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Moçambique: "O menino bonito" da Vale.

Entrevista especial com Jeremias Vunjanhe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Moçambique: "O menino bonito" da Vale.


Entrevista especial com Jeremias Vunjanhe





 06 Outubro 2011

Instalada em Moçambique desde 2004, a mineradora brasileira Vale tem causado


polêmica entre os trabalhadores, ambientalistas e ativistas moçambicanos ao explorar
minério na bacia carbonífera de Moatize, "uma das maiores reservas de carvão mineral
não exploradas do mundo", conforme informação do jornalista Jeremias Vunjanhe,
que concedeu esta entrevista à IHU On-Line por e-mail.

Assessor da Justiça Ambiental/Amigos da Terra Moçambique, Vunjanhe denuncia


com frequência os impactos ambientais da ação da multinacional brasileira no
continente africano e a precarização das condições de trabalho enfrentadas pelos
funcionários da empresa. Segundo ele, em 2007, a Vale assinou um contrato com o
governo moçambicano, garantindo sua permanência no país até 2030 para explorar
uma área de 23.780 hectares.

Sete anos após a instalação da empresa em Moçambique, Jeremias Vunjanhe conta


que, juntamente com a Riversdale, os acionistas da instituição têm "se convertido em
proprietários absolutos das unidades hoteleiras e restaurantes, das vias de acesso, do
aeroporto local, enfim do destino da província. A Vale está interferindo no
funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se com maior relevância do
que a maioria dos órgãos públicos locais como ator nos processos de decisões políticas,
econômicas e sociais". De acordo com ele, a situação social e econômica da sociedade
piorou nos últimos cinco anos porque o crescimento econômico não está associado à
criação de empregos e redução da pobreza.

Apesar de Moçambique ter conquistado a independência da dominação estrangeira há

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mais de 30 anos, Vunjanhe esclarece que a sociedade ainda convive com os reflexos da
ditadura do partido único, "limitando totalmente os direitos e as liberdades
fundamentais do seu povo". Exemplos do passado são percebidos no presente a partir
da atuação dos sindicatos, que possuem relações estreitas com o governo moçambicano.
"Quase todos os sindicatos existentes no país, incluindo o dos trabalhadores da Vale, é
controlado pelo governo e pelo partido Frelimo, que simultaneamente tem interesses
empresariais no projeto da Vale em Moatize", menciona.

Jeremias Vunjanhe é graduado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes –


ECA da Universidade Eduardo Mondlane – UEM, de Moçambique e assessor de
organizações de base comunitárias.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste o projeto da Vale em Moçambique? Há


quanto tempo a empresa brasileira está atuando no país?

Jeremias Vunjanhe – O projeto da Vale Moçambique consiste na pesquisa,


prospecção e exploração mineira na bacia carbonífera de Moatize, uma das maiores
reservas de carvão mineral não exploradas do mundo e de elevadíssima qualidade,
situada na província central de Tete, de Moçambique, a aproximadamente 1.700 km ao
norte de Maputo, capital do país. O investimento inicial foi de 1,322 bilhões de dólares.
A Vale Moçambique Ltda é um consórcio composto pela Vale, que detém 85% do
projeto e por empresários moçambicanos que ainda não foram tornados públicos, os
quais têm 15% de participação do empreendimento.

A Vale, através da sua subsidiária Vale Moçambique, está presente em aqui desde
novembro de 2004, depois de ter sido escolhida pelo governo por meio de um concurso
internacional aberto para adjudicação das minas de carvão de Moatize no âmbito do
Plano do Gabinete de Desenvolvimento do Vale do Zambeze. Em junho de 2007, a Vale
assinou um contrato mineiro com o governo moçambicano até 2030, renovável por
igual período e obteve uma concessão mineira numa área de 23.780 hectares. O projeto
de exploração da mina de carvão de Moatize concedido à Vale é desenvolvido a céu
aberto. Na fase de plena exploração, a capacidade da mina da Vale vai atingir cerca de
26 milhões de toneladas de carvão bruto, que, depois do respectivo tratamento, vai
obter-se cerca de 11 milhões de toneladas de carvão metalúrgico e carvão energético,
dos quais 8,5 milhões de toneladas (Mtpa) de carvão metalúrgico – hard coking coal – e
2,5 Mtpa de carvão térmico. O restante carvão remanescente do processo de tratamento
do carvão bruto tem um teor de cinzas demasiado elevado para poder ser
comercializado. Então, a Vale pretende utilizá-lo numa central térmica de 2600MW a

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ser instalada em Moatize, a qual tem um investimento estimado em 2 bilhões de


dólares.

