MEC. Acesse:
http://www.deolhonosplanos.org.br/bncc-aprovada-genero-orientacao-
sexual/
Para muitas escolas e muitos professores, tratar a questão da sexualidade é

assunto que deve se restringir às casas dos alunos e se restringir à família.
A justificativa é uma preocupação sobre a opinião da família, levando-se em
conta se as famílias dos alunos concordam ou não com a abordagem desse
tema. Mas não é preciso ter aulas sobre sexualidade para ensinar em sala de
aula a importância do respeito ao outro, principalmente ao outro que tem
comportamentos e opiniões diferentes.
Não se pode deixar de notar que o ambiente escolar reproduz as relações de

gênero e sexualidade que existem na sociedade, e que muitas vezes a escola
produz relações de bullying e distorções de valores que prejudicam a formação
de muitos alunos, comprometendo o desenvolvimento das relações sociais
dentro da própria escola.
Por ser um espaço de formação e educação, a escola não pode se omitir frente
a atitudes preconceituosas que podem estar ocorrendo dentro de seus muros.
Valores como tolerância, compreensão, empatia, solidariedade e igualdade
podem e devem ser o foco de projetos transversais que envolvam todas as
disciplinas, professores, alunos e a comunidade escolar.
37
A lógica única de gênero heterossexual que a escola aceita e oficializa se
transforma em uma difícil barreira para que um jovem ou uma jovem venha
a se reconhecer como homossexual. A barreira dos significados pejorativos
com que foram sempre associados outras orientações de gênero nas relações
escolares terão que ser descontruídos para que ele ou ela não se perceba como
um desvio da normalidade, para que não se reconheça em algo que sempre foi
rejeitado, ridicularizado e desprezado e consiga se enxergar sem os rótulos dos
discursos normatizadores.
2.3 A construção da Identidade de Gênero
Como vimos nos capítulos acima, as crianças são posicionadas no universo

feminino ou no universo masculino pelas imposições e determinações do
meio social em que nasceram. Esse posicionamento masculino/feminino e a
forma como cada um vai construindo essa dimensão sexual dentro das relações
sociais é denominado gênero. Portanto, gênero é o conceito que aborda as
experiências e colocações individuais como também as diversas relações que
se dão na dimensão social. Quando falamos de imposição sexual, ou de divisão
de trabalho, ou de sistema político, ou escola e bullying, ou violência, estamos
muitas vezes falando sobre gênero. Com as relações com o outro, quando
diferente do padrão homem/mulher, e mesmo com a linguagem que também
divide seres e coisas entre feminino e masculino, estamos sempre raciocinando
social e culturalmente dentro da concepção de gênero.
38
Porém, apesar de toda a cultura pertencente à sociedade e toda a educação
familiar e escolar inculcar e educar as crianças e adolescentes na escolha e
vivência correspondente ao seu sexo biológico, esse processo de normatização
e de identificação acontece de formas variadas para cada um, e é um
processo que enfrenta resistências por todos os que não se encaixam nessa
normatização. Cada pessoa tem uma forma particular de se relacionar com o
universo masculino/feminino; por exemplo, existem homens heterossexuais
que possuem concepções machistas em relação à mulher enquanto outros não
possuem, mulheres que são sensuais enquanto outras são recatadas, homens
homossexuais que trazem traços femininos na fala enquanto outros não. Cada
pessoa constrói sua própria identidade de gênero.
Importante
Identidade de Gênero se refere à experiência e compreensão pessoal de

uma pessoa com seu próprio gênero, que nem sempre é o sexo biológico
de seu nascimento. Indivíduos transgêneros, ou pessoas trans, possuem
uma identidade de gênero que é diferente do sexo que lhes foi designado
no momento de seu nascimento.
Orientação Sexual é o gênero pelo qual a pessoa desenvolve atração

sexual e laços românticos. Quando a atração se dá pelo gênero oposto
são denominados Heterossexuais; quando a atração se dá pelo mesmo
gênero são denominados Homossexuais; quando a atração se dá pelos
dois gêneros são denominados Bissexuais.
Existem pessoas que não se identificam com as características e as classificações

sociais que sempre lhes são apresentadas referentes ao sexo de nascença. Por
mais que sejam incentivadas, essas características não se adaptam à forma
com que se identificam no universo masculino/feminino.
39
A percepção que constroem de si mesmos é bem diferente, mas essa diferença
da visão normatizada heterossexual pela sociedade não pode ser considerada
como uma anomalia ou uma doença. A OMS (Organização Mundial da Saúde)
e a ONU (Organização das Nações Unidas) afirmam que ser transgênero não é
uma doença e que a patologização (transformar uma característica em doença)
é uma das causas primárias das violações de direitos humanos sofridas por
pessoas transgênero.
Saiba Mais
40
A ONU – Organização das Nações Unidas – publicou recentemente uma
cartilha que explica o que significa Identidade de Gênero e o que é ser
transgênero. Esse documento, que se destina não só ao público em geral,
mas também aos governos e meios de comunicação, passa a garantir os
direitos para os transgêneros e combater o preconceito.
Conheça essa cartilha da ONU acessando:
https://unfe.org/system/unfe-91-Portugese_TransFact_FINAL.pdf
As pessoas transgênero formam uma diversidade que manifesta diferentes

formas de identificação em relação ao gênero; porém todas têm em comum a
não identificação com o gênero atribuído ao nascer. Dentro dessa diversidade,
existem pessoas que não se identificam nem como homens e nem como
mulheres. Elas não classificam sua forma de vida dentro do universo binário de
gênero; essas pessoas são denominadas não-binárias.
A sociedade possui padrões de comportamento que buscam determinar o certo

e o correto. Esses padrões excluem todos aqueles que não se identificam com a
identidade de gênero recebida no nascimento, não se posicionando segundo os
parâmetros mais usais. Essa postura fora da normatização social é vista como
uma transgressão e, por esse motivo, as relações culturais são marcadas por
preconceitos e pela descriminação de pessoas trans, muitas vezes de modo
conflitivo.
O Brasil é um dos países mais homofóbicos do mundo, de modo que, na nossa

sociedade, as pessoas trans nem sempre têm os seus direitos assegurados.
Inúmeras vezes, elas têm negada a sua identidade de gênero, ou não são
aceitas para um emprego, são submetidas a piadas em ambientes públicos,
a discriminação no atendimento à saúde, a ofensas e até mesmo a ameaças
de morte. É urgente em nosso país que nós, como cidadãos e principalmente
como educadores ou futuros educadores, tenhamos uma ação pedagógica
41
constante e democrática para impedir em sala de aula, com as nossas crianças, a
naturalização das práticas discriminatórias. É importante não aceitar brincadeiras
ou piadas homofóbicas, apelidos, e não nos silenciarmos diante de uma atitude
preconceituosa, pois é nesses momentos das situações cotidianas que podemos
promover com nossos alunos um diálogo, ensinando e ressaltando os direitos
humanos e a valorização da aceitação do outro.
2.4 Alguns livros infantis sobre gênero
Menina não entra, de Telma Guimarães Castro Andrade
Reprodução
Um grupo de amigos quer formar um time de futebol, mas não aceita que
Fernanda se junte a eles — porque ela é menina, e meninas não jogam futebol.
Mas quando Fernanda lhes mostra que é boa jogadora, percebem que se
enganaram e que o preconceito não ajuda ninguém a ganhar. As ilustrações
são de Ellen Pestili.
42
O fado padrinho, o bruxo afilhado e outras coisinhas mais, de Anna Claudia
Ramos
Reprodução
Para o menino Luar, a ideia de se tornar um fado madrinho é simplesmente