No contrato mineiro foram concedidos benefícios fiscais ao abrigo do Código de


Benefícios Fiscais (Decreto 16/2002) em vigor antes da nova legislação fiscal mineira
aprovada em julho de 2007. Eles foram considerados prejudiciais para a economia e
para o desenvolvimento do país por muitos setores da sociedade moçambicana. Desde
setembro de 2010, a Vale optou por comprar uma participação de 51% na sociedade de
Desenvolvimento do Corredor do Norte – SDCN por 21 milhões dólares e está
realizando um estudo de impacto ambiental para a exploração de uma mina de fosfato
na Província de Nampula, norte de Moçambique.

IHU On-Line – Como você vê a instalação da Vale em Moçambique? Por


que afirma que se inicia um "novo ciclo de escravatura com a conivência
dos dirigentes" no país?

Jeremias Vunjanhe – Como cidadão moçambicano, vejo o processo de instalação da


Vale em Moçambique com muita preocupação, perplexidade e indignação.
Aparentemente, a Vale seguiu formalmente todos os procedimentos exigidos por lei
para dar início ao processo de instalação e obtenção da concessão do projeto de carvão
de Moatize. Dada a sua capacidade de propaganda, a instalação da Vale aqui foi vista
como promissora e despertou muitas expectativas no povo moçambicano, esperançados
por oportunidades de emprego e de desenvolvimento do país. Porém, muito
rapidamente a instalação da Vale Moçambique converteu-se num dos mais bem
sucedidos processos de transformação do país numa plataforma privilegiada para a
realização dos interesses capitalistas excludentes e alheios aos moçambicanos dos
grandes grupos empresariais e países do centro e emergentes.

Através de critérios não transparentes e razões desconhecidas, a Vale venceu, em


novembro de 2004, o concurso internacional lançado pelo governo moçambicano e
iniciou a expansão do seu império no centro e no norte do país disputando a acirrada
corrida das multinacionais entre si e com as comunidades pela posse e controle de terra
de Tete e Moatize com vista a partilhar as riquíssimas reservas minerais desta região e,
logo, por divergências e contestação pelas comunidades afetadas.

Gestão dos interesses nacionais

A presença da Vale Moçambique constitui também um teste na gestão e condução


dos interesses nacionais e as opções que são propostas e tomadas para o país. Num
processo pouco transparente, a Vale tem se tornado um proprietário absoluto das
reservas carboníferas de Moatize e sobre elas tem estruturado a sua hegemonia,

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expansão e internacionalização. A velocidade com que as riquezas minerais de Moatize


se revelaram ao mundo não evitou que a Vale reformulasse a sua estratégia comercial,
domínio, controle e aplicação do mesmo modelo de escoamento de recursos em todos
os cantos do mundo através da criação de corredores logísticos e sistemas de
transportes para escoamento e implantação de um parque industrial que lhe permite
total independência e autonomia nos seus negócios e exclusividade na gestão dos ativos,
mercado e vendas do carvão de Moatize e de ferro de Evate, repetindo os mesmos
impactos de devastação e destruição de territórios das comunidades.

No plano político, é indisfarçável a grande hegemonia exercida pela Vale nos corredores
políticos de Tete e de Maputo, que a par da Riversdale (outra mineradora de capitais
australiana recentemente comprada pela Rio Tinto) se tornaram majoritárias e
dominantes, manipulando as consciências da população e aproveitando da conivência e
submissão de alguns setores do Estado. Na cidade de Tete e em Moatize, a Vale e a
Riversdale têm se convertido em proprietários absolutos das unidades hoteleiras e
restaurantes, das vias de acesso, do aeroporto local, enfim do destino da província, por
sua importância econômica no investimento nacional e pelo seu expressivo peso na
política externa do Brasil e nas relações externas com Moçambique. A Vale está
interferindo no funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se com maior
relevância do que a maioria dos órgãos públicos locais como ator nos processos de
decisões políticas, econômicas e sociais.