perfeita para realizar seu desejo de ajudar todas as pessoas do mundo que
precisam de uma forcinha. Ele não se importa se ser fada madrinha é “coisa de
menina”. Ilustrações de Tatiana Paiva.
Olívia tem dois papais, de Márcia Leite
Divulgação
A curiosa menina Olivia tem dois pais. Um brinca de bonecas com ela; o outro
sabe cozinhar. Ela fica intrigada com isso. Surge outra dúvida: Quem vai lhe
ensinar a usar maquiagem e salto alto se nenhuma mulher mora com eles três?
Ilustrações de Taline Schubach. Companhia das Letras.
43
Ceci tem pipi?, de Thierry Lenain
Reprodução
Para Max, sempre tudo foi muito simples: existem as pessoas “Com-pipi” e as
pessoas “Sem-pipi”. Os Com-pipi são considerados os mais fortes, mas Max se
confunde com sua nova coleguinha de escola, Ceci. Ela gosta de fazer tudo o
que meninos fazem. O garoto começa a se perguntar se a Ceci é dos Com-pipi,
assim como ele. Ilustrações de Delphine Durand.
Olivia não quer ser princesa, Ian Falconer
Reprodução
A porquinha Olivia é diferente de suas amigas. Todas elas querem ser princesas,
adoram cor-de-rosa e varinha de condão. Olivia começa a se perguntar por que
todo mundo tem que pensar do mesmo jeito, ser a mesma coisa e, o mais
importante, o que ela quer ser?
44
Aula 3. Conhecimento religioso
A religião tem um papel importante na vida das pessoas e alguns tipos de
práticas religiosas ficam evidentes em todas as sociedades. Isso torna a religião
um elemento cultural universal.
Émile Durkheim foi talvez o primeiro sociólogo a reconhecer a importância

fundamental da religião nas sociedades humanas. Ele constatou o impacto
social da religião. Na opinião de Durkheim, a religião é um ato coletivo que
inclui várias formas de comportamento das pessoas na sua interação com
as outras. Durkheim definiu religião como um “sistema unificado de crenças
e práticas referentes à coisas sagradas”. Na sua opinião, a religião envolve
um conjunto de crenças e práticas que são de sua propriedade exclusiva, ao
contrário de outras instituições sociais e formas de raciocínio. Durkheim ([1912]
2001) argumentou que as crenças religiosas diferenciam determinados eventos
transcendentais e o mundo cotidiano. Ele denominou esses reinos de sagrado
e profano.
45
O sagrado engloba elementos além da vida cotidiana que inspiram temor
religioso, respeito e até medo. As pessoas se tornam parte do reino do sagrado
somente concluindo algum ritual, como uma prece ou um sacrifício. Por sua
vez, o profano inclui o comum e o lugar comum.
Existe uma diversidade imensa de crenças e práticas religiosas no mundo. No

geral, cerca de 85% da população mundial adere a alguma religião. A cristandade
é a maior fé; a segunda maior é o islamismo. Como a cristandade, o islamismo e
o judaísmo são monoteístas. Os seguidores do Islã, denominados muçulmanos,
creem que as escrituras sagradas do Islã foram recebidas de Alá (Deus) pelo
profeta Maomé há cerca de 1.400 anos. Veem Maomé como o último de uma
longa lista de profetas, precedido por Adão, Abraão, Moisés e Jesus.
Embora o judaísmo tenha uma quantidade pequena de seguidores em

comparação com as outras religiões principais, ele forma a base histórica do
cristianismo e do islamismo. É por isso que os judeus, os cristãos e os mulçumanos
reverenciam os mesmos locais no Oriente Médio.
46
Duas outras maiores expressões religiosas se desenvolveram em uma parte
diferente do mundo, a Índia. A mais antiga, o hinduísmo, teve a sua origem
em 1.500 a.C. O hinduísmo difere do judaísmo, do cristianismo e do islamismo
por adotar uma série de deuses e deuses menores, embora a maioria dos
devotos se dedique basicamente a uma única divindade, como Shiva ou
Vishnu. O hinduísmo também se distingue pela crença na reencarnação ou
no renascimento perpétuo da alma após a morte. Uma segunda religião, o
budismo, foi criada no século VI a.C. como uma reação ao hinduísmo. Essa fé
se baseia nos ensinamentos de Sidarta (posteriormente chamado de Buda,
ou o “iluminado”). Por meio da meditação, os seguidores do budismo lutam
para superar desejos egoístas de prazeres físicos ou materiais, com o intuito
de alcançar um estado de esclarecimento, ou o nirvana. Os budistas criaram
as primeiras ordens monásticas, consideradas modelos para outras ordens
monásticas de outras religiões, incluindo o cristianismo.
Como a religião é um elemento cultural universal , não é de admirar que tenha

um papel básico nas sociedades humanas. Explica eventos que aparentemente
47
são difíceis de entender como o que há além da sepultura. Durkheim via a
religião como uma das forças integradoras na sociedade humana.
Saiba Mais
O Historiador Leandro Karnal apresenta em um vídeo de 18 de agosto de

2018 a visão de um historiador sobre as religiões. E propõe reflexões:
Como se define religião? Qual a diferença entre religião e fé? Dá para
comparar uma religião com outra? Todas as religiões levam ao bem?
Como as religiões explicam a origem do mundo e da humanidade? Veja as
respostas a essas perguntas acessando:
https://www.youtube.com/watch?v=CztqsoWZOQU
A religião, quer seja judaísmo, cristianismo ou hinduísmo, dá sentido e objetivo

às vidas das pessoas. Ela oferece certos valores fundamentais e fins para se
ter em comum. Embora sejam subjetivos, esses valores acabam ajudando a
sociedade a funcionar como um sistema social integrado. Por exemplo, funerais,
casamentos e outros eventos religiosos servem para integrar as pessoas em
comunidades maiores, proporcionando crenças e valores compartilhados sobre
as questões fundamentais da vida. As religiões servem também para reunir as
pessoas em tempos de crise e confusão.
48
A maioria de nós acha difícil aceitar eventos estressantes da vida — morte
de um ente querido, falência, divórcio. A religião nos incentiva a encarar
nossas desventuras como relativamente sem importância na perspectiva mais
ampla na história humana, ou mesmo como parte de um designo divino não
revelado. Talvez por essa razão, as organizações comunitárias baseadas na fé
vêm assumindo cada vez mais responsabilidades na área de assistência social.
Crenças religiosas são afirmações às quais os membros de uma determinada

religião aderem. Essas opiniões variam drasticamente de uma religião para
outra. Rituais religiosos são práticas exigidas ou esperadas dos membros de
uma determinada expressão religiosa. Além dos rituais, os cultos transmitem
ensinamentos, mensagens, valores e sentimentos. Como em qualquer
outra instituição social, a religião cria normas distintas para estruturar o
comportamento das pessoas. Além disso, há sanções associadas a rituais
religiosos, quer recompensas, quer penalidades.
49
No estudo sociológico das religiões a expressão “experiência religiosa” se refere
à sensação ou percepção de estar em contato direto com a realidade primordial
— um ser divino — ou de estar tomado por emoção religiosa.
Atualmente, a religião é considerada como um elemento social importante,

estritamente ligado ao fator psicológico das pessoas, possuindo sua própria
estrutura, que se mantém independente dos outros elementos sociais.
3.1 A comparação e a tolerância religiosa
A palavra religião deriva do latim “religare” que significa “ligar, vincular”.

Muitos antropólogos estudaram a religião entre os muitos povos e sociedades
humanas. Esse sentimento de crer em algo além do mundo material e separar
o que é considerado sagrado do que é considerado mundano ou profano está
presente, embora de formas distintas, em todas as civilizações humanas. As
definições de religião variam entre os diferentes grupos, pois cada grupo
religioso internaliza de maneira específica sua crença comum na relação entre
o homem e o divino, vivenciam coletivamente emoções, creem no mesmo
conjunto de doutrinas e se reúnem regularmente. Para cada grupo religioso,
sua religião é vívida e significativa, de modo que toda manifestação religiosa
tem seus mitos, orações, normas e rituais.
Embora todos os grupos religiosos respeitem a sua própria religião, muitos fiéis
não aceitam a coexistência de sua religião com outras religiões no mesmo grau
de importância. A afirmação feita por todas as religiões é que a sua própria
religião é a única verdadeira, a única que salva e as outras são ilusões ou
incompletas.
As religiões são manifestações de união entre seus adeptos, que se reúnem

regularmente, se reconhecem em sua escolha e compartilham afinidades.
Podemos dizer que esse sentimento é universal. São comportamentos religiosos
que existem em todas as sociedades e qualquer lugar do planeta. Porém, a
religião não é só um movimento de união pelo espiritual, mas também um
50
campo de discórdia quando determinados grupos religiosos não toleram a
existência de outras religiões diferentes da sua.
Acompanhamos pelos jornais notícias sobre a intolerância religiosa, que muitas

vezes resulta em mortes, além de guerras, sejam as que ocorrem atualmente
em diferentes partes do mundo por motivos religiosos, sejam as que ocorreram
no passado. Com efeito, a história está repleta de mortes, perseguições e
guerras em nome do religioso.
Multimídia
Em 16 de novembro de 2014, no dia internacional da Tolerância, a ONU

– Organização das Nações Unidas – fez um vídeo com várias pessoas de
vários lugares do mundo falando sobre Tolerância.
Esse vídeo se chama “O que é Tolerância?”. Assista em:
https://www.youtube.com/watch?v=O1xMztcyouQ
Em um mundo cada vez mais globalizado e, portanto, cada vez mais multicultural,
a tolerância é a palavra-chave para as relações humanas. Diferenças e
contradições vão sempre existir, principalmente se o assunto for religião. Mas
uma atitude tolerante pode coexistir com uma sólida fé e com sua propagação.
A tolerância faz com que a promoção de uma religião aceite com respeito a
opinião do outro. Todos têm o direito de ter os seus pontos de vista respeitados,
51
desde que esses pontos de vista não promovam ações que violem os direitos
humanos básicos.
O Brasil é um país que possui uma enorme liberdade religiosa. No campo

religioso, somos um país multicultural, de modo que as mais variadas religiões
têm algum tipo de templo religioso instalado aqui, incluindo as religiões que
foram criadas por brasileiros, como as igrejas neopentecostais por exemplo.
Entre as mais importantes religiões no Brasil podemos nos referir às seguintes

religiões:
Religiões Cristãs
- Catolicismo
- Protestantismo (reforma protestante)
- de imigração (vieram com os imigrantes)
- Luteranos
- Anglicanos
- de conversão (vieram pelos missionários)
- Presbiterianos
- Metodistas
- Batistas
- Episcopais
- Pentecostalismo
- clássicas
- Congregação Cristã do Brasil
- Assembleia de Deus
- Igreja do Evangelho Quadrangular
- Igreja Pentecostal O Brasil Para Cristo
- Deus é Amor
- neopentecostais
- Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra
- Igreja Universal do Reino de Deus
- Igreja Internacional da Graça de Deus
- Renascer em Cristo
- Neocristãs (não pertencem à linhagem da Reforma Protestante)
- Mormons
- Adventistas
- Testemunhas de Jeová
52
- Religiões mediúnicas (comunicação com espíritos)
- Espiritismo (sincretismo cristão-hindu)
- Umbanda (sincretismo cristão-hindu [espiritismo] e africanas
[candomblé])
Religiões Não Cristãs
- Judaísmo
- Budismo
- Islã
- Hinduísmo
- Xintoísmo
- Messiânica
- Candomblé
Todas as religiões têm como base valores importantes para a humanidade,

valores como a compaixão, solidariedade, fraternidade, honestidade, sinceridade
e humildade, que podem possibilitar uma vivência pacifica e harmoniosa
entre todos os povos. São valores exaltados por todos os livros religiosos e por
todas as religiões, porém assistimos no mundo muitas guerras e conflitos pela
intolerância religiosa. Nesse mundo multicultural, o maior problema ainda é a
não aceitação do outro.
Multimídia
“Video a la tolerancia” – uma animação sobre a tolerância que vai te

surpreender no final.
https://www.youtube.com/watch?v=hNgfr5kHg5E
3.2 O Ensino Religioso
As escolas brasileiras de Educação Básica, em especial o Ensino Fundamental