As instituições do governo de Tete parecem estar perdendo o controle do barco. Aliás, a


grande questão que se levanta neste momento é saber até que ponto as autoridades
governamentais de Tete e de Moatize conseguirão acompanhar os gigantescos passos
das multinacionais, entre as quais a Vale que de pouco em pouco toma conta dos
destinos não só desta região central do país, mas de todo Moçambique.

IHU On-Line – Qual é o perfil dos trabalhadores que atuam na Vale


Moçambique?

Jeremias Vunjanhe – As informações relativas ao setor do projeto da Vale


Moçambique Ltda são muito escassas. Como deve imaginar, a Vale é uma empresa
muito fechada e não permite o acesso à informação. Contudo, sabe-se que o perfil dos
trabalhadores a serviço da empresa é diversificado e diferenciado desde a sua
nacionalidade, passando pelas condições de trabalho e pelos salários. Na fase pré-
operacional, concluída no primeiro semestre do presente ano, a Vale chegou a
contratar técnicos elementares, técnicos médios, bacharéis, licenciados e doutores de
variadas profissões e categorias entre guardas, pedreiros, eletricistas, operadores de
máquinas, cozinheiros, engenheiros, médicos, geólogos, motoristas, mecânicos, etc.

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Atualmente, com o início da fase de exploração do carvão, muitos funcionários de baixa


qualificação e formação profissional foram despedidos. As demissões geraram
reivindicações dos trabalhadores.

IHU On-Line – Qual é a situação de trabalho dos moçambicanos que atuam


na Vale? Por que eles ameaçam fazer greve na empresa? O que eles
reivindicam?

Jeremias Vunjanhe – A situação de trabalho dos moçambicanos que atuam na Vale


é extremamente desigual. Há grupo de moçambicanos recrutados em Maputo e, por
outro lado, os filhos de dirigentes políticos e governantes estão na capital de
Moçambique. Eles possuem um grau de instrução superior àqueles que têm uma
situação de trabalho considerada muito boa e que aufere salários muito elevados à
semelhança dos trabalhadores brasileiros e outros estrangeiros. Entretanto, a maioria
dos trabalhadores com pouca instrução e experiência profissional encontra-se numa
situação extremamente precária e com salários muito baixos. Várias são as denúncias
feitas por trabalhadores e populares sobre a violação da lei do trabalho moçambicana e
o desrespeito da Vale com os mais elementares direitos humanos. Há também relatos
de expulsões arbitrárias e sem justa causa.

Trabalhadores afetados pelo projeto da Vale, com quem tive a oportunidade de


conversar, relatam que o ambiente de tensão e a onda de descontentamentos no seio
dos trabalhadores, que marcou os dias que precederam a circulação do primeiro
comboio carregado de 2700 toneladas de carvão mineral de Moatize, continuam e são
extensivos a quase todas as empresas contratadas pela Vale para a prestação de
serviços em diversos setores. Essa situação resulta da continuada atitude de arrogância,
falta de diálogo e da inobservância dos direitos dos trabalhadores por parte dos
responsáveis do projeto com a conivência de setores importantes do governo de
Moçambique.

Os trabalhadores reivindicam também as demissões em massa e sem justa indenização,


baixos salários e condições de trabalho. A Vale mantém com muitos dos trabalhadores
um vínculo contratual precário e de curta duração, pondo os numa situação de
constante insegurança.

A Vale tem desrespeitado os direitos dos trabalhadores e não tem honrado suas
promessas de progressão na carreira profissional. Trabalhadores queixam-se de serem
forçados a refeições que lhes provocam alergias e dores no estômago e denunciam os
descontos injustos a que são submetidos para o pagamento das refeições.

IHU On-Line – Como os sindicatos da categoria se posicionam diante da

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possibilidade de greve por parte dos trabalhadores e diante das


reivindicações?

Jeremias Vunjanhe – Moçambique nasceu dos escombros da dominação colonial


estrangeira, e, após a Proclamação da Independência, em 1975, o país adotou
unilateralmente o regime comunista e a ditadura do partido único, limitando
totalmente os direitos e as liberdades fundamentais do seu povo. Durante 15 anos até
1990, os sindicatos eram partes integrantes das organizações de massas ao serviço da
ditadura de partido único. Atualmente, 20 anos depois da instauração de um Estado de
Direito democrático, os sindicatos continuam impregnados por uma forte herança do
comunismo e mantêm a cultura de lealdade ao governo e ao partido que está no poder
(Frente de Libertação de Moçambique – Frelimo). E, por assim dizer, quase todos os
sindicatos existentes no país, incluindo o dos trabalhadores da Vale, é controlado pelo
governo e pelo partido Frelimo, que simultaneamente tem interesses empresariais no
projeto da Vale em Moatize.