II e o Ensino Médio, trazem em muitos desses estabelecimentos casos de
intolerância religiosa. O IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– publicou em 2016 o resultado da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar 2015,
aponta que 4,2% dos estudantes desses ciclos relataram casos de humilhação
por motivos de escolha religiosa. Segundo o Instituto, essa é a quarta principal
causa de violência na escola, acima até de motivos de orientação sexual.
O ensino religioso nas escolas é garantido pela Constituição de 1988 nos artigos
nº 5 e nº 210 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 no
artigo nº 33:
53
Fonte: Instituto Unibanco
A violência motivada pela intolerância se apresenta nas escolas como coação

para rezar uma oração cristã, retirar adereços religiosos, agressões verbais
com xingamentos e agressões físicas, incluindo tapas, pontapés, murros e
apedrejamento. As religiões que mais sofrem essas agressões são as afro-
brasileiras, as mulçumanas e as pentecostais.
Ações escolares como palestras, atividades culturais que envolva a todos, e

campanhas de conscientização contra o bullying envolvendo toda a comunidade
escolar conseguem reverter situações de violência entre os alunos. Incluir o
tema da tolerância religiosa como eixo transversal no currículo escolar também
produz efeitos positivos nas relações escolares.
Importante
Você sabe qual é a diferença entre Educação Religiosa e Ensino Religioso?
Educação Religiosa: A educação que tem por objetivo transmitir os valores

de uma determinada religião
Ensino Religioso: um ensino que deve ser imparcial abordando a

diversidade de religiões brasileiras.
As autoras Débora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião publicaram um livro

com a pesquisa que fizeram em 25 livros didáticos publicados por 11 editoras
para a disciplina de Ensino Religioso, todos eles com propostas de abordagem
54
de diferentes religiões. A proposta dos livros é o ensino de valores positivos;
porém as autoras registram estereótipos e confirmam que a divisão de estudo e
a apresentação e explicação das diferentes religiões não têm uma igualdade na
quantidade de conteúdo. As religiões cristãs, especialmente a católica, têm um
conteúdo muito maior e são muito melhor apresentadas que as outras religiões.
Fonte: Estudo: Laicidade e ensino religioso no Brasil, 2010.
Além disso, religiões como a afro-brasileiras e indígenas são apresentadas

com sub-representação, recebendo a conotação de religiões primitivas ou de
crenças mágicas. A conclusão das autoras é de que os livros estão cheios de
estereótipos, não apresentam grupos de pessoas que não têm religião, e se
colocam contrários a uma visão de igualdade em relação à diversidade religiosa
no Brasil.
O ensino religioso nas escolas públicas deveria reconhecer a pluralidade de

crenças que temos no Brasil. Além disso, trata-se de uma disciplina que, zelando
pelos valores religiosos das diferentes religiões, deveria também valorizar a
tolerância e a promoção da cidadania.
55
Aula 4. Os projetos intergeracionais como tema transversal
Na civilização em que vivemos, na pós-modernidade, e mesmo desde a
modernidade, a velhice é entendida como um problema a ser evitado, uma
fase da vida não desejada e mesmo rejeitada. A voz da mídia como autoridade
e modeladora das formas de pensar e agir mantém constantemente, pelos
seus diversos meios, como filmes, novelas, programas televisivos, revistas
e as redes sociais, a importância da juventude social e estética. Esses meios
de comunicação trazem como protagonistas na sua quase totalidade pessoas
jovens, exaltando a juventude em diferentes estilos de vida, na beleza física e
em papéis sociais decisivos e de importância.
Durante mais de um século, e especialmente desde a metade do século XX, a

importância social da manutenção da juventude ligada a saúde, estilos de vida
e beleza física mostram que as representações sociais do rejuvenescimento,
alimentadas pela mídia, alteraram as formas de agir e pensar em relação
ao envelhecimento. Se antigamente o envelhecimento era sinônimo de
conhecimento e saber, hoje a velhice é entendida como um tempo perdido,
desconectado da realidade e do mundo, sem importância social. Essa concepção
da forma de pensar em relação a velhice impulsiona a milionária indústria do
rejuvenescimento físico. Os produtos de beleza que prolongam a aparência de
juventude estão entre os mais vendidos. Sintoma disso é o fato de que homens
e mulheres estão em busca constante pela juventude, sustentando o imenso
número de clínicas para cirurgias plásticas e tratamentos de rejuvenescimento.
56
Essa mudança nas representações sociais dos indivíduos na cultura de massa,
mantida pela autoridade da mídia, promove e mantém nas diferentes sociedades
o protagonismo juvenil, que incentiva a busca incansável pela juventude.
4.1 O (pré) conceito social sobre a velhice
Dentro dessa representatividade social de empoderamento da juventude e

início da maturidade, a chegada da velhice para os membros mais antigos
da família passa a ser algo indesejado e mesmo evitado. Os preconceitos em
relação à velhice promovem atitudes negativas para com os idosos e com o
processo de envelhecimento.
Verbete
Ageísmo: preconceitos frente ao envelhecimento. O termo que vem de

age (idade), um empréstimo do inglês.
Gerontologia: é a ciência que estuda os fenômenos fisiológicos, psicológicos

e sociais relacionados ao envelhecimento do ser humano.
A tendência das pessoas em geral é simplificar as características físicas que vêm

com o envelhecimento e categorizá-las de tal forma que são tidas como sempre
as mesmas para todas as pessoas que envelhecem. Essa forma homogênea de
perceber e caracterizar a velhice resulta na importância atribuída às perdas que
57
vão aumentando com o tempo, bem como com o declínio da capacidade de
inteligência e memória. Todos esses conceitos atribuídos aos idosos ajudaram
a desenvolver um forte preconceito em relação à velhice e às pessoas idosas.
Os estereótipos que surgem pela supergeneralização e a supersimplificação da
velhice levam crianças e jovens a um conceito das pessoas idosas na família
ou fora dela como desinteressantes, ranzinzas e que vivem alienadas da
atualidade e da vida. Esse estereótipo atual na sociedade sobre o idoso acarreta
o afastamento das relações pela falta de interesse dos mais jovens.
Entre os estereótipos associados aos idosos, alguns alimentam um ideário

social de negatividade em relação a essa fase da vida, associando-os sempre
ao desgaste físico, à doença, à falta de energia ou à fragilidade; outros estão
relacionados à capacidade cognitiva, tratando-os como senis ou depressivos;
e outros, em relação à qualidade no relacionamento social, os veem como
improdutivos, inflexíveis ou solitários. O campo preferencial para o combate ao
ageísmo se coloca nas relações humanas, na mudança das crenças sociais sobre
essas relações, de modo a alterar as atitudes relativas ao idoso.
58
A visão negativa que alimenta o preconceito contra os idosos é um dos
fatores que têm prejudicado muitas pessoas e contribuído para o aumento de
quadros de depressão dessa população. Contudo, não são apenas os idosos
os prejudicados com esse conceito social negativo; a própria sociedade tem
perdas com isso, já que os conhecimentos e habilidades que essa população
possui trazem possibilidades de ricas contribuições que a sociedade perde pela
desvalorização da velhice.
4.2 As mudanças favoráveis para a longevidade e qualidade de vida
Porém a sociedade médica e as pesquisas da área de gerontologia sobre o

envelhecimento apontam para o lado oposto ao estereótipo da generalização
da velhice; o envelhecimento é um processo totalmente individualizado, cada
pessoa experimenta e apresenta uma maneira individual em que o corpo e
a mente avançam nesse processo de envelhecimento. Influenciam nesse
processo o contexto social e cultural que a pessoa viveu, o modo como esse
contexto apresenta e considera o envelhecimento, a qualidades das relações
que se estabeleceram durante a vida e, por fim, as características psicológicas
e biológicas, incluindo aqui a genética.
A ação do envelhecimento tem se modificado durante os últimos anos na maior

parte da população do planeta, a começar pelo tempo de vida. Com o avanço das
pesquisas e tratamentos na área da medicina, as pessoas em geral têm vivido
por mais tempo. O índice que mede o tempo de vida do ser humano aumentou,
e mesmo o processo de envelhecimento sofreu alterações favoráveis a uma
melhora da saúde. Os idosos em geral têm experimentado menos doenças e
59
também menos déficits físicos. Tudo isso colaborou para uma melhor qualidade
de vida.
Em 1997 ocorreu uma mobilização dos idosos aposentados e pensionistas para

a existência de um estatuto do idoso, que defendesse os idosos dando-lhes
garantias de direitos. Esse estatuto levou seis anos para ser aprovado e virar
lei, o que ocorreu em 2003. A partir de então, os idosos no Brasil possuem
o “Estatuto do Idoso” onde estão estabelecidos seus direitos, punições para
quem os violar, e a garantia de uma maior qualidade de vida.
Saiba Mais
Você sabia que existe o “Estatuto do Idoso para crianças”?
É um livro virtual com os desenhos feitos de massinhas, muito bonito.

Uma produção de Elisangela Ros para a Semana de Valorização do Idoso
em Caraguatatuba em 2014.
Venha conferir acessando:
https://www.youtube.com/watch?v=drPcTpfkE7I
A partir desses dados sobre o processo de envelhecimento nessas últimas

décadas, que colaboraram para a melhora da qualidade de vida dos idosos,
mudou-se a percepção que se tem sobre as competências sociais e cognitivas
dessas pessoas. Foi exatamente essa mudança de percepção o que determinou
60
a forma como se comportam as pessoas no relacionamento intergeracional, e
abriu a possibilidade de projetos com esse objetivo que compõem esse tema
transversal.
4.3 Os programas intergeracionais
Esses programas são oportunidades de desmistificação da velhice e do processo

de envelhecimento, além de proporcionar a efetivação dos pressupostos dos
temas transversais que constituem a aproximação dos conteúdos escolares à
realidade vivida. Para o idoso, são momentos de bem-estar e de satisfação, que
o torna atuante na escola e envolvido com as crianças. Para as crianças e pré-
adolescentes que observam e escutam um idoso, surge a possibilidade de uma
postura reflexiva que pode marcar suas atitudes, uma vez que ele entenda que
suas escolhas têm um reflexo direto em sua vida.
Essa troca de experiências contribui para a formação cidadã dos alunos e,

dependendo de como for trabalhado pela escola e pelo professor, é um potencial
campo de construção de outro conceito sobre a velhice, bem mais positivo.
Além disso, esses programas criam oportunidades de novas aprendizagens e de
transmissão dos valores culturais de uma geração para outra.
61
Saiba Mais
O tema intergeracional é bem trabalhado nas escolas dos Estados Unidos

e em outros países europeus, o que vem sendo construído já há algum
tempo. Esses projetos também ocorrem em Portugal. Veja, neste vídeo,
como no início de 2018 uma escola da cidade do Porto, em Portugal,
trabalhou esses projetos. Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=Cp8fJrIo820
Por outro lado, a ciência médica e laboratorial vem aumentando a longevidade

das pessoas, trazendo para dentro das famílias o convívio maior com seus
membros mais idosos. Essa possibilidade de convivência entre diferentes
gerações coloca nas relações familiares a possibilidade de vivência com
diferentes visões de mundo.
Essa concepção de velhice é apreendida pelas crianças em seus contatos familiares

e sociais, e a pedagogia e a escola podem mostrar o valor do conhecimento
adquirido pelas pessoas mais velhas. Embora ela não tenha força para alterar a
atual representatividade social e cultural da velhice, pode promover convívios
pela inserção do tema velhice no currículo e também promover oficinas e visitas
convidando esporadicamente um vovô ou uma vovó dos alunos para ensinar
a habilidade de algo diferente ou contar histórias de sua época. Essas ações
educativas de entendimento da velhice, de empatia em relação a ela, faz parte
da ação pedagógica de conscientização e respeito às diferenças. Elas permitem,
pela perspectiva das trocas intergeracionais, oferecer às crianças de Educação
Infantil e do Ensino Fundamental a possibilidade de diferentes modos de viver a
velhice, bem como de desconstruir a ideia da velhice como sinônimo de perdas
— ideia moldada na ideia de uma velhice padrão e estereotipada. Desse modo,
pode-se apresentar o fato de que cada pessoa idosa é uma e diferente das
demais pela heterogeneidade nas próprias experiências de envelhecimento.
62
Relato de Experiência
As organizações sociais internacionais vêm notando e defendendo há

já alguns anos que projetos que envolvem diferentes gerações trazem
resultados positivos mais rápidos e de maior alcance e permanência. A
rica interação entre as gerações desenvolvidas por projetos promovem
resultados positivos e concretos para todos.
Em julho de 2015, uma grande fundação social nos Estados Unidos

chamada Fundação Michael Eisner passou a dedicar seu orçamento anual
a projetos que reunissem jovens e idosos, que promovessem soluções para
problemas sociais de ambas as gerações, mas de forma que os recursos
doados a uma geração atendam às necessidades da outra geração; assim
ambas se beneficiam com o projeto.
Um desses projetos intergeracionais acabou ficando famoso nos Estados

Unidos. Ele foi criado e desenvolvido por uma organização na California
chamada Jumpstart for Young Children. Essa organização capacitou os
idosos que se inscreveram para, em alguns períodos por semana, cuidar
de crianças em escolas de Educação Infantil em regiões de vulnerabilidade
social. Esse projeto melhorou a vida dos idosos e fez com que se sentissem
úteis, necessário e queridos pelas crianças. Para as escolas, diminuiu o
gasto com mão de obra. Já as crianças dessas regiões, onde a maioria
63
vive em lares com famílias desestruturadas ou ausentes, ganharam avôs e
avós dedicados. O custo nessa ação foi bem menor do que seria necessário
na criação de projetos para atender a velhice e outros para atender as
escolas.
A autora Mônica de Ávila Todaro em seu livro Vovô vai à escola aponta
cinco benefícios potencias vivenciados por crianças e idosos nos programas
intergeracionais:
- o primeiro é o impacto que eles causam nas opiniões de crianças

em relação aos idosos;
- o segundo é a introdução de um tema tão importante no currículo

escolar;
- o terceiro está vinculado à possibilidade de abrir as instituições

escolares para a entrada de idosos;
- o quarto tem relação com a criação de um novo cenário para a

abertura e realização de pesquisas científicas sobre atitudes;
- o quinto e último benefício dos programas educacionais para