No caso em apreço, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria de Construção


Civil, Madeiras e Minas de Moçambique – Sinticim, que lida com a possibilidade de
greve e das reivindicações dos trabalhadores da Vale, é financiado e controlado pela
Vale e como tal pouco ou quase nada faz para defender os direitos dos trabalhadores.
Aliás, o Sinticim é acusado pelos trabalhadores de estar a reboque dos interesses da
Vale e de prejudicar os trabalhadores porque serve como espião da empresa.

Neste momento,em conversa com um dos líderes do Sinticim, soube que a Vale
negociou com os trabalhadores e que chegaram a um acordo para evitar a greve. Por
outro lado, o recurso à intervenção de forças especiais da Polícia da República de
Moçambique – PRM é frequente da parte da Vale e do governo local, para persuadir e
reprimir os trabalhadores que se manifestarem.

IHU On-Line – Como descreve a situação econômica e social dos


moçambicanos? Há diferenças regionais entre Sul, Norte e Centro, como
ocorre no Brasil?

Jeremias Vunjanhe – Sem sombras de dúvida, Moçambique apresenta diferenças


regionais entre Sul, Centro e Norte como ocorre no Brasil. Entretanto, o caso
moçambicano é espectacularmente singular e escandaloso. As diferenças regionais
entre o Sul, Centro e Norte são abismais. A cada dia que passa, acentuam-se a uma
velocidade de "avestruz’. Apesar da maior parte da riqueza do país situar-se nas regiões
Centro e Norte, elas são as mais pobres comparativamente com o Sul, onde está a
capital Maputo, hospedeira de todo o poder político e econômico.

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Segundo Paula Carvalho e Lara Wemans (2008), "a economia moçambicana


continua a ser considerada pelos observadores internacionais como um caso de sucesso
em países com experiências recentes de guerra. A adequada implementação de políticas
de estabilização e o sucesso na pacificação do território têm sido os principais
responsáveis pelo bom desempenho da economia. Adicionalmente, as entradas de
investimento estrangeiro direcionado a grandes projetos de investimento e as ajudas
dos doadores internacionais continuam a desempenhar um papel para o
enquadramento favorável que tem caracterizado o país".

Desenvolvimento insustentável

Todavia, estes projetos de avultados beneficiam prioritariamente aos acionistas das


respectivas empresas transnacionais, as quais se apropriam da terra, dos recursos
naturais, da natureza e destroem a vida de pessoas, animais e ecossistemas em nome do
"desenvolvimento" e do lucro, forçando injustamente o reassentamento de muitas
comunidades sem garantir a canalização dos devidos benefícios compensatórios e
indenizações. Um dos maiores projetos de investimento no país é o projeto de carvão
mineral de Moatize desenvolvido pela Vale Moçambique Ltda.

Paradoxalmente, nesta última década Moçambique é um dos países do mundo que mais
contribui com o desenvolvimento. É conhecido como "o menino bonito" dos doadores
internacionais, para recorrer à expressão do jornalista e acadêmico Joseph Hanlon.
Na verdade, informações oficiais revelam que a situação social e econômica dos
moçambicanos piorou nos últimos cinco anos. Segundo dados publicados no Relatório
do Mecanismo Africano de Revisão de Pares de 2011, "há também a preocupação de que
o crescimento econômico não tem estado associado a uma significativa criação de
emprego e redução da pobreza. O país enfrenta um grande e crescente desemprego,
particularmente entre os jovens". O Marp, uma iniciativa africana de avaliação do
progresso dos países do continente, acrescenta ainda que uma outra fonte de
preocupação é o aumento da desigualdade nos rendimentos. Moçambique não tem sido
capaz de tratar o problema da crescente desigualdade de rendimento (dentro e entre as
regiões, e entre as zonas urbanas e rurais). As desigualdades não são só evidentes em
relação ao rendimento, mas também em relação a outros serviços básicos como saúde e
educação.