crianças decorre do fato de as escolas criarem oportunidade para
reavaliar sua prática à luz dos conhecimentos advindos do contato
com os idosos ou com materiais e atividades que incentivam a
reflexão a respeito das diferenças. (Todaro, 2009, p. 70)
No Brasil há uma escassez de projetos que têm como foco a ação intergeracional,
embora faça parte dos temas transversais existentes nos Parâmetros Curriculares
Transversais que tiveram sua divulgação no país em 15 de outubro de 1997.
Somente nesses últimos anos, quase 20 anos depois da divulgação dos PCNs,
começa-se a ter mais notícias de projetos intergeracionais nas escolas.
4.4 Quatro projetos que envolvem escolas
Autobiografias em livro artesanal em Joinville
Em 2012, a diretora Sônia Aparecida Piske Costa, da Escola Municipal Virgínia
64
Soares, aceitou participar com seus alunos do 5º ano do Ensino Fundamental do
projeto “Vivência Intergeracional” desenvolvido pela equipe do CCI – Centro de
Convivência de Idosos. Com o apoio das professoras, o objetivo do projeto era
trocar experiências entre as duas gerações.
Quando os alunos se sentaram diante de outra pessoa tão mais velha, não
esperavam ouvir histórias de vida tão diferentes das histórias conhecidas por eles
na atualidade: o namoro no portão, a importância e o respeito aos professores
e esses por seus alunos, e muitas outras histórias que foram anotadas pelos
alunos em seus cadernos. O projeto culminou em um livro artesanal apresentado
na feira do livro da cidade Joinville em abril de 2013. A base do livro foram as
“Histórias de Vida” anotadas nas entrevistas feitas pelos alunos. Os idosos, por
sua vez, se sentiram estimulados e escreveram uma espécie de autobiografia
que também foi publicada para a feira.
Foram cerca de 60 alunos entrevistando 100 idosos que frequentam o CCI da

cidade.
Foto: Maiara Bersch/Agencia RBS
Alguns dos estudantes e professora posam para foto ao lado de idosos do centro
de convivência durante uma visita.
Acesse a reportagem feita na época no site da cidade em:
https://wwwold.joinville.sc.gov.br/noticia/3071-Viv%C3%AAncia+une+gera
%C3%A7%C3%B5es+do+Centro+de+Conviv%C3%AAncia+do+Idoso+e+Escola.
html
65
Projeto “O idoso na visão de uma criança”
Em junho de 2018, em Fernandópolis, interior de São Paulo, iniciou-se um

projeto firmado entre duas Secretarias, a Secretaria de Educação e a Secretaria
de Assistência Social e Cidadania. Esse projeto, que vai até o mês de outubro, é
destinado às crianças das Escolas Municipais de Educação Infantil e aos idosos
ligados aos Centros Regionais de Assistência Social.
A festa de abertura para que todos se conhecessem foi realizada no início do

mês no teatro municipal da cidade, com direito a teatro de fantoches, contação
de histórias e uma apresentação musical. Toda essa festa teve momentos de
interação com muita diversão para início do projeto “O idoso na visão de uma
criança”. Os objetivos desse projeto idealizado pelas duas Secretarias são:
• Promover o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com

ênfase na valorização da pessoa idosa;
• fomentar os vínculos intergeracionais e sensibilizar quanto à importância

do papel do idoso na família e na sociedade;
• promover a participação cidadã da criança, futuros adultos para uma

sociedade em envelhecimento;
• favorecer o desenvolvimento de um processo de conscientização da velhice

e do envelhecimento;
• facilitar a compreensão e a inter-relação das crianças e idosos.
Conheça mais sobre esse projeto acessando:
h t t p s : / / w w w. f e r n a n d o p o l i s . s p. g o v. b r / n o t i c i a s /
detalhe/8084/%E2%80%98cras-recanto-dos-oitis%E2%80%99-lanca-projeto-
%E2%80%98-o-idoso-na-visao-de-uma-crianca%E2%80%99
Outros projetos realizados em instituições que não as escolares também

têm promovido projetos intergeracionais. Podemos apontar aqui dois desses
projetos:
Projeto Xodó
O Xodó é um grupo intergeracional promovido pelo Sesc em Santa Catarina, que

promove a interação e o fortalecimento de laços entre crianças (7 a 11 anos) e
idosos (pessoas acima de 50 anos), resgatando valores e favorecendo a troca
66
de experiências e aprendizado mútuo. Nos encontros semanais com duração de
até 2 horas, são trabalhados os seguintes temas:
Boticarium: Plantas Medicinais, Magia, Poções e Truques;
Escrita criativa: Uma aventura no mundo das palavras;
Contação de Histórias: Trabalhando a literatura para crianças e idosos.
Conheça mais desse projeto em:
https://www.sesc-sc.com.br/site/assistencia/idosos-e-criancas-aprendem-
juntos-no-projeto-xodo-em-jaragua-do-sul
Projeto “Ciranda do tempo: encontros de gerações”
O Parque da Água Branca em São Paulo possui um Espaço de Convivência do

Idoso. Esse Espaço, que possui uma grande quantidade de idosos atuantes em
cursos e palestras, passou a sediar, a partir de 2015, um curso diferente, onde os
idosos são os professores. Esse curso criado pelo Fundo Social de Solidariedade
do Estado de São Paulo, e tem o nome de “Ciranda do tempo: encontros de
gerações”. Trata-se de um projeto intergeracional que reúne idosos e crianças
em atividades que proporcionam convivência, afeto e troca de saberes. As
turmas serão formadas por grupos de 25 participantes, sendo 10 crianças de
instituições previamente selecionadas e 15 idosos que se inscrevem para as
aulas.
Foi feito um vídeo de um desses encontros, ao qual você pode assistir em:
https://www.youtube.com/watch?v=vHnoYxAlQkY
4.5 A literatura infantil como ação educativa gerontológica
Uma proposta de ação educativa por meio da literatura infantil pode ser
encontrada no livro Vovô vai à Escola, da autora Monica de Ávila Todaro.
Nessa proposta, a autora reflete a respeito do fato de que as informações,
ou desinformações, que as crianças recebem sobre o que é a velhice vêm de
diferentes meios, principalmente os midiáticos, e se baseiam em figuras e
crenças estereotipadas.
Os meios midiáticos como filmes, livros, revistas, anúncios etc., constituem

meios simbólicos que apresentam valores para a criança em seu conhecimento
de mundo. Nesse universo midiático, a literatura infantil se coloca como
67
meio simbólico importante para a construção de valores, e pode ser utilizada
adequadamente pelos professores como possibilidade de compreensão dos
valores ao longo do curso da vida, das diferenças etárias e da heterogeneidade
da velhice.
Essa forte influência dos meios simbólicos sobre a infância pode modelar
comportamentos e atitudes tanto positivamente como negativamente. Trazer
para o currículo escolar histórias e livros infantis com personagens idosos que
reflitam uma visão real e heterogênea da velhice proporciona a construção de
novos papéis sociais que irão influenciar a maneira pela qual essas crianças e
futuros jovens irão lidar com o processo de envelhecimento.
O Brasil está atualmente em um novo contexto social: uma grande parte da