As elevadas desigualdades existentes na sociedade moçambicana e o aumento contínuo


da pobreza, principalmente nas zonas rurais e nos bairros suburbanos das principais
cidades moçambicanas, têm propiciado a existência de um permanente ambiente de
instabilidade social e política, que se refletiu nas violentas manifestações populares
registradas nos dias 1º, 2 e 3 de setembro de 2010, nas cidades de Maputo, Matola e

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Chimoio. O Inquérito de Trabalho Agrícola – TIA (2008) revelou que a maioria das
famílias rurais (composta por um mínimo de cinco membros) tinha um ganho efetivo
menor de trinta meticais (moeda local que vale menos de um dólar norte americano)
por semana, e a maior parte estava mais pobre em 2008 do que em 2002. Cungura e
Hanlon (2010) defendem que houve fracasso no processo de combate à pobreza em
Moçambique, pois ela aumentou nos últimos anos. O CHR Michelsen Institute (2010)
sustentou que a pobreza urbana, sobretudo na cidade de Maputo, está crescendo cada
vez mais e há falta de recursos essenciais para a sobrevivência das populações.

IHU On-Line – Como a mídia se posiciona em Moçambique e que papel a


imprensa representa diante da sociedade civil e das situações de
desigualdade social?

Jeremias Vunjanhe – Apesar de Moçambique ter alcançado importantes progressos


em matérias do direito dos cidadãos à informação e à liberdade de expressão e de
imprensa – no ano de 2011 celebramos os 20 anos da lei de imprensa (Lei 18/91 de 10
de agosto) e da instauração do regime democrático –, a mídia em Moçambique ainda
apresenta muitas fragilidades, condicionalismos e inúmeras dificuldades de caráter
financeiro e material ligadas a sua própria sustentabilidade. Também enfrenta
condicionantes políticos exercidos por alguns setores do governo desde a
independência do país, em 1975. Por outro lado, poucos jornalistas têm formação
universitária, e a sua maioria aufere baixos salários e enfrenta um ambiente muito
fechado das instituições do Estado e dos grandes interesses empresariais.

Diante deste quadro institucional, o posicionamento da mídia em relação a muitos


assuntos, particularmente ligados a grandes investimentos, é ambíguo e, até, de certa
forma, de cumplicidade. Os mídias têm se convertidos em verdadeiros instrumentos de
propaganda, anunciando que a Vale está trazendo "muitos benefícios" para
Moatize,Tete e Moçambique como um todo, reproduzindo desse acriticamente e sem a
devida investigação e imparcialidade os discursos e os comunicados de imprensa da
Vale e de outros grupos empresariais.

Entretanto, é preciso reconhecer que, durante essas últimas duas décadas, há uma
mudança significativa no setor dos mídias, particularmente aqueles considerados
independentes do governo. Eles têm desenvolvido um trabalho extraordinário na
cobertura e divulgação das agendas e demandas da sociedade civil, cobrando do
governo mais vigor na solução dos problemas que o país enfrenta.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Jeremias Vunjanhe – O projeto de extração do carvão mineral de Moatize tem

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suscitado críticas e discussões envolvendo governo, ambientalistas, acadêmicos e


organizações da sociedade civil em torno dos custos e benefícios econômicos, sociais e
ambientais. O trabalho de monitoria da Justiça Ambiental/Amigos da Terra
Moçambique permite concluir que o padrão vigente de implantação da Vale e
consequentes processos de reassentamento, compensação e indenização das
comunidades e investimentos sociais têm provocado, de maneira permanente, graves
violações dos direitos humanos das comunidades. Há desrespeito dos mais elementares
direitos humanos e liberdades básicas consagradas na Constituição da República de
Moçambique e demais legislação em vigor. A título de exemplo, a restrição da livre
circulação e movimentação dos cidadãos das comunidades de Moatize, violando desse
modo o n. 2 do Artigo 55 relativo à liberdade de residência e de circulação.  Também há
violação dos direitos à informação, à habitação adequada, ao trabalho e ao digno padrão
de vida, às práticas e modos de vida tradicionais comunitários, bem como o acesso e
preservação de patrimônios culturais materiais e imateriais.

Diante deste cenário, a Vale é uma empresa incapaz de respeitar os direitos das
pessoas e de conviver com elas. É urgente acelerar o processo de fortalecimento dos
povos e das comunidades afetadas pela ação danosa da Vale, denunciando-a
amplamente, forjando resistências e alternativas locais coordenadas
internacionalmente. O Brasil desempenha um papel estratégico nessa mobilização.

(Por Patricia Fachin)


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