população está envelhecendo ou já é idosa. Esse novo contexto social traz o
desafio de compreender e lidar com a velhice. Um das formas de se pensar
a velhice é trazer para os mais jovens novas ideias, a serem trabalhadas de
maneira dialógica e problematizadora nas escolas, com o objetivo de modificar
a crença em relação aos mais velhos. Hoje nas escolas o tema geracional é um
tema considerado de pouca importância e raramente faz parte do currículo; o
que às vezes se encontra é o tema sendo comemorado nas datas marcadas do
calendário, como o Dia Internacional do Idoso em 1º de outubro ou o dia dos
Avós em 26 de junho. Nessas comemorações, quando ocorrem, o que mais
preocupa é a forma como é apresentada a imagem do idoso para um trabalho
infantil de colorir, ou a imagem já desenhada em canecas ou quadrinhos para
dar de presente ao vovô ou à vovó.
Essas figuras estereotipadas geralmente são apresentadas da mesma forma
68
há anos: as mulheres com cabelos brancos em um coque, roupas do início do
início do século passado como vestidos largos e longos com camafeus, gola
de babados, colar de pérolas, sapatos masculinizados e óculos pequenos e
redondos; as figuras masculinas também têm cabelos branco e calvos, portam
o mesmo modelo de óculos, usam bengalas e muitas vezes estão de pijamas.
Na maioria das vezes essas figuras estão sentadas em cadeiras antigas ou de
balanço.
A proposta apresentada por Monica Todaro sobre a literatura infantil como

ação educativa gerontológica traz uma lista de critérios para a seleção de livros
infantis que contenham qualidades intergeracionais positivas:
• Ressaltar adultos maduros em situações realistas e não

estereotipadas;
• Demonstrar que adultos maduros participam de uma variedade
de atividades;
• Ressaltar atitudes positivas quanto a adultos maduros;
• Transcender percepções estereotipadas sobre o envelhecimento;
• Ajudar as crianças a entender as emoções dos adultos maduros
na história;
• Usar linguagem positiva ao descrever as características físicas ou
mentais dos personagens adultos maduros;
• Retratar tais personagens como indivíduos distintos com traços
de personalidade únicos;
• Apresentar as relações entre crianças e adultos maduros como
69
mutuamente benéficas e satisfatórias. (James e Kormanski apud
Todaro, 1999).
Estabelecendo um programa de ação para essa proposta, a autora baseia-se

na divisão dessas ações nas atitudes conceituais, procedimentais e atitudinais.
Transcrevemos aqui o quadro dessas ações da autora, pois consideramos que irá
deixar claro como proceder com essa proposta, ou seja, como o professor pode
tratar do tema em sala de aula com seus futuros alunos:
Tipos de conteúdo Descrição das atividades

Procedimentais Individual, representação da velhice por meio de
desenho:
• Desenhar a parte que você mais gostou da história;
• Desenhar você hoje e quando ficar idoso.

Conceituais Individual:
• Fazer um resumo com as ideias mais importantes

da história; ou
• Escrever uma lista com as características dos

personagens; ou
• Escrever conclusões a que chegaram depois de

ouvir a história: “Eu entendi que...“
Atitudinais Em grupo:
• Debate mediado pela educadora, a partir de um

roteiro problematizador. (O que vocês acharam
dessa história? Por quê? Qual a opinião de vocês
a respeito dos personagens? Por quê? Vocês
concordam com o que aconteceu? Por quê? O que
vocês sentiram ao ouvir a história? Se vocês fossem
o autor, como seria?).
Fonte: Todaro, 2009, p. 73
A autora divide os livros de história infantis em cinco categorias diferentes na

forma de abordar a velhice e as relações intergeracionais:
1ª característica – imagens estereotipadas: mantém a figura do idoso

estereotipada em sua apresentação física; são solitários, confusos, esquecidos
e inativos, porém acolhedores e sempre disponíveis para os netos.
70
2ª característica – imagens realistas: apresenta situações reais como a doença, o
asilo, a proximidade da morte, porém passam experiências de vida e memórias
sobre a história da família, comportamentos como modelo, reflexão sobre
temas existenciais.
3ª característica – imagens fantásticas: mundo imaginário onde tudo é possível,

os personagens vivem aventuras fantásticas. Não existe relação com a vida
real.
4ª característica – imagens divertidas: o idoso é engraçado, com atitudes infantis

e inadequadas para a idade. Permite um debate sobre quais são as atitudes
adequadas para as diferentes idades.
5ª característica – imagem de “novos velhos”: o idoso é apresentado com roupas

atuais e atualizado, mostra uma velhice ativa, independente com grupos de
amigos. A imagem é do idoso com integração social e capacidade psicológica
e de saúde.
A autora sugere alguns livros para cada característica. Selecionamos aqui a

última característica para mostrar para vocês os livros que abordam uma nova
visão de velhice por considerar esse o principal enfoque para ser trabalhado
com as crianças. É a característica de livro infantil que pode contribuir para a
mudança do conceito negativo e socialmente estabelecido sobre a velhice. São
esses os livros apontados pela autora:
Abramovich, F. (2001) . Álbum de

figurinhas. São Paulo: Senac
Conta a história de um avô e

uma neta (Marcos e Tatiana) que
se encontram todos os sábados
na casa dele. O destaque é dado
para os antigos álbuns que os
dois começam a ver: com recortes
de revistas antigas, cartões-
postais, restando a mensagem de
valorização do velho como portador
de lembranças do passado, que
podem ser transmitidas para as
novas gerações.
71
Essa história apresenta seis
versões diferentes a respeito
de uma mesma personagem:
escritora, feiticeira, dona de casa,
professora de ginástica, viúva ou
artista de teatro. No final, o autor
interrompe a história convidando
o leitor para colar um espelho na
última página, a fim de “entrar
um pouco na história”.
Esse livro apresenta as aventuras

de uma avó moderna, jovem, que
usa minissaia, faz ginástica e tem
a cabeça cheia de ideias. Traduz a
possibilidade de viver a velhice de
maneira ativa.
O idoso da história convida a

esposa para ir à uma festa. Ela não
quer porque não tem mais idade
para isso. A história prossegue
com a tentativa dele de convencer
a esposa a ir. Os dois terminam
dançando e se divertindo muito,
deixando a mensagem da
superação do preconceito que
determina que comportamento
deve-se ter na velhice.
72
O livro começa com dois
irmãos questionando as figuras
tradicionais de pessoas idosas
e comparando-as com seus
avós. Eles vão concluindo que
as imagens apresentadas como
vovós e vovôs não corresponde
em nada aos seus avós. No final
fica a mensagem de respeito às
diferenças.
A história começa com a neta

descrevendo o apartamento da avó
e a própria avó como uma pessoa
atualizada e enturmada. A menina
recebe então a notícia que a avó
teve uma parada cardíaca em uma
cirurgia e leva um mês para voltar
para casa. Termina o livro com um
desejo da neta de fazer um monte
de clones da avó para que todas
as meninas tenham uma avó igual
à dela.
73
Um livro de extraordinária beleza,
contando a história de uma menina
que, no convívio imaginário entre
sua bisavó e sua bisneta, aprende
a conviver consigo mesma. Três
tempos e três vivências que se
cruzam e se completam numa só
pessoa, a menina Isabel.
O diálogo de Isabel — ou melhor,

de Bel — com sua avó — Bisa Bia —
e, depois, com sua futura bisneta
é uma mistura encantadora do
real e do imaginário, levando o
leitor a perceber as mudanças no
papel da mulher na sociedade.
Como a autora Monica Todaro escreveu o livro Vovô vai à Escola em 2009, muitos
outros livros infantis sobre vovós e vovôs devem ter sido editados. Utilizando as
cinco características da autora, vocês podem buscar nas livrarias e pela Internet
novos livros para ter quando forem trabalhar esse tema com os seus alunos.
Nessa mesma linha de trabalho em sala de aula sobre o tema intergeracional
utilizando os livros de história infantis, vocês podem utilizar também filmes e
vídeos.
Terminamos aqui a aula sobre o tema intergeracional na esperança de que

tenhamos conseguido levar até vocês a importância da reflexão sobre o respeito
e a heterogeneidade presente na vida de cada um dos idosos que conhecemos
e também que seremos todos um dia.
74
Considerações finais
Neste terceiro módulo da disciplina de multiculturalismo, estudamos e
compreendemos muitos temas fundamentais e importantes para o ser humano.
Iniciamos com um estudo mais profundo e completo do que são os Direitos

Humanos, sua história, sua função e sua importância e principalmente como
o Brasil está na compreensão e vivência desses direitos. Esse é o nosso país, e
agora, compreendendo um pouco mais o que são Direitos Humanos, podemos
procurar passar para nossos alunos a importância dos valores sociais que eles
manifestam.
Vimos também como se dá a compreensão de gênero pela criança, e como

a sociedade influencia essa compreensão. Conhecemos também como se
classificam e o que são as diferentes identificações de gênero. Esperamos que,
depois desse estudo, a aceitação das pessoas transgênero seja assimilada como
um direito de ser e conviver na sociedade.
Outro tema importante de que tratamos neste módulo foi a religiosidade e

as religiões. Insistimos no fato de que, embora todas as religiões exaltem
valores de tolerância e paz, as religiões foram motivos de inúmeras guerras e
perseguições na história da humanidade. É importante que, como educadores,
promovamos a tolerância religiosa como valor a ser vivido pelos nossos alunos.
Depois de tantos temas polêmicos para o ser humano em seus relacionamentos,

estudamos como é importante mudar a imagem que se construiu sobre a velhice,
como as ações intergeracionais colaboram para essa mudança de conceito nas
crianças e de que diferentes formas esses projetos foram postos em prática.
No próximo módulo vocês terão aulas para a compreensão de LIBRAS, uma

necessidade para professores que com certeza irão atuar em escolas inclusivas.
Até lá!
75
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77

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Unidade Educacional XVII

Conhecer a importância dos Direitos Humanos e compreender que os processos

• Reconhecer que o papel do professor está ligado ao profissional cidadão, ao

Neste módulo, iniciaremos nossa conversa falando de um tema muito debatido e

A cultura de um país é muito diversificada, também na escolha da religião na qual

Por fim, estudaremos a importância de os projetos intergeracionais serem trabalhados

1.1 A história dos Direitos Humanos

Os Direitos Humanos tiveram sua origem no período da Antiguidade, por volta

Ciro, o Grande, libertou os escravos, declarou que todas as pessoas tinham o

Análogo: que ou o que tem analogia; que ou o que é semelhante, parecido,

A escrita cuneiforme foi criada na Antiguidade pelo povo sumério, e sua

Os decretos de Ciro tornaram-se inspiração para os povos da Índia, da Grécia e

Estoicismo: doutrina fundada por Zenão de Cício (335–264 a.C.) em

Inerente: que existe como um constitutivo ou uma característica essencial

A convite do Conselho Federal Suíço e do Comitê de Genebra, em 1864 uma

A partir desse encontro, a Convenção de Genebra determinou em documento

Tanto a Primeira Grande Guerra quanto a Segunda Grande Guerra deixaram

A fundação da ONU possibilitou que os direitos naturais de todos os homens, até

• O direito ao respeito pela dignidade e pelo valor de cada pessoa;

• A inalienabilidade, ou seja, ninguém pode ser privado de seus direitos

Anna Eleanor Roosevelt nasceu na cidade de Nova Iorque em 1884, vindo

Envolvida com questões humanitárias e de justiça social, lutou por

A Comissão apresentou, portanto, um novo documento intitulado Declaração

Este vídeo trata de forma objetiva a história dos Direitos Humanos.

Ficha técnica: The Story of Human Rights

1.2 Os Direitos Humanos no Brasil

Dicotomia: ETIM gr. dikhotomía — divisão em duas partes iguais.

Este vídeo relata o trabalho desenvolvido pela ONU em todo o mundo,

Ficha técnica: A ONU é seu mundo

Segundo a Unesco, a educação em direitos humanos é uma parte integral

Este link permite o acesso ao Programa Mundial para a Educação em

Ficha técnica: World Programme for Human Rights Education.

Redefinir imaginários e mentalidades de uma sociedade não é tarefa fácil, por

1.3 A Educação em Direitos Humanos no Brasil

A definição de educação em direitos humanos fundamenta-se em primeiro lugar

No caso do Brasil, a mudança cultural está ligada à quebra de valores e costumes

1.3.1 Formação de professores para a Educação em Direitos Humanos

Os modelos educacionais vivenciados na maioria das escolas brasileiras

Os professores não devem ser considerados técnicos ou instrutores responsáveis

Analisar os documentos internacionais e, principalmente, os documentos

Texto Constitucional Texto da LDB

I – igualdade de condições para o I – igualdade de condições para o

II – liberdade de aprender, ensinar, II – liberdade de aprender, ensinar,

III – pluralismo de ideias e oncepções III – pluralismo de ideias e oncepções

VI – gestão democrática do ensino VIII – gestão democrática do ensino

X – valorização da experiência extra-

XI – vinculação entre a educação

XII – consideração com a diversidade

Ao analisar o quadro comparativo entre a Constituição e a LDB, é possível

Outros documentos importantes e que devem ser estudados são: o Estatuto da

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o marco regulatório legal dos

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está disponível no site do

Ficha técnica: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) é o documento

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) está

Ficha técnica: Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)

As Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DNEDH) foram

As Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DNEDH) estão

Ficha técnica: Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)

Alteridade: situação, estado ou qualidade que se constitui através de

A educação em direitos humanos permite, portanto, a construção de novos

Outro fator que também reforça os papéis diferenciados de gênero é a atitude

Isso se dá também em relação aos brinquedos. Os meninos desde cedo são